a globalizao e a condio humana - caaei · 2005. 12. 21. · a globalização e a condição humana...

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A Globalização e a Condição Humana Belarmino Van-Dúnem* Resumo O processo de globalização atingiu os recantos mais remotos do globo, mas os seus efeitos têm repercussões desiguais. Enquanto os países desenvolvidos vêem o resto do globo como uma oportunidade para obtenção de matéria-prima, mão-de-obra barata e mercados para o escoamento dos seus produtos, os países em desenvolvimento sofrem com o desgaste do Estado, desarticulação da economia, fim das médias e pequenas empresas e, sobretudo, a submissão aos três motores da globalização: Privatização, liberação e democratização. As consequências sociais têm sido devastadoras, mas os programas continuam a ser implementados com algumas alterações. A situação tende a piorar porque os países desenvolvidos não estão dispostos a abrir os cordões da bolsa para ajudar os menos desenvolvidos, mas esses por sua vez têm tido pouca proactividade para ultrapassar a situação. Este texto discorre sobre o percurso e as consequências do processo de globalização, principalmente os efeitos sociais que têm sido negativos, com enfoque especial nos países da África Subsahariana. Abstract The globalization process arrived all over the world, but its effects are not the alike. Whereas the developed countries see the rest of the world as a great opportunity to find raw material, unskilled workers, low wage, and marked for theirs products, the developing countries face the weakness of the State, economic displacement, and the end of small and middle enterprises. Overall the submission on the three globalization motors: Privatization, liberalization, and democratization. The social consequences have been disastrous, although the Structural Adjustment Programs continued to be implemented with some modification. The situation tends to be most awful because the developed countries are not predisposed to continue their help for development of the poorest countries, but this lasts countries had not a proactive behavior to solve the development problem. This text makes some analyses on the consequences of the globalization process, principally the negative social effects, with the special enface on the Sub-Saharian African countries. 1

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  • A Globalização e a Condição Humana

    Belarmino Van-Dúnem*

    Resumo

    O processo de globalização atingiu os recantos mais remotos do globo, mas os seus efeitos têm repercussões desiguais. Enquanto os países desenvolvidos vêem o resto do globo como uma oportunidade para obtenção de matéria-prima, mão-de-obra barata e mercados para o escoamento dos seus produtos, os países em desenvolvimento sofrem com o desgaste do Estado, desarticulação da economia, fim das médias e pequenas empresas e, sobretudo, a submissão aos três motores da globalização: Privatização, liberação e democratização. As consequências sociais têm sido devastadoras, mas os programas continuam a ser implementados com algumas alterações. A situação tende a piorar porque os países desenvolvidos não estão dispostos a abrir os cordões da bolsa para ajudar os menos desenvolvidos, mas esses por sua vez têm tido pouca proactividade para ultrapassar a situação. Este texto discorre sobre o percurso e as consequências do processo de globalização, principalmente os efeitos sociais que têm sido negativos, com enfoque especial nos países da África Subsahariana.

    Abstract

    The globalization process arrived all over the world, but its effects are not the alike. Whereas the developed countries see the rest of the world as a great opportunity to find raw material, unskilled workers, low wage, and marked for theirs products, the developing countries face the weakness of the State, economic displacement, and the end of small and middle enterprises. Overall the submission on the three globalization motors: Privatization, liberalization, and democratization. The social consequences have been disastrous, although the Structural Adjustment Programs continued to be implemented with some modification. The situation tends to be most awful because the developed countries are not predisposed to continue their help for development of the poorest countries, but this lasts countries had not a proactive behavior to solve the development problem. This text makes some analyses on the consequences of the globalization process, principally the negative social effects, with the special enface on the Sub-Saharian African countries.

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  • O termo globalização é hoje um dos mais utilizados por políticos, economistas,

    sociólogos, antropólogos, jornalistas e pelos cidadãos comuns que de uma forma ou

    outra se interessam pelas questões internacionais. Essa terminologia tem tantos

    significados que praticamente ficou vazia, dificilmente se consegue perceber com

    profundidade qual é o sinonimo de globalização, mas apesar de tudo a hermenêutica do

    termo é indispensável para uma análise coerente das relações internacionais na

    actualidade, principalmente das relações Norte/Sul.

