a fotografia como representação da arquitetura

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA Relatório Final A fotografia como representação da arquitetura: Estudo de caso, Centro Cultural São Paulo Bolsista: Caroline Cristina Pazini Orientador: Prof. Dr. Artur Rozestraten Relatório Final, referente ao programa de Iniciação Científica, ENSINAR COM PESQUISA 2010-2011, pertencente à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo. SÃO PAULO/SP – BRASIL MARÇO/2011 1

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Cada arquitetura possui um imaginário fotográfico criado por aqueles que avivenciaram e a registraram segundo suas próprias intenções. Hoje, a fotografia é umadas principais ferramentas utilizadas pelo arquiteto, não somente como meio deexpressão e divulgação de seus projetos arquitetônicos, mas também como forma deadquirir e produzir conhecimento. Porém, entre vivenciar uma arquitetura e conhecê-lapor meio de imagens existe um distanciamento, que só se revela quandocompreendemos integralmente a natureza representativa da imagem fotográfica. Tendocomo objeto de análise o edifício do Centro Cultural São Paulo, coube a este trabalhodelinear que tipo de conhecimento e de fantasia veiculam as fotografias ao representar aarquitetura, quais são suas possibilidades, limitações e quais seus desdobramentos narelação que se estabelece com os edifícios e os espaços urbanos.

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Page 1: A fotografia como representação da arquitetura

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA

Relatório Final

A fotografia como representação da arquitetura:

Estudo de caso, Centro Cultural São Paulo

Bolsista: Caroline Cristina Pazini

Orientador: Prof. Dr. Artur

Rozestraten

Relatório Final, referente ao

programa de Iniciação

Científica, ENSINAR COM

PESQUISA 2010-2011,

pertencente à Pró-Reitoria de

Graduação da Universidade de

São Paulo.

SÃO PAULO/SP – BRASIL

MARÇO/2011

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Page 2: A fotografia como representação da arquitetura

A imagem revelada, é sempre um

duplo, emanação direta e física do

objeto, seu traço, fragmento e vestígio

do real, sua marca e prova, mas o que

ela revela, sobretudo, é a diferença, o

hiato, a separação irredutível entre o

real, reservatório infinito e

inesgotável de todas as coisas, e o seu

duplo, pedaço eternizado de um

acontecimento que, ao ser fixado,

indiciará sua própria morte.

Lucia Santaella

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Page 3: A fotografia como representação da arquitetura

ÍNDICE

RESUMO ................................................................................................4

1. OBJETIVOS / METODOLOGIA..........................................................5

2. INTRODUÇÃO .......................................................................................6

3. REFLEXÕES

A natureza da imagem fotográfica ............................................................9

A fotografia no mundo ............................................................................19

Considerações sobre a fotografia de arquitetura ….................................23

4. ESTUDO DE CASO

O Centro Cultural São Paulo

Contexto …...............................................................................................28

Projeto ……..............................................................................................30

Iluminação…............................................................................................37

Cronologia das publicações ….................................................................41

O imaginário proposto pelas publicações …............................................42

Experimentando a arquitetura …..............................................................49

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................55

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................87

7. ANEXOS

Plantas, Cortes e Fachadas – Centro Cultural São Paulo….......................92

Publicações – Centro Cultural São Paulo…...............................................92

Comunicações / Documentos.....................................................................92

DVD com arquivo de imagens...................................................................92

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Page 4: A fotografia como representação da arquitetura

RESUMO

Cada arquitetura possui um imaginário fotográfico criado por aqueles que a

vivenciaram e a registraram segundo suas próprias intenções. Hoje, a fotografia é uma

das principais ferramentas utilizadas pelo arquiteto, não somente como meio de

expressão e divulgação de seus projetos arquitetônicos, mas também como forma de

adquirir e produzir conhecimento. Porém, entre vivenciar uma arquitetura e conhecê-la

por meio de imagens existe um distanciamento, que só se revela quando

compreendemos integralmente a natureza representativa da imagem fotográfica. Tendo

como objeto de análise o edifício do Centro Cultural São Paulo, coube a este trabalho

delinear que tipo de conhecimento e de fantasia veiculam as fotografias ao representar a

arquitetura, quais são suas possibilidades, limitações e quais seus desdobramentos na

relação que se estabelece com os edifícios e os espaços urbanos.

Palavras-chave: arquitetura; fotografia; representação; imagem;

imaginário; Centro Cultural São Paulo.

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Page 5: A fotografia como representação da arquitetura

1. OBJETIVOS

Este projeto de iniciação científica tem como objetivo estudar a natureza

específica da imagem fotográfica como representação da arquitetura, sua história,

possibilidades, limitações, suas relações complementares com outros meios como o

desenho e o texto, tomando como base o caso do imaginário iconográfico do Centro

Cultural São Paulo.

1. METODOLOGIA

O projeto se concentrou nos seguintes tópicos:

• a fundamentação teórica-conceitual e a elaboração de critérios técnicos e

artísticos que orientaram a aproximação ao universo da fotografia de arquitetura,

priorizando a análise de textos que discorrem sobre a natureza da imagem fotográfica e

sua presença no mundo.

• o estudo do imaginário fotográfico (entendido aqui como acervo de imagens e

discursos sobre tais imagens) produzido sobre o edifício do Centro Cultural São Paulo

(1982) de Luiz Benedito Castro Telles e Eurico Prado;

• o estudo dos projetos e da história deste edifício.

• a composição de ensaios fotográficos sobre tal arquitetura.

Com relação aos ensaios fotográficos, foi utilizada uma câmera fotográfica

Canon EOS 400D. As imagens obtidas são em alta resolução (em média possuem 500

MB de tamanho de arquivo e 300 dpi de resolução), feitas no período de março de 2010

à março de 2011.

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Page 6: A fotografia como representação da arquitetura

2. INTRODUÇÃO

A arquitetura é um objeto concreto e presente no mundo. Ela comporta em sua

forma o resultado funcional e estético que aquele que a projetou intencionou lhe dar.

Mas esta forma somente se revela de maneira integral quando é vivenciada pelo próprio

corpo. Toda a arquitetura exige de quem a observa, antes de tudo, a presença: é o olhar

caminhante, que vivencia o espaço estando junto a ele, confrontando-o e o

experimentando, que a arquitetura presta-se inteiramente (ZEVI, 1996).

Entretanto, a arquitetura, sendo criação humana e de sua cultura, foi submetida a

várias possibilidades de representação de que o homem lançou mão ao longo de sua

existência. Do desenho à pintura, até que se chegasse, em meados do século XIX, à

fotografia e, atualmente, às maquetes digitais, todas as formas de representação tiveram

a arquitetura como objeto de atenção particular, contribuindo, sem dúvida alguma, para

o legado histórico e documental que forma o imaginário da sociedade atual.

Este vínculo estabelecido entre a arquitetura e os meios de representação operou-

se de acordo com a postura investigativa que o arquiteto assume perante o mundo no

exercício de sua profissão. Criar uma arquitetura, significa, acima de tudo, dar origem a

um “organismo”, que se manterá em relação constante com um território, com as

pessoas que ali habitam e, por fim, com toda a cultura que o envolve. Para o arquiteto,

buscar o entendimento da realidade, em seus desdobramentos mais recônditos, é uma

atividade necessária, pois são as particularidades deste “cenário” que se apresentarão

como a essência do projeto, justificando a escolha de um partido. Quanto mais ele se

aprofunda no conhecimento da realidade, mais harmoniosa será a relação de sua obra

com o homem e o mundo.

Assim, ao longo da história da arquitetura, foi por meio das representações que o

arquiteto procurou registrar aquilo que o cercava, e também suas próprias ideias, de

forma a facilitar seu trabalho e construir um acervo que lhe proporcionasse acesso

imediato ao conteúdo outrora vivenciado, ou por ele imaginado. Os métodos de

representação recriam “em miniatura” o assunto visado, e assim fazendo, facilitam o

processo de análise e memorização, reinventando a história e produzindo o

conhecimento.

6

Page 7: A fotografia como representação da arquitetura

No entanto, é sabido que toda representação traz consigo defectividades

particulares ao interagir com o objeto que visa, mediando o contato que o observador

faz com este – neste caso, a arquitetura –, e o distorcendo, sendo sempre imperfeito,

parcial, incompleto e verossímil. Dentre esses modos, a fotografia, por razões próprias à

sua natureza, parece ter conquistado uma atenção especial.

Por possuir sua existência intrinsecamente ligada à realidade, a fotografia

alavancou de forma imediata seu uso como registro. Se de um lado este elemento

garantiu ao homem uma forma de representação que reproduz o mundo com uma

riqueza de detalhes dificilmente alcançada pela mão de um pintor, de outro lado, a

existência destas supostas “cópias do real” ofuscou sua própria natureza representativa,

levando muitos a acreditarem que estas imagens, como produtos de um sistema ótico e

mecânico, são objetos técnicos desprovidos de qualquer tipo de subjetividade.

Contudo, após o aparecimento da fotografia, a imagem, que antes era tida como

um objeto artesanal, sobre o qual o artista, gênio demiurgo, havia debruçado todas suas

virtudes, democratizou-se. O uso da técnica na sua produção e o fato de estas serem

passíveis de reprodução facilitou o fazer artístico e desvinculou este elemento de seu

valor material (BENJAMIN, 1994).

Os avanços na industrialização dos equipamentos e materiais fotográficos

intensificaram esta transformação, contribuindo para a invenção da fotografia digital,

que se popularizou por volta do ano 2000. A facilidade na produção e veiculação das

imagens alavancou automaticamente seu uso em jornais, revistas e, mais adiante, na

internet, promovendo a formação de um novo acervo de informações que, quando

utilizado criteriosamente, de certo pode auxiliar na difusão de conhecimento.

Sendo assim, coube a este trabalho refletir sobre as possibilidades e limitações

derivadas do uso da fotografia na esfera arquitetônica, já que este elemento tem se

mostrado presente como instrumento de acesso ao conhecimento de arquiteturas já

construídas, bem como à captação de informações para fins de projeto. Para tal intento,

fixou-se como objeto de estudo o edifício do Centro Cultural São Paulo, no bairro do

Paraíso, na cidade de São Paulo, buscando confrontar as considerações advindas da

própria experiência arquitetônica, expressa pelas “emoções” do homem que vivencia a

arquitetura, e o conteúdo proposto pelo imaginário fotográfico, que fora construído ao

7

Page 8: A fotografia como representação da arquitetura

longo dos anos pelas revistas e livros que publicaram material iconográfico a respeito

deste edifício.1

Este percurso, aliado a produção de novas imagens, fez-se fundamental para a

compreensão do hiato existente entre as partes confrontadas, sugerindo, primeiramente,

um estudo mais aprofundado no que diz respeito à própria natureza da imagem

fotográfica.

1Revistas como: Construção Hoje, A Construção em São Paulo, Veja, Projeto, Módulo, Arquitetura

Moderna Paulistana, Brazil Projects, Oase, Transfer, Projeto Design e São Paulo - Guia de Arquitetura

Contemporânea. 8

Page 9: A fotografia como representação da arquitetura

3. REFLEXÕES

A natureza da imagem fotográfica

As representações, ou registros, como obra humana, evidentemente não

alcançam a totalidade ou a reprodução mimética do objeto a que se referem. Isto porque

elas se configuram como novos elementos, que carregam consigo apenas semelhanças

com o seu referente real.

Os motivos pelos quais as representações adquirem determinada autonomia

encontram-se expressos na própria natureza dos meios utilizados para sua criação. Na

maioria dos casos2, aquele que esteve presente no momento do acontecimento medeia a

transcrição. Através de alguns materiais, meios ou técnicas, ele produz um novo

elemento que retrata aquilo que foi presenciado. Todos os métodos criados pelo homem,

que visam representar algo, desenvolvem o mesmo processo. Entretanto, cada qual

possui suas particularidades inerentes aos materiais envolvidos na atividade, exigindo

do produtor uma postura singular e do produto final uma certa “feição” (SANTAELLA,

2005).

Veja-se o caso do desenho, por exemplo. Aquele que desenha um determinado

assunto submete-o as possibilidades do lápis, do papel e de suas habilidades visuais e

manuais. Desenhar é buscar o conhecimento integral de como os elementos se

apresentam na natureza. O artista debruça-se sobre o acontecimento disposto a

compreendê-lo, esmiuçando suas principais particularidades, sua forma, textura,

proporções e, enfim, sua relação com tudo aquilo que o cerca. Por certo, ele,

presenciando o assunto, o reconhecerá de diversas maneiras através do olhar, do toque,

do olfato, da audição, movimentando-se e comparando-o com outros elementos. No

entanto, ao buscar recriá-lo em imagem, este, como portador das “sensações” que

retratam o objeto de interesse, deve, obrigatoriamente, submeter seu conhecimento à

materialidade dos meios pelos quais a imagem irá existir. Ou seja, somente aquilo que o

2Como já especificado acima, nem todas as representações se referem à elementos que existem no mundo.

