a graça divina

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FACULDADE VICENTINA MARCIA GABBARDO A GRAÇA DIVINA NA VIDA DO SER HUMANO COM A VISÃO DO PENSAMENTO TEOLÓGICO DE KARL RAHNER CURITIBA 2012

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Trabalho de conclusão de Curso de Ir. Márcia Gabbardo, ascj. - Graduada em Teologia pela Faculdade Vicentina.

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FACULDADE VICENTINA MARCIA GABBARDO

A GRAÇA DIVINA NA VIDA DO SER HUMANO COM A VISÃO DO PENSAMENTO

TEOLÓGICO DE KARL RAHNER

CURITIBA 2012

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MARCIA GABBARDO A GRAÇA DIVINA NA VIDA DO SER HUMANO COM A VISÃO DO PENSAMENTO

TEOLÓGICO DE KARL RAHNER

Monografia apresentada ao curso de Bacharelado em Teologia, da Faculdade Vicentina de Filosofia e Teologia, para a obtenção do grau de Bacharel em Teologia. Orientador: Profº. Ms. Thiago Onofre Maia

CURITIBA 2012

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da graça na minha vida. Desde o meu Batismo, ele habitou e quis fazer morada em meu coração. Hoje sinto o grande amor que ele tem

todos os dias em me criar, amar e dar a oportunidade de perceber esse amor nas pessoas que são a imagem e semelhança de seu amor. A cada dia sinto a alegria de

adentrar no mistério de Cristo, tornando-me mais humana.

Ao Instituto das Apostolas do Sagrado Coração de Jesus, na pessoa de Madre Mary Clare Millea (Superiora Geral) e Ir. Maria de Lourdes Castanha (Superiora Provincial)

que me oportunizou este tempo de estudos acadêmicos, os quais me ajudaram a crescer na fé, e abriram horizontes na compreensão no mistério de Cristo.

A minha atual comunidade religiosa da Escola Santa Teresinha do Menino Jesus, pelo incentivo, empenho e colaboração na realização do trabalho, além das trocas de experiência que cada uma traz no dia a dia da presença viva de Cristo, que me

fortalece.

A minha querida família, pai Valter e minha mãe Lourdes, que desde o nascimento me ensinaram a fé, na simplicidade de minha casa que aprendi como é o amor de

Deus. Aos meu dois irmãos Marciano e Marcelo, que sempre estiveram presente na minha vida com alegria e com uma fé verdadeira a Deus e a Nossa Senhora.

Ao Orientador Prof°.Ms.Thiago Onofre Maia, que generosamente aceitou

empreender comigo este desafio, a paciência e a dedicação. Sou-lhe grata pela oportunidade de aprender dos conhecimentos teológicos, da amizade, da sabedoria

e da competência acadêmica.

Agradeço a todas as pessoas que de um modo direto ou indiretamente estiveram colaborando na execução desta pesquisa. Que o Coração de Jesus esteja

abençoando cada um e colocando todos em seu lado aberto.

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Em graça... por graça...

“ Ó Coração que fulguras

A graça da Divindade

Em favor das criaturas

É Graça de Santidade...

Do teu amor se derrama

A misteriosa chama

Do raio vivo da aurora:

És de Deus eterna palma,

Elevando a nossa alma

Pela força redentora!”

“Com a tua claridade

Penetras em todo canto,

Luz de Eterna bondade,

Deus Onipotente e Santo.

Oferta que a Deus agrada,

E por Ele nos foi dada

Pela nossa redenção...

Ó promessa expiatória,

Graça de excelsa glória,

Certeza de salvação!”

“És perfeita e majestosa

Que não se pode dizer;

Em tudo és grandiosa

E a gente não pode ver...

E como outrora aos hebreus

Revelas aos filhos teus,

Pela Graça, esta Verdade:

Te ofereceste no Amor

Do Divino Criador

Em favor da Humanidade.”

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RESUMO

O tema desta pesquisa é a graça divina na vida do ser humano na visão teológica de Karl Rahner. O homem para chegar a Deus procura algumas vias, que têm o ponto de partida na criação, pois como o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, deve retornar a Deus. A graça de Deus habita em todos os lugares, não importa como a pessoa se encontra, mesmo se o ser humano deixou-se levar pelo pecado, a graça é capaz de socorrê-lo, porque na raiz de seu ser, o homem é aquele que é conduzido pelo próprio Deus, com o fim de encontrar-se com o ser divino. O trabalho faz referência ao modo como a graça chega ao ser humano no nosso contexto pluricultural, no meio de tantas mudanças na ciência e na tecnologia; na fé e nos valores referentes a ela. O objetivo do trabalho é compreender o desejo de Deus de atuar na vida e no coração do ser humano, na ótica da experiência no teólogo Karl Rahner. Deus transcendente opta por se revelar para que cada um seja o conheça. Essa revelação se dá na pessoa de Jesus Cristo, a partir o mistério da encarnação. Palavras chaves: graça; Deus; Karl Rahner; homem; vida.

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ABSTRACT

The topic of this research is the divine grace in the human being’s life by the theological view of Karl Rahner. In order to get to God man looks for some ways that have the starting point in the Creation. Man was created from God and should return to God. The Grace of God is everywhere. It doesn’t matter how a person is, whether or not this person has committed a sin, Grace is capable of helping him, because in his inner self, man is conducted by God in order to find the Divine. This work is about the way Grace gets to the human being in our multicultural context along with the many changes in science and technology, in faith and in its values. The purpose of this assignment is to understand God’s will in man’s life and heart according to the view and experience of the theologist Karl Rahner. God transcends and chooses to reveal Himself for everyone. Keywords: Grace; God; Karl Rahner; man; life.

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SUMARIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9

1. O DESEJO DE DEUS INSCRITO NO CORAÇÃO DO HOMEM ...................................... 11

1.1 A graça no antigo testamento ..................................................................................... 12

1.2 A graça no novo testamento ...................................................................................... 13

1.3 A graça na visão dos padres da Igreja ....................................................................... 16

1.4 A teologia da graça nos concílios ecumênicos ......................................................... 18

1.5 Na patrística ................................................................................................................. 19

1.6 Tempos modernos ....................................................................................................... 21

1.7 Tempos contemporâneos ........................................................................................... 22

1.8 A graça como experiência santificante ...................................................................... 25

1.9 A inspiração primordial: Cristo .................................................................................. 26

1.10 A fé como resposta .................................................................................................... 28

1.11 Opções fundamentais do ser humano ..................................................................... 29

2. A GRAÇA DE DEUS NO SER HUMANO NO PENSAMENTO DO TEOLOGO KARL

RAHNER ............................................................................................................................. 31

2.1 A comunicação de Deus ao homem ........................................................................... 33

2.2 A graça a partir da revelação ...................................................................................... 35

2.3 O ser humano aberto ao mistério ............................................................................... 38

2.4 O ser humano e Deus .................................................................................................. 40

2.5 A experiência de Deus na teologia ............................................................................. 43

2.5.1 A experiência de Deus como núcleo do pensamento ranhneriano .............................. 43

3. O ALCANCE DA GRAÇA DE DEUS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO .................. 47

3.1 Mudanças sociais e subjetivas racionais ................................................................... 47

3.2 A linguagem nos que cremos temos a oferecer ao ser humano contemporâneo .. 51

3.2.1 Na sociedade plurifacitaria: qual o lugar da graça ? .............................................. 53

3.3 Meios e pistas para a compreensão da graça no mundo contemporâneo .............. 54

3.3.1 Os meios para vivenciar a graça na atualidade: a fé (1), esperança (2) e o amor (3). . 55

3.4 O testemunho de pessoas simples que deixaram a graça de Deus atuar na vida .. 58

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3.4.4 O ser humano como sentido da graça ........................................................................ 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 65

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INTRODUÇÃO

O objetivo desta pesquisa é apresentar aspectos fundamentais do que mais

tem sido importante na vida de fé do cristão: o tema da graça. Nesses anos de

faculdade tive uma grande admiração pela graça de Deus, dom gratuito que se

destina ao ser humano. Posso afirmar que quando escutava as experiências de

como Deus transformava vidas, uma vontade muito grande ia surgindo, e o desejo

de aprofundar a experiência teórico-prática se intensificava.

Adentrando mais no mistério da graça procurei aprofundar e tentar entender

como a graça poderia fazer parte, já na Sagrada Escritura, na vida dos profetas no

Antigo Testamento e no Novo Testamento na vida dos apóstolos. A pesquisa foi

tomando um jeito de quebra-cabeça, cada peça foi encaixando-se.

Objetivo do meu trabalho é demonstrar a graça de Deus na vida do ser

humano de acordo com a visão do teólogo católico Karl Rahner. Escolhi-o, pois

quando escreve sobre a graça, o faz pela própria experiência. Rahner foi jesuíta, e

assim as maiores experiências de sua vida foram através dos exercícios espirituais

feitos durante trinta dias.

Na minha experiência de pastoral-catequética observo nos pais dos

catequizandos como Deus, aos poucos, vai tomando lugar na vida de cada um.

Muitos não acreditam, outros fazem de conta que Deus está bem longe e como a

tarefa é incômoda é melhor ficar distante. Mas observava que através de seus filhos

algo acontecia, o Deus que já habita dentro de cada um toma seu lugar nas ações,

nas atitudes, na vida.

O que antes não queria ouvir, hoje percebe que Deus sempre conduziu sua

vida, quando vinha até a catequese queria falar de Deus, pedia a seus filhos o que

aprendeu no encontro de catequese sobre Deus e muitos voltavam para a missa

dominical. Uma interrogação surgiu: o que será que aconteceu dentro de cada um?

Quem levou à transformação? Tudo isso procurei aprofundar em meu trabalho,

desde o início, e o enfoque principal, foi graça de Deus.

No primeiro capítulo, será apresentando a graça escrita no coração humano,

tendo por base o conceito de graça no Antigo Testamento e no Novo Testamento;

posteriormente o tema é abordado com a visão dos Padres da Igreja que trazem

uma contribuição muito grande. Em seguida, para melhor esclarecimento vê-se o

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que os concílios ecumênicos dizem sobre a graça; e, por fim, a visão de graça no

contexto contemporâneo. No segundo capítulo, tem-se o pensamento de Karl

Ranher, o coração da pesquisa. Inicia-se com uma breve biografia; passa-se a ver a

graça como revelação; a graça no ser humano e a fé como resposta ao chamado de

Deus. O autor não deixa de citar em seus escritos a graça de Deus na vida, cujo fim

é a transformação. E o terceiro capítulo, aprofunda a graça no contexto

contemporâneo: Qual seria a receptividade da ação de Deus? No meio de tantas

transformações, onde Deus está? O ser humano deixa Deus ser Deus? Traz-se

nessa reflexão, o pensamento de Leonardo Boff, que procura compreender a graça

na modernidade.

Aprofundando a graça nesse trabalho não cessam nele meu interesse e meus

estudos, pois a graça é um mistério e através da teoria se tenta experimentar, como

Ranher fez, ao procurar ajuda no conhecimento para escrever sobre a graça, mas

não limitou o conhecimento, pois mistério não tem fim, e quando se imerge nele,

mais por ele se é atraído. Eis aí a ação da graça nos fazendo novos a cada dia!

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1. O DESEJO DE DEUS INSCRITO NO CORAÇÃO DO HOMEM

O homem quando nasce já recebe no seu coração a graça do amor Deus. Em

Deus o homem nasce, cresce e se desenvolve. Quando pequeno começa entender

este amor na explicação dos pais, de que Deus ama. Pela fé cristã, pelo batismo, o

ser humano torna-se filho de Deus, filho adotivos pertencente à Santíssima Trindade

que é amor.

A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida trinitária. Pelo Batismo, o cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça da Igreja. Como "filho adotivo", pode doravante chamar a Deus de Pai, em união com o Filho único. Recebe a vida no Espírito, que nele infunde a caridade e forma a Igreja (IGREJA CATOLICA,1992, p .459)

O Ser humano, usando da inteligência dada por Deus, proclama de várias

maneiras como buscar a Deus, seja através de orações, cantos, gestos, cultos e

sacrifícios. O homem, para chegar a Deus procura algumas vias, essas vias têm o

ponto de partida na criação, pois como o homem foi criado à imagem e semelhança

de Deus, ele deve retornar à Deus. Deus teve um único meio para vir até o homem:

encarnar-se e se tornar um ser humano em carne e osso.

Jesus encarnou-se, no ventre de Maria, homem na nossa condição, exceto o

pecado. O privilégio humano de receber a graça a antevisto em Maria. Deus a

plenifica, por isso ela o concebe em seu ventre, Theotokos. Respondeu-lhe o anjo:

“O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua

sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.”

(LUCAS 1:35)

É através da beleza do mundo criado, que o ser humano vai ao encontro de

Deus, o Criador, contemplar a natureza, os animais, o ser humano. Deus ao criar o

mundo afirma e tudo era bom; ele criou o mundo com tanto carinho, para que tudo

andasse em harmonia. Santo Agostinho no livro das confissões afirma: “Interroga a

beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar que se dilata e

se funde, interroga a beleza do céu, interroga todas essas realidades. Todas elas te

respondem: olha-nos somos todas belas.” (IGREJA CATOLICA, 1993, p. 25).

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Pelo homem se vai a Deus, através da liberdade; ele tem a inspiração do

infinito à procura da felicidade. A alma do homem não tem outra origem a não ser

em Deus. Deus sopra o Ruah no ser humano ao criá-lo.

Deus quer encontrar o ser humano; precisa ir ao encontro para poder

transmitir o amor; entre o ser humano e Deus cria-se uma relação recíproca. Deus

não deixa de corresponder a esse amor. Muitas vezes, o ser humano, pelo orgulho,

quer ser autônomo e viver sem Deus. A conseqüência disso é a solidão, o

isolamento. Deus respeita a escolha de isolamento do ser humano, e se este se

arrepende e volta, Deus abre o coração para acolhê-lo do jeito que ele se encontra,

pois ele não pode negar o amor de Pai.

1.1 A graça no antigo testamento

A Sagrada Escritura apresenta o tema da graça desde o primeiro livro até o

último. Contudo, não há especificamente o conceito de graça no Antigo Testamento.

Nos livros da Bíblia, a graça tem um enfoque maior no âmbito da fé, a fé de Abraão,

a fé de Isaac, a fé de Jacó. Homens que disseram sim ao apelo de Deus em suas

vidas. A graça tem uma relação de salvação, a graça de Deus tem uma acepção à

salvação.

As promessas que Deus faz sempre têm sentido de libertação, um reino de

paz e de felicidade. Deus procura libertar o ser humano do mal, ele quer vê-lo livre e

comprometido com o YAHWEH. Em alguns livros a mensagem è de misericórdia,

Deus que se inclina ao homem com total perdão, ele se aproxima do ser humano

com ternura e compaixão (ISAIAS 14:1).

Para melhor entendermos a graça na primeira parte da Bíblia citam-se alguns

livros, com isso conhece-se como o autor expôs a experiência da graça na vida do

homem. Na tradição Javista a graça tem a definição de benção e eleição (GENESES

12:1-3), no livro do deuteronômio a graça tem a característica da aliança e a

benevolência (DEUTERONOMIO 27:28). O profeta Oséias trabalha a graça de Deus

no ser humano com o aspecto do amor e da aliança (OSEIAS 2:16-25). No livro de

Jeremias realça a amizade entre Deus e o homem. Em Isaias e muito forte a

promessa e a volta da amizade e fidelidade a Deus com o exemplo do próprio

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Messias (Is 9:1-6) Ezequiel mostra a complacência que dá graça ao homem

(EZEQUIEL 36:24-28).

Para se entender melhor o significado da palavra graça, é importante destacar

a compreensão do termo em hebraico, hnn, que expressa nas relações humanas

uma atitude de benevolência; em muitos casos de seu superior para o seu

subordinado, é a expressão teológica do amor. (LACOSTE, 2004, p. 778) O termo

hèsèd significa relação entre o homem e Deus, essa relação é marcada pela

fidelidade (JEREMIA 31:3); rhn significa a ternura parental (GENESES 32:11) e çdq

é uma ação realizada pela fidelidade à comunidade (SALMOS 36:6ss) (LACOSTE,

2004, p. 778).

Entende-se que nestes livros o tema da graça tem uma importância relevante,

porque Deus concede ao seu povo benevolência não de escravidão, mas de total

liberdade. Deus procura libertar o homem da escravidão do pecado e de tudo o que

afasta da misericórdia divina. Ele procura o bem de seu povo. O povo em vários

momentos corresponde com a infidelidade e Javé, ao contrário, retribui com amor

infinito, pleno (ISAIAS 54:7-10). Para “o judaísmo rabínico os acontecimentos da

salvação estão na Aliança e a Tora como testemunho da graça.” (LACOSTE, 2004,

p. 778).

