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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES MULTIMEIOS A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA: Reconstruindo a memória e a história de vida de ex-alunas do Internato “São Paulo Saihou Jogakuin” REGINA CHIGA AKAMA CAMPINAS - 2008

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

MULTIMEIOS

A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA:

Reconstruindo a memória e a história de vida de ex-alunas

do Internato “São Paulo Saihou Jogakuin”

REGINA CHIGA AKAMA

CAMPINAS - 2008

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iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

MULTIMEIOS

A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA:

Reconstruindo a memória e a história de vida de ex-alunas

do Internato “São Paulo Saihou Jogakuin”

REGINA CHIGA AKAMA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Multimeios do Instituto

de Artes da UNICAMP como requisito

parcial para obtenção do grau de mestre

em Multimeios, sob orientação do

Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain.

CAMPINAS - 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP

Título em inglês: “The formation of female identity: reconstructing the memory and the

history of life of Sao Paulo Saihou Jogakuin boarding school´s ex-students.”

Palavras-chave em inglês (Keywords): Female identity ; Visual anthropology ;

Photography ; Oral History ; Nipo-brazilian education ; Japanese immigration.

Titulação: Mestre em Multimeios.

Banca examinadora:

Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain.

Profª. Drª. Maria Leila Alves.

Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini.

Data da Defesa: 22-08-2008

Programa de Pós-Graduação: Multimeios.

Akama, Regina Chiga.

Ak14f A formação da identidade feminina: reconstruindo a memória e a história

de vida de ex-alunas do internato São Paulo Saihou Jogakuin. / Regina Chiga

Akama – Campinas, SP: [s.n.], 2008.

Orientador: Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain.

Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,

Instituto de Artes.

1. Identidade feminina. 2. Antropologia visual. 3. fotografia. 4. História

Oral. 5. Educação nipo-brasileira. 6. Imigração japonesa I. Samain, Etienne

Ghislain. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III.

Título.

(em/ia)

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vii

Ao meu esposo Edson Akama, companheiro e amigo,

com o qual compartilhei as maiores alegrias,

preciosos Jhun e Ken, filhos carinhosos

em todos os momentos desse caminhar.

À Michie Akama, exemplo de mulher.

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ix

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain, orientador da pesquisa, pela presença

constante, firme e, ao mesmo tempo, gentil, em seu apoio e amizade; à querida

Godelieve, sua esposa, doce, carinhosa e sempre alegre, que me acolheu com

muita ternura;

Às participantes da Banca Examinadora da Dissertação, Dra. Maria Leila Alves e

Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini, por aceitarem o convite, com sua contribuição

crítica indispensável para o enriquecimento do estudo;

Aos Professores Doutores Ronaldo Entler, Maria Leila Alves, Michiko Okano e

Olga Rodrigues Von Simson, pelas ricas contribuições por ocasião do Exame de

Qualificação;

À Michiko Okano, pela generosidade de seu refinado olhar nipônico sobre o

universo em que se insere essa dissertação;

Aos meus pais, Mauro e Thereza Chiga, exemplos de caráter e perseverança, um

casal modelo;

Ao Sr. Antonio Akama, filho de Michie Akama, por disponibilizar todos os

documentos e informações necessários para a organização desse discurso, mais

que isso, pela gentileza em atender, incondicionalmente, às minhas solicitações,

com rapidez e atenção; à Elza Babá Akama, sua esposa, pela compreensão e

carinho dispensados ao longo desses anos;

Aos familiares, que deram seu apoio e torceram pela realização de mais essa

etapa, em especial, aos meus irmãos, Milton e Cristina, presentes em todos os

momentos, com alegria e incentivo inabaláveis;

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x

Às extraordinárias mulheres que fazem parte dessa rede de depoimentos, Takiko

Ota, Sumiko Akiyoshi Yamasaki, Rutsuko Mochizuki, Kazuco Sakiara Miyasaka,

Kazuko Baba, Aiko Fujita, Mayumi Mizikami e Tyoko Shimano, por me receberem

com ternura em suas vidas, e dividirem o encanto de suas histórias e

conhecimentos;

Aos colaboradores das entrevistas, Nobuo Mizikami (in memorian), Shigeru Fujita,

Tomoko Otta, Mine Uchida e Kikuko Ogasawara por enriquecerem as narrativas

com suas participações especiais;

Aos amigos Marcos Corrêa, Santiago Júnior e Ricardo Rios, pelas discussões

densas e divertidas, que muito contribuíram nas reflexões aqui presentes;

Aos amigos do GRIP (Grupo de Reflexão Imagem e Pensamento), em especial à

Renata Teixeira, pela amizade sincera e cúmplice nessa jornada acadêmica;

À Renata Garcia Fonseca Nunes, amiga de tempos redescobertos, que mantém

vivos o brilho e a profundidade desse laço de carinho;

Aos tradutores da língua japonesa para a portuguesa, André Humemoto, Antonio

Akama, Edson Akama, Silmara Eizo, pela leitura atenciosa dos livros, procurando

manter a fidelidade aos sentimentos da autora, Michie Akama;

À amiga Renata Teixeira, por sua carinhosa presença e também pela cuidadosa

leitura e revisão deste trabalho;

Aos funcionários do Instituto de Artes da UNICAMP, em especial, à Joice Jane e

Vivien, sempre prestativas e gentis em seus esclarecimentos;

À Janaina Yamamoto Santos, pelo esmero na elaboração do mapa e delicadeza

sempre presente em seus atendimentos;

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À Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama, que abriu suas portas e

arquivos, possibilitando a descoberta de memórias e fatos marcantes em sua

história;

À amiga Eva Yamamoto, por sua paciência, apoio e ricas contribuições com seu

vasto conhecimento tecnológico.

Aos meus filhos Jhun e Ken, que me alegraram com o brilho sincero de seus

sorrisos, encorajando a conclusão desta pesquisa. Em especial, ao Edson, esposo

e companheiro dedicado, pelo incentivo, presença incondicional e, por muito mais,

que seria impossível traduzir em palavras.

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Nota sobre as traduções:

As traduções efetuadas neste trabalho foram elaboradas com a colaboração de Antonio Akama, André Humemoto, Edson Akama, Michiko Okano e Silmara Eizo. A romanização do japonês para o português seguem a grafia do Sistema Hepburn de Transcrição. Ao longo do texto, algumas palavras ou expressões foram mantidas em japonês romanizado, por carregar a importância de um sentimento marcante da cultura, por não encontrar um correspondente direto na língua portuguesa ou por aparecer correntemente nas narrativas citadas e transcritas das depoentes. As respectivas traduções encontram-se referenciadas em notas de rodapé (em sua primeira exposição), e organizadas, seguindo ordenação alfabética, em um glossário ao final da disssertação. Podem ainda, aparecer, eventualmente, no próprio texto, como explicação, logo após sua palavra correspondente. Adotou-se a grafia em itálico como indicativo das palavras ou expressões idiomáticas.

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“Como um ‘spectator’,

eu só me interessava pela Fotografia por ‘sentimento’;

eu queria aprofundá-la, não como uma questão – um tema,

mas como uma ferida: vejo, sinto,

portanto noto, olho e penso.”

Roland Barthes

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Resumo

A pesquisa recupera a memória e a história de vida de ex-alunas do

Internato “São Paulo Saihou Jogakuin”, a importância desta instituição na

formação de sua identidade feminina. O estudo é uma abordagem antropológica-

visual que se debruça sobre fotografias de arquivos institucionais e pessoais das

depoentes. A imagem dialoga com outros dois suportes comunicacionais da

condição humana, a escrita e a oralidade, na realização desse trabalho. Os

saberes adquiridos no internato e as temáticas abordadas pela educadora são

comparados com a importância que tiveram na constituição histórica de vida das

ex-alunas, definindo suas posturas segundo éticas (e estéticas) perante o

casamento, o lar, a maternidade e a profissão. A reconstituição de suas histórias

de vida permitiu às ex-alunas se posicionarem em relação ao mundo na atualidade,

traçando comparações com as perspectivas femininas (ou do papel feminino) da

sociedade na época em que ainda eram alunas da instituição (elementos da

memória reminiscente).

Palavras-chave: identidade feminina; antropologia visual; fotografia; história oral; educação nipo-brasileira; imigração japonesa.

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Abstract

Research recovers the memory and history of life of Sao Paulo Saihou

Jogakuin boarding school’s ex-students, the importance of this institution on the

development of their female identity. This study is a visual-anthropological

approach that employs photographs of institutional and personal registers of the

deponents. In this study, image dialogues with two other resources of the human

condition which are the writing and the orality. The knowledge acquired at the

boarding school and the subjects explored by the teacher are compared to the

importance of the history of life of those ex-students, determining their behavior

concerning to ethics (and aesthetics) toward marriage, home, maternity and

occupation. The reconstitution of their history of life permitted to the ex-students to

situate them in relation to the present time, making comparisons with the female

perspectives (or of female role) of the society when they still were students of the

boarding school (elements of the remaining memory).

Keywords: female identity; visual anthropology; photography; oral history; nipo-brazilian education; Japanese immigration.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………………..…….……1

a . A escolha do tema………….……………..………………………………………………………………1

b . Os objetivos e abrangência teórica……………………………………………….……………………..3

c . A organização da pesquisa……………………………………………………………….……………...4

CAPÍTULO 1

“Da imigração japonesa no Brasil à adaptação educacional em nova terra”….........……...….11

1.1 A Imigração Japonesa – contextualização histórica…………………………………………...……11

1.2 A mulher nikkei……………………………………………………………………...…………………..17

1.3 A educação nipo-brasileira……………………………………………………………...……..………22

CAPÍTULO 2

“O internato ‘São Paulo Saihou Jogakuin’ – espaço e formação”………………………………..31

2.1 Espaço físico e formação.....................……………………………………………………………….31

2.2A formação da grade curricular……………….……………..………………………………………....49

2.3 Orientação filosófico-educacional……………………………………………………………………..53

2.3.1 Ayumi ………………………………………………………..…………………………….....58

2.3.2 A bibliografia de Michie Akama…………………………………………………………….59

CAPÍTULO 3

“Vivências e reminiscências”………………………………………...……..…….………….…………67

3.1 As ex-alunas………………………...............................................................................................67

3.2 “Dousoukai”…………………………………………………………..………………………………….69

3.3 Suas imagens e histórias – companheiras inseparáveis…………………………………………...73

Takiko Ota…………………………………………………………………………………………..74

Sumiko Akiyoshi Yamasaki……………………………………………………………………….76

Rutsuko Mochizuki…………………………………………………………………………………78

Kazuco Miyasaka…………………………………………………………………………………..80

Kazuko Baba………………………………………………………………………………………..82

Aiko Fujita…………………………………………………………………………………………...84

Mayumi Mizikami…………………………………………………………………………………...86

Tyoko Shimano……………………………………………………………………………………..88

3.4 “O álbum”…………………………………………………………………………………………..…….91

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xx

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................171

Primeiros alinhavos……………………………………………………………………………………..…171

Costurando os caminhos………………………………………………………………………………….178

Os arremates……..………………………………………………………………………………………...184

Glossário........................................................................................................................................189

Apêndice ……………………………………………………….………………………………………….195

Bibliografia…………………………………………………….…………………………………………..196

Anexos………………………………………………………….………………………..…………………205

Anexo 01: Transcrições das entrevistas…………….……………..………………………….205

Anexo 02: Traduções de textos da bibliografia de Michie Akama.....…………………….. 299

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Introdução A formação da identidade feminina

1

INTRODUÇÃO

O internato “São Paulo Saihou Jogakuin” tem uma estreita ligação com

sua mentora Michie Akama, idealizadora dos fundamentos, que serviram de base

para a constituição da filosofia educacional dominante na lembrança de suas ex-

alunas. Antes, porém, de mergulhar nas memórias dessas senhoras que

participam da rede de depoimentos, uma breve apresentação dos motivos que

deram origem a essa dissertação.

a. A escolha do tema

O primeiro encontro com Michie Akama foi em dezembro de 1994, mais

precisamente, no dia trinta e um, quase ano novo. O shougatsu (ano novo) é uma

data muito importante para a colônia japonesa, muitas vezes, mais comemorada

que o Natal. É um momento de renovação, de reencontros, união de laços

familiares e de amizade, no qual faz-se questão da presença de filhos, netos,

bisnetos, parentes e amigos íntimos. Foi numa data como essa, que conheci essa

pessoa ímpar, com a qual me impressionei pela força que sua presença possuía.

Não sabia nada ainda sobre a sua história de vida, sentia apenas uma admiração

inexplicável que a imponente figura exercia sobre mim.

Posteriormente, ao ouvir mais sobre sua trajetória de vida, o

encantamento foi ainda maior e é isso que gostaria de compartilhar com o leitor: a

obra e o legado de quase cento e dois anos de vida, parte dela, dedicada à

educação nipo-brasileira e o seu reconhecimento no Brasil e no exterior. Michie

Akama recebeu várias homenagens, como: a Comenda José Bonifácio (1967), a

Medalha Anchieta pela Câmara Municipal de São Paulo (1973), a Comenda

Zuihoushou de 5o Grau do Governo Japonês (1973), a Medalha Ana Neri (1977), a

Comenda Ordem do Ipiranga pelo Governo do Estado de São Paulo (1983) e uma

Homenagem da Reitoria da Universidade de São Paulo na Segunda Solenidade à

Imigração Japonesa (2001).

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Introdução A formação da identidade feminina

2

O maior e o mais importante reconhecimento de seu trabalho e

dedicação vêm da parte de suas milhares de ex-alunas, que têm em suas

memórias a forte imagem da inspiradora de toda a vida. Fundadora do internato

“São Paulo Saihou Jogakuin1” (Escola Feminina de Corte e Costura São Paulo),

oferecia às alunas ampla e diversificada formação, que, além dos diplomas

específicos para cada curso, garantia o mais importante atestado - o de ‘boa

moça’, apta ao casamento e pronta para exercer seu fundamental papel de

esposa, mãe e responsável pelo lar.

Apesar de ter recebido várias denominações diferentes ao longo de sua

trajetória (o que será melhor explicitado no segundo capítulo), adotaremos a

designação “São Paulo Saihou Jogakuin” como referência, não apenas por conter

a essência do caráter feminino da escola, bem como o principal curso oferecido no

internato, o de corte e costura, mas, principalmente, por ser o mais conhecido e

comumente utilizado entre as ex-alunas e pessoas envolvidas com a instituição.

Por meio de um estudo antropológico-visual, revela-se a

imagem/memória de algumas dessas antigas ‘boas moças’ (noivas), que, hoje,

senhoras de maior ou menor representatividade na colônia japonesa do Brasil,

edificaram famílias, com filhos, netos e até bisnetos, e que, de certa forma,

valeram-se de seus conhecimentos adquiridos para a consolidação e formação

das mesmas.

Muitos são os relatos de ex-alunas que, ao visitar esporadicamente a

instituição (atualmente, uma fundação educacional mantenedora de uma

Instituição de Ensino Regular – desde a Educação Infantil até o Ensino Médio),

trazem fotos da época em que eram internas (muitas vezes até, álbuns repletos de

fotos e recordações) e junto com elas, suas histórias de vida, suas memórias,

boas e saudosas lembranças. Vários são os descendentes (filhos e netos), que

buscam a instituição para matricular seus filhos, movidos pelas narrativas da 1Saihou – Corte e Costura; Jogakuin – Escola Feminina

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Introdução A formação da identidade feminina

3

matriarca da família, dizendo: “minha mãe e/ou avó faz(em) questão que meus

filhos e/ou netos estudem nessa instituição, ela(s) diz(em) que foi aqui que…”, e

contam, assim, suas histórias, demonstram ainda, a importância que essa

matriarca tem na constituição familiar edificada. Em 2005, a fundadora do

internato “São Paulo Saihou Jogakuin” faleceu com quase cento e dois anos de

idade. Muitas edificações de vida merecem ser reconstruídas tanto pela

contribuição na educação formal quanto pela sua repercussão na sociedade nipo-

brasileira.

A escolha do tema deu-se pela importância e representatividade que os

conhecimentos obtidos tiveram na vida desse seleto grupo de senhoras nikkeis.

Elas são a memória viva de uma época e de um espaço de formação feminina.

Esta memória deve ser preservada antes que se perca, uma vez que as ex-alunas

desse momento na história estão em número reduzido e já com idade bastante

avançada. A memória histórica é um fator de identificação humana, na qual é

possível reconhecer o que distingue ou aproxima os seres humanos. A base

cultural demonstra o que cada um é e o que o torna diferente do outro.

b. Os objetivos e abrangência teórica

Este estudo busca revelar como as ex-alunas do internato “São Paulo

Saihou Jogakuin” se posicionam em relação ao mundo na atualidade, traçando

relações com as perspectivas femininas (ou do papel feminino) da época em que

ainda eram alunas da instituição (elementos da memória prevalecente). Procura

na inter-relação entre a visualidade (fotografias), a oralidade (entrevistas

gravadas em mídia digital) e a escrita (livros escritos pela fundadora, textos e

artigos de alunas, publicados na época), comparar os saberes adquiridos no

internato, pelas temáticas abordadas pela educadora, com a relevância

apresentada no cumprimento de seus papéis sócio-culturais e econômicos,

enquanto formadores de sua identidade feminina.

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Introdução A formação da identidade feminina

4

A pesquisa, compreendida na linha de História, Estética e Domínios de

Aplicação da Fotografia, no Departamento de Multimeios do Instituto de Artes,

permitiu ao estudo antropológico visual, na recuperação e análise das fotografias,

estabelecer íntimas relações com a Memória, a Educação e a História Oral, devido

a abrangência de sua temática. Essas grandes áreas possibilitaram, na

complementaridade entre seus conceitos, a construção dessa dissertação.

Procuramos, nessas bases teóricas, dizer o “indizível”, dar voz, ao que se

encontra no campo silencioso, mas “pensante”, das imagens, buscando, na

relação do invisível entre as imagens, o hiato que se encontra “entre elas”.

c. A organização da pesquisa

Com boa parte do material do acervo institucional em mãos, iniciei o

processo seletivo das informações. Apesar da familiaridade com os assuntos

encontrados, por serem relativos à colônia japonesa no Brasil, e eu, uma

descendente nipônica, percebi a necessidade de melhor situar o leitor quanto à

temática, muitas vezes desconhecida dos não-descendentes. Para essa imersão

no universo pesquisado, propomos um primeiro capítulo, que faz um movimento

de afunilamento, partindo do macro, A imigração japonesa, em direção ao

específico grupo das mulheres nikkeis2, priorizando o campo educacional.

Feito isso, num segundo momento, a apresentação dos documentos da

escola, dos ensinamentos formativos da educadora Michie Akama, de suas

publicações pessoais e institucionais.

No terceiro capítulo, um momento totalmente dedicado às depoentes,

suas narrativas e lembranças, abordo as questões imagéticas mediante as

fotografias escolhidas tanto do acervo institucional como pessoal das depoentes e

as relações que estes registros estabelecem no papel de reconstrução dessas

memórias. As fotografias selecionadas têm um espaço de reflexão, considerando-

2 Nikkei - todos os descendentes de japoneses que não nasceram no Japão (segunda, terceira...geração)

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Introdução A formação da identidade feminina

5

as como “imagens que pensam”, dando vazão às narrativas, fluidas ou não, mas

que trazem à luz a memória guardada que se descobre viva nos corações das

depoentes. A aproximação junto às informantes foi bastante tranqüila, uma vez

que, ao saberem dos motivos da entrevista e o assunto ao qual se relacionava, se

dispunham, prontamente, ao encontro. É um período bastante representativo na

formação de sua identidade.

Para a finalização, a análise e as conclusões retiradas desse conjunto

de materiais discutidos permitem estabelecer um comparativo entre suas

expectativas enquanto alunas e, após suas trajetórias delineadas, as conquistas

alcançadas em sua constituição pessoal, familiar e profissional.

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7

CAPÍTULO 01

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8

Superior. Michie Akama, professora no Japão. 192_.

Central. Michie Akama, o esposo Jiuji Akama e o filho Antonio, constituindo família

no Brasil. 193_.

Inferior. Michie Akama, professora no Brasil. 193_.

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“Lá, do lado além,

Um povo com muitos sonhos

Sonhou aqui também”

Neir Ilelis

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A imigração japonesa A formação da identidade feminina

11

CAPÍTULO 1

“Da imigração japonesa no Brasil à adaptação educacional em nova terra”

1.1 A Imigração Japonesa – contextualização histórica

A Revolução Meiji de 1868 pôs fim ao governo Tokugawa, uma divisão

da história do Japão (1603 - 1867) oficialmente estabelecido pelo Shogun 3

Tokugawa Ieyasu. O Japão passou de Estado Feudal a um Estado Moderno. A

economia, quase exclusivamente agrícola, passou a manufatureira e industrial, o

que levou muitos camponeses a abandonar o campo em busca das cidades. Com

o rápido aumento da população urbana, a situação sócio-econômica tornou a

emigração uma necessidade.

A corrente migratória japonesa teve início em 1868, primeiro ano da

Restauração Meiji4, com a chegada de cento e cinquenta e três imigrantes no

Havaí. Dos países da América do Sul, o Peru foi o primeiro a receber

trabalhadores japoneses (1898). Com o término do período Tokugawa, o Japão

deixou de se isolar do resto do mundo, passando a assinar tratados de comércio e

amizade com diversas nações, dentre estas, o Brasil (1895).

O intercâmbio de relações refletiu-se sobre o movimento migratório, e

os japoneses se espalharam pelos vários continentes. Os países tradicionalmente

receptores da mão-de-obra japonesa começaram a fechar suas portas limitando a

entrada de imigrantes. Por volta de 1905, os japoneses foram discriminados nos

Estados Unidos, perseguidos no Canadá, proibidos de entrar na Austrália e a

entrada no Hawai e nas Ilhas do Pacífico sofreu restrições legais.

3 Shogun – governante, chefe de estado no Shogunato 4 Restauração Meiji: A Restauração Meiji propunha a queda do Shogunato - que mantinha o país em uma forma de governo sob o comando ditatorial e praticamente mergulhado em um sistema feudal - para a abertura do Japão para o mundo.

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A imigração japonesa A formação da identidade feminina

12

As agências de emigração buscaram novas terras para os nipônicos.

Encontraram no Brasil um país adequado à imigração por sua vasta área para

exploração e povoamento. O Brasil, na ocasião, ocupava um lugar de destaque no

mercado internacional do café. A substituição do trabalho escravo pelo do

imigrante europeu trouxe a instabilidade de mão-de-obra para as fazendas de café.

O trabalhador assalariado não estando mais preso (escravizado), nas primeiras

dificuldades, abandonava a lavoura em busca de condições mais favoráveis de

vida. Com a escassez de mão-de-obra, os fazendeiros exigiram o ingresso de

novos imigrantes.

Em 1907, a Companhia Imperial de Imigração do Japão obteve a

autorização para trazer os imigrantes em parcelas anuais. Em 18 de junho de

1908, aportou, em Santos, o navio japonês Kasato Maru5, sob coordenação de

Ryu Mizuno – diretor presidente da Companhia Imperial de Imigração, trazendo

cento e sessenta e cinco famílias (setecentos e oitenta e seis pessoas, no total),

que foram encaminhadas às fazendas de café, na zona mogiana6, para trabalhar

como colonos. Foi o início de uma nova vida num país distante, de clima,

costumes e língua diferentes.

Segundo Reimei Yoshioka (2008:13), “o Decreto no 6.455, de 19 de

abril de 1907, remonta às legislações anteriores pelas quais seriam aceitos todos

os estrangeiros menores de 60 ano, sem qualquer restrição quanto à

nacionalidade, exceção feita aos portadores de doenças contagiosas, os que

exercessem profissões ilícitas, desordeiros, mendigos, vagabundos, os dementes

ou inválidos”.7

5 Kasato Maru – todos os navios comerciais apresentam a terminação maru. Kasato é o nome da embarcação, que, se fosse traduzida literalmente, seria algo como “porta”, “abertura”, mas não é usual fazê-la. 6 A companhia Mogiana da Estrada de Ferro, partia de São Paulo, seguindo em direção a Ribeirão Preto e Franca, alcançando as margens do Rio Grande. 7 YOSHIOKA, R. Síntese histórico-evolutiva da emigração japonesa no mundo. In: O nikkei no Brasil, coord.: HARADA, K. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

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A imigração japonesa A formação da identidade feminina

13

Em seis de novembro de 1907, agindo de acordo com o artigo 36 do

decreto estadual nº 1458, o governo de São Paulo firmou contrato com a Empire

Emigration Company (Koukoku Shokumin Kaisha). Este estipulava que seriam

introduzidos três mil agricultores, em levas não superiores a mil pessoas, e,

conforme descreve Arlinda Rocha Nogueira (1971:72), “os imigrantes deveriam

vir constituídos em famílias compostas exclusivamente de, no mínimo, três

indivíduos aptos para o trabalho, sendo assim considerados os de idade entre

doze e quarenta e cinco anos (art. 19o).” 8

Por acreditar na possibilidade de obter o suficiente para sua

independência econômica, em pouco tempo, eles não vacilaram no momento de

contraírem dívidas para poderem viajar. Com a exigência de pelo menos três

pessoas aptas ao serviço braçal por família, incorporaram novos membros à

família, parentes ou não.

Devido à dificuldade em recrutar pessoas para vir ao Brasil, a

companhia começou a fazer propagandas exageradas, anunciando o rápido

enriquecimento e aceitando como emigrantes não apenas agricultores, mas todos

os que se interessassem em vir. Dessa forma, o navio Kasato Maru zarpou de

Kobe, em 28 de abril de 1908, com os primeiros imigrantes japoneses atracando

em 18 de junho de 1908, no Porto de Santos, e dando início à imigração japonesa

no Estado de São Paulo.

Após desembarcarem no Brasil, os imigrantes foram transportados

para a Hospedaria da Capital, onde o governo elaborou o contrato de trabalho. Os

destinados ao interior do Estado tiveram direito ao transporte gratuito até a

Hospedaria da Capital ou a outro alojamento qualquer.

8 NOGUEIRA, A. R. Imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908-1922). Tese de doutorado: FFLCH-USP. São Paulo, 1971.

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A imigração japonesa A formação da identidade feminina

14

Sobre a primeira leva de imigrantes do Kasato Maru, até 1924, Sakurai

e Kodama9 (2008:19), ressaltam algumas características:

Nessa primeira etapa, a vinda dos trabalhadores japoneses – que sempre foi assistida oficialmente pelo governo do Japão em acordos com o Brasil –direcionou-se marcadamente para São Paulo. Os primeiros imigrantes vinham através do contrato entre as companhias de imigração japonesas e os cafeicultores paulistas, os quais pagavam o custeio do estabelecimento das famílias nas fazendas. O contrato previa, para cada família, um mínimo de três trabalhadores, em regime de trabalho assinado por pelo menos dois anos.

O pagamento seria feito no prazo de sessenta dias da chegada dos

imigrantes à hospedaria. Os fazendeiros deveriam reembolsar o governo com

quarenta por cento dos valores subsidiados, com a permissão de descontar tais

cifras dos salários dos imigrantes. O primeiro ano de alojamento correria por conta

do governo, na propriedade agrícola, e os imigrantes japoneses teriam direito a

casas iguais às fornecidas aos imigrantes europeus.

Os lotes seriam pagos, no máximo, em três prestações e, dentro de, no

mínimo, cinco, e, no máximo, dez anos; só poderiam obter lotes aqueles que

tivessem realizado a primeira colheita nas fazendas e estivessem com suas

dívidas quitadas. Era reservada às partes contratantes o direito de rescindir o

contrato durante os primeiros seis meses, sem direito a indenização por nenhuma

das partes.

As cláusulas contratuais, por sua vez, não eram respeitadas pelos

fazendeiros que impunham algumas metas difíceis de serem cumpridas, quase

impossíveis, principalmente, no que se referia a quitar as dívidas contraídas. Os

fazendeiros tentaram transformar os colonos em escravos, não respeitando os

acordos a que se propuseram. Além do contrato feito no Japão com a companhia,

um novo acordo firmado com os fazendeiros no Brasil estabelecia que os

imigrantes teriam que terminar a primeira colheita, bem como liquidar as dívidas 9 KODAMA, K. & SAKURAI, C. Episódios da imigração: um balanço de 100 anos. In: Resistência e integração: 100 anos de imigração japonesa no Brasil. IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações. Org. SAKURAI, C & COELHO, M. P. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. p. 17-29.

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A imigração japonesa A formação da identidade feminina

15

decorrentes de adiantamentos das despesas de viagem no prazo de um ano

agrícola.

Os japoneses bastante asseados e organizados receberam elogios aos

costumes e à educação. Por esta razão, os imigrantes foram encaminhados às

melhores fazendas cafeeiras do Estado de São Paulo, onde trabalhavam

centenas de famílias de estrangeiros ou de brasileiros – os colonos. O

assentamento dos japoneses respeitava, na medida do possível, os laços de

união entre elementos de uma mesma região.

A fazenda de café era constituída por escritório, sede do fazendeiro,

casa do administrador, terreiro, máquina seletora de café e demais setores,

inclusive o pomar. Em outra parte, ficavam as casas dos colonos, formando a

chamada colônia, cortiços que podiam abrigar duas ou três famílias e que não

dispunham nem de camas.

Handa10 ao citar os fatores registrados pela “História da expansão dos

japoneses no Brasil”11, salienta outro problema encontrado pelos imigrantes que,

ao chegarem após a metade da época da colheita, tinham apenas a metade do

tempo para a obtenção dos ganhos objetivados no contrato firmado com a

Companhia Imperial de Emigração. Mesmo com muita prática, não poderiam

colher muito. Por mais que trabalhassem, não conseguiriam pagar as dívidas

contraídas em despesas de viagem e alimentação.

Devido às condições precárias em que viviam, as doenças eram

freqüentes. Isolados geograficamente e sem possuir dinheiro em espécie, os

imigrantes eram obrigados a fazer suas compras nos armazéns das fazendas,

que cobravam preços abusivos, gerando o aumento das dívidas. O trabalho

assalariado, nestas condições, transformou-se em “escravo”. Com dívidas cada

10 HANDA, T. O imigrante japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1987, p. 16. 11 Brasil ni okeru nipponjin hattenshi (História da expansão dos japoneses no Brasil), editada pela Comissão de Ediçao da História da Expansão dos Japoneses no Brasil, vol. I, p. 174-275.

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A imigração japonesa A formação da identidade feminina

16

vez maiores, tinham na fuga noturna, por vezes, a única alternativa para se

livrarem de extorsões. Algumas famílias foram expulsas das fazendas após se

manifestarem, exigindo melhores condições.

Cumpridos os contratos de trabalho nas fazendas de café, estes

imigrantes procuraram a independência dirigindo-se para o interior de São Paulo

ou para a região litorânea, nas proximidades da Estrada de Ferro Santos-Juquiá,

bem como, para a periferia de São Paulo. Vários núcleos de colonização foram

estabelecidos nas regiões da Estrada de Ferro Noroeste e nas margens do Rio

Ribeira, em Iguape.

A adaptação do asiático foi prejudicada também pelo intuito de

permanecer por um tempo determinado e retornar à terra natal. Aos poucos,

porém, passaram a arrendar terras, formar cafezais, desenvolverem diferentes

tipos de plantios e conseguindo, na comercialização de seus produtos, preços

compensadores. Como cita Mônica Raisa Schpun 12 (2008:138), ”muitos

alcançaram rapidamente a posição de arrendatários ou de pequenos

proprietários”, reduzindo o tempo médio de permanência em sistema de colonato.

Alguns passaram a exercer profissões liberais ou se engajaram na indústria e

comércio, entre outras atividades .

A partir de 1961, o fluxo migratório praticamente encerrou-se, tendo em

vista a restauração econômica do Japão. Aqueles que permaneceram no Japão

encontraram melhorias significativas nas condições de vida e trabalho, como

ocorreu em outros países que também enviaram seus imigrantes para o Brasil.

12 SCHPUN, M. R. Imigração japonesa no Brasil. In: Resistência e integração: 100 anos de imigração japonesa no Brasil. IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações. Org. SAKURAI, C & COELHO, M. P. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. p. 137-149.

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A mulher nikkey A formação da identidade feminina

17

1.2 A mulher nikkei

Para melhor situar o papel feminino dentro do universo nikkei no Brasil,

tomei como referência o estudo “Histórias de famílias: mulheres de diferentes

classes sociais em São Paulo; a família e a penetração no mercado de trabalho”.

O artigo, escrito por Maria Christina Siqueira de Souza Campos13, investigou os

papéis da mulher dentro e fora do ambiente doméstico na primeira metade do

século XX. A autora observou que as mudanças pelas quais a cidade estava

passando14 se refletiram na estrutura e organização das famílias, assim como nos

papéis femininos e masculinos dentro e fora do lar.

A análise partiu do pressuposto de que poderiam ser identificadas

certas representações que a sociedade, ou determinadas categorias sociais,

mantinham sobre a forma ideal de família, e os papéis considerados adequados

para cada um de seus membros. Também dá a idéia de que a família constitui um

objeto de conhecimento teoricamente construído, que carrega consigo um forte

conteúdo ideológico, uma vez que é, freqüentemente, encarada como um grupo

natural na sociedade. Para tanto, embasou o estudo no pensamento de Pierre

Bourdieu, “A Propos de la Famille comme Catégorie Réalisée”15, que permitiu

encará-lo como mediação de práticas sociais.

Segundo Maria Christina Siqueira de Souza Campos,

Embora Bourdieu acentue que a lógica de estruturação e funcionamento dos diferentes aspectos de cada campo se impõe aos indivíduos, salienta que os conflitos que tendem a ocorrer dentro de cada campo na luta pelos capitais específicos de cada um levam os ocupantes das diversas posições a desenvolverem estratégias para tentarem se apossar dos mesmos, o que permite a mudança dentro daquilo que é estabelecido

13 CAMPOS, Maria C. S. S. Histórias de familias (mulheres de diferentes classes sociais em São Paulo; a família e a penetração no mercado de trabalho). In: SIMSON, Olga M. von (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1996. p.179-196. 14 Nos últimos cem anos a cidade de São Paulo se transformou consideravelmente em conseqüência dos processos de urbanização e industrialização, que se aceleraram a partir de 1930 15 BOURDIEU, Pierre. A propos de la famille comme catégorie réalisée, in: Actes de la recherche em sciences sociales, n.100. Paris, 1993. p. 32-36.

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A mulher nikkey A formação da identidade feminina

18

pelo “habitus” de classe e pelas normas de funcionamento dos campos. Sendo as relações familiares constituintes de um campo dinâmico, as disputas internas pela apropriação do capital hegemônico trazem alterações na estrutura do próprio campo. Na visão de Bourdieu, há classes de idade, classes sexuais e classes sociais. Assim, dentro de uma família, forma-se uma hierarquia, onde seus membros se situam, a partir da luta pelo monopólio da representação legítima do mundo social.16

A proposta da pesquisadora foi estudar mulheres que desenvolviam

uma atividade fora de casa, além do cuidado do lar e dos filhos, colocando em

questão o conceito de trabalho. Utilizou uma metodologia essencialmente

qualitativa, valendo-se, para o estudo do papel da mulher na família no século XIX,

principalmente, de fontes secundárias e algumas primárias (jornais e revistas da

época), e, para o estudo do papel da mulher na primeira metade do século XX,

relatos orais de mulheres idosas que viveram em São Paulo nesse período.

Os relatos orais permitiram à autora descobrir constâncias no

comportamento feminino, bem como, em suas representações nas diferentes

classes sociais, atribuindo o fato a um ‘habitus’17 feminino, próprio da classe

sexual, do mesmo modo que certas divergências poderiam estar atribuídas à

situação de classe ou a outras circunstâncias.

A pesquisadora selecionou depoentes (mulheres idosas) que tivessem

vivido e trabalhado em São Paulo desempenhando atividades diversas, de acordo

com a sua classe social. O seu interesse era sobre o que as havia motivado a

exercer uma profissão e como conciliá-la com as funções domésticas, além disso,

investigou se essa atividade as levavam a ter uma visão diferente do papel

feminino na sociedade. As ocupações dessas mulheres eram tradicionalmente

femininas, adequadas para a mulher que precisava ser preservada, pois, conforme

16 CAMPOS, Maria C. S. S. Histórias de familias (mulheres de diferentes classes sociais em São Paulo; a família e a penetração no mercado de trabalho). In: SIMSON, Olga M. Von (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1996. p.180. 17 O conceito de habitus surge com o sociólogo Pierre Bourdieu e é considerado como constituindo todas as experiências passadas, matriz de percepções, apreciações e ações. É uma percepção interacionista da sociedade e está inerente a cada ator social e, de certa forma, define-o, tal como aos seus gostos e estilo de vida, estando associado a uma classe social, e tendo de ser ajustado quando existe mobilidade.

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A mulher nikkey A formação da identidade feminina

19

Maria Christina S. S. Campos (1996:182), “o ideal ainda presente na sociedade e

na mente feminina era de que o principal papel da mulher deveria ser o cuidado

dos filhos e da casa.” As primeiras que se dirigiram ao mercado de trabalho foram

as que precisavam contribuir para o orçamento doméstico.

Algumas das suas depoentes exerceram magistério de diferentes

formas, ou mesmo, associando duas formas de atividade docente, professora

particular de acompanhamento às atividades escolares e de escola pública ou

particular. Essas atividades, para o sexo feminino, sempre foram valorizadas,

tanto pelas próprias mulheres como pelos homens (pais e maridos), por vários

motivos, tais como estabilidade, horário favorável (funcionários públicos com

jornada de seis horas diárias) e aposentadoria com salário integral.

A visão idealizada de um casamento para toda a vida exigia algumas

regras a serem seguidas no que se referia às funções previamente estabelecidas

e, nesse caso, cuidar do lar e da família (esposo e filhos) era primordial. Mesmo

que trabalhassem fora do lar em período integral, com um salário que contribuísse

de maneira efetiva no orçamento familiar, suas tarefas não eram igualmente

partilhadas e ocorria apenas a somatória de funções.

Em seu trabalho, Campos (1996:187) vai além, ressaltando que

“considerando as mudanças atuais da sociedade, acham conveniente a mulher

desempenhar hoje, concomitantemente ao seu papel de mãe, uma atividade

profissional, desde que esta não prejudique sua função principal”. (grifo nosso)

Sempre que o pai ou o marido não conseguia desempenhar satisfatoriamente sua função “instrumental” (PARSONS,T. 18 apud CAMPOS, M. C. S. S., 1996, p.189), ela deveria sair de sua esfera

18 Talcott Parsons foi um sociólogo norte-americano preocupado com o bom ordenamento da sociedade, sem muita tolerância para com a desconformidade ou a dissidência dos que podiam manifestar-se contra ela. Sua obsessão era determinar a função que os indivíduos desempenhavam na estrutura social visando a excelência das coisas. Era um estudioso da Estratificação Social, não da mudança ou da transformação. O funcionalismo é definido pelo dicionário de Ciências Sociais como a perspectiva utilizada para analisar a sociedade e seus componentes característicos enfocando a mútua integração e interconexão deles. O funcionalismo analisa o caminho que o processo social e os arranjos institucionais contribuem para a efetiva manutenção da estabilidade da sociedade.

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A mulher nikkey A formação da identidade feminina

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doméstica e entrar também no mercado de trabalho, sem poder, entretanto, deixar de lado suas outras funções e perder suas “qualidades” de dedicação, pureza, obediência. (…) Seu trabalho era complementar ao do marido, tanto na sua visão como na dele. Há uma complementaridade evidente entre os papéis do homem e da mulher, mas não em termos de igualdade, pois se tratava de uma complementaridade hierarquizada, estando ainda a mulher subordinada ao homem e colaborando para que ele pudesse se destacar, se fosse o caso.19 (grifo nosso)

As depoentes de Campos (1996:190) “admitem que há necessidade

hoje de trabalhar ajudando o marido, mas acrescentam que isso vem em

detrimento da família e que, se não fosse necessário, seria melhor se abster de

trabalhar”. O peso das normas vigentes sempre influenciou a vida das mulheres

entrevistadas por Maria Christina Siqueira de Souza Campos no sentido de

manutenção do “status quo”, ou ainda, de reprodução social. Essas normas

vigentes às quais a autora se refere fazem parte do universo feminino, sem

distinção de raça ou cor. Trata-se de uma formatação do papel feminino de forma

geral.

Agora, voltando-se o olhar para a mulher nikkei, qual o comportamento

esperado? Em sendo descendente de japoneses, residindo no Brasil, nascida sob

as regras desse país, é de se esperar que ela também siga os mesmos padrões

determinados pelo seu contexto histórico e social. Porém, enquanto descendente

de imigrantes, como fica a relação com os valores de sua origem? Cabe então,

ressaltar a visão do papel feminino para a japonesa aos olhos da pesquisadora

Liza Dalby, que coloca o casamento como “um dos passos mais importantes para

a maioridade no Japão”.20

Liza Dalby, ao traçar um comparativo entre o papel da gueixa e o da

esposa, traz à luz algumas afirmações quanto ao importante passo do casamento.

Segundo Dalby (2003:243), “quem deixa de cumprir essa etapa (casamento) é

considerado um tanto estranho e fora da corrente geral. (…) O casamento também

19 CAMPOS, M. C. S. S., op. cit. p.189-190 20 DALBY, Liza. Gueixa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. p. 243

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A mulher nikkey A formação da identidade feminina

21

implica inevitavelmente ter filhos e educá-los”. A mulher deve cumprir a sua função

social de progenitora.

Conclui-se, dessa forma, que o aspecto servil da mulher japonesa em

sua origem pouco se difere da brasileira em sua função. Embora um pouco mais

distinta no que tange à total submissão ao esposo, seu shujin21, tinha, a exemplo

da brasileira, a incumbência dos cuidados do lar e dos filhos como principal

função.

A adaptação das mulheres às transformações desencadeadas pelos

processos de urbanização e industrialização, referida na pesquisa de Maria

Christina Siqueira de Souza Campo, desencadeou uma mudança nos papéis

previamente estabelecidos para adequação à modernidade, fazendo-se

necessário às mulheres ingressarem no mercado de trabalho. Como cuidar dessa

dupla função a ser desempenhada por essa mulher nikkei dentro desse novo

contexto histórico e cultural de vivência no Brasil? Esta foi a principal interrogação

à qual a fundadora do Internato São Paulo Saiho Jogakuin procurou dar resposta.

21 Shujin é a maneira como a ‘boa-esposa’ deve apresentar seu esposo e tem o sentido de “meu senhor”, ou ainda, “meu dono”. O esposo, por sua vez, apresentava a esposa como kannai, traduzido como “esposa” mas com a característica de pessoa “de dentro”, ou seja, de casa, do lar, “a que fica dentro”.

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A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina

22

1.3 A educação nipo-brasileira

O sentimento relutante do imigrante japonês, que tinha na sua vinda ao

Brasil uma intenção temporária (somente o tempo necessário ao enriquecimento,

que se dizia ‘rápido’), dificultava sua adaptação à nova terra. Essa intenção de

retorno rápido ao Japão refletiu-se diretamente nas questões educacionais que

privilegiavam a cultura nipônica, para facilitar a recolocação no mercado japonês

em sua volta.

Porém, frente aos obstáculos encontrados (engodo das promessas

feitas na contratação, ganhos baixos, dificuldades na quitação das dívidas

adquiridas por conta da viagem e consumo de insumos) e a concretização de

retorno ao Japão cada vez mais distante, o japonês passou a viver uma condição

híbrida de adaptação à nova terra (necessidade de uma educação brasileira), mas

sem perder o foco do país ao qual tinha a intenção de regressar (educação no

modelo tradicional japonês).

Para melhor explanação desse delicado momento da educação nipo-

brasileira, foi retomado o estudo “Dilemas da vivência em nova Terra: a educação,

o lazer e o consumo cultural entre japoneses em SP na primeira metade deste

século” 22 realizado por Zeila de Brito Fabri Demartini, Gilmar Santana, Maria

Helena Lara Netto, Odila Carvalho Reis e Valéria Barbosa Magalhães.

O referido estudo notou que tanto os grupos que se fixaram na capital

do Estado (cidade de São Paulo e periferia) quanto os que permaneceram no

interior do Estado (cidade de Campinas e periferia), tinham como objetivo comum

o enriquecimento rápido e seguro, após isto, o retorno à terra natal; o que refletiu

22DEMARTINI, Zeila B. F.et al. Dilemas da vivência em nova terra: a educação, o lazer e o consumo cultural entre japoneses em SP na primeira metade deste século, in: SIMSON, Olga R. M. von. (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1996. p.296-305.

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A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina

23

diretamente na maneira como foram trabalhadas as questões educacionais e

formativas dos descendentes23.

Ainda tendo como referência o modelo japonês muito presente, os

imigrantes tentam reproduzir aqui o tipo de escola e de cultura a que estavam

habituados no Japão. Fato que determina o florescimento das escolas japonesas

nas colônias rurais, na periferia, e no centro da capital. As estratégias no campo

da educação escolar apresentavam dois movimentos complementares, um

buscando a manutenção da cultura japonesa e outro procurando a cultura nacional.

“Até a criação de uma escola específica para moças que aí receberiam uma educação “adequada”, que as preparasse para o casamento e o papel de mulher segundo os padrões japoneses, pode ser entendido como tentativa das famílias de criarem as “suas” escolas no espaço brasileiro, de estabelecerem o seu poder neste campo que ainda se estruturava”.24

Observa-se, entre os grupos estudados pelos pesquisadores, que

grande parte das famílias de imigrantes japoneses vieram ao Brasil com o objetivo

de voltar e, portanto, demonstravam interesse em dar uma educação escolar “à

sua maneira”. Havia uma preocupação com as questões relacionadas à

sobrevivência (econômica) na nova terra. Como exemplo, citam os autores

(DEMARTINI, Zeila B.F. et al.1996:299): “(…) as moças da escola de D. Michie

Akama em São Paulo formavam-se como costureiras (…) e, quando retornavam

para o interior de SP, abriam suas próprias escolas de corte e costura”. 25

A dificuldade de concretização do projeto de retorno ao Japão provocou

mudanças no campo educacional. Como mencionamos anteriormente, muitas

famílias que acumularam recursos suficientes para dar continuidade de estudo aos

23o estudo valeu-se de consultas bibliográficas, documentação específicas, relatos orais coletados junto a japoneses que viveram nestas cidades no período de 1908 a 1950, coleta e análise de fotos e documentos dos depoentes: homens e mulheres de vivências diferentes, alguns já escolarizados do Japão, alguns nascidos aqui, alguns residentes em áreas urbanas, tendo passado por longos períodos em atividades agrárias 24 DEMARTINI, Zeila B. F.et al. Op. Cit. p. 298 25 Ibidem. p. 299

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A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina

24

filhos partem em busca de níveis mais elevados de escolaridade (geralmente em

escolas públicas brasileiras).

Um dos importantes pontos tratados por Demartini et. al., é sobre o fato

das crianças freqüentarem tanto escolas japonesas quanto nacionais, para se

adaptarem ao processo de inserção e sobrevivência na nova terra. A derrota do

Japão, na Segunda Guerra Mundial, e a interrupção dos projetos de ascensão

econômica fazem com que as famílias mudem os investimentos, não só no plano

econômico (juntar dinheiro para voltar), mas, em especial, no educacional,

passando a prioridade da educação japonesa, para a educação escolar nacional.

Os autores observam, enfim, que o novo contexto da realidade paulista

e paulistana permitiu às mulheres do grupo estudado uma mudança nos papéis

tradicionalmente desempenhados. Isto delineou a sua trajetória de ascensão

social particular, como indivíduo e não apenas como pessoas que acompanham o

processo de ascensão social da família. Segundo Demartini (1996: 303), “são elas,

em realidade, os elementos em cada família através dos quais estas ascendem

socialmente”. Neste ponto, o estudo traz o exemplo de trajetórias de duas

mulheres. Uma, traz à luz, a história de Michie Akama, a fundadora do Internato

São Paulo Saihou Jogakuin:

“Uma veio formada professora do Japão, para acompanhar o marido, pesquisador oceanográfico; aos poucos, entretanto, dadas as restrições legais ao trabalho do marido, é com sua atividade em São Paulo que passam a sobreviver. O marido começa a auxiliá-la na pequena escola de corte e costura e conhecimentos elementares, que vai aos poucos se ampliando até transformar-se em uma escola com clientela numerosa e de muito prestígio entre os japoneses em todo o Estado de São Paulo. O trabalho dessa mulher tornou-se fundamental à família, tanto econômica como socialmente, sendo reconhecida não apenas pelos japoneses aqui residentes, mas também pelo governo japonês, que a condecorou como personagem importante da imigração japonesa. O fato de ter conseguido aqui projetar-se enquanto indivíduo pode em parte justificar a escolha que fez de permanecer junto à escola, continuando com suas atividades, quando o marido faleceu e seu filho ainda era pequeno, não atendendo assim aos pedidos de sua família para que retornasse ao Japão”.26

26 Ibidem. p. 303-304

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A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina

25

A análise das trajetórias de homens e mulheres feita pelos autores,

apesar de estar mais focado nos campos da educação, do lazer e do consumo

cultural, possibilitou observar que também as atividades femininas foram

relevantes para a ascensão social das famílias japonesas, e não apenas as dos

homens.

Esta dissertação faz um pequeno recorte na educação nipo-brasileira

centrando a pesquisa no universo feminino da imigração japonesa no Brasil. A

prosperidade da comunidade nipo-brasileira permitiu aos pais que trabalhavam na

lavoura delegar a educação de suas filhas em idade ‘casadoira’ aos centros

conhecidos, informalmente, como ‘escolas de formação de noivas’, sendo “São

Paulo Saiho Jogakuin” uma das mais conceituadas. Dentro desse espaço

geograficamente delimitado, uma formação marcantemente feminina rompeu

barreiras e difundiu-se pelas ex-alunas por vários pontos do Brasil (Mirandópolis,

Jaboticabal, Atibaia, entre outros).

Nosso único sonho era voltar para nosso país com uma boa situação financeira, mas a reviravolta da história, com o término da guerra, mudou drasticamente nossa disposição. A força de vontade, foi cruelmente frustrada, e a residência permanente no país de migração, foi decretada. No entanto, estes fatos foram positivos para nós, os isseis, no sentido de que, em primeiro lugar, a vida foi se estabilizando, a administração dos negócios e as estratégias foram bem definidas, e tratamos com uma diferente e maior seriedade, a educação de nossas crianças.27

27 AKAMA, M. O vestuário e a colônia. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978.

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27

CAPÍTULO 02

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28

HANDA, T. Casarão Vergueiro. Original de arte, óleo sobre tela, 0,86 x 1,01 m.

