a genética humana no livro didático, muito bom

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A GENÉTICA HUMANA NO LIVRO DIDÁTICO DE BIOLOGIA

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  • A GENTICA

    HUMANA NO

    LIVRO

    DIDTICO DE

    BIOLOGIA

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO CIENTFICA E TECNOLGICA (PPGECT)

    Centro de Cincias Fsicas e Matemticas (CFM) Centro de Cincias da Educao (CED)

    Centro de Cincias Biolgicas (CCB)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e Tecnolgica como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao Cientfica e

    Tecnolgica.

    Grasiela de Luca Casagrande

    Profa. Dra. Sylvia Regina Pedrosa Maestrelli (orientadora)

    Florianpolis, outubro de 2006.

  • O homem o produto da sua vontade. Ento, antes de mais nada, ele ser resultado de seu prprio progresso.

    Jean-Paul Sartre

  • 4

    SUMRIO

    Lista de tabelas .............................................................................................................6

    Resumo..........................................................................................................................7

    Abstract.........................................................................................................................8

    Agradecimentos.............................................................................................................9

    Apresentao...............................................................................................................11

    CAPTULO 1. Ensino de Biologia e sua importncia para a formao dos cidados 15

    1.1. A Biologia: que cincia essa?.....................................................................16

    1.2. Ensino de Gentica e Gentica Humana.....................................................19

    1.3. O livro didtico no ensino de biologia ..........................................................29

    1.4. Por que ensinar sobre doenas genticas no ensino mdio?........................33

    CAPTULO 2. Gentica humana e doenas genticas ...............................................42

    2.1. O que so doenas genticas? ......................................................................43

    2.2. Distrbios cromossmicos............................................................................43

    2.3. Distrbios monognicos ...............................................................................47

    2.4. Distrbios de herana multifatorial ............................................................57

    CAPTULO 3. Critrios de escolha e metodologia de investigao do tema nos livros didticos ......................................................................................................................65

    3.1. Reviso bibliogrfica....................................................................................66

    3.2. O livro didtico como material de pesquisa.................................................72

    3.3. A escolha dos livros para a pesquisa ...........................................................73

    3.4. A anlise do livro didtico e apresentao das informaes encontradas ..76

  • 5

    CAPTULO 4. O tema doenas genticas no livro didtico.......................................78

    Consideraes finais....................................................................................................92

    Referncias..................................................................................................................94

    ANEXOS ...................................................................................................................103

  • 6

    Lista de tabelas

    Tabela 1 Peridicos revisados ...................................................................................72

    Tabela 2 Livros didticos de biologia utilizados pelos professores consultados .....74

    Tabela 3 Livros de biologia citados no Vestibular da UFSC....................................74

    Tabela 4 Livros de biologia citados no Vestibular da UDESC ................................75

    Tabela 5 Livros de biologia utilizados na pesquisa ..................................................76

    Tabela 6 Doenas genticas humanas citadas nos livros analisados ......................79

  • 7

    Resumo

    A educao em gentica humana deve promover nos alunos o desenvolvimento das habilidades de tomar decises, reconhecer alternativas, aplicar informaes e selecionar opes relativas sade em nvel comunitrio e pessoal; os estudantes devem ser preparados para utilizar os conceitos da rea para entender e opinar em relao a aspectos sociais e ticos desse campo de conhecimento. Alm disso, o estudo da gentica pode ajudar na compreenso das diferenas individuais, aceitando a diversidade e reconhecendo-a como regra e no como exceo.

    Este trabalho teve por objetivo apresentar como o tema doena gentica tratado no livro didtico de Biologia, e de que forma o ensino desse contedo, da maneira como est apresentado no livro didtico, contribui para que os jovens cidados possam conhecer as doenas genticas que considero serem mais importantes para o entendimento da realidade sua volta, estando aptos a utilizar esse conhecimento diante de situaes do cotidiano.

    A anlise dos resultados mostrou que os livros didticos no esto apresentando este contedo de forma adequada. H muitas informaes descontextualizadas, desatualizadas e at incorretas. Alm disso, a imagem de doena gentica transmitida ao leitor de que elas so incapacitantes, no tm tratamento, esto associadas a retardo mental e graves malformaes fsicas.

    Considerando a importncia do livro didtico no contexto escolar, e que os professores no esto capacitados para lidar com este assunto sozinhos, acredito que seria fundamental que os livros didticos trouxessem ao leitor uma nova abordagem deste tema, alm de apresentar os exemplos de forma contextualizada, de forma que os alunos possam utilizar os conceitos aprendidos para exercerem sua cidadania e serem transmissores dessas informaes para sua famlia e para a comunidade onde esto inseridos.

  • 8

    Abstract

    Education in human genetics must aim to promote in students the development of decision-making abilities, the recognition of alternatives, application of the relevant information, and selection of the options related to health at a personal and community level. The students must be prepared to make use of the concepts of the field in order to understand and give opinions in relation to social and ethical aspects in this field of knowledge. Moreover, the study of genetics can help in the comprehension of individual differences, and the acceptance of diversity so that it becomes recognized as a rule instead of an exception.

    This work had as a goal the preservation of how the theme genetic disease is treated in the biology course book, as well as how the teaching of this subject, and the manner in which it is presented in the book, contributes to the young citizens recognition of the most important genetic diseases in an effort to understand the reality around them, enabling them to make use of this knowledge on a daily basis.

    Analysis showed that course books in general do not present this content in an adequate manner. There is much information which is not contextualized, is out of date, or is even incorrect. Also, the image of genetic diseases transmitted to the reader is that they are disabling, have no treatment, and are associated with mental retardation as well as severe physical malformation.

    Considering the importance of the course book within the educational context, and that the teachers are not prepared to deal with this subject by themselves, the author believes it is fundamental that course books should bring a new approach to the reader. In addition to presenting the examples in a contextualized manner, so as to enable the students to make use of the concepts learned, they need to exercise their citizenship and thus pass information on to their families and to the community in which they take part.

  • Agradecimentos _____________________________________________________________________________

    9

    Agradecimentos

    impossvel lembrar de todas as pessoas que contriburam para este trabalho escrito, quero aqui registrar meus sinceros agradecimentos a tantas colaboraes recebidas ao longo dessa dissertao.

    Durante esses trs ltimos anos, muitas pessoas que conviveram comigo puderam presenciar o quanto foi difcil renunciar a muitos momentos de convivncia com familiares e amigos para que este trabalho pudesse ter sido concludo. Foram momentos difceis em que pensei, muitas vezes, em desistir de tudo. Mas as conversas com minha orientadora, Sylvia, familiares e amigos, trouxeram-me a tranqilidade e serenidade no momento certo, fazendo com que eu prosseguisse firmemente com meus objetivos.

    No poderia esquecer do apoio recebido dos meus pais, Vilmar e Odeti. Eles so tudo para mim. Apesar de acharem que eu deveria ter escolhido outra profisso, referindo-se ao baixo salrio de professor, sempre me apoiaram em tudo, principalmente financeiramente. Mesmo com minhas ausncias, souberam entender e valorizar todo o meu esforo. Muito obrigada de corao.

    Sylvia Maestrelli, minha orientadora, foi antes de tudo, uma boa amiga. Muito obrigada por me ouvir, aconselhar, ensinar, incentivar, compreender minhas angstias e lamentaes. Ao seu lado eu cresci muito durante esse tempo.

    Nadir Ferrari e Nadir Delizoicov, agradeo a vocs pelas contribuies durante a anlise do meu projeto de dissertao, pela leitura cuidadosa, pelas sugestes e momentos de discusso.

    Ao tio Pinho, que me ensinou que temos sempre que ter um problema de pesquisa, e que no podemos querer resolver todos os problemas.

    Professores que colaboraram comigo respondendo ao questionrio para o levantamento dos livros didticos utilizados nesse trabalho, muito obrigada.

  • Agradecimentos _____________________________________________________________________________

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    Meus colegas de turma propiciaram muitas discusses durante as aulas, fazendo com que eu aprendesse muita coisa. Agradeo a todos vocs....

    Aldo Jr., voc foi meu companheiro, ouvinte, conselheiro, e muitas vezes presenciou meus momentos de angstia e desespero, sem perder a pacincia, sempre tinha uma palavra acolhedora no momento certo. Agradeo pela ajuda e pela dedicao.

  • Apresentao _____________________________________________________________________________

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    Apresentao

    Esta pesquisa resultado da minha trajetria de vida, como estudante de biologia e agora, como professora de biologia no ensino mdio.

    Em 1997, quando iniciei o curso de Cincias Biolgicas na UFSC, tinha grande vontade de tornar-me professora. No decorrer do curso fiz as disciplinas de licenciatura, e em 2001, ao finalizar o curso, estava habilitada para o ensino de Biologia. No primeiro semestre de 2002 cursei a disciplina Prtica de Ensino de Cincias, e ao final do semestre obtive tambm a habilitao em Cincias.

    Minha primeira experincia como professora foi logo aps a formatura, quando comecei a ensinar Cincias e Biologia na Penitenciria Masculina de Florianpolis, onde dava aulas aos detentos. Logo fiz concurso pblico, e agora trabalho em uma escola pblica, onde leciono Biologia para o Ensino Mdio.

    Os assuntos relacionados Gentica sempre me interessaram, e isso fez com que eu buscasse estgios nessa rea. Ainda na Universidade, acompanhei durante dois anos, os trabalhos do Servio de Aconselhamento Gentico do NUEG (Ncleo de Estudos em Gentica Humana), onde, sob orientao da professora Dra. Sylvia Maestrelli, iniciei meu estudo sobre o assunto, tema do meu Trabalho de Concluso de Curso. Sucintamente, podemos dizer que o aconselhamento gentico uma conversa entre um indivduo, um casal ou uma famlia, e um profissional de sade, sobre uma condio mdica ou doena gentica, onde o profissional informa sobre aspectos clnicos da doena, causas provveis deste distrbio, riscos de recorrncia, tratamentos possveis, grupos de apoio, exames genticos e outros procedimentos pertinentes, informa e esclarece todas as opes de escolha possveis, auxiliando o cliente a lidar com a condio gentica e apoiando-o em suas decises.

