a geração revolucionária cubana dos anos 50

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A geração revolucionária cubana dos anos 50: quando a ditadura mata e a democracia corrompe Rafael Saddi Teixeira Para Hobsbawm (2003), o impacto internacional de Fidel Castro se devia em parte ao fato de que aos 32 anos um líder revolucionário havia assumido o poder de um Estado quando no mundo todo reinava no universo político o domínio dos velhos. (p. 319). O movimento revolucionário que surge a partir de 1952 em Cuba era formado basicamente por jovens nascidos nas décadas de 20 e 30 e que, em sua maioria, não tinham ainda alcançado os 30 anos de idade. Quando Frank País coordenou o levante em Santiago de Cuba em novembro de 1956, ele tinha apenas 22 anos e já se configurava como grande líder revolucionário. Fidel ao atacar o quartel de Moncada em 1953 tinha 27 anos. Quando Batista deu o golpe militar em 1952, Juan Almeida e Abel Santamaría tinham 25, Raúl Castro, 21, Armando Hart, 22, Antonio Echevaria tinha apenas 20 anos. Os principais líderes revolucionários cubanos dos anos 50, aqueles que impulsionaram o processo de luta revolucionário contra Fulgencio Batista, formavam o que ficou conhecido em Cuba como geração do centenário do nascimento de José Martí. Uma geração que nasceu durante a Primeira Guerra Mundial e cresceu durante a Segunda. Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

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Page 1: A geração revolucionária cubana dos anos 50

A geração revolucionária cubana dos anos 50: quando a ditadura mata e a democracia corrompe

Rafael Saddi Teixeira

Para Hobsbawm (2003), o impacto internacional de Fidel Castro se devia em

parte ao fato de que aos 32 anos um líder revolucionário havia assumido o poder de um

Estado quando no mundo todo reinava no universo político o domínio dos velhos. (p.

319).

O movimento revolucionário que surge a partir de 1952 em Cuba era formado

basicamente por jovens nascidos nas décadas de 20 e 30 e que, em sua maioria, não

tinham ainda alcançado os 30 anos de idade.

Quando Frank País coordenou o levante em Santiago de Cuba em novembro de

1956, ele tinha apenas 22 anos e já se configurava como grande líder revolucionário.

Fidel ao atacar o quartel de Moncada em 1953 tinha 27 anos. Quando Batista deu o

golpe militar em 1952, Juan Almeida e Abel Santamaría tinham 25, Raúl Castro, 21,

Armando Hart, 22, Antonio Echevaria tinha apenas 20 anos.

Os principais líderes revolucionários cubanos dos anos 50, aqueles que

impulsionaram o processo de luta revolucionário contra Fulgencio Batista, formavam o

que ficou conhecido em Cuba como geração do centenário do nascimento de José Martí.

Uma geração que nasceu durante a Primeira Guerra Mundial e cresceu durante a

Segunda.

Neste artigo queremos analisar porque a Revolução Cubana foi impulsionada

por jovens, isto é, entender por que aqueles que haviam lutado na Revolução de 1933

não assumiram as primeiras fileiras da luta revolucionária dos anos 50. A nossa hipótese

é que, se por um lado, a ditadura pós 33 fuzilou alguns revolucionários, por outro, a

democracia cooptou o restante. Neste sentido, tanto a democracia representativa quanto

as ditaduras em Cuba deixaram a juventude dos anos 50 orfãs de referências vivas de

quadros revolucionários.

A primeira questão que nos chama atenção é que esta geração revolucionária dos

anos 50 era formada por netos dos revolucionários da independência cubana do final do

século XIX. Guillermo García, por exemplo, era neto de Bautista Frías Figueredo,

veterano das duas guerras de independência. O avô de Carlos Franqui era capitão do

Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

Page 2: A geração revolucionária cubana dos anos 50

Exército mambí e morreu lutando na Guerra de Independência. A juventude

revolucionária cresceu com avôs e avós, professores e pais, que narravam as façanhas

da luta guerrilheira contra o império espanhol. Cresceram desde cedo sob os encantos de

um conjunto de heróis e mártires que a independência havia criado tais como José

Martí, Máximo Gómes e Antonio Maceo. Segundo Franqui:

My father encouraged me. At Christmastime, when I went to my grandfather’s house, he would tell me stories about the Wars of Independence. My aunt Laureana, a teacher in Guayabo, would lend me Martí’s book, wich whetted my curiosity. (FRANQUI, 1980, p. 30).

