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A Geologia de Paracatu Palestra proferida na Semana Universitária da FINOM - Maio de 2013 Professor Márcio José dos Santos Os recursos naturais - solo, água, flora, fauna e minérios – são essenciais à vida e ao desenvolvimento humano. O município de Paracatu destaca-se pelo grande valor de seus recursos naturais e, especialmente, de seus recursos minerais. O chumbo de Paracatu representa tanto a produção total do Estado quanto também toda sua reserva medida. 13% das reservas estaduais de zinco, por sua vez, estariam em Paracatu – mas o município produziria 40% da produção do estado. O ouro representaria apenas 20% das reservas medidas do Estado, mas 90% de sua produção. A razão desta vocação mineral do município de Paracatu está na sequência de rochas de uma estreita faixa, de aproximadamente 15 km de largura, que se estende numa direção quase Norte-Sul. Nesta faixa ocorrem dois grupos de rochas metassedimentares de baixo grau, em contato por falhas de empurrão: o Grupo Vazante, mais antigo, e o Grupo Canastra, aqui representado pelos filitos carbonosos com lentes de quartzitos, da Formação Paracatu.

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Síntese dos recursos minerais do município de Paracatu - MG: geologia dos depósitos de ouro, zinco e chumbo, produção mineral e problemas correlatos. Palestra proferida na Semana Universitária 2012, da FINOM.

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A Geologia de Paracatu

Palestra proferida na Semana Universitária da FINOM - Maio de 2013

Professor Márcio José dos Santos

Os recursos naturais - solo, água, flora, fauna e minérios – são essenciais à vida e ao desenvolvimento humano. O município de Paracatu destaca-se pelo grande valor de seus recursos naturais e, especialmente, de seus recursos minerais.

O chumbo de Paracatu representa tanto a produção total do Estado quanto também toda sua reserva medida. 13% das reservas estaduais de zinco, por sua vez, estariam em Paracatu – mas o município produziria 40% da produção do estado. O ouro representaria apenas 20% das reservas medidas do Estado, mas 90% de sua produção.

A razão desta vocação mineral do município de Paracatu está na sequência de rochas de uma estreita faixa, de aproximadamente 15 km de largura, que se estende numa direção quase Norte-Sul. Nesta faixa ocorrem dois grupos de rochas metassedimentares de baixo grau, em contato por falhas de empurrão: o Grupo Vazante, mais antigo, e o Grupo Canastra, aqui representado pelos filitos carbonosos com lentes de quartzitos, da Formação Paracatu.

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A sequência de rochas do Grupo Vazante é representada por rochas carbonáticas e pelíticas, metamorfisadas em baixo grau (fácies xisto verde), estendendo-se cerca de 250 km na direção Norte-Sul. A idade dessas rochas situa-se próxima de 740 milhões de anos. Para o Grupo Canastra a idade estimada é acima de 1100 milhões de anos. Os dois grupos de rochas sofreu metamorfismo regional de baixo grau.

Neves (2001) apresenta a coluna estratigráfica do Grupo Vazante, sumarizando suas principais características.

A Faixa Vazante-Paracatu representa o distrito mineral responsável por toda a produção de zinco do Brasil. Nessa faixa ocorrem depósitos com tipologias distintas de minério:

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• Morro Agudo (incluindo-se os depósitos de Ambrósia e Fagundes): rochas hospedeiras - brechas dolomíticas e dolarenitos, diagênese marinha; predominância de sulfetos (esfalerita, galena, pirita, marcassita);

• Vazante : silicato de zinco, como a willemita (Zn2SiO4).

A reserva de minério da Mina de Morro Agudo (ano 2005) é 11,7 Mt com 6,4% Zn e 2,2% Pb. A tabela abaixo revela a importância da Mina de Morro Agudo na produção de chumbo e zinco.

Fonte: DNPM.

A Mina de Morro Agudo é subterrânea. As pesquisas que levaram à cubagem da jazida e início da exploração mineral foram desenvolvidas pela METAMIG, empresa que pertencia ao Estado de Minas Gerais. Em 1984, após privatização da mina, Votorantim, Ingá

(Masa) e Paraibuna de Metais tornaram-se sócias no empreendimento. Em1988, a Votorantim assumiu o controle total da Mineração Morro Agudo S.A.