    O termo “Aldeia Global” foi utilizado pela primeira vez na década de 60 por Marshall

    MacLuhan, grande especialista da comunicação, que utilizou essa terminologia para

    demonstrar como as Novas Tecnologias de Informação constituíram um encurtamento

    entre os povos, a anulação da distância. O conceito de “notícia” mudou completamente,

    se antes a “noticia” era o facto ocorrido “de ontem para hoje e de hoje para amanhã”, na

    actualidade, a “noticia” é o que acontece no momento, ou seja, o ouvinte ou

    telespectador tem a oportunidade de acompanhar os factos em directo através dos

    célebres noticiários ao vivo. O ponto alto desse tipo de noticiário foi, sem dúvidas, a

    cobertura por parte da CNN da guerra do Golfo em 1991. O primeiro ataque aéreo das

    forças aliadas à Bagdad foi marcado para o dia 17 de Janeiro, todos interessados tiveram

    oportunidade de acompanhar ao vivo e a cores essa ocorrência. Portanto, os media

    criaram uma nova realidade nas comunicações cuja expressão máxima é a Internet e a

    realidade virtual, apesar de não ser real, aproxima-nos das mais diversas realidades,

    inclusive das realidades inexistentes ou imaginadas.

    Para expressar a realidade da globalização Celso Cunha deu a seguinte definição: " ... A

    notícia do assassinato do presidente norte-americano Abraham Lincoln em 1865 levou

    13 dias para cruzar o Atlântico e chegar a Europa. A queda da bolsa de valores de Hong

    Kong em Outubro/Novembro/97 levou 13 segundos para cair como um raio sobre S.

    Paulo e Tóquio, New York e Telaviv, Buenos Aires e Frankfurt. Eis ao vivo e em cores

    a globalização..."1. Esta definição factual demonstra magistralmente o crescimento da

    internacionalização do comércio, particularmente das transacções financeiras, a

    integração da economia de mercado e do capital a nível mundial. Essa visão foi

    acentuada por Zbigniew Brzezinski (1970), utilizando o termo “Cidade Global”, já

    1 PINTO, CELSO. O que é a Globalização. In: Folha de S. Paulo. www.br.globalization.uk/ S/D.

    2

  • nessa época se vivia numa sociedade cosmopolita, ou seja, o mundo estava de tal modo

    interligado que a diversidade cultural e linguística era uma realidade. A partir dessa data

    o termo globalização passou a ser usado de diversas formas, principalmente relacionado

    com a informação: Sociedade de informação, sociedade do conhecimento ou network

    society, como propõe Manuel Castells, são alguns dos termos mais utilizados.

    Embora não exista um consenso geral para demarcar uma data para o início da

    globalização porque depende dos objectivos de quem faz a análise, a década de 70

    constitui um marco para a configuração actual da economia e da política mundial. A

    crise que atacou a economia semi-planificada posta em prática nos Estados Unidos e no

    Reino Unido desde 1929, principalmente depois da 2ª Guerra Mundial, levou esses dois

    Estados à recorrer ao neoliberalismo, ou seja, a participação do Estado através da

    regulamentação do mercado, participação directa na produção por meio de empresas

    estatais e o estabelecimento de uma série de benefícios e garantias sociais deixaram de

    ser apanágio do Estado, portanto, o chamado Wellfare State (Estado de Bem-Estar

    Social), foi seriamente questionado. O fim da teoria Keynesiana levou à liberalização

    dos mercados e da economia de modo geral, junto com essa mudança estrutural também

    desapareceram os mecanismos do Estado de bem-estar social. A liberalização do

    mercado e a implementação do capitalismo privado não teria grandes efeitos se a sua

    expansão não fosse activada além fronteiras. Deste modo, a Inglaterra e os Estados

    Unidos partiram para uma ofensiva diplomática mundial para autodeterminação das

    colónias europeias, principalmente através das Nações Unidas. É nesse contexto que

    surgem os novos Estados africanos, já numa disputa aberta entre o capitalismo

    neoliberal e o socialismo com tendências para economia planificada.

    A ligação entre o capitalismo e a expansão já tinha sido denunciada por Karl Marx no

    Manifesto Comunista de 1848, segundo o qual "Por meio da sua exploração do mercado

    mundial, a burguesia deu um carácter cosmopolita a produção e ao consumo em todos

    os países... As velhas indústrias foram destruídas ou estão destruindo-se dia-a-dia... Em

    lugar das antigas necessidades satisfeitas pela produção nacional, encontram-se novas

    necessidades que querem para a sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas

    e dos climas, os mais diversos. Em lugar do antigo isolamento local... desenvolvem-se,

    em todas as direcções, um intercâmbio e uma interdependência universais”. Portanto, a

    expansão planetária do capitalismo está intrinsecamente ligada à natureza desse sistema.

    3

  • A medida que o capitalismo se propaga através das empresas internacionais,

    multinacionais e, actualmente, globais ancoradas nos Estados Ocidentais, a protecção

    social vai perdendo espaço, as médias e pequenas empresas são aglutinadas, o emprego

    entra em decadência e o Homem é obrigado à aceitar trabalhos em forma de sub -

    emprego, biscates ou dedicar-se à ociosidade obrigatória. Por detrás do processo esteve

    sempre o capitalismo, a busca de melhores lucros e de matéria-prima impulsionou a

    globalização, feita a custa do rompimento de fronteiras, culturas e políticas, o

    capitalismo é cego quando se trata de respeitar as estruturas das regiões por onde passa.