Meu pai me encorajou. No Natal, quando eu ia à casa do meu avô, ele me contava estórias sobre a Guerra de Independência. Minha tia Laureana, uma professora em Guayabo, me emprestou um livro de Martí, que atiçou minha curiosidade.

A história da independência cubana era enfocada em seu sentido heróico e épico,

como a história de um povo que, com seus líderes à frente, lutaram com armas nas mãos

por uma Cuba Libre. A história da independência cubana era a lição de uma guerra em

que a vitória popular e nacional já estava dada, mas fora frustrada por duas vezes pela

intervenção dos Estados Unidos.

Na escola se ensinava a história e a valorização dos mártires e heróis. Fidel

Castro, durante o julgamento de Moncada afirmou:

Vivemos orgulhosos da história de nossa pátria; aprendemo-la na escola e crescemos ouvindo falar de liberdade, de justiça e de direitos. Ensinaram-nos a venerar desde cedo o exemplo glorioso de nossos heróis e de nossos mártires. Céspedes, Agramonte, Maceo, Gómez e Martí foram os primeiros nomes gravados em nosso cérebro; ensinaram-nos que o Titã havia dito que a liberdade não se mendiga, mas se conquista com o fio da espada. (CASTRO, 2001, p. 91).

Não era difícil que esta juventude encontrasse na escola professores que

incentivassem esta versão histórica da independência cubana. Carlos Franqui, que vivia

no campo e estudava em uma pequena escola da região, lembra da professora Melania:

“In La Duda public school I met na exceptional teacher: Melania Cobos. She explained

the history of Cuba to me; she helped me to know its martyrs, its poets, its struggles.”

(FRANQUI, 1980, p. 30). “Na escola pública “La Duda”, eu conheci uma professora

excepcional: Melina Cobos. Ela me explicou a história de Cuba; ela me ajudou a

conhecer seus mártires, seus poetas, suas lutas.”.

Se como afirmou Hobsbawm (2003), nos anos 60, a juventude surgiu em todo o

mundo, influenciada pela experiência européia, como um segmento social distinto do

adulto. Se os jovens que viveram em um mundo pós-guerra em ascensão não podiam se

identificar com ninguém com mais de 30 anos. Se a juventude não se identificava mais

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com o pai e criava um modo de vida especificamente jovem: assumindo o jeans, o

rock’n roll e idéias revolucionárias, na década de 50, a geração do centenário em Cuba

apresentava, em parte, o perfil oposto.

Não há em Cuba um conflito geracional. Ao menos não na intensidade que ele

ocorreria mundialmente a partir dos anos 60. Não há um abismo entre a concepção do

jovem e a de seu pai. Nem no modo de vestir, nem no gosto musical e, muito menos,

nas idéias sobre o mundo. Em diferentes classes sociais e em diferentes regiões de

Cuba, o sentimento nacionalista e republicano, a concepção heróica sobre a liberdade de

Cuba, o ideal de uma Cuba Libre parecia ser partilhado por três gerações de forma

ininterrupta.

A fala da mãe de Huber Matos ao seu pai demonstra o sentimento de dever e

honra que também permeava a sua luta pela pátria:

(...) tengo três hijos hombres. Si la vida de los três se va em esta lucha que comienza hoy, no me voy a sentir uma madre infeliz. Ni tú ni yo pudimos hacer nada durante las gueras de la independencia, pues éramos niños. A hora posiblemente tampoco podremos hacer mucho porque estamos pasados de años. Dejemos que cumplan sus deberes los quieren y pueden.” (MATOS, 2002, p. 38).

Guillermo García também falou que sua mãe “(…) Fue capaz de mandar a sus

cuatro hijos para la montaña, y dijo preferir que le trajeran la noticia de la muerte de un

hijo en la guerra a que se lo mataran bajo la falda”. (MARGARITA GONZÁLEZ,

2009).