Elas podem se referir também à elementos mentais, que, imaginados pelo seu criador, obviamente nunca

foram presenciados.9

Page 10: A fotografia como representação da arquitetura

artista conseguir subordinar às regras e aos princípios inerentes ao mecanismo e método

das ferramentas utilizadas irá compor a representação. Dessa forma, o produto final

deste trabalho é autônomo, novo, ele possuirá uma relação com o objeto visado, assim

como com a personalidade do artista, e também, com o próprio lápis e o papel.

Já no caso da fotografia, aquele que fotografa submete o assunto às

possibilidades do aparelho fotográfico, do filme foto-sensível, do papel, dos químicos

reveladores e ainda, de sua sensibilidade visual, criando um novo elemento. Se no

desenho, o agente humano, observador, confronta o objeto, alvo de sua atenção,

promovendo uma relação de conhecimento que se prolonga e permeia toda a produção

da imagem, na fotografia, este confrontamento presencial se restringe ao momento da

captura. No entanto, o produto final desta técnica é a emanação física e direta do objeto

visado, que poderá ser conservada, transportada e reproduzida de acordo com os

interesses do produtor, gerando novas relações de conhecimento, ainda que distanciadas

do referente real.

Neste método de representação, a produção das imagens é regulada pelo

aparelho fotográfico, e é a partir das possibilidades nele inseridas que o fotógrafo irá

trabalhar. Seu funcionamento é baseado num sistema ótico que trabalha em parceria à

um sistema mecânico. Juntos, eles configuram um instrumento profícuo de produção de

imagens que, com notável precisão, retrata os elementos que se encontram dispostos na

realidade.

Se comparada ao processo da pintura, na fotografia a luz é a tinta e o mundo a

própria mão do pintor. Os objetos, quando submetidos à luz, tornam-se visíveis a todo e

qualquer aparato capaz de captá-la. E, é essa mesma luz, refletida pelos objetos, que

atravessa o sistema ótico das câmeras e vai sensibilizar o filme. As diferentes taxas de

iluminância refletidas por cada tipo de material, e/ou cada cor, é o que confere feição a

imagem, garantindo um registro rico em detalhes e aparente fidelidade ao real.

No entanto, a formação da imagem fotográfica vai além do processo físico

descrito acima. Se de um lado este sistema ótico/mecânico é aquilo que garante

existência a uma imagem, de outro lado, é ele também que gera determinado hiato entre

a representação e o assunto representado.

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Page 11: A fotografia como representação da arquitetura

Cabe-nos lembrar que o sistema presente no aparelho fotográfico foi construído

por pessoas que, inseridas em seu tempo, acreditavam profundamente nas lógicas que

regulavam a produção de imagens no âmbito da cultura ocidental. Desde o

Renascimento, afirmava-se que a perspectiva, por ser um sistema de representação

fundado nas leis científicas de construção do espaço – as leis euclidianas – era a forma

mais adequada de representar o mundo. Ela deveria nos proporcionar a reprodução

mais justa e fiel da realidade visível, aproximando-se até mesmo da própria visão

humana, como comentaram os autores Panofsky (1993), Francastel (1990) e Argan

(1992).

A partir de então, o homem passou a buscar sistematicamente um grau mais

elevado de veracidade em suas representações. A utilização da máquina como

mediadora do processo marcou o aparecimento da fotografia e favoreceu a realização

deste propósito. O sistema ótico do aparelho fotográfico, pensado exatamente para

resolver o problema da obtenção automática da perspectiva, (MACHADO, 1984)

passou a reproduzir a lógica renascentista, originando imagens muito semelhantes aos

objetos reais.

Contraditoriamente, com o passar dos anos, descobriu-se que o método de

formação das imagens presente na perspectiva se contrapunha ao modelo de visão

natural dos seres humanos. Isto porque, o primeiro pressuposto desta modalidade de

representação, é a existência de um olho único, imóvel e abstrato, que remete muito

mais à visão de um Cíclope que à visão de um homem (MACHADO, 1984).

Nossa percepção visual se dá com dois olhos. Os mecanismos que possibilitam o

entendimento da tridimensionalidade encontram-se estritamente ligados ao sistema

binocular presente nos seres humanos. Cada olho permite a visão de um campo visual.

Separadamente, o campo de visão de um olho é restrito e pouco nítido. Entretanto,

quando utilizados em parceria, os dois olhos convergem para o objeto de interesse

permitindo a união de dois campos em uma só visão. Cada um dos dois olhos visualiza

uma parte diferente dos objetos que estão no campo visual de forma que a combinação

dessas duas imagens na mente permite-nos perceber relações de volume e profundidade

(ALONSO, 1994).

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Page 12: A fotografia como representação da arquitetura

Contudo, nossos olhos precisam, ainda, movimentar-se para poder localizar e

focalizar os objetos. O movimento ocular é aquele que vasculha o território procurando

compreendê-lo. Isto porque, quando olhamos um objeto, focaliza-se a região a que este

objeto pertence, desfocalizando automaticamente todo o resto. No reconhecimento da

tridimensionalidade, nossos olhos se movimentam de modo a focalizar diferentes

porções de espaço, proporcionando-nos um entendimento mais generalizado da

situação. Se tivéssemos, como na perspectiva ou no aparelho fotográfico, somente um

olho e fixo, nosso ponto focal seria único e, obrigatoriamente, deveríamos nos

movimentar com o corpo para o reconhecimento de um espaço num ângulo de cento e

oitenta graus (ALONSO, 1994).

Além disso, deve ser levado em conta que o olho possui uma forma esférica em

oposição à forma plana que a perspectiva e a fotografia admitem. Dessa forma, a

imagem retiniana não se projeta numa superfície plana, como um quadro ou uma folha

de papel, mas sim, numa superfície curva, côncava, específica do olho humano. Para se

construir uma imagem tridimensional num suporte plano, como o papel, necessita-se de

um mecanismo que adapte a tridimensionalidade a uma nova situação de

bidimensionalidade. A perspectiva corresponde a este mecanismo. Mas, este espaço

perspéctico “físico-matemático” opõe-se ao espaço psicofisiológico característico da

subjetividade perceptiva humana, pois normatiza e privilegia apenas uma forma de

percepção espacial.

Além da reprodução da perspectiva, a forma como o aparelho captura as

imagens, ou seja, tudo aquilo relacionado à sua materialidade mecânica, revela outros

elementos presentes na fotografia que não são encontráveis na realidade, propondo uma

nova gama de questionamentos que tendem a enfatizar ainda mais o distanciamento

existente entre este elemento e seu referente real.

Grosso modo, um dos principais objetivos/intenções do fotógrafo é registrar

cenas de um acontecimento. Mas, para isto, ele necessita de instrumentos que lhe

possibilite a fragmentação do acontecimento em cenas. A forma pela qual este

profissional alcançará este escopo se dará por meio de um recorte na própria realidade,

ou seja, um recorte no espaço e outro no tempo (FLUSSER, 2002). Os instrumentos que

lhe permite intervir desta forma se encontram organizados nas configurações do

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Page 13: A fotografia como representação da arquitetura

aparelho fotográfico. São eles: o enquadramento do campo visual e a velocidade do

obturador.

Ao captar uma cena, as decisões do fotógrafo são aquelas que definirão as

primeiras aparências da imagem. Ele deverá escolher a parcela de espaço que pretende

enquadrar e, acima de tudo, deverá controlar a quantidade de luz que o aparelho

fotográfico irá captar.

O enquadramento é aquele que recorta uma porção de espaço da realidade

(DUBOIS, 1993). Ele registra um pequeno fragmento do assunto, excluindo

automaticamente todo o entorno que outrora complementava a cena captada. Trata-se da

fragmentação direta do espaço. Aquilo que antes participava de uma rede de

significações própria à realidade, após o ato fotográfico se transformará num elemento

autônomo, aberto a novos usos e interpretações.

Evidentemente, este recorte se faz necessário para que a fotografia exista,

entretanto, ele também confere à imagem um primeiro componente visual, como uma

moldura, que se coloca de forma permanente e impositiva. O enquadramento dá origem

aos elementos básicos a partir dos quais se estrutura a composição plástica da fotografia,

pois o que é fotografado está inevitavelmente em relação formal com os limites

horizontais e verticais que encerram a imagem (OLIVEIRA, 2007). A retangularidade

do suporte se manifesta em momentos decisivos – como quando o fotógrafo deve

decidir pela organização posicional dos referentes, numa imagem simétrica ou

assimétrica, equilibrada ou não, centralizada ou descentralizada –, evidenciando sua

interferência pontual na aparência final da representação.

Já o controle da quantidade de luz a ser captada se coloca como a tarefa mais

importante que o fotógrafo deverá administrar. Tal encargo se dará de acordo com a

luminosidade presente no ambiente e procurará permitir o registro detalhado de todos os

elementos que compõe a cena. Para isto, o obturador é o instrumento que regula a

parcela de luz que entrará no aparelho fotográfico e sensibilizará o material foto-

sensível. O tempo de sua abertura deverá ser ajustado para uma certa fração de

segundos que, de acordo com as intenções do fotógrafo, promoverá o registro da

imagem. Desta forma, neste método de representação, o tempo se refere tanto à

13

Page 14: A fotografia como representação da arquitetura

quantidade de luz que será captada, quanto à fração de segundos que será registrada na

fotografia.

E, assim como no caso do enquadramento, a captura de uma imagem, mediada

pelo aparelho fotográfico, recorta, além do espaço, a linha do tempo. A fotografia se

caracteriza, acima de tudo, como uma unidade descontínua, desprovida de continuidade

temporal e espacial. A interrupção promovida pelo aparelho exclui automaticamente

tudo aquilo que se encontra fora do tempo de captura da imagem, conferindo à

fotografia uma espécie de tempo zero (OLIVEIRA, 2007), que descola a cena de sua

continuidade temporal e atribui autonomia à imagem.

Entretanto, a maior parte dos fenômenos não pode se revelar por completo numa

fração de segundo. O tempo é um fator essencial no exercício da percepção e

compreensão da realidade. Através dele, os processos se desenvolvem, podemos

perceber o espaço, as proporções, as cores, os materiais, podemos nos movimentar,

tocar, sentir o cheiro, a temperatura, ouvir os rumores etc. Dessa forma, entre a imagem

fotográfica e o seu referente inscreve-se este hiato dado pela anulação do tempo. A

fotografia nos mostra apenas um instante, dentre tantos outros que compõe a realidade

do assunto representado, conferindo-nos uma percepção fragmentada do mundo.

Além disso, a imagem, ao ser fixada pelo aparelho fotográfico, permanecerá em

oposição ao prosseguimento do fluxo temporal. O assunto após captado se transforma

imediatamente em passado, deixando de existir. A fotografia se torna a única prova de

que aquilo que foi registrado realmente aconteceu. Ela substituirá a própria realidade.

Porém, por tratar-se de um elemento autônomo e descontextualizado, seu potencial

informativo somente poderá ser alcançado novamente na medida em que estes

fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos

desdobramentos – sociais, políticos, religiosos, econômicos, artísticos, culturais – que

circunscreveram no espaço e no tempo o ato da tomada do registro. Caso contrário,

estas imagens permanecerão estagnadas em seu silêncio, como fragmentos

desconectados da memória, meras ilusões de um passado, que ninguém sabe ao certo

como aconteceu (KOSSOY, 1999).

Contudo, o processo de criação da imagem fotográfica não se esgota na captura.

A revelação é uma etapa indissociável desta técnica. Neste momento, o fotógrafo

14

Page 15: A fotografia como representação da arquitetura

finaliza seu trabalho, conferindo à sua obra os últimos retoques. Todo o sistema de

manipulação da imagem, que está presente na fotografia digital e que em nossos dias

suscita tantos debates relacionados à questão da legitimidade, não somente já existia no

processo de revelação da fotografia analógica, como também foi aquilo que deu origem

a lógica dos aplicativos de edição de imagens. Ao revelar o filme e ampliar suas

imagens, o fotógrafo possui a liberdade de alterar o material outrora capturado,

produzindo novos recortes na imagem, modificando a coloração – através do uso de

filtros –, manipulando o contraste – por meio da composição e temperatura do químico

revelador, do tempo de revelação, da agitação do filme ou papel –, e até mesmo,

fazendo uso de máscaras que evidenciam ou ocultam certos elementos presentes na

imagem.

Dessa forma, há que se reconhecer que fotografar, envolvendo captar, revelar e

ampliar as imagens, é essencialmente um ato de criação. A representação fotográfica

tem seu início no momento em que o fotógrafo seleciona os elementos que farão parte

da composição e seu fim no momento da revelação. Suas particularidades formais e

visuais revelam conceitos e juízos de quem a produziu, de sua época e seu lugar. A

fotografia, definitivamente, é a arte da verossimilhança, da marca, do símbolo, mas,

com a mesma intensidade, ela é a expressão de um conceito sobre um assunto, e de uma

maneira de representá-lo (OLIVEIRA, 2007).