Foram reconhecidos no depósito de Morro Agudo três episódios de mineralização, associados com: substituição da rocha hospedeira, preenchimento de bolsões e veios e veios e vênulas tardios associados com microfraturas e falhas essencialmente rúpteis. Todos os episódios de mineralização são epigenéticos (formados posteriormente à rocha encaixante).

A seção geológica abaixo mostra com clareza a disposição dos corpos de minério, quase todos situados situados em dolarenitos de brechas dolareníticas, seccionados por falhas normais. A jazida é limitada, à nordeste, por uma falha normal, que coloca a zona mineralizada em contato com brecha dolomítica estéril.

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Fonte: Neves (2001).

As imagens apresentadas a seguir são características das rochas mineralizadas (Fonte: NEVES, 2001).

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Mina Morro do Ouro

O povoamento da região de Paracatu tem sua origem ligada ao ouro. A data oficial da descoberta é 9 de maio de 1744, quando José Rodrigues Frois enviou carta ao governador comunicando que nas cabeceiras do Rio Paracatu havia ouro em grande quantidade.

O garimpo baseou-se no trabalho escravo, utilizando métodos rudimentares de separação, como o caixote e a bateia para a concentração do minério, o imã e o assopramento para retirar os minerais magnéticos presentes na ganga.

A imagem acima foi retirada do filme documentário Morro do Ouro ambição e agonia, do

paracatuense Lavoisier Albernaz, retratando a chegada de uma leva de escravos africanos em

sua chegada à Vila de Paracatu do Príncipe, onde eram comercializados.

Ainda no séc. XVIII, o ouro se esgotou nas aluviões mais superficiais e a vila de Paracatu entrou em decadência. Os escravos do garimpo foram levados para outras regiões e atividades. Negros e mulatos livres se dirigiram a outras regiões ou permaneceram na vila, nas margens dos córregos ou em povoamentos rurais em torno do Morro do Ouro, onde também havia depósitos auríferos eluviais e fluviais.

A população pobre de Paracatu, na grande maioria afrodescendente, teve na técnica de produção do garimpo tradicional, sem utilização de amalgamação com mercúrio, importante instrumento de sobrevivência, que persistiu desde o século XVIII até a proibição do garimpo, na década de 1980.

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A fotografia acima ilustra a prática do garimpo artesanal no Córrego Rico. Homem e mulher

trabalham com instrumentos rudimentares em uma praia do Córrego Rico. Ao fundo, vêem-se

as lavadeiras, que também faziam uso das águas limpas daquele córrego. Foto de 1938. (Arq.

Público de Paracatu)

A Rio Paracatu Mineração (RPM), do grupo inglês RTZ, iniciou a lavra da mina Morro do Ouro, em dezembro de 1987. A mina, em princípio, atingiria a exaustão em 2016, com lavra anual de 17,2 milhões de toneladas de minério, contendo o máximo de 0,7g de ouro por tonelada, associado a sulfetos de arsênio, cobre, ferro e chumbo.

O Morro do Ouro é visto na imagem acima, obtida em 1990. Imagem do filme Morro do Ouro ambição e agonia, de Lavoisier Albernaz.

Com novos estudos geológicos, foram ampliadas as reservas de minério, o que levou a empresa a desenvolver um projeto de expansão da produção, que

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passaria de 5.5 t/ano para 15,5 t/ano de ouro, a partir de 2008. Essa expansão foi depois assumida pela empresa canadense Kinross Gold Corporation, que adquiriu integralmente o capital social da empresa em dezembro de 2004.

A Mina Morro do Ouro encontra-se na sequência da rochas da Formação Paracatu, situada na base do Grupo Canastra. A Formação Paracatu ocorre dominantemente a norte e a oeste de Paracatu, composta por filitos carbonosos com intercalações e lentes de arenitos quartzíticos impuros. Esta Formação se sobrepõe à Formação Vazante através de falhamentos inversos, escorregamentos ou ainda contatos normais ou transicionais.

