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A GERAÇÃO AUDIOVISUAL E A LINGUAGEM MATEMÁTICA NA DIVISÃO
Ana Regina Zubiolo1 RESUMO Este artigo tem por objetivo relatar uma experiência de ensino na qual se buscou trabalhar a linguagem Matemática presente na operação da divisão, utilizando-se das diferentes mídias tecnológicas como uma possível alternativa para promover a aprendizagem desta operação, de modo a possibilitar ao indivíduo sua utilização crítica e consciente, quando necessária. Entre os resultados deste estudo, destacamos: o reconhecimento da calculadora e/ou computador como uma ferramenta, a necessidade de conhecer o significado dos valores numéricos tanto daqueles pertinentes às situações propostas, como daqueles que surgem nas respostas dadas resultante do trabalho em grupo, e a importância da interpretação dos resultados obtidos na calculadora e/ou computador. Este trabalho faz parte das atividades desenvolvidas no Programa de Desenvolvimento Educacional- PDE do Governo do Estado do Paraná.
Palavras-chave: Matemática, divisão, mídias tecnológicas.
ABSTRACT This article has the aim to relate a teaching experience, which it searched to work Mathematics language presents at division process, using the different technologic medias as a possible alternative to promote its learning, to possible the person its critic and conscious use, when it is necessary. Among the results from this study, we spot: the recognition of calculator and/or computer as a tool, the necessity to know the meaning of number values, as those presented proposed situations as those from the given answers resulted from the worked group, and the importance of the results interpretation taken from the calculators or/ and computers. This work is part of activities offered by PDE (Program of Development Educational of Paraná State). Keywords: Mathematics, division, the technologic medias.
1 Professora do Colégio Estadual Presidente Kennedy – Rolândia/PR. Desenvolveu este trabalho por
ocasião de sua participação no programa de formação continuada PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional em 2009.
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INTRODUÇÃO
Quando crianças, somos geralmente ensinados a oferecer o que temos aos
outros. Situações como repartir os doces, pedaços de lanches, goles nos
refrigerantes, entre outros, fazem com que nos deparemos com problemas de
divisão muito cedo. Apesar disso a divisão ainda apresenta-se, nos espaços
escolares, como um tema de dificuldade para os estudantes tornando-se objeto de
estudo de muitos pesquisadores. A História da Matemática nos apresenta vários
métodos de resolução, porém assimilados depois de muito esforço e prolongada
prática. Resolver com rapidez e exatidão divisão de vários algarismos significativos
era sabedoria considerada inacessível aos homens simples, sendo que apenas
homens sábios sabiam dividir. Irma Saiz (SAIZ, 1996, p.156) apresenta na
introdução de seu artigo parágrafos do livro de Y. Perelman, “Aritmética Recreativa”
(1975). Este conta a história de um aluno da atualidade que, transladado no tempo
por três séculos, mostrou-se possuidor de grande habilidade para dividir.
Comparado aos métodos disponíveis naquele tempo, o algoritmo que hoje usamos
mostra-se rápido, eficaz, elegante e útil para divisão de todas as quantidades
numéricas possíveis.
Hoje dispomos de um algoritmo capaz de obter, com exatidão, o resultado
da divisão, válida para qualquer quantidade numérica com rapidez e ainda podemos
ter acesso a máquinas que também as resolvem. Mesmo assim ainda acontece de
nos depararmos com crianças de 5ª série, que já tiveram contato com a divisão nas
terceiras e quartas séries, mas ainda fazem a seguinte afirmação: “Divisão com um
número na chave eu sei fazer, com dois eu não sei”. Isso nos leva a pensar se é o
conceito de divisão que não é compreendido ou, o resultado que não é interpretado,
mesmo sendo capaz de descobri-lo quando a divisão envolve quantidades
pequenas, já que números maiores demandam processos mais demorados, sejam
eles mentais ou com uso de papel e lápis, ou ainda se isso representa o não
reconhecimento do mesmo algoritmo utilizado quando o divisor é um número com
apenas um algarismo.
Nossos estudantes estão acostumados a conviver com a calculadora,
celulares, MP3, 4, 5, 6 ..., jogos eletrônicos, internet, computador, caixas
eletrônicos, e muito mais. Estão muito mais abertos a essas inovações que hoje
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possuem um custo bem inferior do que há vinte anos atrás. Com o aparecimento
das novas mídias, ligadas intimamente aos nossos estudantes, torna-se
necessário trazer a linguagem matemática vinculada a elas, possibilitando formas
mais adequadas de comunicação com as novas gerações. Isso fez com que
refletíssemos sobre a utilização das mídias como uma possível forma de promover
a aprendizagem da operação divisão.
Atualmente vivemos uma realidade onde há facilidade na obtenção da
imagem, do som, do movimento, das informações e inovações que surgem
rapidamente e também podemos ser facilmente influenciados por isso, de modo que
tais condições fizeram com que tempo e espaço passassem por um novo conceito.
Segundo Babin & Kouloumdjian (apud. PENTEADO, 1999, p. 298),
inovações trazem mudanças no comportamento intelectual e afetivo que elas
modelam nos estudantes, através do seu uso cotidiano fora da escola, uma vez que
máquinas informatizadas, principalmente o computador, oferecem recursos para
densenvolver atividades com os estudantes dentro da escola.
Gómez-Granell (2006, p. 260), coloca que a Matemática possui uma maneira
determinada e específica de interpretar e de observar a realidade. Sua linguagem
mantém uma leitura que não faz uma relação direta com a simples tradução para a
linguagem natural. Assim, o conhecimento matemático é profundamente
dependente desta linguagem específica e de caráter formal.
Tentaremos mostrar neste artigo a possibilidade desta geração de estudantes,
inserida no contexto audiovisual, processar de maneira diferenciada os
conhecimentos já adquiridos pela humanidade historicamente, se comparada à
geração da qual pertencem seus professores. Geração esta formada, ou por que
não dizer formatada, num período no qual o movimento chamado Matemática
Moderna enfatizava a teoria dos conjuntos, tinha preocupações excessivas com
abstrações matemáticas e apresentava uma linguagem matemática marcada pelo
uso de símbolos e uma terminologia complexa.