Ao participar de um certo contexto, o fotógrafo o percebe através da sua própria

ótica. Neste instante, o assunto se faz por completo e ele, buscando registrar, conforme

uma intenção, da forma mais objetiva possível, ou subjetiva, todas estas sensações que o

invadem continuamente, passa a analisar seu entorno em busca dos personagens, da

cena, dos ângulos, da posição, da iluminação, enfim, de uma composição que ele

considere mais significativa, segundo sua própria interpretação. E, ainda que o fotógrafo

presencie a realidade e a contemple analiticamente, aquilo que fica evidente é que o seu

principal interesse não se encontra de todo nela, e sim, na forma como esta poderá lhe

oferecer fotografias que correspondam às suas “emoções” e aos seus interesses. Desta

forma, esta busca pela situação ideal se configura como uma busca por eventos

fotogênicos, isto é, eventos que possivelmente deixam de lado parte dos elementos que

configuram a própria realidade.

15

Page 16: A fotografia como representação da arquitetura

A organização posicional dos referentes, a angulação e a nitidez da imagem são

alguns dos elementos que sugerem a opinião do fotógrafo e a maneira como ele

interpreta o seu referente, deixando clara a situação acima descrita.

A posição dos objetos na imagem define não somente o grau de relevância

conferido pelo fotógrafo a cada elemento, como também as relações almejadas com os

outros referentes significantes presentes na composição. O descolocamento do ângulo

de captura, ou seja da incidência angular do eixo da objetiva sobre o eixo do objeto

fotografado, pode atribuir ao objeto novas proporções, apresentando-o em escalas

diferentes das escalas reais. Já a nitidez da imagem é definida pela profundidade de

campo. Ela seleciona a parte do espaço em que os objetos ou pessoas situados nele serão

vistos com clareza. Seu uso de forma consciente pelo fotógrafo passou a ser um

procedimento alternativo de produção de sentido, ela pode realçar ou ocultar

informações em um assunto. Todos estes elementos compõe o processo de construção

de uma combinação expressiva em imagem, que procurará enfatizar, além das

características físicas presentes na realidade, a nova apresentação que o fotógrafo

intencionou dar ao objeto retratado.

Todavia, ainda que a imagem fotográfica pareça ocultar a realidade mais que

revelar, é incontestável o fato de que a fotografia possa trazer consigo importantes

informações sobre um determinado assunto. Afinal, “uma única imagem reúne, em seu

conteúdo, uma série de elementos icônicos que podem fornecer informações para

diferentes áreas do conhecimento” (KOSSOY, 1999, p. 51). Trata-se aqui de uma

linguagem extremamente sensível, que sugestiona uma leitura menos arbitrária quando

comparada ao texto, exigindo, entretanto, mais atenção, por sua não linearidade e

simultaneidade de apresentação dos elementos por ela veiculados.

A fotografia revela muito mais características espaciais que temporais. As

informações visuais pertencem à porções de espaço, quanto maior a dimensão do espaço

capturado, mais informações visuais conterá a imagem. Já os outros tipos de

informação, como as auditivas, as olfativas, entre outras, pertencem à duração do

tempo. Neste sentido, quanto maior for o tempo capturado mais informação será

agregada. Como na fotografia a variável tempo se encontra suspensa, são as

características espaciais que prevalecem e testemunham uma espécie de “fisionomia” do

16

Page 17: A fotografia como representação da arquitetura

espaço (COSTA, 2010). A relação dos objetos entre si, os volumes, as formas, as cores,

as texturas e até mesmo a noção de profundidade são exemplos deste movimento.

Além disso, fotografar é também registrar momentos e detalhes que nos passam

despercebidos. Produzir um elemento que se alicerça na paralisação do tempo é, sem

dúvida alguma, produzir uma artificialidade. Mas, por outro lado, tal possibilidade nos

proporciona visualizar um assunto particionado, facilitando a sua compreensão.

Assim fazia Muybridge no fim do século XIX. Com o auxílio da fotografia, ele

passou a analisar o movimento dos cavalos (figura 1), descobrindo que estes não

“flutuavam" no momento do galope, e sim, alternavam seu apoio entre as patas traseiras

e as dianteiras, saltando na sequência. Tal fato, colocou em cheque toda uma tradição do

universo da pintura, que por inúmeras vezes havia retratado cavalos que, como aviões,

planavam no ar.

Figura 1. The horse in motion. Eadweard Muybridge

Neste sentido, a fotografia nos mostra, separadamente, aspectos importantes do

assunto retratado. A interrupção temporal e o recorte espacial facilitam a análise ao

fragmentar o assunto, mostrando-nos elementos que outrora não foram notados devido a

continuidade espaço-temporal presente na apreensão da realidade.

17

Page 18: A fotografia como representação da arquitetura

Da mesma forma que um quebra-cabeças precisa de muitas partes para retomar

seu significado integral, a fotografia retoma esta mesma idéia. Ela não pode ser vista

como a síntese do objeto retratado, mas sim como uma parte autônoma composta a

partir do objeto real, que fora notada pelo fotógrafo, autor da imagem.

Portanto, aquilo que fica evidente é que a fotografia, como um objeto artístico,

possibilita inúmeras interpretações, que somente um olhar mais atento poderá ordená-

las, mas nunca completamente ou definitivamente. Cabe ao receptor olhá-las, percebê-

las, descrevê-las, relacioná-las, e acima de tudo, refletir sobre estas imagens, de forma

que elas não se apresentem como verdades impostas e imediatas, mas sim, como

instrumentos que trazem à baila elementos que irão compor nossa própria interpretação

sobre um determinado assunto.

18

Page 19: A fotografia como representação da arquitetura

A fotografia no mundo

Como vimos, existem duas frentes que, embora pareçam contrárias, expressam,

juntas, a natureza da imagem fotográfica. A primeira desenvolve a ideia de que

fotografar é um ato de criação/construção. A segunda busca trabalha os laços icônicos

da fotografia com a realidade, enfatizando seu valor como registro.

Por um lado, a realidade é a matéria prima com a qual o fotógrafo, como um

artista, esculpe sua representação. Como agente ativo, ele a manipula, selecionando

elementos dentre um assunto, pausando o fluxo temporal, recortando a continuidade

espacial, adaptando-a à natureza perspéctica do aparelho fotográfico, modificando-a no

momento da revelação e, por fim, confinando-a em seu suporte material, o papel. Por

outro lado, esta mesma composição, elaborada pelo fotógrafo, surge a partir de um

objeto real, configurando uma espécie de registro do mundo visível.

Quando presente no mundo, esta peculiaridade das imagens fotográficas gera

relações ainda mais complexas. A fotografia permite, a um só tempo, perceber, registrar,

exibir e guardar o mundo de uma forma diferenciada, não sendo possível pensá-la como

um simples elemento portador de valores ideológicos, tampouco como produto de uma

técnica inovadora que reproduz a realidade. Ela é um dispositivo enunciador,

constantemente aberto, que tem seu ciclo iniciado com o próprio fotógrafo, na atividade

de produção da imagem, e continuado no imaginário dos receptores, já no momento de

contemplação e recepção.

Para aquele que fotografa, a prática fotográfica revela uma sensibilidade mais

apurada para com o mundo, promovendo alterações na percepção do espaço e dos

eventos que nele se desenvolvem. Trata-se da produção de conhecimento sobre tudo

aquilo que se relaciona aos materiais, ao método e mecanismo envolvidos em

determinada técnica.

Veja-se o caso da luz, por exemplo. Como elemento necessário para a formação

da imagem, ela possui características próprias, que reagem de forma singular, quando

em contato com cada elemento, material ou cor que se encontra disposto na realidade. O

uso do aparelho fotográfico desenvolve no fotógrafo uma postura observadora que o

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Page 20: A fotografia como representação da arquitetura

leva a compreender as particularidades de cada tipo de luz, as sensações por elas

produzidas, o processo de formação das sombras, os ofuscamentos, entre outros.

Para aquele que recebe as imagens fotográficas, a possibilidade de conhecimento

aberta pela fotografia, depende tanto dos meios que divulgarão as imagens, quanto do

repertório pessoal e cultural de cada receptor.

A fotografia se coloca como uma ferramenta que facilita a comunicação. Sua

possibilidade de reprodução, distribuição e permanência, não somente democratiza o

conhecimento sobre o assunto fotografado, como também o perpetua. A imagem

fotográfica prevalece frente à própria realidade.

Assim aconteceu no processo de transformação da cidade de São Paulo, por

exemplo. Grande parte dos edifícios históricos, construídos ao longo dos anos, foram

demolidos e substituídos por edifícios modernos. Aquilo que restou foram as imagens

de fotógrafos como Guilherme Gaensly e Militão Augusto de Azevedo (figura 2), que

retrataram o período.

Figura 2. São Paulo no início do século XX. Militão Augusto de Azevedo

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Page 21: A fotografia como representação da arquitetura

Dessa forma, a fotografia sobrevive ao assunto, representa-o e o substitui

(GALIANO, 1994), funcionando como um dispositivo de dispersão tanto de conceitos,

quanto de informações. Cabe aos meios de divulgação o controle desta fonte

conhecimento, pois uma mesma fotografia pode ser utilizada em diferentes discursos,

sejam eles artísticos, científicos ou mercadológicos (COSTA, 2010).

Quanto à recepção destas imagens, embora elas proponham uma sistemática de

leitura mais livre e uma modelo de interpretação essencialmente plural, seu

entendimento se assemelha ao processo de compreensão de um texto, não basta

conhecer as letras, deve-se conhecer as palavras, e além disso, as ideias devem ser

familiares, caso contrário o leitor não alcançará entendimento da obra.

A recepção deve ser amparada num aparato histórico-cultural, que auxiliará na

recomposição do contexto, que conferiu existência àquelas imagens. O receptor deverá

compor mentalmente o momento da captura, alcançando novamente a realidade, outrora

modificada pela intervenção do fotógrafo (DUBOIS, 1993).

Quando tal aparato se faz presente, aquele que contempla a fotografia viabiliza o

conhecimento por meio das informações nela contidas. Do contrário, a recepção não se

completa, tornando-se parcial. O receptor não consegue reconstruir o ato da “tomada”

do registro, inviabilizando o conhecimento e passando a observar as fotografias “como

janelas para o mundo” (FLUSSER, 2002), simples cópias da mais pura realidade.

Neste sentido, quais seriam os possíveis desdobramentos da contemplação e

recepção acrítica das imagens fotográficas?

Como vimos, a fotografia, por ser ancorada na dicotomia criação/registro, coloca

o homem em movimento, desde o momento da produção até o momento da recepção.

São imagens que permanecem em relação dialética com o mundo, partindo da realidade

e retornando para ela, como num circulo vicioso, que se dá por meio do agente humano

envolvido no processo.

Se por um lado, a fotografia pode auxiliar o receptor na construção de novos

conhecimentos sobre os mais variados assuntos, por outro lado, ela também pode

influenciá-lo, condicionando seus hábitos e comportamentos, sempre de acordo com as

intenções, tanto daquele que a produziu, como daqueles que a tornaram públicas.

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Page 22: A fotografia como representação da arquitetura

Quando o receptor assume uma postura acrítica perante as fotografias, ele

incorpora um conhecimento simbólico e fragmentado, passando a reproduzi-lo em seus

próprios atos. Tal movimento completa o que chamamos de ciclo dialético da fotografia.

Ele transforma a imagem construída pelo fotógrafo em pura realidade, condenando o

receptor à reproduzir atos previamente controlados, que podem comprometer seu

desenvolvimento pessoal e impossibilitar o avanço das partes envolvidas.

A existência de intenções de cunho ideológico vinculadas aos elementos que

viabilizam a propagação de ideias, como a fotografia, acontecerá progressivamente

devido à própria natureza representativa desta e ao contexto econômico-cultural no qual

vivemos. Neste sentido, é preciso retomar uma postura crítica sobre o mundo,

experimentá-lo em todos seus desdobramentos e compará-lo às interpretações que as

fotografias nos trazem, do contrário, como diria Fernando Fuão (1994), nossos olhos

estarão como cebolas, velos sobre velos, enuviados por uma catarata de imagens.

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Page 23: A fotografia como representação da arquitetura

Considerações sobre a fotografia de arquitetura

O conhecimento empírico do espaço é aquele que proporciona o entendimento

integral de uma arquitetura. Experienciar um ambiente significa perceber os estímulos

por ele suscitados em todos seus desdobramentos, sejam eles físicos, sociais ou

psicológicos. Para isto, o tempo e o movimento são dois fatores fundamentais na

percepção do espaço (ZEVI, 2002), pois um estímulo não se desenvolve numa fração de

segundo e uma arquitetura não se encerra numa só vista.

Ao presenciar um edifício, logo de início, o olhar curioso é aquele que nos guia.

Ele vasculha o território, como num raio-x instantâneo, buscando se localizar e

compreender o espaço. Se permanecermos ali, mesmo parados, um barulho desavisado

poderá nos surpreender, o cheiro do ambiente poderá nos desagradar, a temperatura

poderá querer nos expulsar e a visualidade poderá nos encantar. Todos estes estímulos,

juntos, geram uma espécie de experiência multi-sensorial, que se faz essencial para a

construção do conhecimento, em suas origens mais elementares.