    Essa atitude fez com que as diferenças entre as regiões exploradas ou de chegada e as

    exploradoras ou de partida, em termos de desenvolvimento, sejam cada vez mais

    perceptíveis com uma clara vantagem para o segundo grupo. Devido a essas

    disparidades surgiram várias nomenclaturas tais como: terceiro mundo, países

    subdesenvolvidos, países não industrializados, países do sul e, mais recentemente,

    países em vias de desenvolvimento (Belarmino Van-Dúnem 2002).

    Segundo Boa Ventura Sousa Santos (1994:250), “Os principais guardiães das ideias e

    práticas neoliberais, em toda parte do mundo, têm sido o Fundo Monetário Internacional

    (FMI), o Banco Mundial ou Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

    (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC); Sendo que esta é uma

    Organização Multilateral, herdeira do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT),

    três guardiães das ideias e práticas do neoliberalismo; ou a santíssima trindade, guardiã

    do capitalismo em geral, um ente ubíquo, como um deus”. Essas entidades impõem

    regras aos países que recorrem aos seus serviços. A abertura incondicional do mercado

    nacional, privatização de empresas e patrimónios públicos que sejam fonte de

    rendimento e a redução da intervenção do Estado às instituições que acarretam encargos

    sociais e custos tais como: saúde, segurança, exército, educação e o saneamento do

    meio. Essa situação tem levado ao desgaste progressivo do Estado. O capitalismo passa

    um certificado de incompetência às instituições estatais, mas por outro lado, encarrega-o

    de assegurar os serviços sociais.

    Como a economia capitalista teve o seu início na Europa e se expandiu para o resto do

    globo, criou uma certa confusão entre ocidentalização e modernização, ou seja,

    começou a existir um conjunto de teorias e modelos de desenvolvimento que defendem

    que o desenvolvimento só pode ser alcançado através da ocidentalização ou da adopção

    4

  • dos valores e da cultura Ocidental. Alguns teóricos tentam encontrar essa argumentação

    na dialéctica hegeliana. A dialéctica hegeliana é progressiva e histórica. Para Hegel na

    evolução do real está sempre implícita uma contradição entre dois termos opostos.

    Primeiro há uma tendência de afirmação ou conservação – a tese – cuja finalidade é

    manter a identidade estática. Mas depois surge o princípio de negação, que é uma

    espécie de mediador da evolução – a antítese – nesta fase da evolução há uma crise, um

    antagonismo que leva ao progresso. Finalmente surge a conciliação – a síntese - que

    supera todas as contradições e permite a concretização do racional e do real, a plena

    manifestação do absoluto. Hegel vê a história como “um progresso rectilíneo,

    movimento ascendente, que se inicia no Oriente e culmina no mundo germânico.

    Portanto, a marcha do absoluto aparece como eterna. Como a epopeia do espírito,

    ritmada pela dialéctica, culmina na criação de um Estado que incarna a moral, a

    liberdade e a razão, a ultima forma do progresso é o Estado”. Portanto, as regiões do

    globo que ainda não atingiram esse estado de progresso, de realização do absoluto, em

    fim, de civilização chegariam ou chegarão lá porque o absoluto não tem fim. Assim

    justifica-se a colonização e a ocidentalização, tudo não passa, para os que defendem a

    visão da realização do absoluto, do progresso natural da história. Por outro lado, a

    dialéctica define-se como método de atingir a verdade e comunica-la aos outros, sendo

    assim, quem atinge a síntese tem o dever de comunica-la aos outros.

    Este tipo de teoria foi explicitamente transposto para uma explicação sociológica por

    Auguste Comte na sua obra “Discours de Philosophie Positive” onde expõe a lei dos

    três estados. Segundo a teoria comtiana, a evolução da sociedade humana passa por três

    estados: Teológico, Metafísico e Positivo.

    No estado teológico, o Homem, não conhecendo outras explicações para os fenómenos

    que observa, atribui-os todos a causas extraterrenas, a deuses, a seres super-humanos.

    Neste estado, a humanidade não dispõe de indústria e dos progressos da ciência.

    No estado metafísico existe uma evolução no entendimento humano, a explicação dos

    fenómenos deixam de ter uma justificação extraterrena. Em vez de uma explicação

    transcendente, própria do estado teológico, passa-se para uma explicação imanente, ou

    seja, a explicação dos fenómenos são feitas com base em pressupostos que se julga

    serem intrínsecos aos mesmos e não por razões exteriores.