O modelo baseado na aula expositiva prevaleceu (e prevalece ainda hoje)
durante a formação em nível superior desses professores. O professor da
graduação explicava o conteúdo, apresentava alguns exemplos, propunha
atividades aos graduandos, algumas eram corrigidas, realizava-se a prova e assim
estava encerrado o conteúdo. O ciclo era retomado com o início de um novo
conteúdo . O significado da linguagem matemática, na maioria das vezes, era
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deixado de lado. Sem significado as regras podem ser assimiladas e usadas num
espaço curto de tempo, ficando a maioria das vezes sem relação com outros
conteúdos.
O estudo foi realizado com 64 alunos, com idade média de 11 anos, que
cursavam a 5ª série no Colégio Estadual Presidente Kennedy, localizado na cidade
de Rolândia – PR. Foram trabalhadas, em grupo de quatro alunos, quatro atividades
de investigação matemática e resolução de problemas que envolviam a operação
de divisão e uma em duplas com o uso de planilha eletrônica. A professora
pesquisadora era a regente da disciplina de Matemática para essas duas turmas de
5ª série no ano de 2009 e introduziu as atividades como parte do conteúdo daquele
ano letivo sem nenhuma conotação especial.
Neste artigo serão apresentadas as percepções entre a professora
pesquisadora, regente da turma, e estudantes de duas classes de 5ª série regular,
quando do uso das mídias tecnológicas, principalmente a calculadora, durante o
horário de aula das turmas, quando realizaram atividades de investigação
matemática e resolução de problemas. Entre os resultados deste estudo,
destacamos: o reconhecimento da calculadora e/ou computador como uma
ferramenta, a necessidade de reconhecer o significado dos valores numéricos tanto
daqueles pertinentes às situações propostas, como daqueles que surgem nas
respostas dadas resultante do trabalho do grupo.
OBJETIVOS
Boa parte dos alunos são capazes de manipular os símbolos da operação
de divisão, conforme determinadas regras, sem se deterem ao significado dos
mesmos. Desse modo, levanta-se a seguinte questão: Como trabalhar com alunos
na era do audiovisual, de modo que usem significativamente a linguagem
Matemática presente na divisão?
Nosso objetivo geral neste trabalho é realizar uma investigação que
focalize o ensino da Matemática na escola fundamental, como forma de promover a
melhoria do processo de ensino e aprendizagem, possibilitando que os alunos
utilizem conhecimentos desta disciplina com segurança, eficiência e principalmente
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significado.
. Especificamente buscamos:
• Apresentar estratégias para utilização das mídias tecnológicas disponíveis
na rede pública estadual no processo de ensino-aprendizagem;
• Promover, por meio de atividades de investigações matemáticas e
resolução de problemas, com auxílio dessas mídias, a aprendizagem da
linguagem da divisão.
• Levar o estudante a perceber que os símbolos matemáticos obedecem a
regras próprias, independentes do contexto em que estão inseridos.
REFERENCIAL TEÓRICO
No ensino da Matemática é comum, muitas vezes, a utilização de técnicas e
procedimentos que fazem uso de uma linguagem simplificada àquilo que se está
trabalhando. Parte disso deve-se ao fato de, por uma questão de economia,
utilizarmos apenas algoritmos e também às alterações de sentido cometidas
quando “da cópia, da cópia, da cópia” dos conhecimentos matemáticos (RICIERI,
2008).
Nesses parágrafos estão colocadas, de certa forma, algumas das
dificuldades já estudadas no ensino da Matemática, em especial no que diz respeito
à operação de divisão.
Gómez-Granell (2006, p. 263) aponta que, tradicionalmente, o ensino da
Matemática tivesse como objetivo fundamental o ensino da sua linguagem,
acrescentando que não há como negar o papel desta linguagem no processo de
construção do pensamento matemático, porém sempre que possível devemos
atribuir um significado aos símbolos que manipulamos. Afinal as ferramentas e
noções elaboradas em determinada época refletem um contexto sócio-econômico-
cultural que não é o vivenciado por nossos alunos.
Na História da Matemática, Gómez-Granell (2006, p. 260), cita a existência
de muitos exemplos demonstrando como a elaboração de linguagens mais
complexas exigia a formulação de linguagens mais abstratas que, em função disso,
possibilitavam novos modelos de cálculos e conclusões.
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Já Santaló (1996, p. 18), expõe a necessidade de ir educando o aluno,
desde as primeiras séries, não apenas na Matemática, mas também no raciocínio,
já que este é considerado a base desta Ciência e imprescindível para ordenar e
assimilar toda a classe de conhecimento. Isto significa que é preciso:
educar o aluno na linguagem adequada para compreender a nomenclatura e funcionamento da tecnologia atual, assim como na base científica que o sustenta. [...] Mais importante é ir aprendendo as leis do raciocínio de maneira natural, como algo inerente à linguagem, da mesma maneira que se aprende a falar sem conhecer a etimologia das palavras.
Roland Charnay (1996, p. 37) considera que uma das grandes dificuldades
do ensino da Matemática, é tornar o conteúdo carregado de significação, de modo
que tenha sentido para o aluno. Este autor utiliza Brousseau (apud. CHARNAY,
1996, p. 37) como referência, e aponta que a construção da significação de um
conhecimento deve ser considerada em dois níveis:
• Um nível “externo”: qual é o campo de utilização deste conhecimento, e
quais são os limites desse campo;
• Um nível “interno”: como funciona tal recurso e porque funciona.
Pensando na operação de divisão, podemos associar ao nível externo
questionamentos como: “Para que serve a divisão? Onde usar a divisão?”. Por outro
lado, ao nível interno de significação de um conhecimento associam-se questões do
tipo: “Como funciona o algoritmo?Por que conduz a resposta procurada?”.
Além disso, Charnay (1996, p. 38) coloca que o aluno deve “... ser capaz
não só de repetir ou refazer, mas também de ressignificar em situações novas, de
adaptar, de transferir seu conhecimento para resolver problemas.”
Da mesma forma, Gómez-Granell (2006, p. 274) expõe que:
saber matemática implica em dominar os símbolos formais independentemente das situações específicas e, ao mesmo tempo, poder devolver a tais símbolos o seu significado referencial e então usá-los nas situações problemas que assim o requeiram.