1944.Coleção particular. (referências do artista na página 124)

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29

“Todo o meu empreendimento científico se inspira na convicção

de que não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social

a não ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica,

historicamente situada e datada, para construí-la”

Pierre Bourdieu

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

31

CAPÍTULO 2

“O internato ‘São Paulo Saihou Jogakuin’ “

2.1 Espaço físico e formação

“São Paulo Saihou Jogakuin” foi fundado na capital paulista em junho

de 1933, pela educadora Michie Akama e seu esposo, pesquisador formado em

Oceanografia e igualmente professor no Japão, Jiuji Akama. Tratava-se de um

internato de formação feminina segundo a ética japonesa. Às moças que lá se

formavam, era outorgado um ‘atestado de bom partido’, com garantia de

idoneidade ética e moral, eram as ‘boas moças’ casadoiras.

A preparação dessas alunas possibilitava ainda, eventualmente, a

abertura de escolas em outras regiões. O universo feminino é extremamente

valorizado na cultura japonesa como sendo um dos principais pilares para a

edificação familiar, daí a grande importância na formação de bons valores dessa

matriarca.

O internato passou por diversas mudanças de endereço e denominação

(devido às normas vigentes em lei e exigências da Secretaria de Ensino). As

mudanças de endereço ocorreram por diversos fatores, porém, uma das principais

causas era geralmente a falta de espaço. As acomodações não eram mais

adequadas ao aumento do número de alunas e também não atendiam mais as

expectativas quanto às atividades a serem desenvolvidas.

A compreensão da história destes percursos diversificados por meio da

narrativa ficaria cansativa. Existem detalhes que podem dar uma noção do

crescimento curricular e fortalecimento da instituição ao longo dos anos de sua

existência. Como possível solução, optei por uma explanação mais clara e

organizada dos dados, elaborando um quadro geral cronologicamente.

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

32

Ano Nome Endereço Matriz

Endereço Filial

Cursos e Currículos28

1933

Casa de

Ensino de Corte e Costura

Travessa da R.

São Paulo Atual R. Álvares

Penteado

_

Corte e Costura

1933-34

São Paulo Saihou

Jogakuin

R.Conselheiro Furtado, 18 e

posteriormente, 116

_

Inclusão: Língua

Japonesa básico

1935

Escola de Corte e

Costura SP

R. São Joaquim,

216 (figura 01)

_

Inclusão: Língua

Japonesa de nível médio

1935

Escola de Corte e

Costura SP

R. São Joaquim, 216

_

Inclusão:

Curso Preparatório para Exame

de Habilitação ao Magistério Profissional

1937

Escola Particular

Akama São Paulo

R. São Joaquim,

216

_

Inclusão: Língua

Portuguesa

1937

São Paulo Jogakuin

R. São Joaquim, 216

_

Inclusão: arte

culinária, etiqueta,

música, arte

1941

São Paulo Jogakuin

R. Tamandaré, 849 (figura 02)

_ Manutenção dos mesmos

cursos 1941 São Paulo

Jogakuin R. Tamandaré,

849 _ Inclusão:

Katei-ka29

28 A formação da grade curricular será melhor delineada no item 2.2, neste capítulo. 29 Katei significa “família”; ka significa “setor”, “seção”, “curso”, etc. Era o curso equivalente ao primário do Japão, com seis anos de duração e dividido em Hanagumi – “Flor” e Hoshigumi – “Estrela”.

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

33

Data Nome Endereço Matriz

Endereço Filial

Cursos e Currículos

1942

São Paulo Jogakuin

R. Tamandaré,

849

_

Inclusão:

Shihan-ka30

1942

Núcleo de

Ensino Profissional Vergueiro

R.Vergueiro, 235

(figura 03)

_

Inclusão:

Senkou-ka31

1942

Núcleo de

Ensino Profissional Vergueiro

R.Vergueiro, 2625 (figura 04)

R.Vergueiro, 235

Inclusão:

Jogaku-bu Jumbi-ka32

1958

Fundação Instituto

Educacional D. Michie Akama

R.Vergueiro, 2625

R.Vergueiro,

235

Inclusão: Jogaku-bu Jumbi-ka

1961

Fundação Instituto

Educacional D. Michie Akama

R.Vergueiro, 2625

R. Galvão Bueno, 212

Manutenção dos mesmos

cursos

1971

Fundação Instituto

Educacional D. Michie Akama

Av.Dr.Altino Arantes, 1098

(figura 05)

_ Inclusão:

Pré-escola 1a série do

Curso Primário

30 Shihan significa “mestre”, “professor”, “instrutor”. Era o curso de extensão ao curso Jogaku-bu (equivalente ao curso médio do Japão) 31 Senkou-ka significa especialização. Com quatro anos de duração, era o curso de extensão do Shihan-ka 32 Jumbi significa preparatório. Era o curso intermediário entre Jogaku-bu e Katei-ka, ou seja, o curso admissional ao Jogaku-bu.

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

34

A seguir, alguns registros imagéticos dos endereços percorridos pela

instituição:

Figura 01

Data: final de 1935

Local: Rua São Joaquim, 216

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: indeterminada (02 no arquivo da instituição)

Características: preto e branco

Tamanho original 12X18 cm; papel fosco; conservada; bom contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): formandas da turma de 1935

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

35

Figura 02

Data: 1941

Local: Rua Tamandaré, 849

Fotógrafo: Kojima

Quantidade de fotos: 01

Características: preto e branco

Tamanho original 11,5X18 cm; papel fosco; conservada; pouco contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): sede Tamandaré durante o período 1941-1942

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

36

Figura 03

Data: 1942

Local: Rua Vergueiro, 235

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: 01

Características: preto e branco

Tamanho original 12X18 cm; papel fosco; conservada; bom contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): filial Vergueiro, mantinha os mesmos cursos da matriz (R.

Vergueiro, 2625), porém em regime de externato

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 04

Data: 1942

Local: Rua Vergueiro, 2625

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: indeterminada (02 no arquivo da instituição)

Características: preto e branco

Tamanho original: 17,5X22,5 cm; papel fosco; conservada; bom contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): matriz Vergueiro, mantinha todos os cursos ministrados pela

instituição em regime de internato; foi o último endereço locado para sede principal,

saindo deste endereço direto para a sede própria na Av. Dr. Altino Arantes, 1098

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

38

Figura 05

Data: 1971

Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098

Fotógrafo: não-identificado

Características: preto e branco

Tamanho: 12X18 cm; papel brilhante; pouco contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): alunas (em pé) e professoras (sentadas) em frente ao prédio próprio

da escola

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

39

A transformação em fundação foi um dos objetivos alcançados pela

fundadora, que se efetivou em 1960, como Fundação Instituto Educacional D.

Michie Akama, a quem, por doação, passaram a pertencer todas as escolas e

cursos anteriormente mencionados. Isso aconteceu em comemoração ao Jubileu

de Prata de suas atividades.

O objetivo era dar, dentro de suas possibilidades, educação gratuita,

tanto cultural como profissional, a jovens do sexo feminino, com preferência às

moças pobres e residentes no interior. A Fundação propôs para isso, ampliar os

cursos e a Escola, transformando-os numa verdadeira Escola Profissional

Feminina, com a pretensão de criar ainda os cursos Ginasial, Comercial, Científico

e Clássico. Pelo processo MJ no 14.552/92, a Fundação somente foi declarada de

Utilidade Pública Federal no dia 25 de maio de 1992, publicada no Diário Oficial da

União em 26 de maio de 1992.

A construção do prédio próprio na Av. Dr. Altino Arantes foi uma grande

conquista da fundadora Michie Akama. Como a Fundação estava sediada em um

prédio alugado na Rua Vergueiro, onde as instalações já não comportavam a

intensa atividade desenvolvida pela mesma, foi projetada a construção de um

prédio no terreno de três mil e duzentos metros quadrados doado por Michie

Akama, onde seriam instalados todos os cursos pertencentes à programação.

Em novembro de 1965, iniciou-se a construção do prédio da Fundação,

sob a responsabilidade dos arquitetos Yoshikazu Morita e Antonio Akama. Dona

Michie Akama iniciou uma nova jornada, viajando pelo Brasil inteiro, visitando,

principalmente, ex-alunas para uma campanha de arrecadação de fundos para a

construção.

“Não é uma tarefa fácil pedir doação. O ato de pedir alguma coisa para alguém, mesmo não sendo em benefício próprio, não deixa de ser uma situação constrangedora. Ao mesmo tempo, ocorreu grande ansiedade, lembrando as feições das ex-alunas com muita saudade, e imaginando o momento do reencontro.

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

40

Muitas vezes, senti vontade de largar tudo, ocasião em que me fez recordar, esporadicamente, do pensamento de um bonzo da seita zen, sobre o espírito do Takuhatsu33, (Mendicância). Nem sempre as pessoas recebem com bondade, o praticante de Takuhatsu, mesmo após jornadas nas quais ele foi submetido a um calor tórrido ou gélidos ventos. Podem acontecer casos em que, simplesmente, nem venham a ser atendidos, ou serem recebidos com grande desprezo. Não será um ato verdadeiro de Takuhatsu, se o praticante reagir com o sentimento de ira. Não se pode dizer que é um verdadeiro praticante de Takuhatsu, aquele que não suporta as ofensas, pelo contrário, deverá encarar com suave fisionomia, com as palmas juntas num gesto de oração. No decorrer deste ato, observando, com obstinação, as condições sociais e da natureza humana, praticando o exercício espiritual de submissão a qualquer injúria, conclui-se o importante ato de Takuhatsu, em busca da harmonia de si com os demais.

Apesar disso, fui recebida pelas ex-alunas com alegria, pela visita inesperada. Em certas regiões, fomos recebidas com jantar organizado pelas ex-alunas e ficamos, à noite, confabulando sobre o passado. Até pelos maridos ou pais dessas ex-alunas, fomos bem recebidas, facilitando-nos as locomoções com carros à disposição. Fiquei muito gratificada com a atenção que recebi, a ponto de juntar as palmas, num gesto de oração, em agradecimento a Deus.

O bonzo da seita zen praticante de Takuhatsu tem como objetivo o aperfeiçoamento, tanto do corpo como da mente, segundo os ensinamentos do budismo, em busca de oportunidades para poder corresponder às pessoas que procuram a salvação espiritual. Entretanto, sou apenas uma mulher comum, que luta por um objetivo, com sentimento de que, ao invés de salvar, estou incomodando as pessoas. Isso faz pesar meu coração, mesmo que, não se resuma em buscar vantagens próprias. Prevalece o desejo de que, um dia, possa transformar a Escola em orgulho das ex-alunas, e que esta instituição atenda os anseios dos futuros educandos. Dedico-me neste único objetivo, mas sinto que terei ainda, um extenso caminho de dificuldades.

Quero seguir, considerando o Takuhatsu como um significado verdadeiro do estado espiritual, que tem origem no sentimento profundo do bem. Apenas isso.”34

No mês de março de 1971, realizou-se a mudança para o novo prédio,

situado à Avenida Doutor Altino Arantes, 1098, desocupando assim o prédio que

fez parte de uma história por vinte e sete anos.

33 Takuhatsu - Um forma de provação de sacerdotes das religiões indianas , adotada também pelo budismo, que consiste em pedir esmolas, para obter o mínimo de subsistência, com o objetivo de atingir o aperfeiçoamento mental e físico. 34 AKAMA, M. Estado espiritual de mendicância. In: Katarigusa o otte. São Paulo: Toppan Press, 1995.

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 06

Data: 1965

Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: 01

Características: preto e branco

Tamanho original: 12X18 cm; papel brilhante; conservada; bom contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): terreno de três mil e duzentos metros quadrados onde seria

construída a sede própria da escola

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 07

Data: 1965

Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: 01

Características: preto e branco

Tamanho original: 12X18 cm; papel brilhante; conservada; bom contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): a obra em processo de construção

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 08

Data: 1970

Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: 01

Características: preto e branco

Tamanho original: 12X18 cm; papel brilhante; conservada; pouco contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): finalização da obra; a alguns passos da realização de um sonho

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

44

Por ocasião de sua construção, havia a necessidade de acomodar em

suas instalações um número muito grande de alunas internas, que permaneciam

até então, como moradoras no casarão da Rua Vergueiro, 2625 (observar Figura

10, planta inicial com vários dormitórios).

Porém, logo após mudarem para a sede própria na Av. Dr. Altino

Arantes, outros fatores no quadro nipo-brasileiro impõem novas adaptações. Entre

eles, podemos citar a migração das famílias do interior para a capital paulista,

fazendo com que as alunas não mais necessitassem de moradia, podendo residir

com suas famílias e freqüentando apenas as dependências da instituição para

cursar as diversas atividades oferecidas.

A diminuição da demanda pelos cursos femininos (corte e costura) foi

influenciada pela mudança o cenário econômico e a facilidade em adquirir roupas

prontas. Apesar de garantir a “exclusividade” de uma roupa feita sob medida e

originalidade no modelo, não era possível competir com os baixos preços e a

praticidade oferecidos pelas roupas produzidas em larga escala nas confecções.

A habilidade de corte e costura deixa de ser essencial como atributo

feminino. É possível observar essa mudança de foco analisando as fotografias de

formandas de corte e costura de 1946 (171 alunas), no mais alto momento de

funcionamento do internato e, de 1981, a última turma (7 alunas). Pelo gráfico

(Figura 09), pode-se verificar as mudanças na procura pelo curso.

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 09

São Paulo Saiho Jogakuin

0

20

40

60

80100

120

140

160

180

1934

1938

1942

1946

1950

1954

1958

1962

1966

1970

1974

1978

ano

form

andas

s

formandas

Dessa forma, as plantas iniciais do prédio já construído, sofreram

alterações, como pode ser observado pelas reproduções referentes ao primeiro

andar (transformação dos dormitórios em grandes salas de aula – Figuras 10 e 11).

Mudanças de interesses, novos rumos para a instituição. Paredes foram

derrubadas, ampliando os espaços. Pequenos dormitórios deram lugar a salas de

aula mais amplas para abrigar novas atividades (disciplinas regulares de

educação infantil e primeiro grau, que necessitavam de espaços mais amplos com

lousas e carteiras).

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 10

Data: 6 de novembro de 1965

Planta da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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Figura 11

Data: 08 de fevereiro de 1980

Planta da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama

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O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina

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A educação formal ganhou espaço, porém, sem abandonar os

princípios que sempre nortearam a educadora Michie Akama. Após a mudança, os

alunos são outros, mas a base e os valores permanecem até hoje. De meninas

vindas do interior para o internato em busca de uma formação feminina, passou-se

a “pequeninos” educandos (pré-escola). Era a primeira turma do Youtien35 . A

educação infantil ganhou espaço e o sonho da educadora de acompanhar o

crescimento dessas crianças em sua educação de forma completa tornou-se uma

realidade. A primeira série do antigo Primeiro Grau teve início em 1971, ano que

coincide com a implantação da Lei 5692/71, que estabelece uma nova divisão do

ensino regular.

Com o crescimento da escola, vieram a segunda série, a terceira e,

assim, sucessivamente. Os rumos da escola foram alterados, porém sem perder

seus valores e princípios, a Fundação que hoje mantém os cursos regulares que

iniciam com alunos a partir dos três anos de idade (maternal) até o terceiro ano do

Ensino Médio, perdeu a característica de uma escola de formação feminina mas

traz uma história marcante na memória nipo-brasileira. Michie Akama pretendia ir

além e chegar ao Ensino Superior, uma meta almejada até seu falecimento, aos

quase cento e dois anos, com uma trajetória brilhante na educação brasileira. O

sonho ainda permanece vivo na memória de todos, aguardando seu momento de

realização.

35 Youtien – jardim da infância ministrado em lingua japonesa.

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O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina

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2.2 A formação da grade curricular

Para tornar mais clara a visualização da disposição dos cursos

oferecidos, apresento um gráfico mapeando o funcionamento da escola.

Figura12

A instituição ministrava aulas de corte e costura, culinária, ikebana36

(“vivificação” da flor, por meio de arranjos, onde a flor se “exibe” harmonizando o

ambiente energeticamente – pela filosofia oriental), etiqueta social, dança, música

(bandolim, piano e violino), desenho e teatro, além de formações de

contextualidade social, política e econômica, enfim, tudo o que uma boa mãe e

esposa japonesa deveriam saber para que pudesse contribuir e cooperar na

resolução de problemas familiares.

A maioria dos cursos tinha caráter informal, portanto, não possuía um

conteúdo programático formatado e registrado. O material relacionado ao caráter

36 Ikebana – espécie de arranjo floral japonês onde se busca a beleza no equilíbrio e a harmonia da colocação das flores

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O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina

50

intencional de cada “disciplina” (se é que podemos chamá-la assim), tinha mais o

intuito de orientação, no qual o corpo docente baseava-se para elaborar as aulas.

O objetivo que se pretendia alcançar está nos escritos datilografados e

organizados em pastas de documentos da época, selecionados por ocasião da

transformação em Fundação, para obtenção de verbas em prol da construção da

sede própria. A seguir, a transcrição das ementas dos cursos oferecidos:

a. Corte e Costura - O ensino de Corte e Costura foi a atividade mais antiga da escola. O curso foi ministrado não apenas na teoria, mas, também, na sua prática. Além da técnica, procurou-se aperfeiçoar a mente e aprimorar a sensibilidade de cada aluna, por meio de cursos complementares, tais como desenho artístico, desenho técnico, desenho de modas, noções fundamentais de matemática, dentre outros. A escola tornou-se um dos mais tradicionais estabelecimentos de ensino profissional da capital paulista, pelo seu método prático e eficiente, dotando suas alunas com sólidos conhecimentos, aptas a todas as eventualidades. Os significativos índices de aprovação obtidos pelas suas alunas nos concursos de Habilitação ao Magistério promovidos anualmente pelo Departamento de Ensino Profissional do Estado de São Paulo comprovam a eficiência do método. O curso funcionou sob a fiscalização desse Departamento, registrado sob o no 294-D. b. Trabalhos Manuais - ensino da arte de tecer, entre outras modalidades de trabalho manual para enriquecer a existência e o aperfeiçoamento desses trabalhos (bordados, tricô e crochê). Havia ainda o ensino de ‘feitura’ de flores artificiais, onde, pela arte de aplicar flores, podia embelezar a vida pela apreensão do belo, bem como a aquisição de predileções mais nobres e elevadas (observar a relevância da apreciação do belo como uma forma de enobrecer o espírito, característica marcante na cultura japonesa). c. Português - foi fundado em 1939, tendo como Diretora Pedagógica, Dona Nair Lemes de Almeida. Inicialmente, este curso teve a função primordial de ministrar o conhecimento do vernáculo aos imigrantes e seus descendentes que, até então, não tiveram a oportunidade de aprender a língua portuguesa. Posteriormente, o curso reorganizou-se elevando o grau de ensino do vernáculo para evitar retrocesso do que aprendeu no curso primário, ministrando-o no grau comparável ao curso secundário e assim permitir às alunas que desejassem seguir cursos mais adiantados e formar-se para a assimilação da cultura universal. d. Arte Culinária - além da culinária propriamente dita, ministrava-se noções de dietética. Esta tinha a finalidade de dar conhecimento teórico e prático, para que as alunas não sentissem dificuldades na sociedade. e. Higiene, Nutrição e Fisiologia - era um curso de adaptação da vida ao ambiente em que se vive, mediante conhecimentos científicos. f. Sociabilidade e Etiqueta - curso onde as alunas adquiriam conhecimentos necessários para a boa conduta no meio social em que se vive. De acordo com a inteligência pessoal, buscava-se construir uma vida condizente com as exigências da sociedade, ensinando boas maneiras e cultivando “maneiras de pensar”, “maneiras de sentir” e

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O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina

51

“maneiras de agir”. Ensino de princípios da lógica para adquirir conhecimentos necessários para a boa conduta humana. g. Música - reconhecendo que a música concorre para melhor compreensão e aprimoramento da sensibilidade, predicados imprescindíveis à vida, ministrava-se o canto, a maneira de saber apreciar músicas, bem como tocar instrumentos musicais (piano, bandolim, flauta) e, finalmente, compor músicas, com a finalidade de torná-la companheira inseparável da vida. h. Educação Física - ginástica coletiva todas as manhãs. Ensino de Educação Física como matéria, para através da música ritmada, dotar as pessoas das seguintes qualidades: saúde, perspicácia, decisão, disciplina, vontade firme e espírito de cooperação. i. Desenho - a educação artística consiste em respeitar as tendências para o belo de cada um e o anseio de realizar esse belo, pois, a diferenciação no modo de realizar esse belo é o que se manifesta em algum setor da arte. A finalidade é ainda, dotar a pessoa de sensibilidade por meio do desenho e incutir em cada um o espírito de ordem. j. Matemática - ensino de aritmética e matemática para possibilitar, de acordo com a inteligência de cada um, aplicá-las na vida prática e melhor raciocinar. k. Língua Inglesa – ensino, principalmente, pela necessidade no futuro, em decorrência deste país estar situado na América e dos rumos que se pode tomar. l. História - ensino da história antiga, moderna e contemporânea, bem como estudo sério da história do Brasil, conhecimentos necessários à vida.

Além desses cursos, existiam atividades extracurriculares, destacando-

se: grêmio, jornal, serviços de alto-falantes, instalados em diversas dependências

da Escola, competição cultural e esportiva, biblioteca, centro de estudos da Língua

e Cultura Japonesa, piquenique, excursões, entre outras. Haviam intensas

atividades artísticas, tais como: representações teatrais organizadas pelas alunas

e o coro feminino que já era tradicional. A difusão da música erudita era feita por

meio de audições de discos criteriosamente organizadas e realizadas

semanalmente.

Quanto ao culto religioso havia completa liberdade de escolha, pois as

alunas que vinham para a escola, tanto da capital como do interior do Estado de

São Paulo, de outros Estados e até países, traziam a religião de seus pais. Porém,

desde o início de sua fundação, professoras católicas, cônscias dos seus deveres,

sob a orientação de missionários e catequistas, dedicaram-se a ensinar a doutrina

cristã às alunas que foram batizadas quando pequenas, ao mesmo tempo, em que

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O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina

52

proporcionavam oportunidades às demais, que procuravam um lume seguro que

lhes norteasse a vida.

Em 1959, houve ampliação de cursos: registrou-se o curso primário

complementar no Departamento de Educação do Estado de São Paulo, sob

no 2054. Este curso se mostrou muito eficiente desde o início, tendo o mesmo, no

seu primeiro ano, alcançado 95% de aprovação, e em 1960, 100% de aprovação

nos mais diversos ginásios da Capital, em sua maioria em estabelecimentos de

Ensino Oficial. A Escola mantinha o Internato e o Externato, com cerca de

trezentos e cinquenta alunas na época.

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

53

2. 3 Orientação filosófico-educacional

A nossa organização social tem como célula-mater a família. E esta tem na

mulher a sua pedra basilar. Daí a necessidade e a responsabilidade que tem a mulher de se

preparar para assumir o cargo de tamanha gravidade. Dentro desse raciocínio, Dona Michie

Akama tem orientado suas atividades educacionais no sentido de dar à mulher o que considera

o mínimo necessário para enfrentar as responsabilidades de dona-de-casa, esposa e mãe de

família.

Ciente e consciente de que o ser humano não vive e não pode viver isolado, mas

sim dentro da sociedade, em contato permanente com seus semelhantes, dona Michie vem

ensinando às suas alunas a indispensabilidade da mútua cooperação entre as pessoas

humanas. Assim é que um indivíduo, seja homem ou mulher, só consegue sobreviver e realizar-

se plenamente dentro do seu ideal vivendo em sociedade, auxiliando e sendo auxiliado pelos

seus semelhantes. Sem esse espírito de mútua cooperação, de solidariedade e de auxílio

recíproco, não subsistiria a família, a sociedade e, por via de conseqüência, a nação.

A Fundação, nas suas escolas e cursos, além do preparo físico, cultural,

profissional e artístico da mulher, cuida, como se vê, de sua formação espiritual.

A Escola tem como diretriz filosófica de ensino o espírito de mútua cooperação. O

homem vive, física e espiritualmente, e para o seu aperfeiçoamento, deve-se levar em conta

sempre este fato. Contudo, para se aprimorar é necessário que se observe as qualidades do

próximo, a fim de assimilá-la e aplicar na conduta diária de cada um. Esse modo de pensar se

aplica, também, em todo o proceder da humanidade, inclusive a um país, pois, para se

construir uma vida melhor é preciso, não só aproximar as qualidades, mas também difundi-

las, a fim de que cada qual possa trabalhar para o bem estar coletivo. O espírito de mútua

cooperação é um princípio antigo, sem dúvida, mas aplicável à vida moderna.

Sobre a cultura da mulher

A finalidade é fazer reconhecer que a mulher existe e atua na família, sociedade,

cidade, aldeia, na produção, consumo, no entretenimento e na educação-cultural.

Educar é saber formar a personalidade do homem de amanhã, em cada instante da

vida, dentro de uma sociedade que vai alterando constantemente, aprendendo todos esses

fatores da mutabilidade social, defendendo-se dos fatores adversos para a consecução de seu

fim.37

37 AKAMA, A. Sobre a cultura da mulher. [s.n.t.].

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

54

“A base dos conhecimentos compartilhados”

Figura 13

Data: 1974

Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: indeterminada

Características: colorida

Tamanho original: 18X22 cm; brilhante

Armazenamento: avulso

Legenda (descrição): Michie Akama em sua biblioteca, seu local preferido da casa, onde

apreciava o seu “hobby” (como chamava) predileto, a leitura.

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

55

Michie Akama nasceu no dia dezoito de setembro de 1903, na aldeia de

Kawasaki no distrito de Shibata, Província de Miyagui, ao nordeste do Japão.

Formada pela “Escola Técnica Feminina Watanabe” de Tokyo, atual “Faculdade

Doméstica de Tokyo”, em 1922. Diplomada em 1924 pela “Escola Normal

Municipal de Tokyo”, lecionou por cinco anos na antiga “Escola Profissional” na

cidade de Sendai, a atual “Universidade Mishima”. Imigrou ao Brasil em 1930,

acompanhando seu esposo Jiuji Akama38 no navio “Montevideo Maru”.

Jiuji Akama, formado em Oceanografia pela “Universidade Imperial de

Hokkaido”, era professor da “Escola de Navio Mercante e Produção Marítima da

Província de Shimane” e que, ao tomar conhecimento pelo jornal “Kahoku-

Shimbum”, da cidade de Sendai, a respeito da prosperidade no desenvolvimento

da pesca marítima, resolveu imigrar para o Brasil. Não sabia, porém, que haviam

restrições aos estrangeiros quanto à exercer atividades ligadas à pesca, na

legislação brasileira. Trabalharam então, durante o primeiro ano no país, numa

fazenda de café, em Cafelândia.

Uma vez desfeito o sonho de Jiuji de se dedicar à pesca, mudam-se

para Registro, onde ele foi convidado para lecionar na Escola da colônia japonesa

local. Ao constatar a precariedade da situação das jovens que se dedicavam ao

trabalho duro, desde a madrugada até o anoitecer, sem possibilidade de receber

qualquer tipo de instrução, ou mesmo, um preparo para o matrimônio, decidem

criar uma escola de formação de moças. Para tanto, utilizam como modelo, a

Escola Mishima, de Sendai, onde Michie Akama havia lecionado antes de vir ao

Brasil. Os primeiros cursos tinham como ênfase principal o corte e costura,

prendas domésticas e a cultura japonesa.

Em São Paulo, Michie matriculou-se numa escola de corte e costura,

em fevereiro de 1932. Ela obteve a habilitação para magistério de ensino

profissionalizante, em setembro do mesmo ano. Um primeiro passo de ordem

38 O casamento com Jiuji Akama foi em 1928, portanto, dois anos antes da viagem ao Brasil.

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

56

prática, até mesmo burocrática, para efetivar a viabilidade dos planos traçados no

campo educacional brasileiro. Uma titulação (mais até do que qualificação)

necessária para a regulamentação e funcionamento das atividades segundo as

vigências legais na época.

O “simples” curso de corte e costura (no sentido de comum, igual a

qualquer outro de mesma natureza) seria capaz de atrair o considerável número

(mais de cinco mil) de alunas para suas instalações? É certo que, a proposta

inicial foi ampliada e adaptada à demanda das necessidades da época, com

inclusão de outros cursos e disciplinas para as alunas do internato feminino.

Porém, a característica mais ampla de informações não garantia o diferencial

frente às outras escolas similares (internato feminino) compreendidas nesse

mesmo período histórico.

Entra então, uma nova pergunta. “O que” realmente tornava essa

escola um ícone na educação nipo-brasileira que era reconhecida como garantia

de boa formação na colônia nikkei? Imaginando, hipoteticamente, a situação de

um casal, japonês de origem, que pretende educar uma menina nascida no Brasil

(ou vinda ainda pequena), conhecem apenas os modelos de conduta japoneses e

encontram como opções uma escola local (Brasil) que ensina coisas locais e uma

escola (Akama gakuin39, como era conhecida) que ensina coisas para o local (bem

viver no Brasil), mas traz a vantagem de possuir alguns (ou vários) valores

japoneses embutidos. Se o casal valorizar sua cultura de origem, tende a optar

pela segunda.

O casal Akama, cônscio dessa lacuna educacional nos moldes

brasileiros, preocupa-se em suprir essa necessidade, sem um viés de

planejamento mercadológico técnico friamente pensado. Assim, estabelecem os

cursos, articulando-os segundo as experiências vividas por Michie, enquanto aluna,

39 Gakuin – Instituto Educacional

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

57

e posteriormente professora, em escolas japonesas, adequando o ensino às

condições brasileiras.

Michie Akama oferece, ao mesmo tempo, uma educação duplamente

funcional. Formada no Japão, é detentora de um “capital simbólico”40 que lhe

outorga uma bagagem cultural (étnica) que possibilita, de certa maneira, às alunas,

uma maior “aproximação” com sua ancestralidade, sua origem nipônica, até

mesmo, num sentido emocional. Ao mesmo tempo, disponibiliza possibilidades

funcionais dentro da realidade brasileira em que se encontra, por meio de uma

educação operacional.

Esse internato representa a oportunidade de permanência de um

caráter cultural japonês num ambiente completamente díspar e, preservando na

identidade feminina, uma transmissão de valores não apenas locais, mas também,

distantes. Desse modo, Michie Akama possuía atributos que a qualificavam no

meio educacional, conferindo-lhe um capital simbólico diferenciador, ou seja, era

japonesa de origem e educação, imigrou ao Brasil acompanhando o marido

pesquisador (modelo de boa esposa), professora diplomada que atuou

profissionalmente no Japão (qualificação no meio educacional reconhecida),

propunha um modelo educacional funcional no Brasil aliado à preservação de

valores de sua origem. Ei-la como um grande diferenciador atrativo frente às

outras escolas de mesma categoria (formação feminina).

Cabe lembrar que, a existência de uma proposta não resume a própria

vivência que as alunas tiveram no internato, pelo contrário. Para melhor

compreensão do que buscavam e obtiveram (ou não) no internato, faz-se

40 O capital simbólico é um valor agregado à uma coisa ou agente. Esse algo ou agente (no caso, o professor) possui um valor que será tanto maior quanto mais capital simbólico for a ele agregado. Este capital funciona e “age” num meio que podemos chamar de campo (digamos aqui, o campo educacional que envolve educadores, educandos, pais de alunas). Isso não basta, é preciso ainda que esse valor agregado (a esse professor) seja reconhecido pelos membros do mesmo campo. O agente (professor) terá maior poder de influência num meio conforme o seu capital simbólico funcionar como um diferenciador dos demais agentes do campo que, por sua vez, reconheçam a diferença. Quando isso acontece, ele pode deslocar as posições dos outros agentes no campo, que passam também a atuar no mesmo, influenciando-o (a qualificação profissional, por exemplo, pode ser uma forma de construção de um capital simbólico diferenciador).

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

58

necessário um mergulho em suas memórias (imagens e reminiscências), na

permanência (ou não) dos valores japoneses em sua trajetória, o que será

realizado no capítulo três, em análise verbo-visual das cumplicidades existentes

entre texto e imagem, nas narrativas das ex-alunas do “São Paulo Saihou

Jogakuin”.

A orientação filosófico-educacional do internato foi apresentada

utilizando-se como fontes de pesquisa, os documentos e registros institucionais, a

ementa curricular do internato na época de sua instituição, os livros escritos pela

fundadora e os periódicos da instituição. Seu trabalho é amplamente

reconhecido por toda a sociedade brasileira.

2.3.1 Ayumi

O Boletim “AYUMI” foi um periódico interno do “São Paulo Saihou

Jogakuin” que vigorou desde 1952 (20 de dezembro – data da publicação do

primeiro exemplar) a 1973 (15 de novembro – exemplar de número 38). Por esses

boletins é possível acompanhar não apenas a história dessa instituição, mas

principalmente, os pensamentos e valores que norteavam os ensinamentos

ministrados. Tratam-se de textos redigidos não apenas por professores, mas, em

sua maioria, por alunas do internato.

O periódico traz vozes que narram a sua maneira de pensar, os sonhos

que buscam concretizar pela formação oferecida pelo internato, demonstrações de

orgulho por pertencer a uma elite privilegiada dentro da comunidade nipo-

brasileira que pode ter acesso a valores ligados a suas origens e que são

defendidos veementemente em sua concepção de sociedade e mundo. É possível

perceber, em muitas narrativas, a forte influência exercida pela educação

enquanto formadora de boas moças e boas cidadãs, acima de tudo.

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

59

O espírito de gambarou (continue dando o seu melhor, não desista) é

marcante na cultura nipônica. É preciso trabalhar, lutar incessantemente e nunca

esmorecer em busca de seus ideais. Tão importante esse sentimento de força

independentemente das dificuldades que possam surgir que, logo na primeira

página de uma das primeiras edições do jornal, encontra-se em evidência o texto

com o titulo “Saber vencer”. Cabe ressaltar que a grafia nos textos selecionados

será a mesma do artigo original publicado no boletim, sem alterações e

atualizações, principalmente por remeter ao passado, com as regras ortográficas

vigentes na época.

2.3.2 A bibliografia de Michie Akama

Figura 14

Leitora assídua de

diversificada fonte literária, tinha

por hábito também, “confiar à

caneta”, dedicando-se à escrita

de seus próprios pensamentos e

metodologias educacionais para

formação feminina. Destas suas

publicações, foram selecionados

os temas mais pertinentes à

pesquisa para posterior tradução.

As traduções integrais dos títulos

escolhidos encontram-se nos

anexos 02.

Os quatro livros exigiram

dedicação maior por parte dos tradutores, por serem redigidos em ideogramas

pertencentes a um período anterior à Segunda Guerra Mundial. Após a Segunda

Guerra, a escrita sofreu uma reforma, conseqüentemente, uma parte considerável

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

60

de ideogramas caiu em desuso, reduzindo além do número de kanji41, o número

de traços para alguns ideogramas, que tiveram sua escrita abreviada, simplificada.

A seguir, apenas uma breve apresentação destes escritos e o teor de seus

conteúdos que serão explanados ao longo da análise do terceiro capítulo de

maneira contextualizada.

“Burajiru seikatsu de no etiketto”42 (“Etiqueta para viver bem no Brasil”)

explana os aspectos conceituais que tem como peça central a formação

pretendida pelo internato “São Paulo Saihou Jogakuin”. Foi o primeiro livro do

gênero na comunidade nipo-brasileira e trata de conceitos da fina etiqueta

japonesa (bem como da tradicional européia) adequando-os, ou melhor,

adaptando-os ao Brasil e seus modos, sua conduta. Dessa forma, encontram-se

detalhados itens tanto da cultura oriental (japonesa) como da ocidental.

Como elemento de relevância no sentido de “bem formar” as moças

para serem boas esposas (companheiras e futuras mães), o livro trata desde

assuntos relacionados ao momento de apresentação de uma pessoa até

comportamentos adequados em diferentes situações/ocasiões, seja num chá ou

num banquete. Coube nessa dissertação, traduzir da língua japonesa para a

portuguesa, alguns assuntos (entre eles, notadamente: apresentação, cerimoniais,

deveres domésticos, etc) mais intimamente ligados à temática, sem desmerecer

outros (anéis, cartas, bailes, banquetes, etc.) que serão apenas relacionados.

As traduções seguem, por sua vez, uma ordenação segundo o

interesse para a dissertação. Como um roteiro, pensando na ênfase do casamento,

partiu-se do momento da apresentação (ponto inicial para um possível

relacionamento) às questões relacionadas ao cerimonial e, posteriormente, uma

vez consumado o casamento, os saberes que uma mulher deve possuir frente à

condição de ‘mulher casada’, boa esposa, companheira e anfitriã.

41 Kanji - Ideograma japonês 42 AKAMA, Michie. “Burajiru seikatsu de no etiketto”. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

61

A autora enfatiza que, tanto as obrigações diárias do lar quanto as de

cunho social, são de grande importância para o âmbito familiar e de crescimento,

portanto, existem saberes que são indispensáveis para que as alunas estejam

‘prontas’ para desempenhar bem seu papel de esposa. Os capítulos do livro serão,

portanto, dispostos na seguinte ordenação: apresentação; casamento tradicional

japonês; tipos de casamento; cerimônia do chá; chá / festa (estilo ocidental:

tratando-se do bem viver no Brasil, é necessário o saber do costume ocidental

também); Ikebana (harmonia que é sempre presente no lar e nas principais

ocasiões); dever da dona de casa; preparação da mesa; culinária japonesa; visitas.

“Kouen no tabi” 43 (“Viagens de Conferências”) traz os vários textos

referentes aos temas apresentados pela educadora Michie Akama em

palestras e conferências ministradas por todo o Brasil (tais como: educação,

mulheres, papel da mãe, problemas familiares, tanka - forma japonesa de poesia,

entre outras). Dentre os onze títulos que compõem a publicação, foram

selecionados apenas dois: “Palestra realizada por ocasião do II Seminário para

Senhoras” e “Palestra realizada no templo budista ‘Hompa Honganji’ sobre o tema

‘Situação da mãe’”.

Os livros “Katarigusa” e “Katarigusa o otte” trazem por meio de textos

redigidos por Michie Akama, suas “memórias”. São “pensamentos” que, como a

autora colocou, foram “confiados à caneta”. De seu vasto conhecimento de mundo,

registrou seus pontos de vista, seus pensamentos e reflexões a respeito dos

assuntos que permeavam seu quotidiano. Alguns deles foram escolhidos para a

edição dessas duas coletâneas.

Ao ser considerada uma grande educadora, Michie foi solicitada para

“dividir” seus conhecimentos sobre os mais diversificados assuntos em jornais

(Jornal Nippaku Mainiti, Jornal de Críticas, Jornal Paulista, São Paulo Shinbun), e

43 AKAMA, Michie. “Kouen no tabi”. São Paulo: Toppan Press, 1999.

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Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina

62

revistas (Revista da Colônia), bem como atuar, como conselheira, em situações

pertencentes ao universo feminino, aconselhando ouvintes de rádio (Rádio

Difusora), à qual prestava consultoria. Os assuntos variam desde práticas

quotidianas como ler, caminhar e se vestir, até temáticas mais pessoais, como o

comportamento e desembaraços ao lidar com questões sentimentais. Os temas

foram selecionados, para o foco desta pesquisa, em função das estreitas relações

com a formação da identidade feminina.

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CAPÍTULO 03

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HANDA, T. Sala de aula. original de arte, óleo sobre tela, 0,52 x 0,59 m. 1953.

Coleção particular. (referências do artista na página 124)

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A alma é uma coleção de belos quadros adormecidos, os seus rostos envolvido pela

sombra. Sua beleza é triste e nostálgica porque, sendo moradores da alma, sonhos, eles

não existem do lado de fora. Vez por outra, entretanto, defrontamo-nos com um rosto (ou

será apenas uma voz, ou uma maneira de olhar, ou um jeito da mão...)que, sem razões, faz

a bela cena acordar. E somos possuídos pela certeza de que este rosto que os olhos

contemplam é o mesmo que, no quadro, está escondido pela sombra. O corpo estremece.

Está apaixonado.

Rubem Alves

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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CAPÍTULO 3

“Vivências e reminiscências”

Antonio Akama

Presidente da Fundação Instituto

Educacional D. Michie Akama

Legenda: O livro de registro de

matrícula das alunas de todos os

cursos do “São Paulo Saiho

Jogakuin”

Figura 15

3.1 As ex-alunas

No livro de matrículas do internato, cinco mil, duzentos e oitenta

registros de alunas. Após o livro estar devidamente organizado, formatamos um

arquivo onde consta seus nomes de solteiras, de casadas (aos quais tivemos

acesso), seu endereço (atualizado, quando possível), ano de formatura. As alunas

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

68

vindas de diversos pontos do país, eram, em sua maioria, da região metropolitana

de São Paulo e regiões do interior paulistano com grandes concentrações de nipo

descendentes e imigrantes japoneses, como é possível verificar pelo mapa abaixo

(Figura 16)44.

Figura 16

44

Versão ampliada em formato A3 ao final da dissertação.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

69

Para a formação da rede de informantes, iniciamos o contato por

indicações de pessoas ligadas à instituição que conheciam alguma ex-aluna do

internato e tinham um referencial de endereço e telefone ainda válidos. O grupo de

depoentes, inicialmente formado por três representantes das ex-alunas do

internato “São Paulo SaihouJogakuin”, conseguiu no decorrer da pesquisa, ser

ampliado e, buscando na diversidade de trajetórias de vida, melhor qualidade

representativa na amostragem, ficou composto por: Takiko Ota, Sumiko Akiyoshi

Yamasaki, Rutsuko Mochizuki, Kazuco Sakiara Miyasaka, Kazuko Baba, Aiko

Fujita, Mayumi Yoshioka e Tyoko Shimano. Contamos ainda com as contribuições

de Kikuko Ogasawara (sobrinha da fundadora), de Tomoe Suzuki (irmã caçula de

Michie Akama, professora de corte e costura no estabelecimento), e Mine Uchida

(ex-aluna, também professora do internato, deixando o ofício ao contrair

matrimônio e constitutir família), por ocasião da reunião da comissão organizadora

do encontro de ex-alunas da escola, o dousoukai.

3.2 “Dousoukai”45

“Aí fui ficando com elas e comecei a gostar, ambiente diferente, então aí eu fiquei apegada a elas, às minhas amigas… até hoje somos amigas.” (Tyoko)

Sobre o “dousoukai”, Sr. Antonio Akama, único filho do casal Jiuji e

Michie Akama, atual presidente da Fundação Akama, explica em entrevista:

Dousoukai é associação das alunas… “dou sou” quer dizer, “dou” igual, “sou” - janela, que tem a mesma janela. Significa, ou melhor, simboliza a escola. Janela tem a simbologia de sala de aula. Alunos que estiveram na mesma sala, na mesma janela. “Dousoukai” é… Se for escrever, traduzir ao pé da letra, seria isso: janelas iguais.

45 Dousoukai – dou é “igual”, sou , “janela” e kai é associação. Seria uma espécie de associação de colegas de turma, “alunos de mesma sala, mesma janela”.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

70

Em setembro de 2007, ao entrevistar a depoente Mayumi Yoshioka,

tomou-se o conhecimento de uma reunião de “Dousoukai” a se realizar ainda no

mesmo mês. Essa reunião era um acontecimento anual de reencontro das ex-

alunas do “São Paulo Saihou Jogakuin” e que tinha seu momento reservado nas

agendas no mês de setembro, no final de semana (geralmente aos sábados) mais

próximo do aniversário da educadora Michie Akama, que completava anos no dia

dezoito. Estes encontros que se realizavam anualmente permitiam não apenas o

reencontro das ex-alunas com suas colegas de escola, mas principalmente, a

possibilidade de rever a mestra e compartilhar de seus conhecimentos.

“Kazuko Baba: Quem idealizou foi Akama-sensei. Ela convocou… foram muitas ex-alunas… Eu me lembro muito bem, foi no dia do meu aniversário, a primeira, nossa primeira reunião, então gravei muito essa época. Era dia do meu aniversário a reunião… 15 de julho de 1984…Depois que virou no aniversário (da Akama-sensei) … No ano seguinte… A formação foi em julho(a primeira reunião), que aí que eu não sei como é que foi a indicação da Comissão… quem teria… não me lembro… Kikuko: Minha tia que teve a idéia e o Sato-sensei ajudou a organizar… Kazuko Baba: […] e nessa primeira reunião é que houve a indicação da Comissão que até hoje… (E assim, essa Comissão ficava encarregada de reunir as outras ex-alunas?) Isso!... (que chegavam a ter umas reuniões enormes lá… com cem pessoas, às vezes até mais!...)Kikuko: Mais de cem!...”

Após o falecimento de Michie no ano de 2005, esse momento, que

chegava a reunir mais de cem pessoas (Figura 17) na escola, deixou de existir.

Porém, a comissão organizadora do evento, com perseverança, mantém, ainda

hoje, duas datas anuais para promover um reencontro. Uma, no início do ano para

“renovar” as energias, como descreve Kikuko Ogasawara, e outra no mês de

setembro (Figura 18), um momento especial dedicado principalmente às

lembranças de uma época marcante de suas vidas, a vivência no internato e as

memórias da inesquecível Michie Akama.

Essa foi uma grande experiência que pude vivenciar em 2007 e na qual

brilharam verdadeiras “jóias” que passaram, desde então, a compartilhar suas

histórias em narrativas que serão posteriormente transcritas. A utilização da

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

71

conotação “jóia” é adequada nessa dissertação uma vez que a intenção é um

mergulho mais profundo na cultura japonesa. Para o japonês, o termo “jóia” é

utilizado seletivamente para se referir a alguma pessoa realmente especial, uma

“jóia” humana. Além da denominação, essas pessoas são consideradas e tratadas

como tal. Trata-se de um respeito e admiração dedicados a esse sábio, detentor

de um vasto conhecimento adquirido ao longo de seus brilhantes anos de

experiência.

Figura 17

Data: setembro de 1996

Local: ginásio de esportes da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: indeterminada

Características: colorida

Tamanho original: 8,5 x 23 cm; papel brilhante

Armazenamento: avulso

Legenda: encontro das ex-alunas do Internato São Paulo Saihou Jogakuin com a

educadora Michie Akama

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 18

Data: setembro de 2007

Local: residência de Mine Uchida

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: indeterminada

Características: colorida

Tamanho original: 10X15 cm; papel brilhante

Armazenamento: avulso

Legenda (descrição): encontro Dousoukai na residência de Mine Uchida (presidente do

“dousoukai”), que mantêm a data de aniversário de Michie Akama sempre viva como um

momento de renovação de laços e trocas de experiências em memória da educadora.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

73

3.3 Suas imagens e histórias – companheiras inseparáveis

“O tempo perdido não pode ser recuperado.

Sua beleza só pode ser vivida como ausência: a beleza dói...

Magia é isto: invocar o que se foi,

mas que continua a nos habitar. Ou será poesia?”

Rubem Alves

Com as fotografias selecionadas pelas depoentes em seus álbuns

pessoais, buscamos o que marcou, em suas lembranças, a passagem pela

instituição, os ensinamentos e/ou acontecimentos ocorridos e, principalmente, qual

a relevância que tais fatos podem ter na formação de sua identidade feminina.

Um tempo para o coração. É importante lembrar que, ao tocar em

imagens e memórias de um tempo que se foi, estamos (re)colocando, no coração,

as lembranças que tocam, que emocionam. Para tanto, a sensibilidade para

perceber quando e como lidar com esses sentimentos requer, acima de tudo,

respeito por parte do pesquisador.

“Essa aqui é… essa turminha é quando eu logo saí de lá… eu fui para o Rio Grande do Sul… aí tive menina… Tizuka… elas mandaram uma roupinha de nenê, sabe…essa…e acho que é essa turma… hmmm…” (Sumiko)

Por motivo de grande emoção e um choro preso na garganta da

depoente, decido parar a gravação e deixar a interação mais livre. Com a imagem

em mãos, ainda emocionada, mas bem mais descontraída, a depoente consegue

narrar a história que a fotografia contava. Tratava-se de uma de suas queridas

turmas do Akama gakuin, que por motivo do nascimento de sua primeira filha,

resolveram presenteá-la com roupinhas por elas confeccionadas, enviando-as

pelo correio, uma vez que, nessa época, Sumiko encontrava-se morando numa

cidade distante. Ela nunca mais pôde revê-las e não tendo um endereço para

onde responder, não conseguiu demonstrar sua gratidão pelo carinho dessa ação.

Queria muito ter agradecido por isso. Uma última observação: esta foi sua foto

preferida, desde o princípio da entrevista.

A organização das informantes, para a apresentação, seguiu a

ordenação do ano em que se diplomaram no internato.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Takiko Ota (formanda de 39)

Figura 19

Nascida em Izu,

Shizuoka-ken, Japão em

janeiro de 1922, filha de

Yasuji e Natsu Suzuki, foi

adotada em 1923 pelos tios

paternos Toyoichi e Tokuno

Suzuki.Freqüentou até o

segundo período da quinta

série no Japão e terminou o

Ensino Básico (sexto ano da

escola japonesa) em Aliança,

interior de São Paulo. Chegou ao Brasil, em 1932, e casou-se com Hajime Ota

(de Maniwa-gun, Okayama-ken, Japão), em novembro de 1939. Antes de contrair

matrimônio, foi levada, pelo próprio noivo, à São Paulo, para o aprendizado de

corte, costura, culinária e ikebana (arranjo floral), residindo por três meses no

internato “São Paulo Saiho Jogakuin”. Sua vida escolar encerrou-se com o

casamento, aos dezessete anos de idade, quando passou a comandar uma

família já numerosa, onde o cônjuge, sendo primogênito, residia com o pai (viúvo)

e seus três irmãos ainda solteiros. Viúva desde 1988, é mãe de seis filhos (Elza,

Suguko, Tomoko, Yassumassa, Luís Hirotoshi e Lúcia Yoshiko), avó de onze

netos e bisavó de três meninos (Vítor Hiroshi, Lucas Hideki e Henry Yuji). No

relato, a sua filha Tomoko Otta, não esquece de ressaltar que: “sua formação

familiar e o preparo que recebeu no ‘São Paulo Saihou Jogakuin’, são os pilares

mestres que lhe conferiram a segurança e a capacidade de decisão. Elementos

indispensáveis que muito lhe ajudaram a constituir uma família, em que os

principais valores são honestidade, garra, escolaridade, persistência,

competitividade, união e solidariedade”.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

75

Figura 20

As três imagens, datadas de 1939,

foram realizadas no período em que

Michie Akama estava em viagem, no Japão.