No Antigo Testamento, a “graça de Deus é definida essencialmente como

favor de Deus; é uma expressão gratuita de sua bondade, de sua complacência de

sua misericórdia; Deus é sempre o sujeito da graça e nunca o homem.” (FERREIRA,

1981, p. 16)

1.2 A graça no novo testamento

No Novo Testamento toda a vida de Jesus gira em torno da graça, sua vida e

suas obras; a principal mensagem é ensinar o reino de Deus, fazendo a vontade do

Pai. Jesus Cristo tinha por objetivo de fazer o homem feliz. Com os milagres,

exorcismos e as curas procuraram demonstrar o amor a cada pessoa, procurou

fazer com que o homem espere e confie nele (MATEUS 6:11-13). No Novo

Testamento, o ponto-chave da temática da graça está na atividade e na pessoa de

Jesus de Nazaré.

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Cada evangelho tem uma característica específica da temática da graça. No

evangelho de Lucas a noção de graça, em grego charis, submete a misericórdia de

Deus (LUCAS 15). A noção grega profana, charis, tem duplo significado:

primeiramente designa o encanto da beleza, depois passa a significar favor,

benefício, reconhecimento. (FERREIRA, 1981, p. 16) O termo graça não vem do

grego profano, mas da tradição dos Setenta1, de uma tradução do Antigo

Testamento que significa inclinar, o olhar para alguém. Todos têm a graça, ela foi

dada a todos, não é algo externo, mas interno, é um dom gratuito; a iniciativa da

graça não é nossa, mas de Deus.

Nas três parábolas do evangelho de Lucas 15, cujo tema é a misericórdia, vê-

se o aspecto do retorno: a primeira da ovelha perdida em que o Bom Pastor deixa às

noventa e nove e vai à procura da ovelha perdida. Deus tem à graça pronta para dar

a quem se perde na vida, ele não condena, mas perdoa. Na parábola da dracma, em

que a mulher ao perdê-la procura em toda a casa e ao encontrá-la convida as

amigas para fazer festa. A última parábola, a do Filho Pródigo, o filho mais novo

pede ao pai a herança, para sair mundo afora, esbanjar. Ele vai e gasta tudo, então

pensa em voltar à casa de do pai, mas sente vergonha. O Pai ao vê-lo de longe,

corre ao encontro e o perdoa, pois essa é a característica do amor de Deus: perdoar

e não condenar.

No capitulo 1º de Lucas, a graça Deus é muito significativa na vida de Maria,

ela que foi a escolhida para ser a mãe do salvador: “Entrando onde ela estava o anjo

disse: Alegra-te cheia de graça, o Senhor e contigo” (LUCAS 1:28), mais adiante:

“Não tema Maria, pois encontraste graça diante de Deus” (LUCAS 1:30). Esta graça

Maria recebe sem a pedir.

O evangelho de Mateus caracteriza-se pela graça na felicidade e na bênção.

Jesus faz muitas curas, dá a liberdade às pessoas; não consegue somente curar as

pessoas externamente; pela sua graça cura interiormente: a cura do leproso

(MATEUS 8:1) que vai até Jesus e pede para ser curado: “Senhor, se queres, tens

poder para purificar-me.” Jesus não pensa duas vezes, estende a mão e tocando

disse: Eu quero, sê purificado. É a graça que cura e transforma.

1 Segundo LIMA (2011), setenta é uma tradução do hebraico para o grego; segundo a tradição, foi

feita por 72 escribas durante 72 dias, por isso possui o nome septuaginta que significa “tradução dos setenta”.

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Em Marcos, Jesus é o Deus da graça que oferece a todos a salvação, o reino

de Deus (MARCOS 15:1). Nesses capítulos, há um enfoque do amor, a

benevolência, da gratuidade de Deus para com os homens. Na multiplicação dos

pães, uma grande multidão está a sua escuta, mas chega a hora em que Jesus tem

compaixão porque já fazia três dias que estavam com Jesus e não tinham o que

comer. “Ele pede para que traga o que eles têm, eles trouxeram sete pães e

tomando-os deu graças partiu e distribuíram à multidão.” (MARCOS 8:5) Jesus quer

que todos sejam saciados na sua graça; se preocupa com todos, não somente com

o alimento que sacia o corpo, mas também a alma.

No quarto evangelho, a graça é caracterizada pela fé no Filho de Deus, Cristo

(JOÃO 3). A relação com o Filho conduz à vida eterna; é uma passagem do mundo

para Deus. Tudo isso se encontra enraizado no filho, que dá a possibilidade de

conhecer o Pai. No prólogo de São João, aparece Jesus que se relaciona com o ser

humano, mostrando-se a este como caminho, verdade e vida. É a manifestação do

reino, como se nota nas parábolas do Bom Samaritano, o Bom Pastor. Em todas

elas, vê-se que é pela graça que Cristo age no mundo em favor dos mais pobres,

dos esquecidos, dos que mais precisam, sob todos os aspectos.

Na Carta aos Romanos, tem-se a conjuntura de graça e fé (RAMANOS 4:16),

graça e paz (ROMANOS 1:7), graça e justificação (RAMANOS 5:20): toda a ação da

graça ocorre em Cristo. Qumran une a misericórdia e a lei. Paulo rompe para unir

Cristo à graça. (PIKAZA, 1988, p. 381) O agir de Cristo para Paulo é graça; a

imagem que o apóstolo usa referente à graça é a filiação do Pai. “Na história do

homem a graça se traduz como vida segundo o espírito (ROMANOS 8) distribuído

entre dons e carismas. (PIKAZA, 1988, p. 381)

Toda a mensagem bíblica do Novo Testamento coloca o homem no encontro

com Deus. É por graça que o ser humano vai ao encontro de Deus, concretizada na

ação trinitária: “a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a

comunhão do Espírito Santo.” (2 CORINTIOS 13:13)

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1.3 A graça na visão dos padres da Igreja

Os padres da Igreja tiveram a possibilidade de fundar sua fé nas sagradas

escrituras; a tradição oral fez com que cada um fizesse a própria experiência. Os

primeiros escritos dos Padres da Igreja se fundamentam no Novo Testamento. “O

mistério da graça é anunciado na pregação e na presença no Batismo e na

Eucaristia.” (PIKAZA, 1988, p. 382) Afirma-se, no cap. VII da didaquê: “A graça

introduz os homens na relação com Deus, em Cristo pelo dom do Espírito e na

comunidade eclesial.”

Os padres gregos dão continuidade à tradição transmitida pelos apóstolos

através da tradição oral; liam a Sagrada Escritura e davam a oportunidade aos

catecúmenos a fazerem a experiência de Cristo na Palavra. Essa relação gerava

uma nova aliança, assim como no Antigo Testamento: Deus faz a aliança com o

homem. O teólogo Bernardo Sesbouie afirma que “a graça e a misericórdia

destacam a salvação do eleito como testemunho da fidelidade de Deus a sua

aliança.” (SESBOUIE, 2003, p. 307) Sua afirmação aprova como eram os primórdios

da Igreja em que a graça atuante transformava o ser humano e havia grande adesão

ao caminho de Cristo. Nesse período era forte a proposta de abraçar o cristianismo,

de receber o batismo para ser o eleito.

O bispo São Clemente de Roma defende que, “para a salvação eram

necessárias as obras”, uma afirmação já feita no Concilio de Trento: "Nada do que

precede a justificação - seja fé, sejam obras - merece a graça da justificação, porque

se é pela graça, não o é pelas obras. Clemente acredita, que o homem se salvará

pela sua fé, a justificação dele e pela fé Sola Fidei, mas que ele deve guardar os

mandamentos e cumprir a vontade de Deus. Não que ele afirme que às obras sejam

um produto de fé, mas é o meio que salva o homem. Essa afirmação, ao que parece

estrige as obras como salvação do homem.

No comentário à Carta aos Coríntios 21:4-6, Clemente afirma o perigo que

pode ocorrer se o ser humano não permanecer na graça. “Vigiai caríssimos, para

que os vossos benefícios, que são muitos, não se convertam para nós motivo de

condenação, caso não haja plena concórdia, vivendo conduta digna d’Ele, o que é

bom e agradável em sua presença.” A vigilância é necessária, pois muitas vezes

acabamos nos acomodando e colocando toda à responsabilidade em Deus,

Page 17: A graça divina

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deixando a nossa parte de lado, que na verdade deveria ser às duas vontades, a do

ser humano e a divina. A doutrina dos protestantes afirma, ao contrario de Clemente,

pois estando salvos, sempre serão salvos.

Inácio bispo de Antioquia escreve sobre a fé nas sete cartas conservadas.

Para eles não é somente necessário proclamar a fé, mas permanecer nela até o fim,

isso explica que a fé leva também a caridade, elas devem andar juntas. "Nada de

tudo isso seja ocultado de vós, por terdes em grau pleno para com Jesus Cristo

aquela fé e caridade que são princípio e fim da vida. O princípio quer dizer, a fé; o

fim, a caridade. “(EFESIOS 14:1-2).

Santo Irineu de Lion, bispo e mártir, discípulo de São Policarpo, este foi

discípulo do Apostolo São João, considerado muito importante pelo seu tratado

contra às heresias, principalmente contra o gnosticismo. Para ele a graça e resistível

por que Deus fez o homem livre e derrama a graça sobre todos os homens, quem

pode se condenar, quem faz a própria escolha: “Quantas vezes quis acolher os teus

filhos, porém tu não quiseste” (MATEUS 23: 37), bem descobriu a antiga lei da

liberdade humana, pois Deus fez o homem livre, o qual, assim como desde o

princípio teve alma, também gozou de liberdade, a fim de que livremente pudesse

acolher a Palavra de Deus, sem que Este o forçasse. “(Contra as Heresias 4:37)

Ele procura definir a graça como a comunhão e unidade que acorre no

homem como transformação; ele entende como um processo salvífica Oikonomia2,

no qual Deus utiliza o processo pedagógico paideia que leva o homem a participar

da vida divina. A centralidade desse encontro é a encarnação do próprio Cristo, em

que a imagem degradada de Deus torna-se completa e restaurada no homem.

Orígenes, escritor eclesiástico, foi o maior mestre de doutrina Cristã e

intérprete da Bíblia. Afirma que o crente justificado, se não cuidar ele pode cair do

estado da graça, por sua própria vontade, quando ele comete pecados graves e não

cumpre os mandamentos: "Inclusive na Igreja, se alguém é circunciso pela graça do

batismo e logo depois se converte em transgressor da lei de Cristo, a circuncisão do

batismo é para ele como incircunciso, porque a fé sem obras é morta (Comentário

sobre RAMANOS 2: 25).

Tomás de Aquino afirma “que o essencial da graça, está desde a origem

destinada à comunhão com Deus, sendo que o homem não pode chegar ao destino

2 Economia Divina

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sem a graça de Deus.” ST Ia IIae q. 109-111 (LACOSTE, 2004, p. 778). O homem

no pecado necessita da graça, sendo assim observa que o homem não possui a

graça exteriormente, mas recebe-a de Deus, sendo a graça santificante.

Nesse mesmo século os Padres afirmavam a distinção entre graça incriada e

graça criada, a graça incriada; (gratia encreata) é a relação de amor que o homem

tem com Deus; e a graça criada (gratia criata) é a ação da graça divina no homem.

Nesse período eram muito fortes a fé e as obras; dava-se a liberdade do ser

humano de escolher a graça na sua vida; era forte a vivência da Sagrada Escritura,

os Padres tinham a visão da justificação com as obras.

1.4 A teologia da graça nos concílios ecumênicos

Na história, houve vinte e um concílios, entre esses sete ecumênicos. Os

concílios eram reuniões feitas com todos os bispos para discutir e combater

principalmente as heresias, que prejudicavam os ensinamentos do Novo

Testamento, criando uma barreira entre o homem e Deus. No início, o termo

ecumênico era designado ao Império Romano, posteriormente ao mundo todo. Para

melhor, é possível verificar o modo como a graça foi vista em alguns concílios.

No ano de 325, acontece o Concilio de Nicéia que teve como motivo principal

a condenação do arianismo. Arius era um padre de Alexandria que defendia a idéia

que o Filho era inferior ao Pai, ate afirmou que era uma criatura criada, que era

superior, mas uma criatura, com isso ele afirma que Cristo é menos que Deus.

Assim o homem não poderia ser divinizado. O Concílio responde: “Apenas se Cristo

for verdadeiramente Deus, poderá nos unir a Deus, pois ninguém além de Deus

poderá abrir para o homem o caminho da união. Cristo é ‘um em essência’

(homoousios) com o Pai.” (KATLAB, 2004, sem página).

No concílio de Calcedônia, em 451, havia uma luta contra o nestorianismo

que admitia em Jesus duas naturezas e duas pessoas, afirmando que ele só se

tornaria divino depois da Encarnação, colocando que em Jesus só poderia se falar

que ele tinha uma única natureza, a divina. Essa afirmação prova que Jesus não era

responsável de seus atos humanos e sim a sua natureza divina. Em toda a vida de

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19

Jesus havia as duas juntas e afirmando que no ser humano e as duas que atuam

com a graça. O Concilio de Trento traz outra contribuição acerca da graça. Assim

afirma que a “graça de Deus desperta e socorre a criatura, possui uma prioridade

absoluta sobre ação humana, mas que dá a liberdade ao ser humano”

(LACOSTE, 2004, p.780)

Essa afirmação é feita para responder à Reforma, pois o Concilio não aprovou

as idéias da Reforma que dizia que a graça era a justificação, ou ainda que o

pecador busca em vão justificar-se por suas obras.

1.5 Na patrística

Os padres do período da patrística acentuam a graça como um mistério

dinâmico e de unidade, eles afirmam que Deus è quem toma a iniciativa e vai ao

encontro do Homem, como isso o torna participante da vida de Deus. Essa

afirmação coloca cada pessoa no messianismo de Jesus, pois Jesus foi um mestre

que ia ao encontro do discípulo e o chamava, bem ao contrário dos mestres daquele

tempo.

Esse chamado que Deus faz na vida do ser humano gera certo conflito, pois,

todo encontro com Deus pede uma mudança, um sair da acomodação para ser um

cristão novo. A ação do Espírito Santo é o que ajuda o ser humano a manter-se na

graça de Deus, a tomar rumo certo no momento da mudança. Pensa-se como Deus

é sábio e sabe tocar no coração humano, ele sabe que o homem precisa de

mudanças, que sozinho ele não consegue e por isso o favorece com a força

necessária caso o ser humano não tenha coragem da mudança. Assim, viveram os

primeiros cristãos, as lutas, as mudanças, a força de enfrentar até a morte por causa

de Cristo, que levou grandes homens e mulheres a serem pessoas de fé.

Neste período teve uma discussão em que alguns padres entre eles,

Tertuliano, Orígenes, usando o argumento de Atanásio e outros, afirmam que se o

Filho e o Espírito Santo não forem Deus, não se teria a salvação. “Essa teologia dos

padres confirma a unidade entre a filiação de Cristo com a filiação do Espírito Santo,

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20

que estão presas entre si, e a unidade da teologia com a economia, entre a graça e

o mistério.” (PIKAZA, 1988, p.383).

Na patrística do Oriente, “a graça é a união entre a Trindade e a economia da

salvação.” (PIKAZA, 1988, p.383) Cirilo de Jerusalém dá um enfoque no mistério da

imagem e semelhança do homem com Deus e a inabilitação do Espírito Santo.

Vários são os padres da Igreja que fazem referência da graça com essa união da

Trindade com a economia. Cita-se Gregório de Nisa que afirma a união hipostática

com Cristo. Basílio descreve a santificação que o Espírito realiza.

A convicção dos padres da Igreja do primeiro século, de que o destino do ser

humano é Deus, no Pai, e se completa no Filho e no Espírito Santo onde se realiza

totalmente a transcendência. Esse é o mistério da graça em caráter de dom e dádiva

gratuitos.

Na patrística ocidental, a visão da Igreja é universal e cósmica. Tem-se uma

compreensão do cristianismo como a instauração e a materialização entre Deus e o

homem; refere-se ao homem como prisioneiro do pecado, como pode encontrar o

caminho da salvação para a liberdade. “A graça é considerada força divina que

ajuda o homem a encontra a salvação” (LACOSTE, 2004, p.779).

Na visão de Santo Agostinho, todo homem precisa da graça, pois ele nasce

com o pecado original e através do batismo o homem se torna um homem novo.