O revolucionário carregava, assim, a certeza de que sua família

levava, no mais íntimo de sua alma, o mais profundo orgulho e

respeito pela decisão tomada por ele de dedicar a sua vida a uma

causa justa. Levava consigo a imagem do pai e o pensamento “el (mi

padre) respeta mi maner de pensar.’’ (idem, ibidem). E a certeza de

poder a qualquer hora dizer como disse o revolucionário Renato

Guitart ao pai: yo conspiro por Cuba, como conspirabas tu. (IBARRA

GUITART, 1998, p. 105).

Esta identidade de idéias não significa que o mundo da geração centenária não

fosse distinto das duas gerações anteriores. A época que se seguiu à Segunda Guerra

correspondeu a uma época de desenvolvimento econômico profundo em todo o mundo.

Embora esta Era de Ouro, como chamou Hobsbawm (2003), “(...) pertencesse

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essencialmente aos países capitalistas desenvolvidos.”, o surto econômico da década de

50 foi um “fenômeno mundial”. (p. 255).

A URSS, nesta década, apresentou uma taxa de crescimento maior do que a dos

países ocidentais. “No Terceiro Mundo, (...) por toda parte diminuiu acentuadamente o

número de países (...) dependentes da agricultura, pelo menos para financiar suas

importações do resto do mundo.” (idem, 2003, p. 256).

Em Cuba, a Grande Depressão de 1929 havia interrompido o processo de

diversificação da produção nacional. O período de 1933 a 1940 consolidou uma política

econômica voltada para o açúcar como produto central e paralisou a indústria nacional.

Mesmo durante a Segunda Guerra, “(...) los demás sectores no pudieron atraer nuevas

inversiones a um ritmo comparable al del azúcar en décadas anteriores. La Segunda

Guerra Mundial no propició la diversificación económica.” (PÉREZ-STABLE, 1998, p.

49).

A década de 50, entretanto, potencializou o processo de desenvolvimento da

indústria não açucareira. Em 1956, “la importación de bienes de consumo disminuyó al

36% del total mientras que la de bienes capital e intermédios aumentaron hasta alcanzar

el 64%. Las inversiones de capital en el sector no azucarero iban en aumento. (idem,

1998, p. 53). Em 1950, o Banco Nacional aumentava os créditos ao setor não açucarero,

e os diminuía ao setor açucareiro. (p. 53).

Quando Batista deu o golpe militar, a República cubana tinha apenas 50 anos de

existência. Se a juventude revolucionária só poderia imaginar o que era viver em um

mundo colonial, seus avós sabiam de fato o que era. Alguém que tivesse mais que 70

anos nos anos 50 já havia vivido o bastante para compreender o quanto Cuba havia

mudado. A República, as eleições, a Constituição de 1940, assim como o

desenvolvimento de bens de consumo como o rádio, o automóvel, e a televisão nos anos

50, eram indícios muito claros de que uma nova Cuba havia nascido após a Segunda

Guerra Mundial.

Se na primeira eleição da República em 1900, somente 7% da população havia

votado, graças aos limites impostos aos eleitores, como a renda de 250 pesos, a

maioridade de 21 anos e a exigência de ser alfabetizado; em 1950, Cuba contava com

um ambiente democrático eufórico, com a existência de diferentes partidos políticos,

um forte partido de massa que trazia grande parte da classe média e das classes

trabalhadoras para a mobilização política. Desde as eleições de 44, Cuba “(…) le había

ofrecido al mundo el alentador espectáculo, insólito en la América Latina, de unas

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elecciones presidenciales honradas donde el triunfo de la oposición había sido acatado

por el gobierno.” (AGUILAR LEÓN, 2009). Na década de 50, “(…) la prensa escrita,

encabezada por la Revista Bohemia, se había multiplicado en número e importancia,

(...) la televisión, principalmente la Cadena CMQ, había expandido su influencia a lo

largo de la Isla” e juntamente com o rádio formavam um ambiente de debate político

massivo. (idem, ibidem).