    5

  • No estado positivo a explicação assume um carácter científico. Nesta fase do

    desenvolvimento humano florescem a ciência e a industria, atinge-se o progresso e a

    felicidade humana. Para Comte, todo o progresso da humanidade deve estar ao serviço

    do Homem. Nesta ordem de ideias, os Estados ou povos que já atingiram a última fase

    do progresso têm o dever de ajudar os outros a chegar lá, no estado positivo.

    Para justificar a perenidade do capitalismo ocidental e a obrigatoriedade das restantes

    zonas do globo de seguir o mesmo caminho, surgiram várias teorias. Uma das teorias

    mais evocadas é a Teoria dos Ciclos de Kondratiev. Segundo a mesma, o capitalismo

    tem a capacidade de auto-renovação que acontece de 50 em 50 anos de forma interna e

    cíclica, o que pressupõem que o sistema capitalista é inesgotável e tem capacidade para

    atingir qualquer região do globo, independentemente da cultura, raça, religião ou

    sistema político. Este tipo de raciocínio culminou com a proclamação do Fim da

    História feita por Francis Fukuyama em 1989. Segundo este autor, o colapso da URSS

    constituiu um marco na história da humanidade porque se assistiu também a

    homogeneização do sistema político e económico a nível planetário, por conseguinte, o

    fim da história. "Talvez não estejamos apenas presenciando o fim da guerra-fria ou a

    conclusão de um período especifico da história do pós-guerra, mas o termino da história

    em si mesma, ou seja, a síntese final da evolução ideológica da humanidade e o

    fenómeno da universalização da democracia liberal Ocidental como forma ultima de

    governo para a humanidade. Claro que isso não significa que não deixarão de ocorrer

    acontecimentos importantes que continuarão a preencher o sumário anual dos assuntos

    exteriores sobre relações internacionais, porque a vitória do liberalismo ocorreu

    basicamente no domínio das ideias ou da consciência e prossegue ainda incompleta no

    mundo real ou concreto. Mas existem razões poderosas para se acreditar que este será o

    ideal que governará o mundo material no futuro” (Francis Fukuyama 2002).

    O continente africano, particularmente, foi um dos mais atingidos pelo fim da ex -

    URSS. A maior parte dos Estados africanos seguiram o sistema socialista ou de partido

    único logo depois da obtenção das independências, com o fim da guerra-fria todos os

    Estados viram-se na contingência de mudar os seus sistemas políticos e económicos, a

    democratização, privatização das empresas do Estado e a liberalização da economia

    atingiram o continente nos finais da década de 80 e princípios de 90, as consequências

    6

  • foram desastrosas para a maior parte dos países do continente (Belarmino Van-Dúnem

    2002).

    A aplicação dos Programas de Ajustamento Estrutural cujo objectivo era acelerar o

    desenvolvimento e anular a marginalização económica dos países africanos não surtiram

    os efeitos esperados, pelo contrário, a economia africana continuou paralisada. Segundo

    as estatísticas da UNCTAD (2003), a região da África Subsahariana detinha 3,7% das

    exportações do mercado mundial em 1980 e 3,1% das importações. Em 2002 esses

    valores decaíram para 1,5% e 1,4% respectivamente. A privatização beneficiou as

    pequenas elites que não conseguiram aumentar a produtividade ou dar continuidade as

    actividades produtivas que eram garantidas pelo Estado, alguns por falta de capacidade

    financeira, outros por incapacidade técnica, administrativa e de gestão. A liberalização

    arruinou as pequenas empresas e a agricultura local, na maior parte dos casos, de

    subsistência. Os produtores locais não aguentaram a concorrência dos produtos

    importados a partir dos países desenvolvidos, grande parte dos produtos agrícolas e

    industriais provenientes desses países são subsidiados pelo Estado, para além da alta

    tecnologia utilizada. A democratização dos regimes políticos não conseguiu criar um

    clima de estabilidade politica, económica e social. Entre 1990 e 1997 deflagraram 60

    conflitos armados de carácter intra-estatal no continente africano (Laremond 2002). Os

    efeitos sociais foram desastrosos. A maior parte da população africana se sente

    prejudicada pelas políticas macroeconómicas implementadas no continente desde os

    princípios da década 80, o gráfico 1 ilustra bem essa realidade. Gráfico 1

    Fonte: AFRO BAROMETRO (2004)

    7

  • Como se pode verificar, as reformas sociais em África ajudaram 30% da população,

    menos de 5% concorda com as reformas, 65% sente-se prejudicada e cerca de 4% não

    tem uma percepção clara dos efeitos dessas politicas na sua vida. Portanto, a maior parte

    das pessoas não concorda com as reformas económicas e politicas efectuadas. Esta

    realidade justifica-se pelo facto das reformas terem efeitos perversos aos objectivos

    preconizados.