Para o monge Pelágio, essa visão de Agostinho sobre a graça suscita o contrário

que a graça é imanente, já manifestada em suas próprias disposições naturais, isso

quer dizer, que o homem recebe a graça exterior, seja na Lei, em Jesus Cristo, na

escritura, e na Igreja. Essa idéia ele segue afirmando que Deus não exige do

homem o que ele não pode cumprir, o principal meio e de viver sem pecado depois

do batismo, ele deve esforçar-se de viver assim. “Agostinho não aprova essa idéia

de Pelágio, pois para ele o homem precisa de uma força interior (gratia interna) para

determinar o processo Salvifico, o mesmo afirma que o ser humano não tendo essa

força interna cai no circulo vicioso do pecado.” (LACOSTE, 2004, p.779).

Contra a heresia do pelagianismo o Concílio de Cartago, em 418, afirma que

o homem precisa da ajuda particular da graça. Denzinger apresenta as cláusula

desse concílio referente à graça:

Quem disser que esta mesma graça de Deus mediante nosso Senhor Jesus Cristo nos ajuda a não pecar só porque, por meio dela, nos é revelada e aberta a compreensão dos mandamentos para que saibamos o que devemos

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desejar e o que evitar, não porém que por ela nos é concedido também amar e conseguir fazer quanto reconhecemos dever fazer, seja anátema. (DENZINGER, 2007, p.85)

Nesse período, trouxe também as colaborações positivas, analisa-se que são

necessários dois conceitos, sim precisa da graça externa, seja à Sagrada Escrituras,

a Lei, Jesus Cristo à Igreja e outros meios para a santificação, o que não pode

determinar que somente os meios externos levem a graça. Na verdade as moções

internas completam os meios externos.

1.5 Tempos modernos

O período da Idade Moderna acontece em meados do sec. XV ao sec. XVIII

ocorre muitas mudanças, uma delas foi à passagem do teocentrismo (Deus no

centro do universo) para o antropocentrismo (o homem no centro do universo). Um

período de valorização do homem, não que esse período seja completamente novo,

pois já vem dos modelos clássicos greco-romanos, o humanismo.

São os tempos da autonomia das atividades do ser humano, esses ares de

autonomia levavam-no a um progressivo afastamento e negação de Deus. A

teologia perdeu as grandes reflexões que eram feitas com autores do tempo

medieval, entre eles: Toma de Aquino, Boa-ventura. As novas reflexões não têm as

mesmas profundidades.

Em 1517, Martim Lutero observando dentro da Igreja os exageros sobre a

venda de indulgências, e que muitas pessoas não tendo como sustentar-se,

compravam-nas alguns vendiam e obrigavam a comprar, pregando, que na compra

das indulgências a pessoa livrava-se do castigo do purgatório. Tudo isso fez com

que Lutero se revoltasse e escreve as 95 teses, que desafiou o poder da Igreja.

Percebendo que a Sagrada Escritura somente estava na mão da hierarquia, traduziu

a Bíblia do latim para o a língua Alemã, dando a possibilidade de o povo mais

simples lê-la.

A fé do povo era muito simples, e muitos acreditavam no que os bispos da

Igreja pregavam, nessa época eram grandes as procissões, profundas as devoções,

as exposições das relíquias dos santos; em alguns casos, o exagero de relíquias de

santos chegava ao ponto de garantir a salvação da alma humana.

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Duas realidades religiosas surgem: de um lado uma religiosidade rica e viva,

mas superficial, sem nenhum rumo e orientações, de outra muita piedade, grupos

piedosos, centrados na meditação, na devoção, que se volta para os anseios das

pessoas; acorre uma abertura aos leigos, mas sempre ligados a hierarquia.

Com toda essa mudança, os reformadores fundamentavam a graça nas

atitudes benevolentes e misericordiosas de Deus. A compreensão de Lutero sobre a

graça é um ato de justificação, na união que Deus tem com o homem que gera uma

justiça, transforma o homem desde o interior. Afirma que essa transformação não

deve ser considerada como mérito.

O Concílio de Trento, que teve duração de 18 anos, condenou a explosão

teológica do protestantismo. Lutero questiona o poder que a Igreja mantinha bem

com o luxo. O concílio retoma as decisões, seja da hierarquia, seja do celibato, seja

da Sagrada Escritura, pois defende que deveria retornar como era antes na Igreja

com o poder da hierarquia: somente eles dariam as ordens, e somente pela

hierarquia se deveria dar a interpretação correta da Sagrada Escritura.

O concílio rejeitando a reforma protestante tenta esclarecer pontos

essenciais, entre eles que a necessidade da graça de Deus, que desperta e socorre

a criatura. “Para aos reformadores a justificação não transforma realmente o homem,

o concilio detalha a idéia afirmando a ação da graça criada em termos de efeito no

homem e sobre o homem. A contra reforma prendeu-se ao aspecto psicológico da

graça, a graça criada e as conseqüências éticas da justificação.” (LACOSTE, 2004,

p. 781).

O sacerdote jesuíta Karl Ranher, nascido em 1904, em Friburg, trouxe outra

contribuição, tentando demonstrar o nível de uma ontologia religiosa fundamental,

de que no homem existe um existencial sobrenatural; como ele mesmo afirma uma

abertura ontológica para o absoluto, em que o homem está em contínuo contato com

Deus e com a graça, ou, por outro lado, ele também pode fechar-se à graça e

permanecer no pecado. Karl Ranher teve muitas experiências sobre a graça em sua

vida, principalmente nos exercícios inacianos, pois pertencia a Companhia de Jesus.

Tendo ele forte experiência com o absoluto, não lhe bastou a experiência, mas

procurou explicar com ajuda da razão, essas moções da graça do absoluto.

1.6 Tempos contemporâneos

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O período contemporâneo deu início com a Revolução Francesa (1789-1799),

nesse tempo, a razão foi muito enfatizada. E a ciência teve grande valorização, pois

faziam novas descobertas sobre os problemas humanos. A humanidade crescia a

cada ano e surgiam novos progressos. Passa dos processos dos porquês dos

fenômenos e começa-se a estudar os processos, as leis em que ocorrem os

fenômenos. A teologia contemporânea teve início no século XX, precisamente em

1919, na Suíça, com Karl Barth, teólogo protestante. Terminando os estudos foi ser

pastor numa paróquia reformada, onde Calvino também pregou. Em 1911, Barth

passa a morar numa cidadezinha pequena, vendo que ocorria um conflito muito

grande entre operários e patrões. Envolveu-se nesse conflito e em questões sociais,

tornou-se socialista cristão.

Conheceu Eduard Thurneysen que foi companheiro por muitos anos, os dois

procuram aprofundar para dar uma resposta às pregações, Bath adentrou nas idéias

de Kierkgaard. Os escritos de Lutero tiveram muita importância, em seu itinerário.

Teve um encontro com o pregador pietista Christoph Blumhardt que o levou e o

envolveu totalmente no mistério da ressurreição de Cristo.

Fruto de seus estudos Bath, publicou um comentário da Carta aos Romanos,

segunda edição reformulada em 1922:

[...] A Carta aos Romanos foi também um protesto contra aquelas escolas que tinham transformado a teologia em ciência da religião e tinha apresentado a análise histórico-crítica da Bíblia como a única interpretação possível. Barth publicou a segunda edição da obra poucos anos depois, e esta edição, completamente revisada, pode ser considerada o início da nova escola que posteriormente se tornou conhecida como a escola dialética. Como fez ver claramente na Carta aos Romanos, Barth pretendia substituir a interpretação meramente filológica e histórica com uma exposição “dialética” mais profunda do próprio material bíblico. Encontrou exemplos principalmente nos clássicos da tradição cristã, como, por exemplo, em Lutero e Calvino. A interpretação da Bíblia de Barth, entretanto, não é mera cópia da obra dos reformadores; a dialética que encontrou na Bíblia não é, como acontece com Lutero, o contraste entre a ira e a graça de Deus, entre o pecado do homem e a justiça providenciada por Deus; é antes o contraste fundamental entre eternidade e tempo, entre Deus como Deus e o homem como homem. A aplicação deste conceito fundamental, via de regra, resultou na rejeição do humano, fazendo assim lugar para a revelação divina, para o “totalmente outro”, que é revelado pela palavra de Deus aos que em espírito de humildade mostram-se receptivos às ações divinas e à mensagem da igreja (HÄGGLUND, 1995, p.343-345)

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24

O principal enfoque dessa carta é a transcendência de Deus como o

absolutamente outro, tendo um sentido teológico e não fenomenológico. Com isso,

passa a ser a teologia um estudo da Palavra de Deus, sendo que antes era o da

filosofia ou experiências religiosas. Para autor, a Bíblia não é somente uma

coletânea de livros, mas sim um testemunho de Deus.

Barth mergulha no mistério de Jesus Cristo, ele compreende que a teologia

não se faz pela razão e sim pela compreensão da revelação de Deus em Jesus

Cristo. Ao passar dos anos Bath faz mais uma mudança em sua teologia, passa da

teologia da palavra para a teologia Cristologica. O autor procurou aprofundar sempre

mais, e acabou adentrando no mistério da trindade, respondendo a pergunta: quem

esse Deus que se revela? A resposta: Deus se é a si próprio. “Ele se revela através

de si próprio, ele se revela a si próprio.” (FERREIRA, 2003, p. 46).

Outros teólogos trazem a sua contribuição sobre a doutrina da graça nos

tempos contemporâneos, alguns deles trazem as reflexões da inabilitação do

Espírito no homem, como Scheeben. Karl Ranher considera a graça como ato

primeiro de comunicação de si de Deus. A visão desses dois teólogos põe fim ao

interesse unilateral da graça criada, que se encontra agora como a graça iniciativa

de Deus.

Joseph Marechal, padre jesuíta, também afirma que a graça é um desejo

natural de comunhão sobrenatural com Deus. Nesse período, muda a idéia de que

não há uma natureza abstrata dotada de finalidades própria para um homem real,

desde a criação o homem apelou para o ato da graça. Lubac traz sua contribuição

sobre a graça, que Deus quis comunicar-se com o homem. Na constituição

dogmática Lumem Gentium nº40, faz-se a firmação de que o próprio mestre modelo

da santidade dá ao homem a graça, sendo ela não por merecimento próprio, mas

pela vontade da graça de Deus. “Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e

justificados no Senhor Jesus, não por merecimento próprio, mas pela vontade e

graça de Deus, são feitos, pelo Batismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes

da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos.” (VATICANO, 2000, p. 86).

O convite a santidade não importando ao estado de vida, pois todos somos

chamados a ser santos e a graça não parte do ser humano e sim de Deus.

Nesse contexto, pode-se afirmar com a colaboração dos teólogos, que a

graça é concedida por Deus; é ele quem vai ao encontro do ser humano; é ele que

procura, busca, bate até achar a possibilidade de o ser humano abrir. Deus criou o

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25

homem a sua imagem e semelhança para que o mesmo procurasse sempre a Deus

para se completar. A graça é o encontro entre as duas liberdades, a de Deus que

busca o ser humano por liberdade e o ser humano que aceita por liberdade a graça

de Deus.

1.8 A graça como experiência santificante

A graça e dada por Deus, não por nosso mérito, mas e Ele que concede a

cada um, de um modo simples: Graça é o Dom da presença de Deus que ama e

transforma o homem n'Ele. Nesse encontro o ser humano se transformado na nova

pessoa, transforma-se no amor. A graça tem seu significado em latim grazia, deriva

de gratus que quer dizer gratidão. Gratidão de que? De tudo o que Deus realiza no

ser humano, o grande ato de amor ao ser humano foi à morte até as ultimas

consequências. O encontro do ser humano com Deus só pode ocorrer com o poder

do Espírito Santo, pois Deus é Espírito e ele que o torna morada do Espírito.

No catecismo da Igreja Católica a concepção da graça “e a participação que o

ser humano tem na vida divina, que o introduz na intimidade da vida trinitária, do Pai,

do Filho e do Espírito Santo.” (IGREJA CATOLICA, 2000, p. 527) E através do

batismo que todo o Cristão torna-se, filho no filho adotivos: se nós somos filhos,

somos logo herdeiros também, herdeiros de deus, e co-herdeiros de cristo podendo

assim chamar Deus de Pai. (ROMANOS 8:17) Essa vocação ultrapassa todas as

capacidades da inteligência e todas as criaturas.

Sendo a graça essa presença de Deus no ser humano, o que é a graça

santificante? “A graça santificante é um dom criado que Deus se digna conceder à

alma do justo, a fim de torná-lo filho adotivo de Deus (1 JOÃO 3:1-3). Habilita-o

assim a produzir, dentro da sua capacidade de criatura, os atos de conhecimento e

amor do próprio Deus. Por esse dom o homem vem a ser realmente consorte da

natureza divina (cf. 2 PEDRO 1:4), templo do Espírito Santo (cf. 1 CORINTOS 3:16)

ou da SSma. Trindade (cf. JOÃO 14: 23).”(BETTENCOUR,1958, p.11).

E através da graça santificante que torna o ser humano apto a vida eterna

como herança e méritos dos esforços cotidianos. A graça e recebida na nossa alma

como um ‘enxerto sobrenatural’’ que toma toda a pessoa, a enche dessa graça.

Page 26: A graça divina

26

Dessa graça derivam as virtudes infusas, teologias e morais e os sete dons do

Espírito Santo: sabedoria, ciência, temor de Deus, piedade, conselho, fortaleza e

entendimento.

A graça è esse encontro livre entre Deus e o ser humano, Deus livre pede a

livre resposta do homem, Deus quando criou o homem deu a liberdade a ele de

conhecê-lo e amá-lo. A citação da sagrada escritura confirma que o lugar onde Deus

faz esse encontro com o ser humano e no coração, [...], “porém, falava no seu

coração, e apenas se moviam os seus lábios, sem se lhe ouvir a voz” (1SAMUEL

12:13) e no coração que Deus o encontra na sua totalidade.

Deus colocou no coração humano a inspiração da verdade, de seguir o bem,

mas muitas vezes e de dentro do homem que sai a maldade, a mentira; “Ouvi, e

entendei: O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da

boca, isso é o que contamina o homem.” (MATEUS 15:11)

A graça e o principal dom do Espírito que santifica e justifica o ser humano. O

dom do espírito nos torna participe da obra de Cristo, colaborando com a salvação

dos outros e com o crescimento do Corpo de Cristo, a Igreja. O ser humano tenta

explicar a graça, mas sendo ela sobrenatural ela escapa da nossa experiência e só

e conhecida pela fé. E perigoso basear-se em sentimentos ou em obras humanas

para deduzir a justificação ou a salvação. Na sagrada Escritura afirma que é pelos

frutos que os reconheceis (MATEUS 7:20) Um segurança o ser humano tem que

Deus dá os benefícios dele a suas criaturas e que a graça opera e incita a fé maior

da pobreza humana.

1.9 A inspiração primordial: Cristo

Todo ser humano tem um começo, um meio e um fim. Ele deu-se inicio em

Deus, foi com muito amor que Deus cria o ser humano. Durante a vida quem faz as

escolha para o homem é ele mesmo, pois Deus dá a liberdade, livre arbítrio. Deus

não interfere nas escolhas do homem.

Na Gaudium et Spes nº10, enfatiza qual e o inìcio e o fim de toda a história

humano. A Igreja proclama que a chave, o centro e o fim de toda história humana se

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encontra em seu Senhor e Mestre (VATICANO, 2000, p. 153) Deus criou o homem,

não poderia ser o outro completar do ser humano.

A inspiração primordial a Cristo significa ter às mesmas atitudes de Cristo.

Hoje muito difícil amar, os inimigos, tratar bem quem maltrata, pois esse é o convite

de Cristo faz, de procurar assemelhar-se, ser Cristão tem esse significado. O homem

tendo essa busca de Cristo não deveria cessar de procurá-lo, para poder preencher

o espaço que se encontra no coração humano.

Miranda, em seu livro A Igreja numa sociedade fragmentada, afirma que

desde Antigo Testamento que a fé significa “apoiar-se em Deus, confiar em Deus e

consequentemente, ganhar fundamento e consistência para a própria vida”

(MIRANDA, 2006, p.198). E o que está faltando hoje na sociedade, solidez, pois

cada um procura o mais fácil o que menos exige e o menos profundo, parece que o

homem afastou-se da agricultura, em que ela era forte e buscava sempre se

fortalecer.

Muitas são as propostas que ele nem sabe qual escolher, tantos tentam ir ao

encontro de fundamentos passageiros e passam toda a vida em busca de uma base

de algo que satisfaz momentaneamente. Nesse mundo, a misericórdia de Deus é

maior, ele ainda vê o outro lado do erro humano que ele é frágil e que precisa ter

Cristo como a rocha firma, no evangelho que apresenta Jesus como a rocha:

Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda (MATEUS 7:24-27).