Localmente, a Formação Paracatu é dividida em duas fácies, denominadas Fácies Morro do Ouro, composta por filitos carbonosos com boudins de quartzo, portadores da mineralização, e Fácies Serra da Anta, composta por quartzitos (SILVA, 2001).

A figura abaixo apresenta a sequência litológica da região, mostrando o posicionamento estratigráfico da mineralização aurífera.

A Mina Morro do Ouro é, atualmente, a maior mina de ouro do Brasil e aquela que possui o mais baixo teor de ouro do mundo (0,4 g/t). Sua rentabilidade vem pelo fato de ser explorada a céu aberto, com produção de enorme quantidade

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de minério (61 milhões de toneladas por ano), baixo custo de produção e alto valor de seu produto final.

Os aspectos principais da mineralização aurífera do Morro do Ouro podem ser assim resumidos:

• Associação com zona de cisalhamento: ouro associado à presença de boudins de quartzo, característicos da zona de cisalhamento.

• Relação direta com a presença de sulfetos: os maiores teores de ouro ocorrem onde é maior a presença de sulfetos.

• A arsenopirita é o sulfeto característico da zona mineralizada.

O minério da Mina Morro do Ouro passa por uma série de tratamentos para a retirada do ouro (e também da prata contida no minério).

O processo de beneficiamento passa pelas seguintes fases: o minério é britado, finamente moído e depois submetido a processos de separação gravimétrica e flotação. O concentrado é submetido a processos de hidrometalurgia, eletrólise e refino.

A hidrometalurgia consiste de processo de extração do ouro e prata envolvendo reações de dissolução do mineral-minério em meio aquoso. O mineral-minério é a arsenopirita, a qual contém inclusões de ouro; a arsenopirita é dissolvida pelo ataque de cianeto de sódio, deixando o ouro livre.

Os problemas ambientais advindos do processo hidrometalúrgico são o uso de cianeto, substância altamente tóxica, e liberação de enorme quantidade de arsênio, considerado o rei dos venenos. A mineradora, para mitigar o impacto do uso do cianeto poderia optar por inativá-lo ao final do processo de beneficiamento, mas não o faz para reduzir custos. Com relação ao arsênio, sua estocagem na barragem de rejeitos potencializa os riscos desse depósito, como fonte de contaminação das águas superficiais e subterrâneas.

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As imagens, a seguir, ilustram os aspectos dos diferentes tipos de minério da Mina Morro do Ouro. Fonte: SILVA (2001)

Fonte: Silva (2001)

Fonte: Silva (2001)

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Boudin mineralizado. Fonte: Henderson (2006).

Fonte: Silva (2001)

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Fonte: Silva (2001)

A figura abaixo apresenta uma seção de sondagem ilustrativa do corpo de minério a Mina Morro do Ouro (HENDERSON, 2006). Uma informação importante contida nesta figura é o limite da cava ao final da lavra (linha azul), indicando uma profundidade de mais de 300 m.

Seção de sondagem 05N – Vista para Norte

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Além dos impactos causados ao meio ambiente, este empreendimento mineral, situado junto à zona urbana de Paracatu, trouxe consigo uma série de conflitos socioambientais, na disputa territorial com proprietários de terras, comunidades quilombolas, garimpeiros e comunidades das vizinhanças da mina.

A figura abaixo sintetiza as relações territoriais entre a Mina Morro do Ouro e as comunidades do entorno. Nela, pode-se observar que as áreas de lavra e de pesquisa se sobrepõe às zonas urbanas e de comunidades tradicionais.

Fonte: Santos (2012)

Em Minas Gerais, 90% do ouro é produzido em Paracatu, conforme a tabela abaixo (DNPM, 2005).

Entretanto, qual o benefício econômico que a produção mineral deixa em Paracatu, em termos de arrecadação? Ao contrário de outras atividades econômicas, o tributo que recai sobre a produção mineral é irrisório. Embora o bem mineral seja um recurso natural finito, as populações que vivem no território onde se processa a sua extração, pouco se beneficiam dele; ao contrário, as empresas localizadas em regiões distantes, até mesmo em outros países, é que se apossam desse recurso. Ficam para as populações os impactos ambientais e sociais do empreendimento: perda de recursos

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ambientais (água, flora, fauna, solos), contaminações, doenças e mazelas sociais, como a violência e a pobreza. Um breve período de expansão econômica traz a fantasia de riqueza, que ilude as pessoas.

A CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, estabelecida pela Constituição de 1988, em seu Art. 20, § 1o, é devida aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, e aos órgãos da administração da União, como contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios.

A Compensação Financeira é calculada sobre o valor do faturamento líquido, obtido por ocasião da venda do produto mineral. Entende-se por faturamento líquido o valor da venda do produto mineral, deduzindo-se os tributos (ICMS, PIS, COFINS), que incidem na comercialização, como também as despesas com transporte e seguro.

Incrivelmente, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), único tributo que é cobrado pela exploração mineral, é de apenas 1% para o ouro, um bem mineral sinônimo de riqueza, e de irrisório 0,16% para a prata.

A tabela acima apresenta a produção mineral do município de Paracatu em 2012 (DNPM, 2012). Não obstante o fato de Paracatu responder por 90% do ouro produzido em Minas Gerais, 40% do zinco e 100% do chumbo, essa

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enorme riqueza deixou aqui, em 2012, pouco mais de 11 milhões de reais (65% da CFEM recolhida).

A grande riqueza mineral levada embora a troco de migalhas, deixando enorme passivo socioambiental, não é o único aspecto negativo do descaso com que tratamos os recursos econômicos e ambientais. O estudo consubstanciado no relatório Paracatu 2030, elaborado pela Fundação João Pinheiro, aponta outros significativos problemas neste município:

• Parte das bacias hidrográficas do município de Paracatu estão comprometidas pelo uso excessivo da água em atividades agropecuárias. Cerca de 800 pivôs centrais, irrigando uma área próxima de 40 mil hectares.

• O município de Paracatu tem a maior média de ocorrências de focos de calor 133/ano (indicador de incêndio florestal), entre os 853 municípios mineiros. (IEF)

• Existem cerca de 170 mil hectares de pastagens degradadas – de um total existente de 270 mil hectares no município.

• O uso excessivo de agrotóxicos : pontos crítico da contaminação das águas e dos solos no Estado e também no município da Paracatu (8,7 kg/ha, volume bem acima do desejável que é 1,5kg/ha (SEMAD).

Além desses problemas, o Córrego Rico, símbolo do povoamento de Paracatu, teve suas nascentes bloqueadas pela lavra e suas águas passaram a servir à usina de beneficiamento e duas microbacias hidrográficas - Córrego Santo Antônio e Córrego Machadinho - foram soterradas por barragens de rejeito da mineradora Kinross.

Deve-se ter em conta a seguinte advertência: o minério só dá uma safra ! Depois de esgotados os recursos minerais, o que ficará no seu lugar?

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Referências

DNPM – Departamento Nacional da Produção Mineral. CFEM – Maiores Arrecadadores. Obtido em: https://sistemas.dnpm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/cfem/maiores_arrecadadores.aspx. Acesso: 06/05/2013.

HENDERSON, R. D. Paracatu Mine Technical Report . Kinross Gold Corporation July 31, 2006.

NEVES, Luiz P. Características descritivas e genéticas do depósito Zn-Pb Morro Agudo, Grupo Vazante . Dissertação (mestrado). Brasília : Universidade de Brasília, Inst. Geociências, Brasília, DF, 2001.

SANTOS, Márcio José dos. O ouro e a dialética territorial em Paracatu : opulência e resistência. Dissertação (Mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental). Brasília : Universidade Católica de Brasília, 2012.

SILVA, Alessandro H. M. Modelagem geológica e estocástica da porção NE da mina de Morro do Ouro, Paracatu (MG) . Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Inst. Geociências. Campinas, SP.: [s.n.], 2001.

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SEF-MG – Secretaria Estadual da Fazenda de MG. Arrecadação do Estado de Minas Gerais por Município. Evolução da receita . Obtido em: http://www.fazenda.mg.gov.br/governo/receita_estado/evolucaoreceita/2012/receitaconsolidadamunicipio/icmsoutrasreceitas/arrecmunicipio_icms.htm. Acesso: 06/05/2013.