    Paradoxalmente, após a aplicação dos Programas de Ajustamento Estrutural o

    crescimento do PIB per capita dos países da África Subsahariana baixou de forma

    acentuada, em alguns casos o crescimento foi negativo conforme demonstra o gráfico 2. Gráfico 2 - Sub-Saharan Africa – Annual Growth Rates in GDP per Capita 1965-2003

    Fonte: IMF (2004)

    Durante os anos em que os programas de Ajustamento Estrutural estavam a ser

    implementados os resultados foram perversos, a partir de 1995 as coisas foram

    melhorando, mas o crescimento não passou dos 3%. Essa constatação é preocupante

    porque a instituição que reconhece o subdesenvolvimento de África, apesar da

    implementação de politicas que supostamente iriam tirar o continente africano da

    marginalidade económica em que se encontra, é a que mais defende as regras de

    cooperação norte/sul com os padrões actuais.

    Segundo o Grupo de Lisboa (1994:114), “A globalização actual é uma globalização

    truncada. A triadização constitui uma definição mais adequada à presente situação. Por

    8

  • triadização entende-se o facto de a integração tecnológica, económica e sociocultural,

    entre as três regiões mais desenvolvidas do mundo (Japão, e novos países

    industrializados do sudeste Asiático, Europa Ocidental e América do Norte), ser uma

    tendência mais difundida, intensiva e significativa do que a tendência para a integração

    entre essas três regiões e os países mais pobres e menos desenvolvidos, ou do que a

    tendência para a integração destes últimos entre si. A triadização está também na cabeça

    das pessoas. Para os japoneses, norte-americanos e europeus, o mundo que conta é o seu

    mundo, no qual está centrado o poder cientifico, o potencial e supremacia tecnológicas,

    a hegemonia militar, a riqueza económica, o poder cultural e, em consequência, a

    superioridade de condições e a capacidade para regular a economia e a sociedade

    mundiais e para projectar os seus futuros”. Está realidade é bem ilustrada pelo quadro 1.

    Quadro 1 - Distribuição das alianças tecnológicas estratégicas entre empresas, por áreas tecnológicas e grupos de países – 1980 - 1989

    Áreas Tecnológicas

    Nº de

    Alianças

    % para os

    países

    desenvolvidos

    % para

    Tríade

    % para

    Tríade

    + NPI

    % para Tríade

    + países em

    desenvolvimento

    Outros

    Biotecnologias 846 99,1 94,1 0,4 0,1 0,5 Novos materiais 430 96,5 93,5 2,3 1,2 ------ Computadores 199 98,0 96,0 1,5 0,5 ------ Automação Industrial 281 96,1 95,0 2,1 1,8 ------ Microelectrónica 387 95,9 95,1 3,6 ------------ 0,5 Software 346 99,1 96,2 0,6 0,3 --------Telecomunicações 368 97,5 92,1 1,6 0,3 0,5 Outras Comunicações 148 93,3 92,6 5,4 0,7 0,7 Máquinas automáticas 205 84,9 82,9 9,8 5,4 --------Aviação 228 96,9 94,4 0,9 1,3 0,9 Químicas 410 87,6 80,0 3,9 7,1 1,5 Alimentação e bebidas 42 90,5 76,2 9,5 -------------- --------Máquinas eléctricas 141 96,5 92,2 1,4 2,1 --------Maqus./Instrumentos 95 100,0 100,0 ------- --------------- --------Outros 66 90,9 77,3 1,5 4,5 3,0 Total 4192 95,7 91,9 2,3 1,5 0,5 Fonte: Chris Freeman and John Hagedoorn (1992) In: Grupo de Lisboa (1994:115)

    9

  • O quadro é esclarecedor quanto a concentração da tecnologia nos países que já a

    possuem. Facto que contradiz todo o discurso divulgado pelas instituições mundiais que

    projectam um mundo mais igualitário, justo e digno para toda a humanidade. Existe

    uma tendência para criar uma espécie de «Apartheid Global», as regiões desprovidas de

    tecnologia são cada vez mais afastadas do processo de modernização, o acesso as novas

    tecnologias é bastante caro, mas quando os países em desenvolvimento conseguem

    adquirir essas tecnologias encontram dificuldades para a sua manutenção, gestão ou

    renovação de equipamentos porque a produção dos componentes das novas tecnologias

    é controlada através dos direitos de patentes na posse dos países industrializados. Os

    países em vias de desenvolvimento continuam a fazer o papel de exportadores de

    matéria-prima, principalmente os países da África Subsahariana que ainda se encontram

    numa fase em que a maior parte da população está por alfabetizar, facto que impede as

    empresas multinacionais de fazer o deslocamento da sua produção para essa região do

    globo, mas isso já acontece com os países asiáticos e vai se acentuando na América –

    Latina, embora esta característica da produção actual não signifique que as condições de

    vida da população onde as empresas multinacionais se instalam melhorem

    qualitativamente. A volatilidade do capital e a procura constante de mão-de-obra barata

    levam as empresas à ter uma mobilidade e deslocamento transnacional de difícil

    controlo, portanto as pessoas acabam por ter um trabalho, mas estão longe de encontrar

    um emprego capaz de lhes garantir uma estabilidade de vida. Na era da globalização

    todos estão sujeitos a ter trabalho e não um emprego.