Tem-se em nossa historia da Igreja exemplos de grandes pessoas que

fizeram a inspiração fundamental de Cristo, a rocha firme, muitos eram pessoas

simples que aprenderam a fé simples do âmbito familiar de ter Cristo com centro da

vida, hoje são santos não somente reconhecidos pela Igreja, mas para muito são o

exemplo de que se pode viver radicados em Cristo, mesmo tempo recebendo tantas

outras propostas que afastam do foco Cristo. Quando se está preso na rocha pode

vir grandes ventos ou tempestades que nada ira derrubá-lo, pois está enraizado em

Cristo.

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28

1.10 A fé como resposta

Desde a criação, Deus colocou no homem a fé, ele deu a possibilidade de

Adão e Eva crer em Deus, obedecê-lo na fé. Abrão simboliza a figura de quem

obedece na fé, “obedecer na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida”

(IGREJA CATOLICA, 1992, p. 144). No evangelho Jesus sempre pede um ato de fé

antes de fazer um milagre, pois ele não quer somente curar o doente, mas sim

possibilita uma fé enraizada; “E Jesus, vendo a fé deles, disse ao paralítico: Filhos,

perdoados estão os teus pecados.” (MARCOS 2:5) A fé é um grande dom de Deus,

ela é essencial para a salvação do homem. Ela é a resposta do homem à revelação

divina crendo em tudo o que Jesus falou e realizou.

Líbano em seu livro: Eu creio, nós cremos, explicita a fé como; “uma luz

gratuita de Deus, com o qual ilustrado o homem, firmemente crê tudo o que Deus

revelou e que a Igreja propõe-se lhe a crer.” (LIBANIO, 2004, p.25). Todo ser

humano e convidado a crer, e a fé é um presente sobrenatural, um presente que

Deus deu no momento do Batismo. Crer só é possível pela graça e pela luz do

Espírito Santo.

Para melhor entender a fé como dom de Deus e a resposta do homem e

necessário entende-la em dois aspectos; a fides qua e fides quae. A fides qua

significa o ato de fé que o ser humano faz, pessoal da aceitação a uma realidade

que se apresenta, essa fé está fundamentada na experiência de Deus, sendo assim

ela tem solidez. A fides quae é o conteúdo da fé o qual o ser humano aprova, ou

seja, as verdades reveladas e conhecidas. E o assentimento livre a toda a verdade

que Deus revelou.

Atualmente a ciência quer provar os mínimos detalhes e tentam achar

respostas sobre o mistério que é divino. A fé e acreditar no que não tem explicação,

pois mistério e sempre mistério. A teologia procura explicar, o mistério, faz com que

o ser humano procure entender. Pois os conhecimentos humanos são limitados.

O Papa Pio XII escreve: “A ciência verdadeira contrariamente a arriscadas

afirmações do século passado, quanto mais avança tanto mais descobre Deus,

como se Ele estivesse vigiando à espera, por trás de cada porta que a ciência abre”

(PIO XII, 1951). Com essa afirmação, pode-se dizer que mais o ser humano quer

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descobrir explicações sobre Deus, mais ele descobre Deus, com isso ele entra neste

mistério.

1.11 Opções fundamentais do ser humano

Na criação, Deus escolheu o homem para que entrasse em relação, primeiro

com ele mesmo, depois colocou a mulher, para que os dois se realizassem. Mas ele

não cessou a sua criação, dando ao ser humano a possibilidade de ter uma relação

com toda a sua criação, os animais, as matas, os rios, os pássaros e não somente

entrar em relação, mas sim cuidar.

Cuidar do que? De quem? Do que Deus um dia criou com tanto carinho, ele

criou o homem com muito amor e viu que era muito bom. Ele deu ao homem a

possibilidade de escolher, de fazer a opção fundamental, de obedecer a Deus ou

não, dando total liberdade. O mal acaba, ofuscando as escolhas do ser humano, não

apagando aquela luz que Deus pôs no coração humano.

Este mundo traz, em gestação, o homem interior, novo, criado segundo Deus, para que ele, formado, moldado e tornado perfeito, não sejam gerados àquele mundo perfeito que não envelhece. Como o embrião que, enquanto está na existência escura e líquida, a natureza prepara à vida na luz, é assim com os santos [...]. Para o embrião, no entanto, a vida futura é absolutamente futura: não chega a ele nenhum raio de luz, nada do que é desta vida. Não é assim para nós, do momento que o século futuro foi como derramado e misturado ao presente [...] Então, agora já é concedido aos santos não só dispor-se e preparar-se à vida, mas viver e atuar. (CANTALAMESSA,2010, sem página)

O homem vive fazendo perguntas para si, Que devo fazer? Como discernir o

bem do mal? A resposta somente é possível graças ao esplendor da verdade que

brilha no íntimo do espírito humano, como atesta o salmista: “Muitos dizem: Quem

nos fará ver o bem? Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face” (SALMOS

4:7) E através da luz de Cristo, que ele caminha a cada dia com suas escolhas, o

ser humano e suas escolhas.

A opção fundamental do ser humano e seguir a Cristo, aderir à pessoa de

Cristo, tomar os mesmo sentimentos, as atitudes de Cristo, seguindo os dois

maiores mandamentos de Jesus; amando a Deus sobre todas as coisas e o próximo

com a si mesmo. Quando se ama Deus, mais se aprende a amar o próximo. “Jesus

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pede para segui-lo e imitar pelo caminho do amor, de um amor que se dá totalmente

aos irmãos por amor de Deus: ‘O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos

outros, como eu vos amei” (JOÃO 15:12). Este como exige a imitação de Jesus, do

seu amor, de que o lava-pés é sinal: “Se eu vos lavei os pés, sendo Senhor e

Mestre, também vós deveis lavar os pés uns aos outros” (VATICANO, 1993, p. 23).

Toda a opção fundamental deve ser realizada por escolhas concretas,

conscientes e coerentes; ela é o ato gerador da personalidade. A opção fundamental

se faz no mais íntimo do ser humano. É na liberdade que o ser humano realiza toda

a sua caminhada, e suas escolhas, uma vez que faz suas escolhas.

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2. A GRAÇA DE DEUS NO SER HUMANO NO PENSAMENTO DO TEOLOGO KARL RAHNER

Muitos foram os teólogos que refletiram sobre a Graça, tantas foram às

experiências sobre a presença real e viva de Deus. Vendo a vida e a reflexão de

Karl Ranher, que em toda a sua juventude fez a experiência com Deus, observa-se o

quando ele se devota à fé na mais profunda graça. Pertencia a Companhia de Jesus

e nos exercícios inacianos adentrou no mistério divino, no absoluto, mas não cessou

a busca de dar resposta a experiência. Levou-o ao estudo da razão procurando

resposta. Ranher foi um teólogo do sec. XX que renovou a face da teologia, falou na

fé de seus contemporâneos e se deixou imbuir pelo mistério de Deus.

Karl Ranher nasceu no dia 5 de março de 1904, em Friburgo, em Brisgovia

(Alemanha), e o quarto filho de sete. Seu pai Karl Ranher professor de alemão,

história e francês; sua mãe Luise Trescher, nascida 1875, morreu com cento e um

ano. Toda a educação familiar era firme e com sólidas bases cristãs.

Karl Ranher afirma:

Por que ter vergonha de poder afirmar que nascemos em uma família normal, piedosamente Cristã, acostumada a trabalhar duro, e na qual tudo estava mais ou menos em ordem? As crianças podem ser preguiçosas ou então brigar entre si de tempos em tempos, os pais as podem divergir, mas a mãe deve trabalhar muito e para poder criar seus sete filhos, o pai deve dar aula suplementares após suas aulas na escola secundaria. Mas no domingo há bolo e vai-se a casa da avó na montanha, perto de Friburgo. Em suma, essa família é realmente sã, as crianças se desenvolvem como seres normais, vão à escola, se formam na universalidade, mesmo que haja uma diferença de quatorze anos entre o velho e a caçula. “Em outras palavras não ocorreu nada particularmente marcante; não posso contar nada especial sobre minha infância anedota chocante.” (SESBOÜE, 2004. p. 9)

Teve dois irmãos que ingressaram na Companhia de Jesus, Hugo, em 1919,

e Karl, em 1922. Os dois seguem os estudos teológicos, Hugo é patrologista e

especialista em espiritualidade inaciana. Ranher tinha um grande interesse pela vida

de oração e pela espiritualidade. Interessava-lhe os estudos das fontes e dos

documentos relativos às origens dos jesuítas. Gostava de estar com os jovens e

dava a oportunidade de participarem do movimento dos exercícios espirituais.

Ranher era um membro engajado do Jugend bewegung-movimento juvenil,

grupo de jovem católicos-Quickborn. Em 1920, teve a oportunidade de conhecer

Romano Guardini, que foi o guia espiritual do movimento. Estudou filosofia em

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Feldkirch, participou dos seminários de Heidegger, descobriu o pensamento de

Joseph Maréchal, trabalhou a filosofia de Kant. O grande projeto de Ranher era

operar uma síntese entre o método transcendental de Kant e a doutrina tomista do

conhecimento. O autor segue a sua vocação, e em 1932 é ordenado sacerdote na

Companhia de Jesus. Em 1936, obteve um doutoramento em Teologia, com o tema:

“O pensamento patrístico sobre o Coração Transpassado Salvador como fonte da

Igreja” (SESBOÜE, 2004, p. 19). Ele tem uma mudança de perspectiva, desviando

da filosofia para a teologia. Na faculdade de Innsbruck, exerce a função de professor

até o ano de 1964, teve algumas interrupções devido à guerra. Seu primeiro curso

foi sobre a graça.

No tempo de noviciado, que teve duração de dois anos, ele exercita na

espiritualidade e na forma de vida da ordem religiosa. Depois de meio de seu

ingresso na congregação, Ranher faz os exercícios espirituais.

O teólogo jesuíta Batlogg estudou o significado dos exercícios espirituais e a

história da vida de Karl Ranher, refletiu que a centralidade dos exercícios e os

mistérios da vida de Jesus. Ranher define que existe uma literatura de modo

piedoso e afirma que os “seres humanos assumem a revelação de Deus de um

modo original e criador, ele considera os exercícios espirituais como a categoria da

fonte da teologia.” (VORGRIMLER, 2006, p. 39).

Foi um dos principais assessores do Concilio Vaticano II. O papa João XXIII

nomeia Ranher como participante da comissão dos sacramentos, participou da

comissão de preparação da Lumem Gentium, Dei Verbum e da preparação da

Gaudium et Spes. Em1935 publicou a revista Concilium, revista internacional de

teologia. Nesta revista teve a colaboração Yves Congar e Edwuard Schillebeechx.

Sobre o concílio Rahner cita:

Creio que a coisa mais importante do concilio foi à coragem que a Igreja teve a olhar o mundo moderno de frente de uma maneira que jamais existira. Se a Igreja de antes do Vaticano II for comparada com a Igreja após ele, pode-se observar uma passagem de uma idéia antes negativa, defensiva, para uma atitude mais aberta e positiva. Em minha opinião, Está ai um dos grandes valores do concilio e ele tem uma extrema importância para atualidade (SESBOÜE, 2004, p. 49)

Quem esteve com Ranher o considera teólogo, como um homem apegado à

tradição católica, um homem preocupado com o mundo, que procurava se afastar

dos antigos critérios e mostrava uma engenhosidade na descoberta de perspectivas

novas. Em 1980, regressou a Innsbruck e continuou seu trabalho até o final de sua

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vida. Morreu um pouco depois de ter completado 80 anos. Nesses anos antes da

morte se dedicou à juventude e às questões que eles ressaltavam, como por

exemplo, um diálogo prudente com o ateísmo e com os representantes intelectuais

comunistas. A publicação de sua obra, em 1983, Curso fundamental da fé coroa e

confirma as suas ações.

2.1 A comunicação de Deus ao homem

O ser humano foi criado para se comunicar, desde a existência ele se

comunicou com o Criador e depois com toda a criação. A iniciativa e sempre de

Deus, que procura se comunicar com o próprio criado o homem. A comunicação de

Deus ao homem é um evento absoluto, livre e gratuito. O termo auto- comunicação

visa “que Deus se torna ele mesmo em sua realidade mais própria como que um

constitutivo interno do homem” (KARL ,1989, p. 145). Trata-se da ontologia de Deus.

Antologia não se significa antológica, pois na compreensão podem ocorrer

dois equívocos: o primeiro que entendendo a auto- comunicação de Deus seja um

somente falar sobre Deus e o segundo que entenda como objetivante tratado como

coisa ou objeto, ela é um entrar em contato com o mistério pessoal e absoluto

enquanto ser transcendente.

Ranher cita sobre as relações de Deus com as realidades não divinas:

O que chamamos criação, como livre posição do não divino, por obra de Deus, em sua ação para fora, aparece, assim, apenas com surgimento daquilo que se pressupõe ou se seja precisa para que Deus se autocomunique através de um amor originário, que se identifica com o próprio Deus. Essa criação de identifica com a constituição daqueles a quem deus pode ser dirigir, pois Deus não quer comunicar apenas certos bens finitos, diferentes de si mesmo, mas quer comunicar-se a si mesmo, de tal forma que Deus seja o dador, o Dom e o Princípio de acolhida do mesmo dom (...) (VORGRIMLER, 2006, p. 249)

Toda a teologia de Rahner gira em torno da auto- comunicação de Deus ao

homem. Ranher fala Deus que criou o ser humano por que ele quer comunicar-se

saindo de si mesmo e esvaziando a si mesmo:

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[...] A distancia entre Deus e a criatura existe para que haja unidade de amor. Existe criação, pacto e lei como estrutura do finito, para que transbordamento de amor sem medida. Existe obediência para que possa existir a liberdade de Deus em sua relação para nós. Existe distância de Deus para que ele possa ser o milagre que nos faz felizes até mesmo proximidade que perdoa as culpas. [...] Tal é o autêntico conteúdo do cristianismo: o caráter indizível do Mistério absoluto, que se dá e se presenteia em plenitude a si mesmo, fazendo-nos divinos e perdoando-nos, para que possamos possuí-lo e recebê-lo, de maneira que possamos recebê-lo de novo, por si mesmo (VORGRIMLER, 2006, p. 250)

Ranher tenta explicar que a auto- comunicação é a comunicação de Deus em

seu próprio ser, ela mira possuir e conhecer a Deus numa visão imediata e no amor.

Dentro da doutrina eclesial Deus pode ser contemplado de modo imediato, sem a

ajuda da realidade criada.

A metafísica do conhecimento contempla que Deus mesmo, sem deixar de

ser Deus e sem fazer dependência do sujeito congnoscente deve ser o objeto

imediato da contemplação, ele se autocomunicando não deixa de ser Deus,

permanece na sua absoluta transcendência. Ranher utiliza à escolástica das causas

para explicar a autocomunicação: “Deus se torna ele mesmo em sua realidade mais

própria como que um constitutivo interno do homem.” (RAHNER,1989 p. 145) A

graça e a automomunicação de Deus, já na sagrada escritura apresentava-se como

a inabilitação de Deus no ser humano, ele que faz parte da natureza divina,

chamada também como graça incriada. Essa automunicação de Deus pode-se ser

interpretada como base na criação do mundo, pois Deus livremente cria cada coisa

e procura entrar na história e deixar a sua história.

Ranher afirma que duas são as formas em que Deus se autocomunica, a da

encarnação e a graça, pois através delas nascem à decisão livre de Deus, de fazer a

comunicação para fora. Para melhor entender a auto- comunicação de Deus não è

apenas conhecê-lo através das criaturas, e sim adentrar no mistério da esperança

do mundo.

A graça de Deus habita em todos os lugares, não importa como a pessoa se

encontra, mesmo se o ser humano deixou-se levar pelo pecado, a graça está com

ele, pois na raiz de seu ser pessoal está Deus. Isso tem um significado de que o ser

humano se abre a ação do espírito em Deus.

Refletindo sobre a auto- comunicação o ser humano tem duas escolhas; ele

aceita ou se fecha a graça, pois assim como Deus livremente, quis dar a graça a ele,

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o mesmo pode livremente escolher. Sendo que o ato criado da aceitação permanece

divino e não poderá ser rebaixado como coisa singular e categorial.

Adentrando mais na reflexão, quem comunica, autocomunica como dom, o

doador na realidade é o dom, ele se doa a sua própria criatura com a realização pela

e acabada. Tomas de Aquino quando fala que da graça não destrói a natureza

humana, mas a pressupõe e a completa, a auto- comunicação de Deus e graciosa

ou indevida. Ela é um milagre indevido do livre amor de Deus que faz Deus ser o

principio interno e objeto da existência humana.

2.2 A graça a partir da revelação

Iniciar a falar de revelação e lembrar-se do grande mistério de Deus que se

faz um de nós, seja no humano e tendo a divindade. O conceito de revelação divina

não se identifica nem com o mundo nem com a criação do mundo, mas é dito de

Deus ao mundo, pois e através da palavra que Deus se revela ao mundo, ele tem

lugar no mundo.