No entanto, tal conhecimento é também limitado, pois nossa própria percepção

do espaço já é amplamente carregada de subjetividade. Até mesmo nossos sentidos são

guiados pela intenção. Aquilo que vemos, assim como o que ouvimos ou sentimos, não

nos é dado como absoluto e total, mas como matéria que a percepção seleciona, amplia

ou ignora, opera e modifica de acordo com a intencionalidade do receptor

(MACHADO, 1984). Dessa forma, muitas vezes não notamos algumas particularidades

de um determinado assunto e, mesmo o presenciando, sua recepção se faz parcial em

nossas mentes.

Se por um lado a presença no espaço cria esta espécie de conhecimento

sensorial, por outro lado, quando nos deparamos com a necessidade de síntese é a

memória que entra em questão, evidenciando a necessidade de instrumentos que possam

auxiliar no registro e posterior acesso à estas informações.

Veja-se a obra de Gaudí, por exemplo. Ao visitar sua arquitetura, poderíamos

tomá-lo, erroneamente, por um arquiteto excêntrico e estritamente visual. No entanto,

no que diz respeito à soluções estruturais, suas obras possuem projetos tão complexos

que não podem ser compreendidos em sua totalidade, tampouco construídos, sem o

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Page 24: A fotografia como representação da arquitetura

auxilio de instrumentos que organizem os conceitos envolvidos. Ironicamente, é aí que

mora sua genialidade.

Neste sentido, foi por meio das representações que o arquiteto procurou ampliar

seus conhecimentos, registrando suas ideias, seus conceitos e tudo aquilo que agrega

informação ao seu trabalho. O aparecimento da fotografia favoreceu este escopo. A

imagem fotográfica, não somente, capta um assunto a partir da realidade e o particiona,

facilitando a análise, como também institui a perspectiva, principal ferramenta

ordenadora do espaço tridimensional.

O recorte espaço-temporal promove pausas em fenômenos que possuem fluxo

contínuo, registra detalhes e evidencia situações que, muitas vezes, nos escapam. Para o

arquiteto, isto significa ter acesso à informações que poderão contribuir em diversas

frentes de seu trabalho, como no reconhecimento do local de implantação de uma obra,

na idealização de um novo projeto e, até mesmo, na complementação de seus

conhecimentos sobre arquitetura.

Já a instituição da perspectiva na imagem fotográfica readapta a arquitetura,

elemento tridimensional, ao papel, suporte bidimensional, quadriculando e organizando

o espaço, de modo a facilitar a compreensão do mesmo. Ainda que o caráter “físico-

matemático” do espaço perspéctico se oponha ao caráter psicofisiológico característico

da percepção humana, a perspectiva continua, ao longo dos anos, colocando-se como

um dos métodos que demonstra certa eficácia na representação do espaço. Isto porque,

na fotografia ou como representação gráfica, ela funciona como um instrumento que

torna “compreensível” o objeto representado, veiculando o conhecimento intrínseco à

ideia ou à obra propriamente dita.

Por outro lado, a arquitetura, como um “organismo” que se mantém em relação

constante com o território, com as pessoas que ali habitam e, por fim, com toda a cultura

que o envolve, quando recortada de seu contexto espaço-temporal, perde tudo aquilo

que lhe dá sentido. A essência do projeto está diretamente ligada as soluções

encontradas pelo arquiteto para trabalhar harmonicamente com as características físicas,

sociais e geográficas do local de implantação da arquitetura. Sem estes elementos, a

obra perde suas raízes, seus propósitos e significados, transformando-se, no caso da

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Page 25: A fotografia como representação da arquitetura

fotografia, em mera forma plástica bidimensional, passível de abordagens artísticas e

pictóricas, mas não arquitetônicas.

Dessa forma, que tipo de conhecimento revelam então as imagens fotográficas

como representação da arquitetura?

Hoje, a fotografia pode ser considerada uma das principais ferramentas

utilizadas no universo da arquitetura. As principais atividades desenvolvidas com o

auxílio deste elemento se dividem em três frentes, que se entremeiam e se alimentam

constantemente. A saber: o registro de informações, o processo de análise, e a

veiculação de conhecimento.

Para registrar informações sobre um território, um terreno, ou uma obra, o

arquiteto moderno, buscando facilitar seu trabalho, faz uso de uma câmera fotográfica,

como uma ferramenta rápida e eficaz, que, muitas vezes, substitui a fatura de outros

tipos de registro.

Uma vez presente no espaço, ele registra aquilo que vê e o que sente,

procurando construir um acervo de informações que possa ser acessado à distância. A

fotografia lhe serve como um dos instrumentos que sintetiza parte das sensações, ou

informações, recolhidas no local da obra. Sem esta síntese, grande parte do

conhecimento empírico adquirido poderia se perder. O registro facilita a análise,

proporcionando a revisão daquilo que outrora foi vivenciado.

Em outro momento, este material fotográfico poderá ser divulgado, alimentando

um acervo geral de informações sobre uma determinada obra, ou local e, é este acervo

que irá dar suporte à alunos e profissionais da arquitetura no acesso ao conhecimento de

obras já construídas, bem como à tecnologias e materiais já utilizados. Neste sentido, as

imagens fotográficas passariam a alimentar o repertório pessoal daqueles que a elas

tiveram acesso, compondo um certo imaginário na mente de cada receptor.

O conhecimento e a análise de um território, um terreno, uma obra, uma

tecnologia, ou um material, foram facilitados pelas possibilidades proporcionadas pela

fotografia e ampliados com o aparecimento das revistas especializadas em arquitetura e

a criação da internet. No entanto, quando a produção, bem como a recepção destas

imagens, são atividades acríticas, a fotografia nos torna próximos na apropriação

simbólica do mundo, porém distantes enquanto interação com o vivido (COSTA, 2010).

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Page 26: A fotografia como representação da arquitetura

Para o arquiteto que presencia o espaço e utiliza a câmera como um instrumento

que substitui seu comportamento investigador, ativo e construtor de conhecimento,

produzir imagens se torna uma atividade alienante. O aparelho fotográfico se transforma

num prolongamento dos seus próprios olhos e o espaço passa a ser por ele percebido em

forma de fotografias. Sua presença no ambiente pouco importa, pois sua intenção está

focada na produção de imagens, e não na recepção de estímulos. Assim como aquele

que se ausenta por completo da atividade empírica, o arquiteto que acredita que as

imagens fotográficas podem substituir a experiência do real, adquire um conhecimento

fragmentado e incompleto, projetando-o mundo a fora, em forma de arquitetura,

igualmente alienadas.

Segundo o fotógrafo Nelson Kon (2008), a construção de arquiteturas

puramente visuais é um dos resultados deste processo. O acesso a territórios, ou a

arquiteturas, mediado por fotografias, produzidas pelo próprio arquiteto, ou publicadas

em revistas e sites especializados, privilegia a visualidade do espaço, descartando as

outras variáveis que compõe a realidade.

Além disso, as informações que foram captadas pela fotografia estão

profundamente vinculadas a própria natureza da imagem fotográfica. Como vimos,

aquele que as produziu estava subjugado às possibilidades dos materiais e do

mecanismo envolvido no processo. As fotografias, pensadas e construídas como meras

imagens, são novos elementos, que trazem consigo apenas semelhanças com o objeto

real.

Neste sentido, a elaboração de novos projetos baseados em referências

fotográficas completa o ciclo dialético da fotografia no universo da arquitetura. As

informações veiculadas por estas imagens retornam para o mundo por meio do receptor.

Se o arquiteto mantém uma olhar crítico sobre as fotografias, ele as utiliza como

instrumentos que agregam conhecimento à sua obra. Do contrário, seus projetos estarão

intrinsecamente ligados à reprodução de parâmetros imagéticos e fotográficos, que

aleatoriamente visam transformar-se em arquitetura.

Como num movimento de recorte e colagem, é provável que as obras assim

projetadas se distanciem da própria realidade - social, cultural, geográfica e econômica

- do local onde serão implantadas. São projetos que reproduzem belas perspectivas, que

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Page 27: A fotografia como representação da arquitetura

multiplicam a fragmentação do espaço e que privilegiam o olhar fotográfico ao olhar

humano, pois foram por ele construídos.

Contudo, de forma a facilitar a compreensão do trabalho, a abordagem descrita

acima se restringiu à duas possibilidades, geradas pelo uso da fotografia, que são

diametralmente opostas, o uso crítico e o acrítico. Por certo, o conhecimento veiculado

pelas imagens fotográficas é de natureza indeterminável, pois as relações por ela

proporcionadas tem ciclos infinitos, que dependem estritamente do grau de

profundidade da atividade receptiva.

Não cabe a este trabalho definir conceitos ou parâmetros que encerrem esta

questão, pelo contrário, pretendeu-se apenas levantar as prováveis implicações desta

atividade em diferentes níveis. Buscar possíveis definições ou significados precisos no

universo da fotografia é uma posição contrária à própria natureza deste elemento.

Afinal, cada imagem resume um olhar, é uma versão de um espaço e de um tempo, que

se encontra ancorada na essência daquele que a criou, mas que irá se transformar na

mente daquele que a recebeu.

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Page 28: A fotografia como representação da arquitetura

4. ESTUDO DE CASO

O Centro Cultural São Paulo

Contexto

A concepção do projeto do edifício do Centro Cultural São Paulo teve início em

julho de 1975, com os primeiros esboços de um programa arquitetônico, que daria

origem à Nova Biblioteca Central de São Paulo, localizada no bairro Paraíso, na cidade

de São Paulo. Com a construção iniciada em 1979, o projeto de arquitetura acabou

sendo reformulado e adaptado para abrigar o primeiro Centro Cultural da cidade,

inaugurado em maio de 1982.

O período de elaboração e implantação do edifício foi marcado politicamente

pela obscuridade da ditadura militar (1964 a 1985) e economicamente por um

considerável desenvolvimento na economia do país, mais conhecido como o milagre

econômico brasileiro.

O autoritarismo, a supressão dos direitos constitucionais, as perseguições

políticas, as prisões, as torturas e a morte compunham o cenário político da época. Todo

cidadão que fosse contrário ao regime seria calado. A repressão e a censura foram as

principais armas de que os militares se valeram para tolher a liberdade e impedir que

qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgada. A

imposição do silêncio e o controle dos meios de comunicação mantinham a imagem de

uma estabilidade política, enunciando uma nação em plena prosperidade.

Viveu-se um ciclo inédito de desenvolvimento no Brasil; o governo divulgava

estes números na sua publicidade, e eles constituíam a viga mestra da política de

sustentação publicitária do governo militar. A aplicação de medidas econômicas de

combate à inflação gerou maior estabilidade monetária, alavancando a ampliação de

empréstimos no exterior, que impulsionariam os investimentos na industria de base –

siderurgia, energia, petroquímica – e, consequentemente, o crescimento de alguns

setores, como o da construção civil.

Paradoxalmente, do ponto de vista social, houve um aumento na concentração de

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Page 29: A fotografia como representação da arquitetura

renda e na pobreza. Ficaram famosas as explicações dadas na televisão em que Delfim

Netto, ministro da fazenda, defendia: “É preciso primeiro aumentar o 'bolo' (da renda

nacional), para depois reparti-lo”. A não adoção de políticas econômicas específicas

que corrigissem a já existente concentração de renda acarretou na distribuição desigual

do crescimento econômico. De um lado a classe média teve seu poder aquisitivo

ampliado e de outro lado permaneceu a maior parte da população, sem ser atingida por

este milagre.

Neste contexto de grandes disparidades sociais, políticas e econômicas, foi

também por meio da música, do cinema, do teatro, das artes plásticas e da arquitetura

que artistas e intelectuais se constituíram como focos de resistência perante a situação.

Estabeleceu-se uma nova relação entre a arte e a política. As obras dos artistas passaram

a servir como veículo de protesto e denúncia, articulando a formação de uma cultura

alternativa de esquerda, que fortalecia um posicionamento de luta em favor do

restabelecimento da cidadania, dos direitos humanos e da liberdade de expressão. As

canções de protesto de Chico Buarque; o cinema novo de Gláuber Rocha; a obra

“Tropicália” de Hélio Oiticica; as provocações do Teatro Oficina de José Celso; e

arquitetura de Vilanova Artigas, são alguns exemplos deste movimento (TELLES,

2002).

O projeto do Centro Cultural São Paulo, se desenvolve em meio a esta

realidade, assumindo um posicionamento de inclusão perante a sociedade e de

resistência perante ao autoritarismo do regime militar.

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Page 30: A fotografia como representação da arquitetura

Projeto

Os arquitetos Luiz Benedito de Castro Telles e Eurico Prado buscaram criar uma

arquitetura que promovesse encontros e trocas, acesso ao conhecimento, à arte e à

cidadania. A ideia era abrir o edifício à cidade, proporcionar espaços convidativos,

contribuir para que os olhares transpusessem barreiras, fossem mais perspicazes,

investigadores e, também, se encontrassem (TELLES, 2002).