Encontramos nesta fala a fundamentação teórica para um dos objetivos
específicos deste trabalho, de levar estudante a identificar que os símbolos
matemáticos obedecem a regras próprias, independentes do contexto em que estão
inseridos.
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Em geral, o ensino da operação divisão está baseado na apresentação de
um método de cálculo associado a um pequeno universo de problemas que,
pressupõe-se, “darão conta” do significado do conceito. Qualquer algoritmo, e em
especial no caso o da divisão, isolado do contexto, converge para uma resposta de
perguntas futuras que não são conhecidas previamente. O algoritmo é “aprendido”
para servir na resolução de problemas, porém não se conhece de que problema
trata-se.
Em seu artigo “Dividir com dificuldade ou a dificuldade de dividir”, Irma Saiz
(1996, p. 182) diz não ser possível tirar conclusões gerais em relação ao assunto da
divisão. Deixa clara a sua intenção de análise das dificuldades, das crianças, com a
divisão e também de proporcionar aos professores recursos para análise da
produção de seus alunos . Apesar disso, durante todo o tempo vivido no magistério,
observamos o que Saiz (1996, p. 170) coloca com propriedade:
Os alunos não atribuem significado ao algoritmo que aplicam, portanto não podem interpretar o que obtiveram nas diferentes etapas do cálculo, em termos do problema formulado (...) O algoritmo ensinado parece como um puro trabalho sobre os números, independente dos dados da situação enunciada.
A tendência à economia, seja no ensino como na aprendizagem, favorecem
a aplicação de algoritmos que geralmente acarretam uma perda de sentido.
Segundo Saiz (1996, p. 168):
A representação da divisão não pode reduzir-se ao conhecimento de uma estratégia de solução acompanhada de um suposto “sentido” ou significado da operação que permita aplicá-la, porém implica a capacidade de controlar as várias estratégias, passando de uma a outra, segundo as circunstâncias.
Enquanto, na antiguidade, a divisão era uma operação realizada apenas por
sábios, atualmente contamos com um algoritmo rápido e eficaz para efetuá-la
utilizado por muitos e ainda com a possibilidade de utilizar máquinas (calculadoras e
computadores) que resolvem cálculos, em menos tempo que as pessoas. Mesmo
assim, ocorrem nas escolas, crianças que já tiveram contato com a divisão e
mesmo assim assumem a falta do “saber dividir”, já que não atribuem significado
ao algoritmo ou ao resultado obtido.
Com todo o avanço tecnológico presente reconhece-se que o
conhecimento não é mais monopólio das escolas. Santaló (1996) coloca que a
educação informal dos meios extra-escolares encontra-se em ascensão. Se a
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escola prender-se exclusivamente em uma educação para um mundo ideal
fatalmente distanciar-se-á cada vez mais da realidade. Tal situação tende a
provocar um afastamento dos ensinamentos do professor para ter mais crédito o
mundo simplificado da ciência-ficção presentes no cinema, televisão, revistas,
internet, vídeo-game. Desta forma, os indivíduos, ao saírem para atuar na
sociedade, serão inconsistentes, não possuirão uma base firme, de conhecimento
organizado que é o que a escola deve proporcionar-lhes. Reafirma-se assim a
necessidade dos conceitos estarem consolidados, porém próximos das facilidades
atuais.
Selva & Borba (2005, p. 51) em seu artigo “O uso de diferentes
representações na resolução de problemas de divisão inexata: analisando a
contribuição da calculadora”, apresentam resultados de pesquisas de diversos
autores que abordam este tema. Quando do uso da calculadora por crianças na
resolução de problemas matemáticos abertos puderam constatar, de um modo
geral, que a sua utilização proporcionou maior agilidade nas tentativas conduzindo o
estudante a colocar maior atenção na maneira utilizada na resolução do que no
cálculo em si. Tal alternativa proporciona de fato uma discussão matemática em
sala de aula. Outra situação também citada é que mesmo com a possibilidade do
uso da calculadora não se dispensa o cálculo mental e nem o manual durante a
busca de resolução do problema.
Este trabalho pretende trabalhar a operação da divisão, utilizando-se das
mídias tecnológicas disponíveis na rede estadual de ensino, permitindo que os
alunos comprovem seus próprios métodos, suas próprias soluções, atribuindo um
significado a cada etapa do cálculo para resolver os problemas.
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
A proposta deste trabalho foi ancorada na utilização de mídias, em especial
a calculadora e o computador, na resolução de problemas para alunos de 5ª séries.
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Mediante orientação, foi elaborada pela pesquisadora a produção didática2 com
cinco atividades que contemplam a conceitos associados à divisão. Quatro delas
foram criação da própria pesquisadora, sendo a atividade 4 uma adaptação da
actividade3 nº 6 elaborada por Alexandra Eusébio, professora no Instituto D. João V
do Louriçal, Portugal.
As atividades planejadas foram executadas ao longo dos meses de março
e abril do ano de 2009. Participaram desta pesquisa 64 crianças cursando a 5ª
série do Ensino Fundamental, oriundos de duas turmas, 5ªA e 5ªB, cada uma delas
com 32 alunos. Durante a realização de cada atividade, os alunos das duas classes
eram divididos em grupos com quatro elementos, sendo este distinto do grupo
formado na atividade anterior. Na realização das atividades 1, 2, 3 e 5, a seleção
dos integrantes das equipes foi feita pela professora de forma aleatória. A atividade
4 foi resolvida em duplas escolhidas pelos próprios alunos e realizada no laboratório
de informática da escola. Faziam-se intervenções nos grupos quando solicitado por
estes, ou para classe toda, quando a professora julgava necessário visando
principalmente a reflexão sobre o processo empregado, sempre mantendo o intuito
da reconstrução do que estava sendo estudado. Em aula subseqüente a resolução
da atividade, levantava-se uma discussão com a turma, na qual os alunos
expunham suas estratégias, o que possibilitava compreender qual era o significado
que estes atribuíam as suas resoluções.
Vale mencionar que havia sido permitido o uso da calculadora e que a
mesma faria parte do material escolar. Além disso, as estratégias de resolução
eram livres para os grupos, não sendo imposta nenhuma condição ou operação que
devesse constar obrigatoriamente em seus registros.