Ele se deu a conhecer a sim mesmo através de Jesus Cristo. Já no século

XIX a revelação é compreendida como proposições, no nosso século atual ela é

como acontecimento. Elas eram proposições de fé, porque foi revelado por Deus,

Deus havia comunicado as afirmações sobre si mesmo, que eram acolhidas como

verdades, pois Ele que as revelou.

No sec. XX a revelação de Deus é mais fundamental, ela da um enfoco maior

na auto-revelação do próprio Deus na história:

A revelação é um acontecimento que ocorre na historia. A sua verdade funda-se na fidelidade de Deus e construir sua vida sobre ela. Uma vez que a aceita a revelação de Deus na fé, o cristão reconhece estar na verdade (O´DONNELL, 1999, p. 35)

Deus transcendente opta se deixar conhecer, para que cada um seja o

conhecedor do mistério. Ele é escondido e revelou-se na pessoa de Jesus Cristo,

sem deixar de ser mistério. Na encarnação vê-se o encontro entre a eternidade e o

tempo, pois Deus pronuncia a palavra na eternidade, e repete a palavra no tempo.

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Ranher falando da revelação faz uma conexão com a doutrina trinitária,

utilizando a antropologia, o ser humano como abertura ao transcendente. O foco do

teólogo e tentar descobrir as estruturas do ser humano para que ocorra a revelação.

Para receber a revelação e necessário uma preparação na natureza do homem.

Na obra Curso Fundamental da fé, Ranher utiliza três tipos de revelação:

revelação natural transcendental, revelação sobrenatural e a revelação categórica,

ele vincula essas três revelações ao mistério da Trindade. Para melhor

entendermos, quando Ranher utiliza o termo transcendental, ele emprega o termo

para expressar as condições de que algo possa acontecer.

Uma pergunta ele faz referente ao ser humano: “como deve ser estruturada a

criatura para que Deus possa comunicar a ela?” (O´DONNELL, 1999, p. 38) Sua

reflexão e feita para demonstrar que todas as criaturas, na estrutura de seu ser são

abertas a receber o mistério. Dando um exemplo: cada coisa que o ser humano

conhece é um caminho para sempre descobrir outras novas, assim e a experiência

de Deus, mais que o conhecemos mais queremos adentrar no mistério para

conhecer.

Quando Ranher afirma que a pessoa e aberta ao mistério, ele tenta explicar

essa afirmação comparando com as perguntas que o ser humano faz, quando nos

fazemos perguntas, recebemos as respostas de nossas perguntas. Aprofundando,

quando se conhece novas coisas, não cessa o conhecimento, mas levam-se a

conhecer outras. Assim e o mistério, jamais pode ser esgotado. Ranher compara às

perguntas ao horizonte infinito, “que não pode ser transformado em objeto, mas está

presente quando conhecemos cada objeto.” (O´DONNELL, 1999 p. 38) O horizonte

é Deus.

Adentrando mais no pensamento de Ranher, tendo a convicção de que o ser

humano è aberto ao mistério, para o ser humano ser ele mesmo, deve estar aberto a

Deus, mas será que Deus quer se relacionar-se com Ele? A resposta deste

questionamento está na vinda de Jesus, pois Deus quer de fato se comunicar-se a si

mesmo. A fé leva cada um a uma convicção que Deus fala. Como entender? O

Autor explica partindo da experiência humana. Ele toma um ponto de referência,

que Deus quer que todos sejam salvos, e a salvação e a união com Deus, isto é,

Deus oferece a cada ser humano a graça.

A afirmação feita por Ranher, “de que Deus quer dar-se a si mesmo a tal

ponto que se torna um princípio constitutivo da subjetividade humana.”

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(O´DONNELL, 1999 p. 39) Deus entrando em união com o ser humano, ele é tão

intimo, a ponto de ele ser mais intimo do que ele mesmo.

Toda essa afirmação que Ranher faz, referente à universalidade da graça

pode levar a conclusão de que Deus e supérfluo. É necessário esclarecer alguns

pontos, o questionamento do autor, de que, como os não-cristãos também são

salvos, aquelas pessoas que estão longe da Igreja, longe da luz de Cristo. Deus fala

no coração e os salva. A experiência dessas pessoas não é clara, elas permanecem

sempre na mistura de luz a na escuridão.

Todas as experiências da graça não são estáticas, elas conduzem a Cristo,

por isso a graça e operativa e leva a natureza á uma revelação histórica, que é

Jesus Cristo. Em 1964 Ranher aprofunda a diferença entre revelação transcendental

e categorial. “A revelação transcendental significa a capacidade de acolhida,

gratuidade elevada, que o ser humano possui a auto-revelação de Deus na

profundidade espiritual da pessoa espiritual.” (VORGRIMLER, 2006, p. 303).

Ranher compreende Cristo como a revelação categorial, categorial por algo

objetivo que é histórico situado no tempo e no espaço, seria a intervenção direta de

Deus na história, só pode ocorrer na palavra humana escutada e entendida, ela não

pode esgotar de forma conclusiva, pois é um mistério e mistério não tem fim.

Os autores Barth e Ranher consideram a revelação por excelência, o evento

no qual há uma estreita identidade entre o Deus relevante e o revelado

(O´DONNELL, 1999, p. 41).

No pensamento filosófico, a revelação e caracterizada como uma

comunicação, ela acorre antes do ser humano pensar, de forma livre, de modo que o

ser humano usando de sua razão não pode fundamentá-la. Rahner afirma: o ser

humano “só pode vir a si mesmo a partir de outro.” (VORGRIMLER, 2006, p.304)

Buscando compreender que Deus se revelou através da Palavra, e que o Pai

exprime a Palavra desde a eternidade, isso não quer dizer que eles são iguais, mas

que a Palavra faz parte do âmago da divindade. Resumindo o pensamento de Karl

Ranher sob a revelação:

O mistério da fé que Deus quer comunicar-se a si mesmo. Deus exprime e comunica a si mesmo de modo perfeito na Encarnação acontece na história. Mas Deus também comunica a si mesmo nas profundezas de nossa subjetividade, por meio da habitação do Espírito santo, em outras palavras por meio da graça. (O´DONNELL, 1999, p. 42)

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2.3 O ser humano aberto ao mistério

Na atualidade o mistério de Deus se tornou algo experimental, hoje com a

valorização da razão e da ciência, o mistério já se tornou estudo cientifico. E

necessário, comprovar, aprovar a existência de Deus, fazer estudos, encontrar

fósseis ou algo semelhante para dizer: Deus existe. Há séculos atrás não era

necessária experiência, tínhamos quem pudesse transmitir, pessoas convictas que

adentraram no mistério de Cristo, faziam experiência do ressuscitado. O pluralismo

toma conta da vida do ser humano, religião hoje é sentimentalismo, sentir-se bem.

A teologia considerada a ciência do mistério, trás a oportunidade de conduzir

o ser humano ao mistério, ou seja, ser um mistagogo da experiência da graça.

Através da razão e da liberdade, duas instâncias valorizadas na modernidade, pode-

se levar o ser humano a fazer a experiência do mistério. Rahner sempre esteve

presente a realidade atual, os desafios, as dificuldades o que é oferecido, o que o

ser humano absorve, com isso ele procurou em seu pensamento teológico, oferecer

respostas.

Tivemos um grande acontecimento na vida da Igreja, o Concilio Vaticano II

que retomou a consciência de dar a possibilidade ao ser humano adentrar no

mistério, de dilatar o mistério de Cristo na história, assumindo as conseqüências

ético-profeticas através do anuncio da esperança divina, levando o individuo a fazer

a experiência do mistério, adentrar no mistério.

Para adentrar no pensamento do autor e necessário afirmar que, pelo ser

humano ser o que ele é que existe nele uma abertura para a revelação divina. Pois

ele foi feito a imagem e semelhança de Deus, ele pós um lugar no ser humano que

somente Deus habita. De acordo com reflexão de Paulo Sérgio Lopes Gonçalves:

Contudo a experiência de Deus é condição desvela na história do homem, pela palavra auto comunicada. É a partir dessa constatação, que o homem, por natureza, identifica-se como o ouvinte da palavra, que deve ter os seus ouvidos e olhos bem atentos à história, para encontrar nela a palavra que dá fundamento e ilumina sua existência. Ele é aquele ente que em sua história deve estar na escuta de uma eventual revelação histórica de Deus que pode atingi-lo em forma de palavra humana (GONÇALVES, 2011, p. 2)

A natureza humana tem uma abertura para aceitar o ser absoluto. A

experiência que o ser humano faz do transcendental, revela-se na sua subjetividade.

Essa característica distingue de todos os entes simples, mas quem é o ser humano?

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“Ele é uma pessoa, oque significa alguém que se auto possui de forma consciente e

estabelece uma relação livre com a totalidade do seu ser.” (RULF, 1994, p. 30)

Pode-se ate explicar numa simples frase quem é o ser humano, mas ele é muito

mais, tudo que gira em torno dele, está em relação. O mistério que é Deus tem uma

relação maior como ele, pois Deus habita no mais intimo do ser humano.

Ranher na obra curso fundamental da fé, afirma que mistério é a ultima coisa

que é evidente por si, e algo que nos envolve, que é familiar. O autor comparara o

ser humano com uma ilha flutuante, localizada em um vasto oceano:

A pequena ilha vislumbra tudo aquilo que conhecemos, e, por conseguinte, amamos sempre iluminada por uma luz chamada ciência. Contudo ela é carregada por um mar de possibilidades, um oceano de mistério infinito que nos interpela e nos faz refletir acerca do que realmente amamos: a pequena ilha ou a mar do mistério infinito. (GONÇALVES, 2011, p. 3)

O ser humano tem a possibilidade de conhecer e adentrar no mistério de

Deus, ele se pergunta de sua transcendência e Aonde ela se remete? Esse

questionamento não o deixará quieto, pois todo contato com a transcendente

inquieta e provoca no ser humano a procura do que está além de sua realidade,

leva-o a reconhecê-lo como religiosus.

O teólogo afirmando que quando Deus entra em comunhão com o homem ele

procura entrar diretamente em relação com a criatura, com isso ele observa que

essa comunhão e fundamental para a missão apostólica. O mesmo segue a idéia de

que o homem está carente da presença do mistério, e quer conduzi-lo ao

conhecimento do anônimo de Deus, pois Ele está no interior de cada ser humano,

tendo um perigo de que ele esqueça presença divina.

Mas Rahner consegue ver algo de positivo nessa situação; o ser humano

quando esquece a visão de Deus, que ele foi construindo com suas experiências,

purificação da ideia de um Deus, uma desmistificação de um Deus sadista, vingador,

imponente, que condena o pecado humano. Outra conclusão do mesmo, que o

homem moderno, e considerado menos ateu do que aquele que se deixavam tocar

pela transcendência imediata ou por aqueles que fingem concluir Deus num

conhecimento humano.

Afirma Rahner que o ser humano é sujeito e pessoa, significa reconhecer que

o homem e irredutível, esse está sempre entregue a liberdade de si mesmo. A

transcendência que habita no ser humano gera a liberdade. No momento que o

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homem experimenta-se como pessoa, sujeito, ele se experimenta como um homem

livre que é uno é total, levando-o a ser uma pessoa que decide por si mesmo.

Mas ele não para por ai, pois o homem não somente desfruta da

transcendência, mas está imerso no mundo, no tempo e na história. E na historia

que o ser humano faz a experiência do sagrado, mistério absoluto. Rahner quando

afirma sobre a experiência da fé, cita dois meios que o ser humano enfatiza para o

conhecimento de Deus: seguindo a tradição escolástica, afirma que a experiência

transcendental de Deus é a posteriori mediada por um encontro com realidades e

dinâmicas do mundo, conhecimento natural de Deus a luz da razão, e o outro meio e

o conhecimento transcendental, através da revelação de Deus, por que no homem

que está o mistério absoluto que é permanente.

Com esse embasamento, afirma-se que falar de Deus é incitar a reflexão que

o ser humano adentre no saber de Deus mais originário e atemático. Não se pode

definir Deus simplesmente afirmando que ele é um mistério que se domina, mesmo

sabendo que esse mistério se revela. Se não através do retorno a experiência da

transcendência do mistério absoluto.

A compreensão da transcendência na teologia rahniana, e desde o aonde de

sua referência, com o intuito de invocar pra o conhecimento originário e atemático de

Deus. Para Ranher o aonde e o ponto de chegada e donde e o ponto de partida, que

adito ao transcendente ao mistério.

Com tudo, mais o ser humano assume a dependência em relação a Deus, e

toma a iniciativa de sua direção, mais ele assume a vocação da liberdade e

desenvolve-se como homem livre e autônomo.

2.4 O ser humano e Deus

Refletindo sob o pensamento do teólogo Karl Rahner e necessário lembrar

que ele quando fala da experiência de Deus parte da antropologia, do ser humano,

pois Deus habita no ser humano, ele mesmo teve essa experiência quando jovem,

pois fazendo os exercícios inacianos pode conhecer Deus que já habitava dentro

dele.

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E na proximidade inautida que Deus se dá a conhecer em meio a uma pos-

modernidade, onde muitos experimentam o desamor, a tristeza, os traumas da vida

e da história. Deus dispõe do amor que se deu totalmente até às últimas

conseqüências, e espera ser amado, propondo ao povo de Israel como um

mandamento: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de todas as tuas

forças e com todo o teu entendimento.” (DEUTERONOMIO 6:4 ss).

O Deus de Israel, de Isaac e Jacó, esse Deus que no Novo Testamento Jesus

chamará de Abba! Pai! Esse Deus e um Deus que ama e quer ser amado com a

humanidade do ser humano. “Esse amor se exprime na tríplice formulação: de todo

o coração de todo o ser e de todas as forças.” (OLIVEIRA, 2004, p. 68).

No livro Karl Rahner, Experiência de Deus em sua vida em seu pensamento o

autor cita:

Gostaria de ser um teólogo que afirma que Deus e o mais importante e que estamos aqui para amá-lo, esquecendo-se de nós mesmos, que estamos aqui para invocá-lo, para sermos seus, para salvar do âmbito de nosso ser ao abismo da incompreensibilidade de Deus. Naturalmente, deve-se considerara evidente que a teologia deve afirmar que, em última instância, aquele que está vinculado a Deus, que deve esquecer-se de si mesmo, colocando-se nas mãos de Deus, e o ser humano. (VORGRIMLER, 2006, p. 212)

Rahner nesta citação argumenta a vinculação entre o ser humano com Deus,

do ponto de vista teocêntrico ao caráter antropocêntrico, segundo a teologia do

autor, todo ser humano que procura conhecimento, não pode pensar em si mesmo,

mas precisa estar fundamentado na revelação de Deus, essa revelação é um

presente ao homem, ela é uma comunicação de salvação para todos.

A salvação que Deus dá a todo ser humano, não é algo que ele estava

devendo por obrigação e por isso, um dia veio e pagou o que devia, mas em um

caráter de presente, que é chamada de graça essa e teocêntrica e antropológica. O

fundamento antropológico tem também a base na encarnação de Deus em Jesus

Cristo de modo Cristológico:

A abreviatura, a cifra de Deus, e o ser humano, ou seja, o Filho do Homem, e os seres humanos que definitivamente, são, porque o Filho do Homem haveria de existir. Quando Deus quer ser não-deus surge o ser humano, precisamente o ser humano e nenhuma outra coisa poderiam dizer (.) se o ser humano está proibido de se rebaixar quando pensa a respeito de si mesmo, pois nesse caso rebaixaria Deus, e se esse Deus continua sendo um mistério insolúvel, então o ser humano é para sempre mistério manifestado de Deus (VORGRIMLER, 2006, p. 214)

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Quando ele afirma da experiência da transcendência que vai além das

realidades categóricas concretas e se encontrar de modo tangencial com um

mistério, esse mistério e a transcendência do amor é o mistério santo:

Falamos de um para onde da experiência de transcendência não para nos expressarmos da forma mais complicada e seca, e sim por duas razões: se falássemos de Deus, poderíamos ter em longo prazo o mal-entendido de que o fazemos como se pudéssemos conhecê-lo inteiramente utilizando, para isso, certos conceitos de tipo objetivo. Ora, em sentido contrário, preocupamo-nos, antes de tudo, no sentido de mostrar que “Deus” é dado previamente a isso, através da transcendência e nela (VORGRIMLER, 2006, p. 228)

O silêncio de Deus ou às vezes certa distância que ele faz, tem um significado

que Deus é aquele que não se pode manipular afirma Rahner em sua teologia. Toda

vez que o teólogo inicia um discurso sobre Deus ele propõem uma teologia negativa,

alegando o que não é Deus. Ele utilizou esse objetivo para não acreditar nas falsas

imagens de Deus, sabendo que o ser humano costuma construir falsas imagens de

Deus. Deus como afirma o teólogo, não é uma tapa buraco ou nem um construtor ou

em casos um instrumento para resolver nossos problemas, por que muitas vezes se

faz de Deus o que queremos como já foi citado, na verdade queremos fazer trocas

com Deus ou como dizia Rahner se constrói deus a partir da minha realidade e

necessidade. E necessário o ser humano entender que Deus e misericórdia e um

mistério que com a ciência e a razão não se pode tomá-lo nas mãos como um

objeto.