Acima, com Jiuji Akama;

à esquerda, com uma amiga no portão da escola;

abaixo, com a professora Tomoe, irmã caçula de Michie.

Figura 21 Figura 22

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Sumiko Akiyoshi Yamasaki (formanda de 45)

Figura 23

Os pais de Sumiko vieram ao Brasil

em 1908 e foram trabalhar na

Fazenda Santa Rosa, nas

proximidades de Ribeirão Preto. A

mãe de Sumiko, Titoe, viúva de

Minoru Akiyoshi, casou-se, pela

segunda vez, com Shimekiti Nishi e a

família se mudou para Mairiporã.

Sumiko, ao casar-se com Toshio

Yamasaki, mudou-se para Porto

Alegre, Rio Grande do Sul, onde

nasceu sua primeira filha, Tizuka.

Mudando-se para Atibaia, em 1950, a

família passa a trabalhar na Fazenda

São João com o cultivo de batatas e

grande variedade de frutas. Apesar de

já terem se tornado proprietários da Fazenda São João, a comercialização de

produtos foi deixada de lado por falta de compradores. O esposo de Sumiko viajou

ao Japão, em 1953, e faleceu pouco tempo depois. Em 1957, viúva, Sumiko

inaugura a “Escola de Corte e Costura São João”, muito importante nas décadas

de 50, 60 e 70. O fato de ser formada pelo “São Paulo Saiho Jogakuin”, um

“símbolo de elite” como era considerado, contribuiu grandemente para o sucesso

da escola. Apesar de ter fechado sua escola nos anos setenta, ainda recebe

algumas alunas em sua residência. A sua filha Yurika que aprendeu o ofício de

corte e costura, se especializou em figurinos, tornando-se, posteriormente,

Diretora de Arte de uma das mais importantes emissoras de televisão, e esta é

mãe de Lissa e Pedro. A sua filha Tizuka Yamasaki, destacou-se como cineasta,

além de lhe dar mais três netos: Elia, Naina e Fábio.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 24 Sumiko com as alunas que lhe presentearam com roupas de bebê pelo nascimento de sua filha Tizuka

Figura 25

Lembrança do tempo

em que foi professora do Internato São Paulo Saiho

Jogakuin Sentada junto ao corpo docente,

tem ao fundo, as alunas

Figura 26 Sumiko relembra os momentos de responsabilidade divididos com suas “colegas” de profissão

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Rutsuko Mochizuki

Figura 27

(formanda de 47)

Nascida em dez de

setembro de 1928,

Hokkaido - Japão, imigrou

ao Brasil com seus pais

Soosaku (Shizuoka) e Mura

Mochizuki (Hokkaido) em

janeiro de 1933, ou seja,

aos quatro anos e meio de

idade. Concluiu o Jogaku-bu

no internato “São Paulo

Saiho Jogakuin” em 1947,

retornando à Campinas,

interior de São Paulo, onde

residiu com seus familiares.

Retomando os estudos,

formou-se em língua

portuguesa (Letras) em 1967 e, posteriormente em língua japonesa, 1970, ambas

pela Universidade de São Paulo. Aprovada em concurso público em 1977, atuou

como professora da rede estadual por vinte e cinco anos, aposentando-se. Nesse

ínterim, sempre em constante crescimento e aperfeiçoamento intelectual, concluiu

graduação em Pedagogia (1974), Habilitação em Administração Escolar (1980) e

Supervisão Educacional de Primeiro e Segundo Graus (1980). No campo

profissional, trabalhou também para as empresas Nikkatsu, Shotsiko, Doyei e

Toho, legendando filmes, de 1964 a 1988. Em 1998, colaborou na compilação do

Dicionário Japonês/Português organizado por Padre Jaime Coelho.

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Figura 28 MARUBENI – jantar de confraternização com o Diretor Sr. Tsuneo Hoshino e senhora, nos anos 60

Figura 29

Com aluna do Redator Auxiliar da

EEPSG “Padre Anchieta”, onde lecionou no Magistério e no

Colegial

Figura 30 O restante do grupo do Redator Auxiliar, em visita à uma empresa jornalística

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Kazuco Sakiara Miyasaka (formanda de 48)

Figura 31

Kazuco Sakiara Miyasaka é filha de

imigrantes japoneses que chegaram

ao Brasil, em 1922. A família foi

residir no Triângulo Mineiro, onde

nasceu e viveu até os seis anos de

idade. Permaneceu como aluna

interna do “São Paulo Saihou

Jogakuin”, de 1946 a 1948, onde

dividia o dormitório com sua “amiga

do sótão”, uma forma carinhosa de

tratar Toshiko Nakagawa. Na condição de aluna, em regime interno, tinha a

possibilidade de participar de muitas atividades disponíveis, entretanto, nunca

deixou de lembrar, como as mais marcantes, os cursos de corte e costura,

bordado e desenho com o inesquecível professor Tomoo Handa. Concluiu o curso

de dietista na Escola Industrial Carlos de Campos, em 1948. A sua graduação

como nutricionista, foi na Faculdade de Higiene e Saúde Pública na Universidade

de São Paulo, concluída, em 1951. Profissionalmente, atuou por trinta anos (1954-

1984) no Centro de Aprendizado Doméstico do Serviço Social do SESI.

Paralelamente, trabalhou na Faculdade de Serviço Social, Maternidade de

Campinas e Hospital Psiquiátrico Luiz Sayão-Araias. Em 1954, foi convidada a

colaborar com o 4H46. Um dos seus trabalhos de maior destaque foi a publicação

de: “A soja na minha vida: com 61 receitas culinárias de soja”, em 2004. O que

muito a ajudou, neste projeto, foi o fato de estar casada com o engenheiro

agrônomo Shiro Miyasaka, especialista em cultura de soja. Ela orgulha-se muito

de seus cinco filhos, onze netos e um bisneto.

46 4H (head, heart, hand e health – cabeça, coração, mão e saúde), direcionado para a formação de líderes rurais, organizando os cursos de arte culinária, nutrição e execução de cardápios. clubes formados por comunidades de jovens, voltados às questões ambientais, que discutem assuntos relacionados à liderança, cidadania e competências de vida.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 32 Reunião em família para a comemoração do aniversário de 80 anos de seu esposo, Shiro Miyasaka

Figura 33

Casamento realizado no dia 18/02/1955

na região do Paraíso em São Paulo

O “quartinho do sótão” que compartilhou com a amiga Toshiko Nakagawa Figura 34

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Kazuko Baba (formanda de 49) Figura 35

Nasceu em São Paulo, em 15 de julho

de 1929, filha dos imigrantes Matazo

Baba (Osaka, Japão – 1925) e Rito Baba

(Tokyo, Japão – 1926). Estudou na

escola “São Paulo Saihou Jogakuin” por

três anos (de 1946 a 1949) para concluir

o Jogaku-bu (equivalente ao curso

ginasial do Japão), primeiro ciclo de

escolarização. Ela trabalhou na

tesouraria da escola e estudou na

instituição, onde adquiriu gosto pelas

questões administrativas e financeiras.

Em 1949, foi para a escola “Álvares

Penteado”, onde concluiu o curso

Técnico em Contabilidade, em 1951.

Após participar de um concurso público, muito concorrido, tanto na prova teórica

como na prática, testando suas habilidades (em português, matemática, geografia,

história, geometria e datilografia), foi aprovada com excelente classificação, dentre

os mais de mil postulantes ao cargo a uma das vagas na Caixa Econômica

Federal. Ela iniciou sua carreira nesta prestigiada instituição financeira, em

fevereiro de 1951. Em função de sua atividade profissional iniciar-se, às onze e

meia da manhã, possibilitou-lhe aproveitar o horário matutino para fazer um curso

de Grafotecnia (conferente de firmas), na Escola de Polícia. Este curso somando-

se a outras atividades desenvolvidas, consolidaram o seu diferencial. Por seu

profissionalismo e dedicação ímpar, tornou-se a primeira gerente nissei da Caixa

Econômica Federal em 1967, empresa em que trabalhou até a sua aposentadoria,

em 1982. Trabalhou voluntariamente por dez anos na Rede Feminina de Combate

ao Câncer, presidida pela Sra. Carmem Annes Dias Prudente.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 36

Formatura do Curso Técnico de Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado FECAP Figura 37

Sra. Nancy, esposa do Dr. Antonio

Mastrocola – vice-presidente da Caixa Econômica Federal, e

Kazuko Baba,desatando a fita inaugural da Agência Boqueirão-

Santos

Figura 38 Em sua mesa na Caixa Econômica Federal

Figura 39

Voluntária da Rede Feminina de Combate ao Câncer, promovendo um bazar em prol do Hospital do Câncer

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Aiko (Tabata) Fujita (formanda de 51)

Figura 40

Nasceu em treze

de julho de 1929, em

Ribeirão Preto, interior

de São Paulo. Filha

primogênita do casal de

imigrantes japoneses

Jokichi e Shinae Tabata,

cursou o internato por

seis anos (de 1945 a

1951), dos quinze aos

vinte e um anos de idade,

quando diplomou-se tanto no curso de corte e costura quanto no Jogaku-bu.

Formada, retornou para Londrina (Paraná) onde residia com seus familiares. Já

em 1951 inicia-se na alta costura, confeccionando principalmente vestidos de

noivas. Devido ao aprendizado adquirido na instituição, apresentava pronúncia e

escrita no idioma japonês de forma fluente e culta, casando-se com Shigeru Fujita

e constituindo uma família com três filhos engenheiros formados pela

Universidade de São Paulo e três netas. Todos falam e escrevem o idioma

japonês fluentemente, algo que Aiko descreve com muito orgulho.

Profissionalmente, sempre teve seu espaço reservado em uma sala em sua

própria casa para dedicar-se ao corte e costura e receber suas clientes. Adquiriu

um imóvel comercial na década de 80, onde instalou seu próprio ateliê de alta

costura em São Bernardo do Campo, no qual permanece trabalhando até os dias

atuais.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 41 Época em que Aiko, a terceira aluna em pé, cursou o Corte e Costura com a sensei Sumiko Akiyoshi

Figura 42

encontro “Dousoukai” por ocasião do aniversário da

mentora Michie Akama em sua própria residência em 2004, um

dos últimos encontros com a presença de Michie Akama

Figura 43

Reencontro de Aiko com a ex-professora Sumiko Akiyoshi, no dousoukai promovido em 2007

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Mayumi Mizikami (formanda de 51)

Figura 44

Mayumi Mizikami é filha de imigrantes

japoneses e casada com Nobuo

Mizikami, com quem constituiu família

com quatro filhos (Eliza, Roberto,

Celina e Otávio). Hoje, já é avó de

quatro netos (Maurício, Mônica,

Leonardo e Diego). Após freqüentar

os diversos cursos disponíveis,

enquanto trabalhava na cozinha da

escola, foi aprovada no concurso

para professor de língua japonesa do

Estado de São Paulo e, sempre

incentivada pela educadora Michie

Akama, foi convidada para lecionar

na Colônia Japonesa Paineiras. Em

1953, após concluir o curso de Culinária, em meados de abril, foi ministrar aulas

em Clementina, SP. Ali permaneceu por três anos onde pôde contribuir ativamente

com uma associação de moças. Após o casamento, dedicou-se plenamente ao

papel de mãe e esposa, utilizando todos os conhecimentos adquiridos no internato

em sua prática diária. Hoje pode traçar vários paralelos sobre a importância dos

ensinamentos de economia doméstica (ajudando a “construir um lar”, uma vez que,

em suas palavras, “começaram a vida de casal sem nada, nada… começaram na

estaca zero!”). O que aprendeu em corte, costura e bordado foi de grande

valia(costurou todas as roupas de seus filhos), em culinária e conservas (soube

evitar o desperdício), em música e conhecimentos gerais (sempre necessários e

presentes em seu papel social), os conceitos também foram eficientes. É uma

professora muito querida, sempre lembrada e convidada a participar de encontros

com os ex-alunos de Clementina.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 45 Aula de ginástica orientada pela professora Kimura, todas as manhãs, no terreno preparado pelas próprias alunas

Figura 46

Recepção organizada em Birigui para comemorar a

visita de Michie Akama, que viajava pelo Brasil

encontrando as ex-alunas praticando Takuhatsu,

recolhendo donativos para a construção da sede própria

Figura 47 Recepção preparada pelos ex-alunos de Clementina, para homenagear a professora querida, Mayumi Yoshioka

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Tyoko Shimano (formanda de 51)

Figura 48

Tyoko Shimano, nascida em

Yamagata, chegou ao Brasil em

1938, com apenas três anos de

idade. É filha do professor

Hayasi (que permaneceu na

escola de Michie Akama por

aproximadamente vinte anos),

freqüentou quase todos os

cursos oferecidos na escola,

com exceção de algumas

disciplinas regulares do Liceu

Pasteur. O curso de japonês era a prioridade exigida pelo pai, Hayasi-sensei, que

fazia questão da fluência no idioma de origem. Devido ao bom conhecimento da

língua e costumes japoneses, foi convidada à trabalhar em pesquisas por ocasião

do Cinqüentenário da Imigração Japonesa no Brasil pelo professor Teiiti Suzuki,

fundador do Instituto de Cultura Japonesa (línguas orientais) da Universidade de

São Paulo. Em função das pesquisas para o Cinqüentenário, conheceu o esposo,

zootecnista formado no Japão e que havia imigrado com o sonho de ser

fazendeiro pecuarista no Brasil. Tyoko desenvolveu um trabalho acadêmico sobre

o Urbanismo em São Paulo com o professor de pesquisas sociais Frank Goldman.

De 1960 a 1962, atuou como orientadora dos programas agrícolas de jovens

rurais (4H - head, heart, hand e health – cabeça, coração, mão e saúde,

respectivamente). Após o casamento e o nascimentos dos filhos passa a dedicar o

seu tempo para a criação e educação dos mesmos. Em 1965, iniciou o

aprendizado no estilo Koguetsu-ryu de ikebana com a professora Fujiwara. Em

1987, partiu para o estilo Ikenobo com a professora Mine Uchida. Atualmente,

dedica-se à função de professora desta arte de arranjos e é a presidenta da

Associação de Arte Floral Ikenobo.

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Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina

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Figura 49 Figura 50

Os passeios para estudo do meio são lembrados carinhosamente, “as belas palmeiras imperiais”

Promoviam a integração entre as alunas dos diversos cursos e criavam laços afetivos por toda vida

Figura 51

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O álbum A formação da identidade feminina

91

3.4 “O álbum”

Esse item surgiu após o “aquecimento” dos encontros com as

depoentes. Inicialmente, atendendo às solicitações de resgatar fotografias de seu

afeto, traziam em mãos, três ou quatro imagens escolhidas entre seus pertences

pessoais. Algumas, recuperadas de um lugar especial de seu armário, outras, de

suas gavetas de objetos preciosos, aqueles que jamais podem ser perdidos.

Eram estas as primeiras imagens a serem compartilhadas, juntamente com suas

histórias, que “saltavam” do papel. Num segundo momento porém, ofereciam um

outro material imagético, mais denso e organizado, “o álbum”. O álbum recebe

esta ênfase na grafia por não ser apenas o “livro de folhas de cartolina ou de papel

grosso, por vezes luxuosamente encadernado, próprio para colagem de

fotografias (…)” como descreve o dicionário Houaiss47, mas sim, O álbum do

internato. O que contém então esse tão sistematizado álbum?

A primeira vez que um deles apareceu foi no encontro inicial com

Mayumi Yoshioka. Esta entrevista, sendo a primeira de uma série, foi um

momento de apresentação, não apenas da proposta do projeto, mas

principalmente, da própria entrevistada e sua trajetória de vida. Apesar de serem

tecidos alguns percursos fotográficos nesse dia, para não prolongar demais a

entrevista que já passava das duas horas de gravação, o que podia tornar

exaustivo o momento, deixou-se um maior aprofundamento no material imagético

para um novo encontro. No segundo encontro, com todos mais íntimos e à

vontade, as fotografias ganharam voz e tornaram-se as protagonistas da cena.

Após as fotografias favoritas de Mayumi “pensarem”, surge imponente, ele, o

álbum. Era ele quem queria falar agora por meio da depoente, queria contar a sua

história. É Mayumi quem toma o álbum em suas mãos, acariciando-o enquanto

folheia suas páginas. Tomada pela emoção, mergulha no álbum e nas lembranças

de um tempo distante que, por hora, ressurge vibrante, vivo. São salas de aula, 47 HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia, 2001.

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O álbum A formação da identidade feminina

92

senseis, passeios e memórias, divertidas na sua maioria. Sensivelmente percorre

todas as imagens do álbum, uma a uma. Todas têm a sua importância e

significação e a sua montagem seqüencial sugere um roteiro que não pretende ser

interrompido.

Novo encontro, o segundo, agora com outra depoente, Tyoko. Após

descrever as suas fotos previamente eleitas e já apresentadas no primeiro

encontro, retira de seus pertences um material “novo” para a conversa… Ele, O

Álbum. Novamente ele ganha a cena, disposto a brilhar. Como Mayumi, Tyoko

debruça-se sobre o material disposta a percorrê-lo, levando os ouvintes a viajar

com ela pelas lembranças e tentar compreender melhor o funcionamento da

escola pelas histórias que “saltam” de cada imagem.

Por meio de suas memórias faz um convite aos espectadores

silenciosos a penetrar no quotidiano vivenciado pelas alunas no internato, sejam

pelos passeios, sejam pelas aulas em sala, pelos momentos de lazer e de trabalho.

São fotografias que trazem histórias, reminiscências que buscam as imagens, num

harmonioso “passeio” pela formação de uma identidade feminina.

Figura 52

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O álbum A formação da identidade feminina

93

Esse reaparecimento do álbum leva a alguns questionamentos. Qual a

sua importância? Quem o “construiu”? Quantos álbuns existem e se exibem pelas

mãos de ex-alunas?

Uma descrição. Capa-dura em tom verde-escuro, vinte e quatro

centímetros e meio de altura por trinta e três centímetros e meio de largura, com

inscrições em dourado: o logotipo da escola; um título: Escola de Corte e Costura

Vergueiro – São Paulo; San Pauro Saihou Jogakuin (em ideogramas japoneses).

Dentro a inscrição: Graduandos de 1951. As fotografias, elaboradas por um

fotógrafo profissional contratado, seguem uma seqüência padrão em todos os

álbuns montados provavelmente pela própria instituição. Das vinte e cinco folhas

(utilizadas em frente e verso), as quatro últimas são as que diferem de um álbum

para outro, tendo sido deixadas livres para as escolhas pessoais de cada aluna.

As imagens eleitas para a montagem “padrão” da instituição

apresentam algo que transcende o espaço físico da escola, pois buscam, em sua

construção, abordar o aspecto filosófico e conceitual das disciplinas, cursos e

quotidiano das alunas. A montagem não foi atribuída à uma autoria identificada,

porém segue alguns padrões similares aos da escola de origem da fundadora. A

quantidade de álbuns produzidos também permanece indefinida, mas todos os

encontrados datam do ano de 1951. Talvez o único ano de sua produção.

Percorrer o discurso imagético proposto pelo álbum, em consonância

com os depoimentos orais oferecidos pelas ex-alunas na atualidade, com os

artigos das alunas enquanto internas para o Boletim Ayumi e com os escritos

(livros da mentora Michie Akama), juntamente com a ementa proposta

informalmente pela escola, possibilitará a melhor compreensão destes valores que

permeavam o funcionamento do internato e lhe garantiam grande reconhecimento

junto à colônia nipo-brasileira.

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O álbum A formação da identidade feminina

94

Estabelecemos para tanto, três diferentes níveis48 de relação entre a

imagem e a palavra:

a. a relação explícita com a legenda e informações

catalográficas, direta e objetiva, numa leitura mais burocrática;

b. a relação entre a imagem e os textos selecionados, onde

ambos fazem parte de um discurso construído ao longo do tempo, por arquivos,

registros e publicações que pretendiam dar conta de uma “identidade” dessa

instituição e de seu papel social;

c. a relação entre as imagens e os relatos orais colhidos ao

longo da pesquisa, onde a palavra existe como performance, repleta de

sentimento e visualidade, com pausas, alternância de tom e até mesmo, de língua,

pertencendo a uma memória individual, e não, uma memória oficial da instituição.

48 Esses três níveis em meu trabalho, foram generosamente identificados pelo Professor Doutor Ronaldo Entler, coordenador da mesa em que participamos por ocasião do I Seminário Imagem e Pensamento, ocorrido entre os dias 28 e 30 de maio de 2008, evento promovido pelo GRIP - Grupo de Reflexão Imagem e Pensamento (coordenado pelo Prof. Dr. Etienne Samain, Departamento de Multimeios do Instituto de Artes/UNICAMP) , numa parceria UNICAMP-SESC.

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O álbum A formação da identidade feminina

95

Para percorrer este roteiro fotográfico proposto pelo álbum contaremos

com as devidas referências, comuns a todas as fotos:

Data: 1951

Fotógrafo: profissional contratado do “Foto Studio Líder”

Quantidade de fotos: indeterminada

Características: preto e branco

Armazenamento: álbuns particulares de ex-alunas do internato “São

Paulo Saihou Jogakuin”

O que as diferem é o tamanho original e a legenda colocada logo após

cada imagem, em caracteres japoneses, devidamente traduzidos para essa

análise. Por esse motivo, serão as únicas informações apresentadas junto às

fotografias.

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O álbum A formação da identidade feminina

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A sede da escola mudou de endereço várias vezes, sendo que, o mais

marcante foi o da Rua Vergueiro, 2625, Vila Mariana em São Paulo. Não apenas

para a escola, como também na vida das ex-alunas. Neste local, o internato

permaneceu por quase trinta anos, onde viveu o período de mais intensa atividade,

chegando a possuir cento e setenta e uma alunas.

A fachada mostra uma arquitetura exuberante e imponente, logo na

primeira fotografia do álbum das ex-alunas. A mesma imagem mereceu uma

representação pictórica de um dos mais famosos artistas plásticos da colônia

japonesa no Brasil, Tomoo Handa, que também fez parte do corpo docente do

internato. A edificação se exibe como uma fortaleza, com árvores frondosas à

frente, estruturas e paredes resistentes, um ar misterioso de impenetrabilidade

que se impõe aos olhos que o observam de baixo para cima.

Por trás da marcante presença imposta por esse imenso sobrado existe

uma história. O local onde se situava já era bastante conhecido, na época, por ter,

em seu passado, servido como “parada dos tropeiros”. Os cavalos que voltavam

da baixada santista, pelo Caminho do Mar, paravam ali para descansar e beber

água. Com o decorrer do tempo e mudanças no cenário por conta da evolução e

novos planejamentos arquitetônicos, passou a existir no lugar do bebedouro, uma

imensa árvore.

Ao fundo, o sobrado onde passou a funcionar um internato, o “São

Paulo Saihou Jogakuin”. Atualmente, não existe mais a árvore, não existe mais o

sobrado. Tudo foi demolido. No lugar, um prédio de apartamentos numa

“excelente localização”, como descrito comercialmente, ao lado da estação de

metrô Ana Rosa. Em lugar do casarão que ali existia, ficaram apenas as histórias

e, felizmente, os registros imagéticos. Esse ícone faz-se presente em inúmeras

reproduções que sobrevivem, resistentes e intactas, como a “primeira” imagem

dos incontáveis álbuns distribuídos pelos lares das ex-alunas do internato.

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O álbum A formação da identidade feminina

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22,5 x 17cm Figura 53

Fachada

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O álbum A formação da identidade feminina

98

Duas fotos, duas personalidades. Mãe e filho, uma dupla que edifica,

em sua cumplicidade e parceria, uma instituição que marca as trajetórias de vida

de uma geração de mulheres consideradas “a elite feminina” na colônia nipo-

brasileira. Acima da foto, o cargo ocupado: Diretora Superintendente. Abaixo, o

nome: Michie Akama. O mesmo acontece com a foto ao lado: Diretor; Antonio

Akama.

Viúva aos trinta e seis anos de idade, teve em seu único filho, Antonio,

o maior e melhor companheiro. Mais que isso, encontrou nele a motivação e força

para perseverar sua luta e ideal. Com a intenção de oferecer-lhe a fina educação

japonesa, viajou ao Japão, em 1939, onde o matriculou na escola em Tokyo. Por

ocasião do falecimento do esposo Jiuji, regressou imediatamente ao Brasil,

trazendo consigo seu primogênito. A alternativa então, era procurar por algo

similar e que pudesse trazer a formação pretendida ao filho aqui mesmo no país.

Michie podia ter abandonado tudo e permanecer com sua família, uma vez que já

estava no seu país de origem, porém, seu senso de responsabilidade e respeito,

não permitiram deixar seu ideal e suas alunas, que tanto confiavam em sua

pessoa, sem a sua orientação. Em sua imagem, em seu olhar, a força e

determinação é algo realmente notável.

Antonio Akama, de seu lado, encontrou em Michie, não apenas a mãe,

mas principalmente, a mestra. Ele freqüentou o Colégio São Francisco, onde além

da grade curricular de ensino regular, praticava os estudos em japonês. Com

fluência nos dois idiomas, português e japonês, teve seus valores regrados pela

rígida educadora. Como o “braço direito” de Michie Akama, seguiu seus estudos

paralelamente às responsabilidades junto ao internato. Formou-se arquiteto, com

amplos conhecimentos artísticos, musicais, morais e ambientais. Seu retrato

expõe uma imagem bastante jovem, porém, já mostra os traços do

amadurecimento, a responsabilidade que se firma em seu caráter. O cabelo bem

cortado, a parafina que mantém os fios sem possibilidade de rebeldia, o terno

alinhado. Jovem e sério, o diretor.

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O álbum A formação da identidade feminina

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Figura 54

Diretora Superintendente

Michie Akama

Tamanho original: 14,5 x 9,5cm

Diretor

Antonio Akama

Figura 55

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O álbum A formação da identidade feminina

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O Hino

Letra: Bansui Doi

Música: Kanichi Shimosa

Bansui Doi foi um poeta muito famoso de Sendai – Japão. Escreveu o

hino para a escola, no ano de 1939, após o encontro com a educadora Michie

Akama, em sua viagem ao Japão. Kanichi Shimosa, professor na Faculdade de

Música, fez a musicalização do hino. Sempre presente em ocasiões especiais, o

hino eterniza a memória e renova as emoções de alunos e ex-alunos da instituição.

Exibido, logo no início do álbum, sacraliza, de certa forma, as intenções

de glória e louvor para as quais foram compostas suas estrofes. Em sentido

figurado, hino significa “louvor, elogio, canto ou poema lírico que é a expressão de

alegria, de entusiasmo, ao celebrar alguém ou algo”. Por essas definições é

possível perceber a importância dada a esse movimento de louvação e, portanto,

seu posicionamento de destaque na construção do álbum.

A seguir, a retomada de um texto do momento de elaboração do hino

da escola junto ao poeta Bansui Doi, descritos por Michie Akama como “uma das

nove histórias que mais marcaram e continuam em nossa (sua) memória” :

“Qual a sua motivação ao administrar a instituição? Assim como um aluno diante do examinador, fiquei um pouco atrapalhada diante da repentina pergunta. Ainda me vem à mente a cena do professor magro, aparentemente de temperamento nervoso me olhando daquela forma por cima dos óculos. Parece que foi ontem que lhe respondia e, às vezes, até com uma conversa mais informal, usando muitos e variados documentos de consulta que davam uma idéia da minha motivação em fundar a escola, a política educacional, o clima de São Paulo, meus ideais como imigrante, religião… (…) Considerando o valor artístico de nosso hino escolar, à parte, a verdade é que este hino composto pelo professor Bansui, um poeta não só da Ásia, mas conhecido como um poeta do mundo, ficará para sempre em nossa escola e para sempre será cantado apesar da morte do professor. A vida é curta, mas a arte perdura”.49

49 AKAMA, Michie. Visita á Bansui Doi. In: Katarigusa o otte. São Paulo: Toppan Press, 1995.

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O álbum A formação da identidade feminina

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Tamanho original: 15 x 4,5 cm Figura 56

Tamanho original: 16 x 11,5 cm Figura 57

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O álbum A formação da identidade feminina

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サンパサンパサンパサンパウウウウロロロロ女学院歌女学院歌女学院歌女学院歌

HINO DA SÃO PAULO SAIHOU JOGAKUIN 土井晩翠 作詞 LETRA DE BANSUI DOI

下総完一 作曲

MÚSICA DE KAN-ITI SHIMOOSA 一一一一 二 1 2 東海遠東海遠東海遠東海遠きおほやまときおほやまときおほやまときおほやまと 聖聖聖聖なるなるなるなる美美美美なるなるなるなるサンサンサンサンパパパパウウウウロロロロ

TOOKAI TOOKI OO YAMATO SEI NARU BI NARU SAN PAULO O Japão ao longe, do mar do leste Neste São Paulo belo e sagrado 国国国国のののの尊尊尊尊きききき魂魂魂魂をををを そのそのそのその名名名名をををを負負負負えるえるえるえる女学院女学院女学院女学院

KUNI NO TOOTOKI TAMASHII O SONO NA O OERU JOGAKUIN Alma nobre do país A escola que leva este nome ここここゝゝゝゝ南米南米南米南米のののの空空空空のののの下下下下 やまとやまとやまとやまと撫子色撫子色撫子色撫子色もももも香香香香もももも

KOKO NAMBEI NO SORA NO MOTO YAMATO NADESHIKO IRO MO KA MO Debaixo do céu da América do Sul O espírito japonês em todos os sentidos

(cor e aroma) 移移移移しししし植植植植えたるえたるえたるえたるサンパウロサンパウロサンパウロサンパウロ すぐれいみじくすぐれいみじくすぐれいみじくすぐれいみじく栄栄栄栄えよとえよとえよとえよと

UTSUSHI UETARU SAN PAULO SUGURE IMIJIKU SAKAEYO TO

Plantaremos e mandaremos para São Paulo Trabalhe e progrida 聖聖聖聖なるなるなるなる美美美美なるなるなるなるサンサンサンサンパパパパウウウウロロロロ 教教教教えはぐくむえはぐくむえはぐくむえはぐくむ女学院女学院女学院女学院

SEI NARU BI NARU SAN PAULO OSHIE HAGUKUMU JOGAKUIN Neste São Paulo belo e sagrado Esta escola que não mede esforços 三三三三 四四四四

3 4 そのそのそのその学院学院学院学院にににに朝夕朝夕朝夕朝夕にににに 東海及東海及東海及東海及びびびび南米南米南米南米をををを

SONO GAKUIN NI ASAYUU NI TOOKAI OYOBI NAMBEI WO Da manhã ao entardecer O mar leste e a América do Sul 学学学学ぶやまとのぶやまとのぶやまとのぶやまとの種種種種のののの子子子子よよよよ 結結結結ぶぶぶぶ無形無形無形無形のののの愛愛愛愛のののの綱綱綱綱

MANABU YAMATO NO TANE NO KOYO MUSUBU MUKEI NO AI NO TSUNA Descendentes japoneses se esforcem Unidos por uma corda de amor invisível 紅染紅染紅染紅染むるむるむるむる頬頬頬頬のののの色色色色 第二日本第二日本第二日本第二日本をををを移移移移しししし植植植植ええええ

KURENAI SOMURU HOHO NO IRO DAINI NIHON O UTSUSHI EU Enrubescendo a face Mudaremos e plantaremos o 2º Japão 紅紅紅紅きききき心心心心のののの一筋一筋一筋一筋にににに ここここゝゝゝゝブラジルブラジルブラジルブラジルをををを栄栄栄栄えしむるえしむるえしむるえしむる

AKAKI KOKORO NO HITOSUJI NI KOKO BURAJIRU O SAKAESHIMURU E o coração em sintonia (linha reta) Fazer o Brasil prosperar 望望望望みみみみ豊豊豊豊かにあかにあかにあかにあゝゝゝゝ励励励励めめめめ 使命思使命思使命思使命思いてあいてあいてあいてあゝゝゝゝ奮奮奮奮ええええ

NOZOMI YUTAKA NI AA HAGUEME SHIMEI OMOITE AA FURUE Estudem com bastante esperança Missão que nos deixa tremer de emoção

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O álbum A formação da identidade feminina

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A equipe responsável pelo bom funcionamento do estabelecimento

educacional. Atenção especial à posição central ocupada por Michie Akama,

ladeada por quatro homens à sua direita, e quatro mulheres à sua esquerda. Nos

cantos superiores, esquerdo e direito, os professores que, mesmo não estando

presentes no momento do registro, são apresentados no “documento” impresso.

Destacado à esquerda superior: Tsune Ishii

Fileira superior, em pé, da esquerda para a direita: Tomiko Kimura / Ayako Mori /

Seiko Ikawa / Hisako Okawa / Alice Suguiyama / Tomoko Narita / Takeno Araki

Destacado à esquerda superior: Tomoo Handa

Fileira intermediária, em pé, da esquerda para a direita: Shunjiro Sato / Tamotsu

Komoda / Antonio Akama / Vitoria Sugaya / Takako Kimura / n.i. / Satoko Akiyama

/ Kikue Yamanaka Shiro

Fileira inferior, sentados, da esquerda para a direita: Go Sugaya / So Yamamura /

Koiti Sato / Shigeo Hayashi / Michie Akama / Tomoe Suzuki / Kiyoshi Hamada /

Kimi Wakamatsu / Riguiko Kikuti

O posicionamento das pessoas foi aleatório, ou procura reproduzir

algum modelo previamente formatado? As posturas corporais rigidamente

estabelecidas são simples coincidências, ou já pertencem a uma memória

inconsciente fixada em suas origens? Em meio aos seus pertences, encontro uma

foto da escola onde lecionou no Japão.

Homens com as mãos apoiadas nas pernas, à esquerda. Mulheres, mãos sobrepostas e apoiadas no colo, à direita. Um professor destaca-se em posicionamento central na primeira fileira, em trajes escuros. Uma fileira especial, sentada, demonstra a importância na hierarquia profissional. Figura 58

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O álbum A formação da identidade feminina

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22,5 x 17cm Figura 59

Todos os funcionários

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O álbum A formação da identidade feminina

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Um convite aos ambientes internos da escola.

O portão é visto de dentro. Visualizam-se cinco alunas que entram

felizes e conversando, pelo jardim do internato. Uma traz livros, outras, alguns

objetos que lembram panos. Ao mostrar a entrada das alunas, um convite ao leitor

para entrar, juntamente com elas, no mundo de conhecimentos a serem

apreendidos no quotidiano da escola. Às costas das alunas, o portão fechado. É a

travessia que possibilita a mudança em suas vidas. É esse mundo “de dentro” que

as qualifica e as diferencia das pessoas “de fora”, conferindo-lhes a ascensão

cultural à posição de “elite” na colônia nipo-brasileira.

Ao passear pela fotografia, vemos, à esquerda, junto às árvores, uma

placa. Provavelmente, o nome da escola. À direita, parte da parede do casarão, o

ponto de chegada das alunas, e o ponto de partida das “boas moças” para a vida,

as paredes aonde vai se inserir todo o processo ensino-aprendizagem necessário

para tal conquista. Colado ao muro, na parte inferior é possível vislumbrar um

degrau. O primeiro degrau. O primeiro passo para a escalada no conhecimento e

formação.

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O álbum A formação da identidade feminina

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17,5 x 11,2 cm Figura 60

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O álbum A formação da identidade feminina

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Visitantes ilustres foram motivo para grande movimentação cerimonial

na instituição. Nos arquivos da Fundação foram encontradas inúmeras fotografias

desse memorável dia. Nada mais apropriado do que um registro imagético como

uma tentativa de congelamento desse pequeno espaço de tempo junto às alunas,

professores e funcionários.

O lado instigante da legenda, levanta a questão: quem são os “famosos

peixes voadores”? A resposta surge na narrativa de Tyoko:

“Aqui foram os nadadores do Japão, a equipe olímpica… Furuhashi…

que ganhou medalha, a primeira medalha do Japão na Olimpíada, não

era no Japão… foi em outro lugar… mas ganhou medalha de ouro!... (…)

Então como foi uma visita deles na escola, foram bem homenageados

aqui na escola da Akama-san mesmo… fizemos uma homenagem, uma

festa bonita…”

“Era onde tinha a quadra de tênis!... Tinha um espaço grande pra reunir

todo mundo… quando vieram os furuhashi, os nadadores… tiramos

fotos… olha quanta gente que tinha!”

A imagem apresenta todas as alunas devidamente organizadas e

uniformizadas, é possível reconhecer a presença de uma fileira diferenciada, a

segunda de baixo para cima, em que se reconhecem os professores. Bem ao

centro dessa fileira, uma figura se destaca em roupa escura, Michie Akama.

Finalizando a disposição, como uma bela “moldura”, alunas em posicionamento

“de cócoras” com suas camisas brancas e saias pretas que se alinham,

delimitando a imagem.

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O álbum A formação da identidade feminina

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22,5 x 17cm Figura 61

Visita dos “peixes voadores”, encabeçados pelo nadador Furuhashi

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O álbum A formação da identidade feminina

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Devidamente “apresentado” o teor do álbum, uma “viagem no tempo”

seguindo um roteiro pelo quotidiano do internato, seus cursos, atividades e

exposições.

Para apresentar o curso de etiqueta, retomo a ementa:

“o curso de “sociabilidade e etiqueta” é onde adquirem conhecimentos necessários para a boa conduta humana. De acordo com a inteligência de cada um, construir uma vida condizente com as exigências da sociedade, aprendendo boas maneiras e cultivando ‘maneira de pensar’, ‘maneira de sentir’ e ‘maneira de agir’.”

Embora a fotografia apresente a “maneira de agir”, no caso, os modos à

mesa, é interessante notar na ementa que a preocupação dentro do curso não era

apenas a mecanicidade da ação, mas também o conteúdo formativo necessário

para a “boa conduta humana”.

Nessa visão educacional abrangente, não bastava a beleza externa, o

simples “representar” de um papel. O “pensar” e o “sentir” são valores de suma

importância que essa educação multifacetada pretende despertar e aprimorar em

suas alunas como as verdadeiras potencialidades da condição humana.

A leitura de alguns trechos dos capítulos “Preparando a mesa” e

“Deveres de dona de casa” do livro “Burajiru seikatsu de no etiketto” é apropriada

para uma breve explanação da intencionalidade da educadora:

“Colocar os pratos dos convidados espaçando entre 40 a 50 cm. Garfo, à direita, e faca à esquerda, colher de sopa à frente do prato. Os jogos de copos serão colocados, à direita do prato. À direita, o copo para água. Em seguida, cálice grande para vinho e na seqüência conforme o tamanho dos cálices. O vinho caro será servido na garrafa. A água será servida na jarra. (…) A toalha de mesa para o jantar será na cor branca e o tamanho grande é o mais adequado.” 50

Evidencia-se, nesse texto, a adaptação necessária para a inserção

na nova cultura. Traz a montagem de mesa no estilo ocidental, com as regras e

medidas rigidamente estipuladas. Percebo nessas linhas a preocupação com a

“maneira de agir”, os aspectos de conduta social.

50 AKAMA, Michie. Preparando a mesa. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.

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O álbum A formação da identidade feminina

111

“Selecionar, com destreza, os assuntos para conversas, evitando tópicos que causem mal estar entre os convidados, tendo isso sempre em mente; quando surgirem assuntos que causem constrangimentos, procurar contornar habilmente.”51 “Deve-se preocupar em manter o ambiente agradável. A dona de casa deve estar sempre atenta, estando sentada ou levantada da cadeira, observando a duração do banquete, devendo terminar de comer antes dos demais, apesar dos constantes trabalhos de “levanta” e “senta” da cadeira, o que é o contrário do que se faz no Japão.(…) Não obrigar os convidados a aceitarem os pratos para os quais manifestarem indisposições. (…)As mulheres serão servidas primeiramente quando os convidados forem mistos. Na saída, o dono da casa deverá acompanhar o convidado até a porta e a dona de casa deverá permanecer à mesa. A despedida do último convidado deverá ser acompanhada pelo casal.”52

É possível notar que, além da conduta visível (maneira de agir)

identificada na fotografia, outras preocupações estavam envolvidas no ato de

receber um convidado, e para tanto, o aprimoramento individual em sua forma de

pensar e agir está contemplado nas orientações.

Nesse sentido, se uma boa ação é decorrente de bons princípios de

sentimento e pensamento, como “cuidar” desses objetivos? Caminhar pelos

cursos que a instituição chama de “complementares”, abre-nos uma possibilidade

de compreensão dos movimentos feitos para essa finalidade. Ainda na busca do

que se esperava dessas mulheres, recupero parte do texto “minhas leituras”:

“Para as mulheres atuais e jovens há tendências de se acreditar que maquiagens e acessórios vem se tornando esplêndidos, é a natureza da sua psicologia. Não que queira julgá-las, mas quando necessitam falar algo, todo esse esforço para com a aparência torna-se inútil, porque as idéias são ocas e isso acaba diminuindo os pontos. Será que não são os conhecimentos obtidos com esforço próprio e acumulados durante a época dos estudos que iluminam as idéias e é isso o que podemos chamar de verdadeira beleza?“53

Recuperar essa teoria das publicações de Michie Akama dá voz à

prática executada em sala de aula e congelada pelo registro imagético. Voltando o

51 AKAMA, Michie. Deveres da dona de casa. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964. 52

AKAMA, Michie. Deveres da dona de casa. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964. 53

AKAMA, Michie. Minhas leituras. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978.

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O álbum A formação da identidade feminina

112

olhar para a fotografia, não encontramos apenas a imagem de uma mesa muito

bem disposta, com a professora ladeada por alunas devidamente sentadas em

momento de aprendizado e observadas atentamente pelas colegas, uma atenta

platéia.

É possível recorrer ao imaginário e, hipoteticamente viajando no tempo-

espaço, presenciar essa aula, absorvendo os ensinamentos ministrados durante

sua execução. Ao olhar essa imagem, além da gestualidade, começo a questionar

a atenção dedicada por cada aluna, aquilo que ultrapassa o visível e mergulha em

seus pensamentos. Quanto de sua “maneira de sentir” e “maneira de pensar” pode

interferir em sua “maneira de agir”? Teoria e prática caminham juntas na

orientação filosófico-educacional dessa instituição. Desta forma, faz-se necessário

tratar da cumplicidade entre os textos e as imagens na (re)construção dessa

formação.

“…nessa época, Akama-sensei dava a parte da etiqueta para as pessoas de corte e costura que estudavam o dia inteiro e que após três meses tiravam o diploma e iam embora. Todo mundo precisava saber o modo de tomar chá, o modo de servir, essas coisas… todo mundo precisava fazer! Então eu acho que quem formou lá, quem estudou lá… qualquer coisa que aconteça, não fica afobado. Tanto corte e costura, tanto comportamento, tudo… eu acho que não fica afobado. Pode cair mas levanta limpo… Sabe levantar. “ (Mayumi)

O que garantia a segurança na maneira de conduzir suas vidas que

lhes permitia um convívio adequado e “sem ficar afobadas”, nas palavras de

Mayumi Mizikami, saber levantar após um revés? Provavelmente uma formação

completa, abrangendo uma gama de ensinamentos que lhes outorgava

desenvoltura e auto-estima suficientes para um desempenho social satisfatório.

A Etiqueta corresponde, no Japão antigo, ao que se designa o “Modo de Respeitar” (Reigui Sahoo). “Reigui”, envolve o estado de espírito; “Sahoo” é a forma de expressar aquele espírito, ou seja exteriorizá-lo. O propósito, é a correspondência entre a intenção e a atitude. A procura da beleza da alma não é uma tarefa fácil, requer aprimoramento constante na vida quotidiana. (…) Enfim, a etiqueta serve para facilitar a relação entre as pessoas, aprimorar o ato de evitar má impressão ou desrespeito a outrem. É importante e muito difícil, porque isto se aplica a todas as nossas atividades do dia a dia, como, em relação à vestimenta, alimentação ou habitação.54

54 AKAMA, M. Sobre Etiqueta .In: Kouen no tabi. São Paulo: Toppan Press, 1999.

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O álbum A formação da identidade feminina

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12 x 8cm Figura 62

Aula de boas maneiras pela Professora Akama

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O álbum A formação da identidade feminina

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O ensino de línguas. A língua portuguesa, mais do que qualquer outro

idioma, era uma necessidade essencial para a adaptação em terras brasileiras.

Mesmo com a intenção de regresso ao Japão, a comunicação é imprescindível

para se viver bem em território estrangeiro, independentemente da condição

temporária. Em Katarigusa, no artigo “O vestuário e a colônia”, as questões

relacionadas ao caráter “universal”, de “aproximação de mundos”, e as

preocupações com um ensino que corresponda às novas necessidades são,

contextualmente, esclarecidas. As diferenças aparecem, inclusive, em conflitos

decorrentes de intercâmbio cultural. A flexibilidade na assimilação de culturas e

línguas novas, torna-se então, uma necessidade essencial para a saudável

adaptação aos “tempos modernos”.

A ementa traz, devido ao objetivo maior de “formar mentalidade

suficiente para assimilar a cultura universal”, a proposta do ensino de francês,

latim e inglês. O último, inclusive, sugeria o “estudo da língua inglesa pela

necessidade, no futuro, em decorrência deste país estar situado na América e de

suas possíveis relações”, comerciais e culturais.

Fiquei sabendo que, entre as pessoas importantes que visitaram o Brasil, depois do fim da guerra, alguns passaram muita vergonha, aqui e ali, antes de voltar ao Japão, por não se importarem muito com sua vestimenta. Porém, o mundo está, extraordinariamente, mais próximo (pensando nos relacionamentos sócio-econômico e políticos entre os países), e as preocupações com o vestuário, alimento e moradia estão se tornando internacionais. Eu acho que, aqueles que tem condições de viajar para outros países, deveriam, no mínimo, se informar, antes de tudo, sobre os modos e etiquetas comuns nos mesmos. (…)Há dezessete anos atrás, um jovem veio do Japão ao Brasil sob meus cuidados, pouco antes do início da guerra entre o Japão e os Estados Unidos. Eu cuidei dele por um tempo e, naquela época, em meio ao forte sentimento militarista que prevalecia, ele trouxe seu traje de cidadão (roupa parecida com uma farda), que, obrigatoriamente, era usado pelos japoneses. Toda vez que ele saía usando-a, eu o advertia: “Tire esta roupa! Estamos no Brasil!”. Mas ele retrucava, encerrando o assunto: “Esta roupa pode ser usada em qualquer lugar, pois é a roupa do cidadão japonês!”, apesar de ser o primogênito de uma respeitada família, e já ter concluído o curso superior. Não pude resistir e admirar o quão fortemente arraigada estava a educação baseada no militarismo daquela época.55

55 AKAMA, Michie. O vestuário e a colônia. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978.

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O álbum A formação da identidade feminina

115

12 x 8 cm Figura 63 Aulas de português, francês e latim pela Professora Oshimoto

12 x 8 cm Figura 64 Aula de inglês do Professor Sugaya

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O álbum A formação da identidade feminina

116

“A eficiência do seu método de ensino é reconhecida pelas autoridades

de Ensino do Estado, pela significativa aprovação obtida pelas suas alunas nos

concursos de Habilitação ao Magistério, anualmente promovidos pelo

Departamento de Ensino Profissional do Estado de São Paulo”. A afirmação citada

foi trazida pela ementa como uma forma de reconhecimento. O peso dessa

comprovação no documento oficial da escola agrega o valor legal de autorização

para o funcionamento. O curso de corte e costura era o único registrado e que

seguia uma metodologia de ensino profissionalizante.

“[…]os pais obrigavam as filhas a estudar na costura…mas no estudo não era tão esforçado. Na costura é que precisava aprender (…) Estava dando aula de costura aqui… dei bastante tempo, e chegou uns tempos que ninguém queria aprender mais costura…aí todo mundo queria estudar, então como entraram bastante dessas roupas feitas, ninguém quis saber de costurar, não é?... (…)naquele tempo… no começo, se as moças não aprendiam costurar, não podiam casar…precisava aprender cozinhar… tudo isso. Então todo mundo vinha aprender costura. No começo tinha bastante aluna, depois chegou um tempo que todas precisaram estudar, fazer alguma coisa, ir prá frente… agora, acho que as moças japonesas… ninguém sabe costurar mais, ninguém sabe, né?...” (Sumiko)

O que entender como “eficiência” do método? Nas preciosidades de

Takiko Ota, uma revelação. O método. Caprichosamente armazenado, traz no

interior de suas páginas, toda a fundamentação num índice bilíngue (japonês e

português), os moldes desenhados em papéis especialmente escalonados,

cálculos e anotações em espaços reservados para essa finalidade.

Figura 65 Figura 66

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O álbum A formação da identidade feminina

117

17,5 x 7,5 cm Figura 67 Parte da aula de corte e costura

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O álbum A formação da identidade feminina

118

“nenhuma vez comprei roupa feita… tudo, tudo… enxovalzinho… tudo bordado, tudo feito em casa… meus quatro filhos, ninguém usou roupa feita… então a gente tinha a alegria de saber bordado… porque gakou tinha curso de bordado também…” (Mayumi)

As aulas de bordado ministradas pela professora Hamada são as mais

(re)lembradas entre as ex-alunas, apesar da existência de outras modalidades,

como tricô e crochê. Essa importância deve-se talvez por ser um bordado em

estilo japonês, com fios de seda. Trata-se de um artesanato bastante refinado e

que, possivelmente, apenas as pessoas que tiveram acesso à essa arte sabem

executá-lo. Considerado como “arte de tecer”, o bordado, assim como as demais

atividades manuais, tem, segundo a ementa, a função de “enriquecimento da

existência”. São as “delicadezas” da personalidade feminina.