Aqui nos deparamos com a complexidade da geração revolucionários dos 50. O

processo de avanço da democracia cubana foi não só o processo de aprimoramento dos

seus canais popularizantes, mas, sobretudo, o processo de cooptação dos quadros

revolucionários dos anos 20 e 30. Todas as forças revolucionárias de uma geração que

protagonizou a Revolução Cubana de 1933 enfrentaram um profundo processo de

reacomodação nos anos posteriores.

Quando o governo revolucionário de Grau San Martín foi deposto pelo golpe de

Batista em 1934, o presidente deposto fundou o Partido Revolucionário Cubano, o

partido auténtico, e se exilou em Miami. Naquele momento, a geração revolucionária

esperava “(…) que, siguiendo el ejemplo de Martí, Grau desembarcaría un día para

liberar la isla.” (KAROL, 1972, s/p).

Entretanto, isto jamais ocorreu. Em 1938, ao invés de voltar em armas, Grau

assumiu um acordo com Batista para a realização das eleições. Ainda carregando a

áurea de seu governo revolucionário, Grau San Martín venceu as eleições em 1944 com

65% dos votos. (idem, ibidem)

Este foi o momento decisivo para os novos rumos que teriam a democracia em

Cuba. Grande parte da geração revolucionária de 33 deixaria seus postos na militância

revolucionária para assumir cargos no governo.

De Grau San Martín a Eduardo Chibás, os que não morreram durante a ditadura

de Batista, como Antonio Guitéras, foram pouco a pouco se acomodando aos cargos e

vantagens que o poder lhes oferecia, se entregando, na maior parte das vezes, à

corrupção plena, ou, quando ainda mantinham um valor moral profundo, foram se

acomodando a uma prática eleitoral e contrária aos processos violentos.

A década que se seguia à Revolução de 33 fortalecia entre os antigos quadros

revolucionários uma sensação de que a via insurrecional estava eliminada. Jorge

Mañach, que fora militante do ABC nos anos 20, por exemplo, pedia ”que se demuestre

con fórmulas matemáticas bien concretas cómo es posible llevar a cabo la revolución en

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la misma desembocadura del Mississippi, sin que los Estados Unidos arrojen sobre la

isla, en el momento decisivo, todo el poder de su flota de guerra”.(idem, ibidem).

O determinismo geográfico parecia tomar conta de grande parte dos antigos

revolucionários. Em 1936, o líder da Câmara do Comércio, resumia como ninguém o

fim do espírito revolucionário que permeou Cuba desde os anos da independência.

Hace medio siglo, el problema de Cuba era político. Tres generaciones de cubanos lucharon y murieron por hacer de Cuba un pueblo libre, soberano e independente. El problema de la generación de ahora es económico y social. Si nuestros padres tuvieron que hacer a Cuba libre, nosotros tenemos que hacer además de rica, cubana. (PÉREZ-STABLE, 1998, p. 47).

Durante um longo período, “a opinión radical cubana depositara sus esperanzas

en Grau y en su partido (Partido revolucionario cubano Auténtico) y creyera que iban a

continuar la obra del efímero gobierno de setiembre de 1933.”. Segundo K.S. Karol

(1972) , Muitos dos que esperavam do governo de Grau San Martín uma continuidade

de seu governo revolucionário de 1933, caíram em decepção. “La decepción que se

produjo tuvo un efecto desmoralizador y contribuyó a la degeneración de las costumbres

políticas.” (s/p).

A administração de Grau permitiu e encorajou o gangsterismo, o favoritismo, em

uma palvra, “corruption on a scale unprecedent in Cuba.” (LLERENA, 1978, p. 35).

“corrupção em uma escala não prescedente em Cuba”.

A partir dali, grande parte da geração revolucionária de 33, atuando nos marcos

do Estado democrático, assumiu uma posição eleitoreira e pacifista. Alguns adentraram

no mundo da corrupção, como Carlos Prío Socarrás e, possivelmente, Grau San Martín.

E mesmo aqueles que não caíram na corrupção generalizada que penetrou no governo

de Grau e que ao menos mantiveram uma postura crítica à corrupção, como Eduardo

Chibás, Raul Roa, Emílio Ochoa e outros, apegados a cargos no Senado e à luta política

democrática, se colocaram na prática e na defesa do caminho pacífico e eleitoral.