O fato de ser “liberado” o uso da calculadora nas aulas fez com que os
alunos ficassem bem à vontade, já que num primeiro momento “fazer as contas”
não seria mais uma tarefa enfadonha. A utilização do laboratório de informática
também foi um grande atrativo, considerando que para muitos alunos, a escola é o
único ambiente onde se pode ter acesso a esse recurso.
Formulada a proposta inicial para o desenvolvimento deste projeto, tinha-se
por intenção realizar um uso do laboratório de informática em diversos momentos.
2 Material didático produzido e utilizado pela professora pesquisadora para situação específica, própria do processo ensino-aprendizagem, sob a orientação do Professor Orientador André Luis Trevisan. 3 http://www.apm.pt/files/235_3e15dcebc5c23.DOC
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Inicialmente, seriam aprendidas algumas noções sobre a utilização da planilha
eletrônica para que posteriormente, esta fosse utilizada em atividades que
envolvessem relação entre duas grandezas. Tal utilização pretendia verificar se os
alunos realmente reagiam com mais facilidade aos atrativos da informática em
função da sua mobilidade e velocidade. Porém, a estrutura do laboratório de
informática atual da escola não comporta fisicamente a quantidade dos 32 alunos
por turma. Ele é composto por 20 máquinas, sendo uma CPU para cada 4
monitores, 4 mouses e 4 teclados. O espaço para cada monitor é suficiente apenas
para um usuário. Assim para trabalhar em duplas seriam necessários apenas 10
monitores. Mesmo com esta limitação de espaço tentou-se uma vez levar uma
turma. As máquinas apesar de serem em número mais que suficiente para as 16
duplas, apenas 8 funcionaram o que gerou um certo tumulto aliado a decepção.
Mesmo assim neste dia, duas duplas conseguiram concluir o trabalho. Optou-se
então por dividir a turma e contar com outro professor na sala de aula enquanto a
outra metade desenvolvia sua atividade no laboratório.
Tendo em vista o citado nos dois parágrafos anteriores as atividades 3 e 4
inicialmente planejadas para serem realizadas com auxílio computacional foram
reformuladas. A planilha teve um uso mais restrito, porém não menos importante. A
calculadora recebeu maior ênfase em função de ser ferramenta comum aos
estudantes, prática com a qual já tinham algum conhecimento.
Todas essas ações estiveram voltadas para a busca da reconstrução do
conhecimento pelo aluno do assunto divisão, bem como de possibilitar uma maior
reflexão da professora pesquisadora na sua prática de ensino quando da análise do
material por eles elaborado considerando as discussões em grupo e as explicações
defendidas pelos autores das estratégias em cada situação.
IMPLEMENTAÇÃO
Apresentaremos a seguir as atividades, depois de reformuladas, e também
situações importantes observadas no desenvolver das mesmas e minhas reflexões
sobre as produções efetuadas, buscando verificar qual a contribuição que este tipo
de trabalho trouxe no entendimento sobre a formação do conceito da divisão.
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A primeira atividade foi entregue com uma única cópia para cada grupo com
espaço suficiente a responder na própria folha, o que gerou um pouco de confusão,
já que todos queriam ver a atividade ao mesmo tempo. Da segunda em diante cada
elemento do grupo recebia uma folha da atividade que deveria ser colada no
caderno e mais uma que depois de respondida pelo grupo era entregue à
professora. No início planejava-se utilizar um período de 2 aulas4 por atividade,
porém, quando da realização, foram necessárias 4 aulas por atividade. A cada
atividade executada, os registros e ocorrências em sala de aula eram analisados
com o orientador, de modo que as atividades foram sendo reformuladas sempre
que necessário. Assim, verificou-se a necessidade de reformulação daquelas que
seriam aplicadas na sequência, havendo sempre muita preocupação com a clareza
nos enunciados.
Apresentamos a seguir cada uma das atividades desenvolvidas seguida de
uma descrição sobre seu desenvolvimento, bem como uma análise preliminar dos
registros analisados.
Atividade 1
Após cada grupo ter recebido sua atividade, os integrantes acompanharam
a leitura da mesma feita pela professora. Esclarecida a dúvida sobre o significado da
palavra “repositor” que aparecia no texto, iniciaram-se os trabalhos.
Logo perceberam que só com a calculadora não seria possível responder
aos questionamentos propostos. Observaram que se tratava de uma divisão,
porém ao efetuá-la com a calculadora surgiram questionamentos por todos os
lados. A divisão proposta tinha como quociente um número decimal, porém não o
reconheciam como tal. Pensaram ser um número “muito grande” e não sabiam lê-lo,
4 O tempo de cada aula é de 50 minutos.
Paulo trabalha como repositor no Supermercado Bomdipreço. Seu trabalho hoje foi empilhar 580 latas de leite em pó em 13 camadas. Seu chefe pediu que todas as camadas tivessem a mesma quantidade de latas. Para saber quantas latas teria que colocar em cada camada foi buscar sua calculadora. Foi possível fazer as camadas com o mesmo número de latas? Como? Por que Paulo foi buscar a calculadora? Será que a calculadora foi capaz de resolver esta situação para Paulo? Mostre-me. Ele conseguiu empilhar as 580 latas de leite conforme seu chefe pediu? Como?
Mostre-me como você faria para atender ao pedido do chefe de Paulo.
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já que no visor da calculadora aparecia apenas um ponto para a separação das
classes. Refaziam a conta e o resultado era sempre o mesmo. Não havia
compreensão do significado daquele resultado; embora todos acreditassem que a
calculadora sabia fazer contas e que não errava, porém naquela situação a
resposta apresentada parecia “absurda”. A maioria dos grupos fez então o cálculo
manualmente e isso os intrigou ainda mais, pois desta forma não aparecia a parte
decimal que se obtivera anteriormente e o resto agora estava evidente.
Aproveitando essa perturbação, foi lançado pela professora o seguinte
questionamento: “A calculadora erra?”. Tal pergunta levou-os a refletir e comparar o
resultado conseguido pela calculadora com aquele encontrado utilizando-se lápis e
papel. Houve grupos que perceberam que o valor anotado antes do ponto do visor
da calculadora era o mesmo que aparecia como quociente, ou seja, “o número
debaixo da chave”.
Após a realização desta atividade houve uma intervenção na qual a
professora pretendia investigar qual o significado dado pelos alunos aos valores
numéricos presentes no problema e àqueles obtidos após a realização dos cálculos.