“Eu trouxe um bordado que eu achei lá, mas tinha um pouco mais, ma já tá velho, coitado. É essa época daí. Quer ver, olha. Já tá até meio rasgadinho assim. Era um sensei que veio do Japão ensinar fazer esse bordado. Era tão gostoso, eu gostava de… Manchadinho né. De seda. Esse aqui foi o segundo bordado. Tem o primeiro, que é feita com linha de algodão. Então está bem mais perfeito, agora esse aqui por ser de seda já tá meio rustidinho. Agora, tinha uns outros assim bem mais bonitos, mas um pede, outro pede. (…) Aqui a linha já estragou. Estava na moldura né, aí um dia eu peguei, retirei pra dar uma lavada assim porque tava muito sujo. Mas é uma delícia, até agora eu gosto de bordar. Vale muito, assim... Olha atrás também, não deixa muita sujeira… É gostoso bordar, nossa… Bordado gostava muito. Ikebana também gostava, mas acho que bordado eu gostava mais. Acho que era uma vez por semana mais ou menos.” (Kazuco M.)

Data: 25/04/008

Formato: 1 Megapixel

Local: Fundação Michie Akama

Legenda: Kazuco Miyasaka exibe seu

bordado da época de aluna

Figura 68

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O álbum A formação da identidade feminina

119

12 x 8 cm Figura 69

Aula de trabalhos manuais da Professora Hamada

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O álbum A formação da identidade feminina

120

O ensino da aritmética e matemática, segundo a ementa, esperava que,

as alunas pudessem, “pelo seu conhecimento, de acordo com a inteligência de

cada uma aplicá-las na vida prática, e a melhor raciocinar”. É importante lembrar

que, considerado como complementar ao curso fundamental da escola – corte e

costura, aplicar o aprendizado na vida prática era um fato real, uma vez que as

noções fundamentais da matemática, de desenho artístico e moda eram

essenciais na confecção de uma roupa (cálculos, proporção, geometria, entre

outros).

A confiança em dominar esses conceitos, fazia dessas alunas, exímias

profissionais, que podiam exercer suas profissões “sem ficarem afobadas” (na

descrição de Mayumi Mizikami), evitando os riscos de perdas ou desperdícios

(tecidos, linhas, tempo de trabalho,etc). Com excelência no aprendizado do ofício,

lançavam-se inclusive na “alta costura”, como Maria Aiko que, desde formada, foi

uma das mais requisitadas para confeccionar vestidos de noivas.

Figura 70

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O álbum A formação da identidade feminina

121

12 x 8 cm Figura 71 Aula de matemática do Professor Yamamura

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O álbum A formação da identidade feminina

122

“Quem incentivou pra eu ir na Akama-sensei foi meu avô…pai do meu pai…interessante, né?... Ele que quis que eu fosse, não queria que eu estudasse português. Ele queria que eu fosse na Akama-sensei em São Paulo…não sei de onde que ele colheu essa idéia, mas ele queria que eu fosse. Então todos, eu e minha irmã…. Fomos 5 ou 6 anos na Akama-sensei. Estudamos lá… omoshiroi, né?... “ (Aiko Fujita)

O ensino de língua japonesa tem sua história dividida, segundo

Moriwaki56, em três períodos: pré-guerra (1908-1941), pós-guerra (1946-1979) e o

período atual (a partir de 1980, que ressurge como uma utilidade “futura” da língua

devido à melhoria sócio-econômica do Japão por alto desenvolvimento tecnológico

a partir dos anos setenta). Se, num primeiro momento, na intenção de retorno ao

país de origem (Japão), a preocupação na educação dos filhos para uma inserção

na sociedade japonesa pelo ensino da língua na transmissão de, além de um

idioma, uma formação que permitisse preservar a identidade étnica como japonês,

no pós-guerra, já mais estabelecidos no Brasil, o ensino da língua passa a

objetivar a formação de bons nipo-brasileiros. Esses dois períodos são os que

mais interessam ao assunto pesquisado, pelo seu caráter de transição e

adaptação à nova condição do imigrante.

O ensino da língua japonesa revela então, seu importante destaque na

comunidade nipo-brasileira, e se apresenta em três imagens da aula de japonês

no álbum (três professores em suas determinadas salas).

56 MORIWAKI, R. Nihongo kyôiku rinen no hensen (a mudança nos princípios de ensino de japonês). São Paulo: Centro de estudos nipo-brasileiros, 1998.

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O álbum A formação da identidade feminina

123

12 x 8 cm

Aula de Língua Japonesa do Professor Hayashi

Figura 72

Figura 73

12 x 8 cm Aula de língua japonesa do nível primário com a Professora Wakamatsu

Figura 74

12 x 8 cm

Aula de língua japonesa do nível primário com a professora Kimura

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O álbum A formação da identidade feminina

124

Na tentativa de aprimorar a sensibilidade de cada aluna, a sua

individualidade e habilidade eram sempre respeitadas. Ofereciam-se

possibilidades diferentes para que elas pudessem manifestar em algum setor da

arte, a sua particular expressão do belo. A educação artística tinha como papel

principal, despertar esses talentos, oferecendo técnicas que eram acompanhadas

de embasamento teórico e sensível de leitura crítica. Pintor, jornalista e escritor, o

professor Tomoo Handa, que fez parte do corpo docente por mais de dez anos, foi

um dos artistas plásticos mais significativos da colônia japonesa no Brasil. Criou,

em 1935, juntamente com os artistas Tanaka, Tomioka, Manabu Mabe, Tomie

Ohtake, Fukushima, Takaoka, entre outros, o “Seibi-kai”, com a intenção de

colaborar e incentivar produções artísticas. Foi o primeiro nipo-brasileiro a ser

premiado, em 1936, com Menção Honrosa no Salão Paulista de Belas Artes. Uma

eficiente forma de ensinar é pelo exemplo e, esse professor de educação artística,

ultrapassa as paredes da sala de aula, para marcar presença em galerias e

exposições, “invade” os salões e leva consigo, as alunas do internato para “refinar”

os sentidos.

“Eu desenhava muito na época do Handa-sensei. Eu não fiquei com acho que nenhum! Procurei mas acho que... Nenhum desenho. Fazia muito com Handa-sensei. Gostava do estilo dele. Desenhava e a turma pedia assim: Ai, dá um pra mim, dá um pra mim. Eu falava: ah, tem que ficar na fila, porque não vai dar pra eu desenhar tão rápido assim, mas eu fazia sim, vivia desenhando pra turma.” (Kazuco M.) “Olha o Handa-san levando para exposição!... Ele levava as alunas para ver exposição de quadros…” (Tyoko)

Não seria pelo fato das pessoas terem a oportunidade de poder sentir as coisas, por exemplo, mesmo que seja uma coisa pequena, o fato de poder inventar algo, que sente alegria?57

57 AKAMA, M. A minha distração. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha,

1978.

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O álbum A formação da identidade feminina

125

12x 8 cm Figura 75 Aula de desenho do Professor Handa

12 x 8 cm Figura 76 Visita a uma exposição de pintura

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O álbum A formação da identidade feminina

126

Segundo a ementa, “o curso de nutrição e fisiologia era a respeito da

adaptação da vida ao ambiente em que se vive, mediante os conhecimentos

científicos”. Uma definição bastante vaga que instiga questionamentos: do que se

tratava? Quais são os chamados “conhecimentos científicos”? O teor da disciplina

era totalmente diferente do curso de culinária? Outro professor? Na imagem,

algumas respostas. Ao retomar os jornais publicados, encontro artigos sobre a

importância de certos alimentos, suas respectivas vitaminas e valores nutricionais.

Isso demonstra, o caráter mais “fisiológico” das questões alimentares. No

depoimento de Sumiko, o nome do professor, que não consta na legenda, se

identifica, é Ishii:

“Ishii-sensei wa vitamina no sensei58, naquele tempo. É porque toda coisa falava, de comer assim, falava de vitamina né. Mas ele ensinava tudo lá no hatake . Plantar daikon59, plantar tudo as coisas né, a gente terminava a aula e ia correndo pra lá né., plantar yasai60.” (Sumiko)

Saber cozinhar era fundamental. Porém, com grande importância,

surgem outros assuntos relacionados ao aproveitamento dos alimentos, inclusive

de suas sobras. O preparo de conservas com excedentes do plantio ou mesmo de

cascas e “restos” que não eram utilizados na preparação dos alimentos,

possibilitava às alunas, ao retornarem às suas famílias, repassarem os

aprendizados, tornando-se, muitas delas, líderes em suas comunidades rurais.

Mais que isso, trazia às “boas-noivas” um atributo que lhes permitia dar outra

forma de contribuição na administração da economia doméstica. Conhecimentos

que levarão para os lares e farão parte de seu quotidiano.

“Na aula do Hayashi-sensei tinha aula de culinária, nousankakou… nousankakou é a gente fazia as coisas, fazia, aprendia e, no bazar, a gente vendia… isso foi muito bom também… Porque quando a gente tem bastante abóbora, sabe aproveitar… quando tem alguma coisa, sabe aproveitar, não desperdiça nada. Isso também foi do gakkou… então gakkou foi praticamente completo pra minha vida também… Foi muito bom!...” (Mayumi)

58 Vitamina no sensei – professor vitamina 59 Daikon - nabo 60 Yasai - verduras

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O álbum A formação da identidade feminina

127

12 x 8 cm Figura 77

Aula de nutrição

12 x 8 cm Figura 78

Aula de prática de conservação de produtos agrícolas

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O álbum A formação da identidade feminina

128

Ao considerar a música como “companheira inseparável da vida”, a

proposta do curso em aprimorar a sensibilidade, um “predicado imprescindível à

vida”, disponibilizava além de audições semanais de discos de música erudita

previamente selecionados, a prática de alguns instrumentos musicais como

bandolim, piano, violino e a própria voz pelo canto-coral.

À princípio, imaginei se algumas alunas haviam se tornado grandes

concertistas. Não encontrando nenhum registro que respondesse a esses

pensamentos, deixei que repousassem. Posteriormente, ouvindo as “vozes da

memória”, ressurge a figura de um professor “bravo” mas marcante em várias

lembranças, Sato-sensei.

“ahh… não pode esquecer a aula do Sato-sensei também… Sato-sensei foi a aula de música. Ele dava a música clássico… a gente não entendia nada, mas ele falou que esse é do Bach, esse é do Beethoven…ele explicava. Então parecia que, naquilo… na hora, parecia que era besteira… encheção… mas depois que a gente sai na sociedade e quando escuta uma coisa assim… “ahhh… esse eu tinha escutado no gakou”… lembra, né… então isso foi muito bom também!... “ (Mayumi)

“Música, então, Sato-sensei, tocava, a gente aprendeu um pouquinho… bandolim!... Nós aprendemos bandolim… violino, bandolim… piano, também…Piano assim, não era ele que dava… bandolim e violino, ele que dava aula”. (Tyoko)

Mediante a fala, busco pela ementa, da qual a proposta não

era formar musicistas, mas sim, “desenvolver o sensível” como um caráter da boa-

formação. Nesse sentido, a conquista do objetivo parece alcançada.

Segundo um literário: “É lamentável, quando alguém bem arrumada, com roupas e maquiagem da moda, deixa transparecer, apenas ao abrir a boca, que não tem nada na cabeça e é uma pessoa miseravelmente monótona. Penso que a beleza, no verdadeiro sentido, nasce quando se esforça em combinar os acessórios com as roupas e ao mesmo tempo se embeleza com os acessórios da vida que são a leitura e a música”.61 “a minha iniciação em música clássica foi com ele… por isso que meu ouvido ficou mais apurado…” (Kazuko Baba)

61 AKAMA, M. O vestuário e a colônia. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki

Kaisha, 1978.

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O álbum A formação da identidade feminina

129

12 x 8 cm Figura 79 Aula de música com o Professor Sato

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O álbum A formação da identidade feminina

130

O curso de culinária ministrava, segundo a ementa, “aulas de dietética a

fim de que, com o conhecimento teórico e prático não se encontrassem em

dificuldades na sociedade”. Essa breve apresentação não especifica as

dificuldades emergentes. As respostas surgem no discurso de Mayumi, nascido da

fotografia da aula de Arte Culinária.

“…todo mundo falava assim, “ahh… vai na escola de culinária?... mas aqui no interior não tem material…” A primeira coisa que a pessoa fala, é que não tem material. Não que culinária não dependa de material… você sabe aproveitar na culinária, o que tem na sua frente, o que tem ao seu redor. Isso é que é culinária. Não é que você compra tudo e faz, não é assim… sensei era uma pessoa que ensinava muito pra não desperdiçar as coisas, até descascar a berinjela, cortar, deixar secar na sombra… depois usar para fukujinzuke62. Fukujinzuke…agora fala fukujinzuke, mas antigamente, falava somatsusumfuminande, somatsusumfuminazuke… que não desperdiça. Então se descascasse o pepino, a casca, as sobras, e jogasse as coisas… (risos)… ficava bravo. “Esse daí tem que usar pra… então vai deixar pra secar!” (…)“ “Então, quando vinha empregada em casa e jogava no lixo, descascava daikon e jogava… ‘Não! Não… esse daí não é pra jogar!’... Então, toda vez ela falava “Esse pode jogar, ou não pode jogar?! …”” (Mayumi)

62 Fukujinzuke – conserva de alimentos, elaborada com vegetais picados e temperados no estilo japonês.

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12 x 8 cm Figura 80

Curso de arte culinária com a Professora Araki

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O álbum A formação da identidade feminina

132

Sempre voltada às questões de formação humana e suas condutas,

Michie demonstrava sua constante preocupação em desenvolver a “maneira de

sentir”, como condutor de boas ações. A ikebana 63 prioriza a relação da

“construção do belo” com o estado harmonioso de espírito, o sentimento. Por esse

motivo, o “ato” de aplicar flores é considerado uma arte capaz de embelezar a vida

pela apreensão do belo, bem como alcançar “predileções mais nobres e elevadas”.

O arranjo com flores nasce com o sentimento de respeito à natureza. O deleite do perfume de uma flor singela agrada até um ambiente desolado de um escritório e traz tranqüilidade aos nossos corações. O ato de arranjar a flor com Ikebana valoriza o ambiente e ao mesmo tempo reconforta e eleva o espírito da pessoa. O estado em que fica a serenidade da mente com ausência de pensamentos mundanos, talvez seja mais sagrado do que a meditação do budismo.64

Atualmente, essa arte encontra na ex-aluna Tyoko Shimano, presidenta

da Associação de Ikebana no estilo Ikenobo do Brasil, uma multiplicadora de seus

valores.

“Sempre agradeço à Akama-sensei que, sempre, no começo… a gente, na ocasião, falava: “Ih, ela tá falando isso!... Ih, já tá falando isso!... “ assim, mas a gente, depois agradece... Porque ela falava: “mulher… porque é mulher, precisa aprender costurar” , falava assim prá gente, “precisa saber fazer essas coisas… aprender ikebana que é bom… “ enfim, todas as matérias, essas matérias necessárias, não é? E ikebana, na época nem imaginava que pudesse ser útil… Hoje, passei pra ikebana… então, nós fazemos parte da Ikebana Ikenobo lá do Japão também. Além de sermos associados aqui, a gente pertence também lá. Nós somos associados também do Japão. “(Tyoko)

63 Ikebana – estilo japonês de arranjo floral. 64 AKAMA, M. Ikebana. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.

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O álbum A formação da identidade feminina

133

12 x 8 cm Figura 81

Aula de “ikebana” com a Professora Kikuchi

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O álbum A formação da identidade feminina

134

Onde comer e onde dormir. Vindas de diversas regiões do Brasil (Pará,

Rio Grande do Sul, Amazonas, interior de São Paulo, Brasília, entre outras) para a

escola na cidade de São Paulo, para cursar o Corte e Costura e demais atividades

oferecidas pelo estabelecimento, dificuldades primordiais a serem sanadas eram

onde se alimentar e repousar. A condição de internato feminino supria essa

necessidade. As imagens selecionadas para o álbum falam por si só, ao retratá-

las em um descontraído momento de refeição, algumas mais animadas, outras

entretidas em conversa, ou simplesmente saboreando o alimento. O dormitório,

muito organizado, apresenta além das camas, uma mesa alinhada e ornamentada

com uma ikebana – a vivificação das flores que fará parte do hábito a ser levado

posteriormente aos lares.

“refeitório… olha os quartos, alojamento… meio assim na cama… bicama… mas era quartinho bonito” (Tyoko)

Carinhosamente lembrado pelas alunas, os “quartinhos” carregam

também suas próprias histórias. Takiko relembra seu quarto, compartilhado com

Tomoe Suzuki, irmã caçula de Michie Akama. Kazuco Miyasaka e seu “quartinho

no sótão”, visível na foto da fachada da escola e no quadro de Tomoo Handa, se

alegra ao lembrar das aventuras:

“Aqui, esse último quartinho aqui, esse de cima. É aquele lá, lá em cima, aparece um telhadico lá em cima. Naquele telhadinho que eu dormia, que vinham os morcegos visitar a gente. No começo, a gente ficava assustado, mas no fim, ficou amigo.” (Kazuco M.)

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17,5 x 11,5 cm Figura 82

Momento de descontração na hora da refeição

12 x 8 cm Figura 83

Uma visita ao Dormitório do internato

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O álbum A formação da identidade feminina

136

Os hábitos e práticas da mentora serviam como exemplo, mesmo na

utilização dos horários “livres” de aulas. O bom aproveitamento desse períodos,

tidos como “estudo-livre”, rendeu-lhes descobertas de prazeres que se

eternizaram, e são fontes de grande alegria em suas vidas, como: a leitura para

Rutsuko, a ikebana para Tyoko, o bordado para Kazuco Miyasaka e a culinária

para Takiko. Michie mantinha rotinas que, sejam, pelas ações, ou pelos escritos,

deixaram suas marcas.

Para ter uma vida familiar plena, no futuro, é importante que todos tenham em mente, uma maneira de aproveitar os intervalos durante o trabalho atarefado para aprender mais sobre algo interessante, e, até mesmo, usando isso como uma recreação para relaxar, ao fim de um dia de trabalho.65 Se me perguntarem “qual é sua distração?”, não terei dúvida alguma em responder “Leitura”. Isso porque quando jovem gostava de ler e sempre estava com um livro. (…)Para as mulheres atuais e jovens há tendências de se acreditar que maquiagens e acessórios vem se tornando esplêndidos, é a natureza da sua psicologia. Não que eu queira julgá-las, mas, quando necessitam falar algo, todo esse esforço para com a aparência torna-se inútil, porque as idéias são ocas e isso acaba diminuindo os pontos. Será que não são os conhecimentos obtidos com esforço próprio e acumulados durante a época dos estudos que iluminam as idéias, e é isso o que podemos chamar de verdadeira beleza?66 Desde meus tempos de juventude, gosto de ler, tendo tempo ou não. Para mim, essa é, também, uma grande distração. Depois de ficarem velhas, as pessoas que tem uma distração são felizes. (…)Talvez se as mulheres amassem mais as flores e, mesmo dentro de casa se interessassem por flores, cozinhar, fazer trabalhos manuais como distração, suas vidas seriam mais felizes e teriam motivação para viver.67

A cena retrata um desses momentos de descobertas, num ambiente

tranqüilo dedicado às distrações preferidas. Podiam desenvolver as atividades em

seus quartos, mas fazê-las em grupo era, por vezes, mais agradável.

“olha a Kimura-sensei, tem bordado… é… de folga, hora de lazer, leitura, fazia um bordado… escreviam cartas… na hora de folga.” (Tyoko)

65

AKAMA, M. O caminho a ser seguido pelas mulheres. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978. 66

AKAMA, M. Minha leitura. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978. 67

AKAMA, M. A minha distração. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978.

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O álbum A formação da identidade feminina

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12 x 8 cm Figura 84

Hora de estudo-livre das alunas internas

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O álbum A formação da identidade feminina

138

A projeção de filmes cinematográficos era uma das atividades extracurriculares

desenvolvidas no estabelecimento. Ao lado de outros diferenciadores, como o grêmio, o jornal, os

serviços de alto-falantes, as competição culturais e esportivas, a biblioteca, entre outros, a “Sala de

Projeção” permitia a divulgação da Cultura Japonesa, por meio dos filmes selecionados e trazidos

do Japão, uma aproximação com os valores, hábitos e costumes do país de origem.

“Essa aqui é turma de cinema… passava filmes, projeção… tinha sala de projeção. Tinha um grupo encarregado de projeção, tinha que, desde escolher o filme bom, até projetar assim, na tela…” (Tyoko)

Essas atividades, embora opcionais, encontravam muitos adeptos. O

treinamento na “Sala de Projeção”, as novelas de rádio e o teatro eram

organizados com a colaboração de muitas pessoas, oferecendo um ambiente

harmonioso e divertido de interação entre as alunas dos variados cursos.

“Tinha projeção de filme japonês… acho que, uma vez ou duas por mês, a gente entrava em contato com o Consulado e pedia emprestado filme japonês, ou então mesmo português, filmes bons… Aí eu participava!...” (Tyoko) “Rádio. Tinha novela de rádio. Eles transmitiam o som, então, lendo as partes, cada um tinha um personagem… sensei que dirigia… Sato-sensei. Bem animado!...” (Tyoko)

Ainda, na programação das atividades extracurriculares, as

competições culturais e esportivas, os piqueniques e as excursões.

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O álbum A formação da identidade feminina

139

12 x 8 cm Figura 85

Equipe de treinamento com Projetor de Cinema

11,5 x 8,5 cm Figura 86

Momento de diversão com Pingue-pongue das alunas de Língua Japonesa

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O álbum A formação da identidade feminina

140

A escola costuma realizar, em anos alternados, uma exposição dos

trabalhos manuais executados pelas alunas. Era o famoso Bazar, um momento de

grande união, onde o trabalho em equipe tornava o grupo animado em favor de

uma causa maior, no caso, a construção da sede própria da escola.

“Depois aqui, nós agíamos assim… em grupo. Sempre em grupo. (Dá aquela sensação de fazer parte de alguma coisa…) É, do grupo. Tinha os bazares, a gente ajudava… o que é difícil acontecer fora. Sempre a gente ajudava, sempre. Viajava em grupo…tudo era grupo. Então pra mim foi ótimo, que em casa era difícil ter amizade com o grupo todo. Sei que foi muito bom mesmo. Foi muito útil porque eu vejo minhas amigas que não puderam conhecer Akama-san, por exemplo… elas são diferentes, sabe? Maneira de encarar as coisas… são diferentes. Marcou bastante mesmo… aquela convivência foi só de três anos, mas foi marcante mesmo! Pra mim, pelo menos, nossa!” (Tyoko) “(…)O tempo avança e a escola cada vez mais cheia. Embaixo no pátio onde nos dias comuns correm e brincam alunas hoje repleta de visitas, todos sentados nos bancos saboreando udon, oshiruko, etc. É uma alegria para todos nós vermos os nossos trabalhos compensados.(…)”68 “Naquela época tinha “bazar”. Sempre tinha, no mês de outubro, bazar. Então fazia udon, essas coisas… tudo… mas todos colaborando… cada um tinha sua responsabilidade. Cumprindo, no dia-a-dia, a gente adquiria, sem sensei forçar… a gente adquiria. Eu acho que o serviço de Akama-sensei foi de muito, muito valor pra formação humana, quer dizer… as moças, né… eu acho.” (Mayumi) E aula do Hayashi-sensei que tinha aula de culinária, não é… nousankakou… nousankakou é a gente fazia as coisas, fazia e aprendia e no bazar a gente vendia né… isso foi muito bom também… (Mayumi – interview) “(…)Neste dia nós, alunas, chegamos à escola mais radiantes que nunca. Em seguida, com seus distintivos correm para cá e para lá cumprindo as suas obrigações. Dá-se a abertura e inicia-se a luta. As alunas cada qual nos seus determinados lugares. Eu fui escolhida para ficar na secção dos trabalhos manuais.(…)”69 “(…)Começam a chegar as visitas. Uns interessados em comprar algo, outros apenas para ver e talvez para comer alguma coisa.(…)”70

68

NIITA, K.A nossa exposição. In:”Boletim Ayumi”. São Paulo: 1956, no 13, p.01. 69 idem 70

idem

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O álbum A formação da identidade feminina

141

11,5 x 8,5 cm Figura 87 Figura 88 11,5 x 8,5 cm Bazar (1) Bazar (2)

11,5 x 8,5 cm Figura 89 Bazar (3)

11,5 x 8,5 cm Figura 90 Figura 91 11,5 x 8,5 cm Bazar (4) Bazar (5)

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O álbum A formação da identidade feminina

142

A exposição de trabalhos manuais das alunas era a principal atração do

“bazaa” (bazar). Motivo de grande dedicação e capricho das alunas, resultava em

importante repercussão da instituição em toda a comunidade educacional. Abaixo,

uma carta de congratulações sobre o evento, recebida pela instituição e

selecionada para publicação no boletim interno.

“Há dias tivemos a feliz oportunidade de presenciar a uma bela exposição de trabalhos manuais neste estabelecimento. Muitos visitantes disseram-nos que tudo lhes causou uma ótima e agradável impressão. Por exemplo, o arranjo das flores foi comentado com admiração até no colégio Batista. Tanto o corpo docente como o discente está de parabéns, pois graças a êles é que a exposição se realizou com pleno êxito. A Escola Vergueiro provou mais uma vez ser ciente do papel que lhe cabe, pois além de ser informadora, ela é também formadora de elementos verdadeiramente úteis à coletividade. Temos observado que ela não ensina a moral consciente apenas através do ensino técnico, mas faz com que as alunas vivam situações onde o ensino técnico adquire sentido. Além de tôdas as vantagens que o bazar nos trouxe, êste ensinou-nos também que a solidariedade é a base para conseguirmos algo na vida. Acima de tudo, esta escola merece todo o nosso amor e respeito porque ela não constitui uma parte separada da vida das alunas, pelo contrário, faz parte integrante na vida de cada um. Mais uma vez nossas sinceras congratulações `a Escola Vergueiro pela sua esplêndida realização.” 71

71 Y. S. Que faz a nossa escola. In: Boletim Ayumi. São Paulo, 15 de dezembro de 1956 – número 13 – capa

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O álbum A formação da identidade feminina

143

11,5 x 8,5 cm Figura 92 Exposição

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O álbum A formação da identidade feminina

144

Após “navegar” pelos percursos desenvolvidos, no interior da instituição,

um “passeio” junto às alunas pelos conhecimentos que ultrapassavam os limites

da escola. Estes permitiam uma vivência mais abrangente de mundo por

excursões e visitas programadas. O que atualmente chamam de “estudo do meio”

na Fundação Michie Akama, já fazia parte dos ensinamentos da fundadora desde

os primórdios da escola.

As visitas de estudo do meio seguem sempre uma programação

contextualizada. Dessa forma, como sugestão, uma viagem no tempo para buscar

a relevância de algumas “saídas” das alunas.

Penicilina. Segundo Ana Leonor Pereira e João Rui Pita, no artigo

“Alexander Fleming (1881-1955): da descoberta da penicilina (1928) ao Prêmio

Nobel (1945)” publicado na Revista da Faculdade de Letras História72 “os últimos

dez anos após o Prêmio Nobel, portanto entre 1945 e 1955, o mito de Fleming

ganhou a sua máxima expressão”. A penicilina foi uma descoberta científica que

desencadeou profundas alterações no tratamento de doenças infecciosas,

estimulando novas investigações neste domínio, investimentos técnicos,

tecnológicos e econômicos em nível industrial para produção de antibióticos.

A saída retratada no álbum é datada de 1951, portanto dentro da

efervescência da descoberta que se tornara o grande assunto do momento.

Bastante significativa e contextualizada, a visita à uma fábrica de penicilina

mereceu destaque no álbum por demonstrar os conhecimentos gerais garantidos

às alunas em busca de uma formação social completa.

“[…]e tinha excursão também, à fábrica… Kengaku 73 !... esse aqui também… fábrica de penicilina, Penishirin koju…” (Tyoko)

72 PEREIRA, A . L. & PITA, J. R. Alexander Fleming (1881-1955):da descoberta da penicilina (1928) ao Prêmio Nobel (1945). In: Revista da Faculdade de Letras História, III série, vol. 6: Porto, 2005, p. 129-151. 73 Kengaku – estudo do meio

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O álbum A formação da identidade feminina

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11 x 8 cm Figura 93 Visita de Estudo na fábrica de Penicilina

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O álbum A formação da identidade feminina

146

Os momentos de lazer e confraternização não poderiam ser deixados

fora do quotidiano “retratado” das alunas. Os passeios e piqueniques, além do

agradável convívio social em atividades mais descontraídas, permitiam um olhar

sobre as origens como parte importante de suas existências. Visitar um navio

japonês, permite lembrar seus laços de imigração. Santos, o porto onde

desembarcavam os imigrantes. Algumas alunas, já nascidas no Brasil, podem

imaginar os traçados de coragem de seus pais ao navegar por quarenta dias para

vir do Japão. Um parque temático por sua vez, pode transportá-las a um mundo

distante, respirar “ares de Japão”, mesmo sem nunca ter vivido isso. Trata-se da

valorização de um sentir-se japonês, ser um japonês em sua origem.

“Olha o piquenique lá em Santos, olha… piquenique em Santos… esse daí é kengaku do primário, do curso primário de japonês… nossa, olha!... Acampamento, até acampamento fazíamos, olha! Esse daqui também é piquenique da turma em Santos… ia todo mundo!... Não sei se era de ônibus ou de trem… quando para Santos… de ônibus?... Acho que devia ir de trem também. Kore saiho no pikuniku… do corte e costura, o piquenique da turma de corte e costura… não sei onde é que foi isso aí… Ah! Nihon-so, em Santo André tinha um jardim japonês, é lá que… jardim japonês… em Santo André que tinha nihon-so… um jardim japonês onde tinha casa assim, de casa japonesa, onde ensinava, fazia cerimônia de chá… Esse aqui é visita de navio… escola… marinha japonesa, essa aqui é visita que fizeram ao navio, tá escrito assim… tinham bastante atividades assim mesmo, estando assim, internas, também tinham bastante assim, visitas, passeios, Jogaku-bu no shugaku... é, viagem de término do curso, formatura, Rio, esse daí é Rio…” (Tyoko)

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O álbum A formação da identidade feminina

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8,5 x 6 cm Figura 94

Visita de Estudos das alunas do curso de Língua Japonesa

8,5 x 6 cm Figura 95 Figura 96 11,5 x 8,5 cm “Camping” dos professores funcionários Piquenique das alunas internas

no parque da Cantareira

22,5 x 9 cm Figura 97 Piquenique a Santos das alunas do curso de corte e costura

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O álbum A formação da identidade feminina

149

Figura 98 11,5 x 8,5 cm Piquenique ao Parque Japonês das alunas do curso de corte e costura

Figura 99

11,5 x 8,5 cm Viagem das alunas do curso de

corte e costura a um navio japonês

Figura 100 12 x 8 cm Viagem de estudos do curso de língua japonesa do nível secundário - Rio de Janeiro

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O álbum A formação da identidade feminina

150

As festividades eram momentos de descontração entre as alunas, numa

possibilidade de convivência mais livre de formalidades. Apesar do

descompromisso curricular, pode-se perceber pelo esmero e métrica na

montagem da mesa e arranjos florais que os ensinamentos são vivenciados na

prática, remetendo respectivamente às aulas de etiqueta e de ikebana. Os laços

de relacionamento professor-aluno se estreitam dando às alunas a possibilidade

de relaxar e esboçar seus sorrisos sem maiores preocupações. Diferentemente da

fotografia posada de formatura, a data festiva dá a liberdade de exibir alegria e

despojamento. A comemoração de um aniversário representada no álbum pela

fotografia, traz ainda uma forte mensagem de convivência familiar. Se as alunas

internas viviam, moravam, comiam, dormiam, estudavam e usufruíam de todas as

dependências do internato, pode-se considerá-lo como seu “segundo lar”. O

aniversário é, nesse caso, comemorado em “família”, um segundo núcleo familiar

que estabelecerá importantes laços de amizade pelo resto de suas vidas.

“[...]festa de aniversário das internas… tinha festinha de aniversário também. Eram festinhas pras aniversariantes do mês!... Cada mês, festa assim, conjunta… festa conjunta.” (Tyoko)

“Terminei Akama aqui quando estava no segundo colegial… Foi muito bom, porque aí convivi, aprendi a conviver, com as pessoas do interior né… conheci muita gente, foi uma experiência que valeu a vida inteira viu… até hoje a gente tem amizade com a turma antiga, as minhas amigas… a turma de Akama-san eu tenho… com os professores. Da escola assim, do ginásio a gente não… não ficou ninguém, do colégio também acho que não… uma pessoa ou outra né que tenho contato… da faculdade então tudo espalhado, a turma do Akama-san não, sempre temos relação, temos convívio assim, familiarmente, né?... Convívio assim, além da gente, a família toda, né? Nós temos relações assim, familiares com as pessoas!”(Tyoko)

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12 x 8 cm Figura 101 Festa para aniversariante do curso de língua japonesa do nível primário

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O álbum A formação da identidade feminina

152

As atividades esportivas, em horários de lazer, eram sempre

privilegiadas. Permitiam momentos de distração e integração entre os diferentes

cursos e turmas. Com a preocupação em manter mente e corpos sadios,

estimulando o caminhar e atividades físicas, Michie apoiava a descontração com

jogos esportivos e exercícios.

“Quando ficamos velhos, as pernas começam a ficar fracas e, é, à partir das pernas que começamos a morrer.

Dentro do pátio da Escola Akama, praticavam exercícios logo de manhã cedo, e havia encontros, onde nós e os alunos, juntos, subíamos a ladeira, aqui e ali, andando juntos com o professor, no “encontro de andar”. Naquela época, as pessoas que vinham, não tinham a facilidade de adquirir um carro e muitas vinham de muito longe andando.”74

Embora a diversão tivesse sem espaço contemplado, a preocupação

com os estudos e os rumos profissionais que poderiam dar às suas vidas estava

sempre presente em suas mentes. No artigo publicado no Ayumi, as regras e

desafios dos jogos e brinquedos ganham uma nova conotação de luta pela vitória

na vida.

“É hora do recreio; no jardim brincam alegres as meninas e suas vozes argênteas se espalham pelo azul da manhã. No brinquedo como no jôgo há regras e normas que observar, e lá estão as gentis garotinhas, resolutas e delicadas ao mesmo tempo, sabendo vencer e sabendo perder. (…)Nesses dias, várias de nossas alunas estão fazendo o exame de habilitação de Corte e Costura. Após mêses de preparo em que nos foi dado ver sua dedicação e esforço nos estudos, ei-las que voltam alegres umas, outras um tanto preocupadas. Os dirigentes certamente esperam o êxito de suas alunas às quais dedicou o melhor de seus esforços. Mas também aptos estão para receber toda e qualquer surpresa. E assim, todos nós, em cada dia que passa vamos provando do cálice da vida, às vêzes muito amargo, mas mesmo assim muito útil. (…)Hoje que vocês estudam alegres e despreocupadas, procurem, boas amiguinhas, formar suas mentes e corações para que no dia de amanhã não venham a sucumbir ante a injustiça, a mentira e todo mal. A vitória é para os que sabem lutar.”75

74

AKAMA, M. Vamos caminhar a favor da mente e do corpo. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978. 75 IKAWA, Seiko. Saber Vencer. In:”Boletim Ayumi”. São Paulo: 1953, no 53, p.01.

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11,5 x 8,5 cm Figura 102

Hora de lazer das alunas no pátio da escola

11,5 x 8,5 cm Figura 103

Uma cena do campo de jogo de tênis

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O álbum A formação da identidade feminina

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A ginástica coletiva era uma prática habitual que pretendia, pela música

ritmada, “dotar as pessoas de saúde, perspicácia, decisão e força de vontade”.

O “taissô” priorizava a disciplina e determinação, uma vez que tinham

que se preparar para, pontualmente, se exercitarem junto ao grupo, num espírito

coletivo de cooperação e dedicação. Vivências que deixam boas lembranças às

privilegiadas participantes. Pela imagem percorrida e acariciada pelas alunas,

além da aula especificamente dita, o espaço-cenário é relembrado, com seus

cheiros e sensações.

“Kimura-sensei dava aula de manhã de taissô. Então todo mundo precisava sair, fazer o taissô lá embaixo, perto daquela árvore chamada de Ibitinga… Então ao redor… Kimura-sensei que era a chefona lá… do taissô… (…) Esse lugar é… Vergueiro, mas onde tinha esse campo, a gente que… nós que fizemos… era terra. Então, no barranco, nós quebramos, fizemos o campo de tênis, quadra de tênis… e, no lado, tinha uma casa velha e é aí que fazíamos ofurô76. Ofurô, aquele ofurô grande, fazia com carvão. Só que… numa casinha assim que não tinha forro. Tinha teto, mas não tinha… e no lado, tinha um abacateiro grande, sabe? Aí… diz que um dia, não sei quem que estava tomando banho e disse que tinha uma telha quebrada. Disse que olhou assim, lavando assim, olhou pra telha, aí disse que viu dois olhos lá no, lá do quebrado. Um brasileiro estava espiando. Subiu no telhado, né… espiando. Aí, não sei quem que jogou água com bacia, aí… a partir daí, até consertar telhado, o Komoda-ojisan ficou lá em cima tomando conta, pra ninguém subir. Komoda… aí, ele ficou resfriado, e a turma deu risada. Então, nesse campo, que foi tirada a foto. Ano Vergueiro no gakou,ne… Atrás… no lado. Fazia taisso… primeiro, fazia taisso… então esse daqui, todo mundo carregou terra…”(Mayumi)

76

Ofurô – espécie de banheira com água em temperatura muito elevada, antigamente, aquecida pelo carvão

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23 x 17 cm Figura 104 Vida da interna – execução coletiva de ginástica

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O álbum A formação da identidade feminina

156

As conferências e palestras trazidas ao espaço educacional

demonstra a proposta abrangente de ensino-aprendizagem aberta aos

conhecimentos gerais essenciais ao crescimento humano. A educadora Michie

Akama, que por inúmeras vezes descreveu em seus escritos a preocupação com

a formação de “mentes saudáveis” e tendo na leitura o principal lazer, deu grande

ênfase ao que se pode (e deve) apreender do meio. Para isso, aprender “do”

mundo, ouvindo suas múltiplas vozes sempre foi prioridade. Essa atitude manteve-

se viva mesmo após o encerramento das atividades do internato quando, por

ocasião do “doosookai”, aproveitava a reunião para “ofertar” algum novo

ensinamento às ex-alunas, por meio de alguma atividade ou palestra. O espírito

de quem nasceu com a missão de educar.

“[…]veio conferencista, às vezes convidava professores vindos do Japão, ou de algum lugar assim importante pra fazer Conferência…[…]” (Tyoko)

Sobre o “dousoukai”, algumas considerações levantadas pelas ex-

alunas:

“Kazuko: Akama-sensei … Sempre queria alguma coisa que fosse proveitosa na reunião… Não era só pra comer e bater papo, ela queria… Rutsuko: Uma vez por ano, mais anos sem encontrar… Akama-sensei foi professora mesmo até o fim! Mesmo nessas reuniões ela procurava incluir alguma coisa que fosse de proveito para todas as pessoas… Nossa mas... Sensei realmente não existe… não existiu… Kazuko: Como ela, nunca vai existir! Aquele idealismo dela né? Era uma coisa… Rutsuko: Até o fim… Mesmo… Kikuko: Porque ela era muito à frente de todo mundo…”

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12 x 8 cm Figura 105 Conferência do Professor Nagata

12 x 8 cm Figura 106 Conferência do Dr. Tamiya

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A formatura. Conclusão de uma jornada, início de outra. “Missão

cumprida” para umas, ou apenas uma etapa vencida para outras. Mescla de

sentimentos dá o tom em seu “ritual de passagem”. De três meses a três anos (ou

mais) de “São Paulo Saihou Jogakuin”… não importa o tempo de estadia nessa

instituição. Em todas, um recorte em suas vidas é bastante claro, o “antes” e o

“depois” de seus estudos no internato. Nada mais justo e representativo do que o

registro imagético pela câmera fotográfica da formalidade do evento. A formatura,

em uma “forma dura” já tradicionalmente posicionada, dispõe os professores

assentados em suas cadeiras. As alunas, em pé e enfileiradas atrás dos mestres,

exibindo (ou não) seus diplomas que representam muito mais do que um simples

papel, o reconhecimento de aptidões que as qualificam como uma elite dentro da

sociedade nipo-brasileira. Embora algumas esbocem um leve sorriso (talvez difícil

de ser contido), a maioria exibe a seriedade que a formalidade requer. Se a “pose”

é previamente determinada, as faces carregam a individualidade da expressão.

Olhá-las instiga nossa curiosidade. Buscar alguma referência nas publicações

ajuda a elucidar em parte essas interrogações visuais.

“Após uma longa e penosa caminhada, vejo finalmente no horizonte o fim da estrada, e com ela, a nossa formatura. Como esperei ansiosa por êsse dia festivo. Porém agora o vejo frente a frente, a alegria cede lugar à tristeza. Sim, dôr e tristeza, pois no fim da estrada defrontaremos com uma encruzilhada, onde cada uma de nós seguirá o seu caminho, havendo assim a separação mútua entre colegas e professôres. Porém, por outro lado, a alegria não deixa de se manifestar porque o fim desta estrada será como o Ano Bom, isto é, o começo de nova estrada…” 77

77

ISHIBUYA, C. O fim do ano. In: Boletim Ayumi. São Paulo, 28 de novembro de 1957, n. 17

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Figura 107 22,5 x 17,5 cm Formatura do curso de corte e costura (março de 1951)

Figura 108

22,5 x 17,5 cm Formatura do curso de corte e costura

(setembro de 1951)

Figura 109 22,5 x 17 cm Formatura do curso de corte e costura (setembro de 1951)

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Figura 110 23 x 17,5 cm Formatura do curso de corte e costura (dezembro de 1951)

Figura 111

22,5 x 17 cm Formatura do curso de língua

japonesa – nível secundário (dezembro de 1951)

Figura 112 22,5 x 17 cm Formatura do curso de língua japonesa – nível primário (dezembro de 1951)

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Além do cerimonial, um grande momento relembrado por todas, era o

famoso “Festival”. Ensaios, organizações… o espetáculo. É hora de “mostrar

serviços” e “apresentar para a sociedade”, os resultados. Anualmente, a escola

realizava um tradicional Festival Lítero-Musical no Teatro João Caetano, em São

Paulo. Era um evento dividido em dois dias nos quais eram apresentadas peças

teatrais, musicais e desfile de modas com a participação de todas as alunas do

São Paulo Saihou Jogakuin. Para esse Festival eram convidadas todas famílias do

corpo discente. A seguir, impressões da época.

“Antes da hora marcada para início do espetáculo (20h), o teatro se achava repleto. O Festival teve início com a apresentação do Hino Nacional Brasileiro. Logo em seguida foi cantado o Hino desta escola, pelas alunas, sob a regência do Prof. Koiti Sato, com acompanhamento ao piano pela nossa colega Taeji Ishibiya. O programa propriamente dito constava de cinco números: 1. teatro – Yume no Mati; 2. coro – Danúbio Azul, de Strauss; 3. teatro – Fausto; 4. Desfile de modas e 5. teatro – Yuzuru (Cegonha do Crepúsculo). (…) Foram apresentadas às pessoas presentes 30 diferentes modêlos, todos bastante originais e muito bem confeccionados. Destacou-se o vestido de noiva, sendo a modêlo Srta. Fusako Akiyama. A música executada durante o desfile foi “Children’s Corner Suite” de Debussy. (…) Enfim, as duas noites do espetáculo, embora cansativas, foram bastante alegres e divertidas e, tenho certeza, ficarão na memória de tôdas, sendo uma das noites inesquecíveis da nossa época de estudante, nesse educandário, que é “São Paulo Jogakuin”.”78 (grifo nosso) “Kikuko: e tinha também teatro! Eram famosas as apresentações de teatro!... Tyoko: Uma vez por ano né? Que tinha apresentação dos trabalhos dos alunos… então tinha teatro, música, é… desfile de moda!... Kazuko: Desfile de modas!... R: Todo mundo desfilou aqui? Kazuko: Eu desfilei! Que tinha o meu vestido de formatura, né, da Álvares Penteado, foi feito pela aluna dela… Kikuko: Eu desfilei de Maiko-san!... Maiko-san… (…) Tyoko: Desfile de moda, apresentação de coral, apresentação de teatrinhos, de teatros e… Kikuko: Teatro era famoso! (…) Kikuko: Nós fizemos o “mercador de Veneza”… Eu fui advogada, quase me esfaquearam!... (risos) É! Eu fui aquela merca… aquela advogada e… a Neguinha que era o bandidão lá, me esfaqueou lá no palco!... (risos) Tyoko: …é verdade!... e a gente fez aquele outro… de William Tell… Rutsuko: Da maçã? Na cabeça? Tyoko: É mesmo… Se continuasse, acho que ia gostar do teatro…atuar”79

78 NOMURA, M. Impressões do festival. In: Boletim Ayumi. São Paulo, 10 de dezembro de 1955 – número 10 79 Transcrição de parte da conversa no encontro do dousoukai

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O álbum A formação da identidade feminina

163

Figura 113 11,5 x 8,5 cm Festival lítero-musical (01)

Figura 114

11,5 x 8,5 cm Festival lítero-musical 02

Figura 115 11,5 x 8,5 cm Festival lítero-musical 03

Figura 116

11,5 x 8,5 cm Festival lítero-musical 04

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O álbum A formação da identidade feminina

164

Após percorrer os espaços do internato pelo mundo da fotografia é

possível notar a potencialidade viva que se abre (revela) a cada imagem

(re)visitada. Foram caprichosamente escolhidas para pertencer ao “álbum” das

graduandas. Pelo mergulho em cada fotografia, percebe-se a importância e a

intencionalidade intrínsecas na minuciosa seleção.

Primeiras considerações, desatando alguns nós

Quando as imagens “falam”. Durante o roteiro imagético narrado por

Kazuco Miyasaka, existem vários “brancos”. Aguardo durante a entrevista que

suas falas brotem das imagens que, segundo ela, foram montadas para ajudá-la a

pensar e não esquecer de nada importante, mais que isso, não se perder na

história. Porém, uma vez iniciado o “passeio” pelas imagens, sua oralidade (tão

fluida ao contar sua história de vida) dá espaço para a visualidade. Aquilo que se

pretendia como um guia, toma o lugar principal da cena. É como se, frente às suas

imagens organizadas, não houvesse mais a necessidade de suas explicações.

Kazuco deixa as imagens e suas delicadas observações particulares falarem por

si só.

As imagens remetem a uma determinada temporalidade. Esse tempo

(re)descoberto apresenta suas marcas num passado vivido intensamente. As

fotografias enquanto “detonadoras” de memórias, permitem a ultrapassagem de

sua bidimensionalidade, recuperando referenciais históricos universais e pessoais.

Os fatos que reaparecem, de forma marcante, denotam as impressões das

depoentes nas narrativas. A Segunda Guerra foi um desses momentos relevantes

e que merece uma breve contextualização.

Na gestão de Getúlio Vargas (1930 a 1954), durante o período em que

as informantes se referem como a “Segunda Guerra” (1939 a 1945), foram

tomadas algumas medidas nacionalistas, que repercutiram na educação nipo-

brasileira. Em 1938, foi proibido o ensino de língua estrangeira para menores de

quatorze anos nas zonas rurais e a aprendizagem do idioma e valores nipônicos

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O álbum A formação da identidade feminina

165

passou a ocorrer “às escondidas”. Com o fechamento de todas as escolas de

língua estrangeira em dezembro do mesmo ano, o internato permaneceu de

portas abertas, por ser considerado apenas como um educandário feminino de

corte e costura, continuando a ministrar os valores japoneses, o que hoje, na voz

das depoentes, ganha ares de grande emoção. As mudanças de “cenário” por

ocasião de revistas militares na escola são momentos de agitação marcante em

suas memórias.

“[…]O tempo em que eu estava estudando era o tempo que tinha mais aluna… Acho que naquele tempo tinha cento e cinquenta alunas internas… vinha do Mato Grosso, tudo de longe… bastante… Depois entrou a guerra, aí foi mudando um pouco…(…)

Depois voltei para casa(…), mas aí a guerra ficou feia, os camaradas queriam matar, andar com revólver, tudo… a minha casa ficava bem perto da rua… então esses camaradas que eram muito perigosos… e eu era única filha… Então minha mãe mandou ir pra ficar em São Paulo, por isso que entrei na Akama-san… desde esse tempo aí. Então comecei a estudar nihongo, e também lá, foi tudo escondido por causa da guerra. (…)Na Vergueiro (matriz), começou aquela guerra…nossa!...era de esconder livro, corre pra cá, corre pra lá… veio a polícia, tudo… naquela vez eu saí por trás pra avisar Akama sensei, porque Akama sensei estava lá na outra escola né…na Vergueiro (filial)… quando eu saí, os soldados estavam todos ali na frente. Depois eu, Akama sensei, Sugano sensei, passamos de bonde, de ônibus…Aí vimos, nossa, ali na frente todos aqueles soldados. Akama sensei foi falar com a inspetora, não sei o quê… aí veio, foi tudo calmo… até uma menina ficou segurando rádio deitada, falando que ela estava doente, escondendo o rádio, se pegasse né…sei que, no dia estavam todos levando livro na Ogasawara san para esconder… pra levar pra lá, por isso que descobriram… de noite estava levando pra… deixando ali, pra não descobrir… foi naquele tempo né… o tempo passou, não é?...é… (…) Até ali na Vergueiro de baixo, pra estudar, a gente estava estudando, colocava o piano na porta para o soldado não entrar, e, de repente, se o guarda…da polícia entrasse, a gente tirava tricô, trabalho, bordado...[…]” (Sumiko)

“[…] 45, época da guerra, foi muito rigoroso o negócio japonês… então, logo que eu cheguei, não tinha passado uns dez dias… a gente estudava no dormitório… na mesa pequena… cada um escrevia no colo… nihongo, a turma estava estudando assim, então de repente, veio uma amiga, pegou minhas coisas e colocou tudo, pegou e levou tudo embaixo da cama… eu não sabia por que que estava acontecendo isso, mas tocou a campainha de emergência, porque quando vem o policial, toca a campainha… no quarto… então quando vem, imediatamente a gente tem que guardar as coisas escritas em nihongo e precisava logo, precisava

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O álbum A formação da identidade feminina

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pegar material de corte e costura. E a gente fica chuleando, fazendo alguma coisa… tem que ficar… é, tem que disfarçar. Eu não sabia. Depois que a bagunça acabou, aí essa amiga contou. Não é que eu fiz mal… agora, é assim, assim… eu, como uma caipira que, primeira vez, que nasceu na Aliança, primeira vez que saiu pra São Paulo, né… uma caipirona que não sabia fazer nada… então eu fiquei assustada… aconteceu isso. A partir daí, a gente já ficou sabendo, né? Então, imediatamente, precisava pegar o material de corte e costura… e a gente faz assim, ou disfarça e volta pra sala de costura… Corte costura, tudo bem. Escrita, nihongo não podia. Então, o que estudava na escola, a gente rasgava a folha, levava em casa… em casa tinha um caderno… e era assim. Porque folha rasgada, a gente levava dentro do material, hassami 80 , tesoura, essas coisas… coloca no machibari 81 , depois colocava na lata de biscoito, então a gente colocava embaixo, dobrava e em casa fazia tudo, passava a limpo, fazia isso pra poder estudar… era… muito, muito… Akama-sensei deve ter sofrido muito… Porque naquela época a gente não entendia, mas depois que a gente saiu na sociedade… quanto que ela sofreu… pra manter aulas, e… esconder da polícia e… outros professores, tudo… então foi assim.” (Mayumi)

Nos relatos orais, em vários momentos, brotam palavras e expressões

japonesas. Pensamentos que se descobrem “em voz alta”, algumas vezes,

posteriormente traduzidos. É mais fácil “pensar em japonês”, a sua língua mãe.