    O aconselhamento gentico um servio de educao em sade, porque no se restringe a fornecer todas as informaes necessrias ao entendimento da doena em questo e dos testes genticos disponveis para que as famlias, casais ou indivduos

  • Apresentao _____________________________________________________________________________

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    possam tomar decises conscientes e de acordo com seus desejos, valores e crenas. Alm disso, o profissional de sade deve auxili-los a lidar com a condio gentica e a por em prtica as decises tomadas.

    Como professora, tenho preferncia pelo ensino de Gentica, principalmente quando possvel estabelecer relaes entre os conceitos estudados e as doenas genticas humanas, o que tem relao direta com meu Trabalho de Concluso de Curso. Poder informar os alunos sobre doenas genticas de interesse para a comunidade e fazer com que esse contedo seja significativo para eles uma satisfao. No decorrer da minha profisso como professora conheci vrios livros didticos. Percebo que alguns deles muitas vezes trazem exemplos de doenas genticas totalmente distantes do universo do aluno, no s pela sua baixa freqncia mas tambm porque no so descritas no texto, e muitas vezes, aparecendo apenas como um nome difcil, como galactosemia ou alcaptonria, por exemplo, no enunciado de exerccios. Alm disso, a maioria desses livros apresenta as mesmas doenas genticas tratadas nos livros didticos da dcada de 70. Apesar dos contnuos avanos da cincia e da descrio e entendimento de tantas novas doenas genticas, raramente os livros nos mostram exemplos diferentes daqueles dos anos 70 ou 80.

    Analisando um instrumento de sondagem aplicado pelas professoras do NUEG (CCB) em classes da 3a fase de cursos da rea da sade da UFSC, possvel observar que, ao serem solicitados a citar as doenas genticas que conheciam, como era de se esperar, tais alunos citavam sempre aqueles mesmos exemplos, citados nos livros de Ensino Mdio: Sndrome de Down, Sndrome de Turner, Sndrome de Patau, Sndrome de Edwards, Sndrome de Klinefelter (todas elas, decorrentes de alteraes no nmero de cromossomos, descritas no incio dos anos 60). Poucos alunos citaram distrbios metablicos (apontados como assuntos importantes nos Parmetros Curriculares Nacionais). Alm disso, os alunos que responderam as questes do instrumento de sondagem, dos cursos de Medicina e Odontologia, j haviam cursado as disciplinas de Biologia Celular, Embriologia e Bioqumica, onde

  • Apresentao _____________________________________________________________________________

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    certamente haviam estudado vrios distrbios genticos, mas eles no se lembram desses distrbios, talvez nem os tenham reconhecido como distrbios genticos.

    Este cenrio, aliado minha experincia profissional, fez com que eu decidisse pesquisar o contedo de gentica humana presente nos livros didticos de biologia, a fim saber de que forma o ensino de gentica, particularmente de gentica humana, est contribuindo para a formao dos jovens egressos do ensino mdio. Ao final desse processo, acredito ser possvel sugerir abordagens que possam aumentar a contribuio desse tema para a formao do jovem adulto.

    No livro didtico, a gentica humana tratada geralmente quando so abordados assuntos como alelos mltiplos (grupos sangneos), herana quantitativa (cor da pele, cor dos olhos) ou quando so usados exemplos de doenas para ilustrar padres mendelianos de herana ou alteraes cromossmicas. Este trabalho discute a escolha e o tratamento dado a essas doenas no livro didtico. Assim, apesar de o tema Gentica Humana estar disperso ao longo do contedo de Biologia do Ensino Mdio, o foco deste trabalho so as doenas genticas ali apresentadas, que de fato o assunto mais freqente dentro desse tema.

    A dissertao possui quatro captulos. O Captulo 1 Ensino de Biologia e sua importncia para a formao dos cidados discute o ensino de biologia, de gentica e de gentica humana, tomando como referncia os documentos oficiais (Parmetros Curriculares Nacionais e Proposta Curricular de Santa Catarina), e dialogando com outros autores que pesquisam sobre ensino de biologia e de gentica. Nesse captulo tambm apresento o problema de pesquisa e procuro justificar a sua relevncia, alm de apresentar os objetivos gerais e especficos.

    No Captulo 2 Gentica Humana e doenas genticas fao uma exposio terica sobre o assunto, citando exemplos de doenas genticas que considero importantes e explicando cada uma delas, alm de justificar a relevncia de serem abordadas em sala de aula.

    No Captulo 3 Critrios de escolha e metodologia de investigao do tema

  • Apresentao _____________________________________________________________________________

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    nos livros didticos apresento a reviso bibliogrfica e justifico a escolha do livro didtico como material de pesquisa, bem como os critrios utilizados para a seleo dos livros, a listagem dos livros selecionados e o modo como eles foram analisados.

    No Captulo 4 O tema doenas genticas no livro didtico so encontrados os resultados da pesquisa nos livros didticos selecionados, a discusso sobre os exemplos de doenas genticas utilizados nos livros e a reflexo sobre a abordagem de algumas delas no ensino de gentica.

  • CAPTULO 1. Ensino de Biologia e sua importncia para a formao dos cidados

  • Ensino de Biologia e sua importncia para a formao dos cidados _____________________________________________________________________________

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    1.1. A Biologia: que cincia essa?

    A Biologia (do grego bios = vida; logos = estudo) uma cincia que se preocupa com o estudo de todos os seres vivos, alm de compreender os mecanismos que regem a vida.

    Muitos motivos tornam o ensino dessa disciplina indispensvel na formao de qualquer indivduo. Estamos a todo momento tomando decises que afetam a nossa sade e nosso bem-estar, e os conhecimentos biolgicos nos ajudam a tomar decises mais adequadas no sentido de preservar a nossa vida (fazer as melhores escolhas).

    Eles nos ajudam, por exemplo, em aes muito simples e que fazem parte do nosso dia-a-dia, como entender por que importante fazer atividade fsica, escovar os dentes, lavar a mo antes das refeies, que tipo de alimentos devemos consumir ou evitar, por que devemos usar camisinha nas relaes sexuais, por que no fumar ou ingerir bebidas alcolicas ou ainda, por que no usar drogas e at mesmo, usar protetor solar! Esses exemplos so apenas uma pequena demonstrao da influncia dos conhecimentos biolgicos na nossa vida.

    Os conhecimentos biolgicos nos auxiliam ainda a evitar e curar doenas, fabricar medicamentos, promover o melhoramento gentico de plantas e animais e a desenvolver outras reas, como a medicina.

    Os conceitos da Biologia tambm so indispensveis para que a humanidade saiba utilizar os recursos naturais de forma correta, promovendo a conservao desses recursos. Eles nos ajudam a entender por que no devemos poluir os rios, contaminar o solo e o ar e a compreender que preservando os recursos naturais, estamos preservando nossa prpria vida e a de todos os seres vivos.

    Alm disso, os conhecimentos biolgicos nos permitem acompanhar os acontecimentos que surgem a cada dia relacionados a vrios temas da Biologia, noticiados em jornais, revistas e televiso e opinar sobre eles. Estudar Biologia

  • Ensino de Biologia e sua importncia para a formao dos cidados _____________________________________________________________________________

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    contribui para nossa formao como cidados, informando-nos para que possamos opinar com mais responsabilidade a respeito de temas como clonagem, transgnicos, interrupo teraputica da gravidez, emisso de gases poluentes que destroem a camada de oznio, dentre outros.

    De acordo com Forneris (1997), os conceitos da Biologia so indispensveis para o entendimento do ser humano, fundamentais para que a humanidade possa ter um futuro vivel. A autora acrescenta ainda que os cidados responsveis precisam no s entender o mundo biolgico, mas, tambm, a natureza desse conhecimento.

    A disciplina de Biologia, segundo Amabis (1988), importante para que os alunos possam se posicionar frente aos seus avanos cientficos, principalmente na rea da gentica humana. Segundo o autor:

    No campo da Gentica Humana, por exemplo, a utilizao de sondas moleculares para a deteco de portadores de doenas hereditrias, associada aos novos mtodos de diagnstico pr-natal, permite a identificao de indivduos afetados ainda em fases precoces de gravidez. O impacto dessa metodologia na problemtica do aborto evidente e frente a essa nova realidade, um curso de Biologia no pode mais deixar de abordar esse tema especfico em todos os seus aspectos, fornecendo ao estudante as informaes biolgicas bsicas para que ela possa vir a tomar uma posio consciente em relao ao problema.

    A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) diz que:

    A Biologia tem como objetivo de estudo, a relao dos seres vivos com o meio, e o resultado de todas as interaes realizadas neste mbito, mediante o desenvolvimento de uma lgica mais abstrata nos educandos, para aprender os fatos, os processos e os fenmenos do mundo. O Ensino da Biologia deve estar voltado apropriao do conhecimento biolgico e ao desenvolvimento da responsabilidade social e tica dos alunos. A funo social do Ensino de Biologia deve ser a de contribuir para ampliar o entendimento que o indivduo tem da sua prpria organizao biolgica, visando a melhoria da qualidade de vida.

    Paralelamente, os Parmetros Curriculares Nacionais - PCN (2002)

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    acrescentam que:

    Para a escolha dos assuntos a serem abordados, deve-se levar em conta a sua relevncia cientfica e social, seu significado na histria da cincia e na atualidade e, em especial, as expectativas, os interesses e as necessidades dos alunos.

    O estudo da Biologia, de acordo com os PCN (2002), est dividido em seis temas estruturadores:

    1. Interao entre os seres vivos 2. Qualidade de vida das populaes 3. Identidade dos seres vivos 4. Diversidade da vida 5. Transmisso da vida, tica e manipulao gentica 6. Origem e evoluo da vida.

    De acordo com os PCN (1999), o ensino de Biologia deve ir alm de fornecer informaes. Ele deve estar voltado ao desenvolvimento de competncias que permitam ao aluno lidar com as informaes, compreend-las, elabor-las, refut-las, quando for o caso. O aluno dever ser capaz de compreender o mundo e agir com autonomia, fazendo uso dos conhecimentos adquiridos da Biologia e da tecnologia.