    Fonte: AFRO BAROMETRO (2004)

    10

  • O desemprego é o principal problema dos países em desenvolvimento, esta realidade

    verifica-se desde o período de 1999-2000, mas também entre 2002-2003. Durante esses

    períodos o desemprego esteve acima dos 17%. A pobreza aparece como segundo maior

    problema. A maior parte da população vive com menos de 1 dólar por dia. A gestão

    económica também constitui um grave problema para os países pobres do continente

    africano, a riqueza está mal distribuída.

    As empresas globais especializadas na produção por componente, cada região ou país

    produz um componente do produto final conforme a mão-de-obra, matéria-prima ou a

    importância geoestratégica, facilmente deslocam a sua produção quando o país deixa de

    ter os pré-requisitos que justificaram a implementação, não existe uma filosofia de

    formação, actualização ou adaptação do trabalhador, quando este não se adequa ao

    trabalho é dispensado. A mobilidade das empresas e do capital, (principalmente as

    transacções financeiras por meios informáticos), constituem a principal causa da crise

    de emprego a nível global, em África particularmente, a realidade é pior devido a

    inexistência de um sistema de segurança social, predominância do sector informal e a

    falta de empreendimentos capazes de gerarem novos empregos ou o auto-emprego. Os

    jovens ficam longos períodos sem encontrar uma oportunidade de emprego, a maioria

    acaba por se dedicar as actividades informais. Segundo Fedrick Muyia Nafukho (1998),

    o desemprego entre os jovens em África tomou proporções alarmantes. O desemprego

    não atinge apenas os jovens sem formação, mas também os jovens com alguma

    formação académica ou técnica. Para o autor, as causas dessa situação podem ser

    encontradas nos seguintes factores:

    - Migração do campo para as cidades, depois das independências em quase todos os

    países africanos houve uma fuga maciça de pessoas dos campos para a cidade;

    - Crescimento demográfico acelerado – os países pobres têm o crescimento

    demográfico mais elevado do mundo;

    - Fraca performance do desenvolvimento económico.

    Esses factos fizeram com que os índices de desemprego sejam bastante elevados,

    principalmente entre a população jovem. Alguns países africanos têm procurado

    resolver o problema do desemprego através de créditos para a criação de novas

    empresas, principalmente nos países da África Austral desde 1991. Mas essas iniciativas

    não têm surtido grandes efeitos porque não existem programas de treino e formação

    11

  • para a gestão do auto emprego, autonomia financeira, geração de emprego, etc. A falta

    de ocupação ou de uma actividade lucrativa leva os jovens à dedicarem-se ao crime,

    consumo de substâncias psicotrópicas, prostituição, alcoolismo etc. As mulheres e os

    jovens, principalmente os imigrantes, provenientes do campo ou das zonas rurais, são os

    grupos mais vulneráveis. A contracção do HIV/SIDA também é mais acentuada nesse

    grupo de pessoas (Lan Livingstone 1989).

    Segundo Marc Lansky (1996), a desigualdade de género é bastante acentuada em

    África, as mulheres têm mais dificuldade em encontrar emprego, quando encontram são

    empregos precários. A exclusão social das mulheres provocou uma desadequação do

    mercado de trabalho, tal como o seu acesso às instituições de prestação de serviços, por

    esta razão existe uma relação directa entre o mercado de trabalho e a pobreza, direitos

    sociais e a mobilidade do status da pessoa. Essa situação reflecte a deterioração

    sócio/económica das sociedades africanas no que concerne as dinâmicas sociais em

    geral e do mercado de trabalho em particular.

    No que diz respeito aos montantes dos salários, em termos proporcionais, as mulheres

    recebem menos que os homens pela execução do mesmo trabalho. A maioria das

    mulheres participa no mercado de trabalho de forma marginal através do auto emprego

    com recurso às actividades informais ou aos trabalhos precários sem contrato formal.

    Essa situação significa baixa produtividade, baixos rendimentos e baixo nível de vida

    para os agregados familiares cujos únicos responsáveis são as mulheres. As mulheres

    também têm maior dificuldade em encontrar o primeiro emprego, assim como um

    emprego a longo prazo. Essa realidade é mais acentuada nos países de maioria

    muçulmana onde as mulheres não têm direitos civis, vistos a luz dos direitos humanos.