Podemos perceber a profundidade de sentimentos que conseguimos alcançar ao

mergulhar nas imagens e suas histórias, quando as lembranças guardadas em

seu âmago carregam o registro nipônico ao submergir de suas memórias. Elas

surgem carregadas de emoções que se refletem no manuseio trêmulo das

fotografias, na gestualidade, nas pausas da fala, no brilho jovial dos olhos e, por

vezes, na lágrima que, teimosamente, passeia pela face corada.

Importante ressaltar que, essas fotografias podem ser consideradas

uma espécie de aityaku. Aityaku é um sentimento de apego em relação a algo ou

alguém. É comum ouvir comentários em relação ao hábito (ou mania) de “guardar

tudo” do japonês. Na verdade, o oriental tem o costume de guardar os objetos,

não por seu valor material, mas principalmente, pela carga sentimental especial da

qual são portadores. É provável que, por esse motivo, encontre no ato de

fotografar, uma forma de materializar os momentos ou valores, que não teriam

80 Hassami - tesoura 81 Machibari – cesto onde as alunas depositavam os bordados

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O álbum A formação da identidade feminina

167

outra forma concreta de serem armazenados entre suas “preciosidades”. Daí

surge outra fama generalizada de que o japonês está sempre com uma câmara

fotográfica na mão, registrando tudo, o tempo todo. Uma grande possibilidade

decorrente do invento da fotografia. Mergulhamos então, em verdadeiros aityaku.

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“Minha alma é um bolso onde guardo minhas memórias.

Memórias vivas são aquelas que continuam presentes no corpo.

Uma vez lembradas, o corpo ri, chora, comove-se, dança”

Rubem Alves

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

E pensar as imagens. E deixá-las pensar. Ouvir as vozes… ler. Para

então, “confiar à caneta” – tomando emprestada a expressão utilizada por Michie

ao deixar seus pensamentos fluírem livremente da caneta ao papel.

Dos “retalhos” recolhidos ao longo desses dois anos, tomo a liberdade

de tecer minha própria “colcha”.

Primeiros alinhavos

As intenções. Acompanhar os movimentos sócio-econômicos, na época

em que se buscava a instituição que formava as “boas moças”, não seria tão vivo

quanto ouvir, de suas memórias, as expectativas de alunas.

A importância da profissão, bem como do curso técnico

profissionalizante ministrado na instituição era tão clara nas mentes das alunas

que a elegiam a um ideal de vida. A formação técnica era tratada com nobreza e

dignidade, como a grande possibilidade de suas vidas, uma habilidade que

poderia “abrir muitas portas”. Em uma das entrevistas com a Sra. Sumiko, o ato de

costurar foi colocado como algo indispensável para uma boa esposa e mãe

(“como pode uma moça que não sabe costurar nem cozinhar se casar? Acho que

é por isso que os casamentos não dão muito certo hoje…”).

Para trazer à memória essa época que alimentava sonhos de

professores e alunas do internato, partimos, inicialmente, de uma imagem e suas

identificações, para buscar aquilo que saltava aos olhos, dando dicas de um lugar

e um tempo na história pelos encontros poéticos com os documentos escritos

pelas moças enquanto alunas.

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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Figura 117

Local: sala de corte e costura do internato

Fotógrafo: não-identificado

Quantidade de fotos: 01

Características: preto e branco

Tamanho original 12X18 cm; papel fosco; conservada; bom contraste

Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)

Legenda (descrição): Suzuki-sensei com as alunas em aula de corte e costura

Se as mudanças na sociedade da época decorriam da necessidade de

uma contribuição feminina no orçamento familiar, a possibilidade de trabalhar

profissionalmente com o corte e costura, permitia a essas moças aumentar a

renda sem deixar de cumprir seu papel de mãe e esposa, reafirmando o que

Campos (1996: 187) salienta, “desempenhar (…) uma atividade profissional,

desde que esta não prejudique sua função principal”. Mais que isso, o curso de

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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corte e costura era um ideal de vida, como pode ser percebido em uma matéria

redigida por uma aluna para o Boletim Ayumi, intitulada “Meu ideal”.

“Tôda profissão é nobre, desde que seja digna. Muitas existem, mas é bem certo que só há médico porque existe doente. Portanto, uma profissão só existe em função de uma necessidade. Na escolha da profissão que seguiremos, há fatores importantíssimos, como sejam: a inclinação e o ideal. O ideal que acalento desde há muito, vejo-o agora próximo a se tornar realidade. Esse sonho é o de me tornar professora de corte e costura. Deste diploma, não usarei apenas como uma arma profissional, mas sim para orientar centenas de jovens, para os místeres do lar. Estou certa, a recompensa será a satisfação de ensinar e ser útil ao próximo. Na conquista deste ideal, armo-me da mais firme energia para vencer todos os obstáculos que se me depararem. Vejo quão árduo é o caminho a percorrer mas é na conquista pelo esforço que repousa a verdadeira glória. Lá, no fim do caminho pedregoso, rebrilha a moeda de ouro que pagará todo o sacrifício que eu fizer para que meu sonho se transforme em realidade.” 82 (grifo nosso)

O texto reforça novamente a idéia da profissão como uma necessidade.

No caso das ex-alunas desse internato, o fator inclinação é um dos facilitadores.

Que inclinação seria essa? Poderia ser a da própria condição de mulher, que

cuida de casa e da família, sendo que para isso, o corte e costura já fosse uma

característica intrínseca da identidade feminina? É bem provável que sim, visto

que na voz de uma das depoentes, já era uma tarefa a ser cumprida naturalmente

pela mulher.

“[…] naquele tempo, no começo, se as moças não aprendiam costurar, não podiam casar… precisavam aprender a cozinhar… tudo isso… Então todo mundo vinha aprender a costurar. (…) Naquele tempo, sabendo costurar, sabendo cozinhar era uma boa esposa. Acho que naquele tempo a família era mais unida. Os casais também se davam bem. Agora nem casamento tem!... Todo mundo “junta”... Então está mudando tudo, não acha? (Sumiko)

Ainda em relação ao artigo, o ideal entrelaça tanto a possibilidade de

fazer dessa atividade quotidiana uma realização profissional como levanta a

questão de eventuais dificuldades para chegar a tais conquistas. Quais os

obstáculos a serem vencidos colocados pela autora? Se a recompensa é a

atuação como professora, o “caminho pedregoso” como coloca Watanabe (1954:

82 WATANABE, H. Meu ideal.In:”Boletim Ayumi”. São Paulo: 1954, no 5.

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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1) está durante a formação profissional. Seriam financeiros? Familiares? Numa

época e numa sociedade onde a competência da mulher ainda se restringia muito

às tarefas do lar, a idéia de uma profissão, mesmo que ainda bastante feminina,

era, por vezes, mal recebida.

Porém, essas fortes mulheres encontraram seus meios e conquistaram

seu espaço tanto pessoal quanto profissional. Em sua maioria, edificaram famílias

e, não apenas contribuíram no orçamento familiar, como também, por vezes,

foram responsáveis pela principal fonte de renda.

Nesse ponto, convido o leitor para retornar à fotografia da página cento

e setenta e dois, e buscar as histórias que cada uma das alunas pode contar em

suas expressões faciais repletas de esperanças e objetivos profissionais,

ansiedades e dúvidas em relação às conquistas futuras. Nessas máquinas que

costuravam além de roupas, o traçado de vidas apenas alinhavadas. Na alegria

expressa no sorriso de Suzuki sensei83 (figura central), a certeza de recompensa,

podendo, nas palavras de Watanabe (1954: 1) “ensinar e ser útil ao próximo”.

Condição sine qua non para ser uma boa esposa, saber costurar e

cozinhar, encontramos na história de Takiko Ota, a confirmação de sua relevância.

Já com data marcada para o enlace matrimonial, é levada, pelo próprio noivo, à

São Paulo para cursar o “Saihou Jogakuin”, onde permanece em regime interno

por três meses, para aprender, principalmente, os “ofícios” de corte, costura e

culinária. Formanda na turma de trinta e nove, casa-se em novembro do mesmo

ano.

A seguir, parte da entrevista cedida por Takiko, com o apoio de sua filha

Tomoko nas narrativas e tradução simultânea. Edson, meu esposo, também

colaborou na entrevista e traduções.

83 Sensei – professor, mestre. Para o japonês, essa representação tem o poder de autoridade maior.

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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“Edson: Saiu de Aliança pra fazer o curso, se formar e voltar pra casar. Ela estava contando que se formou em setembro para voltar e já casar em novembro. Tinha data pra fazer tudo. Setembro de kaete kara novembro ni mo casa shita no. Pelo que falou, parece que o marido dela, o futuro marido já tinha escolhido a escola. (...) Jyu hati, dezessete anos ela tinha. Takiko: casei com dezoito anos. Tomoko: Tinha dezoito anos, dezenove ela já era mãe! Regina: Aí ele levou ela para se preparar pra aprender a cozinhar e saber costurar… Tomoko: Para saber cozinhar… porque o fato é que a minha mãe era louca, imagina… Ela casou com um homem que era o primogênito de um viúvo e tinha três cunhados mais velhos que ela. Você imagina naquela época, né? E foi morar tudo junto. Você imagina o que ela não passou…”

Esses requisitos vinham acompanhados de um aprendizado no sentido

humano de “ser esposa” e “ser mãe”. Esses potenciais eram estimulados para

serem executados com sabedoria.

Embora o enfoque maior dado pelas ex-alunas tenha sido ao fato de

saber costurar e cozinhar, uma peculiaridade que também servia como grande

atrativo pela busca do internato era o ensino de língua japonesa. Mais que isso,

encontramos entre os artigos do Boletim Ayumi, a aprendizagem do idioma

japonês como uma “necessidade”:

“Se me perguntassem ‘o por que’ de estudar o japonês… talvez se fôsse há pouco tempo atrás, não poderia responder prontamente. Depois de pensar muito, cheguei a conclusão de que nós nisseis, temos uma grande parte a cumprir para a união mútua dos dois países. Para isso, em primeiro lugar, sem dúvida nenhuma o português é indispensável, pois nascemos e vivemos aqui. É uma ‘obrigação’ nossa, pois é a língua mãe. Mas se somos filhos de japoneses, por que não saber também a língua japonesa, a língua dos nossos pais, que nêsses últimos tempos vem se destacando sobremaneira. Às vezes, por não sabê-la, perdemos oportunidade de fazermos amizade com pessoas japonesas; mesmo com os nossos pais que quase não sabem o português, não haveria intimidade, confiança, tão indispensável para que a família seja feliz, poderia ocasionar talvez, a separação entre pais e filhos, na dificuldade de relação entre eles. Ainda mais, com a vinda nesses dias de japoneses cultos, é necessário sabermos o português e o japonês para maior compreensão de ambos; eles e nós nisseis. Para continuarmos o que nossos pais fizeram até hoje com sacrifícios, para o bem dos dois países, a fim de elevar a cultura, tanto do Brasil, quanto a do Japão.”84

84 OSHIDA, Y.A necessidade da aprendizagem da língua japonesa. In: Boletim Ayumi, São Paulo, 1 jun. 1961, n. 22, p.1

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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Em relatos atuais, as ex-alunas relembram o motivo da escolha:

“[…] nós mudamos para São Paulo por causa do meu pai que começou dar aula na Akama-san… então eu também larguei nihongo85 e fiquei alguns anos sem estudar nihongo… aí estava esquecendo, perdendo… meu pai falou “ah, não! Tem que aprender a falar nihongo!” então tem que falar nihongo, aprender mesmo, vai lá no Akama-san, que sozinho, santo de casa não faz milagre!... (risos)… Aí entrei nesse curso, Jogaku-bu86, por três anos…” (Tyoko) “Quem incentivou pra mim ir na Akama-sensei foi meu avô… pai do meu pai… interessante, né?... Ele que quis que eu fosse, não queria que eu estudasse português. Ele queria que eu fosse na Akama-sensei em São Paulo…não sei de onde que ele colheu essa idéia, mas ele queria que eu fosse. Então todas, eu e minha irmã... Ficamos 5 ou 6 anos na Akama-sensei. Estudamos lá… omoshiroi87, né?” (Aiko)

Corte e costura, japonês, formador de boas noivas… quais motivos

levavam essas moças a se matricularem (ou serem matriculadas por outrem) no

“Saiho Jogakuin”? Por que a escola exercia tamanho magnetismo nas

descendentes nikkeis espalhadas por todo o Brasil, concentrando esse específico

grupo de representantes nipo-brasileiros em um núcleo tão peculiar? Ao oferecer

serviços para atender uma demanda carente de atenção, a escola se formou,

cresceu e ganhou fama entre os imigrantes japoneses e seus descendentes.

A continuidade nos estudos era também uma oportunidade para as

alunas que buscavam a instituição. A possibilidade de completar seus estudos no

Jogaku-bu, equivalente ao curso ginasial nos moldes da educação japonesa era “o

máximo”, na descrição de Rutsuko.

“[…] aos quatro anos e meio, vim para cá. Depois, acho que eu tinha uns doze anos vim pela segunda vez para São Paulo com a minha irmã. Terminei o grupo escolar e a minha irmã achou que eu deveria cursar o Akama Jogakuin, porque a escola era já famosa, sabe? … É… era conhecido por hannainogakou, escola para futuras noivas… A escola era famosa… e esse Jogaku-bu, que era o curso ginasial, se chamava também Onnadaigaku88 … No Japão existiu… não sei se na idade de Meiji, tinha uma escola Onnadaigaku. Mas deveria ser totalmente

85

Nihongo – língua japonesa 86

Jogaku bu – equivalente ao ginasial japonês 87

Omoshiroi - divertido 88 Onnadaigaku – faculdade para mulheres

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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diferente da nossa aqui. Só que, como, na colônia, era uma escola sui-generis , as meninas iam estudar essa parte que realmente era só para meninos… então diziam também que ali, o Jogaku-bu era Onnadaigaku. Ah!... era o máximo!... Para estudo de meninas, era o máximo! Nihongo, né… é!...” (Rutsuko)

O regime de internato, no qual as moças podiam estudar e residir,

oferecia facilidades na aceitação dos familiares. Ao imaginarmos a situação de

uma filha “mulher” de pais “japoneses” dar seqüência nos estudos em locais

longínquos, podemos sentir as barreiras e preconceitos a serem vencidos na

época. A imagem já conceituada e reconhecida na comunidade nipo-brasileira do

internato e da responsável Michie Akama, era uma condição facilitadora para que

essas famílias confiassem na instituição e delegassem a ela, os cuidados e

educação de suas filhas.

“[…] Foi o seguinte, eu conheci através de uma parente, com quem eu morei lá em Pinheiros mesmo. Na época, eu fazia ginásio e a outra já estava na Akama gakuin… Furukawa, Furukawa… hoje Kawamata, Kinoko. Aí que eu fiquei sabendo da existência do Akama gakuin, né. Depois que eu terminei o ginásio… eu gostava muito de estudar… mas meus pais não tinham condições de continuar pagando os estudos pra mim. Aí, na época, eu acho que deu pra pagar o corte costura já na Akama gakuin. Então eu fiz o curso de seis meses e terminei… Aí eu queria estudar… queria estudar… e aí eu tive conhecimento, nem sei como, de que Akama-sensei precisava de uma tesoureira. Então eu pensei, lá eu posso trabalhar, porque meu pai não deixava que eu trabalhasse fora, que…sabe aquele orgulho de japonês que filha não podia trabalhar fora, né? (…) Bom… mas lá eu sabia que ele deixava, porque eu fiquei interna lá…(…) aí então, logo no ano seguinte eu já comecei no Jogakuin, né?...Jogakubu. Então é… 49, 48, 47…46!... 1946, é!...Fiquei como tesoureira e meio que secretariando Akama-sensei também. Então eu tive muito contato com a sensei, é. (…) eu fiquei interna, trabalhando e estudando, até quando a gente se formou… seria até curso ginasial… todinho em japonês. Foi quando eu tive assim, um conhecimento total, porque o curso era assim como o ginásio que teria geografia, história, enfim tudo, um curso completo… e tinha aula de moral e ética de Akama-sensei… (…) shushin… moral e cívica… é moral... shushin…” (Kazuko Baba)

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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Costurando os caminhos

“As inteligências dormem. Inúteis são todas as tentativas

de acordá-las por meio da força e das ameaças.

As inteligências só entendem os argumentos do desejo:

elas são ferramentas e brinquedos do desejo”

Rubem Alves

Nas reconstruções das memórias desse seleto grupo de descendentes

nikkeis pelas imagens e depoimentos orais, em suas histórias de vida e as

relações que se identificam entre as expectativas de alunas e as trajetórias já

percorridas em sua constituição hoje edificada, trago os fechamentos. A presença

de Michie Akama e seus ensinamentos deixam marcas que se evidenciam nas

diversificadas construções de vida.

Sumiko, ex-aluna e ex-professora do internato, ao retornar para Atibaia

monta sua própria escola que, pela necessidade da época, com as alunas vindas

de lugares longínquos, reproduz o modelo de Michie.

“Montei aqui embaixo. O pai comprou uma casa e, aí na garagem, eu dava aula… foram aumentando os alunos. Como ficou um pouco apertado, alugamos uma casa lá em cima que era pensão, antiga pensão. Tinha mais de dez quartos assim. Naquele tempo, como não tinha ônibus, a turma do sítio queria estudar, mas não podia vir, então pousava tudo em casa. Tinha mais de, tinha umas quinze pessoas assim, que ia no Ginásio estudar, e tudo. Acabou ficando interna, por causa que não tinha condução. Não é como agora, que todo mundo tem carro. Naquele tempo, ninguém tinha carro, nem ônibus passava, então elas vinham em casa, como gaijin89, nihonjin90 ficava. Ficou como uma pensão e tinha duas salas, eu dava aula de costura. Naquele tempo, tinha bastante aluna, todo mundo queria aprender costurar, nihonjin então, se não soubesse costurar não podia casar né? (risos) e elas estudavam costura, depois ia no ginásio, tudo... Funcionou bastante tempo. Trinta anos. Depois começou, quer dizer, entrar muitas dessas roupas feitas, aí elas já… os japoneses também já estavam mais folgados, então deixavam as meninas estudar e não mandava mais. Depois todos compram carro então fica mais fácil. Aí ficaram poucas alunas, como tinha roupa, tudo comprado, assim, mais fácil… aí fechou, aí eu fechei.” (Sumiko)

89 Gaijin – estrangeiro (pessoa que nasceu fora do país, no caso, do Japão) 90 Nihonjin – japoneses (descendentes de forma geral)

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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Porém, em seu plantio, deixou uma semente que, ao amadurecer em

outra época e lugar, se adaptou às novas condições e ganhou a beleza de um

fruto resistente, sua filha Yurika, que fez da costura a sua arte:

“Ela aprendeu comigo... É, no tempo que ela aprendeu comigo, ela queria ir no baile, eu falei, assim, cortar eu corto só que você costura. Ela costurava até terminar pra depois ir no baile, ia no baile com vestido, precisava sempre é vestido novo pra ir no baile. Assim ela foi aprendendo. Ela, agora também tá fazendo um trabalho na Globo né, esses dias está meio parada, mas ela fazia novela, minissérie assim, o figurino, cenário, tudo é ela… Todo filme que a Tizuka faz ela ajuda né, faz o figurino e cenário, tudo.Na primeira vez, quando ela foi lá no Norte, a Tizuka estava filmando e chamou, aí ela ficou vendo e gostou. Depois, bem, primeiro a Tizuka falou assim, você faz assim, desenha propaganda, diversos desenhos… ela desenhava e fazia propaganda. Assim foi pegando… Agora ela é Diretora de Arte (risos). Também estudou arte em São Paulo, como é que chama? Ali, ... esqueci. (...) Aquele do “Haru Natsu”, aquele ela também fez, ajudou. Figurino e cenário, tudo. É… o lado de cá, em Campinas. Ela mostrou o que ela é, e eles assustaram né, aí, japonês vem aqui, o que é que sabe? Não sabe nada de Japão… Lá do Japão vem aqui, costume tudo, na lavoura, tudo… ela fez de tudo. Tudo, casa, aquela casa velha foi tudo, desde o começo, ela fez. Quando eu fui ver, pensei que já era construído faz tempo. Não, ela fez igualzinho daquele tempo. Por dentro, tudo, fogão, onde colocam os porcos, galinhas, fogão de dentro de casa, tudo, tudo, é tudo fez tudo, ela faz mesmo.” (Sumiko)

Não apenas do Corte e Costura se fez a fama da escola. O Curso de

Língua Japonesa, altamente qualificado, foi o grande diferencial na vida de muitas

ex-alunas que, como Aiko ou Tyoko, puderam escolher (ou serem escolhidas por)

seus esposos de uma elite japonesa, recém-chegada no Brasil e altamente

qualificada.

Para Shigeru Fujita, esposo de Aiko, o conhecimento fluente da língua

japonesa foi um dos principais quesitos que a colocavam numa condição de “boa-

noiva” para um imigrante japonês.

“Colegas do trabalho sempre falavam que para nós japoneses, a esposa tem que ser japonesa ou nissei. Qual é melhor? Então surgiu uma idéia. Para nós japoneses, a esposa, se fosse nissei tinha que ser formada no Akama gakkou. Quando é formada no Akama gakkou, fala direitinho o japonês e às vezes lê e escreve também, mais ou menos igual à

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japonesa… é uma idéia né?... esposa ideal… para nós, Japão novos… e trabalhei. Trabalhei cinco, seis anos em São Paulo. Tive transferência, fui trabalhar em Londrina e uma pessoa me apresentou… (aponta a esposa Maria, sorridente) E ela estava pensando que marido tinha que ser de Tokyo, porque pessoa de Tokyo fala nihongo standado… e eu sou de Tokyo!”

Ela, por sua vez, numa condição de pertencimento a uma “elite” dentro

da colônia japonesa, tinha o “poder” da escolha:

“Tinha muitos pretendentes… e eu…” (Aiko gesticula indicando escolha, separação… com a mão direita espalmada para fora, fazendo movimentos de exclusão…).

Hoje, com sua família solidamente constituída e mantendo seu ateliê

em pleno funcionamento em São Bernardo do Campo, Aiko repassa os valores de

seus ancestrais, orgulhando-se de manter a língua de sua origem, viva em sua

família por meio de seus descendentes.

“Todos falam japonês… Minha filha mais do que eu, porque ela mora no Japão… tá melhor do que eu… nihongo… lá em casa, os meus filhos, os meus netos só falam em nihongo, eu exijo. Fora… Saiu fora da porta… Então lá em casa, a gente só fala em nihongo… eu queria assim… eu acho tão bonito meus filhos todos falando em nihongo comigo, né?.. quando precisa já fala em nihongo. Quando a minha filha, quando foi para, como é que é… (Bolsa de estudo…) Todos se admiraram, um sansei falando em nihongo… porque eu insistia lá em casa. Depois casou lá.” (Aiko)

Numa primeira instância, podemos perceber a fluência no idioma

japonês como uma necessidade até relacional no núcleo familiar, ou mesmo, uma

ligação com suas origens culturais, porém, mergulhando em memórias escritas ou

narradas, o aprendizado da língua japonesa ganha âmbitos de um nobre ideal

como o de “elevar a cultura, tanto do Brasil quanto do Japão para o bem dos dois

países”. Nesse contexto, encontramos Rutsuko Mochizuki, professora da Rede

Estadual de Ensino, atuou paralelamente em traduções e legendas para cinema e

televisão (qualificada no idioma japonês pelo “São Paulo Saiho Jogakuin” e

português pela graduação em Letras na “Universidade de São Paulo”) devido ao

seu alto desempenho profissional.

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“Tem uma firma chamada Marubeni, eu entrei lá porque eu sabia japonês, graças a Akama-gakuin. Lá havia todos os departamentos e ela começou a importar filmes. Aí, no primeiro filme, eles não encontraram alguém que traduzisse. Alguém falou: Você não quer começar a traduzir? Aí deu o primeiro filme e falou: Acho que funciona. E a partir daí, eu comecei a traduzir filmes… não parei mais de traduzir filmes… fiquei uns trinta anos, até os cinemas fecharem eu continuei traduzindo filmes… legendas. Fiz concurso e me tornei funcionária pública, aí me aposentei. Continuo dando aulas de português para japoneses. Ah! Ajudei na confecção do Dicionário do japonês para português do padre Coelho e de português para japonês, pela Aliança.” (Rutsuko)

A dupla jornada ocorre em função da mulher trabalhar dentro e fora do

ambiente doméstico. O modelo de Akama-san, muitas vezes, seguido por suas ex-

alunas, traçou o perfil de inúmeras líderes, dentro e fora das comunidades nipo-

brasileiras. A conciliação dos papéis de esposa, mãe e profissional bem sucedida

não era tarefa fácil para se cumprir, mas, nem por isso, impossível. Existiam

algumas variáveis sociais, na época, que as ajudavam no desempenho de suas

funções, como por exemplo, avós residindo no mesmo lar, e moças que, para dar

continuidade aos estudos, necessitavam morar fora de suas cidades interioranas,

atuando como babás para poder se manter. Com a devida retaguarda nos papéis

femininos, podiam se empenhar profissionalmente, conquistando posições de

chefia. Apresento aqui, o caso de Kazuco Miyasaka que, coincidentemente ou não,

foi professora e coordenadora de atividades bastante similares às de sua

professora Michie Akama:

“Tudo em Campinas. Eu trabalhei lá 30 anos, no Serviço Social da Indústria, no SESI, que é um tipo de uma escola, não como a atual Akama-san, mas como a antiga… ensinava corte e costura, ensinava bordado, ensinava economia doméstica, tinha aula de puericultura, tinha aula de educação sanitária, educação sexual, tudinho assim, curso de noivos… o noivo aprendia a parte de conserto de ferro, essas coisas miúdas. Curso de noivos ensinava também a dar banho no neném, davam os dois, sabe? era uma escola pra noivos mesmo Era pras senhoras da indústria, industriários é que tinham direito a freqüentar os cursos, então tinham crianças de três até noventa anos. Tinha avó e neto freqüentando, tinha de todas faixas etárias, diversos grupos. Era bem agitado, tinham umas oitocentas alunas, eu fiquei trinta anos nesse serviço. Aposentei lá. Entrei solteira, saí avó. Você acredita? E é uma delícia. Era um lugar onde me realizei bastante, fazia tudo o que eu queria, era encarregada de lá, era chefe lá.” “Tinha assim o prêmio de não faltar ao serviço assim também. Sempre chegava meia hora antes, ou uma hora antes, saía sempre mais tarde,

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uma hora mais tarde do serviço e, nesse meio tempo, ainda, fiz uma faculdade de educação artística à noite. Depois que eu saía do serviço, oito horas, nove horas eu ia pegar aula na PUCC de Educação Artística, gostava muito dessa parte da arte também, aí fiz a faculdade de 4 anos ainda. Acordar cedo, dormir pouco… Com esposo também é difícil, você tem que controlar melhor ainda as coisas, pra não dar atrito nas coisas, tem que se desdobrar. Em geral, o homem não quer saber muito, ele quer mais é agrado e só... Eu tinha o Lincoln, primogênito, fazia pouco tempo, aí minha mãe ajudava muito, quando precisava, ela vinha e ajudava… pra amamentar, ela levava até a escola, tomava um bondinho, morava em Campinas nessa época. Tomava o bondinho, levava lá, amamentava, voltava. Só pra não perder o tempo de sair, porque tem uma hora de amamentação, mas ela que ia, levava e trazia assim pra casa… de bonde, tomava o bonde com a sacolinha, vinha. Me ajudou bastante. Ela faleceu com noventa anos, e depois que já estava tudo mais ou menos crescido que ela faleceu, e meu pai faleceu com noventa e três anos e sempre os dois colaboraram bastante... Mas eu tinha babás. Era assim: eu pegava uma pessoa que queria estudar, do interior, inclusive teve uma que ficou, quantos anos… Ela fez o ginásio em casa 4 anos, fez colegial mais 3 anos, mais 5 de faculdade. Ela fazia um período e uma outra fazia outro período, fazia uma troca.” (Kazuco Miyasaka)

Michie Akama, educadora em seu sentido mais amplo, ao ofertar

grande variedade de cursos, onde tentava descobrir, ou melhor, permitir às alunas

a descoberta de interesses, que pudessem fazer delas, mulheres plenamente

realizadas em sua vida futura, respeitando as características e inclinações

pessoais, individualmente, atingiu, sem o perceber, um objetivo maior.

Temos então, na diversidade das formandas:

Takiko Otta, formanda de trinta e nove, uma das primeiras turmas do

internato, que constituiu numerosa família, administrando as funções do lar e

sempre trabalhando ao lado do esposo em seus negócios próprios (hotel, granja e

relojoaria).

Mayumi Yoshioka, que, após formar-se no “São Paulo Saiho Jogakuin”,

foi lecionar no interior de São Paulo por aprovação em concurso público,

encerrando as atividades profissionais ao contrair matrimônio para ser uma

esposa e mãe exemplar.

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Tyoko Shimano que, formada em Ciências Sociais na Universidade de

São Paulo, deixou seu trabalho como pesquisadora para dedicar-se à criação e

educação dos filhos.

Sumiko Akiyoshi, aprovada no curso de Habilitação ao Magistério,

também viúva, fundou sua própria escola de Corte e Costura no interior de São

Paulo, portanto, uma multiplicadora dos moldes de Michie Akama.

Aiko Fujita, que mantém ainda hoje, seu atelier de costura em atividade

na cidade de São Bernardo do Campo, atividade que conciliou com seu papel de

esposa e mãe, por toda trajetória pessoal.

Kazuco Sakiara Miyasaka, nutricionista pela Faculdade de Higiene e

Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Rutsuko Mochizuki e Kazuko Baba, que dedicaram-se ao lado

profissional onde obtiveram grande êxito.

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Os arremates

“A tarefa do professor: mostrar a frutinha. Comê-las diante dos alunos.

Provocar a fome. Erotizar os olhos, fazê-los babar de desejo.

Acordar a inteligência adormecida.

Aí a cabeça fica grávida: engordar com idéias.

E quando a cabeça engravida não há nada que segue o corpo.”

Rubem Alves

Casadas e do lar, mães e esposas. Casadas e “trabalhando fora”, mães

e avós. Solteiras, por opção, e com destaque na carreira profissional edificada de

forma brilhante. Acima de tudo, guerreiras. Embora a escola tenha ficado famosa

como formadora de “boas-noivas”, Michie Akama, intencionalmente ou não,

conseguiu mais que isso, formou líderes. Meninas que, ao regressarem às suas

famílias, tornaram-se mulheres multiplicadoras dos ensinamentos ministrados na

instituição. Educaram filhos, ajudaram os esposos na administração do lar,

ganharam o mercado de trabalho, competiram, venceram. Escreveram livros,

viraram empresárias e sustentaram famílias.

Pensar na verdadeira intenção de Michie, camuflada ou não pela

simplicidade da denominação “Escola Feminina de Corte e Costura”, se perderia

em vagas suposições. A verdade “revelada” por essas reconstruções de vida pode

trazer alguma concretude a esses “objetivos” conquistados. Ou não. Ainda que,

em seus escritos e palestras, em suas aulas e doutrinas, Michie oferecesse

padrões de conduta a serem seguidos para ser uma “esposa ideal”, comprometida

com os afazeres do lar, sua trajetória de vida faz dela um modelo diferente de

mulher. Viúva ainda jovem, com um filho de apenas nove anos de idade, residindo

num país de língua e costumes distintos de sua origem, e “mulher japonesa”…

Guerreira no exemplo.

O lado frágil e servil de conduta feminina que “segue” o marido, no

sentido de apoiar e ser boa companheira, por ocasião da viuvez, é substituído pela

garra de uma batalhadora que, me permito um trocadilho, necessita “sobreviver no

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Brasil”. Chamada a retornar ao seio de sua família no Japão, possui enquanto

sensei (professora), um compromisso maior, assumido junto às alunas e

respectivas famílias que confiaram suas vidas para serem lapidadas em sua

instituição.

Os ensinamentos ministrados ofereciam o conjunto de qualidades e

atributos que aprimoravam, além das práticas femininas do quotidiano, a

delicadeza e sensibilidade do ser humano. O modelo da “brava” mulher guerreira,

detentora de grande conhecimento cultural e habilidades administrativas de uma

empresária, por sua vez, se abriu a seguidoras. Aquilo que “se faz”, geralmente

fala mais alto do que aquilo que “se diz”. Por meio dessas interações, cada

menina, moça ou mulher que por ali passou, pôde encontrar seu próprio caminho,

sua própria identidade. Feminina.

Não sou antropóloga nem artista. Sei costurar, sei cozinhar… e não.

Não fui aluna do “São Paulo Saihou Jogakuin”. A última turma se formou em 1981.

Nasci em setenta. Não foi possível pertencer a essa reconhecida elite de moças.

Porém, tive o privilégio de conhecer a mentora, no alto de seus noventa anos de

idade e respirar parte desse ar que me serviu de inspiração. No contato com as

ex-alunas e nas relações carinhosamente estabelecidas com essas então

senhoras, realizadas em sua vida pessoal e profissional, a possibilidade de

recuperar uma história não mais perdida no tempo e espaço, mas agora,

registrada. “Moças” que me permitiram entrar em suas vidas e “beber” de suas

histórias. Delicadas, guerreiras, vitoriosas. Meu maior aprendizado para a vida.

Sempre.

Sou filha, sou nora, sou neta. Sou esposa, sou mãe… querendo

aprender a sê-lo.

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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À guisa de conclusão:

Tínhamos, ao iniciar esta dissertação, como propósito maior o de poder

aprofundar a questão da etiqueta para bem viver no Brasil, apontando, em

especial, para esta temática quando relacionada aos comportamentos requeridos

por ocasião do casamento.

Numa primeira parte, fizemos uma breve retrospectiva da imigração

japonesa, o reposicionamento do imigrante em nova terra, para então debruçar o

olhar no contingente feminino, em direção à mulher nikkei e da situação

educacional nipo-brasileira, a absorção de novas funções dentro e fora do

ambiente doméstico.

Depois, afunilando nossa pesquisa, além de encarar o mundo feminino

presente no Brasil, apontamos, em especial, para o Internato São Paulo Saihou

Jogakuin, escola que se propunha a dar uma formação completa no que tange à

educação feminina, abordando desde saberes domésticos necessários a uma boa

esposa, que partem desde a culinária, o corte e costura, até normatizações de

etiqueta e refinamento intelectual.

Chegando lá, descobrimos que nossa tarefa se tornava cada vez mais

complexa na medida em que, além de (re)situar a Fundação e as diferentes

etapas pelas quais passou a instituição, com inclusões de novos cursos,

adquirindo maior abrangência curricular, tínhamos uma riqueza de relatos

advindos de um grupo seleto de informantes, ex-alunas do Internato, com suas

fotografias e memórias de seu quotidiano no educandário que remontavam

verdadeiros documentos que deveriam ser recuperados para uma reconstituição

histórica e social.

A aproximação junto a essas informantes, as quais encontramos por

conseguirmos a localização atualizada de sua moradia, proporcionou a esta

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Considerações finais A formação da identidade feminina

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pesquisa a reconstrução específica de um tempo e espaço que, não fosse por

esses meios, talvez não teríamos acesso.

Isto sendo, reconhecemos que não chegamos a mergulhar no que,

decerto, será o elemento central de futuras pesquisas: a saber, o esboço matizado

dos comportamentos da mulher japonesa vivendo no Brasil, no que diz respeito a

sua função de esposa.

Apesar dessa delimitação, concentramos na parte final da dissertação

alguns textos retirados de quatro livros (Burajiru seikatsu de no etiketto,

Katarigusa, Katarigusa o otte, Kouen no tabi), traduzidos diretamente do japonês

para o português e que giram em torno da temática acima referida.

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Glossário A formação da identidade feminina

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GLOSSÁRIO

Batyan – tia

Bonsai – árvore mantida em tamanhos reduzidos, por meio de podas e amarrações.

Burajiru seikatsu de no etiketto – etiqueta para viver bem no Brasil. Burajiru é “Brasil”. Seikatsu seria o próprio sentido de “viver”, e etiketto, “etiqueta”.

Butsumetsu – morte de Buda

Butsuzen kekkon – casamento budista

Dousoukai – dou é “igual”, sou, “janela” e kai é associação. Seria uma espécie de associação de colegas de turma, “alunos de mesma sala, mesma janela”.

Gaijin – estrangeiro (pessoa que nasceu fora do país, no caso, do Japão), não-descendentes, os brasileiros. Trata-se de uma indicação lingüística do outro, do que não pertence ao grupo.

Gambarou - continue dando o seu melhor, não desista.

Gakuin – instituto educacional

Gofukuji – pano

Gohan - arroz cozido sem tempero nenhum

Gueza – situação definida como de posição inferior.

Hakama – calça no estilo japonês

Hashi – palitos de madeira

Hiragana - é a variedade de fonogramas, empregada na grafia de quase todos os elementos da língua japonesa, exceto os de origem estrangeira, que não a chinesa.

Ikebana – espécie de arranjo floral japonês onde se busca a beleza no equilíbrio e a harmonia da colocação das flores

Issei - imigrantes japoneses natos, da primeira geração.

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Glossário A formação da identidade feminina

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Itijyuu sansai - cardápio básico da culinária japonesa, consiste em 1 sopa e 3 tipos de pratos diferentes; a sopa, comumente é de “missoshiru”, caldo de soja

Jouza – local principal do zashiki, sala no estilo de construção japonesa.

Jumbi - significa “preparatório”. Era o curso intermediário entre Jogaku-bu e Katei-ka, ou seja, o curso admissional ao Jogaku-bu.

Kaishi – lenço de papel

Kanji – ideograma japonês

Kasato Maru – todos os navios comerciais apresentam a terminação maru. Kasato é o nome da embarcação, que, se fosse traduzida literalmente, seria algo como “porta”, “abertura”, mas não é usual fazê-la.

Katarigusa – katari: “contar” (contos); kusa: “planta”, “capim”; porém não existe uma tradução literal para a palavra, pois a intenção da autora é dar um sentido poético ao título. Deve-se para tanto, levar em consideração a origem japonesa da autora, o que pode ajudar a compreender melhor a alusão à natureza, algo natural da formação nipônica.

Katei significa “família”; ka significa “setor”, “seção”, “curso”, etc. Era o curso equivalente ao primário do Japão, com seis anos de duração e dividido em Hanagumi – “Flor” e Hoshigumi – “Estrela”.

Katei kekkon – casamento doméstico

Katsuobushi – peixe seco, “bonito”.

Kayoi-zen - bandejas destinadas individualmente

Kirisuto kekkon – casamento cristão

Kobachi - variedades de comidas em pratinhos

Kokoro - coração

Kombu (Alga) sendo planta aquática vigorosa e procriadora significa ter muitos filhos, garantindo a perpetuação da descendência.

Kouen no tabi – Kouen significa “palestras”, “conferências”; tabi quer dizer “viagens”. Portanto, no título do livro, “viagens de conferências”.

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Glossário A formação da identidade feminina

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Kou no mono - conservas e verduras ou legumes

Mayoi hashi - quando a pessoa vacila para buscar quais pratos escolher.

Miai-kekkon - arranjo

Missoshiro – sopa à base de soja

Mokuroku – lista

Muko youshi – para manter o nome da família da noiva, quando essa é filha única, ou não possui nenhum irmão homem, o noivo recebe o nome familiar da noiva para dar continuidade.

Nakoudo - padrinhos

Nihongakou – escola de língua japonesa

Nihongo – língua japonesa

Nihonjin – japoneses (descendentes de forma geral)

Nikkei: todos os descendentes de japoneses que não nasceram no Japão (segunda, terceira e demais gerações).

Nimono - cozidos em geral

Nissei: ni-“dois”, sei-“nascimento”: “segunda geração”

Ochazuke - prato de arroz com chá como elemento principal

Omiai - apresentação de uma jovem a um jovem e vice-versa com objetivo matrimonial, é um tipo de casamento “arranjado”, no estilo japonês

Omoshiroi - divertido

Onnadaigaku – faculdade para mulheres

Oshibori – toalhinha úmida, que é oferecida antes do início da refeição, para higienização da mão.

Otte – “continuar”. Dependendo do contexto, é utilizado no sentido de “continuação”

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Glossário A formação da identidade feminina

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Otyou e metyou – pequenas garrafas de cerâmica com enfeites simbolizando, respectivamente, borboletas masculina e feminina.

Owan – tigela de madeira, com intenção de manter a temperatura do alimento

Quimono – vestimenta japonesa

Ren-ai kekkon – escolha livre

Saihou – Corte e Costura; Jogakuin – Escola Feminina

Sakazuki – taça adequada para o ritual san san kudo

Sanrinbo – mau agouro

Senkou-ka - significa especialização. Com quatro anos de duração, era o curso de extensão do Shihan-ka

Sensei – professor, mestre. Para o japonês, essa representação tem o poder de autoridade maior

Shihan - significa “mestre”, “professor”, “instrutor”. Era o curso de extensão ao curso Jogaku-bu (equivalente ao curso médio do Japão) 1

Shogun – governante, chefe de estado no Shogunato - que mantinha o país em uma forma de governo sob o comando ditatorial e praticamente mergulhado em um sistema feudal - para a abertura do Japão para o mundo.

Shujin - é a maneira como a ‘boa-esposa’ deve apresentar seu esposo e tem o sentido de “meu senhor”, ou ainda, “meu dono”. O esposo, por sua vez, apresentava a esposa como kannai, traduzido como “esposa” mas com a característica de pessoa “de dentro”, ou seja, de casa, do lar, “a que fica dentro”

“Suehiro” (Leque) significa o sucesso progressivo como a abertura de leque de um extremo a outro extremo.

Sake – bebida com alto teor alcoólico

Sashimi – fatias de peixe cru

Shakunin - noivos

Shinshu – sake sagrado, à base de arroz

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Glossário A formação da identidade feminina

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Shinzen kekkon – casamento xintoísta

Soba – macarrão japonês

Sunomono – prato ao molho “vinagrete”

Tai – pargo, peixe

Takuhatsu - Uma forma de provação de sacerdotes das religiões indianas, adotada também pelo budismo, que consiste em pedir esmolas, para obter o mínimo de subsistência, com o objetivo de atingir o aperfeiçoamento mental e físico.

Tatami - colchão de palha

Tomoshiraga – feixe de linho

Tokonoma - nicho na parede com nível de piso um pouco mais alto, onde se expõe uma pintura, ikebana – arranjo floral, ou alguma obra de arte japonesa

Tsukemono - conservas de verduras ou legumes

Tyawan - tigela de cerâmica que serve arroz

Utsuri hashi - pessoa que escolhe os pratos complementares, de prato em prato, sem comer o principal, que é o arroz

Yakimono - grelhado de peixe ou de fatias de peixe

Youkyoku ou utai – canto bravo, que advém do tradicional teatro Nô

Youtien – jardim da infância ministrado em língua japonesa.

Yuino – cerimônia de troca, oferta de presentes

Os principais objetos que constituem a lista de “Yuino” têm significado simbólico.

“Surume” (Lula seca) é alimento de longa duração. Tem propriedade de que quanto mais mastigar mais gosto tem, sendo assim, representa relação longa de afeto entre o casal.

“Katsuobushi” (Peixe seco - Bonito) alimento de longa duração. Antigamente, era levado pelos guerreiros na guerra. Significa a sorte no combate, representa virilidade do homem.

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Glossário A formação da identidade feminina

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“Tomoshiraga” (feixe de linhos) seus fios tem cor branca, significa longevidade do casal até que os cabelos fiquem brancos.

Zashiki - sala no estilo da construção japonesa, cujo piso é forrado de tatami

Zenbu – bandeja com pratos completos, montados como antigamente

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Apêndice A formação da identidade feminina

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APÊNDICE 1. O Sistema fonético da língua japonesa caracteriza-se pelo número reduzido de fonemas. A língua japonesa é grafada por meio de três variedades de símbolos gráficos: kanji – ideograma, e duas variedades de kana – fonograma. Kanji é a escrita de origem chinesa, que representa diretamente uma idéia, ou seja, é provida de significado. Hiragana é a variedade de kana criada através de deformação de certos kanji, e é empregado na grafia de quase todos os elementos da língua japonesa, exceto os de origem estrangeira, que não a chinesa. Katakana é a variedade de kana criada pela extração de uma parte do kanji e é utilizada, quase que exclusivamente, na grafia de vocábulos de origem estrangeira, exceto chinesa e onomatopéias.

Os sistemas de romanização do japonês usados atualmente foram desenvolvidos na segunda metade do século XIX. O primeiro sistema a ser desenvolvido foi o sistema Hepburn, desenvolvido para o dicionário japonês do autor e destinado ao uso por parte dos estrangeiros. Tabela do Sistema Hepburn

ああああ いいいい うううう ええええ おおおお ((((拗音拗音拗音拗音 - sons contraídos))))

ああああ a i u e o

かかかか ka ki ku ke ko kya kyu kyo

ささささ sa shi su se so sha shu sho

たたたた ta chi tsu te to cha chu cho

なななな na ni nu ne no nya nyu nyo

はははは ha hi fu he ho hya hyu hyo

まままま ma mi mu me mo mya myu myo

やややや ya (i) yu (e) yo

らららら ra ri ru re ro rya ryu ryo

わわわわ wa (wi) (we) o(wo)

んんんん n

がががが ga gi gu ge go gya gyu gyo

ざざざざ za ji zu ze zo ja ju jo

だだだだ da (ji) (zu) de do (ja) (ju) (jo)

ばばばば ba bi bu be bo bya byu byo

ぱぱぱぱ pa pi pu pe po pya pyu pyo

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Outros:

Vídeo / documentário:

CAMINHO DA MEMÓRIA – elaborado pela Comissão Organizadora das Comemorações do 80o Aniversário da Imigração Japonesa / Comissão de Registro de Imagem e Som dos Imigrantes Japoneses, sob a coordenação de Iossume Tanaka e direção de Olga Futemina

Fotos:

COLEÇÃO DE FOTOS. Acervo da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama, sito à Av. Dr. Altino Arantes, 1098 – Vila Clementino – São Paulo.

ÁLBUNS FOTOGRÁFICOS. Memórias de ex-alunas do Internato São Paulo Saiho Jogakuin.

Jornais:

BOLETIM AYUMI. Publicações no período compreendido entre 20 de dezembro de 1952 e 15 de novembro de 1973.