    Finalmente, o pargrafo que encerra o texto sobre a importncia dos conhecimentos de Biologia acrescenta que o ensino de Biologia dever contribuir para uma educao que formar cidados conscientes, capazes de realizar aes prticas, de fazer julgamentos e de tomar decises.

    Segundo Krasilchik (1991), um indivduo alfabetizado em Biologia ser aquele capaz de:

    a) entender a natureza da Biologia como cincia, suas possibilidades e limitaes;

    b) distinguir cincia de tecnologia, compreendendo as especificidades de cada uma delas;

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    c) compreender as caractersticas da Biologia como instituio social, as relaes entre pesquisa e desenvolvimento e, as limitaes sociais do desenvolvimento cientfico;

    d) conhecer os conceitos bsicos e a linguagem da cincia biolgica;

    e) interpretar dados numricos e informaes tcnicas e tecnolgicas,

    f) saber onde e como buscar a informao e os conhecimentos biolgicos.

    Desse modo, tanto a seleo dos contedos como a forma de trabalh-los em sala de aula devem estar voltados formao de um aluno crtico e consciente de seu papel no desenvolvimento da sociedade. A escola deve, portanto, despertar no aluno uma nova viso de mundo, fornecendo subsdios para que o aluno se sinta parte desse mundo, no s como espectador, mas, como um ser atuante, capaz de transformar o mundo sua volta.

    1.2. Ensino de Gentica e Gentica Humana

    A Gentica a cincia da hereditariedade; constitui o ramo da biologia que estuda o mecanismo de transmisso dos caracteres de uma espcie, passados de uma gerao para outra, alm das variaes que ocorrem nesse processo, fator importante na evoluo dos organismos.

    Os temas a ela associados, como os transgnicos, a clonagem, o Projeto Genoma Humano, os testes de paternidade, dentre outros, foram e so comumente enfocados pela mdia. Eles provocam impacto por causa das perspectivas que abrem em relao sua aplicabilidade prtica e geram polmicas e sentimentos que vo da apreenso e do temor at a euforia, s vezes, exagerada.

    Assuntos relacionados gentica esto cada vez mais presentes na vida das pessoas. Hoje em dia comum o consumo de vrios alimentos transgnicos e notcias sobre terapia gnica, decifrao de genomas e clonagem esto freqentemente na

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    mdia, gerando controvrsias e debates acalorados. Para que a populao possa entender o grande espectro de aplicaes e implicaes da gentica aplicada ela precisa de conhecimentos bsicos que devem ser adquiridos na escola.

    Pesquisas para verificar as conseqncias da utilizao dos produtos transgnicos para o indivduo e para o prprio ambiente ainda esto em andamento. Para que o consumidor possa decidir sobre seu consumo ou no, e para que ele possa se posicionar frente aos debates, ele precisa ter conhecimentos de gentica bsica e saber exatamente o que significa um organismo geneticamente modificado.

    As recentes descobertas no campo da gentica ultrapassaram os limites acadmicos e seus conhecimentos provocam implicaes em toda a sociedade. Recentemente, foi aprovada a Lei da Biossegurana (Lei no 11.105, de 24 de maro de 2005), que regulamenta o plantio e a comercializao de produtos geneticamente modificados e permite as pesquisas com clulas-tronco humanas. A sociedade est presenciando toda a turbulncia que essas novas descobertas esto causando, e precisa se posicionar diante desses fatos.

    Em 1988, Amabis j apontava as transformaes pelas quais a disciplina de gentica vinha passando. Segundo o autor:

    A gentica a disciplina que, dentro da biologia, tem sofrido importantes mudanas nos ltimos tempos, tanto em seus aspectos tecnolgicos quanto conceituais. A transformao por que tem passado essa disciplina pode ser encarada como uma verdadeira revoluo cientfica; aps ter causado profundas modificaes em conceitos biolgicos fundamentais, suas contribuies ultrapassaram os crculos acadmicos e se difundiram rapidamente por amplos setores da sociedade, com srias implicaes de ordem social, moral e econmica.

    Nessas situaes, a escola tem papel importante, pois deve fornecer conhecimentos necessrios para que o aluno possa compreender o mundo e participar efetivamente dele.

    Nesse sentido, Paulo Freire nos prope um novo modelo de educao, totalmente voltada para a conquista da cidadania, autonomia e participao

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    ativa dos indivduos na sociedade.

    Para que isso seja possvel, Paulo Freire defende a importncia da insero da realidade do aluno no processo educativo. Segundo Freire (2005a), o homem deve conhecer a sua realidade, para que possa atuar sobre ela. Dessa forma, a conscincia reflexiva deve ser estimulada, sendo papel da Escola fazer com que os alunos reflitam sobre sua prpria realidade. Somente conhecendo sua realidade que o homem, ao refletir sobre ela, poder transform-la, criando um mundo prprio.

    Porm, muitas vezes os avanos cientficos na rea da gentica mostrados na mdia no so tratados em sala de aula, embora sejam de interesse de toda a comunidade.

    De acordo com Trivelato (1995) apud Silva (2000a), a Cincia apresentada ao aluno na escola, muitas vezes de maneira esttica, harmnica, isto , sem contradies, no tem nada a ver com aquilo que est sendo apresentado pela mdia freqentemente. A incapacidade de relacionar estes assuntos ao conhecimento sistematizado obtido na escola dificulta a atuao do aluno em uma possvel interveno, tanto no processo de ensino-aprendizagem, como nos vrios questionamentos que a sociedade lhe coloca.

    Segundo Freire (2005b) o homem, ser de relaes e no somente de contatos, no apenas est no mundo, mas sim, com o mundo. Para estar com o mundo, ele precisa visualizar a realidade, precisa ser livre. Toda vez que esse direito lhe negado, o homem torna-se um ser meramente ajustado ou acomodado.

    Portanto, quando a Escola apresenta aos alunos um conhecimento descontextualizado, est impedindo que os alunos possam utilizar esses conhecimentos para intervir na realidade em que est inserido. Dessa forma, a Escola no est exercendo o seu papel de formar um indivduo atuante, conhecedor de sua realidade e capaz de se posicionar frente a questes que de alguma forma causem implicaes na sua vida ou da sua comunidade.

    Da mesma forma, Krasilchik (1996) alerta que as recentes descobertas e

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    assuntos no campo da Biologia divulgadas nos meios de comunicao precisam ser compreendidas, analisadas e discutidas pelos alunos, com base em um conjunto de princpios ticos e morais, individual e socialmente construdos.

    Em 1997, Mello e colaboradores tambm enfatizam as mudanas no campo da gentica, apontando um novo direcionamento no ensino dessa disciplina. De acordo com os autores:

    Os surpreendentes avanos da gentica e a necessidade crescente de tomadas de decises em aes relacionadas colocam o ensino de gentica em uma posio de destaque, com importantes implicaes nas questes sociais e ticas e tambm de sade pessoal e pblica.

    J em 2000a, Silva afirma que os conhecimentos oriundos do desenvolvimento cientfico provocam uma turbulncia na sociedade, sendo importantes para que o indivduo participe ativamente da sociedade. Portanto, esse desenvolvimento cientfico traz, ou deve trazer um compromisso com a cidadania.

    Segundo alguns autores, as realizaes e limitaes da Cincia devem ser compreendidas por todos os cidados, sendo um investimento vital para o bem-estar futuro de nossa sociedade (Hodson e Reid, 1988; Trivelato, 1995 apud Silva 2000).

    Freire e Guimares (1988) tambm criticam a descontextualizao dos contedos. Segundo esses autores, a Escola faz a transmisso de um saber inerte, ao invs de convocar o estudante a atuar, pensar, criticar, produzir o seu conhecimento atravs de sua reflexo sobre o mundo e isso vem estimulando posies passivas nos estudantes.

    Principalmente no campo da gentica, as novas descobertas devem ser de conhecimento e entendimento de todos, para que os cidados possam tomar posicionamento frente s conseqncias que esses novos conhecimentos podem trazer. Nesse ponto, acredito que a escola um bom frum para que as pessoas conheam e discutam os avanos da cincia.

    Nos Parmetros Curriculares Nacionais (2002), o estudo de doenas genticas

  • Ensino de Biologia e sua importncia para a formao dos cidados _____________________________________________________________________________

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    est previsto no sub-item 2 (Gentica humana e sade) do tema 5 (Transmisso da vida, tica e manipulao gentica), que trata dos seguintes assuntos:

    1. Levantar dados sobre as caractersticas que historicamente so consideradas para definir os agrupamentos raciais humanos em caucasides, negrides e orientais, identificando-os como correspondentes a apenas uma frao mnima do genoma humano.

    2. Analisar aspectos genticos do funcionamento do corpo humano como alguns distrbios metablicos (albinismo, fenilcetonria), ou os relacionados a antgenos e anticorpos, como os grupos sanguneos e suas incompatibilidades, transplantes e doenas auto-imunes.

    3. Distinguir uma clula cancerosa de uma normal, apontando suas anomalias genticas, alm de alteraes morfolgicas e metablicas.

    4. Identificar fatores ambientais - vrus, radiaes e substncias qumicas - que aumentam o risco de desenvolver cncer e medidas que podem reduzir esses riscos, como limitar a exposio luz solar.

    5. Avaliar a importncia do aconselhamento gentico, analisando suas finalidades, o acesso que a populao tem a esses servios e seus custos.

    J a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) traz os seguintes temas para serem abordados em gentica: conceitos bsicos, primeira e segunda Leis de Mendel; teoria cromossmica da herana; herana ligada ao sexo; introduo herana multifatorial e doenas de penetrncia incompleta e expressividade varivel; gentica e tecnologia: aspectos tico-polticos; determinismo biolgico: aspectos tico-polticos.

    Analisando os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Proposta Curricular de Santa Catarina, em relao importncia da educao e aos contedos propostos para o ensino de Biologia, percebo no texto dos PCN maior preocupao com a formao de alunos cidados. A palavra cidadania, por exemplo, aparece repetidas vezes no texto desse documento. Para os PCN, o objetivo da

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    educao a formao de alunos crticos e que tenham condies de utilizar os conhecimentos aprendidos na Escola para atuar no mundo que o cerca. O texto da Proposta Curricular de Santa Catarina apresenta um discurso menos elaborado em relao importncia do ensino de biologia.