O projeto teve como referência obras arquitetônicas que se relacionavam

diretamente com o programa a ser desenvolvido. Entre elas, o Centro Georges

Pompidou (1977), o Museu D'Orsay (espaço reformado e transformado em museu em

1977), ambos em Paris; o Centro J. Paul Getty (1997), em Los Angeles; o MASP –

Museu de Arte de São Paulo (1968); o SESC – Fábrica da Pompéia (1977); o Museu

Lasar Segall (1932); o MIS – Museu da imagem e do Som (1970) e o MAM – Museu da

Arte Moderna (1948), em São Paulo.

O terreno onde a obra seria implantada foi anteriormente desapropriado pela

prefeitura de São Paulo, servindo de apoio à obra de construção da estação Vergueiro,

linha azul do metrô. Embora a região se encontrasse deteriorada devido à confluência de

grandes vias, às proporções monumentais dos edifícios adjacentes e à inexistência de

áreas arborizadas (figura 3), sua localização privilegiada manifestava grande potencial

para a aplicação de edifícios que possuíssem caráter público e importância social.

Figura 3. Obra em construção e seu entorno. Fonte: Arquivo Luiz Telles30

Page 31: A fotografia como representação da arquitetura

Dessa forma, o projeto do CCSP procurou, não somente, integrar-se

harmoniosamente à paisagem local, como também, renovar urbanisticamente o

ambiente urbano, que constituía os arredores de sua implantação (figura 3).

Para a equipe, o edifício não poderia se impor à paisagem urbana. Deveria ser

baixo, leve, convidativo e integrar-se ao terreno, incorporando seu formato e topografia

(TELLES, 2002).

A arquitetura do CCSP, apesar de suas grandes dimensões, não se destaca pela

sua imponência ou monumentalidade. A utilização do desnível existente no local

proporcionou o desenvolvimento de um projeto prioritariamente horizontal (figura 4 e

5), que se agrega de forma discreta, mas não tímida, à paisagem urbana.

Os arquitetos exploraram a aplicação de ambientes longitudinais, que se

desenvolvem paralelamente ao longo das avenidas laterais (ver desenhos arquitetônicos

no item X). Seus quatro pavimentos acompanham exatamente a forma do talude do

terreno. O edifício parece encaixado entre a Rua Vergueiro e a Avenida 23 de maio,

configurando um ambiente confortável, de leitura direta do espaço e das atividades ali

desenvolvidas.

Figura 4. Fachada da Avenida 23 de maio. Fonte: Arquivo Luiz Telles

Figura 5. Fachada da Rua Vergueiro. Fonte: Arquivo Luiz Telles

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Page 32: A fotografia como representação da arquitetura

Segundo o arquiteto Luiz Telles, a preocupação e atenção com o usuário foi a

tônica do processo de implantação do CCSP. O perfil do cidadão comum balizou o

projeto. A arquitetura deveria promover o acesso facilitado aos serviços da biblioteca, e

também, instigar o usuário a se interessar e a participar de outras atividades culturais ali

desenvolvidas.

Para isto, os arquitetos lançaram mão de uma série de artifícios que buscaram

alcançar esta meta. Todo o projeto privilegia uma visualidade com longa profundidade.

A configuração do edifício parece estar, a todo momento, motivando o usuário a realizar

um percurso, que o levará a experienciar, não somente, o projeto arquitetônico em todos

os seus desdobramentos, mas também as atividades que ali se desenvolvem, como aulas

de dança, teatro, shows, palestras, debates, entre outros.

A criação de uma rua interna (figura 6 e 7), que atravessa todos os principais

ambientes, seguiu esta proposta. Como um percurso longitudinal que percorre a

arquitetura de ponta a ponta, ela, além de enfatizar ainda mais a horizontalidade do

edifício, parece instigar o usuário a movimentar-se.

Aquele que caminha neste espaço, tem acesso visual aos ambientes destinados à

exposição, à biblioteca, às salas de espetáculo, à entrada dos cinemas, ao restaurante e à

vivência do jardim central. A adoção deste partido favoreceu a circulação entre os

ambientes, facilitou o acesso pelas ruas laterais e, ainda, configurou um modelo de

transição, que protege o edifício dos aspectos negativos de seu entorno – ruído, tráfego

intenso, ventos etc.

Figura 6. Croqui da rua central. Fonte: Arquivo Luiz Telles

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Page 33: A fotografia como representação da arquitetura

A presença de grandes ambientes envidraçados (figura 7), mas sempre abertos,

retoma esta mesma intenção. Ela facilita a circulação do ar e a passagem de luz,

evitando o aquecimento excessivo dos ambientes e dispensando o uso de ar

condicionado. Além disso, a transparência das salas, proporciona uma visão de longa

distância, privilegia a visualização das atividades em desenvolvimento e amplia o

espaço. É como um convite, um despertar de curiosidade com sentido de descobrir e se motivar, tomar parte das atividades. Os olhos do usuário percorrem esse caminho como se fosse uma câmara cinematográfica em “travelling” captando as funções, os espaços e elementos da arquitetura, as outras pessoas também em percurso ou participando das atividades culturais (TELLES, 2002)

Figura 7. Rua interna e espaços envidraçados. Fonte: acervo do autor

Segundo o arquiteto Luiz Telles, projetar um edifício de grande porte e de

fundamental importância à cidade e à própria sociedade paulistana, exigiu um

aprofundamento dos profissionais envolvidos no universo da biblioteconomia e da

museologia.

A biblioteca se coloca como o principal ambiente do edifício. Sua configuração

arquitetônica parece provocar a curiosidade do usuário. Ela incita aquele que passa pelo

local a percorrer seu espaço, mesmo que somente com os olhos, incentivando o ingresso

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Page 34: A fotografia como representação da arquitetura

e a utilização de seu diferenciado acervo de livros, quadrinhos, vídeos e discos.

A adoção do “livre acesso”, complementou as intenções dos arquitetos. Ela

objetivava aprimorar e facilitar o encontro do usuário com o acervo oferecido. As obras

estariam à disposição do usuário, não sendo mais justificadas as torres para guarda de

livros, até então comuns aos edifícios destinados a bibliotecas (TELLES, 2002).

Arquitetonicamente, esta composição “provocativa” foi alcançada com a criação

de um pátio central, que dá acesso à diferentes pontos deste ambiente, configurando um

espaço fluído e facilmente permeável. O pátio possui o maior pé direto da obra,

acomodando um vazio interno, que permite a visualização das atividades desenvolvidas

na biblioteca (figura 9) e nos outros pisos laterais, destinados à exposição.

Figura 8. Acessos múltiplos por rampas Figura 9. Vista do piso superior

Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor

As árvores existentes no terreno (figura 10), sobreviventes das obras do metrô,

foram preservadas, formando um grande jardim central que, em conjunto com um

jardim sobre laje, proporciona ao usuário uma área de lazer e de contemplação em 34

Page 35: A fotografia como representação da arquitetura

oposição à agressiva paisagem urbana do local. Estes jardins parecem ainda,

redimensionar o espaço, fragmentando os trezentos metros de comprimento do edifício.

Figura 10. Desenho do jardim central. Fonte: Arquivo Luiz Telles

A arquitetura do CCSP combina aço e concreto nos componentes da estrutura

(figura 11, 12 e 13), uma solução considerada avançada para o período pelo qual

passava a construção no Brasil. A escolha dos arquitetos proporcionou o

desenvolvimento da indústria e tecnologia local, pois o projeto se diferenciava dos

métodos convencionais. A técnica construtiva foi racionalizada, mas grande parte das

peças possuíam características singulares, sendo construídas, ou moldadas,

individualmente, no local da construção.

Figura 11, 12, 13. Fotos da construção. Fonte: arquivo Luiz Telles

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Page 36: A fotografia como representação da arquitetura

“O projeto foi considerado uma prova de que as técnicas construtivas podem

integrar-se de forma harmônica com o ambiente e o programa desenvolvido” (PIRES,

1982). Os componentes estruturais do edifício se encontram propositalmente colocados

à mostra, assim como outros materiais, como o tijolo e o concreto (figura 15). Este

procedimento proporciona riqueza visual aos ambientes. A estrutura substitui o papel do

ornamento, e também, funciona de forma didática, promovendo conhecimento sobre os

elementos construtivos, que remetem à própria atividade arquitetônica.

Sua disposição é livre, e, quando combinada ao concreto parece proporcionar

leveza ao ambiente. Ela se desenvolve organicamente, participando da composição do

espaço (figura 14), sem se impor, e integrando-se à paisagem e às atividades cotidianas

dos usuários e trabalhadores do local.

Figura 14. Elementos estruturais Figura 15. Elementos Construtivos

Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor

Dentre as principais características do projeto especificadas acima, para o

enfoque desta pesquisa, um aspecto merece atenção especial: A iluminação.36

Page 37: A fotografia como representação da arquitetura

Iluminação

Se a fotografia depende estritamente da presença da luz para sua existência, a

formação das imagens dentro de um edifício, de certa forma, se encontra atrelada ao

projeto de iluminação do mesmo.

Detalhes como a disposição dos pontos de iluminação natural e artificial; a

trajetória do sol dentro do ambiente; a reação dos materiais e das cores quando em

contato com a luz; os usos complementares da luz natural e artificial, certamente

interferem na produção e na composição das imagens.

Sendo assim, para a análise do material iconográfico produzido sobre o Centro

Cultural São Paulo entender este aspecto se fez fundamental.

Os arquitetos responsáveis pelo projeto buscaram utilizar de forma integral a

iluminação natural. Poucos ambientes se valem do uso de iluminação artificial. A planta,

praticamente simétrica, é composta por cinco aberturas na cobertura, sendo duas

completamente vazadas e três cobertas pelos domus (figura 16).

Figura 16. Aberturas na cobertura. Fonte: arquivo Luiz Telles

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Page 38: A fotografia como representação da arquitetura

Aliados à solução zenital, há caixilhos laterais que cercam todo o espaço coberto

do edifício. A luz zenital, que configura uma iluminação homogênea e uniforme, garante

a iluminação de todo o espaço, enquanto a lateral, heterogênea, promove uma percepção

mais acurada das formas, volumes e texturas. Há, entre ambas as soluções de

iluminação natural, uma complementação que promove, simultaneamente, a clareza

necessária para realização das atividades, o entendimento do espaço e a percepção da

passagem do tempo.

Para dar riqueza espacial e textural aos ambientes, a iluminação presente no

Centro Cultural São Paulo, tanto natural como artificial, não se dispõe de forma frontal

(figura 18). A maioria das lâmpadas, componentes da iluminação artificial, é colocada

de forma inclinada, acompanhando a inclinação da estrutura do edifício. As aberturas

zenitais, quando não são inclinadas, são cobertas pelo domus acrílico (figura 17) que

apresenta uma curvatura capaz de difundir a luz de forma mais rica pelo ambiente.

Figura 17. Domus acrílico Figura 18. Iluminação natural e artificial

Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor

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Page 39: A fotografia como representação da arquitetura

A iluminação do espaço da biblioteca é composta por diversas soluções de

iluminação natural, lateral e zenital (figura 20 e 22). Complementando-as, há a

iluminação artificial, disposta em uma modulação que dialoga com a estrutura metálica

do prédio (figura 21). Adjacente ao pátio, o espaço da biblioteca tem a entrada lateral de

luz natural filtrada pela cobertura vegetal do jardim (figura 19). Este recurso possibilita

a difusão da luz que, sem incidência direta, torna o ambiente mais fresco e agradável

para as atividades de concentração e reclusão nele realizadas.

Figura 19. A vegetação como filtro natural Figura 20. Iluminação natural e artificial

Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor

Figura 21. Iluminação artificial Inclinada Figura 22. Domus da biblioteca

Fonte: acervo do autor Fonte: acervo do autor

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Page 40: A fotografia como representação da arquitetura

A iluminação do espaço do teatro é parte da solução do próprio programa

(figura 23). A abertura existente para entrada de luz sobre o palco é, simultaneamente, a

solução para disposição da plateia superior ao redor dele. Sobre este espaço, para

estabelecimento de uma luz mais difusa e apropriada às apresentações, há toldos

acoplados aos domus. Eles permitem maior controle e homogeneidade da iluminação

natural. O espaço do teatro é também provido de iluminação natural lateral. Sua parte

superior é inteiramente cercada por vidro o que permite uma transparência para as

atividades assim como eficiência lumínica.

Figura 23. Iluminação no teatro. Fonte: acervo do autor

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Page 41: A fotografia como representação da arquitetura

Cronologia das publicações - Revistas e livros que publicaram material

iconográfico sobre edifício do Centro Cultural São Paulo, em anexo.

18/05/1981 – Revista – Construção Hoje, nº 5

26/04/1982 – Revista – A Construção em São Paulo, nº 1785

19/05/1982 – Revista – Veja, nº 715

05/1982 – Revista – Projeto, nº 40

1982 – Revista – Módulo, nº 72

12/1983 – Revista – Projeto, nº 58

1983 – Livro – XAVIER, Alberto. LEMOS, Carlos. CORONA, Eduardo. A Arquitetura

Moderna Paulistana. São Paulo, SP: Editora Pini.