    Portanto, o emprego é um dos principais problemas que afecta os países africanos. Mas

    a sua resolução passa por uma reestruturação politica, económica e social de modo

    geral. O desemprego afecta sobretudo os jovens e as mulheres que passam longos

    período sem encontrar uma oportunidade de trabalho. A predominância de actividades

    económicas informais faz com que os trabalhos sejam precários e a segurança social

    inexistente.

    O processo de globalização tal como se apresenta actualmente reverte-se claramente a

    favor dos mais ricos, embora se fale de uma cooperação mais justa, do

    comprometimento da comunidade internacional para erradicar a fome e a miséria no

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  • mundo, tudo não tem passado de sofismas, os objectivos do milénio estão longe de ser

    atingidos, 2015 está a porta e o cenário de fome, HIV/SIDA e dos conflitos continuam a

    assolar uma grande parte da população no mundo. Segundo os dados do Banco Mundial

    (2005), 20% da população mais rica do mundo consome 80% da produção mundial, no

    total não ultrapassam 1 bilhão de pessoas residentes maioritariamente nos países

    desenvolvidos ou mais ricos, 5 biliões de pessoas, 80% da população mundial, fica com

    20%, na sua maioria vivem na pobreza extrema com um rendimento anual de 250

    dólares. Essa verdade é tal que a obesidade é um dos maiores problemas dos países mais

    ricos, pelo contrário, a subnutrição e o raquitismo ainda são problemas graves para os

    países em desenvolvimento.

    Deve-se salientar que a repartição dos 20% da produção mundial que resta para os mais

    pobres não é feita de forma equitativa. As economias emergentes da Ásia consomem

    mais que a maioria das economias medias da América Latina, mas esses por sua vez

    estão melhores que os países africanos, principalmente o grupo de países da África

    Subsahariana com a excepção da África do Sul. Mas as estatísticas omitem essa

    realidade, quando um país importa 100 mil frangos frescos por mês, toda a população

    consome 100 mil frangos, mas na realidade algumas famílias comem 20 frangos ou

    mais apenas num piquenique de fim-de-semana, enquanto outras não comem nenhum.

    Por outro lado, a disputa para captar fundos é bastante renhida tanto entre os países mais

    pobres do grupo dos mais ricos como entre os mais pobres do grupo dos pobres. Os

    países com as economias mais poderosas do mundo ameaçam fechar os cordões da

    bolsa para ajuda, alegando que a crise também está a bater-lhes a porta. As políticas de

    subsídios para a produção são defendidas por quase todos os países, mais ricos e menos

    pobres. O caso da União Europeia é paradigmático, enquanto a Alemanha, Inglaterra e a

    França procuram manter os seus subsídios, mas diminuir as suas contribuições para o

    orçamento comunitário, os restantes países da união procuram defender a continuidade

    das receitas para o desenvolvimento provenientes de Bruxelas. A nível da Organização

    Mundial do Comércio, a situação não é muito diferente. Sempre que os países mais

    desenvolvidos anunciam uma abertura maior para a entrada dos produtos do sul, as

    manifestações anti-globalização são ladeadas por manifestações de agricultores,

    produtores do sector têxtil etc. que temem o fundamento do capitalismo neoliberal, a

    concorrência e a liberalização do mercado. Parece vergonhoso mas esta atitude hipócrita

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  • tem dominado as conferências internacionais, os meios de comunicação dão uma

    atenção de menos de um minuto à esses factos, depois passam horas a falar da miséria,

    fome, corrupção e da guerra em África. O sensacionalismo tomou conta da sensibilidade

    das pessoas, como não aparecem mortos nem se ouvem tiros, todos esquecem que as

    decisões saídas dessas conferências têm consequências directas nos conflitos e na

    redução da fome nos países em desenvolvimento.

    Os países da África Subsahariana têm tido uma atitude pouco proactiva para o seu

    desenvolvimento, alguns por razões internas (guerras), outros por desinteresse ou

    inércia dos governantes, os programas internacionais para o desenvolvimento ficam

    com os fundos sem qualquer utilidade porque nenhum país ou região consegue cumprir

    os critérios de elegibilidade, muitos nem procuram conhecer os procedimentos para ter

    acesso aos fundos, ficam a espera que a entidade financiadora faça publicidade na

    televisão, anunciado que há dinheiro, é vulgar ouvir os dirigentes dos países em

    desenvolvimento afirmarem que vão ouvir o parceiro para verem o que se pode fazer,

    quando deviam ter um programa próprio que estivesse de acordo com os critérios de

    elegibilidade ou de financiamento dessa instituição ou Estado.