    Em concordncia com a prpria funo da educao e do ensino de biologia, os PCN nos apresentam competncias a serem atingidas pelos alunos; dessa forma, esses documentos no trazem uma lista de contedos a serem ensinados em biologia, e sim, temas a serem trabalhados com os alunos, que abrangem todos os conhecimentos de biologia. Dessa forma, os contedos a serem trabalhados no vm listados como se fossem uma receita de bolo, onde o professor deve apenas seguir todos os itens propostos. Nesse caso, o professor dever escolher quais assuntos ir trabalhar para que o aluno possa desenvolver a sua aprendizagem de acordo com o tema em questo.

    Os objetivos propostos dentro de cada tema sugerem que os conhecimentos devem ser trabalhados de forma a promover a participao efetiva dos alunos na construo dos seus saberes. Palavras como avaliar, coletar, identificar, relacionar, analisar, descrever esto presentes em todos os objetivos propostos em cada tema, e demonstram que os PCN tm como objetivo a formao de um aluno ativo na busca de seu desenvolvimento intelectual.

    Diferentemente dos PCN, a Proposta Curricular de Santa Catarina traz uma lista de contedos a serem trabalhados em gentica, que parece mesmo ser uma cpia fiel do ndice dos livros didticos.

    De toda a forma, o estudo da gentica de extrema importncia e possui lugar de destaque tanto nos Parmetros Curriculares Nacionais quanto na Proposta Curricular de Santa Catarina.

    De acordo com Souza e Rosa (2000), para que os alunos egressos do ensino mdio possam interpretar e se posicionar sobre as novidades cientficas e tecnolgicas da rea de gentica humana, to divulgadas pelos meios de

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    comunicao, essencial que eles estejam familiarizados com os mecanismos da sua hereditariedade.

    Concordo com as autoras e acho que os cidados em geral devem ter conhecimentos sobre gentica, j que vrios assuntos dessa rea esto sendo tratados freqentemente na mdia. Alm disso, ao abordar os temas de gentica humana, a escola deve oportunizar aos alunos o conhecimento sobre as doenas genticas mais comuns.

    Muitos autores tm pesquisado sobre o ensino de gentica, verificando o conhecimento dos alunos e da populao em geral.

    Segundo pesquisa realizada por Almeida et al (1997), os alunos do ensino mdio sabem o que so doenas hereditrias (94,85% deles possuem conceitos corretos). No entanto, ao serem solicitados a exemplificar tais doenas, a maioria citou o diabetes (54,09%), e o cncer ficou em segundo lugar (22,12%). Os exemplos citados por esses alunos no causam surpresa, j que so exemplos de doenas comuns, que aparecem constantemente na mdia e na populao. Alm disso, como essas doenas so freqentes em algumas famlias, aparecendo em vrios indivduos e em vrias geraes, compreensvel que sejam vistas como hereditrias. Na verdade, estas so doenas multifatoriais, condicionadas pelo efeito de interaes complexas entre um conjunto de genes e o ambiente. Desta forma, as principais doenas citadas (diabetes e cncer) tm um importante componente gentico, mas so igualmente influenciadas pelo componente ambiental.

    Era de se esperar tambm que nenhum aluno se lembrasse de doenas como fenilcetonria, Sndrome do X-frgil, fibrose cstica e outras, que tambm so muito importantes, mas que no aparecem com freqncia na mdia, nem nos livros didticos. Outro resultado, que me surpreendeu, foi o fato de a AIDS ser a terceira doena mais citada pelos alunos (21,96), tendo sido mais lembrada que a hemofilia (5,75%) e a Sndrome de Sndrome de Down (1,66%), que a alterao cromossmica mais comum na populao, apresentando uma freqncia de 1 a cada 550

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    nascimentos.

    Justina e Rippel (2003) pesquisaram alunos concluintes do ensino mdio, obtendo resultados muito interessantes. Em relao presena de informao gentica nos diferentes grupos (vrus, bactrias, protozorios, fungos, vegetais e animais), os alunos poderiam assinalar quantas alternativas julgassem corretas. A maioria dos alunos (76,27%) assinalou que os animais possuem informao gentica. Outro resultado interessante que os fungos foram o segundo grupo mais assinalado (23,72%), ficando frente dos vegetais (20,34%). Seres mais simples, como os vrus, possuem informao gentica somente para 8,47% dos alunos.

    Em outra questo, sobre a presena da informao gentica para cor de olhos em diferentes clulas, os entrevistados tambm poderiam assinalar vrias alternativas. Grande parte dos alunos (50,08%) respondeu que essa informao est nas clulas sexuais, a segunda opo mais assinalada foi clulas do sangue (28,81%) e a terceira, as clulas do olho (20,34%). Segundo os autores, estas respostas mostram que os alunos acreditam que a informao gentica diferente em cada clula, dependendo da sua funo, e que as clulas sexuais so as nicas que contm todas as informaes genticas.

    Na questo referente universalidade do cdigo gentico, os alunos poderiam assinalar somente uma resposta. A maioria (33,89%) dos entrevistados assinalou que o cdigo gentico o mesmo somente entre animais e vegetais, a resposta correta (o cdigo gentico o mesmo entre animais, vegetais, fungos, protozorios e bactrias), foi assinalada apenas por 13,55% dos alunos. Outro resultado muito importante mostrou que os alunos no entendem o processo de formao dos gametas. A maioria (49,14%) respondeu que aps a meiose, o nmero de cromossomos de uma clula duplica. Finalmente, nenhum aluno conseguiu desenhar corretamente uma clula e mostrar onde estaria localizada a informao gnica.

    Cantiello e Trivelato (2003) encontraram os mesmos resultados de Justina e Rippel (2003) ao pesquisarem as dificuldades de vestibulandos em questes de

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    gentica. Para os autores, os alunos tm dificuldades em localizar o material gentico nas clulas, no compreendem quais estruturas fazem parte da transmisso da hereditariedade e como se d esse processo.

    Em outra pesquisa, com alunos de 1a e 3a sries do Ensino Mdio, Silveira e Amabis (2003) concluram que os alunos que finalizam o Ensino Mdio sabem que os gametas possuem cromossomos e genes. Eles tambm conseguem reconhecer o cromossomo em um desenho esquemtico de clula. Muitos, porm, no compreendem que todas as clulas possuem informao gentica.

    Andrade et al (2004) afirmam que, enquanto so discutidos os avanos da gentica e as novas perspectivas biotecnolgicas, os conhecimentos acerca das doenas genticas, suas implicaes, testes de triagem obrigatrios em recm-nascidos, entre outros, so deixados em segundo plano. Eu concordo com esses autores pois em minha experincia como professora do ensino mdio, pude perceber que nem os professores de biologia, nem os livros didticos esto informando corretamente os alunos acerca desses aspectos. O autor entrevistou 586 pessoas (homens e mulheres de 18 a 81 anos) da cidade de So Jos do Rio Preto, SP, com o objetivo de investigar o conhecimento da populao sobre alguns assuntos genticos e suas aplicaes. Entre os entrevistados, 40,5% afirmaram no saber o que Gentica e 48,2% desconheciam o que um organismo transgnico. Menos de 30% soube citar uma doena gentica corretamente e mesmo entre os que sabem o que Gentica, apenas 41,8% fizeram isso. Diante desses resultados, o autor evidencia a necessidade de elaborao de estratgias educacionais para a aquisio destas informaes.

    Segundo pesquisa realizada por Sobreira (2004) com 80 alunos do ensino mdio, a maioria considera o estudo da gentica til para sua vida, entretanto, metade deles no consegue aplicar o que estuda ou ao menos aprender os temas trabalhados. O autor considera que a qualificao dos alunos de Licenciatura em Cincias Biolgicas nos diversos temas da gentica, com nfase aos temas atuais, contribuir para formar uma sociedade mais esclarecida e apta a exercer seus

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    direitos democrticos, sendo capaz de entender, opinar e decidir sobre os dilemas que envolvem os temas polmicos da gentica.

    Todas essas pesquisas, realizadas pelos diferentes autores em diversas partes do Brasil, com alunos de escolas pblicas e particulares e com a populao em geral, demonstraram que, freqentemente, essas pessoas tm pouco conhecimento de gentica, ou apresentam idias confusas e at mesmo erradas sobre diversos temas dessa rea.

    No ensino superior, algumas pesquisas demonstraram que os alunos tambm tm dificuldades relacionadas a alguns conceitos da rea de gentica. O estudo de Marrero e Maestrelli (2001) com 250 alunos de dois cursos da rea da sade da UFSC revelou que os alunos definem corretamente os termos DNA, cromossomos e genes. Porm, apesar de conseguirem conceituar corretamente essas palavras, alguns (16%) no conseguem estabelecer uma relao entre esses trs conceitos, o que, segundo as autoras, pode sugerir que estes alunos esto se valendo de respostas memorizadas e no compreendidas. Estes resultados podem estar refletindo a grande dificuldade que ns professores temos em ensinar muitos assuntos da rea da gentica, que apresenta uma grande quantidade de termos abstratos e muitas vezes, de difcil entendimento pelos alunos.

    Casagrande e Maestrelli (2005) apresentam os conhecimentos de 170 alunos dos cursos de Odontologia e Medicina da UFSC em relao ao conceito de doena gentica, bem como os exemplos citados por eles. Os resultados mostraram que apenas 16% dos alunos apresentavam um conceito correto e completo em relao ao que so doenas genticas, e a conceituao feita por esses alunos contempla as alteraes gnicas e cromossmicas. Os exemplos de doenas genticas mais citados foram: Sndrome de Down, Sndrome de Klinefelter, Sndrome de Turner, Hemofilia e Daltonismo, que aparecem freqentemente no livro didtico. Poucos alunos citaram doenas multifatoriais e muito comuns, como cncer, doenas cardacas, doenas psiquitricas ou hipertenso. O diabetes foi a nica doena de herana complexa citada por mais de cinco alunos, todos de Odontologia. Doenas

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    importantes como fibrose cstica, fenilcetonria ou anemia falciforme, todas detectadas pelo teste do pezinho, foram pouco citadas pelos alunos de ambos os cursos.