12/1988 – Revista – Projeto, nº 117

1988 – Revista – Brazil Projects

The Institute for Art and Urban Resources, Inc. / Sociedade Cultural Arte Brasil

2001 – Revista – Oase, nº 57

15/11/2002 – Revista – Transfer

12/2005 – Revista – Projeto Design, nº 300

2005 – Livro – SERAPIÃO, Fernando. São Paulo, Guia de Arquitetura

Contemporânea. São Paulo, SP: Editora Viana e Mosley.

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Page 42: A fotografia como representação da arquitetura

O imaginário proposto pelas publicações

Como vimos, a elaboração do projeto do Centro Cultural São Paulo teve início

em 1975, sua construção foi iniciada em 1979 e sua inauguração se deu em 1982.

De forma a facilitar esta análise, optou-se por dividir as publicações, que tiveram

este edifício como tema, em cinco principais períodos, são eles:

De 1981 à 1985 seis revistas publicaram textos e imagens que versavam sobre o

Centro Cultural São Paulo – “Construção hoje”; “A construção em São Paulo”; “Veja”;

“Módulo”; “Projeto” (duas vezes) e “Arquitetura Moderna Paulista”.

De 1986 até 1990 foram duas as revistas – “Projeto”, “Brazil Projects”. Sendo

que a revista “Brazil Projects” foi a primeira publicação no exterior.

De 1991 à 2000 não houveram publicações.

De 2001 à 2005 foram quatro as revistas – “Oase”, “Transfer”, “Projeto Design”,

“SP Guia de Arquitetura Contemporânea”. Sendo que duas delas são estrangeiras – A

revista “Oase” é Holandesa e a revista “Transfer” é espanhola.

Depois de 2005 não houveram publicações.

Tal abordagem nos permitiu identificar quais as principais características do

conteúdo proposto pela abordagem das revistas e dos livros citados acima. Dentre estas

características, as descritas abaixo mereceram atenção especial.

• De 1981 à 1985: o contexto político

Em 1982 as revistas “A Construção em São Paulo” e “Veja” apontam a

Construção do Centro Cultural São Paulo como um marco para a história da cidade.

Uma atmosfera progressista parece tomar conta dos textos e das imagens. O edifício é

colocado como uma obra da prefeitura amplamente voltada aos interesses da população.

Ambas as revistas citam o prefeito Reinaldo de Barros e o secretário Mario Chamie

empenhados na promoção de uma nova política cultural em São Paulo. O Centro

Cultural aparece como símbolo da democracia paulistana, procurando abranger um

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Page 43: A fotografia como representação da arquitetura

público heterogêneo, que inclua desde a classe alta até as camadas mais baixas da

população.

Sabidamente, o governo militar passou a fazer grandes investimentos,

principalmente no setor da construção civil, buscando empregar a acumulação de capital

vinda do milagre econômico e evidenciar a imagem de um país em crescimento. São

exemplos deste momento: a construção da Ponte Rio-Niterói, da Trans Amazônica, da

Rodovia Belém-Brasília, da hidrelétrica de Itaipú e de vários conjuntos habitacionais do

período.

No entanto, algumas destas obras eram também voltadas ao divertimento da

população. A política social do período funcionava como uma espécie de política “pão e

circo”. Ela procurava distrair o povo, de forma a mascarar os problemas sociais e evitar

qualquer tipo de manifestação contra o governo. A construção de inúmeros estádios de

futebol é sua melhor expressão, tenha-se como exemplo os estádios Lourival Batista, no

Sergipe; Estádio Municipal Lomanto Júnior, em Vitória da Conquista, na Bahia; Estádio

Municipal Alberto Oliveira, em Feira de Santana, também na Bahia; Estádio Municipal

de Brasília, atualmente Estádio Mané Garrincha, no Distrito Federal; entre outros, todos

construídos no período da ditadura.

Neste contexto, entra em cena a construção do edifício do Centro Cultural São

Paulo, que, por este viés, também comprometia-se com a função de aproximar a

população da ideologia da ditadura. As revistas que publicaram qualquer tipo de

material versando sobre esta obra, não somente ignoraram esta conjuntura, como

também se posicionaram a favor da construção da imagem de um Brasil grande e em

desenvolvimento. Na década de 80, somente a revista “Projeto” cita que “o momento de

construção do Centro Cultural São Paulo foi um momento político difícil”, não se

aprofundando no assunto.

Entretanto, cabe ressaltar que a construção de uma Biblioteca/Centro Cultural,

por mais que revelasse uma postura estratégica, ideológica, por parte do governo da

ditadura, é uma obra que, por certo, agrega valores humanos – culturais e educacionais

– tanto à população, quanto à própria cidade. Tal fato evidencia que a concepção deste

projeto surgiu num processo de abertura, como um sinal de possível transformação,

inusitada no período. Dessa forma, o Centro Cultural São Paulo era apresentado à

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Page 44: A fotografia como representação da arquitetura

população como parte do programa da ditadura, porém seu conteúdo já conspirava

contra este mesmo sistema.

Neste sentido, até 1985, a maior parte das publicações procurou enfatizar o

caráter inovador e progressista da obra. O uso da estrutura mista de concreto e aço era

uma novidade no panorama arquitetônico brasileiro, sendo por inúmeras vezes

evidenciado e discutido nas imagens e textos publicados pelas revistas. Pilares e vigas

também são constantemente colocados à mostra, pois a solução estrutural aplicada foi

considerada ousada para o período. A imagem de um Brasil em marcha é a que fica,

operários trabalhando, o edifício crescendo, a indústria se aprimorando, e,

supostamente, a cidade e a população caminhando junto, rumo ao progresso e ao

desenvolvimento.

• De 1985 à 2005: a busca por uma identidade

Depois de 1985 até 2005 a ênfase das publicações passa a estar centrada numa

comparação entre a arquitetura do Centro Cultural São Paulo e as obras modernistas da

arquitetura paulista. Aproximações e distanciamentos se fazem presentes.

Em 2005, a revista “Projeto Design” compara os pilares do Centro Cultural São

Paulo aos pilares da rodoviária da cidade de Jaú, projeto de Vilanova Artigas (1973).

Por outro lado, esta mesma revista afirma que as formas livres e o desenho sinuoso do

edifício são elementos que o afastam das características desta produção.

A maioria dos textos parecem buscar encaixar o edifício num determinado estilo

arquitetônico. O sistema estrutural escolhido pelos arquitetos parece ser a “peça chave”

da discussão. É ele que aparenta aproximar ou distanciar a obra dos modelos já

conhecidos da arquitetura da “escola paulista”.

Dessa forma, o uso da estrutura livre na concepção do projeto é evidenciado a

todo momento, pois foi esta escolha que permitiu liberdade formal ao edifício,

distanciando-o da produção arquitetônica dos anos 60, e aproximando-o de uma

provável nova fase da arquitetura brasileira.

No entanto, cabe ressaltar que todas as publicações discutem superficialmente o

sistema estrutural, a configuração espacial e a interação urbana do próprio projeto do

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Page 45: A fotografia como representação da arquitetura

edifício. Algumas citam elementos utilizados, outras fazem comparações, todas num

formato curto e, acima de tudo, afirmativo, parecendo-lhes importante nomear os usos,

as técnicas, os materiais, como forma de, ao final, classificar também o projeto.

• A continuidade da construção

Aproximadamente a partir de 1985, as imagens e textos publicados deixam de

relatar o período da construção do edifício e passam a mostrar um Centro Cultural em

plena função. Porém, o que estas publicações não revelam é que o edifício passou por

um longo período funcionando parcialmente, pela falta de investimentos públicos, que

pudessem concluir a obra.

No período de transição do regime militar para a democracia, o governo optou

por manter seus projetos de desenvolvimento, elevando a dívida externa a patamares

altíssimos. O modelo desenvolvimentista brasileiro se mostrou falido, ocasionando o

mais longo período de recessão da economia no país. Tal fato, restringiu os

investimentos públicos, condenando ao abandono grande parte das obras que não

haviam sido concluídas.

O edifício do Centro Cultural São Paulo se encaixa nesta realidade. Em 1983 e

1988, somente a revista “Projeto” anuncia, superficialmente, que a obra sofre com

problemas relativos às dificuldades para sua conclusão, comparando-a à grande parte

das obras de caráter público. Mesmo inacabado, o edifício prosseguiu aberto à

população, passando até mesmo por reformas antes da sua finalização.

Hoje, sabemos que o Centro Cultural, apesar de possuidor de uma estrutura

imensa, ainda não é utilizado em todo seu potencial. Parte do projeto referente ao

subsolo foi engavetado, permanecendo inacabado até os nossos dias.

Com o passar do tempo, este pavimento tornou-se subutilizado, não sendo

explorado pelas revistas e livros que tiveram o edifício como tema. Dessa forma, por

descaso das políticas públicas, o projeto se mostra mutilado tanto àqueles que o

conhecem por meio do imaginário construído pelas publicações, quanto àqueles que

frequentam e vivenciam o local.

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Page 46: A fotografia como representação da arquitetura

• O entorno do edifício

Notou-se que a maior parte da publicações, independente da data, discursam

sobre o interior do projeto do Centro Cultural. São poucas as fotografias que mostram o

entorno da obra e aquelas que o fazem mostram ou uma vista aérea, ou a fachada lateral

da Avenida 23 de março. A fachada da Rua Vergueiro, aparece em poucas fotos.

É provável que as grandes dimensões do edifício, somada a sua horizontalidade,

dificultem a apreensão de imagens pelo seu exterior. Afinal, para capturar uma obra

externamente, em todas as suas proporções, é importante que haja um certo

distanciamento da mesma.

Neste caso, a fachada da Avenida 23 de março pode ser considerada uma fachada

mais “fotogênica”, que a fachada da Rua Vergueiro. A existência de um vazio,

proporcionado pelas grandes dimensões da própria avenida, permite ao fotógrafo incluir

na imagem maior parte da construção. Tal fato não ocorre na Rua Vergueiro, pois os

edifícios que compõe o entorno são mais próximos, não permitindo uma visão de longa

profundidade.

Outro fator que pode ter colaborado com esta deficiência é a agressividade do

ambiente externo, quando comparado aos ambientes internos desta arquitetura. O

projeto do Centro Cultural São Paulo parece naturalmente privilegiar seu interior,

abrindo grandes vazios, que se configuram como ambientes isolados de qualquer

estímulo externo. Além disso, o fotógrafo presente no local, provavelmente, se sente

mais a vontade num espaço sombreado e sem a presença de carros, produzindo maior

número de imagens na parte interna deste edifício.

Neste sentido, o conteúdo publicado pelas revistas e livros não revela parte das

fachadas que compõem esta arquitetura, devido às dificuldades derivadas das

características presentes nas imediações do edifício. Os textos procuram suprir este

desfalque, descrevendo este entorno, mas, na maioria dos casos, aquilo que se sobrepõe

são as descrições dos ambientes internos, evidenciando uma incompletude por parte do

imaginário veiculado pelas publicações.

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Page 47: A fotografia como representação da arquitetura

• Elementos recorrentes nas imagens

Alguns elementos são recorrentes em quase todas as publicações, são eles: as

vigas, os pilares, as rampas e as árvores do jardim central. Toma-se a parte pelo todo,

conferindo assim qualidade icônica à estes elementos.

Por um lado, é provável que esta predileção por determinados elementos tenha

surgido gradativamente, de acordo com o conteúdo que as revistas e livros procuraram

exaltar. Por outro lado, existe a possibilidade de que tais elementos sejam esteticamente

apreciados, ao ponto de serem constantemente fotografados, ao longo dos anos.

Ambas possibilidades não se excluem, pois a formação de um imaginário

fotográfico sobre uma obra se auto-alimenta. As primeiras imagens deram início a esta

formação imaginativa. Por meio das revistas, dos livros e da internet, estas fotografias

foram divulgadas, passando a compor um certo universo particular na mente de cada

receptor. Este imaginário influenciará na concepção de novas imagens, dando origem a

um acervo de fotografias que, muitas vezes, repetem o mesmo tema, ainda que estas

tenham sido produzidas por diferentes pessoas, e em diferentes períodos da história de

um edifício.

Veja-se o caso da recorrência dos pilares e vigas nas imagens que já foram

publicadas sobre o Centro Cultural. Como foi ressaltado anteriormente, as primeiras

publicações visavam enfatizar o desenvolvimento da indústria e o avanço das técnicas

construtivas no Brasil. Dessa forma as primeiras imagens do edifício versam,

especialmente, a respeito dos elementos estruturais presentes na obra, retratando, em

diversos ângulos e vistas, as vigas e os pilares, em meio à construção.