    O desenvolvimento, palavra ambígua, tem sido entendido como uma interpretação do

    percurso histórico da sociedade de abundância e consumismo ocidental. Para se atingir

    esse patamar social o percurso, para além de ser sinuoso e bastante complexo, levou

    séculos até chegar à situação actual. Só nos meados do século XX é que o Estado

    providencia começou a fazer parte da realidade europeia, alguns Estados ainda recebem

    subsídios para o seu desenvolvimento, mas infelizmente os Estados africanos com

    menos de meio século de existência são tratados em pé de igualdade, acusados de

    estarem em colapso, falhados, etc. porque não controlam a totalidade do território

    nacional ou porque estão sob conflitos violentos, quando as guerras mais sangrentas,

    mais complexas e mais longas aconteceram na Europa, recorde-se que a 1º e 2º guerras

    mundiais foram no século passado.

    O paradigma de desenvolvimento para África tem que ser visto dentro do contexto

    cultural, histórico, social e económico do continente. Para cada região, país e localidade

    deve existir um paradigma de desenvolvimento próprio com base no bem-estar das

    pessoas. Sendo assim, o conceito de desenvolvimento permitirá aos actores do

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  • desenvolvimento desenhar os seus projectos de intervenção sem pôr em causa a

    estrutura social pré-existente. Talvez não seja perigoso para uma população do meio

    rural manter a sua cultura, ter meios para produzir os seus produtos, criar o seu gado e

    paulatinamente expandir o ensino e as técnicas de produção mais avançadas. Mas se os

    produtos estiverem a sua disposição a título de oferta ou se os produtos vindos do

    ocidente, produzidos com tecnologias mais avançadas sem qualquer relação com o ciclo

    natural de produção e com subsídios, forem postos nos mercados nacionais a preços de

    pataca baixa, jamais o continente africano atingirá o bem-estar da sua população, no

    fundo esse é o fim do desenvolvimento.

    Conclusão

    O apartheid global que parece prevalecer no mundo, só será ultrapassado se os países

    globalizadores tiverem consciência da necessidade de integração do resto do mundo

    para garantir a continuidade do sistema democrático liberal, a segurança dos seus

    cidadãos e do cumprimento dos direitos fundamentais do Homem universalmente

    defendidos. Por outro lado, os países em desenvolvimento devem continuar a procurar

    formas alternativas de desenvolvimento, deixar de orientar o desenvolvimento com base

    nas ajudas vindas do ocidente, quando estas forem canalizadas, fazer a gestão

    responsável (accountablity) em benefício da população tal como são assumidos nos

    programas nacionais de luta contra a pobreza.

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  • Referências Bibliográficas AFROBAROMETRO, Africa’s Unemployment Crisis: Evolving Public Attitudes, April 2004, paper Nº 10 Alexander, A. Michael (1999), The Kondratieve Cycle: A Generational Interpretation, Universe, London. Auclair, Thandika (2005), Charting a Framework for Sustainable Urban Centres in Africa, UN Chronicle, New York. Comte, Auguste (1990), Discurso sobre o Espírito Positivo, Martins Fontes, S. Paulo Fapohunda, A. M (2000), Globalization and Employment in Developing Countries, LDC, Lagos. Fukuyama, Francis (2002), O Fim da Historia e o Ultimo Homem, Gradiva, Lisboa. Grupo de Lisboa (1994), Limites À Competição, Europa – América, Lisboa Hegel, G. W. F (1999), Political Writtings, Cambridge University Press, Cambridge Lansky, Marc (1996), Les Femmes et le Marché du Travail Urbain en Afrique Subsahariene, ILO, Genéve. Laremont, Ricardo René (2002), The Causes of War and the Consequences of Peacekeeping in Africa, Heinemann, Portsmouth. Livingstone, Lan (1989), Unemployment, Labour economic, Education. Economic policy, Domestic policy, Child, and Youth, ILO, Geneva. Nafukho, Fedrick Muyia (1998), Entrepreneurial Skills Development Programmes for Unemployed Youth in Africa: Second Look, Proquest, Vol. 36 Santos, Boa Ventura de Sousa (1994), Pela Mão de Alice - O Social e Político Na Pós – Modernidade, Edições Afrontamento, Porto. Van-Dunem, Belarmino (2002), A Globalização e a Deterioração da Condição Humana, Tese de Licenciatura defendida no Instituto Superior de Educação (ISE), Cabo Verde.

    *Belarmino Van-Dúnem: - Licenciado em Filosofia pelo Instituto Superior de Educação (ISE) – Cabo Verde - Pós-graduado em Relações Internacionais Africanas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) – Portugal - Mestre em Estudos Africanos – Desenvolvimento Social e Económico em África: Análise e Gestão pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) – Portugal Investigador nas Áreas da Prevenção de Conflitos e Relações Internacionais

    E-mail: [email protected] [email protected] Dezembro, 2005

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