    Concordo com Souza e Rosa (2000), que apontam para a necessidade de se redimensionar, no nvel mdio, o ensino de gentica em geral, e o de gentica humana em especial, no sentido de conscientizar os jovens cidados para as mltiplas implicaes dos conhecimentos cientficos, nas suas vidas pessoais e na sociedade.

    Para tanto, de extrema importncia que o professor de biologia esteja familiarizado com esses avanos no campo da gentica, principalmente em relao clonagem humana, terapia gentica, aos transgnicos, assuntos to amplamente divulgados pela mdia e que sempre despertam a curiosidade dos alunos em sala de aula, de forma a estar preparado para poder informar de forma correta o aluno sobre esses temas.

    De acordo com a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998),

    A disciplina de biologia no Ensino Mdio deve, acima de tudo, oportunizar ao educando uma maior aplicao dos conhecimentos dessa rea, no seu cotidiano, em benefcio de si prprio e da sociedade.

    Apesar disso, a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) e os Parmetros Curriculares Nacionais (2002), no prevem o estudo da gentica humana com base em caractersticas de importncia para a populao brasileira, deixando essa responsabilidade a cargo dos autores de livros didticos e/ou professores que ensinam biologia.

    1.3. O livro didtico no ensino de biologia

    O livro didtico muito utilizado pelo professor na elaborao de suas aulas.

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    Para Castilho (1997), o livro didtico tem desempenhado papel central nas escolas brasileiras, tornando-se, muitas vezes, o elemento direcionador do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Pinto e Martins (2000), o livro uma importante fonte de informao para os professores e alunos, sendo utilizado pelos professores na organizao e planejamento das atividades de sala de aula. Massabni e Arruda (2000) afirmam que muitos professores tomam o conhecimento cientfico neles contido como padro do que devem ensinar a seus alunos. Concordo com esses autores, j que muitas vezes, os professores no dispem de outro instrumento didtico, sendo o livro a nica fonte de informao para que ele possa preparar o contedo.

    De acordo com Silva e Trivelato (1999), a utilizao do livro texto tem sido justificada pelo reduzido tempo disponvel para o desenvolvimento das aulas. Ainda segundo as autoras, o livro possui um conhecimento reduzido e simplificado, propiciando aos professores segurana e sistematizao do contedo.

    Assim sendo, o contedo veiculado pelos livros didticos parece ser um componente importante na anlise da situao de ensino em nosso pas.

    Alguns autores afirmam que os contedos de gentica no livro didtico esto desatualizados.

    Para Trivelato (1988):

    Aspectos mais modernos dessa cincia, que poderiam capacitar o jovem a futuramente consumir o conhecimento produzido pelas pesquisas mais recentes, no so explorados pelos livros didticos.

    J Ometto-Nascimento e colaboradores (2000) acrescentam que:

    Apesar do aumento do conhecimento na rea da gentica, principalmente com o advento da engenharia gentica e da biologia molecular, os contedos que fazem parte do livro didtico, nas trs ltimas dcadas, permanecem inalterados, tendo ocorrido apenas um maior investimento em recursos visuais e a incluso de exerccios de exames vestibulares.

    Em relao ao ensino de gentica humana em especial, Trivelato (1988)

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    afirma que os exemplos de caractersticas humanas no so mencionados com a preocupao de preparar e subsidiar o estudante para decises futuras. A natureza dos servios de aconselhamento gentico, o conhecimento crescente sobre a contribuio dos genes na manifestao de diversas doenas e caractersticas, e a evoluo e aplicao dos testes e investigaes genticas no so discutidas e nem mesmo mencionadas nos livros didticos.

    Ao observar os exemplos de doenas genticas tratadas em alguns livros de biologia para o Ensino Mdio, percebi que algumas delas so distantes da realidade dos alunos. No entanto, esses exemplos, citados pelos livros, so repetidos durante anos.

    Justina e colaboradores (2000) realizaram um trabalho sobre os temas de gentica que apresentavam maior grau de dificuldade na atividade pedaggica. O resultado desse trabalho ressalta ainda mais a importncia do livro didtico em sala de aula. Os pesquisadores concluram que os professores tm maior preocupao com as temticas relacionadas aos conhecimentos recentes em gentica que no so tratadas ou aparecem com uma abordagem inadequada, com erros conceituais, nos livros didticos utilizados por eles em suas aulas.

    Em um estudo preliminar, fiz um levantamento dos temas tratados em gentica humana nos livros didticos do ensino mdio, observando que alguns assuntos atuais e bem importantes como clonagem, terapia gnica, utilizao do DNA na identificao de pessoas, organismos transgnicos, vacinas gnicas, clulas-tronco, dentre outros, atualmente esto presentes na maioria dos livros (Casagrande, 2004). Nesse levantamento, no foi analisada a abordagem dos temas, se adequada ou no. Tais temas, freqentemente presentes na mdia e agora tambm na escola, tornaram-se parte do cotidiano dos alunos e despertam interesse e curiosidade sempre que abordados em sala de aula.

    Em relao gentica humana, possvel perceber que grande parte dos autores de livros didticos, a meu ver, no trata adequadamente de algumas

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    doenas genticas muito importantes. Muitas vezes, os exemplos de doenas aparecem citados nos exerccios de exames vestibulares, sem que haja alguma explicao sobre ela no texto ou at mesmo no prprio exerccio.

    Dentre as doenas genticas citadas no livro didtico, poucas fazem parte do cotidiano dos alunos. Dessa forma, o tema doenas genticas humanas, que poderia ser utilizado para explicar os contedos de gentica de maneira geral, pois os alunos demonstram bastante curiosidade sempre que este assunto abordado em sala de aula, torna-se descontextualizado, pois os exemplos de doenas genticas que aparecem nos livros didticos so muitas vezes desconhecidos pela maioria dos alunos e, em alguns casos, at mesmo pelos professores.

    Massabni e Arruda (2000) afirmam que devemos nos preocupar com o contedo que veiculado nos livros didticos e que ter lugar dentro da sala de aula, pois, apesar dos srios problemas que eles apresentam, continuam sendo muito utilizados pelos professores.

    Concordo com esses autores pois, apesar do pouco tempo de magistrio, tenho percebido que o livro didtico a principal referncia dos professores, no s de Biologia, mas de todas as disciplinas. Muitas vezes os professores no sabem o que devem ensinar aos alunos e o livro didtico acaba sendo a base para o planejamento dos contedos.

    Considerando a importncia do livro didtico no processo de ensino e que, segundo Fourez (1997), para se ter autonomia e ser um cidado participativo em uma sociedade altamente baseada na cincia e tecnologia, o indivduo deveria ser cientfica e tecnologicamente alfabetizado, acredito que os livros didticos no esto contribuindo satisfatoriamente para a construo da cidadania nesse aspecto.

    Para Trivelato (1988), uma possibilidade de melhorar o livro didtico seria modificar a forma de selecionar os contedos. De acordo com a autora, a escolha dos assuntos deveria considerar o anseio e a necessidade de esclarecimentos dos alunos. Temas que de alguma forma esto relacionados s suas vidas, ao seu cotidiano ou a

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    problemas de sua comunidade despertam especial interesse e promovem uma aprendizagem genuna.

    Esta pesquisa pretende mostrar como o ensino de gentica, particularmente o de gentica humana, pode contribuir de forma mais significativa para a formao dos jovens egressos do ensino mdio.

    Nesse sentido, apresento um estudo de como o tema doena gentica tratado nos 14 livros didticos de biologia por mim analisados, verificando de que forma o ensino desse contedo, da maneira como ele est apresentado no livro didtico, est contribuindo para que os jovens cidados possam conhecer as doenas genticas mais importantes, compreender os mecanismos de herana mendeliana e utilizar esse conhecimento a fim de se posicionar frente a situaes de seu cotidiano. Alm disso, pretendo apresentar e discutir a imagem de doena gentica apresentada pelos livros didticos de biologia. A reviso da literatura abrange o cenrio das pesquisas na rea de gentica humana no ensino mdio e gentica humana e educao em sade.

    1.4. Por que ensinar sobre doenas genticas no ensino mdio?

    comum que os contedos de gentica sejam introduzidos no terceiro ano do ensino mdio. Geralmente, os livros didticos de biologia iniciam o estudo da gentica apresentando os experimentos de Gregor Mendel sobre as ervilhas-de-cheiro (Pisum sativum), e como este pesquisador deduziu, atravs desses experimentos, as leis da transmisso das caractersticas entre os indivduos. Aps essa introduo, conceitos bsicos de gentica como fentipo, gentipo, homozigoto, heterozigoto, genes alelos, dentre outros, so apresentados aos alunos, e para exemplificar estes conceitos, so utilizadas as caractersticas das ervilhas.

    No entanto, os alunos no costumam demonstrar muito interesse em saber

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    sobre a transmisso de caractersticas entre as ervilhas, interessando-se mais quando relacionamos a gentica a questes de sade humana.

    Muitas vezes, o livro didtico apresenta ao leitor contedos descontextualizados e isso tem sido observado tambm em relao gentica. Sobre os exemplos de doena gentica utilizados, posso dizer que na maioria das vezes, as doenas genticas aparecem como um nome complicado (alcaptonria, galactosemia, talassemia, fenilcetonria) no enunciado de um exerccio, sem que haja qualquer explicao sobre ela. Alm disso, so usados exemplos de doenas bastante raras (Tay-Sachs, alcaptonria, galactosemia) em detrimento de doenas mais freqentes em nossa populao (anemia falciforme, fibrose cstica, neurofibromatose, sndrome do x-frgil, etc.). Desta forma, caberia ao professor conhecer e exemplificar cada uma das doenas citadas, alm de introduzir outros exemplos significativos. H tambm assuntos importantes e pouco explorados no livro didtico, como doenas comuns e de herana complexa (diabetes, cncer, doenas cardacas, doena celaca, obesidade, etc.) e os testes de triagem (teste do pezinho).

    As doenas genticas so um tema prximo do aluno, pois esto diretamente relacionadas com a sua sade e despertam seu interesse e curiosidade, estimulando-os a participarem com mais freqncia da aula.