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ANEXO 01

Transcrições das entrevistas

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Transcrições A formação da identidade feminina

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Informante: Sumiko Akiyoshi Yamasaki (S) - 01 Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R) Data: 04/11/2006 Horário: 14h Local: Residência da entrevistada em Atibaia – São Paulo Duração da entrevista: 53 minutos Pais: Minoru Akiyoshi Titoe Akiyoshi (Nishi) Esposo: Toshio Yamasaki Filhas: Tizuka Yamasaki Netos: Elia Yamasaki Akiyoshi Naina Akiyoshi Yamasaki Fabio Yamasaki Yurika Akiyoshi Yamasaki e Carlos Alberto De Niz Netos: Lissa Akiyoshi Yamasaki De Niz Pedro Akiyoshi Yamasaki De Niz S: Aí depois voltei para casa e aí fui pra São Paulo aprender tricô, aí que eu fui na Akama-san…aí fiquei lá, voltei na casa, mas aí a guerra ficou feia né…os camarada queria matar, andar com revólver, tudo né… a minha casa fica bem perto da rua né, então esses camaradas que eram muito perigoso e eu era única filha né? Então minha mãe mandou pra ir São Paulo, pra ficar em São Paulo, por isso que entrei na Akama-san… desde esse tempo aí…ahhh então comecei estudar nihongo, também lá foi tudo escondido…ahã… por causa da guerra. R: Quem já conhecia a Fundação… a Akama-sensei? S: Akama sensei…não… eu fui …assim conhecendo por pessoal que falava, aí eu fui lá… ali na… como chama?... Joaquim…assim, São Joaquim parece…é naquela esquina…fomos lá e ficamos ali… depois foi na Tamandaré, depois Vergueiro, néé… R: Ah! Passou por todas… S: Todas… então… Tempo de Tamandaré, até ali tinha Tênis spoto… jogava tênis… Depois no Vergueiro, começou aquela guerra… nossa!...era de esconder livro, corre pra cá, corre pra lá… veio a polícia tudo né…naquela vez eu saí por trás pra avisar Akama sensei, porque Akama-sensei tava lá na outra escola né…no Vergueiro…quando eu saí os soldados tava tudo ali na frente,depois eu, akama sensei, Sugano sensei passamos de bonde, de ônibus que…aí vimos nossa ali na frente tudo aquele soldado, mas ai akama sensei foi falar com a inspetora, não sei que…aí veio, aí foi tudo calmo né…até uma menina ficou segurando rádio deitado, falando que ela tava doente… escondendo o rádio, se pegasse né…sei que, no dia tava tudo levando livro na Ogasawara san para esconder… pra levar pra lá, por isso que descobriram…né ? de noite tava levando

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Transcrições A formação da identidade feminina

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pra… deixando ali pra não descobrir… e descobrir… foi naquele tempo né…tempo passou né?...é… R: Na verdade, naquela época chegou a terminar, a concluir o curso lá mesmo? S: Não… eu continuei né… entrei no Jogaku-bu, depois terminei lá no Vergueiro em cima… na outra escola lá em cima…Depois akama san pediu pra ficar, pra ajudar na costura, né…aí fiquei pra estudar… R: é que tinham muitas escolas que tinham problemas mesmo, mas a Akama não teve tanto problema legal, né… S: Até ali na Vergueiro de baixo, pra estudar, a gente estava estudando, colocava o piano na porta para o soldado não entrar, de repente se guarda, né…da polícia entrar, a gente tirava tricô, trabalho, bordado… assim, isso né?... R: Pra estudar nihongo… Mas dá pra estudar… continuou estudando, assim né…ahã...hãhã… então tudo… os pais obrigava as filhas estudar na costura,…mas no estudo não era tão esforçado, né…mas na costura que precisava aprender, né…depois com muito tempo que agora… porque,tava dando aula de costura aqui né…dei bastante tempo, e chegou uns tempos que ninguém queria aprender mais costura…aí todo mundo queria estudar, então como entraram bastante essa roupa feita né…então ninguém quis saber de costurar, não é?... É… aí… naquele tempo… no começo, se as moças não aprendiam costurar, não podiam casar…precisava aprender cozinhar… tudo isso né?...Então todo mundo vinha aprender costura. No começo tinha bastante aluna, né…depois chegou um tempo que tudo precisou estudar, né… fazer alguma coisa, ne…ir pra frente né… agora acho que as moças japonesas ninguém sabe costurar mais, ninguém sabe, né?...hahaha…. Naquele tempo, sabendo costurar, sabendo cozinhar né… era uma boa esposa né? E acho que naquele tempo a família era mais unida não é?...E os maridos também se davam bem. Agora nem casamento tem!... Tudo ajunta, né?... Então assim, não é… tá mudando tudo, não acha?... Agora porque as meninas, não sei… estuda, estuda… agora eu posso viver sozinha, não precisa ter marido, né?... Dá para viver assim… Maioria tá desse jeito… eu acho que é isso que tá…. Ah… por isso agora procura não casar…se casa, não vai bem…melhor então não casar…separa, né…É porque naquele tempo as moças não tinham estudo… era obrigada saber cozinhar, costurando, cuidar do marido, das crianças tudo né, tudo…e agora não sei… isso que tá fazendo a diferença, não é? ….. O tempo que tava estudando era o tempo que tinha mais aluna… Acho que aquele tempo tinha cento e cinquenta alunas internas…né….então vinha do Mato Grosso, tudo…de longe, né…bastante… Depois entrou a guerra aí foi mudando um pouco… Mas faleceu… ela tá viva né…ela tá morta… também tá morta…ela tá viva…ela tá morta… tá morta…né… É a turma da professora da costura… Depois Oriori no sensei, depois Okara san, não… Ogasawara san…é irmã da Akama sensei, né…É depois de cinquenta anos… todo mundo já….hãhãhã….

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Transcrições A formação da identidade feminina

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Maruyama sensei parece que tá viva… conhece Marcos? Ele parece que tá vivo, né… Maruyama sensei… Ai… já bem… acho que tem mais de 90, não?...haha…acho q sim… É… eu tô achando esses dois… Handa sensei…também morreu… E Sugano sensei… como está?... Sugano?... S: Isso aqui é tudo professora de corte costura… não sei… tem muitos que já faleceu…ela faleceu, ela faleceu… ela não conheço… Ogawa san também faleceu…faleceu…faleceu… acho que tem só…uma, duas, três…, não, uma, duas, três…..acho que só três, hein?... O resto tudo faleceu né…Uma lembrança mesmo, né?... Essa aqui é… essa turminha é quando eu logo saí de lá né…eu fui para o Rio Grande do Sul, né…aí teve menina… Tizuka….elas mandaram uma roupinha de nenê, sabe…essa…e acho q é essa turma…hmmm….. R. Colegas né…colegas de turma de internato, né?... Bom… Desculpa… R. Não, tudo bem…desculpa por trazer esse momento… Anotações: S.A. trouxe a história que “a fotografia contava”: Tratava-se de uma de suas queridas turmas do Akama gakuin, que por motivo do nascimento de sua primeira filha Tizuka, resolveram presenteá-la com roupinhas por elas confeccionadas e enviou para Sumiko. Ela nunca mais pôde revê-las, então não pôde agradecer o carinho dessa ação. Queria muito ter agradecido por isso. Obs: esta foi sua foto preferida, desde o princípio da entrevista. A partir desse ponto, continuamos a conversa, informalmente, sem o uso do gravador. Informante: Sumiko Akiyoshi Yamasaki (SAY) - 02 Pesquisadora: Regina Chiga Akama (RA) Participantes: Edson Akama (E)

Data: 07/12/2007 Horário: 14h Local: Residência da entrevistada em Atibaia – São Paulo Duração da entrevista: 2 horas

S: ... tudo nascido no Japão né, não tinha nissei né, então única acho que era nissei, naquele tempo. Por isso que pôs no meu nome né, pra ser diretora. R: Naquela época... S: É naquela época, porque era tempo de guerra né. R: Então, a senhora me contou uma passagem também da guerra, desse momento... S: Da guerra, então. O (...) ficava ali na Vergueiro, embaixo, perto da Liberdade, depois tinha outro lá em cima na Vergueiro. Naqueles tempo né.

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R: E como é que foi esse período, que a senhora contou uma época, como é que aconteceu essa época do... S: Então, quando tava lá embaixo, quer dizer, tava começando dava aula né, mas mais eu tava estudando aquele tempo né, quando começou a guerra. Aquele tempo quem tava lá era Abe-sensei. Nossa de repente tava levando tudo livro coisa pra esconder na casa do ano Ogasawara-san né ali. Então todo mundo com aquele embrulho levando acho que viram né, aí vieram de repente lá na escola né, ai, aquela confusão, aí eu peguei saí por baixo, saí no portão de baixo pra avisar Akama-sensei, Akama-sensei tava lá em cima, aqui embaixo só tava uma, duas sensei e o pessoal né. Então eu saí, quando saí depois eu falei Akama-sensei descemos, com Sugano-sensei né, sensei tudo assim com ônibus aí a gente viu ali na frente tava cheio de polícia, aí de lá Akama-sensei foi chamar, como chama? Não sei se é inspetora não sei nem lembro como chama, não é inspetora, é outro em cima da inspetora. R: Supervisora? S: Não sei, uma coisa assim. Aí vai chamar ela, veio depois aí acalmou a polícia foi tudo embora. É porque tava levando os livros tudo, né, pra esconder (risos). R: Isso era na Vergueiro? S: Na Vergueiro de baixo, é. R: A de baixo que a senhora fala é... S: Ali perto da Liberdade. R: A menor. S: A menor, de baixo né. Depois tinha Bunkyo que era lá em cima né, ali perto da caixa d´água. Então quando tava em baixo eu já tava lá, no tempo que tava estudando. R: Que ano que era? S: Primeiro era na Tambaré, Tamandaré né, depois foi na Vergueiro, na Liberdade ali né. R: E depois ele foi pra aquela outra Vergueiro. S: Quer dizer, continuava duas escolas né, naquele tempo. R:Que ano que foi isso? S:Ah, nem sei. Nem sei viu, nem lembro. R: Que turma que a senhora fez? Porque a senhora se formou lá... S: Naquele tempo junto Kimura-sensei, no tempo acho que o mesmo tempo que ela entrou tava lá. R:Como aluna? S: É. Naquele tempo tinha Yamane-san ainda ela não era sensei. Kato-sensei, aí eu estudava com Kato-sensei né, Hatiya-san né aí como não tinha ninguém assim, eu costurava tudo a roupa dela, Akama-sensei, tudo maioria eu que costurava. Costurei bastante porque eu não tinha pra quem costurar né, precisava aprender. S: Depois eu fiquei, por causa que tava em guerra né, não podia ir embora em casa porque minha mãe ficou com medo né, camarada tava em cima. R: Aí a senhora ficou nesse da Vergueiro grande. S: Não, embaixo depois subi em cima. Aí quando subi lá em cima que tinha acho que mais aluno né, naquele tempo internado né, tinha mais de 150 acho que mais

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Transcrições A formação da identidade feminina

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ou menos né, naquele tempo. Aquele tempo então, Namatomi-san, Uchida-san né, Uchida-san, então, Kimura-sensei, Kato-sensei, depois, ai...nem lembro mais (risos)...Obasan muito tempo né. R: Também tinham muitos professores lá né. S: Aquele tempo é... mas Kato-sensei, Hachiya-san, quando tava embaixo que ela casou né, parece. Aquele tempo. E ela tava dando aula pra turma que ia fazer exame de costura né. R: De habilitação, né, tinha né, magistério. A senhora fez também né, passou nessa turma. S: Fez antes, bem antes R: Aí deu aula bastante tempo né, depois do... S: Eu fiquei bastante tempo lá sim, até 46 acho que mais ou menos. R: Desde que formou já ficou? S: Já fiquei lá direto. Naquele tempo, nossa, até na Vergueiro de baixo na Liberdade eu dava aula à noite também, costura né, e de dia também. R: A senhora dava aula em outro lugar ? S: Não, não lá mesmo. R: Tinha à noite também? S: Tinha à noite, dava aula à noite também.. S: Aí eu saí de lá, quando casei e fiquei uns tempo, acho que pouco tempo assim... R: Qual que era a cidade mesmo? S: Atibaia mesmo. Depois eu fui pro Rio Grande do Sul. R: Isso. A Tizuka foi nascida lá né? S: Nascida lá. R: E depois retornou pra cá. S: Aí eu retornei. R: E a época da escola... S: Naquele tempo lá, nossa, naquele tempo não tinha nada lá, só gado, campo, não tinha nada, plantava verdura, nem verdura ninguém sabia estaquear verdura, nada, tomate era tudo assim no chão, ninguém conhecia verdura, tomate ninguém conhecia, pessoal de lá. Lá era só aipim, aipim é mandioca. Vinha de longe, aquele carro de boi cheio de mandioca né, trazer na cidade, viajava não sei quantos dias assim, naquele tempo. Ah, quando tava lá, então, os, eles eram assim, usavam aquela facona grande, todos os homens assim, quando queria brigar eles cortavam o chão assim, começa a brigar. Então a gente não podia falar quase nada né. Se falasse já procurava briga, o pessoal de lá. R: Que ano que foi isso? S: Naquele tempo né, então antes de , quando a Tizuka nasceu. Então, 58 ka? Era bem mais atrasado que aqui, São Paulo né. R: tanto é que muitas coisas parece que foram introduzidas pelos japoneses mesmo né, na agricultura praticamente muita coisa foi trazida de lá. Inclusive elas falaram um pouco sobre a questão do sensei que ensinava também né, era Hayashi né? S: Hayashi-sensei? Ah é , ele que ensinava, fazer tsukemono, plantava verdura ali, a gente ia lá na Vergueiro ali na...

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R: Isso, era ele que tinha um terreno né? S: É, tinha um sítio. E aí fazia missô tudo lá com Hayashi-sensei. R E aí quando foi pro Rio grande do Sul, tudo diferente. S: É, tudo diferente. R: Então, aí depois a senhora retorna, e como é que surgiu a iniciativa de montar uma escola, como que foi isso? S: Então, montei aqui embaixo, o pai comprou uma casa ai na garagem eu dava aula. Aí foi aumentando os alunos, como já ficou um pouco apertado aí alugamos uma casa lá em cima que era pensão, antiga pensão, então tinha mais de dez quarto assim. Aí aquele tempo, como não tinha ônibus a turma do sítio queria estudar, não podia vir né, então pousava tudo em casa. Tinha mais de, tinha umas quinze pessoas assim, que ia no Ginásio estudar assim, e tudo. Acabou ficando assim internando assim, por causa que não tinha condução. Não é que nem agora que todo mundo tem carro. Naquele tempo ninguém tinha carro né, nem ônibus não passava, então elas vinha em casa, como gaijin, nihonjin ficava, é ficou que nem uma pensão e tinha duas salas, eu dava aula de costura. Aí aquele tempo né, tinha bastante aluna, todo mundo queria aprender costurar, nihonjin então se não sabe costurar não podia casar né (risos) e elas estudavam costura depois ela ia no ginásio tudo né. R: Funcionou quanto tempo, bastante tempo né, ficou... 50, 60, 70, trinta anos funcionando. S: Bastante tempo. Trinta ano então. R: Como escola, e acabou ficando uma escola separada então. S: Aí foi, depois começou, quer dizer, entrar muita essas roupas feitas, né, aí elas já né, os japonês também já tava mais folgado, então deixava as meninas estudar e não mandava mais né, depois tudo compra carro então era mais fácil né, aí ficou poucas alunas, aí como tinha roupa tudo comprado assim mais fácil né, aí fechou, aí eu fechei. Aí eu tava dando, precisava viver né, e como as criançada tava no Rio, então eu peguei e fui no Nihon trabalhar. Fiquei acho que uns oito anos mais ou menos. 91... R: Que lugar que a senhora ficou? S: Fui no Atami. Atami, la no hospital, né. Aprende muita coisa. A gente vai mais pra aprender né, passear, aproveitou R: Isso foi que ano? S: 1991, acho que 91 né, acho que voltei... acho que já, parece que foi outro dia, já faz não sei quantos anos (risos), nossa o tempo passa né então. (...) R: Então, inclusive aquele dia que a gente veio né, quando nós saímos o Marcos falou assim, da Yurika. Disse que ela mexe, ela gosta muito dessas coisas de detalhes. Aí falei, nossa, se essa relação que a senhora teve com ela, isso é influência não é? S: Ela, agora também tá fazendo um trabalho na Globo né, esses dias ta meio parada, mas ela fazia novela da, minissérie assim figurino, cenário, tudo é ela. R: Mas ela gosta dessa coisa da costura não é? S: Ela gosta, gosta.

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R: Mas começou de casa então? S: Ah, é, ela aprendeu comigo né. É , ah, o tempo que ela aprendeu comigo, ela queria ir no baile, eu falei, assim, cortar eu corto só que você costura. Ela costurava até terminar pra depois ir no baile, ia no baile com vestido, precisava sempre é vestido novo pra ir no baile. Assim ela foi aprendendo né. R: Tudo aqui, sempre Atibaia. S: Sempre Atibaia. R: E a Tizuka? Ela aprendeu mas não... S: Não, ela não aprendeu, ela saiu muito cedo né, foi pra São Paulo, estudava decoração, depois começou dar aula ali, depois foi pra Brasília. Ela é já, assim, gosta de sair fora né. Foi em Brasília, tava estudando Arquitetura mas ai deixou foi estudar Cinema. Até formar ela não falou que tava estudando Cinema. Ela falava que tava estudando Arquitetura. Aí se formou, depois que ela falou né. R: É mas também acho que pra falar que ia fazer Cinema, pra Colônia né... S: - Naquele tempo, quem, a mulher fazer Cinema... (...) R: Agora, a Yurika tem esse jeito dos detalhes. S: Todo filme que a Tizuka faz ela ajuda né, faz o figurino e cenário, tudo né. R: Quer dizer que ela tem o gosto mesmo pela.. S: Tem, primeira vez quando ela, foi lá no Norte, Tizuka tava filmando e aí a Yurika foi, ela chamou, ai ela ficou vendo e ela gostou. Depois, bem primeiro a Tizuka falou assim, você faz assim, desenha propaganda né, diversos desenhos, assim ela desenhava fazia propaganda né. Assim lá foi pegando né. Agora ela é Diretora de Arte né (risos). Também estudou, arte né, em São Paulo, como é que chama? Ali, ... esqueci. (...) S: Aquele do “Haru Natsu” né, aquele ela também fez, ajudou. É figurino e cenário tudo. R: Porque teve uma filmagem no Japão e teve uma parte aqui né, do Haru to Natsu. Na Tozan. S: É, o lado de cá, em Campinas né. Aí o japonês fez de boba ela né pensando que coisa né. Eles achavam que coisa. Que ela mostrou o que ela é, e eles assustaram né, aí, japonês vem aqui, o que é que sabe? Não sabe nada de Japão, né! Lá do Japão vem aqui, costume tudo né, na lavoura tudo coisa, tem nada, ela fez de tudo né. R: Ah então aquele cenário... S: Tudo, casa assim, aquela casa velha foi tudo desde o começo ela fez. Quando eu fui assim ver, pensava que já era construído já faz tempo. Não, ela fez igualzinho daquele tempo. Por dentro tudo, fogão né, onde coloca os porcos, galinha, fogão de dentro de casa, tudo, tudo, é tudo fez tudo, ela faz mesmo. (...) S: Ishii-sensei wa vitamina no sensei, naquele tempo. É porque toda coisa falava, de comer assim, falava de vitamina né. Mas ele ensinava tudo lá no hatake .

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Plantar daikon, plantar tudo as coisas né, a gente terminava a aula e ia correndo pra lá né., plantar yasai.

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Informante: Mayumi Yoshioka Mizikami (MM) - 01 Pesquisadora: Regina Chiga Akama (RA) Participantes: Nobuo Mizikami (N), Edson Akama (E)

Data: 10/07/2007 Horário: 14h Local: Residência da entrevistada em São Paulo Duração da entrevista: 2 horas Pais: Matsukichi Yoshioka (1927/28) e Yoshiko (Miao) Yoshioka Esposo: Nobuo Mizikami Filhos: - Eliza Megumi Mizikami casada com Rolando André Eitler Netos: Maurício / Mônica / Leonardo

- Roberto Shinji Mizikami casado com Raquel

- Celina Hitomi Mizikami casada com Walmir Neto: Diego

- Otávio Kiyoshi Mizikami casado com Li Lilian Koe Pais: Matsukichi Yoshioka (1927/28) e Yoshiko (Miao) Yoshioka (segundo nome, ficou adotiva quando veio ao Brasil, porque solteira não podia vir, então para poder entrar, veio como filha adotiva da família Miao – 1927, formando família de imigrantes para vir para cá) MM: Esse daqui é Birigüi… Birigüi cidade mais de calçados né… acho que Akama-san, quando foi lá no noroeste, aí acho que reuniu na casa do… dessa professora de corte e costura… acho que é corte e costura… Mori-san, reuniu né? Reuniu na casa dela, então foi convidado todas essas pessoas, pessoas que formandos, essas aqui… não tá marcado aqui… não sei que ano que foi… Birigüi… deve ser cinqüenta… RA: A senhora foi junto nessa viagem? MM: Não. Eu morava lá no Birigüi. Só que… é… Eu morava lá no Birigüi… já estava dando aula… mais… essa daqui… estava dando aula lá. Não, não estava dando aula não… É que deve ser mil novecentos e cinqüenta e…cinqüenta e três… cinqüenta ou quarenta e nove… por aí… né… então essa turma… esse formando do Birigüi. RA: Gostaria que a senhora contasse pra gente um pouco dessa trajetória da senhora… a senhora também era do interior, não é? A senhora era do interior e veio direto para o internato? MM: Não. Primeiro eu fui… no 1945… eu vim duas vezes na escola. 1945 até meados de 46, estava… 45 eu formei katei-ka né… katei-ka até sexta série…sexto

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ano né?... Depois foi para Jogaku-bu, primeiro Vergueiro 235, lá no começo do Vergueiro. Depois 46 eu vim no Vergueiro 2625, nessa escola… fiquei lá seis meses. É… aí… hum, meu pai começou a trabalhar na Cooperativa e não tinha quem tomar conta do gado, então meu pai me chamou e eu voltei para o interior. Nessa época gakkou teve, teve a… não é bem briga… discussão do Tsikuchi-sensei e Shibuya-sensei, porque um ganhava… acreditava na vitória, outro acreditava na derrota. Tsikuchi-sensei era da derrota. Shibuya sensei era do… então alunos também… aí ficou assim, meio separado… Então nessa época, Akama-sensei deve ter sofrido bastante. Então nesse momento a senhora estava… É, nesse momento eu afastei… 47 eu afastei… voltei para o interior. Aí eu passei no interior até cinqüenta. Então… é… Depois… 50… então voltando um pouquinho pra trás… 45, época da guerra, foi muito rigoroso o negócio japonês, né… então, logo que eu cheguei, não tinha passado uns dez dias… a gente estudava assim no dormitório né… na mesa pequena… assim cada um escrevia no colo assim… nihongo, né… então… eu tava… a turma estava estudando assim, então de repente… veio uma amiga… eu não tinha nem amigo direito… pegou minhas coisas e colocou tudo, pegou e levou tudo embaixo da cama… eu não sabia por que que estava acontecendo isso, mas tocou a campainha de emergência que quando vem o policial, toca a campainha… quarto… então quando vem, imediatamente a gente tem que guardar coisa escrita em nihongo e precisava logo, precisava pegar material de corte e costura. E a gente fica chuleando, fazendo alguma coisa… tem que ficar… é tem que disfarçar. Eu não sabia. Depois é que bagunça acabou, aí essa amiga contou. Não é que eu fiz mal… agora é assim, assim… eu, como uma caipira que primeira vez que nasceu na Aliança, primeira vez que saiu no São Paulo, né… é uma caipirona que não sabia fazer nada… então eu fiquei assustada, né… aconteceu isso. Partiu daí, a gente já ficou sabendo, né? Então imediatamente precisava pegar o material de corte e costura e… e a gente faz assim, ou disfarça e volta na sala de costura… RA: o corte costura não teria problema, mas a escrita… MM: Corte costura tudo bem… escrita assim, nihongo não podia. Então a gente, o que estudava na escola, a gente rasgava a folha, levava em casa… em casa tinha um caderno… e era assim. Porque folha rasgado, a gente levava dentro do material, hassami, tesoura, essas coisas… coloca no machibari depois colocava na lata de biscoito, então a gente colocava embaixo, dobrava e em casa fazia tudo passar a limpo, fazia pra poder, poder estudar em casa… era… muito, muito… Akama-sensei deve ter sofrido muito… Porque naquela época a gente não entende, né… mas depois que a gente saiu na sociedade… quanto que ela sofreu… pra manter aula, e… esconder da polícia e… outros professores, tudo né… então foi assim. Então 46, então nessa época, eu não conheço muito bem a interna. Porque eu ia na casa do (...) toraiba (...) no Jabaquara, atual quase é… ponto final do metrô, né… de lá eu ia de ônibus e voltava à noite. Então nessa época eu não conheço como é que era… Aí nos 50, eu tinha formado só nihongo, mas não tinha formado costura, quando foi embora… aí eu fui embora mas, aquela amiga… minha amiga… a Yojo-sensei, Yojo Tikue… mora no São Miguel, ela é da Aliança também, e ela dava aula de corte e costura lá no gakkou, no

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Vergueiro, né… aí eu escrevi carta pra ela, eu não tenho diploma de corte e costura… só tem do primário o diploma, né?... Então eu falei… eu quero estudar mais… quero estudar em São Paulo, quero estudar em São Paulo… meu pai falou “é… já tem vinte anos, que precisa ir pra São Paulo o que?!...” e não quis deixar… eu escrevi carta pra ela dizendo não tem algum serviço pra mim trabalhar? Aí ela acho que conversou com Akama-sensei, Akama-sensei falou… “na cozinheira que é encarregada do gohan, né, é Harutian vai sair…” Haru, Haruko Ishihara… falou que ia sair então precisava alguém pra ficar no lugar dela… Olha! Dentro de, nem uma semana, eu recebi carta do Yamanaka-san, atual Yojo-san, né… Tikue… ela mandou carta falando “olha, Akama-san tá falando assim, assim… você tem emprego dentro da escola!” … que bom! Aí que eu contei pra pai… os pais que eu queria ir que já tinha emprego… aí meu pai ficou bravo. Ele falou que “não tenho em casa… não tenho o dinheiro pra mandar pra você…” dinheiro eu não quero não… é só deixar ir… aí… assim eu saí de casa, né. Porque eu tenho três irmãos, mas entre eu e o irmão mais velho tem diferença de seis anos. Então… sempre serviço de homem, não tinha quem fazer, então eu fiz tudo serviço do homem quando morava no sítio, então cavalo, arar terra, tocar boi, tudo isso eu fiz, né… então quando saiu pra… veio pra Araçatuba, depois veio para Birigüi. Araçatuba não tinha emprego do meu pai, e foi para Birigüi e quando surgiu essa oferta, de eu resolver de ir pra escola, meus pais moravam no Birigüi… tinha uma peixaria. Aí eu saí… 50 eu saí é… de janeiro… ainda gakkou estava de férias quando eu… aí fiquei no lugar dela. Fiquei dois anos cozinhando, cuidando do gohan… RA: Podendo também estudar… MM: É… aí eu estudei… tirei primeiro de três meses… nihongo e português… primeiro fez corte e costura, depois eu fiz o primeiro exame… acho que era abril que tinha o primeiro exame do corte e costura, eu tirei o diploma do corte e costura, depois eu comecei Jogaku-bu né?... Jogaku-bu… e Akama-sensei que… é… como pessoa que morou na Aliança, falava muito bem japonês… lê muito… então Akama-sensei disse que não precisa ser no primeiro ano… entra no segundo… que você vai dar… aí eu entrei no segundo, Jogaku-ninen… né? Porque Jogaku-bu eram três anos… aí fiquei na cozinha… depois fui estudando o japonês, aí no… nesse ano… não… ano seguinte, 51, passou fazendo isso, no gakkou cozinhando e Jogaku-bu junto, né… nessa época Kikutyan tava junto… Kikutyan entrou também. Kikutyan depois é… filho do (...)-sensei, depois a… irmã do Getúlio… aquele (…). RA: Quando foi no segundo… MM: É, segundo… segundo ano, né… quando foi no segundo ano, 51… 52 eu continuei no nihongo e cozinha, né. Cozinha… trabalhando… aí no mês de férias, julho, surgiu um concurso de é… professor de língua japonesa do Estado. Aí Akama-san falou assim “vai prestar o exame… vai prestar o exame…”, mas como eu não tinha o primeiro grau, atual do primeiro grau do português então primeiro precisava fazer o exame do português… quem passava podia fazer o nihongo, né. Aí no mês de férias, tinha uma pessoa, professora que ‘tava interno, aí ela falou “não, eu vou te dar aula” e eu fiquei, estudei com ela todo dia, eu fiz primeiro o português, raspando, mas eu passei! Aí eu fiz o nihongo, né… depois o nihogo…

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nihongo não foi muito difícil, né… passei… acho que aí… tinha vinte e quatro candidato, inclusive quem fez junto a Kushiyama… da… aquele presidente do Bunkyo, né… ele fez junto também. Parece que dentro do vinte e quatro passou só metade… e eu passei. Aí saiu no jornal japonês que foi aprovado tal… saiu nome, então lá no fundo do Birigüi, tem lugar que tem uma colônia que chama Paineiras, né… lá tinha colônia japonesa e chefe de lá veio na casa do meu pai que era Birigüi, então queria como professora lá na fazenda… isso foi no 52, né… aí como era perto… perto, mas quarenta quilômetros, né, então meus pais acharam que mais fácil, que mais perto de casa, então aí eu fui, né? Aí no 53, eu fiz curso de culinária na primeira turma, terminou abril e nos meandros de abril eu fui pra Clementina. Fui dá aula. Primeira vez que eu fui dar aula… (risos) Corajoso né? (risos) Não sabia de nada, não tinha nenhum conhecido, foi… foi pegar… Aí cheguei lá, não sabia que tinha, lá também tinha katigumi, makegumi da pessoa, né… e quem contratou, tal de Takumi… Takumi Massaka, acho que é… Matsuyama… sobrenome Takumi, ele que era chefão da fazenda e contratou eu, né… aí eu fui… primeiro contato com a turma foi no dia 29 de abril, dia do aniversário do Imperador Showa , né? Então, nesse dia, no interior sempre faz undokai, tipo undokai … tinha… mas antes do undokai tem a comemoração da festa… tudo. Aí… (risos)… Professora de primeira viagem, precisava fazer o aisatsu, aisatsu koosu era à frente de tudo. Era um kaikan tão grande… kaikan, kaikan era uma… acho que tinha uns trinta metros… não sei… largura de vinte… não sei… era um kaikan enorme! Que era o primeiro do noroeste, kaikan maior do noroeste, não é… aí eu subi lá no palco… (risos)… mas eu tremia tanto, eu tremia tanto que, acho que se pessoa visse de trás… bumbum estava fazendo assim! (gesticula movimentos de balanços com as mãos) (risos) Primeira vez, ainda! E tem tudo mundo ainda, criança, aluno e tem seinenkai … tudo sentado na frente, tudo desconhecido, não conheço ninguém! Aí eu preciso falar… eu falei no meio do discurso, eu falei do Imperador atual, é… sofreu muito na guerra, né… e, mas depois da guerra, como ele partiu junto com o povo, ninguém tem nó… eu escrevi, usei essa palavra… ninguém tem nó… porque antigamente, a gente usava como Deus, né?... Mas a partir daí, ele queria andar junto com o povo e tal… então eu escrevi isso… depois eu desci, daí passou um pouco, esse tal de Takumi-san veio, aí ele falou assim “agora pouco, a professora nova falou: ninguém tem nó, mas não pode usar essa palavra!” Olha!... Ele…pá… deu cacetada! Mas eu tremia tanto, tremia tanto… depois eu voltei na casa onde eu hospedava, tinha pensão também, mas pensão no interior, vem muito viajante, tudo… eu não queria ficar na pensão. Então uma família do Nagano, porque minha mãe é do Nagano-ken, né… então essa pessoa do Nagano-ken falou “a mãe dela é do Nagano, eu vou ficar com ela!” E eu fiquei hospedada numa família de fazendeiro, sabe? Aí na hora do almoço, eu voltei pra casa, mas… só faltava chorar, mas eu fiquei segurando, segurando… voltei pra casa, mas eu chorei tanto, chorei tanto… eu falei, não! Eu acho que não posso ficar aqui. Vou embora. Eu vou pedir demissão, eu vou embora, né? Aí nessa casa, tinha ojityan, obatyan e o filho mais velho era muito assim decidido, né… falou “mas como que vai embora? Você falou verdade! Não fica perdendo pra aquele ojisan, não vai perder não! A gente vai torcer por você!

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Fica, fica, fica! Nós vamos ajudar você!” Foi assim, sabe?! Aí eu criei coragem, eu fiquei. R: Tinha apoio né Tinha apoio. Qualquer coisa, eles apoiavam. Então tinha apoio e eu acabei ficando, acabei ficando três anos, toda hora gambarê, gambarê!... (risos) Fiquei três anos… aí nisso, né… tem shojyokai, shojyokai é associação das moças, né?... Tinha associação dos moços também. E associação das moças tinha uma senhora de sessenta e poucos anos que tomava conta, então ela falava assim que… é… mulher tem que ficar assim quietinha, né… comportar daquele jeito, jeito antigo do nihonjin, né? Ou então, pra rapazes, que não deve conversar assim, que o … então tinha um regulamento do sho… associação das moças, um dos itens tinha, quando está junto com os rapazes, você não pode sorrir, não pode dar sorriso, né… pra pessoa… eu falei “absurdo, né?!” essas coisas… eu falei, mas que negócio é esse? Então eles conversar assim… no namoro, era uma coisa proibido mesmo, né?... então todo mês… cada quantos meses, tinha fugitivos de casal. Porque os pais não deixam namorar, então eles fogem! Tem um que fugiu descalço até no Tupã! De Clementino até Tupã tinha não sei se tinha vinte ou trinta quilômetros... Mas sabe por quê? Os pais guardaram o sapato dela no quarto pra não fugir. Aí pulou a janela e fugiu descalço. (…) Então eu falei, não é possível! Não pode ficar assim… fugindo, né? Como quando estava no gakkou tinha… é… 4H… não sei se ouviu… yon iti…que veio Nakata sensei… pai, veio entrando aqui no Brasil… 4 H é acho que… (…) coração e mão e… tudo em inglês… coração, braço e a cabeça… e mais um o que que era mesmo?! Eu esqueci… então, tinha esse curso e quando a pessoa estava no jogaku-bu, fazia também, gakô-ni… gakô-de… Então no meio desse ensinamento tinha kage de kotokoto shinaide ikou, né… escondido, faz escondido, faz kosokoso com gesto de ladrão, não pode fazer, tinha esse… essa regra. Na época do gakkou, então eu na hora, quando eu comecei participar com mocinhas, eu falava, olha gente, kage de kotokoto shinaide ikou, se tem alguma coisa, quer falar alguma coisa, você não faz coisa escondido não… conversa com alguém, né? Conversa com alguém que tem confiança. Fez assim, né? Aí… (risos) na minha gestão, ninguém fugiu! (Olha! Um valor, né?Foi passado um valor…) Né?! Então as moças ficaram contentes, né… todo mundo ficou contente… aí um dia, fim do ano, no Natal as moças queriam fazer baile e eu tinha a chave da escola. A escola era grande, né… mas não tem luz, então tinha que fazer com lampião… baile, né… aí o seinenkai falou assim, “será que pode fazer baile na escola? Sensei empresta a chave?” , eu falei… pode sim!... (risos) Eu deixei a chave lá, voltei pra casa…(risos) Quando eu voltei na aula, tomei a maior bronca da associação dos japoneses, “o que você fez? Escola é um lugar muito sagrado…você emprestou pra fazer baile? Sem licença de ninguém?” ah… eu fiquei… nem tinha pensado nisso… que eu tinha 23 anos, a gente não pensa muitas coisas, né?... (risos) Aí tomei bronca outra vez. Mas aí, a pessoa da casa, né, fazendeiro falou assim, “não!… deixa isso pra lá porque baile não é coisa crime, nem nada… pode deixar!... deixa aí, não liga não e vai…” e foi assim que eu fiquei batalhando né… então, os alunos, alunos e as alunas ficaram muito agarrados comigo… então, pra essa prova eu tenho três alunos que moram

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no Hokkaido, agora… né… três. Menina, menino, depois tem outra menina… três. Que estavam comigo… Olha quando for no Japão, telefona… ela falou assim “olha, eu vou tirar férias, quando que a senhora vem?” Hospeda na casa dela… eu no tratamento assim, ela faz tudo, tudo pra mim!... Dois dias livres, marido e tudo, carro livre pra gente fazer o kanko pra lá pra cá!... Hokkaido… né?! Tem assim… e aqui, aqui também tem aluno que, aqui tem fotografia do depois do 48 anos do… 48, 49 anos, eu tive uma vez aqui reunião no… aqui do escoteiro. Olha, tem aluno que morreu, aluno que foi assassinado, têm muitos assim… mas a gente se reuniu, a reunião foi muito gostosa… a gente não sabia quem é quem né… porque era criança assim, né… olha, nessa reunião veio… primo seu…Mitchan,… Mitsuro-san veio, mas eu não sabia que era Mitsuro-san. Depois que uma das meninas… uma das moças que vieram, falou assim, “meu marido é do… sobrinho da Akama-sensei”, eu falei, sobrinho da Akama-sensei… mas quem será?, né… Aí eu pensei… Kohei-sensei foi sozinho… eu sei que tem quatro filhos, né… agora… sobrinho… então são Kikutyan e Mityan… então falei Mityan! Por acaso Mitsuro-san? Aí falou “é”!... Olha levou susto também! Aí foi encontrado com Mitsuro-san lá na reunião… Ela chama Kinutyan, né?... Kinuko que chama? “Marta, né?” Não sei… português não sei… Ela, quando eu estava lá, acho que era nenê ou não tinha nascido… Então… quem deu coisa em mim foi ojityan dela!... Esse que falou que eu falei coisa errado… Esse de quarenta anos atrás!... Olha como que esse mundo vira… olha o que é que acontece! Então eu fiquei, fiquei assim… falei, então sua cunhada é Kikutyan? “É!” Então eu voltei pra casa, telefonei pra Kikutyan … Olha, eu não sabia que Mitsuro-san tava… ah… outra esposa, né… Assim que era conhecida lá do interior… Então o mundo é muito misterioso, né? Foi assim… então eu encontrei aqui… é… depois né… tem alguns alunos que não sabia onde que estava e tudo, só que só tem um rapaz que ficou tenente da salvação da aeronáutica… aí no Estado saiu: “capitão Teramoto”… aí meu marido estava vendo fotografia, falou: “esse aí não é seu aluno?”… olhei assim, que tava de farda, com chapéu, tudo… Uai!... Esse aqui é ? onde é que está? Telefonei pra aeroporto, aí falou que só vinha à tarde… aí à tarde eu liguei, falei Washitachi-san adivinha quem que está falando… aí ele pensou, pensou… essa voz não é estranho… Pensou, pensou… “não vai dizer que é Mayumi-sensei?” eu falei, sou Mayumi…aí ele falou que domingo ia visitar em casa, né… mas ele não passou, não chegou até domingo não… antes ele veio… disse que saudades era muito, ele veio visitar, né… então ele mora na cidade Ademar agora, né… e a esposa dele é formada lá em Londrina, é professor de Química, né… e dava aula junto com minha filha aí no estadual… Dom Duarte, no Socorro. Olha então fica… tudo assim parece que é longe, mas não sabe onde que tá trançado, que volta, né… é muito, muito… vida da gente é muito engraçado… (risos) RA: Mayumi-san, sobre essa época, esse momento da senhora no internato, tinham vários saberes, conhecimentos que Akama-san privilegiava, né… de ensinar e passar para uma boa formação das moças… o que a senhora tem de recordação dessa época? MM: Porque… então é… nessa época, Akama-sensei dava… porque pessoa de corte e costura… três meses, estuda dia inteiro, três meses tira diploma e vai

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embora, né… mas Akama-sensei, sempre… ela precisava ter a parte da etiqueta, né?... Então todo mundo precisava modo de tomar chá, modo de servir, essas coisas… todo mundo precisava fazer! Então eu acho que quem formou lá, quem estudou lá… nesse ponto assim, é… saindo pra fora… qualquer coisa, não fica afobado. Esse eu acho que garanto… tanto como corte e costura, tanto como comportamento, né… tudo… eu acho que não fica afobado. Pode cair tudo… mas levanta… levanta limpo… Sabe levantar. Eu acho que… acho que tem… importância tudo, é. RA: Ela passava também vários valores morais… o que era bom… como essa associação que a senhora tinha… que a senhora participava no interior, tinha essa associação feminina, tinha alguma coisa um pouco mais rigorosa até… tinham alguns valores femininos… M: É… então… RA: do que ficava bom, do que ficava bem… isso tudo era envolvido na etiqueta? M: É… acho que o modo de… como é que fala… bastante assim… negócio de…sobre consciência, é, pessoa pouco a pouco, com ensinamento de Akama-sensei, do modo de servir, essas coisas… dentro a gente vai percebendo que… é… sempre terá a consciência limpa… esse daí eu sempre falei pros meus alunos também, pode… falei, vocês não faz coisas que pode pesar na consciência. Porque outras pessoas não estão vendo, mas por dentro cutuca, você fez coisa errado, coisa errado… Então não faz a coisa que pesa na consciência… Essas coisas, acho que dia-a-dia, com próprio comportamento da Akama-sensei, as professoras… né… tudo. Naquela época tinha “bazar”, Sempre tinha no mês de outubro, bazar. Então fazia udon, essas coisas… tudo, né… mas tudo hummm… colaborando, né… cada um tem sua responsabilidade, cumprindo, acho que… no dia-a-dia a gente adquiria sem sensei forçar… a gente adquiria. Eu acho que serviço de Akama-sensei foi muito, muito é… valor pra formação humano, quer dizer… as moças, né… eu acho. Porque hoje em dia também… eu acho… (risos) não sei. (risos) RA: Qual é o seu comparativo? M: Acho um pouquinho diferente das outras pessoas… não sei se a gente puxa mais pra… (risos) Mas eu sinto que tudo… tudo mundo tem diferença, saiu na sociedade também, acho que tem muita gente assim que tá servindo na sociedade… em serviço tudo… São Bernardo tem uma que lida com o Fujinkai do nihongo… ela também é uma delas… então tem, nesse ponto eu acho que tem bastante força da Akama-sensei. RA: E pra senhora… família, profissionalmente… como é que isso aconteceu?... Teve importância? Como isso pode ser visto, como isso refletiu na sua vida pessoal, na sua formação de família? Esses valores pra formação da sua família… M: Não sei… (risos) RA: Foi realmente uma boa-noiva? (pergunta dirigida ao casal) M: (risos) boa-noiva… acho que não… (risos) acho que bravo né?! E: Eu só trabalhava (risos)… não sei nem… M: Não sei… eu… acho que, é… por causa das coisas que aprendeu no gakkou né… agora, todo mundo compra roupa feita… mas eu nem, nenhuma vez comrei

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roupa feita… tudo, tudo… enxovalzinho… tudo bordado, tudo feito em casa… meus quatro filhos, ninguém usou roupa feita… então a gente tinha a alegria de saber bordado… porque gakkou tinha curso de bordado também… depois… ah… não pode esquecer a aula do Sato-sensei também… Sato-sensei foi a… música, né… Então ele dava a música clássico… a gente não entendia nada, mas ele falou que esse é do Bach, esse é do Beethoven… não sei o quê… ele explicava, né… Então parece que naquilo… na hora parece que era besteira… encheção… mas depois que a gente sai na sociedade… quando escuta uma coisa assim… “ahhh… esse eu tinha escutado no gakkou”… lembra, né… então isso foi muito bom também!... E aula do Hayashi-sensei que tinha aula de culinária, não é… noosankakou… noosankakou é a gente fazia as coisas, fazia e aprendia e no bazar a gente vendia né… isso foi muito bom também… Porque a gente sabe… sabe quando tem bastante abóbora… sabe aproveitar… quando em alguma coisa… sabe aproveitar… não desperdiça nada, né? Então esse também foi do gakkou… então gakkou foi praticamente completo pra minha vida também… Foi muito bom!... Agora Sato-sensei… Sato-sensei que vai… deslocar um pouco na… professora de culinária, né, mas ela também é muito assim… ensinava comida… todo mundo falava assim, “ahh… vai na escola de culinária?... mas aqui no interior não tem material…” Pessoa fala, primeira coisa, que não tem material. Não é que culinária não é material… você sabe aproveitar na culinária, o que sabe aproveitar o que tem na sua frente, o que tem ao seu redor. Esse é que é culinária. Não é que você compra tudo e faz o… não é assim… Então Sato-sensei era uma pessoa que ensinava muito… pra não desperdiçar as coisas, então até descascar a berinjela, então corta esse daí, deixa secar na sombra… depois usa para fukujinzuke, né… Fukujinzuke…agora fala fukujinzuke, mas antigamente, fala que somatsusumfuminande, somatsusumfuminazuke, né…que não, não desperdiça. Então casca pepino, casca de… é… sobras, né? Então, a gente jogava as coisas… (risos)… ela ficava bravo. Não é… esse daí tem que usar pra… então vai deixar pra secar! Sato-sensei dava… (gesto de bronca)… então… e ela falou assim: vocês ficam sabendo que aquele ministro que tem bigode assim… assim… (gesticula na frente do rosto formando o desenho de um bigode)…perante a comida é kodomo, kodomo… igual criança… então vocês têm que saber cativar o marido pela comida!... (risos) RA: Pegar pelo estômago?... M: é… Pegar pelo estômago. Então você saiba… saiba fazer… cozinhar, né? Ela é…a gente dava risada, mas realmente… Sato-sensei não deixava desperdiçar nada… Então Akama-sensei no ensinamento, Sato-sensei no ensinamento… os dois, acho que ajudou muito a gente, né? Então, em casa quando vinha empregada, empregada jogava lixo, descascava daikon jogava… Não! Não… esse daí não é pra jogar!... Então toda vez ela falava Esse pode jogar, ou não pode jogar?! … (risos) RA: Ajuda na economia doméstica, né? M: É… na economia doméstica também… né? É porque eu comecei a vida de casal, sem nada, sem nada… nós começamos… quando começamos… na estaca zero! Se fosse jovem de agora, não tinha casado não… Não tinha casado…

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Porque ele tinha… ele tinha uma indústria né… essa indústria foi tocado com o irmão dele, mas o nome… tava no nome dele. Ele estudava aqui em São Paulo e irmão tocava a indústria lá no interior, né… e na maior… na época de maior dificuldade, veio geada no Paraná, o banco não emprestou dinheiro né, banco fechou e não emprestou dinheiro… E: É que teve crise… negócio de café… com a geada teve crise então o banco echou tudo. M: Aí a firma… foi pra fundo, né… E nessa época que tava a maior dificuldade, irmão que tocava a firma, com trinta e sete?... Trinta e sete anos morreu de câncer de estômago. Aí como é que fica? Nome tá dele! (aponta para o esposo), né… irmão morreu. Agora quem que tem que tocar? Ele tava com vinte e três anos! E: Vinte e cinco anos… M: Vinte e cinco anos… Aí é… ele precisou de largar, serviço de São Paulo e foi pro interior pra resolver. E tinha quase… firma, fábrica era grande… tinha bastante, quase cem funcionários, tinha funcionário… e cada funcionário tinha cinco, seis filhos… então tudo isso ia passar fome!... Então tinha que tocar… mas só dívida… um atrás do outro… e ele não conseguia fazer nada… no fim, ele negociou com um terreno em troca, mas ele entregou tudo pra… como é que é? Saikencho… como é que fala… saikencho… Financiador? Financiador não… E: Esse que tem empréstimo né… M: Tem preço… é… pessoa que tinha empréstimo maior pra firma… então eles ficaram com o terreno e ele saiu. Ele saiu sem nada, né… deixou emprego, tudo pra eles e saiu sem nada. Isso foi no cinquenta e cinco, né… Cinquenta e cinco. Então pra isso… porque eles têm família grande… Então ele pouco a pouco, foi tirando um irmão pra cá, outro pra cá… assim vai tirando um por um pra São Paulo, mandando pra São Paulo, cada um arrumar um emprego, né… e ele ficou sozinho… nissan tava lá né?... Ele e irmão mais… mais...segundo irmão, ficou lá no interior, isso foi no cinquenta e cinco… E: Então, nessa época, ela era ainda noiva, né? Ficou três anos noiva… (risos) M: Mas o… não tem dinheiro, não tem nada, então é… nós ficamos… eu ficava no Clementina, quarenta minutos no fundo do Birigüi, e ele morava no Mirandópolis, né… Aliança, aliança ele trouxe e deixou na casa da minha mãe! Aí minha mãe falou, aliança tá aqui, volta aqui que aliança tá aqui!... (risos) Três anos?... Três anos!... Turma fala que sou doida, né?... Se fosse agora, acho que ninguém casa, não… dá pontapé! (risos) Mas eu agradeço meus pais… meus pais falavam assim… a gente tem que ver a pessoa. Não vai casar com dinheiro. Então se pessoa for direito, esse negócio do aperto, do serviço… aí da coisa, né… é… isso acontece pra todo mundo. Então precisa ver, é… vendo a pessoa, né… Então tem muita gente que veio falar pros meus pais que… é… você tá jogando… porque de mulher eu sou única né… Tem três irmãos mas mulher, única… é você não vai deixar… única filhar jogar dentro do fogo, e tal, né… aí meus pais falou, minha filha não vai casar com dinheiro. Então meus pais falaram assim, olha, você vai no casamento, só que não pode pensar nada de luxo não!... Não tem nada de… você tem que batalhar! Então ficou assim… (risos) não tinha nada, mas… meus pais tavam firme, por isso que casamento não quebrou também. Aí, no cinqüenta e

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cinco, meus pais mudaram pra… do Birigüi mudou pra São Paulo no Itaim, aí eu dei aula até dezembro e eu vim pra cá (São Paulo), no mês de dezembro eu vim com a família pra cá. Aí ele ficou no Mirandópolis (aponta para o esposo) e ele veio pra cá. Aí meus pais já estavam cansados, porque antigamente quando ficava noivo, dentro de dois, três meses, casava… já casava… meus pais já estavam cansados de deixar noivado de muito tempo… Aí nesse cinqüenta e seis, no Ano Novo, meu pai foi cumprimentar os pais dele e os pais já combinaram, dia vinte e oito vamos fazer casamento!... (risos) Mas… ele tava no interior e eu tava sozinha pra cá! Pra marcar no cartório não podia marcar… pra marcar na igreja não podia marcar… eu não podia fazer nada sozinha! Aí meu pai falou assim, manda telegrama, manda sair Nobuo lá do interior, vim pra cá! Mas ele precisava fazer o resto… retoque do resto das dívidas tudo né… e ele ficou lá. Aí mandou telegrama dia vinte e oito pra marcar… marcou casamento, os pais marcou o casamento e dia quatorze que ele veio pra cá. Só tinha quatorze… duas semanas né… Aí eu fui no cartório, fala não!... sem noivo não dá pra marcar!... Tá bom. Aí foi na igreja… igreja era do Frei Bonifácio. Frei Bonifácio eu batizei, primeira comunhão, tudo. Então ele falou assim, eu conheço você, então eu posso fazer o casamento antes do cartório!... (risos) Faz o contrário, né?... Aí ele (o esposo), morava no Colégio São Francisco, então o padre Takeuchi conhecia muito bem. São Francisco lá do Ipiranga, né? Ele morava lá… colégio, né… Ele tava no interno do Colégio São Francisco, então conhecia tudo padre e tinha um padre que chamava Yochiura, atualmente acho que tá no Faculdade do… Faculdade da Sofia… lá do nihon, ele tá lá… não sei se tá vivo… não sei… aí eu fui lá no colégio sem ele… ele falou ah! Eu conheço Nobuo desde pequeno… pode casar hein! Então ele deu atestado e nós casamos no dia vinte e oito! Casamos no… aí o negócio do convite! Não tinha dinheiro nem pra fazer festa, né… aí obasan que ficou madrinha, aí doou tudo prato de coxinha pra gente… Mas meu pai falou assim, pessoa convida, não tem nem festa!... Naquela época, sem festa, ninguém fazia, né… Então como é que vamos fazer?! Aí no jornal Paulista tinha o conhecido, tal de Kono, era presidente do Jornal Paulista, ele falou assim, faz um convite, escreve o nome do padrinho, né, fala assim, tal, tal dia, fulano casou… faz esse tipo de cartão e manda pra pessoa, e convida só algumas pessoas… e ficou assim, fez-se o casamento, mas cadê o dinheiro pra fazer o bolo? Não tem! Aí Kikutyan falou que ia fazer pra mim. Aí Kikutyan fez… eu paguei só material (risos)… ovo e açúcar… Kikutyan fez o bolo pra mim, né… e nós casamos… então, colega do gakkou então eu convidei só Akama-sensei e Hayashi-sensei e depois Hayashi-sensei no filha, Kikutyan, colegas foi… acho que convidei só duas… e o resto só algumas parentes… dele, né… Nós casamos no dia vinte e oito de janeiro de cinqüenta e… N: Pior seu irmão, né? M: É! Meu irmão tinha vindo do interior, né… dezembro que tinha vindo pra cá,… morou no Itaim mas vinha na festa, mas ele não conseguiu achar a casa e foi embora! Aí depois do casamento, a gente não tinha dinheiro, então não ia nem pra lua-de-mel, nem nada… aí irmã dele falou: Vai! Nem que for até Santos!... Vai, vai, vai, vai… Aí, até onde que vamos? Aí quando estava no gakkou turma foi

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passeando no Itanhaém, falou que Itanhaém estava muito bom, então eu não conhecia, quando estava no gakkou, como eu era encarregada do gohan, então alunas viajavam, passeava, piquenique, essas coisas… eu nunca fui… Isso Akama-sensei depois falou assim: Puxa vida, devia ter pensado um pouco mais em você… mas eu nunca fui… turma foi no Rio, Santos…foi Itanhaém, tudo… mas eu nunca fui… nenhum lugar… mas a turma falava que Itanhaém tava tão bom, tão bom, que então eu falei, invés de ser Santos, eu vou Itanhaém e a gente foi sem conhecer nada, nada… andamos quase dois quilômetros, areião…(risos) N: Ah, mas você que falou… ela falou que conhecia tudo lá! M: Conhecia nada (risos)… falou que turma falou que Itanhaém é bom… então… vamos lá! No ponto final do ônibus, hotel não tinha lugar lá… então a gente precisava voltar, mas não tinha condução nenhuma…ele carregou a mala e eu… (risos) tirou o sapato e… andando descalço e… até no hotel…da cidade né? Aí ficamos, uma ou duas noites lá… foi assim, então nosso… casamento tudo… R: e shashin? M: Shashin?... Shashin é… sabe o que é que foi? Foi no fotógrafo Katayama-san, aí o fotógrafo falou assim: olha, depois do horário da igreja, não tem vaga. Aí nós tiramos fotografia… tudo ao contrário! Aí fomos pra igreja… Kikutyan que fez o cabelo… Kikutyan que enrolou bobs, depois que penteou… aí eu fui… primeiro eu fui no fotógrafo, depois foi na igreja, depois de duas semanas que nós casamos no cartório. Foi assim… então tudo contrário. Então fotografia também, só tem uma fotografia do casamento… depois veio aquele que vem tirar… sem, sem… convidar… tem gente que tira, né… só esse fotografia que ficou… o resto não tem nada… (risos) Só tem o que tirou no Katayama e o resto é… Katayama atualmente tá no Koi-no-sono, né… depois que faleceu a esposa… ele falou que não quer dar trabalho pro filho… ele tá lá… mas ele tá bem né? I: Há pouco tempo atrás ele ia lá na escola tirar foto… M: Ele sempre vinha tirar fotografia no gakkou também… mas depois que perdeu esposa, ele falou que dar trabalho pra filho… e Koi-no-sono também, não tem vaga… depois que fica de cadeira de rodas, não tem vaga… então Katayama falou que antes que fica isso eu vou lá… e ele tá lá. Então… minha vida é… isso… mas eu devo, sorte que tinha Akama-sensei e Sato-sensei… depois ajudou bastante foi a Aida-san, a esposa também… do banco América do Sul, né… cunhado do Tachibana-san… ajudou bastante… ficou um ano e meio hospedado na casa dela… comia, dormia… e foi assim… então, mas… é… gakkou enquanto estava no gakkou era muito divertido, porque eu fazia gohan com aquela panela grande, né? Cada vez, usava duas latas de vinte litros de carvão, carvão né… naquela época não tinha gás… então tinha um fogão grande… dois… um feijão, e outro, gohan… a gente, depois que acaba de comer gohan a gente pegava duas latas de carvão, jogava lá, né… e fazia gohan. Então a brasa… como não dá pra diminuir o fogo, enquanto o gohan tá fervendo, a gente precisa tirar a brasa. Pra tirar a brasa, aquele pá de pedreiro, que tinha um gancho bem comprido, então meu pé aqui… pelo… não ficava nada… todo dia queima… Então aqui tira a brasa e põe no lugar do feijão e da sopa, pra cozinha… (durante

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a narrativa, Mayumi gesticula, como se estivesse com os objetos à sua frente, cozinhando, tirando e colocando o carvão…) Nesse instante, cabe uma reflexão… a narrativa pede uma imagem, quando a depoente fala “aqui tira a brasa” por exemplo. Aqui onde? Só o uso da imagem pode revelar. Do seu lado, a imagem muitas vezes instiga o verbal, como por exemplo, quando Mayumi demonstra o tamanho da panela de “gohan”… o que será que ela conta com esse gestual? Dessa forma a transcrição da oralidade nesse instante congelado pelo registro imagético, dá voz à fotografia que pode, então, “contar” a sua história. Então foi assim… vai na sala de aula, todo mundo fala assim…ai! Você tem carvão no nariz… ou aqui… sempre tinha carvão em algum lugar, né… era assim. Depois quando tira gohan, no fundo, mais ou menos tem … dessa área né? No fundo da panela… então fica queimado… Então pessoa que lá interna… fica com fome à tarde, né? E fala assim…Oh… Mayumi-san… tem gohan…okogue… tem okogue? Então todo mundo vem comer… então na hora de descer pra lavar a panela, eu pegava um punhado de sal. Colocava dentro do… Quem quer oniguiri vem aqui… quem quer okogue vem aqui! Então tem muita gente que comeu okogue de mim… ainda encontra a gente e fala ah! Eu comi o… Saudade. Então essas coisas também foi muito é… gostoso também. E eu é… uma vez, cozinha tinha plantão, quem tinha plantão, uma vez por semana, tinha que acordar quatro, quatro e meia, pra receber padeiro, ferver leite, arrumar mesa… sozinho, né… tem que arrumar… aí… eu tava no plantão, mas tinha um gato, que enchia a paciência… entrava no … onde guardava arroz, né… então tinha dois cachorros, eu mandei cachorro correr atrás do gato. Aí, belo dia, cachorro matou o gato. Mas ele queria… queria acho que eu visse né… Eu tava acordando, atendendo padeiro, depois quando eu saí na porta, gato tava esticado assim na porta! E dois cachorros abanando assim… rabo assim… Então queria que eu… (risos) Porque eu mandei correr atrás do gato, né? Aí matou… Aí Kimura-sensei falou assim, quem fez? Quem mandou correr atrás do gato?, né… cachorro ficou contente que matou o gato. Essas coisas que… Kimura-sensei já dava aula lá? Kimura-sensei dava aula… Kimura-sensei dava aula e de manhã tinha a… como é que fala… taissô né? Então todo mundo precisava sair, fazer o taissô lá embaixo, perto daquela árvore… árvore Ibitinga… que tinha, né… Então ao redor… Kimura-sensei que era a chefona lá… do taissô… E depois tinha… esqueci de falar, quem era interno tinha no toban , plantão de cozinha... plantão de banheiro… né? Quintal, todo mundo varria. Bem… é… fica conversando… vamos tomar ochá , né?