Rahner escreve sobre Deus:

Quando dizemos Deus referimo-nos á Totalidade, porém não como soma posterior de certos fenômenos que vamos pesquisando, e sim com a Totalidade que nunca pode ser manipulado em sua origem e fundamento como aquela Totalidade que não podemos captar segurar, nem dizer, porque está atrás, na frente e acima de tudo, aquela Totalidade è qual nós mesmos pertencemos, com também nosso conhecimento experimenta [...]. Deus significa o Mistério silencioso, absoluto, incondicionado, incompreensível [...] (VORGRIMLER, 2006, p. 232)

Conclui-se que Deus é o mistério absoluto e santo, com quem o ser humano,

só pode relacionar-se em gesto de súplica e de silêncio, pois o ser humano já na

verdade não pode ir ao seu encontro por si só, ele poderia até encontrar uma

formula no mundo de chegar a Deus, mas ele não pode ir além de si mesmo. Deus

e mais profundo do que nos mesmos em nosso recôndito mais profundo. Deus está

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dentro de cada ser humano no âmago mais intimo onde se encontra no silêncio.

Deus continua estando além daquilo que é o último em nós.

2.5 A experiência de Deus na teologia

O autor Karl Rahner e conhecido como o teólogo do sec. XX esse teólogo e

conhecido pela vasta bibliografia e pelo interesse que ele teve das questões da fé

Cristã e provido de honestidade intelectual. O coração e a experiência da teologia

Rahniana e a experiência de Deus realizada na juventude de Rahner quando ele

havia ingressado na companhia de Jesus. Ele afirma: “A espiritualidade de Inácio,

que recebíamos por meio da prática da oração e de uma formulação religiosa, foi

para mim bem mais significativa do que toda a filosofia e teologia aprendida.”

(MIRANDA, 2006, p. 212)

Diz-se que os maiores pensadores surgem na juventude, não que nesse

momento desencadeia todo o entendimento, mas e nessa idade que se cria raízes

para depois durante a vida fundamentar e tematizar todas as ideias. Miranda

compara essa ideia como uma nascente, pois ela sendo tão simples e despercebida,

sem ela nenhum rio poderia existir. As experiências que ele teve quando jovem são

consideradas forma de orações insights essa característica e típica desse teólogo

que mais tarde será desenvolvidos e sistematizados.

2.5.1 A experiência de Deus como núcleo do pensamento rahneriano

A longa experiência de Deus em Rahner tem início nos escritos sobre os

cincos sentidos espirituais de Origines, através dos sentidos corporais os exercícios

inacianos são feitos. Origines chama eruditio são as meditações sobre o sentido

místico das sagradas escrituras. Rahner chama sentidos como expressões

figurativas do espírito, Orígenes os chama de potências da alma. O teólogo através

dos escritos de Orígenes apreende que todo conhecimento de Deus, e místico, por

que não tem necessidade de linguagem platônica para explicar.

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Muitos foram os teólogos que Rahner estudou, aprofundou, mas foi São Boa

ventura que ajudará Rahner a esclarecer sobre a ação salvífica de Deus no ser

humano a graça Boaventura utiliza os sentidos espirituais e os atos de

contemplação com um único objetivo: Deus. O mesmo autor expõe o conhecimento

de Deus em três modalidades: em primeiro a fé; que é perceptível pela razão

(inteligência) é perceptível nas coisas matérias os traços de Deus. Em segundo sãs

criaturas espirituais, onde o grande mistério está no interior, pois são a imagens e

semelhança divina. E em terceiro e simplex contuitus, e o modo de saber, um olhar a

verdade primeira para as ideias eternas (MIRANDA, 2006, p. 215).

Boaventura apresenta também um conhecimento de Deus em si, que não

depende de nenhuma criatura, mas acontece um in caligine (no escuro), nesse

conhecimento o sentir e a principal característica. Rahner falando de Boa- ventura,

enfatiza que esse conhecimento e uma experiência imediática, se baseiam mais no

afeto, não buscando o conhecimento intelectual, mas o sentir. No caráter afetivo que

Boaventura ressalta, pois essa união é uma união que acontece no cume da alma.

Deixando de lado a atividade da inteligência, e uma ascensão do afeto do que da

razão.

Santo Inácio de Loyola também lhe é uma inspiração, afirmando que Deus se

comunica ao ser humano a sua vontade, qual não pode ser captada partindo-se de

reflexões originarias da razão e da fé, mas aplicadas a determinadas situações

iluminadas pela razão. Rahner apresenta a revelação livre que Deus tem na historia

humana e as manifestações de seu querer no interior da Igreja. Cito:

Somente Deus nosso Senhor dá consolação a uma pessoa sem causa precedente, por que é próprio do Criador entrar, sair, causar moção nela, atraindo-a toada ao amor de sua divina majestade. Digo ”sem causa” quando não há nenhum prévio sentimento e conhecimento pela qual venha essa conciliação por meio dos atos de entendimento e vontade da pessoa (MIRANDA, 2006, p. 217)

Quando Inácio cita a ausência da causa precedente, não quer dizer que a

ação de Deus e imediata ou que Deus entra e sai no ser humano como um bel

prazer, mas quer afirmar quer ressaltar que Ele se comunica ao ser humano sem

meios de qualquer objeto.

Aprofundando sobre a experiência que o ser humano faz de Deus, observa-se

que quem faz à experiência a graça imediata de Deus está em sintonia com o

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dinamismo divino por meio da liberdade. E quem está sujeito a essa experiência, no

centro da pessoa estão às faculdades humanas, que também são atingidas pela

atração divina.

Em sua teologia, Rahner afirma que fora do mundo religiosos há também uma

mística, onde se realiza de modo incondicional responsabilidade, fidelidade e amor,

nesse modo acontecem a experiência de Deus. Pois a ação salvífica de Deus não

se limita ao âmbito do cristianismo, ela e autentica salvação em Jesus Cristo,

independente se as pessoas tenham conhecimento dela ou não. Afirmar-se que em

todos os momentos fortes são em qualquer realidade criadas, sendo situações

históricas, qualquer vivencia existencial fazendo experiência do nosso limite,

fragilidade e impotência, essa situação leva-se a propelir para o além do mistério de

Deus. “Ranher compara a situação do que tem uma experiência mística cristã, sem

de ela ter conhecimento, com aquele que ama seu próximo e ai encontrar Jesus

Cristo, sem ainda tê-lo conhecido.” (MIRANDA, 2006, p. 221).

O Teólogo alemão procura esclarecer a experiência de Deus, não deixando

de lado que a fiel experiência foi na juventude, e que somente experimentou Deus

através mundo criado, que através da nossa inteligência, e liberdade, nos atrai, nos

comunica e nos doa a si próprio. Em seus textos ele cita: quem ama seu irmão que

vê não pode amar a Deus que não vê (1 JOÃO 4:20). Concluindo com o

pensamento dele: “a experiência de Deus acontece primeiramente na experiência da

caridade fraterna, enquanto sintoniza com a orientação querida por Deus, presente e

atuante como horizonte mistério no ato do amor fraterno.” (MIRANDA, 2006, p. 221).

A fonte da fé se encontra na relação elevada da experiência de Deus.

O profeta que Rahner cita em seus escritos não é aquele no sentido

secundário e limitado que e um ser humano que e aprendiz do futuro, mas só que

está baseado na Palavra de Deus, o que critica as situações sociais e religiosas,

essa característica já e dele, pois o teólogo também em sua vida o fez.

Quando Rahner cita do mistério ele sempre confirma que Deus e que habita

no ser humano:

Ao se entregar a esse Mistério inatingível e inexprimível, o ser humano percebe que não é ele quem fala, por que Deus já falou antes, entregando-se a si próprio e atraindo-o para si. A fala sobre Deus começa no próprio Deus e é, no fundo, uma fala sobre o próprio ser humano enquanto remetido a esse infinito amor. Portanto o discurso autêntico sobre Deus constitui no fundo um convite ao silêncio, á adoração e á entregam ao Mistério (MIRANDA, 2006, p. 226)

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O insight que Rahner comenta tem uma importância na eclesiologia, significa

à presença visível a atuação de Deus na história que se comunica humanidade.

Essa e a presença do amor de Deus. Falando em conhecimento quando ele cita

sobre a autoconsciência de Deus oferece a oportunidade de refletir sobre a própria

realidade de Deus no homem; “a consciência humana de Jesus estava diretamente

voltada para Deus, como a de todo ser humano.” (MIRANDA, 2006, p.228).

Pode-se concluir a reflexão que a centralidade da Teologia de Karl Rahner

esta na experiência salvífica de Deus:

Para Rahner a experiência da transcendência e a experiência do espírito humano, isto é acontece no núcleo mais intimo da pessoa, onde a inteligência e vontade ainda constituem uma unidade primeira, já que é a mesma pessoa que conhece e ama e já que onde está uma dessas faculdades está também à outra (MIRANDA, 2006, p. 231)

Não cessa aqui o pensamento do teólogo Rahner sobre a graça, porque é

muito vasto o que ele escreve. Vejo como ele foi muito sábio em deixar-se conduzir

pelo mistério, pelo transcendente. Mas tudo deu inicio desse profundo tesouro na

sua juventude, na entrada da companhia de Jesus.

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3. O ALCANCE DA GRAÇA DE DEUS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Temos dentre tantos problemas na sociedade o pluralismo religioso, parece

até algo novo, mas não, ele já esta acompanhando o cristianismo há muito tempo.

Já de inicio os apóstolos apresentaram a mensagem de Jesus para os judeus e

outras religiões, também aos pagãos. Então não é novo? Como diz Dupuis: “novo e

a consciência aguda que o nosso mundo adquiriu do pluralismo das culturas e das

tradições religiosas, bem como do direito a diferença que é própria de cada um

deles.” (DUPUIS, 2004, p. 273).

Tem-se muito acelerado a influência de outras culturas em nossa cultura, seja

na família, nas escolas e até a influência da tecnologia. Alguns anos atrás poucos

tinham o celular, muitos tinham um computador, hoje o ser humano não consegue

acompanhar a mudança da informática. Se voltássemos na história para verificar os

valores que eram apresentados no âmbito familiar e na sociedade, vemos que

alguns ainda são passados de pai para filho e netos, mas muitos se perderam na

historia.

A visão do mundo coerente e segura se encontra perturbada pelo contato com outras perspectivas, a escala de valores estabelecida sofre a competição de outros valores e outras normas. Não somente tem-se ampliado o campo dos conhecimentos, mas também se põe em duvida a própria noção de verdade. A filosofia ocidental se converte numa corrente de pensamento entre

outras, como muçulmana, a hindu, a chinesa, etc. (BASSET, 1999, p. 7)

3.1 Mudanças sociais e subjetivas racionais

Apresentado a visão da graça em Karl Rahner, tem-se a possibilidade de

aprofundar, como a graça de Deus é aceita hoje na pós-modernidade. A pós-

modernidade não tem uma definição exata, pois é um fato histórico do presente e do

passado. Ela é uma transformação do pensamento ocidental a partir do século XX

com a ruptura da tradição medieval. Muitas mudanças acorrem seja no âmbito da

religião e da ciência. O ser humano não consegue atingir essas mudanças, pois e

limitado.

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A idéia de progresso, que faz com que o novo seja considerado melhor ou mais avançado do que o antigo: e a valorização do individuo, ou seja, da subjetividade como lugar da certeza e da verdade, e seus valores, em oposições à tradição, isto é, ao saber adquirir, as instituições, à autoridade externa (MARCONDES, 2004, p. 104)

Uma verdadeira paixão pelas descobertas dá um impulso à vida do ser

humano, a ida do homem a lua, o iluminismo que teve como o objetivo universalizar

a razão, chamado século das luzes. Uma busca de bem estar através de livros de

auto-ajuda, o enfoque na busca de relaxamento, a força do individualismo. As

mudanças ocorreram também no mundo da ciência, o mundo está vivendo uma

hiper-modernidade, já ultrapassou a modernidade. Nesse período tentou-se fazer

uma conjuntura entre a religião e a razão moderna.

A modernidade pós-cartesiana tentou integrar a religião (Cristianismo) dentro do movimento geral de constituição da razão moderna, ou seja, tentou pensar a religião dentro da lógica da metafísica da subjetividade (ZILLES, 1993,p. 7)

Fazendo com que o homem moderno tente equilibrar o cristianismo pensado

com o cristianismo vivido, entre a doutrina cristã com o novo contexto social. Esse

fenômeno atinge todos os setores sociais entre: as famílias, ensino, a cultura, a

política e a economia. Na verdade todos neste momento estão sentindo-se

estrangeiros, pois não sabem como lidar com a atual realidade.

A modernidade é a época em que a alma se retira do mundo das coisas e recolhe-se no mundo dos homens, bem como a época em que os homens se acreditam suficiente fortes e poderosos, qual um novo, qual um novo prometeu, se não para elevarem-se contra a divindade e se imporem aos deuses, ao menos para prescindirem de sua proteção e dispensarem seus serviços (DOMINGUES, 1991, p. 32)

No meio de tanta novidade parece que não se tem uma segura direção de

como enfrentar a realidade, pois as novidades não atingem somente um setor, mas

vários. A razão não perdendo tempo toma esse barco andando para centralizar essa

confusão, ela acaba desmontando antigas crenças para direcionar a construção do

edifício do saber.

A razão e de fato, o elemento comum a todos os seres humanos, e por isso, assume a condição de fundamento a partir do qual o mundo deve ser organizado. É ela quem deve a partir de agora dar unidade e sentido a todas as esferas que compõem a existência humana. Tudo quanto pretenda ter

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legitimidade para existir necessita, pois, de submeter-se ao crivo da razão (HANSEN, 1999, p. 37)

Acorreu o giro Copérnico, não è mais as leias divinas e as Igrejas que

definem o agir humano, mas e o individuo que escolhe o valor necessário para sua

existência. Ele mesmo se responsabiliza pelo crescimento ou fracasso de sua vida.

O filosofo batista Mondim (1980) referindo-se ao mundo da razão com o impulso do

iluminismo diz: a razão teria chegado a tal estagio de desenvolvimento que ela seria

capaz de dissipar as trevas da ignorância que obscurecem o espírito humano.

O filosofo Kant (1988, p.100) vê o homem que procura a sua autonomia, ele

chama essa autonomia de Sapere Aude, que leva o indivíduo a busca do saber, pois

e do conhecimento livre e correto que o ser humano alcançará o progresso, a

tranquilidade e a felicidade (LYON, 1998, p. 14) Da um enfoque maior, que a razão

não deve ser influenciada pelas crenças religiosas, ela simplesmente segue a sua

linha transparente, a sociedade deve ser organizada pela razão pura.

Já não mais indaga por aquilo que é a realidade, mas por suas possibilidades. Se na antiguidade e na Idade Média, o homem considerava verdadeiro o pensar de acordo com o que existe na realidade, nos tempos modernos inverte suas posturas dizendo que aquilo que pode pensar, poderá realizar. O homem passa a interessar-se não tanto por aquilo que já é, mas por aquilo que ainda poderá ser (ZILLES, 1993, p. 10)

A pós-modernidade não é a eliminação do sagrado, mas a substituição de um

ascetismo fora do mundo por um ascetismo dentro do mundo que não teria qualquer

sentido se não apelasse para outra forma de divino, de sagrado, ao mesmo tempo

em que o mundo dos fenômenos se separa do mundo da revelação ou do ser em si.

Quais foram às consequências da escolha do ser humana sendo a razão como um

tudo ao seu redor? A construção de bombas atômicas, os massacres, as guerras, na

verdade o que o iluminismo prometeu parece que não teve o seu sucesso. O que

temos então, grandes confusões para serem resolvidas, uma elevada exacerbação

de valores da pós-modernidade, e o tempo do excesso, que gera um vazio. O

filosofo Zigmund Bauman utiliza o termo modernidade líquida ao invés de pós-

modernidade, pois afirma “que os preceitos duros, sólidos e sedimentados da

modernidade derretem-se.” (BAUMAN, 2001, p. 7).

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O ser humano procura estar sempre bem com sigo mesmo e com os outros.