A frustração com o governo de Grau San Martín foi canalizada para a criação de

um novo partido político, o Partido do Povo Cubano (o Partido Ortodoxo). Em 1947, os

quadros descontentes dos autênticos criaram este que seria um partido de grande

mobilização social, estando em sua frente o grande líder Eduardo Chibás.

A partir do segundo governo auténtico, o de Carlos Prío Socarrás, as práticas de

corrupção se tornariam ainda mais públicas. No ambiente dos anos 50, em que o rádio já

era um instrumento político consolidado, com um partido de massas como o ortodoxo a

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frente das denúncias, a imagem de corrupção se associou profundamente àquele partido

que desde os anos 30 se organizava em torno do Estado.

A vida pública de Cuba durante os anos que sucederam à Revolução de 33, foi

marcada por personagens que nasceram nesta revolução. Mesmo Batista surge na cena

pública fornecendo um golpe a Machado e instaurando o governo revolucionário. Os

partidos autênticos e ortodoxos que se tornarão os principais partidos na década de 40 e

50 foram todos formados pelas figuras do heróico Diretório Estudantil. E paralelo ao

acomodamento às estruturas do Estado e a uma prática política nada revolucionária, a

retórica revolucionária nunca saiu de cena. Segundo Llerena (1978), “The Cuban people

had been conditioned by thirty years of revolutionary retoric and ethical political

preaching”. (p. 35). “O povo cubano foi condicionado por trinta anos por retórica

revolucionária e ética política.”

O que nos interessa de toda esta trajetória da geração revolucionária de 1933 é,

primeiro, perceber que as miragens do Estado cubano corromperam o seu instinto

revolucionário. O fuzil foi trocado pelo voto e o palanque de rua, pelas cadeiras do

Senado. E isto ocorreu de tal forma que ao soar o golpe de Batista em 1952, a nova

geração se via órfã de lideranças no campo da ação. Aqueles que haviam acumulado

experiências no campo da luta armada nos anos 20 e 30 foram os primeiros a hesitarem

a empunhar as armas 20 anos depois.

A narração do jovem Juan Almeida, que se tornaria um dos comandantes da

guerrilha na Sierra Maestra, sobre o dia em que Batista deu o golpe em 1952, demonstra

a expectativa que parte da juventude tinha de pegar em armas imediatamente. Juan

Almeida era peão de obra e fala do dia em que Armando Mestre, jovem universitário

veio lhe chamar para se mobilizar contra Batista.

Entonces, transcurrieron años de esa amistad, y el 10 de marzo, cuando dio el golpe de Batista, él (Armando Mestre) me fue a buscar e me dijo: ‘Vamos a la Universidad, que se están movilizando a las fuerzas vivas y al pueblo allí para repudiar al golpe militar.’ Entonces fuimos allí, llegamos buscando armas, no había armas… que las armas llegaban, que no llegaban las armas, que las iba a traer no sé quien.” (FRANQUI, 1970, p. 10).

Mas, as armas não viriam, pois aqueles que foram os maiores prejudicados com

o golpe, os autênticos (que teve o seu governo deposto) e os ortodoxos (que acreditavam

na sua vitória nas eleições de 52), e que tinham estrutura para iniciar a luta armada,

hesitaram em tal tarefa.

Page 8: A geração revolucionária cubana dos anos 50

E, assim, a primeira arma que Juan Almeida tomaria em suas mãos não lhes fora

dada por nenhum senhor da geração de 33, mas pelas mãos de outro jovem como ele.

“Y, en definitiva, las armas que vi por primera vez en mí vida fue las que nos puso Fidel

en la Colina Universitaria, en el Salón de los Mártires, para hacer prácticas de tiro.”

(FRANQUI, 1970, p. 10).