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Informante: Mayumi Yoshioka Mizikami (MM) - 02

Pesquisadora: Regina Chiga Akama (RA)

Participantes: Nobuo Mizikami (N), Edson Akama (E)

Data: 27/09/2007

Horário: 14h

Local: Residência da entrevistada em São Paulo

Duração da entrevista: 85 minutos

Faleceu… acho que tá viva… ela, ela, acho que tá viva… esse não sei. Ela casou com ele… não sei… Vitório Oshiman… Kohei-sensei, Kumada-sensei, Sato-no-ojisan, Kimura-sensei… tá vivo, né? (…) Sato foi pra Guaraçaí, foi na comunidade que fala shinse. Já foi, no shinse?... Fui… eu fui lá (E.Akama) Então… Sato-no-ojisan foi lá… Esse daqui Kimura-sensei… esse daqui… acho que tá vivo sim. Esse daqui é Ikawa-sensei. Esse tá no Mairiporã. Ela faleceu, agora Sugiyama-san tá vivo. Ela também acho que tá bem, Narita-sensei, acho que tá vivo né?... Não ouvi que faleceu. (…) Agora obasan faleceu, Araki-san… esse daqui. acho que faleceu depois… acho que deu trabalho no Kohei-sensei, né?... filho… então aqui já faleceu… acho que metade tá falecido, viu?... Ai… Inomi –san… não, Terutyan… conheceu eu… eu trabalhava na cozinha, Tsutsumi-san conheceu eu por causa que eu confundi Sato-sensei com Hiromityan, filho do Araki-san, cozinheira. Porque eu ia sair do Jogaku, aula à tarde né, eu saía, logo eu precisava ir colocar carvão no… fogo no que cozinha gohan e tinha… não sei… acho que anatatati não deve lembrar… não viu né… era um assim… feito de cimento assim grande, tinha dois, e dentro tem um vazio pra colocar dois latas de carvão. Depois colocar brasa e a gente colocava panela grande, que nem ofurô grande né, e colocava lá, então lá, o arroz no balde, carregava e despejava lá e depois a gente colocava água. Então, quando eu terminava a aula, eu preciso correr pra colocar, pegar fogo, na manhã, não dá tempo, né… então eu terminava aula e eu já, primeira coisa, deixava o material pra colocar o avental e corria pra cozinha pra… obasan deixava em cima da pá, deixava brasa já pronto, né. Então eu coloco brasa, e… quando eu subi, Sato-sensei tava acendendo cigarro no… com brasa. Aí eu confundi com Hiromityan, foi detrás… Sato-sensei era bravo, ninguém chegava perto… aí eu peguei assim no ombro, falei “korakorakorakora…” Aí obasan falou nanni o … ela ficou brava né? Ficou brava e deu risada. Aí eu tinha… fiquei lá e até Sato-sensei ir embora… não saí. Todo mundo falou, aquela cozinheira, diz que corajoso, Sato sensei ni korakorakora te né? Foi ver quem que era, nessa hora, Teru-tyan disse que conheceu eu. Isso ela lembra… mas ela… (…) Ele era pequenininho mas era bravo… Uma vez tava treinando coral, acho que aquela música do Mendelson… aí o otte barito… disse que não cantava direito. Ele tirou o guarda pó e tacou no

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chão e foi embora. Todo mundo ficou… por isso que todo mundo tinha medo do Sato-sensei. (…) Handa-sensei era boa pessoa… e Yamamura-sensei também. Esse filho dele, estudou junto com ele… Getúlio Vargas… esse, Ishii. Ele deu aula de… essa época eu não estava no gakkou. Quando veio Furuhashi e o… aquele nadador… Furuhashi é que era famoso. Esse é no Vergueiro. Outro era… Hashizume, né?... Esse é… Vergueiro, mas onde tinha esse campo, a gente que… nós que fizemos… era terra. Então no barranco nós quebramos, fez o campo de tênis, quadra de tênis… e no lado tinha casa velha e aí que fazia ofurô. Ofurô, aquele ofurô grande, fazia com carvão, né? Só que… numa casinha assim que… não tinha forro, casinha. Tinha teto, mas não tinha… e no lado, tinha um abacateiro grande, sabe? Aí… diz que um dia, não sei quem que tava tomando banho e disse que tinha uma telha quebrado, diz que olhou assim, lavando assim, olhou pra telha, aí diz que viu dois olhos lá no, lá do quebrado. Um brasileiro tava espiando. Subiu no telhado, né… espiando. Aí, não sei quem que tacou água com bacia, aí… partir daí, até consertar telhado, o Komoda-ojisan ficou lá em cima tomando conta, pra ninguém subir, né? Komoda… aí, ele ficou resfriado, turma deu risada. Então nesse campo que foi tirado. Ano Vergueiro no gakkou,ne… Atrás… no lado. Fazia taissô… primeiro né, fazia taissô… então esse daqui, todo mundo carregou terra e fazia… Esse português do Toshinobu-sensei. Esse Akama-sensei… etiqueta, né… Então como… modo de comer… pessoa não do Jogakubu, quem estudava japonês… esse quem estudava corte costura… né… Akama-sensei ensinava como usar o garfo, como usar a faca, assim, né… Esse daqui, aula de português. Esse daqui já faleceu. Esse… ah… ela tem hotel na Curitiba. Ohara’s Hotel. Tem dois, Ohara Palace tem lá… perto da… Hara’s Palace Hotel, acho que. De esquina. Bem no centrão, onde tinha praça de frente. Agora tem outro… esse Ohara’s Hotel. Kadomoto. Kadomoto o ima wa Hara, sobrenome Hara. E esse daqui, esse daqui tá no Curitiba também. Ela virou aquele religiosa do… como é que fala, na Vila Mariana, onde tem o… budista do Ramen no Rorengekyo, Klabin… asoko no arengekyo. Tem igreja. Ela é prima do… prima do marido da Terutyan. Hirai-san dake do ne. Etooo… ima na dakedo. Como é que era o sobrenome dela, Hirai-san? Hirai-san no sobrenome…nandata… Hirai é antigo, agora é… Komatsu djanai… Komatsu é… Hirai-san…como é que é? Sobrenome dela? Mas esqueço…depois se lembrar eu falo… ela tem… ela tá como… fez o curso lá no Japão, ficou bonza mesmo… disse que está cabelo tudo raspado! Porque ficou… budista… não do Namibutsuda… é do namiohorengikyo… é… nitiren… nitirenshyo… do… separou do nitirenshyo. eu não sei como que fala. (…) Fica numa esquina assim… tem bastante coisa… ele sai de vez em quando no jornal, eles fazem bazar assim… doa pra vários entidades né? (…) e estudei junto… só que nessa aula, eu não estou porque trabalhava na cozinha… não deu pra pegar… ela é Shibuya-san… ainda tá… toda semana quase, eu falo com ela. Esse aqui casou com aquele agrônomo… Hiroshi Ikuta, do Mogi das Cruzes, famoso… Ikuta… casou com ela… Esse daqui chamava Negishi, mas a gente

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chamava de Neguinha… Ela faleceu já… tempo… agora esse aqui é o Hirai-san, Arai-san… esse daqui mora lá na Vila Mariana mesmo. Arai… marido é agrônomo e filho também é agrônomo. Arai mora lá no… perto do Afonso Celso… Descendo da Afonso Celso, aquela deshita tokoroni ela mora… Arai-san… Terutyan acho que conhece. E esse daqui tem… ah… nihon no gakkou… Nova Andradina… Mato Grosso. Nova Andradina… Fez o curso de professora, um ano depois de mim. Eu fiz no primeiro ano, depois, ano seguinte, ela foi. Ela… depois lecionou um tempo lá em Marília, depois casou e foi pra Nova Andradina. Porque marido dela é… como que chama… ah. fala… Sokurioshi… como é que fala? De Andradina… (Topografia?) É… aí ele está… Andradina… foi no Mato Grosso, trabalhar com… e lá foi, Nova Andradina. E o marido dela foi, e ela foi também. Essa… nome antigo é Akama. Ima wa é Shi… Shiroma djanai… Shirota! Shirota Miyoko!... Esse daqui é Aki Sereiko… ela deu aula de corte e costura também no gakkou um pouquinho… ela não deu, não deu muito tempo não… Esse daqui é uma inteligente… (Eu cresci vendo ela…). Estava trabalhando no nihon depois tinha voltado. Aí em noventa e cinco eu falei que ia pro nihon né… Eu falei pra Shibuya-san, “Vamos passear junto comigo?” Ela falou… “ah… vocês vão de casal… eu vou junto casal… fica chato!” Eu falei, “não somos casado novo! Vamos lá junto!”… né? Aí nós viajamos dois meses junto! Ela falou, olha, se não tivesse aquela viagem… E: O interessante foi a… ida… M: Ida? Ida… eu dava aula de nihongo, eu tava muito ocupada, por que pra sair pra viagem, eu precisava preparar muita coisa, ela telefonava, eu não estava, aí… não deu pra combinar, não é?... Aí ela falou, “então tal dia você vai?”, “Vou!”… “E como é que vai fazer o itinerário, né…” , “A gente combina dentro do avião…”, eu falei assim. “Mas dentro do avião é grande, não dá pra encontrar, não é?”… Mas no dia, choveu… nós saímos sete horas daqui… era meia noite, meia noite e pouco lá no Guarulhos, não é… Nós chegamos quase uma hora lá no Guarulhos… porque Rio Tietê tava inundado… tudo, tudo parado… Só que ela, pegou radial, ela foi… diz que no aeroporto procurou, procurou… disse que não achou, aí ela pegou, né?... Pegou o avião e foi… então se… ela chegou no Japão, se eu não tô, né… ela fica apavorada, né? Então eu mandei… ela tinha deixado o endereço lá do nihon né, aí eu mandei um fax pra lá, “eu atrasei mas dois dias depois eu vou!”. Aí deu quase cinqüenta pessoas que perdeu o avião. Aí nós não perdemos passagem, né… aí dia seguinte… vôo seguinte nós fomos. Aí atrasou dois dias… em noventa e cinco… é… e foi, depois encontrou lá no nihon, aí ela viajou comigo, né… então… só nós dois e ela… porque meu filho falou pra pai ir passear porque eu tinha ido uma vez, mas ele nunca tinha ido, então meu filho falou, “vai passear…”, e ele deu dinheiro, então nós fomos. Só que fomos na época… pior época. O dólar estava… nihon no okane estava muito caro. Às vezes era oitenta… um dólar era oitenta yenes, assim né… trocava dólar, chegava pouquinho só. E nós fomos, encontramos no Tokyo, Aí depois nós fomos viajar pra lado do sul, né… aí junta até… achou assim, Kumamoto assim… nós fomos junto. Passou Hiroshima… tudo, ela andou junto. Depois quando… eu tenho aluno no Hokkaido… no Sapporo né… tem três alunos que tá lá. Aí esse aluno falou pra

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vim, né. Aí Shibuya-san falou “ah… mas vai na casa de seu aluno… não, eu não quero incomodar…”… “Mas elas são nissei não tem importância… vamos lá!”… E ela falou que não ia, não ia… até um dia antes, né… Ela ficou falando que vai ou não vai… e depois ela foi. E ela gostou… Hokkaido… ela… minha aluna, deu dois dias de tudo carro à disposição e passeamos bastante… Esse daqui era horário do bordado. Ah… essa sensei ensinava bordado… Essa aula também eu… participei muito pouco. Essa aula, o português e o bandolim, eu participei muito pouco… quem trabalhava não dava tempo de fazer essas coisas… Essa aula do Suzuki sensei. Esse, Ito-san… Maria. Formou advogado, mas o… lá na Avenida Indianópolis, pegou a “racha”… Dois rapazes… ela tava no meio, pegou ela… matou na hora… Esse faz… quantos anos… cinco, seis anos… né… ela morreu. Aí eu fui, fui quase meia noite, tava chovendo, ela tava coberto… tava jogado na Avenida Indianópolis. Esse corte e costura da aula da Suzuki sensei… Então algumas pessoas eu lembro, mas… não lembro muita gente aqui… Tinham muitas máquinas… mas cada vez que uma pessoa costura, tem que tirar a linha, cada um tem seu material… tem que tirar, né… Agulha e tudo é do gakkou né, mas… (…) Esse daqui… Sugai no sensei… E: No Tokyo, nós fomos no Yoichi daigaku né? M: Ah! Nós fomos na faculdade do… Sofia, né, do… E: Um padre que é conhecido meu… era interno do Colégio São Francisco… e ele estava lá né… depois ele foi pra Roma, tinha um moço aqui do Hokkaido… kumon né… e já tá velho né… (risos)… ele andava com “ponto”… M: com garrafa térmica, ele andava… “esse café é igual do Brasil, não é igual do Japão!” Ele coava café e andava segurando… quando vem visita do Brasil, ele servia!... E lá encontrei com bispo de Aparecida. Rochaves. nani?... Roko syders… Lorscheiter (…) esse padre… nós encontramos lá no nihon. A gente sabia que ele estava lá, né… esse também… Esse não é da nossa turma… Esse Terutyan! Turma Terutyan… (…) Esse daqui é esposa do Nagao, lá do Mogi… Granja Nagao. Agora tá… fazendo negócio lá do centenário do Mogi, tava trabalhando junto com… Esse daqui morreu… Então, né, irmã dela, que morava interna, então falou pra conversar com irmã dela… esse morreu… outro nesan, né… Aí ela falou “eu tô gagá, já não pode…” (risos) Esse daqui… não sei onde que tá… M: Solteiro podia vir solteiro, mas a mulher não podia vir solteira, então precisava ser adotiva de alguma casa. R: Então conheceu seu pai aqui? M: Aqui… Pode ser que conhecia… porque no Japão estudou rikokai… Rikokai é uma associação que prepara imigrante, ensina português… assim então minha mãe já sabia “gato”, neko…”cachorro” , inu né… essas coisas… já veio sabendo, né… sabendo ler português também, né… lá acho que tem curso rápido desses de seis meses, então quem candidata, entra lá e estuda e depois vem pra cá, né. R: Em que ano que eles vieram pra cá?

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M: Ele veio no mil novecentos e vinte… não sei se vinte e sete ou vinte e oito. Meu pai veio depois… pode ser mesmo ano… um ou dois navios depois, meu pai veio. Minha mãe veio antes… acho que vinte e oito… eu acho. (…) R: Seus pais fizeram todo aquele trajeto? Foram para o interior… na agricultura… a senhora nasceu aqui? M: Nasceu aqui, mas lá na Aliança… aqui no Brasil mesmo. Aqui no Brasil. Ele também (o esposo), só que ele… registro está errado, então, está um ano mais velho… Porque casa dele, registro está tudo bagunçado! Registro da família dele e em casa não tem nenhum bagunçado. Porque a família dele, veio bastante gente, né… depois ficou sem registrar e quando acho que a prefeitura, prefeitura, né?... no cartório… Nobuo: É cartório. Veio tudo que estava lá registrou 1933, né… então até isso tava sem registro… quem nasceu… porque não tinha cartório lá, né.O cartório era Alto Pimenta. M: Alto Pimenta… Eu sou do cartório de Araçatuba, mas Aliança como tinha, nosso lugar tinha cooperativa, cooperativa ou assim, registro… tava tudo certinho. Não tem nome errado. Também difícil. Mas lá onde eles moravam… acho que não tinha cooperativa… Ka… Não sei… Não tinha né? (pergunta ao esposo) Acho que casa dele veio com bastante gente… família grande, né? Então e depois essa segunda mãe… é da primeira mãe… filho tinha… Porque meu sogro era viúvo, né… e minha sogra casou, foi no lugar da irmã… e ele foi marido da irmã mais velha e ela é irmã caçula, então casou com diferença de muita idade. É… minha sogra sofreu bastante… Por isso que tem, com irmã mais velha com minha sogra, diferença é muito pouca. Porque irmã mais velha que, acho que morreu no parto, aí depois a minha sogra… acho que com dezesseis anos assumiu… Tinha muito disso… Quando homem fica viúvo já era… assim antigamente. Minha sogra foi assim… Então minha sogra acho que tinha quinze ou dezesseis anos, já foi lugar que tem quatro, cinco filhos… então acho que… ela sempre fala… eu queria estudar mais… Aí ela teve mais. Tem… ao todo tem… treze irmãos. Da minha sogra, acho que tem oito! Antes tem… um ficou no nihon … eu fiquei com dó desse que ficou no Japão… sozinho…porque ele falou assim que se militar chamar… ele quer candidatar na marinha… mas se candidatar na marinha, pode ser que navio perde o rumo, chega no Brasil pra gente poder encontrar com meus pais… né?... disse que falava isso, né… Dá dó né? E ele morreu… Ele morreu… Quando eu fui no Japão, a mãe de criação, obatyan tava vivo… ela contou pra mim. Kawaisoo né?! (…) M: Aquele tracoma, antigamente era muito rigoroso, né? Tem um vizinho também que mulher tinha tracoma e o filho com a mulher ficou lá no nihon, depois de sete anos, ela veio pra cá. N: Aquele filme… M: Menina tinha tracoma. Meu neto, menino… tá lá no Japão, disse que gravou todinho… depois vai mandar pra mim.

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(referência à novela “Haru to Natsu”, gravada tanto no Japão quanto aqui no Brasil, utilizando as estruturas da Fazenda Tozan em Campinas, como acomodações dos imigrantes japoneses no Brasil. A novela conta a história de duas irmãs, Haru e Natsu, que, devido à imigração, são separadas, pois a onetyan – irmã mais velha – não podia viajar por motivo da presença de tracoma – doença ocular. Separadas por vários anos, somente se reencontram em idade avançada, com a vida e a família constituída, netos, etc. No decorrer da novela, vão sendo mostradas as trajetórias de vida seguidas por cada uma das irmãs, uma no Japão e a outra no Brasil.) M: Mas acho que tem muitos assim… casos… Tinha uma moça… eu não sei direito, mas, tinha minha mãe, quando a gente era pequeno, sempre contratava uma moça como… tomar conta de criança, tudo, né, e ela disse que era de uma família rica do Tokyo. Tinha comércio grande e Tokyo teve terremoto bem… e quebrou toda a loja e eles ficaram a zero… e parece que pai vendeu essa filha pra pessoa que vinha pra Brasil, né. E a gente chamava onetyan, onetyan… Quando mamãe passava muito apuro ela chamava… (...) M: Conheceu nihon? No Sendai? Akama-san falava muito no Sendai… Aí quando Akama-sensei voltou, falou Ah!... Sendai… (ouvir novamente…) Nós fomos geralmente cheio de estudante, nós fomos ver no… lá… Aquele homem que… ela tem… ah… esqueço o nome… datemasan… e só enxergava só um lado… tem estátua lá no…Sendai… depois foi ver a música que fez a música do Goka… Nós fomos. Aí eu fui, depois eu comprei um doce do Sendai. Doce dali… eu levei pra Akama-sensei…deki masu dayou… Aí ela ficou contente… Cidade de estudante né… tá cheio de estudante! Matsushima eu não fui… Eu fui Sendai… só fez turismo no centro e depois… Shibuya-san no tanka, ne… N: Dokoê… Sendai? M: Sendai. Não sei se foi Shibuya-san… are wa… Fukushima no tanka ne… Fukushima… acho que Shibuya-san foi também. Aí nós fomos, depois de Sendai… Fukushima… Hokkaido… Nagano… depois Akita, eu fui também. Akita no Tokyo, estação Shibuya, tem aquele cachorro do Hati. No Hati mare ta falou cidade o date. No Akita-ken. Akita-ni. Estado do Akita, né. E Hati nasceu na cidade que chama Oodate. E na estação, saindo da estação, estação tem uma cadela com filho e tá amamentando. Tem a estátua lá. Então mãe do Hati, essa cidade. Aquele cachorro que tá no Shibuya, né… Cachorro que morreu esperando o dono não sei quantos anos… E: Dez anos! M: Então tem um… pequeno assim, mais pra interior, tem um lugar que chama Komachi. Sokoni, tem a irmã de um professor lá no São Bernardo, mora lá… Então ela falou assim… ah! O onityan… iko, iko… Eu fui. Eu fui duas vezes na casa dele. Mas fizeram um banquete! Nossa! Gochisou não cabia naquela mesa, nihon no zen né? Gohan, sopa, ficou tudo assim, lá embaixo… a gente comeu

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sentado mas acho que nem um terço… tinha um monte de gochisou e nunca vi tanto gochisou … M: Aí ela levou. Primeira vez que eu fui, foi na represa Toada. Acho que só tinha quatro ou cinco pessoas, mas saiu aquele barco grande de passeio só pra nós. Fez uma volta na represa Toada, né!. Tava muito bonito, mas, segunda vez wa sangatsu shigati data, acho que foi abril, então toada… não tem graça… aí ela levou que firma?... Mistubishi, isso… lugar turismo, buraco onde escavou… escavou ouro e o bronze. Aquele Buda grande do Nara, disse que o bronze que foi tirado lá, né? Então dentro do buraco assim, ano… tem… como é que chama aquele negócio?... Aquele trem djanai ano senta… Carrinho… parece que tá pendurado, a gente senta e coloca o… (fone) no ouvido então conforme vai andando, vai andando… aí conta… aqui tinha isso, conta tudo… é muito bacana, né… então a gente vai… vai indo assim… tem lugar que andou com aquilo, depois andou a pé também, né? (primeiro nós andamos a pé) Depois soreni no te ashi te… arui te tokana no nanta imo zaru oro to takana no… fiscal na zembu… fiscal pra não levar… tem posto de fiscalização, tudo essas coisas… é. E: lá também tem… lugar que fica trabalhando com solda e… quando a gente passa lá, começa a movimentar… M: Então solda sai faísca… tem boneco, massa, quando chega gente, tchi, tchi, tchi… daquele sai faísca, parece que tá… boneco faz assim… então parece que… boneco tem tamanho do homem, parece que homem que tá trabalhando. Passou na frente do refeitório, onde tá servindo chá assim, com chaleira tá assim… outro tá sentado, um tá comendo… parece que todo mundo tá sentado lá… muito interessante, depois tinha um lugar que tinha pequeno cruz na frente do buraco, né… aí disse que esse daí é… aquele fugitivo da Nagasaki, Nagasaki… perseguição cristã, família fugiu, foi até Nakita, trabalhou na escavação a família, né… então soko no hairuma to… então colocou pequeno cruz, antes de entrar no buraco, família reunia, rezava e entrava. Então eles tem kokoni coloca um hano… bolsa assim amarrado na cintura, né… e no… quando antes de entrar, esse daí, bolsa, coloca o nanda… nomi wanata mo, nome nante yu… formão? E: Não é formão… este que o pedreiro usa… M: usa pra fazer o buraco na terra, né… então eles coloca aqui, trás tudo ferramenta. Quando chega no buraco, eles tiram a ferramenta e esse daí fica assim, ó!... Embaixo do oshiri… fica zabuton né… e sentado e coisa… falou que era com trinta centímetros quadrados né? Mais ou menos… é um lugar pequeno! Eles entram assim, cava e tira… buraco pequeno. Soko de dote… então tem essas coisas… Tokyo ni… doko kara Tokyo made iku… distância… é uma distância muito comprida esse buraco. Diz que tem bastante e… época que tirava bronze assim, diz que ao redor de onde tirava… (E: bronze não… cobre…) Cobre né… ao redor desse lugar, formou uma cidade e as meninas diz que eram muito ricas… tudo mundo vestia roupa bom… muito bom. Depois diz que acabou né… Ni tara soko ni tara… Eles vendem kinotya, kynotya wakani… coloca pouquinho assim… então fundo ni… fica um pouquinho de ouro assim… Kinotya… tinha… sonande… sokoni nós fomos, né… à noite tomar, fomos até lá, né… (…)

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M: Essa amiga aqui mora no São Bernardo, mas daqui a pouco diz que vai morar na Vila Mariana… metrô… metrô Vila Mariana ela vai mudar e essa amiga, como morou no Japão muito tempo e marido dela é químico, trabalhou numa firma italiano e ele falou que sessenta e cinco anos eu aposento, eu vou para toda a atividade… falou né… chegou no ano passado, acho que ficou… aposentou, agora eles… outra vez eles foram no… não sei se foi… aonde que foi? Viajou casal. Combina com amigo do Japão, aruko-kai… aruko-kai aquele aruko aruko… da no… andani… caminhada soronande shyou? Nihon ni… agora vai pra África. Dia oito elas vão encontrar… vai sair oito daqui, dia oito sai daqui, vai encontrar na África, vai pra África encontrar com a turma do Japão. E kono mai wa, não sei se Chile… acho que foi pra Chile… acho que foi né… então agora só, parou também com toda atividade, só… eles tem… muito rico né… então tá… tá assim… Bom! R: A senhora havia escolhido essas fotos aqui… gostaria que falasse um pouco sobre essa que escolheu… porque eu vi algumas delas até no Boletim Ayumi. E como a senhora havia escolhido essa foto, eu gostaria que a senhora falasse um pouco dela pra mim… M: Aqui foi quando Akama-sensei visitou… é… porque Birigüi tinha família dela Awase… né? Um fazendeiro que tinha fazenda de gado né, eles tinham acho que três pessoas estudando no gakkou. (Kawase?) Kawase… itiban chama Teiko, faleceu acho que ano passado lá no Jacareí, ela amputou perna e diabético-te… Kawase Teiko faleceu… Sore kara… ela é Mariko… Esse daqui Kawase Mariko, o segundo esse daqui. Tá aí… Teiko não está aí… E… agora esse daqui eu não conheço quem que é… não lembro quem era… agora esse… Maria Ito… Maria Ito é… e essa senhora eu não sei também quem que é não… Essa pessoa é Goto. É esposa do gerente Banco América do Sul, foi… Agora esse daqui, Mori-san. Esse daqui tinha escola de corte e costura lá no Birigüi. (…) É. Ela tinha escola de corte. Esse foi na casa dela, Mori-san, né… E, agora, essa esposa do Banco América do Sul era formado, mas eu não sei que época que se formou… e como é que ela chama, eu não sei… eu sei o nome só do marido, Goto, né… Agora esse daqui… não lembro… Depois eu e… essa daqui é… Nomakura Aiko. Bom… ela tinha escola de corte e costura também. Baixinha… gordinha… ela mora em Santos agora. Essa daqui era prima… Maria Ito era prima dela. Esse que morreu no desastre, né… (…) Pra falar a verdade, Birigüi, eu morei… era pra ficar seis anos, mas eu fiquei muito pouco tempo… depois eu mudei pra Birigüi fim do ano, e começo do ano, eu vim pra gakkou, né, cinquenta e um. No interior do Birigüi, quarenta quilômetros mais ou menos, tem um lugar que chama Clementina, né? Esse daqui é cidade do Birigüi. Da Clementina, essas pessoas é da Clementina. É onde eu dei aula, né? Clementina foi primeiro lugar que trabalhou… Aula era aqui… Pra mim foi só da aula de nihongo. Clementina, né? Clementina, agora, estrada é asfaltada, vai num instante… mas naquela época demorava duas horas e meia… porque caminho de terra, no meio do cafezal… vira pra cá, vira pra lá… cheio daquela poeira vermelho né… então eu não voltava… voltava só uma vez por semana… uma vez por mês… ou cada duas vezes por mês que eu voltava pra Birigüi, né?

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(foto birigüi) Essa reunião da Akama-sensei… visitou, acho que foi… visitou os formandos… eu não sei… ima-no escola tateru mae dataka… eu não lembro não, esse detalhe… ela foi visitar, só de visitar ou… tinha objetivo de construção… porque Akama-sensei andou muito pra pedir ajuda, donativo né?... da construção. Ela andou, foi pra Mato Grosso, foi pra Campo Grande… ahhh, andou muito!... agora, essa vez, eu não lembro pra que, que reuniu. Esse (da foto), todo mundo mora em Birigüi. Essa daqui mora no… eu dava aula no Clementina, e esse daqui é do, morava no Fazenda seguinte, Santópolis… Eu nunca foi até Santópolis, mas Santópolis depois, acho que saía pra Tupã. Entre mais ou menos, Araçatuba e o Tupã, mais ou menos no meio, ficava Clementina e o Santópolis. Agora outras pessoas, eu não sei quem que é… Ninguém ainda estava casada… essa daqui passou solteira né… Esse daqui casou com… é… Elas eram senseis? Acho que dava aula de corte e costura. Mori-san também dava aula de costura… e agora elas… não sei não. Esse que tá com criança, eu não sei quem que era. Não lembro quem era… Não lembro esse daqui… (…) Esse daqui Clementina… Esse aqui acho que morreu já… depois da reunião. Alunos. Alunos e tem alguns que não é aluno. Esse senhor não é aluno, esse é o alfaiate que eu trabalhei. Porque terminava três horas, eu terminava aula, né… porque quatro horas made atara… porque quem mora cinco quilômetros assim longe, fica escuro, então três horas precisava encerrar a aula. Então depois de três horas, eu ficava livre. Aí eu fui trabalhar nesse alfaiate até sete horas mais ou menos… era perto. Então eu trabalhei… primeiro fiz arremate, essas coisas, ajudando, né? E depois ele ensinou cortar… não ensinou paletó, não aprendi, mas calça, cortar no tecido, eu aprendi. Esse daqui tá morando no São Bernardo agora. E… o resto… esse também não foi aluno. Casado com meu aluno… né… agora o resto… o resto tuuuudooo… (…) Esse daqui trabalha numa agência de carro… é… daita… trabalha no Honda. Esse Mitchan-né… esse Mitchan desho?... Esse daqui, esposa não veio… né… é… então o resto, ah. Esse daqui também não foi… filha dele. Agora esse daqui, esse daqui mora perto do, perto do Pereira Barreto, veio só pra reunião! Yaiko Suzuki, agora não sei que nome que é. Ela depois deu aula de escola estadual, né, aposentou… ela veio só pra… então resto é tudo, tudo… Ela era muito brincalhão, então até hoje, casada com brasileiro, mas ela é muito brincalhão até hoje. Esse tá morando no Bauru. E… esse daqui que coordena sempre. Esse tá morando no Santo Amaro. Esse tá em Campinas… e… esse daqui, esse era o aluno mais de idade… e eu tinha vergonha de dar aula pra ele, que era grandão, moço, né… esse é… capitão. Capitão de salvamento da aeronáutica. Aposentou e a… assim tudo, o resto tudo, tudo aluno. Só tem três, quatro que não é aluno.

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Dousoukai

Informantes: Kazuko Baba (KB), Kikuko Ogasawara (KO), Aiko Fujita (A) e

Shigeru Fujita (S), Mine Uchida (M), Rutsuko Mochizuki (RM), Tyoko Hayasi

Shimano (Ty), Tomoe Suzuki (To)

Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R)

Data: 06 de outubro de 2007

Horário: 14h

Local: Residência de Mine Namatame Uchida

Duração da entrevista: 2 horas

Aiko Fujita Pais: Jokichi Tabata e Shinae Tabata Esposo: Shigeru Fujita Filhos: Satoro Fujita Neta: Eri Fujita Emi Fujita Kaoru Fujita Netas: Rumi Tamy A: Quem incentivou pra mim ir na Akama-sensei foi meu avô…pai do meu pai…interessante, né?... Ele que quis que eu fosse, não queria que eu estudasse português. Ele queria que eu fosse na Akama-sensei em São Paulo…não sei de onde que ele colheu essa idéia, mas ele queria que eu fosse. Então todos, eu e minha irmã... Somos 5 ou 6 anos na Akama-sensei. Estudamos lá… omoshiroi, né?... R: Em que ano que foi isso? A:45. R: 45, então ficou até 50?... A: 6 anos eu fiquei. R: Então 51. A turma que se formou em 51. Então era… em qual unidade que estava nessa época, na Vergueiro?... A: Eu entrei lá no Vergueiro, …(…) Kaikote…kaikote…aí eu passei… (…) E eu mudei para … porque eu estava na Vergueiro de cá, porque eu passei para lá e fiquei 6 anos. 26… A: dois mil e pouco, ne… R: 2625. que era grande…

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A: Agora estão demolindo… R: Sim…que é uma pena, é… A: fiquei seis anos lá, estudei…(…) A: Aí formei Jogaku-bu, né… formei o saiho (S: corte costura) profissional. Professora… corte e costura, curso profissional. Prestei exame. R: Habilitação? A: Hummm… R: Que bacana… A: Tudo certo… Tô continuando até hoje, tô costurando… houve uma época que eu lecionei um pouquinho na fazenda, né… tinha 6 moças mas foi por pouco...porque… a gente voltou pra São Paulo, e é isso aí… e hoje tô ajustando roupas para o pessoal… muito contente. Gosto do que eu tô fazendo…muito bom, acho que só na verdade, … porque tenho 78 já né…esqueço a minha idade, tô lá feliz… até hoje… Kazuko Baba, nasceu em São Paulo, Brasil Pais: Matazo Baba (Osaka, Japão) Rito Baba (Tokyo, Japão) Irmãos: Jorge Baba Eije Baba KB: EU… Como eu entrei na Akama-gakuin? É isso? É por aí que eu começo?... R: É a sua história…a senhora se apresenta… pra mim vai ser bom porque eu não conheço e eu vou estar conhecendo Kazuko-san… KB: A influência que eu tive pra entrar na escola (a Akama-gakuin) é a gente falava… Foi o seguinte, eu conheci através de uma, era parente, com quem eu morei na… lá em Pinheiros mesmo né, na época eu fazia ginásio e a outra já estava na Akama-gakuin… Furukawa, Furukawa… hoje Kawamata, Kinoko, né…e ela… ahhh... Aí que eu fiquei sabendo da existência do Akama-gakuin, né?... Depois que eu terminei o ginásio… eu gostava muito de estudar… mas meus pais não tinham condições de continuar pagando os estudos pra mim. Aí… é… pera aí… na época, eu acho que deu pra pagar o corte costura já na Akama-gakuin. Então eu fiz o curso de seis meses terminei… aí eu queria estudar… queria estudar…e aí eu tive conhecimento, nem sei como, do Akama-sensei e lá precisava de uma tesoureira. Então eu pensei, lá eu posso trabalhar, porque meu pai não deixava que eu trabalhasse fora, que…sabe aquele orgulho de japonês que filha não podia trabalhar fora, né? Era uma vergonha pra ele né? Bom… mas lá eu sabia que ele deixava, porque eu fiquei interna lá… R: Que ano que era isso? KB: Deixa eu ver…agora sim… quantos anos… Rutsuko: Depois de guerra, né? KB: Não, mais… aí depois eu entrei lá no… Rutsuko: Mil novecentos e quarenta e pouco… KB: aí então, logo no ano seguinte eu já comecei no Jogakuin, né?...Jogakubu. Então é… 49, 48, 47…46!... 1946, é!...Fiquei como tesoureira e meio que

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secretariando Akama-sensei também. Então eu tive muito contato com a sensei, é. Quando ela era internada, eu ia com ela lá no hospital. RM: ah!... então ficou interna… KB: Não… eu fiquei interna, trabalhando e estudando… Mas antes, também tinha sido como interna? KB: Não aí foi naquela casa onde eu morei… parente,né… depois que eu entrei como interna, até quando a gente se formou… seria até curso ginasial… todinho em japonês. Foi quando eu tive assim, um conhecimento total, não é…é porque ah… o curso era assim como o ginásio que teria geografia, história, enfim tudo que… assim um curso completo, né… e tinha aula de, seria moral e ética de Akama-sensei… como seria, Maria?... shushin…moral e cívica… é moral... shushin…que era da Akama-sensei, ah… e a mãe da Kikutyan foi nossa professora de arte culinária, foi com ela que aprendi o primeiro bolo que eu fiz, aprendi com ela…(risos)… Precisa ver se era bom… porque a Kazuko faz um bolo tão … R: e a Margarida então?... (kikutyan) KO: Zero à esquerda!... KB: até me lembro do nome do bolo…Shibakeki... Laranja…de laranja…sô… A minha professora de corte e costura foi uma senhora que já faleceu. Era Kanto-sensei… Hatiya-sensei… ela que foi minha professora de corte. R: (Hatiya-sensei) Ficou bastante tempo né? KB: Ficou bastante. Era exigente na costura… era a mais exigente. RM: Tako… Noriyoku… KB: elas eram da mesma época. Ali na Luís Góes… aí fiquei três anos, três anos lá trabalhando e tudo o que eu sou hoje, eu devo a Akama-sensei, sabe?... Em tudo, tudo, tudo… em coisa de etiqueta também… enfim… o meu modo de ser… eu acho que tem uma influência muito grande da Akama-sensei. R: Maneira de pensar… KB: TUDO. Foi assim um aprendizado muito grande, né?... Bonito, né… R: Aí depois, saindo de lá… KB: Aquela vontade sempre de estudar, sempre tive essa mania de querer estudar, aí entrei no curso técnico de contabilidade na Álvares Penteado, aí me formei no último ano e prestei concurso na Caixa Econômica Federal e comecei a trabalhar… cursando ainda o último ano e comecei a trabalhar lá na caixa Econômica Federal, onde trabalhei 31 anos e me aposentei… R: Já trabalhava e já tinha esse gosto pela contabilidade… a tesouraria… KB: isso… a tesouraria, é isso. E sempre gostei de números, né… então para mim, a escolha foi essa também. Obrigada… RM: Rutsuko, Rute. Rute… sou mais conhecida por Rute. É que o meu nome, ele é ajaponesado, porque é do Velho Testamento, Rute, né? Meu pai foi uma pessoa evangélica muito… de Rute… e ajaponesado…Rutsu…ko (ko é geralmente utilizado em terminações de nomes femininos). (…)

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RM: Existe também uma outra, filha de um pastor. (…) Então aos quatro anos e meio, vim para cá. Depois… acho que eu tinha uns doze anos vim pela segunda vez para São Paulo com a minha irmã e ali eu terminei o grupo escolar e depois a minha irmã achou que eu deveria cursar o Akama Jogakuin, porque a escola era já famosa, sabe? É… era conhecido por hannainogako, escola para futuras noivas… R: Já estava com essa fama? RM: Ah já!... A escola era famosa… KB: Conhecidíssima! RM: e esse Jogakubu, que era o curso ginasial, se chamava também Onnadaigako … KB: Ah é?!... Isso não sabia não… RB: No Japão existiu… não sei se na idade de Meiji, não sei, né, tinha uma escola Onnadaigako, né… S: Ah… antes, né… RM: Mas era assim… deveria ser totalmente diferente da nossa aqui. Só que, como, na colônia, era uma escola sui-generis , né… as meninas iam estudar, não é… essa parte que realmente era só para meninos, né… então diziam também que ali, o Jogakubu era Onnadaigako. Assim, no sentido também de gozação, não é? É. KB: Porque era o máximo!... RM: Ah!... era o máximo!... Para estudo de meninas, era o máximo! Nihongo, né. é!... então, e ali… Isso foi que ano? RM: Foi… olha… entrei, eu fiz um exame, entrei no segundo ano, 48. Porque 49 terminamos… KB: A ... Foi minha colega de turma… A: Ah…soooo… RM: uma espécie de monitora?... Preceptora?... RM: não, não, não… chefe da equipe. Líder. E nós terminamos o curso, depois eu voltei para casa. Voltei na agricultura, fiquei acho que uns dois anos. R: que cidade? RM: 48, 49… lá em Campinas. Na Fazenda Tozan. (Admiração geral: “ah… Tozan!…” - a fazenda Tozan é fortemente conhecida no meio da Colônia nipônica) RM: porque nós viemos diretamente do Japão e quando chegamos em Santos, havia um senhor chamado Sr. Nishimura que já tinha vindo da Tozan buscar a gente, a família. R: então veio, estudou e retornou para lá… na Tozan mesmo… RM: é… e meu pai trabalhou um pouco na lavoura, mas ele trabalhou mais em apicultura. E ali realmente o negócio desenvolveu-se e através da Cooperativa de Cotia, o meu pai exportava para o Japão , mel. Para aquele Mori… não tinha

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aquele Mori… (Kazuko: própolis…) nantoka… Mori…teyu doce nata deshyo, ame no…Mori… (S: Morinaga)… KO: Interessante… RM: então… que exportava pra lá… S: Morinaga to Meizi to… KO: Morinaga deshita. RM: e depois de um tempo, eu voltei e entrei na Marubene. Tem uma firma chamada Marubene, eu entrei lá porque eu sabia japonês, graças a Akama-gakuin… R: Marubene, lá também na região (campineira)? RM: Não… aqui na Boa Vista, São Paulo. Na Rua Boa Vista… S: Continua Marubene? KB: grande ainda… RM: Grande…e lá havia todos os departamentos, e ela começou a importar filmes e aí o primeiro filme, eles não encontraram alguém que traduzisse e eu já como tinha entrado na USP, né…falou: Você não quer começar a traduzir? … aí me deu o primeiro filme e falou acho que funciona e a partir daí eu comecei a traduzir os filmes…aí não parei mais de traduzir filmes, né… é eu fiquei acho que uns trinta anos, até os cinemas fecharem eu continuei traduzindo, né filmes… KO: Você fazia aquelas legendas?... RM: É… as legendas. R: Cursou japonês na USP, então? RM: Não, na USP era português. Só depois que eu terminei o curso de português que eu… porque o curso de japonês era incipiente… então entrei no curso de japonês e fiz o japonês também… mas no começo não era grande coisa não… o curso lá da USP… KO: no começo, né?... RM: é… não era grande coisa. Agora parece que está bom… mas no começo não era grande coisa não. Aí eu fiz o concurso na parte de português e me tornei funcionária pública, né… aí me aposentei. Continuo dando aula de português para japoneses. R: E de japonês pra brasileiros? Era bom… porque eu estava precisando… Ainda tá dando aula? RM: Tô… eu tenho aluno no Jornal Nikkey e tenho uma professora da Aliança que está estudando comigo. A: Bunkyo demo? RM: Não, ela vem em casa. Eu dou aulas particulares. (…) KB: Você ajudou na confecção do Dicionário… RM: Ah!... ajudei na confecção do Dicionário do japonês pro português, do padre Coelho e do português pro japonês, pela Aliança. Obrigada pela lembrança (agradece à Kazuko). (…)