Neste século ele não quer mais a ajuda do outro. Agora è uma busca exacerbada

do EU levando-o a ser frágil e vulnerável, se fechando em si mesmo. Essa atitude

faz com que. ele consumisse exageradamente, tendo como conseqüência o vazio.

O que marca mais e o vazio existencial próprio da cultura fragmentada e pulverizada por muitas e variadas ofertas no amplo mercado de opções. Neste comercio tudo se oferta, menos certezas que sejam firmes e seguras, algo definitivo por assim dizer. Isso por que a crise do nosso tempo e globalizada da humanidade [...] (MAIA, 2001, p. 46)

Vivemos num mundo plural em todos os sentidos, na somente na economia,

na política, mas também no campo religioso. A pluralidade vinda da globalização

traz para o ser humano a visão de que ele pode participar de correntes de

pensamentos e de religiões, isto quer dizer, de um lado ele escolhe ser ateísta, ou

crer em correntes de filosofia, de outro ele pode seguir religiões antigas ou aderir às

seitas que iniciam.

A pluralidade de religiões é tão antiga quanto a humanidade, mas, no Ocidente, durante quase dois mil anos, houve uma hegemonia do cristianismo, em especial do catolicismo: o contexto de teocracia e de religião oficial dos Estados anulava a incidência social de outras religiões minoritárias, mantendo os católicos imunes á sua influência. Com o advento da Modernidade, a emancipação da razão individual fez emergir, com seriedade, a fé como uma opção pessoal. E mais: o descobrimento das culturas, além de ter legitimado o pluralismo cultural, na medida em que permitiu descobrir a religião como alma da cultura, fez emergir, com força, também o pluralismo religioso (BRIHUENTI, 2004, p. 88-89)

O homem atual não tem esclarecimento do que é certo, ele vai como as

ondas do mar. Na verdade se compara a pluralidade como um supermercado, se

entra quando quer, se pega o que precisa e depois se sai, assim e a vida da religião

atual, não se tem fixa uma religião, entra-se sem compromisso e sai-se com nenhum

comprometimento. O Ser religioso perdeu o sentido de como era anos atrás, onde o

caráter da religião passava-se dos antigos para os jovens.

A pluralidade e a característica mais forte na sociedade atual passaram-se o

tempo em que tinham os valores e as crenças em comum até o mesmo Deus. As

mudanças que acabaram derrubando a hegemoneidade do passado foram os que

levam a hoje o ser humano ao individualismo, entre o contato com outras culturas, a

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luta no ocidente, as guerras. E necessário aprender a lidar com o diferente, seja no

âmbito familiar, profissional, político e religioso.

O individuo cada vez procura se preencher do que sempre faltou dentro de si,

ele esta tentando procurar externamente o que no interior de seu ser pode

preencher. “Existe uma busca muito elevada de trabalhar, suprir todo o tempo que

ele tem. Cada vez mais isolado, o ser humano se esvazia de tudo o que lhe dá

sentido, mas o isolamento não é uma opção, é a ausência dela.” (MAIA, 2001, p.

470).

3.2 A linguagem nos que cremos temos a oferecer ao ser humano contemporâneo

Anteriormente tivemos a possibilidade de refletir sobre o pluralismo religioso,

que é a oferta da religiosidade a cada pessoa, como cita, é como um supermercado

que cada um entra pega o que precisa e vai para outro, com isso a pessoa não se

fundamenta. Mas ao mesmo tempo o homem moderno procura uma radicalidade,

quer deixar o que já conhece para o novo, quer enraizar a vida no vale a pena.

Com todas essas propostas feitas, paremos e nos perguntemos se temos

uma linguagem ao homem moderno? O jovem traz a sua própria linguagem, Jesus

esteve transmitindo a linguagem do amor. Será que é melhor continuar como

estamos? O catecismo da Igreja católica traz vários tipos de linguagem que são

transmitidos para o homem: a linguagem do amor, a linguagem da oração, a

linguagem da fé, a linguagem de sinais e símbolos.

Na tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos fiéis, segundo o contexto histórico, social e cultural, a linguagem de Jesus na sua oração: palavras, melodias, gestos, iconografia. Cabe ao Magistério discernir a fidelidade desses caminhos de oração à tradição da fé apostólica, e compete aos pastores e aos catequistas explicar seu sentido, sempre relacionado com Jesus Cristo. (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1992, p. 683)

A linguagem expressa uma mensagem, Jesus quando veio ao mundo, se

encarnou no ventre de Maria, trouxe a linguagem do amor, tornou-se um de nós

para que pudéssemos aprender a sermos obedientes, ouvintes da sua palavra. Na

condescendência de sua bondade, Deus, para revelar-se aos homens, fala-lhes em

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palavras humanas: [...], com efeito, as palavras de Deus, expressas por línguas

humanas, fizeram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo

do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante

aos homens. (IGREJA CATÓLICA, 1992, p. 39).

São citações belas de nosso catecismo, mas que para sociedade em muitos

casos não falam nada, para muitos nem se interessam, pois hoje gira outras

linguagens na cabeça de muitos. O presidente da caritas Cardeal Oscar-Andrés

Rodríguez Maradiaga em uma de suas entrevistas na revista Dom total fala do ano

da Fé que iniciará em outubro deste ano 2012, cita que a Igreja católica está

deixando de falar a linguagem atual.

Acredito que quem nos dá a pauta é o Senhor Jesus, o primeiro evangelizador, a quem contemplamos em missão permanente na Igreja. Como dissemos na Conferência de Aparecida, não haverá nova evangelização sem novos evangelizadores, sem uma autêntica “conversão pastoral”. Não podemos continuar fazendo “mais do mesmo”, mas renovar o coração missionário e não esperar que as pessoas venham até nossas paróquias, mas sair em busca das ovelhas. Existem novos areópagos e pátios dos gentios que esperam a Palavra de Deus. Se estivermos cheios do ardor missionário de São Paulo, cujo coração palpitava: “Ai de mim se eu não evangelizo!”, o Ano da Fé será uma forte motivação para transmitir a “chama da fé”, sempre ardente e radiante às novas gerações deste milênio. Não se trata simplesmente de comunicar idéias, mas de favorecer um encontro pessoal com o Cristo vivo, uma autêntica experiência de Cristo. (MARADIAGA, 2012, sem página)

E necessário mudar a linguagem, não a essência, mas como e transmitido.

Para transmitir uma linguagem e necessário o emissor e o receptor. Mas não há uma

ligação entre um e outro. O jovem hoje não está entendendo a linguagem da

religiosidade, por isso não que escutar e preferível eles permanecerem na Internet,

há ficarem uma hora ou menos da Igreja. E necessário se perguntar: conhecemos a

linguagem do mundo de hoje? Essa Resposta não é complicada de responder, e só

olharmos ao nosso redor e vermos que os modelos não são as Igrejas, mas as telas

midiáticas, os cantores, as novelas, não que isso tudo seja negativo, pois elas

transmitem a linguagem. Tudo isso leva a uma grande reflexão de como devemos

fazer para transmitir a mensagem de Jesus Cristo ao mundo.

O que caracteriza a cultura e a linguagem. O filosofo Cartoriadis (1978, p.

141) diz: “toda organização da língua apoia-se na organização do mundo, pois ela

se apóia necessariamente no invisível do visível”. Ela expressa o valor visível da

linguagem, sua relatividade. Os autores Berger e Luckmann (1980, p. 39) afirmam

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que a linguagem “marca as coordenadas de minha vida na sociedade e enche esta

vida de objetos dotados de significados”. A importância da linguagem se dá, pois ela

organiza o mundo histórico, perceptível.

Na vida cotidiana a função da linguagem e de expressar o que não e

expresso subjetivamente do aqui (do meu corpo) e do agora (meu presente), a

mesma tem a função de guardar acumulações de significados e experiências que

futuras gerações poderão conhecer.

3.2.1 Na sociedade plurifacitaria: qual o lugar da graça?

Com a passagem da era da modernidade e ainda mais a pós-modernidade

onde é muito forte o uso da razão, a um aumento do capitalismo industrial. Tinha-se

a certeza que o progresso da ciência, da tecnologia iria resolver todos os problemas

humanos. A religião, moralidade e a arte foram ligadas ao auge do progresso

econômico e político.

O grande castelo começou a cair, pois toda a confiança no capitalismo levou

os países industrializados a agirem de forma desumana e irracional. As Igrejas

também foram afetadas por essas conseqüências, onde existiam a referencia as

autoridades religiosas, hoje estão presas a escândalos. O que antes era excluído

pela razão referente a milagres, hoje e o auge, principalmente no dos jovens e

adolescentes, o grande interesse por Herry Potter, magias e outros. Observar-se

como o ser humano está inseguro, o que se houve nos jornais e revistas e internet e

noticias ruins, guerras, assaltos, destruições, seqüestros.

Toda essa leva alguns a um fundamentalismo religioso profundo seja o

fundamentalismo Cristão, ou muçulmano, hindu e judeu. Isso gera confusão na vida

das pessoas, a única coisa que eles têm em comum é a dependência de uma

autoridade que forneça verdades absolutas. Essa é uma segurança que o mundo

oferece. O que norteia a sociedade é uma busca adequada de espiritualidade,

sabendo que muitos destorcem o sentido da espiritualidade.

A fome de espiritualidade no Oriente foi sanada por religiões orientais, sob

tudo a ioga e da meditação, também chamada de oração centrante. Esses meios

estão cada vez mais fortes no ocidente, sentir-se bem, encontrar o equilíbrio. Um

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retorno grande de leituras sobre os místicos, antes eram pessoas estranhas, hoje

são historias de muitos que a cada dia cresce a leitura e o conhecimento. Hoje os

místicos são pessoas que tomam a serio Deus. São pessoas que não se limitam em

falar sobre Deus, mas que experimentaram a ação divina.

Outra forma que sacia a fome espiritual e a necessidade desesperada de

curas, em todos os lugares tem um curandeiro pela fé. A grande necessidade e

curar o físico, a busca de exagerada de psicólogos, pois ele que cura os traumas

psicológicos. No meio de tudo isso onde está a ação divina? Afonso Rúbio Garcia

nós diz que é necessário “continuar a missão da evangelização, a mensagem do

evangelho, não de tempos atrás, mas de um modo novo”. E necessário falar de

Deus, mas como ele é e não como o homem quer. Observo que o homem quer fugir

da realidade que Deus colocou em seu interior a presença de Deus. Tantas vezes

ele procura outros caminhos para procurar a felicidades, mas não vê que a felicidade

está dentro do seu próprio coração.

3.3 Meios e pistas para a compreensão da graça no mundo contemporâneo

A primeira impressão do ser humano atual, que ele não tem mais metas,

rumos, objetivos, na vida, mas esse e o tempo de parar e verificar que a Igreja deve

trazê-lo de volta, para que ele faça a experiência com Cristo. No meio de tantas

propostas, Jesus Cristo é a Proposta, é o caminho a verdade e a vida (JOÃO 14:6).

E necessário interpretar os sinais dos tempos, não como anos atrás, mas com

olhares do evangelho.

Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático. Algumas das principais características do mundo atual podem delinear-se do seguinte modo (VATICANO, 2000, p. 145)

O homem está passando por profunda crise, pois ao mesmo tempo em que

ele vive a liberdade, livre de viver a vida como ele gostaria de ter, livre para

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consumir, livre para gozar da vida. Ele é escravo, escravo do ter, do poder, ele não

consegue mais viver longe de bens matérias, sempre procura ter, prefere deixar de

lado o que é valioso pelo necessário. Esse e o homem atual, frágil. Ao mesmo

tempo em que ele nega a existência de Deus dentro dele, ele tenta preencher

sentido com energia vital ou as emoções, na verdade ele precisa tomar consciência

que Deus está no seu mais interior, no coração.

A Igreja, por sua parte, acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos , oferece aos homens pelo seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação; nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos . Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre. E afirma, além disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre . Quer, portanto, o Concílio, à luz de Cristo, imagem de Deus invisível e primogénito de toda a criação (8), dirigir-se a todos, para iluminar o mistério do homem e cooperar na solução das principais questões do nosso tempo. (VATICANO, 2000, p. 152)

3.3.1 Os meios para vivenciar a graça na atualidade: a fé (1), esperança (2) e o amor (3).

Muitos são as metas que o homem tem para ajudá-lo a retornar ao caminho

certo, para ter uma direção. A fé (1), que já desde Abraão, trouxe um exemplo de

quem se coloca nas mãos de Deus, que se deixa fazer a aliança. A fé não é

acreditar em algo vazio e acreditar numa pessoa, essa pessoa é Jesus. “Ao Deus

que revela, deve-se a obediência da fé, pela qual o homem livremente se entrega

todo a Deus, prestando ao Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da

vontade e dando voluntário assentimento à revelação feita por Ele” (VATICANO

2000, p.124).

Felipe Aquino comentando a fé, fala que a fé não e sentimentalismo, ela é um

ato de inteligência, que passa do sentimento para a inteligência e a vontade.

A fé não é um sentimento cego nem um ato de confiança afetiva em Deus, mas, sim, urna atitude da inteligência, que, movida pela vontade livre, diz Sim a Deus que se revela. Não se pode crer em qualquer crença, “apenas para se ter uma vida espiritual ou uma religião”. [...] A fé é o ato mais nobre do homem, pois aplica a faculdade mais digna do ser humano (a inteligência) ao Objeto mais elevado e perfeito, que é Deus (AQUINO, 2009, p. 98)

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Assim deve ser o homem na atualidade, colocar-se nas mãos de Deus, deixar

que ele conduza. O papa Bento XVI neste ano de 2012 proclamará o ano da fé,

tendo como objetivo uma busca na oração, na Sagrada Escritura, se colocando na

escola do Mestre. Bento XVI se expressa sob o ano da Fé:

Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5: 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6:4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afetos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que atua pelo amor» (Gl 5: 6), torna-se um novo critério de entendimento e de ação, que muda toda a vida do homem (RATZINGER, 2011, p. 9)

Outro meio que leva-nos a vivenciar a graça è a esperança. A esperança não

é algo ou alguma coisa, mas é uma pessoa a de Jesus Cristo. Ele que vai

transformar dar uma nova luz, nova meta, ele é a esperança que não decepciona.

No catecismo da Igreja católica temos a definição de esperança como a “virtude

teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida

Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não em

nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. Continuemos a afirmar

nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa.” (IGREJA CATOLICA, 1993,

p. 489).

Na encíclica Spe Salvi, Bento XVI expressou através da carta de São Paulo

aos Romanos (8:24) que na esperança, fomos salvos, afirmando que a vida não

acaba no vazio. Na encíclica o papa cita algumas pessoas que viveram a esperança

na situação em que se encontrava, cito Cardeal Nguyen, (1928) que esteve 13 anos

preso e viu a única esperança: Cristo.

Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar – por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar – Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão o orante jamais está totalmente só. Dos seus 13 anos de prisão, nove dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan deixou-nos um livrinho precioso: Orações de esperança. Durante 13 anos de prisão,

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numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o poder falar-Lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não (VATICANO, 2007, p. 59-60)

O cardeal Van Thuan deixou uma lição de vida, pois no meio de tantos

desafios de tanto sofrimento e solidão, ele através da oração deixou-se consolar por

Jesus a única esperança. O ser humano pode dar um basta à liberdade externa,

mas no interior dele, Deus é a liberdade.

O terceiro meio e o amor. Hoje a palavra amor tornou-se como uma palavra

qualquer, com um sentido marginalizado, e o Eros palavra grega que significa: amor

entre homem e mulher, que não nasce da inteligência e da vontade, mas de certa

forma impõe-se ao ser humano (RATZINGER, 2006, p. 10). O amor é muito mais,

não é somente sentimento é atitude, se pensarmos o que tem haver com a graça o

amor? Muitas coisas, de inicio olhando para Jesus Cristo que nós amou até as

ultimas conseqüências, dando a própria vida por nós, vemos a profundidade do

amor. O papa Bento XVI na encíclica apresenta o laço intrínseco entre o amor e a

realidade do amor, o amor divino e o amor humano. O amor que busca a si mesmo,

intoxicante, sensual eros com o verdadeiro amor o ágape. “Somente quando as

duas dimensões estão verdadeiramente unidas, é que o homem atinge sua estatura

perfeita. Somente então o amor – Eros – é capaz de amadurecer e atingir sua

grandeza autêntica.” (RATZINGER, 2006, p. 11).

Em I João apresenta o amor ao próximo, "eu amo a Deus, mas odiar a seu

irmão é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão ao qual vê como pode amar a

Deus, que não vê?” (1 JOÃO 4:20) O amor que supera barreiras, amor que hoje

precisa para a sociedade, não o amor humano, mas o amor divino. Não podemos

negar o amor humano, mas podemos aprender do amor divino. Matos Nascimento

na música querem viver o teu amor cita: Quero viver em teus caminhos. Quero sentir

o teu calor. Quero sentir a tua graça. Quero viver no teu amor. O ser humano atual

precisa fazer a experiência do amor, o amor verdadeiro que transforma, muda a

vida.