Pelas respostas observou-se que muitos sabiam o significado de cada valor
numérico da situação proposta.
Atividade 2
Os oito netos da vovó Maria fazem aniversário no mês de fevereiro. Ela fez um plano para presentear igual todos os netos. Começou a guardar uma moeda de 1 real por dia. No dia 31 de janeiro ela já tinha guardado 58 moedas. Vó Maria pediu que seu neto mais velho fizesse uma tabela para poder escolher o dia de fevereiro que daria de presente as moedas. a) Organize na tabela abaixo as informações que vó Maria pediu para seu neto: (Na atividade originalmente proposta aos alunos, constavam, na coluna dia/mês, datas entre 31/01 e 28/02.)
Dia/mês Quant de moedas
Quant de netos
Moedas de cada neto
Sobra de moedas
31/01 01/02
b) Depois de pronta a tabela o neto pediu para vó se ele podia escolher o dia para receber o presente. Por que será que ele fez esse pedido? c)Se você fosse um dos netos de vó Maria e pudesse escolher o dia do presente. Que dia do mês de fevereiro você escolheria?
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Novamente, feita a leitura com a professora, as equipes logo foram fazendo
seus cálculos com auxílio da calculadora. O mesmo impasse envolvendo o resto, já
observado na primeira atividade, apareceu aqui. Foram então estimulados pela
professora a executarem os cálculos manualmente. Os grupos que realizaram mais
de um cálculo com papel e lápis perceberam que existia uma seqüência no resto.
Apesar disso alguns foram afoitos e não analisaram a situação, fazendo-a
mecanicamente de modo que o resto sempre foi aumentando de uma unidade. São
apresentadas a seguir maneiras como os grupos, que perceberam a regularidade
da sobra das moedas, expressaram ao responder o item (d) da atividade 2.
“Que vai de 0 a 7 e quando acaba a seqüência começa tudo de novo.”
“Percebi que sobrou demais, que depois de 8 moedas começaria de novo
do número 1.”
“Percebemos que era uma seqüência e quando começava número de
moeda ímpar o número que sobra é ímpar e quando par termina par.”
“Eu percebi que cada dia sobrava mais moedas.” (Esta resolveu todas as
divisões da tabela.)
“Não tem nenhum maior que 8.” (Essa equipe ao colocar as sobras de
moedas esqueceu do 4 na seqüência.)
“Percebemos que cada números vão repetindo.”
“Eu percebi que cada dia sobrava mais moedas.” (Esta resolveu todas as
divisões da tabela.)
d)Vó Maria olhou para a tabela pronta e percebeu rapidinho o que acontecia com a coluna das sobras de moedas. E você o que percebeu? Conte-me. Vó Maria que é muito sabida foi conferir alguns valores da tabela que o neto fez. Ela tinha pouco tempo de escola, mas mesmo assim sabia que a multiplicação era uma operação ligada com a divisão. Então fez falando em voz alta os cálculos mostrados na tabela abaixo:
8 x 6 + 5 = 53 8 x 7 + 1 = 57 8 x 8 + 3 = 67 8 x 9 + 4 = 76
e) Carlos, o neto de vó Maria, ficou impressionado com rapidez de sua vó. Escreveu num papel as contas que sua vó falava e conseguiu uma explicação para o que acontecia. Como você explicaria os cálculos que vó Maria fez? f) Será que o que vó Maria fez serve para os outros números da tabela? Mostre-me.
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“Nós percebemos que vai de 1 em 1.”
“Percebi que a cada 8 dias aumentava uma sequência de moedas. ”
“Percebemos que cada números vão repetindo.”
“Eu percebi que os números repetinham cempre.”
“Que um dia vai sobrar moeda.”
“Percebi que a cada 8 dias aumentava uma sequência de moedas ”
Nesta atividade muitos grupos já utilizavam a calculadora para obter a parte
inteira do quociente e depois realizavam uma subtração para obtenção do resto.
Quando da observação dos grupos percebi tal atitude que já havia sido utilizada na
atividade 1. Comentavam que era o do mesmo jeito da primeira atividade. Outros,
ao perceberem que na coluna da sobra de moedas aparecia uma seqüência de 0 a
7, repetindo-se periodicamente, completaram a tabela sem a necessidade de
executar cálculos. Realizaram essas observações discutindo no grupo, já que cada
um tinha a sua folha e realizava seus próprios cálculos na sua calculadora.
Concluíram sobre a regularidade e logo a tabela ficou pronta.
Atividade 3
O tio de Carlos trabalha numa fábrica que neste ano realizou uma festa de Páscoa para os familiares de seus funcionários. No final da festa as 18 crianças receberam a mesma quantidade de bombons de chocolate com recheio variado. Se você fosse o dono da fábrica quantos bombons você compraria? Quantos bombons cada criança receberia? a)Escolha com seu grupo dez quantidades diferentes de bombons e preencha a tabela abaixo: (Na atividade originalmente proposta aos alunos, constavam, dez linhas em brancos a serem completadas.)
Quantidade de bombons
Quantidade de crianças
Quantidade de bombons por crianças
Sobra de bombons
b) Descrevam, passo a passo, o que pode ser feito com a calculadora para se determinar a quantidade de bombons por criança e a sobra de bombons.
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Aqui novamente os problemas envolviam situações com grandes
possibilidades de ocorrer resto nas divisões. O primeiro trazia uma situação de
partilha e o outro uma de quota, ou medida. A partilha está voltada a condição de
que todos recebem a mesma quantidade, ou seja, divisão em partes iguais. Já a
divisão por quota implica em uma mesma medida para todos. No caso em questão
todas as caixas possuíam a capacidade de 12 bombons, logo cada grupo de 12
equivaliam a uma caixa.
Como a atividade permitia a escolha de quantidades, alguns grupos
procuraram escapar da existência de resto na divisão. A maioria dos alunos que
buscavam as respostas já sabia como utilizar-se da calculadora para descobrir a
parte inteira do quociente. Tal fato ocorreu em função do rodízio dos grupos e
também das discussões durante e após as atividades anteriores. Aqueles que já
haviam descoberto como determinar as quantidades mostravam o visor da
calculadora e descreviam o que estava fazendo, e em pouco tempo os outros do
grupo testavam nas calculadoras e concordavam com a quantia sugerida. Porém
ainda houve grupo que insistia em utilizar a parte decimal do quociente como a
representação do resto. Apesar de já terem utilizado a calculadora para a
determinação da parte inteira do quociente em outra ocasião, alguns grupos tinham
o falso entendimento que a parte decimal do quociente representava o resto da
divisão.