    Se forem consideradas individualmente, muitas doenas genticas so raras e at mesmo difcil encontrar algum com alguma dessas doenas na populao. Porm, se considerarmos o conjunto de todas as doenas genticas, o impacto na populao bem maior. A prevalncia de doenas genticas na populao de 3% a 7%, considerando os distrbios monognicos e cromossmicos. Estes dados no incluem as doenas com componente gentico e que so muito comuns em adultos, como a diabetes, o cncer, a obesidade, a hipertenso e as doenas cardacas. Se estas doenas forem includas, o impacto clnico das doenas genticas ser de fato considervel. Os distrbios monognicos, por exemplo, afetam 2% da populao durante todo o tempo de vida. J os distrbios cromossmicos, como um grupo, tambm so comuns, afetando cerca de 7 em cada 1.000 crianas nascidas vivas, e

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    contribuindo com cerca de metade de todos os abortos espontneos de primeiro trimestre (Jorde, 2004).

    O reflexo dos avanos da gentica na rea da sade so evidentes, e novas doenas so descritas a todo o momento, ao passo que os distrbios j conhecidos so cada vez mais bem entendidos.

    Alm disso, muitas doenas que antes no eram bem conhecidas comearam a ser melhor diagnosticadas e reconhecidas como importantes para a populao. A fibrose cstica e a doena celaca so exemplos na cidade de Florianpolis. Objetivando informar a populao foram confeccionados folhetos informativos e cartazes sobre essas doenas, distribudos pela cidade, postos de sade, farmcias, laboratrios, clnicas, etc. Alm disso, vrias reportagens e entrevistas sobre o assunto foram veiculados nos jornais e na televiso.

    Recentemente, os testes de triagem neonatal, como o Teste do Pezinho, tambm tm sido amplamente divulgados na mdia, principalmente na televiso, informando a populao sobre a importncia da realizao do mesmo.

    O Teste do Pezinho foi introduzido no Brasil na dcada de 70 para identificar duas doenas: a fenilcetonria e o hipotireoidismo. Em 1990, o oferecimento do teste se tornou obrigatrio em todo o pas, atravs de lei federal. Em 1992, a legislao foi complementada, definindo a fenilcetonria e o hipotireoidismo congnito como patologias a serem triadas obrigatoriamente. Em 2001, o Ministrio da Sade criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal, com o objetivo de atender a todos os recm-nascidos no territrio nacional e incluindo a deteco precoce de outras doenas como a anemia falciforme e outras hemoglobinopatias. O estado de Santa Catarina ainda o nico a detectar tambm portadores de fibrose cstica. Hoje existem verses ampliadas do teste, que podem identificar mais de 30 doenas (genticas e no-genticas) antes que seus sintomas apaream. Os testes gratuitos, realizados em todos os postos de sade do Brasil, so diferentes dependendo dos Estados. Alguns detectam cinco doenas (fenilcetonria, hipotireoidismo congnito,

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    anemia falciforme, fibrose cstica e hiperplasia adrenal congnita), outros apenas a fenilcetonria e o hipotireoidismo congnito (www.sbtn.org.br). O Estado de Santa Catarina foi pioneiro em implantar o teste no servio pblico, ainda em 1992 e o teste aqui realizado detecta cinco doenas: fenilcetonria, hipotireoidismo congnito, anemia falciforme, fibrose cstica e hiperplasia adrenal congnita (www.saude.sc.gov.br). Acredito que as doenas genticas detectadas pelo teste do pezinho deveriam receber mais destaque no livro didtico.

    Os contedos de gentica humana tambm poderiam ser ensinados com o objetivo de esclarecer alguns conceitos que as pessoas possuem em relao doena gentica e no apenas para informar as pessoas sobre as doenas genticas comuns na populao. Muitas pessoas tm idias equivocadas em relao ao risco de terem filhos com doena gentica ou em relao incidncia dessas doenas. A idia de que toda doena gentica causa defeitos fsicos ou retardo mental, so incurveis ou intratveis tambm muito comum. Muitos acreditam que apenas as famlias de afetados por uma doena gentica possuem genes deletrios, enquanto que nas famlias onde no h ningum afetado no h genes deletrios, o que no verdade. Essas idias equivocadas sobre doenas genticas e conceitos relacionados muitas vezes fazem com que as pessoas tratem esse assunto com preconceito. A falta de informao at mesmo por parte de pessoas que ocupam importantes cargos pblicos provoca comentrios desagradveis que, de vez em quando, chamam a ateno e causam indignao por parte de muitas pessoas, principalmente porque seus discursos e atitudes induzem outras pessoas ao preconceito e ao racismo.

    Um exemplo disso ocorreu recentemente, quando o atual governador do Estado de Santa Catarina, Sr. Luiz Henrique da Silveira, fez um infeliz comentrio sobre doenas genticas. O governador, que possui curso superior em direito, declarou em artigo publicado no jornal A Notcia, de 28 de agosto de 2005, que a gentica permitir evitar filhos feios ou idiotas. De acordo com o jornal, a declarao do governador dizia o seguinte:

    As pessoas podero se valer da cincia para evitar que seus filhos nasam

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    feios, deformados, deficientes ou idiotas. Ou at mesmo - e essa vai ser a grande questo do sculo - escolher para que as crianas nasam clones de algum gnio ou adnis.

    Certamente, se o governador tivesse melhor formao cientfica e humanstica, suas afirmaes seriam mais ponderadas,pois muito dificilmente a gentica ter o poder por ele apregoado e a eugenia uma prtica condenvel por grande parte da sociedade, principalmente pelos defensores dos Direitos Humanos. O que preocupa alm da declarao do governador, o fato de se tratar de um homem pblico e com grande influncia e certamente, sua fala tem maior impacto sobre todos. Seria desastroso se advogados, juzes e at mesmo legisladores pensassem da mesma forma.

    Pessoas pblicas tm influncia em toda a sociedade e seus atos e opinies so bastante valorizados pela populao. Algumas vezes as pessoas pblicas influenciam negativamente a populao, emitindo opinies de cunho cientfico incorreto ou preconceituoso, como o caso do governador citado. Por outro lado, h tambm exemplos de manifestaes positivas, como a do famoso jogador de futebol Romrio, que frequentemente tem dado entrevistas para revistas e para a televiso com a filha mais nova, que tem Sndrome de Down, no colo. Ele demonstra carinho e amor pela filha, tratando-a de forma bastante natural. Essa atitude bastante positiva, pois ajuda a desmitificar o aparecimento de uma criana com sndrome de Down na famlia, contribuindo para a aceitao dessas crianas pelos familiares e pela sociedade.

    Alm disso, a gentica importante para entendermos a diversidade entre os indivduos. Portanto, fundamental para fornecer subsdios para entendermos o que nos torna to diferentes e o que nos torna to semelhantes, de forma a abalar o conceito de raa em humanos, fortalecendo o conceito biolgico de populao.

    Por ser um contedo de grande potencial pedaggico, as doenas genticas poderiam ser trabalhadas em sala de aula sob o olhar da educao em sade, aqui entendida como descrita por Mohr (2002). Segundo a autora:

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    A expresso educao em sade sinaliza com muito mais propriedade, um campo de trabalho e exerccio pedaggico [...]. Educar em sade significa, tambm, ensinar atravs e a partir de um tema a sade de grande potencial pedaggico, pois mobiliza experincias cotidianas e comuns, constituindo-se, desta forma, em um assunto significativo para os alunos. A expresso educao em sade traduz o significado didtico mais promissor para esta atividade na escola: um tema a partir do qual, inmeros conhecimentos, provenientes de diferentes reas, podem ser desenvolvidos. E isto, numa dupla perspectiva para o aluno: a da capacitao cognitiva e a da autonomia de ao.

    A partir desse entendimento de Educao em Sade defendo a utilizao do tema doenas genticas para ensinar muitos dos conceitos da gentica. No pretendo analisar as prticas dos professores, e sim o modo como este tema vem sendo abordado pelos livros didticos de biologia.

    Acredito que as doenas genticas humanas constituem um tema de grande potencial pedaggico, pois despertam o interesse e a curiosidade dos alunos, alm de ser um tema que est diretamente relacionado com a sua sade.

    Portanto, uma boa alternativa seria trabalhar as doenas genticas humanas pelo olhar da Educao em Sade, no apenas no sentido de informar os alunos em relao s doenas genticas importantes, mas de forma que o ensino desse contedo contribua para que o aluno possa utilizar esses conhecimentos a fim de se posicionar frente s situaes do seu cotidiano.

    De acordo com Krasilchik e Marandino (2004) decidir qual a informao bsica para viver no mundo moderno hoje uma obrigao para os que acreditam que a educao um poderoso instrumento para combater e impedir a excluso e dar aos educandos, de todas as idades, possibilidades de superao dos obstculos que tendem a mant-los analfabetos em vrios nveis. Exige-se tambm a seleo de tpicos que tenham significado para os cidados e possam servir de base e orientao para suas decises pessoais e sociais.

    Os objetivos do ensino de gentica humana na escola seriam esclarecer o significado e os mecanismos de herana e alteraes genticas, capacitar o estudante

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    a usar a informao gentica e o conhecimento das leis de probabilidade para estabelecer julgamento sobre os riscos em relao prole, divulgar a importncia do aconselhamento gentico como um auxlio para a tomada de decises pessoais em relao a diferentes situaes, como por exemplo o planejamento familiar ou a aceitao e convivncia com familiares afetados por uma doena gentica. Alm disso, a melhor compreenso do mecanismo gentico poderia garantir a preparao do pblico geral para o consumo informado dos servios genticos, como a realizao ou no de testes genticos preditivos, triagem neonatal ou populacional.

    A educao em gentica humana deve promover nos alunos o desenvolvimento das habilidades de tomar decises, reconhecer alternativas, aplicar informaes e selecionar opes relativas sade em nvel comunitrio e pessoal; os estudantes devem ser preparados para utilizar os conceitos da rea para entender e opinar em relao a aspectos sociais e ticos desse campo de conhecimento.

    Alm disso, o estudo da gentica pode ajudar na compreenso das diferenas individuais, isso pode ensinar a entender e aceitar a diversidade, reconhecendo-a como regra e no como exceo.