Além disso, a disposição destes elementos no conjunto da obra, não deixa de ser

poética e, até mesmo, inspiradora. Ao meu ver, os pilares, como desenhados, remetem à

galhos de árvores, como os compõe o jardim ao lado da biblioteca. Já as curvas das

vigas podem significar um prolongamento destes mesmos galhos, fechando-se e

formando um grande habitáculo vegetal, que se mantém em contraste com a

artificialidade da cidade, de concreto e pedra, que envolve esta arquitetura. Todos estes

elementos, juntos, me parecem dignos de um registro, ou até mesmo, de uma

composição sensível que relate estas minhas impressões.

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Page 48: A fotografia como representação da arquitetura

Definir com precisão as origens desta repetição se faz uma tarefa impossível,

pois a elaboração das imagens se dá de acordo com a percepção do espaço e o repertório

de cada um. Em contrapartida, a partir desta constatação, podemos dizer que as imagens

que dão preferência a estes elementos distanciam-se dos verdadeiros valores de uma

arquitetura, pois apresentam o Centro Cultural na forma de materiais, objetos e técnicas,

sempre apartados daquilo que lhe confere sentido: a sua relação com o homem.

Se arquitetura somente se revela quando o homem dela se apropria, criando uma

relação com o espaço, identificando-se com ele, complementando-o e o resignificando

de acordo com os seus interesses. Será esta a melhor forma de representar uma obra

arquitetônica?

A resposta para esta pergunta, pertence à uma gama de proposições de alta

subjetividade. Neste sentido, quaisquer considerações sobre este assunto não se esgota

neste estudo.

Cabe aqui questionar, comparar e analisar, de forma a viabilizar a construção de

nossas próprias opiniões interpretativas, sejam elas a respeito de uma arquitetura, ou de

um imaginário arquitetônico.

A forma de desenvolvimento de aproximações críticas a estas questões aqui

formuladas, considera, nesta pesquisa, além do texto, a própria imagem fotográfica, que

a partir deste ponto será predominante.

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Page 49: A fotografia como representação da arquitetura

Experimentando a arquitetura

Perceber um espaço é também descobri-lo por meio da recepção dos estímulos

por ele proporcionados. No entanto, como vimos, a interpretação destes estímulos se dá

na mente daquele que presencia o espaço, alterando-se conforme seus repertórios

pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas concepções ideológicas, suas convicções

morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos, profissionais, seus mitos etc.

Dessa forma, nos próximos parágrafos procurei por meio do texto registrar a

minha interpretação sobre os estímulos que presenciei ao visitar o edifício do Centro

Cultural São Paulo. Assim como a fotografia, a escrita funciona tanto como registro

quanto como meio expressão. Ela possibilita descrever as cores, as texturas, as formas,

as sensações, o contexto, comparar os elementos, ilustrá-los, evidenciá-los, mascará-los,

ou até mesmo reconstruí-los. Trata-se de uma ferramenta livre que, de certa forma,

comporta não somente uma gama de informações sobre um determinado assunto, mas

também, parte da trajetória daquele que lhe conferiu existência.

Cabe ressaltar que, embora o conteúdo deste texto tenha partido de uma vivência

pessoal somada à um método próprio de recriação, procurou-se respeitar as experiências

vividas no espaço, sem alterá-las. Esta iniciativa possibilitou a organização das minhas

ideias e de meus pareceres no que diz respeito ao edifício, seu contexto e história, mas

também criou novos elementos, que agora se agregam ao imaginário do Centro Cultural

São Paulo.

Neste sentido, pretendeu-se com este escrito registrar as informações que vão

além das possibilidades da imagem fotográfica, e ainda, evidenciar o quanto são

subjetivas as representações, sejam elas em forma de texto, ou fotografia.

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Page 50: A fotografia como representação da arquitetura

A primeira vez que passei diante do edifício do Centro Cultural São Paulo

chovia. Ainda me recordo do som das buzinas e do bafo quente no interior do carro, que

não possuía ar condicionado e era mantido com as janelas fechadas por causa da chuva.

O trânsito em São Paulo nos dias chuvosos, como bem sabemos, é insalubre, podendo

transformar pessoas tranquilas e bem humoradas em seres violentos, e sem humor

algum.

Presa no trânsito, dentro de um carro lotado, tive a oportunidade de visualizar ao

longe o que a primeira vista me pareceu ser um imenso jardim com uma cobertura

sobressalente. Como o carro se movimentava por volta de dez metros a cada meia hora,

o tempo foi suficiente para que eu pudesse abrir a janela e observar com calma o

edifício que se encontrava silencioso em meio ao caos da hora do rush paulistano.

Fiquei curiosa ao perceber que de seu interior brotavam galhos gigantes, que

anunciavam um outro espaço, inalcançável naquela situação. O jardim e as plantas

foram aquilo que mais me impressionou. É quase uma miragem poder visualizar um

possível espaço de conforto e tranquilidade, num ambiente tão impessoal e agressivo

como o da avenida 23 de maio.

A curiosidade foi tão grande que dias depois peguei minha bicicleta, porque de

ônibus corria o risco de ficar presa no trânsito novamente, e fui conhecer aquele lugar,

que outrora havia me despertado interesse.

O concreto e o asfalto blindavam o solo. O sol escaldava as cabeças daqueles

que pela rua caminhavam. Os motores dos carros funcionavam num ritmo frenético,

como num punk rock infinito, que liberava cada vez mais poluição e mais calor. Pra

variar, o trânsito estava parado em toda a avenida Vital Brasil. E eu, que saía da USP

com a minha bicicleta, que não polui e nem produz calor, ultrapassava todos os carros a

caminho da avenida Paulista, pensando nos descompassos da metrópole pós-moderna.

Há pouco tempo a prefeitura de São Paulo implantou um sistema que permite

transportar bicicletas nos vagões do metrô. Assim, sem muitos esforços, cheguei ao

Centro Cultural pelo acesso da estação Vergueiro.

Logo de cara, notei que este acesso promove uma sensação de isolamento com

relação ao entorno que acomoda o edifício. E somente caminhando um pouco mais,

pude visualizar, ao longe, a parte superior dos edifícios gigantes, que se localizam do

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Page 51: A fotografia como representação da arquitetura

outro lado da avenida 23 de maio e da rua Vergueiro, pois dois grandes jardins protegem

esta entrada.

Foi com dificuldades que deixei minha bicicleta no bicicletário do próprio

Centro Cultural. Lá, o paraciclo é do tipo “pendurado” e eu nunca tenho força

suficiente para levantar a bicicleta até a altura ideal. Por sorte era sábado, e havia vários

meninos dançando break logo na entrada do edifício. Um deles me ajudou a pendurá-la.

Agradeci ao menino e fiquei mais um tempo ali parada, vendo eles dançarem.

O sol estava tão forte, que mesmo sob a cobertura que protege as laterais desta

entrada, a temperatura era alta e a quantidade de luz causava uma espécie de

desconforto aos meus olhos. Talvez seja pelo concreto que reveste o piso deste páteo, e

que, nos dias ensolarados, acaba liberando muito calor e refletindo muita luz. Coloquei

meus óculos e fui tomar água no bebedouro que ficava próximo ao banheiro. Mas, a

sensação térmica era tanta, que desisti de olhar os meninos dançarem e fui adentrando o

Centro Cultural.

Percorri o local com passos lentos, vasculhando o ambiente. A cada passo o

edifício se mostrava mais amplo. Parecia um espaço infinito e sem portas. Como uma

realidade a parte de tudo aquilo que se desenvolvia ao exterior.

Haviam várias pessoas ali. Eram velhos, jovens e também crianças, de todas as

idades. Naquele momento, o Centro Cultural me pareceu sobretudo um espaço de

permanência, como uma praça de cidade pequena, onde as pessoas se reúnem as vezes

sem muitas pretensões, as vezes dispostos a discutir os mais diversos assuntos. Lá as

pessoas pareciam tranquilas, algumas estavam uniformizadas e descansavam, como se

estivessem no horário de almoço, outras estavam concentradas estudando, e havia ainda

aquelas que pareciam somente estar curtindo aquela tarde de sábado, junto com os

amigos.

Entrando pelo corredor, notei uma movimentação logo adiante. Escutei também

uma música, que invadia o espaço e convidava as pessoas para dançar. Foi quando

avistei a sala de espetáculos que entendi o que estava acontecendo. O Centro Cultural

estava desenvolvendo uma programação para cegos, proporcionando-lhes acesso à

atividades que geralmente não fazem parte do cotidiano de uma pessoa com deficiência

visual. Os que não eram cegos usavam um tecido sobre os olhos, de forma que naquele

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Page 52: A fotografia como representação da arquitetura

instante, libertos do tribunal da visão, todos eram iguais e estavam livres para dançar,

sem preconceitos. Só lhes cabia sentir.

A música é a arte que tem o poder de colocar nossos corpos em movimento.

Como um tecido oscilando ao vento, num vai e vem sereno e desregrado, que o faz de

bailarina e transforma um simples balanço em pura poesia. Fiquei ali parada

observando, escutando a música, vendo as pessoas dançarem e imaginando como seria

diferente o mundo se todos não pudessem ver.

Até que um moço de pele escura, cabelo desgrenhado e roupas sujas, me chamou

a atenção. Ele balançava a cabeça e dançava como se escutasse sua música preferida

depois de meses sem ouvi-la. Era um morador de rua que ali encontrava a oportunidade

de incluir-se novamente na sociedade, que outrora havia lhe excluído.

Me lembro que algumas vezes ouvi amigos dizerem que as salas de cinema do

Centro Cultural tinham um mau cheiro por conta dos moradores de rua que

participavam das sessões.

Naquele momento, vendo-o dançar, pensei que bom seria se todas as salas de

cinema da cidade de São Paulo tivessem esse cheiro. Talvez assim, algumas pessoas se

incomodariam e se questionariam de sua própria posição, perante a posição

desfavorecida daquele que se encontra ao seu lado.

Ao final do concerto, continuei minha caminhada pelo edifício e, após poucos

passos, me deparei com, nada mais nada menos, que um campeonato de xadrez. Eu

adoro xadrez. Aprendi a jogar há pouco tempo, mas, quanto mais aprendo, mais tenho

vontade de jogar.

Os participantes pareciam todos mais velhos. Logo de início, imaginei que fosse

um campeonato de xadrez para idosos, mas quando olhei mais atentamente, vi o quão

estúpida era esta hipótese, pois também haviam vários jovens participando.

Subitamente, fui acometida por uma vontade imensa de jogar, mas, como não me sinto

preparada para competições, e tampouco estava inscrita no campeonato, achei melhor

continuar minha caminhada.

Quando cheguei próximo à biblioteca, um garoto, montado numa bicicleta, me

chamou. Ele se apresentou e me perguntou se eu gostaria de viver uma experiência nova

e emocionante, que certamente eu ainda não havia vivido. Confesso que fiquei um

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Page 53: A fotografia como representação da arquitetura

pouco confusa, e me perguntei desconfiada: que tipo de experiência nova e emocionante

aquele menino poderia querer me proporcionar?

Mesmo sem saber a resposta, aceitei o desafio, e o menino rapidamente me

pediu que sentasse no banco de trás da bicicleta. Eu ri, e só depois entendi que se tratava

de um passeio de bicicleta para cegos. Assim como no concerto, aqueles que não eram

deficientes visuais também podiam participar, mas com a condição de estarem com os

olhos vendados.

Coloquei a venda e me sentei no banco de trás da bicicleta. Logo de início, me

senti insegura e com firmeza segurei na cintura do menino que guiava o passeio. Ele

saiu pedalando pelo Centro Cultural e, conforme nos movimentávamos, fui me

habituando à escuridão que se dava ao meu redor.

Como eu ainda não conhecia o lugar, percebi o quanto era difícil reconhecer um

espaço sem poder vê-lo. Minhas sensações pareciam desordenadas. E talvez por falta de

costume, tornou-se difícil me sentir segura. Foi aí que me lembrei que, há algum tempo,

li uma pesquisa que dizia que o Centro Cultural é o lugar preferido dos cegos, em toda a

cidade de São Paulo.

A partir de então, resolvi relaxar. Os sons, os odores e as sensações passaram a

ser meus principais guias e, pouco a pouco, comecei a relacioná-los aos ambientes que

passávamos. Quando cruzamos o restaurante, foi fácil saber onde estávamos, pois as

vozes aumentaram, ouvi o som dos talheres batendo nos pratos e senti o cheiro de que

comida cobria o lugar.

Logo depois, senti que diminuímos a velocidade e, aos solavancos, percebi que o

menino fazia força para subir em algum lugar. Lá, o barulho dos carros já anunciava que

estávamos próximos à uma saída. Mas, não consegui reconhecer exatamente nossa

posição no edifício. Conforme o menino continuou pedalando, notei que o barulho foi

se afastando e tudo foi ficando mais silencioso.

Até que de repente, ele me pediu que abrisse os braços e eu, mesmo receosa, fiz

como ele havia dito, deixando-me levar, em busca das sensações. Rapidamente, senti a

bicicleta aumentar a velocidade e uma espécie de vento bateu em meu rosto. Percebi

que estávamos descendo. Era como um voo descontrolado em meio a escuridão. Fiquei

com medo e agarrei novamente na cintura do menino. Em resposta, ele se pôs a rir,

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Page 54: A fotografia como representação da arquitetura

dizendo que aqueles que eram cegos pareciam permanecer mais tranquilos no momento

da descida.