Tal situação chamou a atenção da professora que pensava já estar
A festa foi muito divertida. As crianças brincaram na fábrica como se fossem embaladores. Tiveram como tarefa colocar 12 bombons em cada caixa. Foram feitas duas equipes. Ganharia o prêmio a equipe mais rápida. Só depois das crianças encherem todas as caixas é que veio a surpresa. Todas as crianças receberam a mesma quantidade de caixas, cheias com os bombons, de presente.
Usando as quantidades de bombons que o grupo escolheu para primeira tabela, descubra quantas caixas de bombons cada criança poderia ter ganhado. Organize as informações na tabela abaixo.
Quant de bombons
Quant de bombons por caixa
Quant de caixas Sobras de bombons
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entendida a condição do resto na divisão nas turmas trabalhadas. Afinal usavam
com facilidade a multiplicação seguida de uma subtração quando precisaram
determinar quociente e resto nas outras atividades. Então, uma nova intervenção foi
feita com a classe buscando conhecer o que entendiam como resto. A professora
escreveu uma divisão qualquer de números naturais no quadro contendo no divisor
dois algarismos. A partir daí perguntou o que deveria fazer para efetuar aquela
divisão manualmente; então os alunos oralmente foram orientando a realização
daquela operação descrevendo o processo passo a passo. A cada fala dos alunos a
professora as repetia, porém utilizando a linguagem matemática5. Cada passo do
processo foi detalhado até obter-se o resto. Depois disso foi mostrado para classe
que a calculadora estava programada para realizar a divisão enquanto existisse
sobra. Fazia as transformações das classes numéricas maior para a menor dando
assim condições de continuar a divisão. Perceberam que enquanto havia resto, a
calculadora fazia a partilha. Saber que valores tão pequenos eram possíveis de
serem divididos e concluírem que isso era impossível de se realizar no contexto
numérico que mais utilizam, os naturais, foi uma grande descoberta. Também
descobriram que quando a resposta era um número decimal existia resto na divisão
e que este resto não era a parte decimal que a calculadora apresentava.
Entretanto, mesmo depois desta intervenção uma equipe continuou
considerando o resto como a parte decimal do quociente da divisão realizada. A
figura 1 mostra parte da produção deste grupo no item (a) da questão considerada.
Figura 1: Parte da produção escrita de um dos grupos no item (a) da questão 4.
5 Sendo o exemplo a divisão de 342 por 13, os alunos diziam, por exemplo, 3 para treze não dá e a professora repetia: Então quer dizer que repartir 3 centenas para 13 pessoas, ninguém consegue receber centena inteira.
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As demais equipes já utilizavam a calculadora para determinar a parte
inteira do quociente com segurança, adotando o seguinte procedimento:
descobriam a parte inteira do quociente fazendo a divisão na calculadora, depois
este valor era multiplicado pelo divisor e esse produto subtraído do dividendo
obtendo-se o resto.
Apesar das equipes trabalharem com a divisão de forma satisfatória
reconhecendo a parte de cada criança e as sobras de bombons, não analisaram se
as quantidades escolhidas estavam de acordo com a situação proposta. Apenas
quando da intervenção com a classe é que perceberam que nem todos os valores
serviam para que cada criança recebesse pelo menos uma caixa de bombom. Parte
da intervenção realizada é descrita a seguir. Cada grupo colocou na lousa uma
quantidade de bombons e a quantidade de caixas que resultaria. Com esses valores
a professora questionou:
“- Quantas são as crianças que iriam receber as caixas?”
A classe foi unânime e respondeu:
“- 18 crianças.”
Novamente a professora questionou:
“- Quantas caixas cada criança recebe no primeiro exemplo da lousa?”
Um aluno dos disse que “a cada 12 bombons tenho 1 caixa”, demonstrando
assim que compreendeu uma correspondência entre os números 18 (crianças) e 12
(bombons por caixa). Portanto seria necessária uma quantidade mínima de 12x18
bombons para que cada criança recebesse pelo menos uma caixa.
Neste momento os alunos perceberam que apenas um dos exemplos que
estava na lousa faria com que as crianças recebessem caixas de bombons.
Concluíram que em suas escolhas, as quantidades de bombons tinham sido
pequenas, pois não haveria caixas para todos.
Talvez a escolha das quantidades tenha ocorrido baseando no que as
crianças usam no seu cotidiano considerando que a faixa etária era composta de
crianças de 10 a 12 anos no máximo, acredita-se que suas necessidades estão
relacionadas a pequenos valores. Outro fator a ser considerado é a falta de
experiência dos alunos em estabelecer relações entre situações, de modo que uma
escolha interfere na outra. Na atividade em questão a quantidade de bombons era
fator condicionante para a produção de quantidade de caixas.
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Outra observação importante é que na 5ª B todos optaram por resolver os
problemas usando a divisão. Já na 5ª A houve um grupo que resolvia pela
multiplicação. Faziam por estimativa. Escolhiam um valor e multiplicavam por 12. O
produto era comparado com a quantidade de bombons. A maneira foi explicada na
lousa para a classe por uma integrante da equipe que fazia isso com muita
facilidade. Com a utilização da calculadora suas estimativas ficavam cada vez
melhores e chegava rapidamente ao quociente pretendido e seu respectivo resto.
Para classe isso foi uma novidade a maneira como a colega expôs. Também, ao
longo das observações percebeu-se que muitos grupos, embora já utilizassem este
raciocínio, não tinham clareza que este também era possível, pois, “sabiam que
dava certo, mas achavam que não podiam”. De certo modo, essa situação nos
mostra certo condicionamento observado nos alunos, que pensam sempre ser
necessário repetir o mesmo procedimento do professor.
Atividade 4
Abaixo da situação proposta, foram fornecidas instruções para construção de
uma tabela com duas entradas (número de folhas x tempo), com auxílio da planilha
eletrônica BrCalc, de modo que esta atividade foi desenvolvida no laboratório de
informática. Inserindo-se um número inicial de folhas igual a zero na célula A2, fazia-
se a variação de 16 em 16 por meio da fórmula =A2+16 e arrastando-se o cursor.