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3.4 O testemunho de pessoas simples que deixaram a graça de Deus atuar na vida

Cada pessoa vive a experiência da graça, não como ela quer, mas como

Deus dá e quando ele quer. Podemos ver na historias pessoas que na sua

humildade testemunharam o amor de Deus, se colocaram as mãos Deus assim

como o barro nas mãos do oleiro. “Cada qual vive a sua experiência da graça pela

qual traduz o seu sim pessoal e único ao Mistério do Amor” (BOFF, 2003, p. 143).

Deus não obriga ninguém, ele deixa liberdade ao ser humano de abrir ao mistério ou

não. Podemos refletir que Deus não atual no extraordinário ele faz do simples o

extraordinário. Muitas pessoas na vida cotidiana foram entendendo que Deus era um

fio condutor das ações, dos sentimentos e que aos poucos Ele estava fazendo sua

morada no interior do Coração. O coração e a centralidade da pessoa, para a Igreja

a eucaristia e a centralidade, para o homem o coração e o centro e lá que Deus faz

a sua morada.

Inicio falando de João Paulo II, um homem simples, que se colocou nas mãos

de Deus, que aprendeu de sua mãe a amar Nossa Senhora. E a viver na

simplicidade e oração. Nasceu no dia 18 de Maio de 1920, em, Wadowice sul da

Polônia, desde cedo aprendeu a oferecer o sofrimento para Jesus, perdeu sua mãe

com 9 anos, depois os irmãos e o pai, quando tinha 26 anos. Durante a II guerra

mundial trabalhou numa mina, e lá nos seus intervalos sempre rezava e lia o tratado

de Nossa Senhora. Clandestinamente ingressou no seminário e permaneceu no

oculto e em 1946 é ordenado sacerdote. Vai a Roma para concluir os estudos. Em

1958 foi consagrado Bispo de Cracóvia. Com a morte de Paulo I o papa do “sorriso”

e eleito João Paulo II no ano de 1978.

O novo Sucessor de Pedro na Sé de Roma, neste dia, eleva uma prece ardente, humilde e confiante: O Cristo! Fazei com que eu possa tornar-me e ser sempre servidor do Vosso único poder! Servidor de o Vosso suave poder! Servidor do vosso poder que não conhece ocaso! Fazei com que eu possa ser um servo! Mais ainda: servo dos Vossos servos. Irmãos e Irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! E ajudai o Papa e todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que é que está dentro do homem". Somente Ele o sabe! (JOÃO PAULO II, 1978 sem pagina)

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O papa no discurso de abertura de seu pontificado pede para que todos

abram as portas do coração a Cristo, toda a sua vida foi o que ele fez, deixou que

Cristo conduzisse os seus passos. Ele tinha convicção da missão que Deus tinha

dado a ele. Tinha um amor muito grande a palavra de Deus e se considerava um

escriba do reino do céu, comparava que o reino do céu e como um pai de família

que do seu tesouro tira coisas novas e velhas (Mt 13,52)

Sob a palavra de Deus o papa cita:

Sempre me guiou a convicção de que, se quero saciar-nos outro esta fome interior é preciso que, a exemplo de Maria primeiro escute eu a Palavra de Deus e a medite em meu coração (Lc 2,19) Ao mesmo tempo, fui compreender melhor que o Bispo deve também saber ouvir as pessoas ás quais anuncias a Boa Nova. Diante do atual dilúvio de palavras de imagens e sons, porém, é importante que o Bispo não se deixe desorientar. Ele deve posicionar se na escuta de Deus e dos seus interlocutores, na convicção de que todos estão unidos no mistério da Palavra e sobre a salvação. (JOÃO PAULO II, 2004, p. 53)

João Paulo II era um homem abandonado a graça de Deus. A sua experiência

demonstrou que ele não tinha medo do que viesse de desafio, pois se colocava no

colo de Maria, assim como uma criança a sua mãe. Todos os que se aproximavam

dele sentiam-se acolhido, amados com um grande cuidado como se fossem únicos.

O papa sempre compreendeu o ser humano com total amor e não por princípios ou

teorias. Ele não precisou falar, mas o exemplo todos os dias de viver a graça,

primeiramente na oração, seja na missa ou na recitação do terço e depois nas

ações.

Outro exemplo foi Madre Tereza, uma mulher que se preocupada com o

próximo, percebeu que no pobre estava o rosto de Deus. Nasceu no dia 26 de

agosto de 1910 na cidade de Skopje, Macedônia, seu nome de batismo era Agnes

Gonxha Bojaxhiu. Seu pai um grande homem de negocio, acaba falecendo quando

ela tinha oito anos, toda a educação e o sustento da família e a mãe que o faz. No

ano de 1928 ela deixa a sua família para a entrada no convento e fez os estudos, no

dia 24 de maio de 1937 faz os votos perpétuos e recebe o nome de Irmã Tereza. Vai

morar em Calcutá e recebe a missão de lecionar na escola Bengalese em Sta Mary.

“No dia 10 de setembro de 1946 algo acontece na vida dela, ao entrar num

dos trens ela recebe a chamada das chamadas como ela mesma diz que a levou a

fundar a congregação das Missionárias da Caridade. Ela vê numa criança pobre que

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ali estava na estação de trem o rosto sofredor de Deus e começa a entender que

Deus pede mais do que ela fazia. O que impulsionou madre Tereza foi, saciar a

infinita sede de Jesus sobre a cruz de amor e pelas almas, trabalhando para a

salvação e para a santificação dos mais pobres entre os pobres.

João Paulo II na missa de 1° ano de falecimento de Madre Tereza impressa a

simplicidade e a mulher de oração que era ela.

Exatamente há um ano, na noite de cinco de Setembro, morria em Calcutá a Madre Teresa. A sua recordação continua viva no coração de cada um de nós, em toda a Igreja e no mundo inteiro. Esta pequena mulher, que veio de uma família humilde, que maravilhosa obra soube realizar com a força da fé em Deus e do amor pelo próximo! (JOÃO PAULO II,1998, sem pagina)

Madre Tereza não precisou fazer grandes discursos para expressar o grande

amor a Deus e aos pobres. Numa das entrevistas feita a Padre João Quirino Webe

que fala sobre ela, expressa da sua fé, mesmo passando por momentos difíceis.

A fonte de todo este vigor apostólico é Deus. O vazio interior é apenas o espaço para que Deus possa agir. Quem acompanha pessoas em sua caminhada espiritual e apostólica sabe que quanto mais a “semente da pessoa morre para si mesma”, tanto mais se realiza, maior felicidade alcança mais eficaz e perseverante benefício se torna para o bem comum. Teresa de Calcutá, antes de lançar-se totalmente ao serviço de dessedentar os pobres em sua sede de vida, se dizia a Irmã mais feliz do mundo. “Se a semente não morre, fica só. Mas se morre, produz muito fruto”. A “primeira felicidade” de Madre Teresa passou para a “segunda felicidade” depois que a sua experiência pessoal de doação e de fé se tornou totalmente de Deus e do próximo, ficando nela apenas a “saudade” ou a “ausência”, como experiência totalizante real (WEBER, 2007, sem pagina)

A história de Madre Clélia mulher silenciosa e de total confiança no Coração

de Jesus. Nasceu em Forli, Itália no dia 10 de março de 1861, perde sua mãe

quando pequena e quem assumem a educação religiosa na casa e sua avó. Crescia

com toda a educação necessária de uma família bem sucedida. Seu pai queria que

sua filha continua-se os negócios da família e casa-se com um rapaz de bons dotes.

Mas em sua vida Deus foi falando em seu coração o projeto que ele queria. Para ela

que recebia belos vestidos, jóias preciosas, festas não lhe trazia alegria, pois tudo

isso lhe trazia um vazio muito grande. Será feliz? “Aparentemente sim, porém, em

seu íntimo existe um vazio a ser preenchido, um ângulo a ser iluminado, um castelo

de sonhos que deve ser desfeito e queimado com um forte amor, o do Coração

Divino.” (TERRINONI, 2007, p. 5).

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Um dia ela teve um sonho, que a levou a entender que o Coração de Jesus

pedia uma missão contraria dos planos dela. Ela vê o crucificado, inclinar-se para

ela, mostrando o coração e pedindo auxilio. Pede amor. Naquele momento entre os

dois se tornam comuns, alegria, tristeza, pensamento se afetos. Madre Clélia

começa corresponder a esse amor.

Na escuta de seu mestre interior, que fala na limpidez da consciência e na autenticidade da vida, elaborou a experiência os conceitos e as normas existenciais, que dinamizaram sua vida de cristã e de fundadora de um Instituto. Esses e normas purificadas e transformadas pela dor e pelo do sofrimento, tornaram-se a base de um processo educacional, no qual educou e formou suas filhas (FARIAS 1990, p. 131)

Madre Clélia se esforçava em entender a vontade de Deus e passava horas e

horas perante Jesus Eucarístico para aprender de seu amor, ela se tornava humana,

e aprendia a ser divina. “Ele é capaz de transformar o nada em tudo e o impossível

no possível.” (FARIAS 1990, p. 132)

A graça não destrói a natureza, mas a supõe e a eleva. A vida espiritual se engendra nas qualidades positivas da vida natural, física, intelectual e psicológica. Por outro lado, sabe-se também que a graça, fundamento ultimo da vida espiritual, não é condicionada de modo absoluto á base humana. Maturidade psicológica é algo que caminha de par a par com a obra da graça (FARIAS 1990, p. 133)

Madre Clélia não precisou fazer longos, discurso ou longas doutrinas ela

simplesmente tinha consciência que os fatos falam por si. Tudo o que exigia das

filhas ela já havia feito ou estava fazendo. Tinha uma meta o Coração de Jesus,

fazê-lo conhecido e amado seja em todos os confins da terra.

Clélia é uma mulher forte, capaz de vibrar e deixar-se envolver plenamente pelos acontecimentos. é uma mulher que , com a força de seu espírito e a perspicácia de sua sensibilidade, sabe arriscar para si e para pelo tudo de Deus e, guiada pelo Espírito Santa, escolhe para si e para suas irmãs uma forma de vida escondida no Sagrado Coração de Deus. (TERRINONI, 1992, p. 07)

Dom Helder um homem que soube ir ao encontro do pobre. Nasceu

Fortaleza, no dia 07 de fevereiro de 1909, seu pai jornalista e guardava livros da

cidade, sua mãe professorado primário. No dia 31 de março do mesmo ano recebe o

batismo e em 29 de setembro de 1917 recebe a 1° Eucaristia. Os anos passam e

ele entra no seminário, em 15 de agosto de 1931 e ordenado padre. Na verdade ele

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não tinha a idade certa para receber a ordenação e recebe uma autorização especial

do vaticano para receber o sacramento da ordem.

Foi um homem essencial! A sua formação humanística fez dele um religioso profundamente humano. A expressão "pastores de almas" não fez parte de seu vocabulário, pois ele se entendia pastor de homens e humano na sua totalidade de corpo e alma. Esta maneira de ser do PROFETA o fez, como pastor dos homens e mulheres, um extraordinário cidadão presente a tudo o que pudesse interessar ao Brasil. Não se limitou à Sacristia e o mundo contou com a sua presença como excelente companheiro em busca de um mundo melhor. Como desejou uma sociedade de irmãos onde não houvesse opressores e oprimidos, mas todos os filhos de Deus! Que a celebração do seu centenário faça surgir homens novos para um Brasil novo! (GOMES, 2009, sem pagina)

Sofria em ver milhões de pessoas passando fome, criança, jovens, família.

Quando podia sempre falava que o pobre era seu irmão. Nunca deixou de ajudar o

outro. Sempre alegre pronto para ajudar, assim como Jesus fazia.

Dois mil anos após o nascimento do Cristo, mais de dois terços da humanidade encontra-se em condições infra-humanas de miséria e de fome. Mais de dois terços dos filhos de Deus vivem em condições subumanas. Vinte por cento da humanidade consome 80% das riquezas da terra. Oitenta por cento da humanidade deve se contentar com menos de 20% destas mesmas riquezas [...] Eu tenho fome e sede de paz. Dessa paz do Cristo que se apoia na justiça. Eu tenho fome e sede de diálogo, e é por isso que eu corro por todos os lados de onde me acenam, à procura do que pode aproximar os homens em nome do essencial [...] E falar em nome daqueles que se impedidos de fazê-lo (BEOZZO, 2009, p. 3)

Dom Helder foi um sacerdote que lutou para que as pessoas pudessem viver

dignamente, não podia calar-se se percebia que os sacerdotes não eram fiéis ao

evangelho e menos ainda eram verdadeiros na política, como ele comenta em um

de seus escritos, que ele não entrou na política, mas por causa do evangelho lá

está. “Na sua vida cotidiana, onde quer que esteja. Dom Helder era um personagem

extraordinário de simplicidade, de fraternidade, de disponibilidade, de atenção aos

outros, de presença, de confiança. de autenticidade, de transparecia na fé que o

animava.” (BEOZZO, 2009, p. 9)

3.4.4 O ser humano como sentido da graça

Quando se pensa na graça já de inicio o conceito é que não é dado pelo

homem e sim por Deus. Ele que presenteia ao ser humano, que aos poucos vai

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transformando a vida, vai se descobrindo a beleza que é um dom gratuito. “Porei a

minha lei nas suas entranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e

eles serão o meu povo. Todos me conhecerão desde o menor ao maior, diz o

Senhor.” (JEREMIAS 31:31-34)

Leonardo Boff, afirma: “experimentar a graça é experimentar a atmosfera

salvífico-vital que nos penetra, deixar sobrevir à gratuidade na qual nos movemos.

Por tudo o que pensamos e fazemos, experimentamos, implicitamente, Deus e sua

graça.” (BOFF, 2003, p. 145) A graça está dentro do ser humano. Ele se move

dentro do meio divino, basta um fiozinho de espaço que o homem adentra-se a

experiência da Graça.

O caminho para redescobrir existencialmente o lugar de Deus, a ser trilhado

tanto pela comunidade cristã como pelos cristãos individualmente, poderia passar

pelo reconhecimento da transcendência inerente à universidade dos valores

verdadeiramente humanos e pela efetiva restauração da linguagem simbólica, que

apontam como uma sadia metafísica não faz reconhecer, para a existência

indiscutível de outro, a que denominamos Deus (CATÃO, 2007, sem página). Deus

não pensa como pensa o ser humano, ele não cansa de esperar e dar a

oportunidade a todos, seja batizado ou não. Seu amor ultrapassa os erros humanos,

seu amor transforma a miséria humana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término desta pesquisa, conclui-se que a graça de Deus habita em cada

ser humano. Desde o nascimento, Deus coloca no coração do homem o desejo de

encontrá-lo. Esse trabalho trouxe muito interesse, de minha parte, para a teologia: o

conhecimento da graça à da Sagrada Escritura, Antigo e Novo Testamento,

passando pelos Padres das Igrejas, pelos Concílios e pela razão moderna.

Karl Rahner, o teólogo do século XX, que com sua experiência quando jovem

teve a oportunidade de entrar um pouco no mistério de Cristo, contribuiu com a

experiência transcendental mediante a história. Não foi em vão que o escolhi, pois

me chamou a atenção quando afirma que a graça de Deus não está limitada a um

ambiente religioso, ela não tem espaço, nem comprimento ou altura, nem escolhe as

pessoas perfeitas, a graça está no coração de cada ser humano.

O objetivo do trabalho foi demonstrar como a graça de Deus atua na vida de

cada ser humano; entendi como Deus age em favor do ser humano, pois com tanto

amor ele tem paciência e espera o retorno do pecador e basta uma brecha que o

homem deixa para Deus entrar, então o milagre da transformação se realiza. O

trabalho foi escrito com objetivos claros, e me ajudou muito na minha formação

acadêmica.

Surgiram novas perguntas, principalmente no terceiro capítulo, cujo tema

volta-se para a graça atuante no contexto contemporâneo, como transforma a vida

de cada pessoa, não obstante a pluralidade, a fragmentação da cultura e a

indiferença acerca do sagrado. Como voltar-se para Deus no meio de tanta

confusão? O tema é encantador e atraente, por isso, sinto-me impelida levar adiante

tão relevante interesse.

No mundo do presente, a graça não muda o que mudo é o modo como as

pessoas se abrem à graça; até as estruturas da família mudaram; a vida em

sociedade também, logo as mudanças são parte integrante do contexto da vida. Os

valores que cada um tem não são iguais. Embora pareça oculto, Deus continua

agindo em favor daqueles o amam.

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