Ele pedalou mais um pouco, diminuiu a velocidade e parou a bicicleta. Eu, que a

pouco me sentia em apuros, fiquei aliviada ao colocar os pés no chão. Tirei o tecido que

cobria meus olhos, curiosa para saber onde estávamos. Na biblioteca reinava o silêncio.

Agradeci ao menino e fiquei ali algum tempo, pensando no quanto é

impressionante o número de atividades que acontecem ao mesmo tempo no Centro

Cultural. Quando cheguei vi os meninos que dançavam break, logo depois avistei o

concerto, o campeonato xadrez, fiz o passeio de bicicleta, e agora da biblioteca podia

ver parte de uma exposição que acontecia no piso superior.

Todo o edifício me pareceu bastante orgânico. Os ambientes eram como

interligados e me proporcionavam acesso rápido à todas as atividades que se

desenvolviam naquele momento. Além disso, o desenho dos pilares e das vigas também

me lembrou elementos vegetais, como se o jardim central se prolongasse para dentro do

espaço da biblioteca, formando uma espécie de floresta, repleta de livros, revistas,

dicionários e jornais. Era a floresta do saber, convidando a todos para por ela passear e

se deliciar na degustação da cultura e da erudição.

Permaneci um bom tempo observando este espaço e criando interpretações

malucas como a que acabo de descrever. Às vezes a imaginação toma conta de nossos

corpos e nos leva a perceber coisas, inventar significados, razões, sensações, e mesmo

que nada disso exista, parece tudo tão real em nossas mentes, que saímos por aí,

contando histórias, criando personagens, recriando a própria realidade.

Aquela tarde no Centro Cultural, o menino de bicicleta, o campeonato de xadrez,

as pessoas dançando enebriadas pela música, os moradores de rua, as curvas das vigas,

os pilares, as árvores, um vôo descontrolado no escuro, o barulho dos carros, um punk

rock infinito, as vozes, o calor, o cheiro de comida, a floresta, tudo isso pode ser a mais

pura imaginação, mas, a partir de agora, está registrado.

E, somente a pessoa que for curiosa o suficiente para ir averiguar se esta história

se trata de realidade ou criação, vai descobrir o verdadeiro Centro Cultural. Aquela

arquitetura que, em parte, será construído pela sua própria mente, e que o fará criar suas

próprias histórias, semelhantes à minha, ou não.

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Page 55: A fotografia como representação da arquitetura

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espaço arquitetônico, corresponde à bem mais que um conjunto de técnicas e

materiais aplicados de acordo com um objetivo. Ele funciona como um “organismo”,

que presente no mundo gera estímulos aos que com ele convivem. As técnicas e os

materiais somente possibilitam a materialização das intenções do arquiteto, no entanto é

a associação destas intenções que dá origem à própria arquitetura e aos estímulos por ela

transmitidos.

Neste sentido, perceber o espaço arquitetônico é dele apropriar-se, é colocar-se à

disposição destes estímulos, sejam eles visuais, auditivos, olfativos ou corporais. Só o

conhecimento empírico do espaço pode revelar as verdadeiras qualidades, ou defeitos,

de um projeto.

Mas, se a nossa percepção do espaço é também subjetiva e limitada, tanto pelas

características físicas do corpo humano quanto pela intencionalidade da nossa presença,

as variáveis são muitas, pois cada pessoa possui sua própria constituição física, cada

mente partiu de uma construção singular e cada situação possui um contexto, sempre

diferente.

Em meio a esta trama, as representações se colocam como a síntese daquilo que

outrora foi vivenciado, sentido e captado pelo homem. No entanto, assim como a nossa

própria percepção do espaço, elas carregam consigo uma certa carga de incompletude e

subjetividade. Os textos, os desenhos e as fotografias se configuram como formas de

expressão, de comunicação, e de conhecimento, tanto pessoal, quanto do mundo. São

novos elementos que intencionam versar sobre um determinado assunto, mas que, ao

mesmo tempo, discursam sobre seu autor, sobre os materiais e os métodos que o

permitiram existir.

Sendo assim, na representação da arquitetura, todas as formas de registro devem

ser complementares, podendo cada qual contribuir com as suas possibilidades, de forma

a viabilizar um registro que consiga descrever os estímulos despertados por um projeto,

em todos os seus desdobramentos. Por certo, todos estes registros possuirão carga

subjetiva, mas não existe obra humana que seja desprovida dela.

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Page 56: A fotografia como representação da arquitetura

Por este viés, retratar uma arquitetura, por meio da fotografia, seria então

retratar as relações do homem com o espaço arquitetônico. As imagens fotográficas

devem captar os estímulos proporcionados pela arquitetura, buscando viabilizar o

conhecimento da mesma.

Do contrário, as fotografias serão construídas de acordo com parâmetros

imagéticos, reproduzindo belas perspectivas, evidenciando composições interessantes,

ou até mesmo, apresentando os materiais e as técnicas utilizadas na construção, mas não

revelando sobre a essência do espaço arquitetônico.

No que diz respeito à arquitetura do Centro Cultural São Paulo, algumas

publicações afirmam: “A arquitetura estimula maior participação do usuário”, “Tudo

proposto para convidar o usuário a participar deste grande empreendimento Cultural”,

“Os arquitetos buscaram provocar reações sensoriais nos usuários”, e ainda,

“despertar as emoções dos usuários foi uma preocupação constante dos arquitetos”. No

entanto, nem as imagens, nem os textos procuram relatar as sensações do homem neste

espaço.

Por certo, todas as abordagens fotográficas sobre uma determinada obra

arquitetônica trarão consigo informações sobre ela. No entanto, o que se busca aqui é

apenas questionar estes métodos. Qualquer afirmação precisa sobre o tema vai contra a

própria natureza da imagem fotográfica.

A partir desta constatação, deixo minhas imagens tomarem a frente do trabalho,

esperando que elas possam colaborar com a discussão e ilustrar minhas ideias dispostas

ao longo desta pesquisa.

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Foram elaborados quatro ensaios fotográficos distintos:

O primeiro é resultado de um método investigativo, que nasceu das reflexões

levantadas ao longo da construção deste trabalho. Procurando entender quais as relações

que se estabelecem entre as pessoas que frequentam o Centro Cultural São Paulo e a sua

arquitetura, pedi a elas que me fizessem uma fotografia, retratando o que era o Centro

Cultural para cada uma delas. As imagens obtidas são somente uma pequena parcela do

que pode ser esta arquitetura, tão distante do imaginário criado pelas revistas e livros, e,

ao mesmo tempo, tão próxima do olhar comum.

O segundo ensaio versa sobre a possibilidade da construção de imagens que

tragam consigo elementos que remetam aos estímulos transmitidos pela arquitetura do

Centro Cultural São Paulo. São imagens sempre relacionadas a presença humana.

O terceiro ensaio busca discutir sobre a captação de fotografias com ênfase em

parâmetros imagéticos. São partes desta arquitetura, apartadas da figura humana.

Já o último ensaio procura discorrer sobre o exterior do Centro Cultural,

buscando acrescentar novas imagens ao imaginário fotográfico deste edifício, devido a

“ausência” desta abordagem, identificada na análise das publicações.

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Thales de Oliveira Pinto Júnior, tem 51

anos, é morador de rua e há 5 anos

frequenta o Centro Cultural São Paulo

todos os dias. Para ele, o lugar mais

importante do edifício é uma pequena sala

de computadores, que o Centro Cultural

oferece aos seus usuários. Isto porque, lá

ele tem acesso à internet, podendo dessa

forma visualizar imagens do Deserto do

Negév, seu lugar preferido, em todo o

mundo.

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João Thadeu Alves de Souza tem 50

anos. Ele trabalha no Centro Cultural

São Paulo há 5 anos. Sua função é

atender as pessoas na saída da biblioteca.

João passa ali a maior parte do seu dia, e

afirma que, para ele, este é o local mais

importante do edifício.

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Luciana Gonçalves tem 38 anos, é

dançarina e participa com frequência das

aulas de dança para terceira idade,

oferecidas pelo Centro Cultural. Lá, ela

conheceu seu parceiro de dança, que se

chama Dorivaldo Lagata. Para eles o

lugar mais importante do edifício é o

teatro arena, pois lá acontecem as aulas

de dança.

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Caio Martins de Araújo tem 24 anos, dá

aulas de desenho numa escola particular

e frequenta o Centro Cultural São Paulo

há 4 anos. Ele visita o edifício,

buscando um espaço onde possa ficar

tranquilo, sempre na companhia de

pessoas queridas.

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Karina de Souza Santos tem 22 anos, é

estudante e visita o Centro Cultural São

Paulo há apenas 6 meses. Ela frequenta o

edifício no intervalo de tempo entre a

faculdade e o trabalho. Segundo Karina,

o que ela mais gosta naquele espaço é

ver os meninos que dançam break, bem

no horário do seu descanso.

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Caroline Pazini tem 26 anos, é estudante

de arquitetura e urbanismo, pesquisa o

tema fotografia de arquitetura e

frequenta o edifício há dois anos. Para

ela, o Centro Cultural São Paulo é a cada

dia, a cada olhar e a cada situação, uma

arquitetura diferente.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Tese de Doutorado. São Paulo, SP: FAUUSP, 1994.

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Editora Martins Fontes, 1992 (Edição original: 1970).

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SP: Editora Brasiliense, 1994.

CHAHINIAN, S.N. Fotografia na representação da arquitetura, cidade e território.

Dissertação de Mestrado no Programa Interunidades em Estética e História da Arte,

ECA/FAU/FFLCH da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

COSTA, Helouise. DA SILVA, Renato R. Fotografia Moderna no Brasil. São Paulo,

SP: Cosac Naify, 2004.

COSTA, Luciano Bernardino da. Imagem dialética e imagem crítica: Fotografia e

Percepção na metrópole moderna e contemporânea. Tese de doutorado. São Paulo, SP:

FAUUSP, 2010.

DUBOIS, Phillipe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus, 1993.

FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade. São Paulo, SP: Editora Martins Fontes,

1990.

GALIANO, Luiz Fernández. Papel fotográfico. Imagens que constroem a arquitetura.

Revista Projeto, São Paulo, SP, n. 176, jul. 1994.

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FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da

fotografia. Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará, 2002

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo, SP: Edusp, 1997

FUÃO, Fernando Freitas. Papel do papel: As folhas da arquitetura e arquitetura

mesma. Revista Projeto, São Paulo, SP, n. 176, jul. 1994.

KON, Nelson. Entrevista para revista PÓS - Revista do programa de pós-graduação em

arquitetura e urbanismo da FAUUSP. Edição 24. São Paulo, SP: FAUUSP, dezembro,

2008

KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo, SP: Ateliê

Editorial, 2009.

MACHADO, Arlindo. A ilusão especular, introdução à fotografia. São Paulo, SP:

Editoria Brasiliense, 1984.

MASCARO, Cristiano. Fotografia e a arquitetura. Tese de Doutorado. São Paulo, SP:

FAUUSP, 1994.

OLIVEIRA JÚNIOR, Antônio R. de. Paisagem na fotografia: sentidos e

plasticidades. In: Conexão. Revista de comunicação da Universidade de Caxias do Sul.

Caxias do Sul, RS: Educs, 2007.

PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Lisboa: Edições 70, 1993.

PIRES, Cecília. Revista Projeto n.40 maio, São Paulo, SP, 1982

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ROZESTRATEN, Artur. Representação do projeto de arquitetura: Uma breve revisão

crítica. In: PÓS - Revista do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo

da FAUUSP. São Paulo, SP: FAUUSP, 2009

SANTAELLA, Lúcia. Os três paradigmas da imagem. In: O fotográfico. São Paulo,

SP: Editora Senac, 2005

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1984

SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986

TELLES, Luiz Benedito de Castro. Centro Cultural São Paulo: Um projeto revisitado.

Tese de mestrado. São Paulo, SP: Mackenzie, 2002

ZEVI, Bruno. Saber Ver a arquitetura. São Paulo, SP: Editora Martins Fontes, 2009

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7. ANEXOS

Plantas, cortes e fachadas/publicações

As plantas, cortes e fachadas referentes ao projeto do edifício do Centro Cultural

São Paulo, bem como as publicações analisadas, seguem em versão integral nas páginas

seguintes.

Comunicações

O trabalho não pode ser apresentado no SIICUSP 2010, pois se encontrava em

pleno andamento. Contudo, ele foi inscrito no Encontro Nacional de História da Arte da

UNICAMP e será apresentado finalizado no SIICUSP 2011.

Documentos

Os documentos pertencentes a este item se referem à autorização para uso de

imagem das pessoas que participaram do ensaio fotográfico número 1.

DVD com arquivo de imagens

Segue em anexo um DVD com as imagens – fotografias, plantas, cortes e

fachadas – utilizadas na construção deste trabalho, todas em alta resolução.

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