    Em relao s doenas genticas, a Educao em Sade teria como objetivo informar aos alunos sobre as doenas comuns na populao, alm de mostrar aos alunos que em muitos casos, o fato de algum ter uma doena gentica no quer dizer necessariamente que esse indivduo ir manifestar todos os sintomas da doena, j que hoje em dia, existem meios de se descobrir se a pessoa portadora ou no da doena bem como tratamentos que impedem a manifestao da mesma. Alm disso, mesmo nos casos em que no se pode impedir que a doena ocorra, como na Sndrome de Down, por exemplo, importante que todos saibam que, tomando alguns cuidados, o portador poder ter uma melhor condio de vida.

    No ensino de gentica, educar em sade no significa apenas informar sobre os aspectos clnicos da doena, sintomas, tratamento ou transmitir conceitos aos alunos. Educar pressupe que o aluno compreenda a importncia do contedo que

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    est sendo ensinado e consiga retirar desse contedo ensinamentos que lhe permitam resolver problemas que envolvam conceitos de gentica, participar de discusses e emitir opinio.

    Ao ensinar os contedos de gentica atravs do tema doena gentica, estamos partindo de um assunto que faz parte do cotidiano dos alunos, e este tema poder contribuir para que entendam questes mais amplas e que fazem parte do contexto de toda a sociedade.

    Um exemplo disso o entendimento de que as diferenas existentes entre as etnias ou populaes fazem parte da natureza do homem, sendo a expresso da ao do nosso material gentico associado a mltiplos fatores ambientais. Dessa forma, o entendimento da diversidade entre as pessoas como uma regra e no como exceo, poder resultar na diminuio do preconceito racial e em relao s doenas genticas.

    O tema doenas genticas, por despertar o interesse dos alunos, pode ser utilizado como base para explicar os contedos de gentica bsica, proporcionando ao aluno o entendimento de sua sade e da sade coletiva, de todos que esto sua volta. O fato de as pessoas comearem a entender melhor algumas doenas genticas ou com componente gentico, e por que elas acontecem, ir fazer com que muitos portadores de doena gentica sejam mais bem aceitos pela sociedade e pela prpria famlia, e deixem de ficar confinados em suas casas ou at mesmo em clnicas.

    Alm disso, a qualidade de vida desses portadores pode melhorar muito se eles forem bem aceitos pela sociedade, deixaro de ser vistos com preconceito e pr-julgamentos, podero ter oportunidade de ter uma vida produtiva, como qualquer outro cidado. Ao entender como as doenas genticas acontecem, tambm os pais deixaro de se sentirem culpados por ter um filho com doena gentica. Podero entender melhor os riscos para novos filhos e para seus parentes. Os conhecimentos de gentica tambm permitiro que os cidados possam ter um posicionamento crtico em relao aos testes de triagem, interrupo de gravidez, mtodos

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    alternativos de fertilizao, testes de paternidade, consumo de alimentos transgnicos, tcnicas de clonagem, etc., ou seja, podero exercer sua cidadania, participando de decises importantes para a sociedade como um todo.

  • CAPTULO 2. Gentica humana e doenas genticas

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    2.1. O que so doenas genticas?

    De forma simples, poderamos dizer que as doenas genticas so ocasionadas por alteraes no material gentico de um indivduo. Essas alteraes podem envolver um ou mais genes, partes de cromossomos e at cromossomos inteiros.

    Apesar de individualmente raras, as doenas genticas so numerosas, muitas vezes graves e incurveis, mas algumas possuem tratamento.

    O nmero de doenas genticas conhecidas vem aumentando ao longo do tempo e com as informaes produzidas pelo Projeto Genoma Humano, o nmero de doenas que apresentam componente gentico tende a aumentar.

    As doenas genticas podem ser classificadas em quatro importantes grupos, de acordo com o tipo de alterao gentica: distrbios cromossmicos, distrbios monognicos, distrbios multifatoriais e distrbios mitocondriais.

    Os distrbios de herana mitocondrial, ocasionados por defeitos na molcula de DNA das mitocndrias, formam um grupo muito pequeno de doenas raras. Desta forma, neste captulo essas doenas no sero tratadas individualmente, ao contrrio dos distrbios cromossmicos, monognicos e multifatoriais.

    2.2. Distrbios cromossmicos

    So aqueles nos quais cromossomos inteiros, ou grandes segmentos deles, no existem, esto duplicados ou alterados. Os distrbios cromossmicos podem ser numricos ou estruturais e envolver um ou mais autossomos, cromossomos sexuais ou ambos. Os distrbios cromossmicos numricos incluem os casos em que h aumento ou diminuio do nmero de cromossomos do caritipo normal da espcie humana, enquanto os estruturais incluem os casos em que um ou mais cromossomos apresentam alteraes de sua estrutura.

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    Os distrbios cromossmicos formam uma importante categoria de doenas genticas, contribuindo para uma grande proporo de malformaes congnitas e retardo mental. So responsveis por muitas sndromes que juntas, so mais comuns que todos os distrbios mendelianos juntos, 1 a cada 160 nativivos apresenta uma anomalia cromossmica (Nussbaun e cols, 2002).

    No entanto, apesar de algumas doenas apresentarem uma expectativa de vida alta (Sndromes de Down, Turner e Klinefelter, Triplo X e Duplo Y), se considerarmos as anomalias cromossmicas como um todo, a freqncia na populao adulta bem menor, pois em grande parte dos casos a expectativa de vida desses bebs baixa e eles acabam morrendo antes de completar um ano de vida (por exemplo nos casos de Sndrome de Edwards, Patau, outras trissomias, etc).

    Assim estima-se que as alteraes cromossmicas afetem 0,7% dos nascidos vivos, 2% das gestaes em mulheres com mais de 35 anos de idade, e 50% dos abortos espontneos no primeiro trimestre. O aborto espontneo atua como um agente seletivo, eliminando as mutaes cromossmicas mais graves (Borges-Osrio, 2002).

    Abaixo, explico de forma resumida cinco exemplos (Sndromes de Down, Turner e Klinefelter, Triplo X e Duplo Y), que considero serem os mais importantes e representativos desse grupo de doenas.

    1) Sndrome de Down (SD)

    A Sndrome de Down o distrbio cromossmico mais comum na populao, sendo observada em aproximadamente 1/800 nascimentos (Jorde, 2004). A causa mais comum dessa sndrome a presena de um cromossomo 21 extra, devido a um erro na formao dos gametas (vulo ou espermatozide) durante a meiose, sendo que o risco de recorrncia aumenta com a idade materna. uma das causas mais freqentes de comprometimento intelectual e constitui o defeito congnito mais observado na faixa etria peditrica. Existe uma discreta preponderncia para o

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    sexo masculino.

    H uma riqueza de caractersticas fenotpicas descritas na SD e uma grande variabilidade nas possveis manifestaes clnicas. Isso significa que nem todos os pacientes devero apresentar todas as caractersticas descritas para a sndrome.

    O retardo mental e a hipotonia so duas caractersticas importantes na SD. A hipotonia a diminuio do tnus muscular, o que acarreta lentido no desenvolvimento motor. Alm disso, comum a obstruo do trato gastrointestinal, defeitos cardacos congnitos, infeces respiratrias e leucemia.

    O desenvolvimento de uma criana com SD ocorre de forma mais lenta do que uma criana sem a sndrome, mas isso no impede que a criana aprenda suas tarefas dirias e participe da vida social em famlia (www.sosdown.com).

    Atualmente, a pessoa com SD tem uma vida quase independente, podendo trabalhar em diversas funes de acordo com sua capacidade. Ela pode ter vida social como qualquer pessoa, pode estudar, trabalhar, viajar, praticar esportes, freqentar festas, etc (www.sosdown.com).

    A impresso que se tem hoje que existem mais crianas com a SD do que antigamente, mas isso no verdade. Hoje, os cuidados que recebem permitem sua incluso social e elas so vistas por toda parte, ativas e atuantes, apesar do desenvolvimento fsico e mental mais lento. Devido mudana de postura diante da educao, visando participao e incluso social, alm do controle dos problemas que possam prejudicar sua evoluo, a expectativa de vida tambm aumentou, podendo chegar a 50 ou 60 anos, com boa qualidade de vida (Buhrer, 2004).

    2) Sndrome de Turner

    O fentipo associado mais freqentemente a um nico cromossomo X caracteriza essa anomalia, e possui a freqncia de cerca de 1/2.500 a 1/5.000. As mulheres com Sndrome de Turner dificilmente so diagnosticadas ao nascimento,

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    porm, com o passar do tempo, vo apresentando caractersticas fenotpicas distintas, que tornam o diagnstico mais fcil. Possuem baixa estatura, face triangular, orelhas giradas posteriormente e um pescoo largo (alado). O trax largo e em formato de escudo.

    O QI das mulheres com Sndrome de Turner em geral mdio ou acima da mdia. Entretanto, as pacientes muitas vezes apresentam uma deficincia na percepo espacial, na organizao motora perceptiva ou na execuo motora fina (Jorde, 2004). A baixa estatura pode ser corrigida com a administrao de hormnio do crescimento. A genitlia interna no bem diferenciada, e em geral elas no desenvolvem caractersticas sexuais secundrias e so infrteis. As adolescentes so tratadas com estrognio para promover o desenvolvimento de caractersticas sexuais secundrias.

    3) Sndrome de Klinefelter

    Esta sndrome vista em aproximadamente 1/1.000 nascimentos masculinos. Os homens tendem a ser mais altos do que a mdia, com braos e pernas desproporcionalmente longos. Os pacientes ps-puberes apresentam testculos pequenos e a maioria dos homens estril, pois os tbulos seminferos so atrofiados. Aproximadamente um tero apresenta mamas desenvolvidas, ocasionando um aumento do risco de cncer de mama, o que pode ser reduzido com mastectomia (remoo da mama). Alguns pacientes apresentam distrbios de aprendizagem e QI abaixo da mdia, mas a minoria. Aps a puberdade a terapia com testosterona pode acentuar as caractersticas sexuais secundrias (Jorde, 2004).