Analogamente, trabalhava-se com a variação de tempo.
A atividade foi realizada em duplas, e, diferentemente das anteriores, a
escolha das mesmas foi feita pelos próprios alunos sem a interferência da
professora. Este foi o primeiro contato com a planilha e o laboratório de informática.
Pretendia-se dar continuidade ao seu uso, contudo em vista dos problemas de
operacionalização, já citados anteriormente, tal perspectiva foi alterada.
O problema teve a intenção de trabalhar como um manual de instruções
A impressora do colégio tem capacidade para imprimir 16 folhas em 27 segundos. No início do ano, a secretaria fez a impressão de 800 as, incluindo matrículas e rematrículas. Queremos determinar quanto tempo foi necessário para imprimir essas folhas. Para facilitar seu trabalho, será utilizada uma planilha eletrônica chamada BrCalc. Você construirá uma tabela, indicando inicialmente qual será o tempo gasto para imprimir 0, 16, 32, ... folhas. Siga as instruções e bom trabalho.1 Qual foi o tempo total para imprimir as 800 folhas? Explique como você descobriu a resposta.
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permitindo que os alunos percebessem uma das potencialidades de uma planilha
de cálculo. Da forma como a atividade foi proposta, a divisão não aparecia
explicitamente, mas sim a multiplicação, como sucessão de somas de parcelas
iguais. Quando da leitura da situação proposta muitos dos alunos solicitaram se
poderiam buscar a calculadora, já que o problema induzia a elaboração de uma
tabela que aparentemente teria que chegar até o número 800. Nenhum dos alunos
manifestou interesse em realizar uma divisão, pediram para usar a calculadora, pois
deviam somar sempre 16 até chegar a 800. Já sabiam como resolver então o uso
desta ferramenta era justificado. Neste momento houve a intervenção da
professora, sempre para duas duplas de cada vez, solicitando que seguissem as
instruções dadas. As instruções dadas mostravam como construir a coluna das
folhas utilizando-se uma fórmula dada e depois transportá-la para as outras células
da planilha. Ao acatarem o que fora sugerido as duplas ficavam impressionadas
com a capacidade de aparecer os resultados prontos na coluna, sem ter que fazer
os cálculos um a um e digitá-los, e serem eles os agentes daquela transformação.
Ficaram entusiasmados ao terem a sensação de estarem ensinando uma máquina
que até então era considerada muito poderosa e capaz.
Como todas as atividades foram desenvolvidas em tempo normal de aula,
nem todas as equipes conseguiram registrar a resposta à pergunta feita na
atividade. Abaixo transcrevo alguns registros dos alunos.
“Nós ensinamos o computador a fazer as questões que precisávamos.”
“Foi 1350 segundos, arrastamos o cursor até chegar ao número 800, e
fizemos o mesmo com o B, assim olhamos na frente do número 800 e vimos que
deu 1350.”
“O tempo total para imprimir as folhas foi de 1350. Eu fiz =A2+16 e = B2
+27.”
“Conforme a gente puxava a máquina dava a resposta e o total de folhas
1350.”
“Deu 22 e meio eu dividi 1350 por 60 e daí deu 22 minutos e meio. A gente
puxou o número de folhas até o número 52 e puxou o número de tempo para 52 e
dividiu o resultado por 60 que deu 22 minutos e meio.” (52 corresponde ao número
da linha que contém os números 800 e 1350)
Apesar das adversidades, a tabela foi preenchida por todos e percebeu-se
que a observação na sequência dos comandos dados gerava a resposta da
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situação proposta. A rapidez e eficiência do cálculo fizeram com que muitos
brincassem e chegassem a valores muito maiores que 800 na tabela, ampliando o
universo numérico sem a preocupação do trabalho para obtê-lo. Mas uma vez ficou
claro para os alunos que sua ação é fundamental para o uso satisfatório das
ferramentas.
Atividade 5
2) Foram cadastradas 25 famílias por equipe para receber os alimentos. Para receber os alimentos um representante da família deveria estar presente no dia marcado pela comissão organizadora da gincana. Os alimentos arrecadados pela equipe da 6ª série foram distribuídos para os _____ representantes presentes e cada um recebeu _______ kg de alimento. a) Quantos quilos de alimento esta equipe arrecadou? b) Quantos quilos de alimento seriam entregue para cada família se no dia da entrega comparecessem _____ representantes?
Foi observado durante esta atividade que os alunos de uma maneira geral
possuíam mais autonomia ao realizar seus trabalhos, em relação às atividades
anteriores, e ouviam-se comentários que esta era uma atividade muito fácil. Poucos
foram os questionamentos. Para responder o item 1A, a maioria pensou em
quantidades iguais, como se isso fosse obrigatório. Observei que para
determinarem a quantia escolhiam a quantidade de alunos e o que cada um devia
levar. Faziam uma multiplicação com esses valores na calculadora. O produto era a
quantidade de alimentos escolhida pela equipe. Depois justificavam com uma conta
de dividir. Já o item 1B gerou dúvida; só depois de entenderem o significado de
“quilos inteiros” perceberam que já tinham a resposta feita no item anterior. As
Complete os problemas abaixo com as quantidades que o grupo escolher e em seguida resolva-os. 1) Na gincana da escola uma das tarefas era arrecadação de alimentos. A equipe da 5ª série arrecadou no total_______ kg de alimento e compareceram _____ alunos. a) Todos os alunos presentes arrecadaram a mesma quantidade de alimento? Justifique sua resposta. b) A comissão organizadora distribuiu igualmente entre os alunos presentes da 5ª série os alimentos por eles arrecadados, a quantidade de quilos inteiro por aluno seria a quantidade de pontos da equipe. Quantos pontos fez a equipe da 5ª série? 2) Foram cadastradas 25 famílias por equipe para receber os alimentos. Para receber os alimentos um representante da família deveria estar presente no dia marcado pela comissão organizadora da gincana. Os alimentos arrecadados pela equipe da 6ª série foram distribuídos para os _____ representantes presentes e cada um recebeu _______ kg de alimento. a) Quantos quilos de alimento esta equipe arrecadou? b) Quantos quilos de alimento seriam entregue para cada família se no dia da entrega comparecessem _____ representantes?