Assim, embora não houvesse um abismo entre a nova geração revolucionária e

seus pais e avós, posto que a memória histórica de heroísmo e sacrifício dos mártires se

mantinha viva em suas palavras. Embora os 30 anos que se seguiram à Revolução de 33

foram marcadas por uma retórica revolucionária profunda até mesmo pelos governos

autênticos, descendentes diretos daquela revolução. Embora nenhum cubano advindo da

prática revolucionária de 33 condenaria o heroísmo e sacrifício dos jovens que se

jogaram em armas pela Pátria, não estavam dispostos a fazê-lo eles mesmos. Os grandes

líderes políticos acima de 40 anos preferiram uma saída pacífica para a solução de

Batista.

É claro que alguns revolucionários de 33 rapidamente se organizaram em armas

para enfrentar Batista. Os esforços de Rafael García Barcena, que criou o Movimento

Nacional Revolucionário, três meses após o golpe, e mesmo os esforços de Ulises de

Estrada e Bernardo Utset em Manzanillo, foram todos demonstrações de que havia

ainda entre os antigos revolucionários, o apego à luta insurrecional. Entretanto, não se

tratava de homens comprometidos com cargos políticos. E ainda que estivessem não

foram estes homens de mais de 40 anos de idade que conduziram a primeira linha do

embate insurrecional.

A geração de 33, ao menos aquela ligada à via eleitoral, se excetuando Eduardo

Chibás, havia frustrado de tal forma as esperanças da nova juventude, que nos anos 50

quase ninguém confiava nela para assumir a direção de uma mudança profunda em

Cuba. A juventude estava disposta a seguir um líder que estivesse desvinculado dos

políticos tradicionais. Alguém que não houvesse vínculos com aqueles que assumiam as

funções públicas. Isto aparece de forma constante no discurso dos revolucionários dos

50. José Ponce só aceita entrar no movimento de Fidel depois que Pepe Suárez lhe

afirma que o líder máximo estava desvinculado do passado e dos políticos da época.

Y ahí, una noche en ele parque fue cuando conocí a Pepe Suárez, que fue el que me dijo lo que se estaba gestando; me habló de Fidel, de que era un hombre joven, que venía con ideas nuevas, y que el Movimiento no tenía relación con el pasado ni con los politiqueros de la época aquella. (FRANQUI, 1970, p. 11).

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Foi assim que a geração revolucionária dos anos 50 em Cuba se manteve com a

cabeça no passado, e a confiança em outro futuro. É preciso se perguntar, depois de 50

anos da vitória da luta revolucionária em 1959, o que aqueles jovens, que hoje ou

envelheceram ou faleceram, deixaram para aqueles que nasceram e cresceram sobre o

regime de Fidel. Com certeza deixaram uma lista enorme de mártires como as da Guerra

de Independência. Entretanto, quantos deles que ainda permanecem em seus cargos

burocráticos fornecerão as primeiras armas?

Referências

HOBSBAWM, Erich. Era dos Extremos. O Breve Século XX: 1914-1991. Ed. Shwarcz: SP, 2003.

FRANQUI, Carlos. Diary of the Cuban Revolution. Viking Press: New York, 1980.

_________, Carlos. Relatos de la Revolución Cubana. Ed. Sandino: Montevideo, 1970.

CASTRO, Fidel. A História me Absolverá. Ed. Expressão Popular: SP, 2001.

MATOS, Huber. Como Llegó la Noche. Tusquets Editores: Barcelona, 2002.

MARGARITA GONZÁLEZ, Mi familia es el pueblo. Em: http://edicionesanteriores.trabajadores.cu/SUPLEMENTO-HISTORIA/revolucion/am-pueblo.htm. Acesso: fevereiro de 2009.

IBARRA GUITART. Renato Guitart. La Habana, 1998.

PÉREZ-STABLE, Marifele. La Revolución Cubana. Orígenes, Desarrollo y Legado. Ed. Colibrí: Madrid, 1998.

AGUILAR LEÓN, Luis. La decada trágica. Em: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=207201&orden=20568&info=linkAcesso: fevereiro de 2009.

KAROL, K.S. Los Guerrilleros en el Poder. Ed. Seix Barral: Barcelona, 1972.

LLERENA, Mario. The Unsuspected Revolution. The Birth and Rise of Castroism. Ed. Cornell University Press: London, 1978.