    4) Trissomia do X

    Ocorre em aproximadamente 1/1.000 mulheres e geralmente tem conseqncias benignas. Estas mulheres s vezes so estreis, tm o ciclo menstrual irregular e podem apresentar retardo mental brando. As mulheres com trissomia do

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    X, costumam ter estatura um pouco acima da mdia e no apresentar alteraes fenotpicas visveis. Algumas so identificadas pela primeira vez em clnicas de infertilidade, mas provavelmente a maioria fica sem diagnstico, justamente por no apresentarem qualquer alterao clnica (Jorde, 2004).

    5) Duplo Y

    Os homens com esta sndrome tendem a ser maiores do que a mdia, apresentam musculatura bem desenvolvida e a coordenao motora pode estar prejudicada. Existem evidncias de pequenos distrbios de comportamento, como hiperatividade, distrbio de dficit de ateno e de aprendizagem. A freqncia de homens com caritipo XYY de aproximadamente 1 para cada 1000 homens (Jorde, 2004).

    2.3. Distrbios monognicos

    Tambm chamados de condies mendelianas, so distrbios nos quais so alterados genes isolados e que se comportam de acordo com as leis de Mendel. Quando o gene alterado se localiza em cromossomos autossmicos, ela classificada como autossmica, quando o gene alterado situa-se nos cromossomos sexuais, a herana ligada ao sexo. Existem quatro padres bsicos de herana monognica:

    Herana Autossmica Dominante: Geralmente, para que se manifeste, basta que o gene alterado esteja presente apenas uma vez no par de cromossomos correspondente (heterozigoto). As doenas autossmicas dominantes so mais comuns na populao, podendo ser vistas em aproximadamente 1 a cada 200 indivduos (Jorde, 2004).

    Herana Autossmica Recessiva: Em condies normais, so necessrios dois

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    alelos recessivos para que a doena se manifeste. As doenas recessivas so relativamente raras na populao. Os heterozigotos portadores de genes de doenas recessivas so muito mais comuns do que os homozigotos afetados (Jorde, 2004).

    Herana Ligada ao X (dominante e recessiva): So doenas causadas por genes alterados localizados no cromossomo X. A grande maioria das doenas ligadas ao X conhecidas recessiva, embora j tenham sido descritas tambm algumas doenas dominantes.

    So exemplos de distrbios gnicos: dentinognese imperfeita, acondroplasia, retinoblastoma, diabetes insipidus (hipofisrio), Sndrome de Marfan, rim policstico, neurofibromatose, talassemias major e minor, doena de Huntington, hipercolesterolemia familiar, polidactilia, fibrose cstica, hipotireoidismo congnito, hiperplasia adrenal congnita, albinismo, anemia falciforme, galactosemia, fenilcetonria, hemofilias A e B, daltonismo, distrofia muscular de Duchenne, ictiose, raquitismo hipofosfatmico, Sndrome de Rett, Sndrome do X-frgil.

    Logo abaixo, exemplifico algumas doenas que considero importantes, como a fibrose cstica (uma das doenas autossmicas recessivas mais comum e detectada por testes de triagem neonatal); fenilcetonria, hipotireoidismo congnito e hiperplasia adrenal congnita (todas detectadas por testes de triagem neonatal); hemoglobinopatias (explicarei de forma geral e mais detalhadamente sobre a anemia falciforme, que possui grande incidncia em populaes negras e muito comum no sudeste e nordeste brasileiro, tambm detectada por testes de triagem); neurofibromatose (um distrbio autossmico dominante muito comum na infncia); Sndrome do X-frgil e hemofilia (duas importantes doenas de herana ligada ao cromossomo X e recessivas).

    1) Fibrose Cstica

    uma das doenas autossmicas recessivas mais comuns. Tambm chamada de mucoviscidose, a fibrose cstica at o presente momento no tem cura e exige

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    importantes procedimentos para garantir a qualidade de vida de seus portadores.

    Os afetados apresentam um defeito na produo das secrees, que se tornam espessas e em grande quantidade, prejudicando o bom funcionamento dos rgos. O muco (secrees) diferente: grosso e mais pegajoso, e por isso acaba obstruindo vrios caminhos que existem no corpo humano, impedindo ou dificultando a passagem de substncias que so importantes para o crescimento e funcionamento de algumas partes do organismo, alm de prejudicar tambm o sistema digestivo, pois dificulta a digesto dos alimentos. Isso acontece porque as enzimas que deveriam passar pelos caminhos para ajudar na digesto dos alimentos, no conseguem chegar at eles para digeri-los. Este o motivo que obriga o fibrocstico a fazer o uso de enzimas e vitaminas todos os dias, alm de manter uma alimentao saudvel e beber muita gua, principalmente nos dias mais quentes e durante atividades fsicas, nestes dias aconselhvel dar uma pitadinha de sal para reposio daquele perdido pelo suor excessivo (www.acam.org.br).

    O muco atinge tambm o sistema respiratrio, bloqueando as vias pulmonares e prejudicando a passagem de ar atravs dos alvolos pulmonares, uma vez que o muco (catarro) prende-se nesses caminhos. A conseqncia desse processo uma tosse natural, justamente para remover o muco do caminho onde o ar deve passar. Na FC, essa tentativa de remover o muco, acaba provocando uma tosse muito forte. Caso o muco esteja contaminado por bactrias, ele torna-se ainda muito mais pegajoso e espesso, havendo a necessidade do uso de remdios especficos para desprend-lo dos pulmes (www.acam.org.br).

    A freqncia de afetados de 1:2000 a 1:3000, sendo de aproximadamente 1:22 a freqncia de heterozigotos. A incidncia da doena no Sul do Brasil estimada em um caso em cada 6.800 nascidos. Em alguns lugares, como no Rio Grande do Sul, a estimativa da incidncia chega a um em 1.587, ou seja, to freqente quanto na Europa e nos EUA. Por ser uma doena autossmica recessiva, a criana tem 25% de chances de apresentar a doena quando ambos os pais so

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    portadores do gene (Nogueira, 2001).

    De acordo com a ACAM - Associao Catarinense de Assistncia ao Mucoviscidtico (www.acam.org.br), uma em cada seis mil crianas brasileiras sofre de fibrose cstica. Apenas 3%, no entanto, sabem que so portadoras da doena, levando boa parte dos pacientes mirins a bito e contribuindo para uma triste estatstica. Nos Estados Unidos, a sobrevida mdia dos doentes de 40 anos, mas, no Brasil, pela falta de diagnstico, em alguns casos no chegam a 10 anos.

    Em Santa Catarina, a ACAM possui 80 pacientes associados, sendo 38 do sexo feminino e 42 do sexo masculino. A maior parte deles (42) possui entre 11 e 20 anos de idade.

    A maior dificuldade apontada por familiares de portadores da enfermidade justamente a penosa trajetria at o diagnstico certo. que os sintomas (tosse - que pode ser ou no diria e acompanhada de vmitos ( o mais freqente); catarro; chiado no peito; diarria crnica; diminuio de peso e suor mais salgado do que o normal, facilmente identificvel atravs de um beijo), apesar de normalmente ocorrerem no primeiro ano de vida, podem inicialmente no chamar a devida ateno e serem facilmente confundidos com qualquer doena respiratria. Com o tempo, alguns sinais externos podem vir a ser notados, principalmente os resultantes da insuficincia respiratria (peito estufado, em forma de barril e abdmen reduzido), por exemplo.

    Segundo o Ministrio da Sade (www.saude.gov.br), o diagnstico precoce precisa ser realizado por meio da Triagem Neonatal (Teste do Pezinho) e confirmado em outros exames laboratoriais. A inteno permitir o diagnstico e tratamento precoces da doena, melhorando a qualidade de vida dos portadores. O tratamento dirigido ao controle das infeces pulmonares, controle da dieta e preveno e reposio da perda de sal. Este controle pode aumentar a expectativa de vida e cerca de 75% dos pacientes ultrapassa os 20 anos de idade (www.medicinal.com.br).

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    2) Fenilcetonria (PKU)

    A fenilcetonria (PKU) uma doena gentica de carter autossmico recessivo. o mais comum dos erros congnitos do metabolismo de aminocidos e afeta cerca de 1/12.000 nascidos vivos (www.dle.com.br).

    A fenilcetonria causada devido a um defeito no metabolismo da fenilalanina, um aminocido essencial encontrado em muitos alimentos, como a carne, os cereais e os produtos de laticnios.

    Nos portadores de fenilcetonria existe um defeito na enzima (ou at mesmo ausncia da enzima) que transforma a fenilalanina em tirosina. Esse bloqueio na converso de fenilalanina provoca acmulo deste aminocido em todos os lquidos corporais (sangue, urina, etc.). O nvel sangneo de fenilalanina em portadores de fenilcetonria 20 vezes maior que em pessoas normais, sendo o acmulo de fenilalanina no sangue o responsvel pelos danos no crebro. Quase a totalidade dos portadores de PKU no tratados apresentam grave retardo mental.

    A expectativa de vida dos pacientes no tratados baixa, a maioria morre por volta dos 30 anos. O tratamento para PKU uma dieta pobre em fenilalanina, apenas o suficiente para atender s necessidades de crescimento e substituio de tecidos corpreos. A dieta deve ser iniciada bem cedo, at o 20o dia de vida, para evitar que os danos cerebrais irreversveis se instalem.

    Apesar de algumas crianas no responderem dieta, a necessidade de iniciar o tratamento muito antes de os sinais clnicos ficarem evidentes ressalta a importncia dos testes de triagem neonatal. Pacientes detectados pelo Teste do Pezinho, que iniciam seu tratamento precocemente, evoluem com QI perto da normalidade, podendo levar uma vida praticamente normal (www.unb.br/fs/pesc-feni.htm).

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    3) Hipotireoidismo congnito (HC)

    Esse distrbio resulta de uma variedade de defeitos na formao da glndula tireide ou de seu principal produto, a tiroxina. A insuficincia da atividade hormonal da tireide leva a uma diminuio do metabolismo energtico dos tecidos, causando diferentes graus de deficincia fsica e mental. A incidncia de 1:3.000 nascidos vivos.

    Se no tratado, o Hipotireoidis