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expressões ouvidas foram do tipo: “Mas é só isso”, “Mas isso eu já fiz”. Isso parece
sugerir que para o aluno tudo tem que ser difícil; se for muito fácil significa que não
houve o entendimento correto, gera desconfiança.
Nesses problemas observou-se que os valores escolhidos buscavam
escapar do resto, porém por simples facilidade. Isso mostrou que o fato de se evitar
o resto implica que é conhecido o seu significado. A presença do resto implicaria
num quociente decimal, que para esta atividade não parecia um bom valor a ser
aceito pelos alunos. Nesta fase, estes ainda têm muito mais familiaridade com
números naturais do que decimais, já que estes últimos são associados apenas às
questões monetárias.
Abaixo, nas figuras 2, 3, 4 e 5, apenas para exemplificar, resoluções de
quatro grupos diferentes nas quais apresentaram suas explicações sobre as
situações da atividade proposta. Lembrando que todos usaram a calculadora,
mesmo assim demonstravam o cálculo divisão como se o tivessem feito apenas
com lápis e papel utilizando-se do algoritmo convencional.
Figura 2: Produção escrita do grupo A na atividade 5.
O grupo utilizou a linguagem matemática explicitando os cálculos utilizados.
Com o auxílio da calculadora efetuaram a divisão e na sequência demonstraram
que para isso houve uma multiplicação e depois uma diferença. Tal diferença foi
considerada como não divisível apesar de anotarem a parte decimal do quociente
na divisão.
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Figura 3: Produção escrita do grupo B na atividade 5.
A figura 3 mostra o algoritmo divisão largamente utilizado nas escolas.
Novamente o resto não aparece dividido, porém consta na resposta escrita o
registro da quantia de 12,5 kg de alimento por família.
Figura 4: Produção escrita do grupo C na atividade 5.
Apesar de fazer uso da calculadora para efetuar a divisão, o grupo faz sua
justificativa anotando a divisão como se a tivesse feito pelo algoritmo. Na resposta
contou com uma notação equivalente a apresentada pelo visor da calculadora,
sendo identificado pelo grupo a relação 0,5kg correspondente a 500g.
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Figura 5: Produção escrita do grupo D na atividade 5.
Na figura 5 observa-se que a multiplicação utilizada foi verificada pela
operação inversa, ou seja, a divisão.
Todas as figuras mostram a utilização da linguagem matemática para
justificar os resultados. Cada etapa da divisão passa a ser significativa resultando
no registro escrito das respostas. Apesar da ocorrência de quocientes decimais
houve, em um dos exemplos, sua não identificação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os registros obtidos ao longo das atividades mostraram, de maneira geral,
uma evolução na compreensão da divisão, bem como sua relação com o resto, a
multiplicação e subtração, além da relação entre produto (divisor x quociente) e
dividendo.
A obrigação de justificar e explicar o porquê daquilo que se estava fazendo,
situação pouco vivenciada pela maioria dos alunos no ambiente escolar, aos
poucos fez com que estes questionassem mais e se tornassem mais conscientes
que é sua ação que gera o “reconhecimento” daquele conhecimento já produzido
pela humanidade.
O uso da calculadora pelos alunos sugere a possibilidade de testar com
maior facilidade e agilidade suas idéias para confirmar ou não suas estratégias. Isso
foi constatado durante as aulas quando na realização das atividades os alunos
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começaram a participar mais, querendo expor suas idéias e como tinham chegado
nelas. Também foi observado o uso da calculadora na verificação das idéias
propostas pela professora.
Além disso, os registros das atividades levam a sugerir que a compreensão
entre a divisão inexata feita na calculadora teve como apoio a execução com lápis e
papel para posteriormente reutilizar a máquina com capacidade de crítica.
Entretanto o uso da calculadora parece estimular novos questionamentos e
reconhecimentos sobre o que se fazer com o resto ou como determiná-lo.
Este estudo não possui a pretensão de tirar conclusões gerais sobre o
tema, no entanto podemos fornecer recursos como a calculadora e o computador,
capazes de permitir ao aluno a comprovação de suas estratégias e soluções sem
ter que obrigatoriamente passar pelos algoritmos tradicionais.
Aliado a isso, e apoiado nas idéias de Douday (1984, apud Saiz, 1996, p.
182) devemos considerar que a compreensão do enunciado de um problema não se
prende apenas à interpretação de palavras, mas implica também na criação de uma
maneira de responder, mesmo que parcialmente, apoiado num conhecimento
preexistente, e poder construir a base de sua estratégia. Baseado nisso a
calculadora aparece como um apoio confiável, na qual a idéia do aluno pode ser
testada com sucesso mesmo que ele não tenha ainda o domínio da operação. Esse
domínio a calculadora lhe dá e a partir daí o estudante passa a ter coragem de
expor suas opiniões, estratégias e conclusões.
É comum do ser humano não expor seu fracasso. O medo daquilo que vai
ser colocado perante uma classe ser “errado” e poder sofrer críticas é fator inibidor
para muitos estudantes e visto pela maioria como um fracasso. O gosto da vitória
ao realizar qualquer atividade gera um prazer e estimula a vontade de buscar cada
vez mais e perceber que é capaz.
Após a aplicação dessas atividades os alunos de uma maneira geral
tornaram-se mais questionadores e passaram a expressar publicamente suas
conclusões e observações. O universo dos exemplos puderam ser ampliados e
testados pelos próprios estudantes, pois a calculadora permitiu uma execução
quase que instantânea das operações com qualquer quantidade numérica.
Mais do isso, esta experiência trouxe para a professora a ampliação das
possibilidades e uma melhor capacidade de análise das respostas dos estudantes
já que a partir daí eram foram tornando-se mais explícitas e também verbalizadas.
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Assim, acreditando que ensino-aprendizagem é um processo de mão-dupla pude
observar que podem as mídias ampliar e colaborar nele.
Desta forma a calculadora e o computador utilizados nesse estudo levam a
considerar que sua utilização no contexto escolar pode propiciar um ambiente de
reconstrução e significação de maneira mais atrativa e estimulante podendo trazer
também a confiança e em conseqüência o delicioso gosto da vitória.
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