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RM: Sou de Hokkaido. (…) Ty: então eu… entrei para Akama… vim com três anos , né… então… é foi um pouquinho antes da guerra… logo depois começou a guerra… era um dos últimos… é, eu cheguei em 38. 40 já começou guerra, né… então… assim, um pouco antes da guerra, aí vim com meus pais, meu pai veio… bom como era professor lá no Japão, ele veio pra fazenda mas ele não tinha experiência né de café… nós fomos pra Aliança, interior, é de Mirandópolis. Aí, a família que acolheu meu pai, né… mas ele não sabia fazer nada e aí, falava… Você melhor ser professor mesmo!... Daí continuou sendo… é trabalhou pouquinho na lavoura, né, um pouquinho, no café, no cafezal…mas como ele também, não tinha muita experiência assim da… já era professor lá no Japão, não é, então continuou sendo professor de nihongo lá no interior, na Aliança,né… por isso nós viemos para São Paulo porque lá era muito quente e minha avó não se dava com o clima né… vivia doente, então ele achou que ela ia morrer se ficasse no interior… veio para São Paulo, que era mais fresquinho e… (…) 38, 39, por aí…39 já estávamos por aqui em São Paulo, aí estudei no grupo escolar, como era na ocasião, depois eu … pouco antes da guerra terminar, meu pai tava dando aula na Akama-san. KB: Foi nosso professor!... Ty: Ele começou a dar aula na Akama-san. Terminei o primário, depois tava no ginásio… acho que segunda ou terceira série, se não me engano, aí meu pai: Ai, você tem que aprender japonês… A gente fazia japonês no interior né, no interior, tinha como obrigação fazer né, mas… ele falava, Ai precisa aprender japonês, senão vai ficar falando só português… que eu tava no ginásio, comecei falar só português, meus irmãos, tudo… aí falava: Não, vai lá na Akama-san…Aí eu fui também na Akama-san, né. Não ficava com interna, então… Ty: Não. Ia e voltava, que eu fazia o ginásio também, aí ia lá na escola da Akama-san estudar nihongo e mais nihongo, né… porque a parte de português eu não precisava muito… aí, mal ou bem. eu… me formei, né com a turma da Kikutyan!... R: Essa turma. né Uchida sensei… acho que essa turma… Ty: … não é grande coisa… KO: turma brava!... Ty: a gente era muito levada. né? Sensei vivia brava, além de que meu pai era também, ficava bravo, Sato sensei era outro professor, música, que iniciamos… vivia implicando comigo… danada, eu era muito levada, né… de quatorze, quinze anos… corte costura aprendi um pouquinho… alguma coisa… (risos) Minha mãe é que botava lá, né… “vai aprender corte e costura…” Mas eu era meio rebelde… não aprendi nada de corte e costura… nem… (risos) Então, aí… mas agora… pensando… foi bastante útil mesmo… o Akama-san… o pouco que eu aprendia né… (risos) ajudou bastante na minha formação também. Que depois que eu saí da Akama-san né… era uma das… mesmo entrando na faculdade depois… era uma das poucas que falava nihongo…então acho que só por “prensa” do pai não adiantava, né… Tinha que conviver… conviver com as pessoas né? A convivência

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com colegas, com amigas, aí que ajuda na formação né, de falar a língua, essas coisas… Sabe… era um por… era unido, né? Grupo, era unido e a gente fazia tudo junto, participava de músicas ou coral, ou então o bazar que tinha… sabe, tinha bazar uma vez por ano, a gente ajudava, tudo em grupo assim. Aquilo foi formando assim, é uma mentalidade assim de que tem que participar sempre das atividades da escola, equipe. Equipe também era muito importante. Então a gente fazia as coisas em equipe. Sabe, assim… é… viajar, também tinha viagem uma vez por ano pra… Rio, Poços de Caldas… a gente fazia sempre em grupo, então aquela mentalidade de fazer as coisas em grupo ajudou bastante na minha formação. Senão, a gente ia ficar individualista ou egoísta… talvez… mas como fiz essas atividades juntamente com outras amigas, colegas… a gente foi vendo como é convivência em grupo. E acho que ajudou… pra minha formação, foi ótima! Se eu não tivesse feito Akama-san acho que… essa hora eu não seria a mesma… então eu agradeço… quer dizer, no início, fui obrigada freqüentar, né… porque meu pai, como estava lá… mas depois… é… eu agradeço esse momento que entrei na Akama-san e que fiz aprendizagem ‘forçada’… (risos) (…) Tenho dois filhos. Um filho e uma filha. E aí eu incentivo eles também a fazer nihongo né… também, quando eles estavam no ginásio, eu incentivei muito a eles formarem… fazer nihongo né… tanto que o mais velho estudou jardim da infância lá no Akama-san… Depois né… é! Também ajudou porque mais tarde, ele quis, ele mesmo quis aprender nihongo, sabe? Meu filho… entrou no Bunka pra aprender nihongo. Quer dizer… (risos) não aprendeu muito, mas, pelo menos ele entrou, terminou lá né? No Bunka…e minha filha também. E mais tarde ela foi no… ela foi adiante, né?... (…) Até ganhou bolsa de estudo… estudou no Japão tudo, né… porque eu queria que fizesse nihongo né… RM: Deixa eu fazer uma parte aí… Bunka você quer dizer… Aliança-cultural, né? Ty: É! Aliança-cultural… RM: Porque Aliança é da Aliança… e o Bunka não tem nada a ver com Aliança… Uma parte da Aliança funciona dentro do Bunka… mas é Aliança-cultural. Ty: É que antigamente ficava na São Joaquim… RM: Continua… continua… tem na São Joaquim, tem na Vergueiro e tem em Pinheiros. Ty: É… eles fizeram curso assim, básico né… Não fizeram Akama-san nem… foram pra frente… mas fizeram básico lá na Aliança, né. Aí então acho que a gente passa isso pros filhos né? Como a gente aprendeu nihongo quer que os filhos também aprendam. (R: A senhora trabalhou fora também?) Eu trabalhei antes de casar, um pouquinho, né… dei aulas, essas coisas… mas depois que casei não dei mais. Até… agora pouco que estou dando aula de ikebana… outra coisa, né, mas… também ajudou bastante… (R: no internato tinha curso de ikebana também… na época, não é?) RM: Tinha!... Tinha sim… Tinha ikebana… A: Eu fiz seis anos… eu fiz seis anos de ikebana… KB: Seis anos? Nossa… lá no gakkou, é?... R: Então tem sempre uma ikebana… sempre monta? RM: às vezes… (risos)

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KB: Ás vezes… (risos) KO: Fujiwara-sensei? A: Fujiwara-sensei (reminiscências)… Kikuchi-sensei! (afirma) Todas: Ahhhh… RM: Kikuchi-sensei não era de… Kikuchi-sensei era de bordado. KB: Não… de bordado era homem… Utsumi-sensei era de bordado. KO: ah! Utsumi-sensei… KB: Utsumi-sensei era de bordado. Bordado japonês. R: Aquele de seda? Kazuko: Isso! R: Nossa! Tinha isso? KB: Nossa! Tinha tanta coisa… RM: Mas era mulher… Kikuchi-sensei… KO: Kikuchi-sensei era do… M: Maini ano Akama-san nekiteta… RM: Tinha uma senhora sim professora… Kikuchi-sensei KO: Nani… M: Nanemo uchiga…uchiga…vinte e dois anos datakara…ahhh… To: quantos anos tem, né? RM: Eu não aprendi com ela não… To: Gakkou ni chyoto dake… Ty: Ah… depois é Fujiwara-sensei né? To: Depois Fujiwara-sensei! É soka!... KO: eu aprendi com Fujiwara-sensei… mas… era só farra… não aprendi nada…

(risos)… e… como sempre… (risos) Ty: a gente só fazia farra mesmo. na Akama-san… R: essa turminha… (referia-me a turma da Kikuko e Tyoko-san, mesma sala) KO: …era brava! (…) RM: Diz que houve uma turma que fez greve… jogaku-bu… Regina: e… então deve ter sido a da… (referia-me novamente a Kikuko) (risos) KB: Tá com cara!... (risos) RM: acho que foi muito antes da gente… KO: Ah é? RM: antes… muito antes… KB: eu nunca soube… RM: Houve… não é turma do Naotyan? KB: Pode ser… KO e KB: Só pode ser… turma do Naotyan… KO: Turma brava… KB: Brava sim… RM: Mas não ouvi da Naotyan… ouvi de uma amiga da Naotyan. Ty: Puxa vida… era turma brava mesmo… RM: Eram “paraíbas”…

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(risos) KO: …naquele tempo… R: Bem… Uchida-sensei… agora vou precisar da tradutora oficial… (referência à Rutsuko) RM: Todo mundo ajuda… KB: especializada!... RM: ela também ajuda… (aponta para Kazuko) M: ano… vinte anos no ni ne… vinte e dois anos… (…) ano vinte e dois anos de São Paulo detekitano ne… yu koto wa osaigo narai oboetai to onaote kitandesu keredo shiranaide ano saicho ano São Francisco gakuin de ni Jyosei gakkou ga atan desu ne… demo ano… soko sotsugyo, forma shitandesu kedo ne… mo Akama-san ni ano… Tamandaré no gakkou ni, nanika, tomodati issho ni itta toki ni ne, mo Akama-san no, ano Nera-san gakkou no né, kirizu tadashii no sore desu sukani soko ni hairitaku natte muri shite mata Akama-san ni haitan desu. Osaiho naraou te né. Sore ga (…) Akama-san nine. Sorekara osewa ni natte zutto ima made naterun desu kedo ne. Yota no wa quatro ano ne. (Ela ficou 4 anos até casar.) Ano kasa-suru, kekkon suru no de yamemashita kara. Demo zutto mate Akama-san ni osewani natari Doo soo kai ni né. Mina san to issho ni suru you ni natte. Zutto mate, ima made, ano, Akama-san to ne. (E continua sempre em contato com a escola da Akama-sensei porque ela, até hoje, continua sendo a presidente da comissão do Doo soo kai. Nunca terminou o elo, né… com a escola, apesar de ter saído, nunca… sempre continuou o contato.) R: Qual o ano que entrou como aluna e permaneceu até quando como professora? RM: Nyugaku shita ano, nan nen ni nyugaku saretandesuka? M: nan nen deshitakara…conta shinai to kya, vinte e dois anos datanda ne… (Vinte e dois anos ela entrou como aluna…) Mil, novecentos e vinte e um. Todas: 1921 ela entrou com vinte e dois… Ty: então vinte e um mais vinte e dois... RM: sorede sotsugyo sarete kara sugu sensei ni zuuto … datan deshyou? Yon nen kan desu ne? KO: quarenta e três… yon nen kan desu ne… nan nen ka gakkou oitan desuka… nani gakkou ni ikimashita, yon nen to… saihou… M: Sotsugyou shite sore kara mata hatarakashite moratte ne, dakara… KO: gokei yonen kai imashita ne? M: Gokei ne? Soku sei kai ni haitte sotsugyou shite Kato sensei ni oshiete moratte. KB: Mas ela saiu em 47? RM: Mas eu estava estudando em 48, ela estava. KB: Estava… RM: Sensei arimashita 48. watashi wa… sensei danno nishi sensei… (…)

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KO: Ela era parte dos “móveis e utensílios” da escola… Ela ficou cinqüenta anos na escola… Ty: era patrimônio da escola. KO: “móveis e utensílios”… já tinha até etiqueta na perna! (risos) KB: 48, 49… ela estava lá né?… então eu me lembro disso… RM: eu saí… 48… 47, 46… KB: Yon dju ku, ne… RM: então 46 a 49… eu sei que eu estava lá, ela estava!... Kato-sensei… Kato-sensei era nova ne… KB: Kato-sensei… Ela foi nossa professora… Ela era a mais brava… nossa!... Kato-sensei… que depois se tornou Hatiya. Ty: Ah! Hatiya-san ne… KB: Ela era brava… nossa senhora… Ty: Eu aprendi um pouquinho o saihou com Uchida-sensei e ano Suzuki-sensei. Uchida-sensei ne utini então ne… narai, narai… uti no narai, narai, dekikanai kara… fui até na casa dela. Mokazu oshite ta ne sensei… Minha mãe é que me botou lá… bri… não aprendi nada… (risos) mas sensei fazia… sensei minashite kurete ne… eu ficava brincando com o gatinho dela. RM: e sua mãe não sabia, né? Ty: Minha mãe não sabia… ah jozo… To: Minna so nano… (…) Ty: Hontoyo! Verdade… Isso é verdade… falo agora é verdade. R: Tá registrando… (risos) Ty: Ih! Tá registrando, nossa senhora… (risos) Costura era uma negação! KO: O que você quer saber dela? (Tomoe) To: 1936 ni ne, tira diploma de corte e costura. Professora. Sore kara mo zutto gakkou no sensei! 39 ni yamete eu casei! 40 ni kazashite… 40 ni soni natte eu voltei São Paulo, sore kara mata… não tem filho… então até quanto… professora? Quantos anos? Quanto? To: 36 tira diploma, 39 yamete, casou. Rio … dois anos eu mora lá… guerra, eu voltei São Paulo então outra vez, professora! Até agora… viu? KO: nannen… nannen Saiho no sensei… nannen ka? To: nannen naru no. 36 to, 39 sore kara, mada 42 até KO: 42… nannen yameta no? To: Yameta no? Kore wo totekkara… KO: Ah… ela fez mastectomia. Itiagashira… dakara mo… 60 ano gurai… mo sensei shu teru deshou… Ty: 40 keredomo ne… 42 que ela… 95… 90. Mais de 50 anos ne… To: mais… sessenta anos gurai. Sessenta anos professora eu. Kore tottekara… mo minna yametya da desho… Kohei ga mo… titia mo yatenasai seito gamo bakari kitte assudero nakara… titia wa genki harai ne? (risos) Então eu… KO: o curso de corte e costura decaiu ne…

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Quando começaram as confecções, roupas feitas, boas, feitas pelos coreanos, pelas coreanas, decaiu o corte e costura… curso. Ty: aprender… ne… mas acho que… nessa época, ninguém acho que comprava pronto, ne… Tudo feito assim em costureira. Então é… uma coisa… KO: gakkou? To: Sabe… aluna, 5000, quase 6000 eu ensinei. Cinco mil… acho que seis mil. Aluna… Eu ensinei… tudo… (…) R: Aluno não teve… nenhum homem… Ty: Se fosse hoje, ia ter né… RM: Naquela época não tinha “costureiros” homens né? (risos) KO: Nããão! Não tinha… (risos) To: Babá san ta ga neru no te gakkou ni hora… de manhã ata desho… de manhã… KO: Eu nasci em São Paulo, fiz todo grupo, ginásio e quando eu fui na escola, no Akama, eu fui obrigada, porque minha tia me obrigou. Ty: Era da turma que era obrigada! Porque eu não tinha amiga nissei… só tinha amiga brasileira. Não tinha amiga nissei… então minha tia estava com medo que eu casasse com gaijin né. Então ela foi lá e me obrigou a entrar na escola. Mas eu aprendia japonês em casa, particular. Eu já sabia… falava japonês, tudo. Já sabia escrita e tudo… tanto é que quando eu fiz exame com Hayashi sensei, eu entrei no terceiro ano. Então eu só fiquei um ano no gakou, dos quais eu… vira e mexe estava em casa… (risos) Pegava meus livros e ia embora… ah… não gostei do… que ano que foi hein? Ty: 52… KO: É… Ty: nós terminamos em 52. KO: Só depois disso eu vi o valor da nissei, da amiga nissei. Só aí que eu me despertei pra amizade de nissei. Até lá eu só falava português, não gostava de nissei… eu aprendia japonês porque era obrigada em casa. Mas assim, convívio… convívio de nissei eu não tinha… professores nisseis, japoneses eu não tinha… e… matéria escolar de lá era completamente diferente. Nós tínhamos é… a gente fazia yuko, né… licor… a gente tinha, a gente … ia plantar daikon… KB: Beterraba com o pai dela! (apontam para Tyoko-san) Ty: Conservas e verduras… KO: verduras… tinhas essas coisas também, né? Professor de nutri… professor de nutrição em japonês, sabe? KB: Eram muitas matérias… R: Batyan91 fazia muito, não era? Essas conservas… KO: Minha mãe fazia… Ty: Em vidro né… porque pessoal tinha vindo do interior, da lavoura, então, precisava né, quando voltasse lá na terra, cada uma né… fazer assim… aproveitar

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Batyan – tia. No caso específico, trata-se de referência à mãe de Kikuko.

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verduras na época… ou frutas da estação, pra fazer conservas… sabe? Ainda existia isso naquela época. Não comprava tudo prontinho, né? RM: A economia da colônia era à base da agricultura, e nós tivemos curso de agricultura. Nós plantávamos beterraba… nossa turma, quer dizer, aprendeu a parte de conservas… mas foi muito interessante… KO: A gente fazia o missô… KB: o missô, né? KO: O missô, o shoyu, daikon… fazia tsukemono pra vender no bazar. Ty: Até tsukemono, quantidade grande pra vender no bazar… Rutsuko: Realmente as meninas eram educadas para serem donas de casa, líderes da colônia, que era à base da agricultura. Ty: essas que formavam aqui, geralmente voltavam pra terra e elas eram, se tornavam líderes né? Eram assim… eram mais estudadas, né… RM: Tanto é que eu digo que eram onnadaigako, né? Chegavam na sua terra, seriam o líder. Ty: É. Todas, todas elas ocupavam… RM: Havia a cooperativa também, né. Que era um centro onde reuniam as pessoas e faziam trocas de idéias ali, né. Experiências… Ty: Elas davam aulas… contavam… RM: Exatamente, eram todas líderes! Ty: Líderes da região. R: Tinha um lado bem formativo dela também… RM: Exatamente. R: Tem que saber de política, tem que saber… KO: Tudo! RM: tanto é que tínhamos muitas matérias… muitas matérias… Ty: Elas formavam aqui, voltava pra terra e geralmente elas eram líderes, né, porque Akama-san era assim, conceito, né, pelo menos eram de nível mais elevado… RM: Formavam na escola de Akama-sensei já era um cartão. KB: Era um cartão de visitas… RM: Cartão de visitas! Ty: Ô! Casamento então!... Ó, ihhh! KO: Se falar que passou por lá… Ty: Pretendentes não faltavam! Enchiam de pretendentes né, não era?! KO: Porque sabiam que eram de lá. RM: Tanto é que ficamos solteiras! Escolhemos… RM: A escola era conhecida no Brasil inteiro, na colônia. Ty: É. Era mesmo. Akama-san era. A gente tem orgulho né, de poder dizer isso... RM: Porque existia outra escola, o saiho go…Gohara sensei, não é? Mas acho que não tinha um curso, o curso de japonês, assim… acho que era só o corte e costura… era outro tipo. De corte e costura tinha bastante. Ty: Era outro tipo de escola… não existia isso. De nível… não existia ainda. Do nível médio… até acho que superior, né? Quase superior mesmo… nível… era mesmo assim, nível elevado mesmo.

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KO: Porque eu fiz jyuninomaki ne…Jyuninomaki depois fiz acima desse um, primeiro livro, segundo livro, por isso que quando eu entrei no gakou, eu já ia no terceiro… porque já tinha feito primeiro e segundo. RM: Tinha o kotoga ga ne? KO: É koto ga itinen, ninen, eu tinha feito em casa, particular. Mas era só… RM: Era o ginásio no jogaku , um e dois, né? KO: É. Então, por isso que quando eu entrei na escola eu entrei já no terceiro. Mas eu aprendia só japonês… Não… só japonês e geografia… história eu aprendia, com professor particular. Mas outras matérias pra mim era assim, um desbunde… e também uma farra! KB: A gente podia contar como que começou Dousoukai… R: Assunto do doo soo kai… Eu queria saber sobre o que significa né, doo soo kai… o Sr. Antonio deu uma explicação em termos de janela, dando idéia das pessoas que estavam na sala de aula, mas eu queria saber de vocês o que significa, quando foi criado, quem foi que idealizou… KB: idealizou foi Akama-sensei, né, não foi? ela convocou… foram muitas ex-alunas, não foram? R: Quando foi isso? KO: 1980. Eu me lembro muito bem, foi no dia do meu aniversário, a primeira, nossa primeira reunião e no mês seguinte, eu fui mastectomizada, então gravei muito essa época. Era meu, dia do meu aniversário a reunião… KO: Nossa… Então que dia que foi? KB: 15 de julho. KO: 15 de julho de 1984?... KB: 84, isso… KO: Ahhh… Shitigatsu… RM: Não era no Akama-sensei… no aniversário? KO: Depois é que virou no aniversário… R: Isso é na época da formação, não é? K: Depois que virou aniversário… No ano seguinte,… A formação foi em julho, (R: a primeira reunião, não é?) é, que aí que eu não sei como é que foi a indicação da Comissão… quem teria… não me lembro… KO: sensei… dousoukai ga dekkita no…doo yuu imi de dekitan desuka? Dare ga… (professora...a criação do dousoukai - qual a razão da criação do “doosookai”? Quem foi…) RM: Do yuu do doki dedekkittan desuka? (Qual foi a motivo da criação?) M: Are wa… ano… Akama-sensei ano…Sato Koichi sensei ga…shu ni natte are shite hokken n… shite moratta no ne. Sato Koichi sensei . Ano shito ga daitai … shito shirabete, yoi shite kudassatan no yo ne. Sorede renraku toka aiu koto yappari ano Sato Koichi sensei ga Nihon ni … gakkou ni irashitakara sore de iron na renraku wo shite moratandesuyo. Ishokenmei …sono tame ni ne. Moo nakunarareta kedo. (…)(Aquilo foi... Professora Akama… Professor Kochii Sato, idéia encabeçada e concretizada por iniciativa do Professor Koichi Sato. Foi por ele, feito o estudo e elaborado o texto básico. A coordenação ou coisas para isso

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o Professor Koichi Sato quando estava na escola no Japão... por isso deixamos a cargo dele a coordenação e outras providencias. para isso dedicou-se muito. Já falecido. (...) To: Dare? (Quem?) M: Sato Koichi sensei. (Professor Koichi Sato) KO: Sato sensei (Professor Sato) M: Ongaku wo yatte ita. (Dedicou a atividade musical.) RM:musica no sensei. (Professor de música.) M: Oboete inai sensei? (Não se lembra disso, professora?) KB:Moriyama-sensei no ato de...Moriyama-sensei no ato de... (Depois do Professor Maruyama...depois do Professor Maruyama) M:Sato Koichi-sensei. To: Sato sensei? RM:consaato ga arimashita yo ne, Sato-sensei to ne? (Houve “consaato” (Audição

de Discos) Com Professor Sato não é?)

M:Ano gojyunen shi mo, gojyu nen shi mo are... (Também na redação da obra de comemoração do cincoentenário, sim da redação da obra do cinqüentenário...) To:Minna Sato-sensei... Isso mesmo! (Isso mesmo...foi todo trabalho do Professor Sato!) RM:Sato-sensei que fazia isso. To:Ano sensei ga hotonto (...) nate yata no. Ano gojyunen mo ano sensei ga

hotonto ... (Quase pelo professor (...) foi feito. A obra do cinqüentenário também

quase tudo...)

KO: Minha tia que teve a idéia e o Sato-sensei ajudou a organizar… RM: coordenou… To: Sato-sensei é músico… R: I… Ficou muitos anos… KB: Nós tivemos aula com ele também… RM: … eu não tive… (meio em dúvida)… com Sato-sensei… eu não tive… Ele era nosso professor de música e…bandolim… RM: eu não tive… eu estudei com Mayumi-sensei… KB: a minha iniciação em música clássica foi com ele… por isso que meu ouvido ficou mais apurado… Ty: fomos apresentar novela, novela na rádio, era rádio… teatrinho, teatro!... R: não era radionovela? Ty: Radionovela! Que tinha naquela ocasião. R: Que pena que não tem isso gravado! Puxa… Ty: Puxa! Nossa… devia na rádio… gravar as coisas lá… KO: e tinha também teatro! Eram famosas as apresentações de teatro!... R: Que era o festival, não é?

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Ty: Uma vez por ano né? Que tinha apresentação dos trabalhos dos alunos… então tinha teatro, música, é… desfile de moda!... Desfile né, sensei? KB: Desfile de modas!... R: Todo mundo desfilou aqui? KB: Eu desfilei! Que tinha o meu vestido de formatura, né, da Álvares Penteado, foi feito pela aluna dela… namae-wa… dakedo… E eu desfilei com aquele vestido na formatura!... Que eu já estava fora da Akama-gakuin na época… Tyoko para Kikuko: Que você formou no Colegial naquela época… KO: Então!... Eu desfilei de Maiko-san!... Maiko-san… Veio nihon karakitatta no ne, wazawaza… ano Maiko-san né, né… de ano zembu, honto no Maiko-san no fuku wo kite (“Então!...” Eu desfilei de “Maiko-san!...” (aprendiz de gueisha) “Maiko-san!...” Veio do Japão… especialmente... Maiko-san... sim tudo, vesti com roupa de verdade de Maiko-san ) To: Hotonto watashi ga yattano, desfile. (Quase todo o desfile foi preparado por mim.) Ty: Desfile de moda tinha, nessa apresentação dos alunos, das alunas, no fim do ano sempre tinha, a gente fazia no teatro… R: Ah!... Tinha coral, não tinha? Ty: Desfile de moda, apresentação de coral, apresentação de teatrinhos, de teatros e… KO: Teatro era famoso! Aquele yuzuru ne, noossa! Ty: Yuzuru… era do Miao-san… KO: Nós fizemos o “mercador de Veneza”… Ty: É mesmo! KO: Eu fui advogada, quase me esfaquearam!... (risos) Ty: É… isso mesmo! RM: Mercador de Veneza é? KO: É! Eu fui coxa… aquela merca… aquela advogada e… a Negona que era o bandidão lá me esfaqueou lá no palco!... (risos) Ty: …é verdade!... e a gente fez aquele outro… de William Tell… RM: Da maçã? Na cabeça? Ty: É mesmo… Se continuasse, acho que ia gostar do teatro… (no sentido de atuar…) RM: Mas aí voltando ao doosookai, a partir de então é que em todos os anos…né… R: Tá… de 84 para frente, anualmente fazia… RM: e até hoje… KB: … e nessa primeira reunião é que houve a indicação da Comissão que até hoje… R: Sim… e além de vocês, quem mais… porque eu sei que vocês são da Comissão… KO: Somos… da “começão”… (risos) R:… e aí quem mais? Mayumi-san… KB: Hatiya-sensei estava… me parece que faleceu…quem mais… R: Mayumi-san também?

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KB: Mayumi-san também era, Naotyan também era… Naotyan era, … R: Dona Teruko? KB: Não… Terukotyan também! Teruko também era da Comissão, Naotyan, Não…como é que era mesmo o sobrenome dela? RM: Sugui… Uesugui… KB: Uesugui, Naoko Uesugui né? R: Naoko Uesugui… KB: Quem mais que tinha?... Alice Suguiama, né KO: Alice Sugiama… RM: Que trabalhou no Consulado… KB: É! Trabalhou no Consulado depois. É que infelizmente ela não pode deixar a mãe sozinha, senão teria pedido pra ela vir hoje… que ela também trabalhou depois de mim… depois de mim acho que ela ficou na tesouraria… foi, foi depois de mim que ficou na tesouraria da escola. R: E assim, essa Comissão ficava encarregada de reunir as outras ex-alunas? KB: Isso!... R: Que faziam contatos… porque eu sei que chegavam a ter umas reuniões enormes lá… com cem pessoas, às vezes até mais!... KO: Mais de cem!... KB: Aí é que começamos a visar o aniversário da Akama-sensei, não foi? Sempre nessa época do aniversário dela… dificilmente coincidia porque era de domingo a reunião… R: É… (olhando anotações) chegaram a ter mais de cem alunas… KO: Sempre a gente convidava alguém pra dançar, cantar, fazer palestra… KB: Akama-sensei … Sempre queria alguma coisa que fosse proveitosa na reunião… Não era só pra comer e bater papo, ela queria… R: Então sempre tinha… Kazuko: Sempre!... Sempre havia… R: Esse era um intuito então desses encontros… KB: Isso, isso. KO: Mas era pra encontrar também, às vezes vinha gente que… RM: Uma vez por ano, mais anos sem encontrar… Akama-sensei foi professora mesmo até o fim! Mesmo nessas reuniões ela procurava incluir alguma coisa que fosse de proveito para todas as pessoas… Nossa mas... Sensei realmente não existe… não existiu… KB: Como ela, nunca vai existir! Aquele idealismo dela né? Era uma coisa… RM: Até o fim… Mesmo… KO: Porque ela era muito à frente de todo mundo… R: É, realmente tenho lido muitas coisas que ela escrevia… e nossa! Ela escreveu isso em mil novecentos e… e vale pra hoje!... KB: Vale! RM: E eu ainda estava lendo ontem!... (mostra o livro de conferências de Michie Akama) Ela era uma ótima palestrista… e aqui (mostra o livro) todas as palestras dela estão aqui! Estão… KB: Estão aqui?!!... Ah é, Kouen no tabi… eu tenho…

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KO: Depois a biblioteca dela, tinha mais de dois mil livros lidos!... Isso é que era… KB: Puxa… KO: Né?! Akama no ban ni toshokai nisen ijyou arimashita, nisen ijyou satsu, hon, zembu yonda mondes. Watashi shitotsu shitotsu are ni shimashita, dakara zembu yondeimasu. (Não é?! Akama,…dez volumes, li todos. “Eu, um a um, separei, por isso li tudo.) M: Ano hon donatte shitano? (Como foi feito com aqueles livros?) KO: Ano Kifu shimashita. (Foi feita doação.) R: Mas os valores que ela trabalhava… porque eu tive acesso também àqueles boletins Ayumi… Kazuko: Ah! Sim… R: e esse Ayumi tem muitas referências dela e, por aí a gente percebe que a maneira que pensava era muito atual (muitas vezes…) Uma vida… RM: Que pena… (no sentido de perda da pessoa) KO: eu demorava pra ler… Ty: Começava a folhear, né… R: Como é que ficou… esses encontros hoje, como é que eles funcionam, eles continuam? KB Não… “O encontro” anual já não existe mais… Akama-sensei era que era o elo… quer dizer, sem ela nós também achamos que nós não íamos nos reunir também… mas ela pediu né? Lembra-se? Olha, mesmo depois que eu não esteja mais aqui… eu quero que vocês continuem essa reunião… né… e talvez por ela, quisesse fazer com todas as ex-alunas, mas, eu acho que sem Akama-sensei a turma não viria… né Kikutyan? RM Eu acho que não… sem ela não haveria a reunião… KO: Ela quando fez cem anos, veio uma aluna de Brasília!... R: Vieram quantas alunas pro Centenário? RM: Centenário tinha um monte!!!... KO: Veio do Rio, Brasília… veio gente de Brasília!... RM: Paraná… KB: Ah, mas eu chorei tanto, naquele dia… porque ela não estava presente… todo mundo… nesse dia… ela não tava… eu chorei… KO: Ela estava assim, muito irritada, sabe… R: Ela meio que percebeu… então eu acho que… KO: Muito irritada… RM: Mas ela foi… apareceu… KO: Foi!... Apareceu… KB: … Houve um momento que Kikutyan conseguiu!... KO: …mas ela estava muito irritada pra vesti-la, pentear… minna irashite ne. RM: Como ela percebia… KO: E depois queriam que entrasse de cadeira de rodas, trouxeram até uma rampa… falei assim: Não! Ela vai entrar de bengala! Deixei a cadeira de rodas… quando ela pegou a bengala, entrou!... KB: Ela foi!...

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R: Olha!... KO: Entrou… KO: Se ela entrasse de carrinho ela não iria… Não! Ela vai entrar de bengala! Porque eu sei… orgulhosa do jeito que ela é… ela pegou bengala… ano irai iraishitte minna ga irashiteiru no ni. Festa ga dekiruka shirato omote. Unto shimpai shitandesu, watashi. Soshite ano kurumaisu de porta made itte, kurumaisu de hairu tsumorideshitano. Sorede watashi, não jibun de iku you ni shimashoute sono tsuyuwo tsuitara mou tyanto shitanone. (Todas vieram, todas estavam presentes. Pensei se era possível realizar a festa. Fiquei muito preocupada. Fui até a porta com a cadeira de roda para entrar com cadeira de roda. Pois eu, não…) KO: Foi ótima a minha idéia! KB: Foi mesmo! Iluminada! KO: Depois ela sentou… mina né… KB: Todo mundo foi cumprimentar… KO: Né… saicho mo hyaku sai de minna ga soba ni yottara, byoukiga dato omote, yagateitandesuyou ne, kazoku ga. (Não é... reunindo todas, cem anos, e pensando na doença...) Né Kazuko-san? No começo não queriam que ficassem perto… KB: Não queriam é… KO: Eu falei, mas minna tooku kara kiteru kara não pode fazer isso ne? Tooku kara wazawaza irashiteirunoni, obatyan no te o ne toritakata desuyo, ne, tanjyoubide… (Eu falei, mas todas vem de longe, não pode fazer isso não é? Todas vem especialmente de longe, quer cumprimentar não é...aniversário...) Não pode fazer isso, né? Até Eu falei, Não! Vamos fazer, aí… Ty: Todo mundo deu abraço, né?! R: Foi…foi importante pra… KO: e ela assim, cumprimentou todo mundo numa boa… só que depois ela ficou com pneumonia… mas… tudo bem… Ty: Será que pegou de alguém… Sorekara tyotto haien ni narimashita kedo mo ne. … (Depois teve pneumonia não é…) KB: Cansou né… 16’10’’(neste ponto a conversa fica muito agitada, e só é possível entender algumas palavras entrecortadas, mas me deixam a impressão de estarem falando de suas participações pessoais (das depoentes) quanto aos preparativos de D. Michie Akama no dia do seu centenário, como por exemplo a confecção ou montagem do vestido por Tomoe Suzuki, entre outros).16’26’’ Ty: É ela ficava brava… mas… homenagem né… R: depois da cirurgia também, quando começava a dar bronca… falava assim: não, começou a dar bronca, tá ótimo! KB: Tá ótimo! R: Enquanto ela estava lá… (parada) a gente falava, não é a obatyan!... Quando começava a dar bronca, tá reagindo, é ela!... KB: Verdade!...

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KO: Normal dela era dar bengalada, mordida. Tá ótimasss! R: Quem que escolheu o nome de doosookai? RM: Significa em frente … R: Já tinha esse nome mesmo… Ty: No Japão era… doosookai “reunião da turma”, que estudou junto… só que na Akama-san não era só da turma, da mesma turma, era de várias turmas… R: O seo Antonio brincava que era o Madadayo da obatyan, do filme Madadayo, do Akira Kurosawa… Ty: É!!! Madadayo!... (algumas ex-alunas ficam tentando lembrar…) R: Precisa assistir… é uma reunião anual em torno do sensei e aí todos os ex-alunos se mobilizavam… se alguma coisa acontecia com o sensei eles paravam o que estavam fazendo, “o gatinho do sensei subiu na árvore”… todo mundo vai procurar… tá no escritório, tá no banco, todos os ex-alunos se mobilizam e vão procurar o gatinho do sensei que sumiu… e aí eles se reuniam e tinha um brinde, com a brincadeira do Madadayo, que no sentido de… RM: Tinha um jogo… moi kai Madadayo!... R: Ainda é cedo… KO: Ainda é… R: No caso dela, era bem isso, né… que a gente falava… Informalmente falava, quando é que é o Madadayo da obatyan, que sabia que ia ter todo o doosookai reunido aqui (referência à sede própria da escola que fica próxima à residência da entrevista)… Por isso que estava perguntando, que isso tinha essa conotação mesmo do Japão… KB: É sim… RM: O japonês leva muito a sério essa turma doosookai… Ty: que se reúne uma vez por ano, quase… RM: Desde o primário tem!... né? Shogakusei kara arimasuyo ne, doosookai te yuu no wa…até no primário né, tem. (Dousoukai tem desde o primário não é…) Desde o primário tem!... não é? Mesmo depois de cinquenta anos. KB: Nossa turma se reúne ainda, todos os anos… Ty: Ainda reúne é? ah! Que bom… KB: As seis… somos seis! Mas todos os anos a gente se reúne num almoço em restaurante… todos os anos nós fazemos… Ty:É gostoso né… KO: Vocês são em quantas? KB: Hoje seis. RM: A reunião geral e a da turma da gente!... KB: Isso é por nossa conta, né… RM: Mas isso tudo por causa da… da escola Akama jyogakuin! KB: É! Verdade… R: Vocês gostariam de deixar alguma mensagem, alguma coisa… KO: Anooo… sensei… M:...Jyosei gakuin, ne?. Sore wa, ano burajiru de wo itiban, yumeinagako to natta wake desuyo ne, sorede sono rippa na gakkou no sono Akama Gakuin te namae

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wo ii kyuu ni nokoshiteikitai sorede nenashitara, jya doosookai wo tsukurou, ne sorewa, ima nakurareta, ano Sato Koichi sensei mo hokenito natte ano doosookaiga dekitawake nandesu. Dakara ma, imawa mo nezumo sukunakunarimashita kedo, senden wa moo gakkouwa ne, moo seitode moo kushikusha mo eireru bashoo ga nai gurai deshitano. De kotowate ne, ano Campo Grande atarikara meiru shito ga moo takusan irashite doko demo ii kara, tomesashite kudasai. Ano koro wa senden ano Akama gakuin mo are deshita, “deanseide erishita(?)” ne, sorede shyusen ni natte, sensou, guerra ga sunde desu , ano segunda guerra ga sunde, nenasan no kangae ga kawatte kita, ne, itiyou nihon ni kaeru, te yuu, areyori mo, dakara burajiru de yappari shyoushite ikanakya ikenai te yuu kangae momotoni yahari ano osaihoo dake dewa ma korekara derukoto(?) minna kangaeru natta wake desuyo ne. Sorede ryosai ga dandan ma shita ni narimashitayo ne. Dakara, sorewa jidai totomo ni soo natandarou to omoimasu. Demo ano Akama gakuin te yuu no wa ano yobusai sono mono wa ma nakunarimashita kedo, Pioneiro toshite ne, Akama gakuin toshite, nokote itte honto ni, Akama-sensei mou hontouni ureshii koto da to omotte imasu. Sore wa minasan, watashiga yuu mademo nai desukedo ne, desukara watashi mo sono ikuraga demo ano Akama-sensei wo shita ano kugatsu te yuu tsuki wa Akama-sensei no tanjyou no suki nandesuyo ne. Sore de sono tsukini itinen nikai doosookai mo kanete atsumaru koto ni natterundesuyo ne. Mae wa seidai ga dekimashita kedo, dandan taiin mo nakunate, sukunakunarimashite ne jidai totomoni ma maikukureta(?) koishite minasan ano soo yuu kimoti ga aru shitotati ni atsumate itadaite zuuto itinen nikai dousoukai te “motsudake torimasu(?)”.Dakara Akama-sensei no kokoro zashi wo wasureru koto naku ne, tsuzukete iku te mon date omoteorimasu. Sore de minasan itinen nikai ano iron na hanashi mo shitari, Akama-sensei wo “shiandari (?)” shite, atsumari koto wo yatte orimasu. (…Isto é, tornou-se escola famosa no Brasil. Preservar o nome Akama Gakuin para sempre, deixar para eternidade… então criaremos o doossokai. Encabeçado pelo professor Koichi Sato foi criado o doossokai. Hoje, diminuiu o número de alunas. Porém, naquela época, como o nome da escola era conhecido, para o internato estava cheio, e, não havendo vagas, tinha que recusar, vinha muita gente de Campo Grande para conhecer e pedir para poder ficar em qualquer canto. A fama, naquela época, da Escola Akama era grande, e, quando terminou a guerra, terminou a 2ª guerra, todos tiveram que mudar de idéia e, ao invés da volta para o Japão, no Brasil, o pensamento de que era preciso estudar, não bastava aprender somente corte e costura… todos pensaram assim não é. Por isso a aprendizagem de corte e costura ficou no plano mais baixo, penso que foi provocado pela mudança de época. Porém a Escola Akama, apesar de não existir como escola de corte e costura, permaneceu como Pioneiro. Penso que a professora Akama deve ter ficado satisfeita. Este fato nem é preciso eu dizer. Por isso eu gostaria… mês de setembro é mês do aniversário da professora Akama, não é? Estabelecemos a reunião do doossookai duas vezes, anualmente. Antes comemorávamos majestosamente, porém, com diminuição de associadas, em decorrência do passar do tempo, reunimos somente entre pessoas de sentimento comum, reunimos por duas vezes ao ano para realizarmos o doossookai, para

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não esquecer o ideal da professora Akama, damos continuidade, penso assim. Portanto, reunimos duas vezes ao ano para conversamos para lembrar da professora Akama.) KO: Você quer tradução? Ty:Ela tá falando pra não esquecer o espírito dela…Que nós temos que continuar nos reunindo pra poder assim, sempre estar… com o objetivo que ela tinha e que nos ensinou… pra não esmorecer… perder. R: Manter vivo né? Acho que essa é uma maneira… Ty: Então ela quer que continue existindo essa reunião uma vez por ano no doosookai, (com certeza…) Isso que sensei está falando… não esquecer o espírito da Akama-sensei né, que nos transmitiu que continue pras futuras gerações… quer dizer, agora como escola Pioneira… escola… alunos da escola Pioneira… não existe mais assim, corte e costura, mas, não era só corte e costura né? Jogakubu que fez sucesso também… KO: Como ela disse antes… corte e costura é que era o boom da coisa, mas após guerra, só isso não era suficiente, aí veio Jogaku bu essas coisas… KB: Quando será que começou… RM: Acho que era antes… KO: Antes da guerra, porque durante a guerra, enterrou livros… eu me lembro, enterrou livros e o pessoal… R: Não podia aprender a escrever… mas podia bordar… então escondia os livros… KO: Os livros! É isso… estudava escondido… eu me lembro!... R: Escondia pra pegar os bordados… KO: É! Eu me lembro dessa época… porque eu estava sempre na escola né? Fazendo arte… (risos…) R: Está costurando então tudo bem… agora se estivesse lendo ou aprendendo japonês alguma coisa acho que era visto como subversivo, né?... Uma língua que “não pode”… KO: Lógico… inimigo né do eixo!... Ty: Verdade… mas... KO: Bom você...

Participação especial de Shigeru Fujita (esposo de Aiko Fujita)

S: Eu, quando cheguei aqui no Brasil, tinha 25 anos,né...é... já tá na época de procurar noiva né...é mas demorei alguns anos porque não tinha nada aqui no Brasil e...e...esse passado de tempo eu tive uma idéia...para nós japoneses, aquela época tinha chamado Japão Novo, né... Japão novo...isso significa, ahhh...não dá para falar direitinho em português e...básica da educação do Japão tinha, mas aqui no Brasil, não é...pessoa culta, completa, por causa de português fraco, hummm....então, é...colegas de trabalho, etc. sempre falava para nós, esposa tem que ser japonesa ou nissei, né... qual é melhor? Etc., etc...Então surgiu uma idéia né?...é... para nós japoneses, esposa, se fosse nissei tem que ser formada de Akama gakou... quando é formada de Akama gakkou, fala

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direitinho japonês, e às vezes lê, escreve também, né... mais ou menos igual a japonesa...é uma ideal né?... esposa ideal... pra nós Japão novos, né... é... e trabalhei... trabalhei é cinco, seis anos em São Paulo...depois tive transferência e eu fui trabalhar em Londrina... aí uma pessoa apresentou essa... (aponta a esposa Aiko, sorridente.) É... a idade aquela época, quase oldo miss, já... Porque já passou 30 e eu também 30, mas é... quando vim para aqui foi citado Akama gakkou... acho melhor pegar essa moça... (risos) A: até hoje está aguentando...(risos)... R. é mas aí, não é “está aguentando”... aí correspondeu... S: Sim!!!... e ela 'tava pensando que marido tem que ser de Tokyo. Porque pessoa de Tokyo fala nihongo...é...nande... standado... ééé... R: Polido?... S. Não, não... é, olha... nihongo.... R. Porque no Japão tem muito dialeto... é isso?... S: Mas cada região tem sotaque... mas de Tokyo... R: É como falar do sotaque de São Paulo, por exemplo?... S: Isso!....é,é... e, nos livros aparece mais ou menos, conversação de pessoa de Tokyo...livros, é...é standado, né... em inglês.... ela pensava assim... e eu pensava assim... (gestual indicando um – ela, e outro – ele)...aí... deu certo né, deu certo... R: Ela queria de Tokyo ainda!... exigente... S: e EU SOU DE TOKYO!... R: Nasceu em Tokyo... A: Tinha muito pretendente...E eu... (gestual indicando escolha, separação... com a mão direita espalmada para fora, fazendo movimentos de exclusão...) R: Exigente... A: Eu era... e tinha só seis anos no Brasil... R: Então foi ela que escolheu... S: Coincidiu, né... coincidiu idéia... A: Casamento a gente tem que pensar muito bem... é pra vida toda... R: A gente pensa nisso como pra vida toda... A: tem gente que casa e separa...por quê?... R: Vocês tem quantos filhos? A: Três... USPIANOS... Ah é?!... Os 3 na USP... Algum casado já?.... Alguém já casou?... S: Todos. A: os 3 casados, só tem 3 netos... uma não tem, a menina né... o primeiro filho tem uma só e o segundo filho tem duas filhas, então três netas... uma belezinha... R: E eles escolheram bem? Vocês ensinaram a escolher também?... A:... Todos... porque não escolheram gaijin92... não que eu queira... R: ... é que é diferente um pouco?... A: É diferente!!!... não pode ficar convivendo no meio... gaijin, você não acha...

92 Gaijin – não-descendentes, os brasileiros. Trata-se de uma indicação lingüística do outro, do que não pertence ao grupo.

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R: acho que assim... a convivência seja talvez um pouco diferente... A: a gente tem que pensar... ah... tem que falar em português... não tem disso, graças a Deus!... entendeu?... Todos eles formados, felizes... minha parte eu fiz... Eles estudaram aqui?... A: não... mas nihongo eles falam muito correto porque eu sou muito exigente... Tudo fala japonês…. Minha filha mais do que eu, porque ela mora no Japão… tá melhor do que eu… nihongo… lá em casa, os meus filhos, os meus netos só falam em nihongo, eu exijo. Fora… Saiu fora da porta… Então lá em casa, a gente só fala em nihongo… eu queria assim… eu acho tão bonito meus filhos tudo falando em nihongo comigo, né?.. quando precisa já fala em nihongo. Quando a minha filha, quando foi para, como é que é… (….) S: Bolsa de estudo… A: Hummm… Tudo admirou, porque um sansei falando em nihongo… porque eu insistia lá em casa. R: Ela foi estudar lá? A: huhum… depois casou lá, né…

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Informante: Tyoko (Hayasi) Shimano (T) Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R) Data: 07/11/2007 Horário: 14h Local: Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama Duração da entrevista: 2 horas Nascida em Yamagata (próximo a Miyagui), imigrou ao Brasil ao 03 anos de idade, 1938 Pais: Sigeo Hayasi Takeyo Hayasi Esposo: Toshiya Shimano Filhos: Cícero Kazutoshi Shimano & Cynthia Kuramochi Shimano Netos: Júlia Shimano

Sofia Shimano Clara Shimano

Alina Shimano Ele trabalhava em Cotia. Cooperativa agrícola de Cotia, porque meu marido é agrônomo… não é agrônomo, ele é Zootecnia, zootecnista no Japão. Tem especialidade. Aqui se forma agronomia, dentro da agronomia, separa assim, Engenheiro Agrônomo e zootecnia… No Japão, já desde o início, são cursos separados, agronomia e por exemplo, zootecnia é área de veterinária, então como meu marido era zootecnista, na parte de criação de animais domésticos, gado, vaca leiteira, suínos…então ele trabalhou na Cooperativa de Cotia. Aí ele foi ajudar… naquela época a gente estava fazendo uma pesquisa pra cinqüentenário da imigração japonesa. Na época… isso no ano de 1958, que meu marido chegou em 58 e foi assim, ajudar um amigo que trabalhava na mesma seção que eu… um dia que ele ficou doente, ele foi ajudar, assim por ajudar… fazer… que a gente fazia pesquisa, então tinha que formular perguntas, essas coisas… então foi ajudar e foi aí que conheceu… estava trabalhando justamente nessa pesquisa. Essa pesquisa tem todos , dados… tem dados num livro do cinquentenário da imigração japonesa. Quem fez essa pesquisa foi Dr. Suzuki, aquele fundador da escola japonesa lá da USP. Instituto da Cultura Japonesa, né… línguas orientais. Então esse meu chefe, era ele que formou aquele curso… então depois do cinqüentenário da imigração que ele fez isso… criou aquela escola… aquele instituto pra línguas orientais… esse Dr. Suzuki era advogado e era formado também na Sociologia, em Ciências Sociais. Eu como justamente na ocasião fazia Ciências Sociais, ele pediu pra trabalhar com ele e estava trabalhando, fazendo um levantamento da colônia japonesa… qual a população, nissei, sansei, yonsei… um dia… a gente empregava na comissão, empregava muita gente que veio do Japão pra poder… é que ainda naquela ocasião, a língua dos mais velhos, era

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japonês, né… não é como agora que já o pessoal de mais idade entende português, né… então tinha que… todo o formulário tinha que ser feito em nihongo pra poder pesquisar assim… levantamento… Então os japoneses procuravam, vinham procurar trabalho lá na comissão. Inclusive esse que trabalhava, que era amigo do meu marido, trabalhando ali… um dia precisou faltar, aí ele veio ajudar no lugar dele. Falou assim… como a gente tinha que tabular dados, respostas que vinham assim… a gente tinha que tabular tudo, naquele tempo a mão… não tinha computador… tinha que ler e tabular resposta: sim… então quantos sim tem, quantos “não” tem… quantos… tudo tinha que tabular… Tem livro. Estatística, mais estatística, mas tem. Conheci, meu amigo apresentou, ficamos amigos, aí ele estava querendo… falava muito pouco português… aí saiu da cooperativa de Cotia, né, que ele não via muito futuro lá na Cooperativa… não pra ele, que já tinha grande sonho de ser aquele criador de gado… ele acho que sonhava sabe, esse “cowboy”, queria ser “cowboy”, andar montando num cavalo e tocando gado… o sonho dele era… (risos) então por isso que veio. Lá não dá, não é? Aí ele veio com aquele sonho e viu que lá na Cooperativa… Cotia era muito pequeno assim… saiu e foi procurar emprego, né… outros lugares. Daí, como a gente tinha casado, logo em seguida, também era um absurdo… que mau emprego ele tinha, e a gente estava casando, né… Aí ele foi procurar emprego na indústria farmacêutica, acho que Squib… antigamente tinha uma indústria farmacêutica chamada Squib… ainda existe? Acho que não tem mais divisão veterinária mais… acho que a parte de veterinária nem existe mais, meu marido estava falando… Ele estava na parte veterinária, zootecnia, não parte humana, produtos veterinários, não produtos humanos, remédios humanos… era mais pra gados, assim, criação. Aí ele foi trabalhar nessa divisão, que não precisava falar muito português, então entendendo assim, japonês e um pouco de inglês, dava pra… então ele trabalhou e… até ele se tornar independente. Depois de cinco, seis anos, ele saiu de lá também e quis montar uma firma pequena de veterinária. Queria fazer rações pra gado, pra suínos, avi… mais pra avicultura. E até hoje, então está com essa firma. Não foi tocar gado… não dele… tocava o dos outros!... (risos) É de produtos veterinários mesmo… vacinas… faz também ração… quer dizer, complemento pra ração, né, não ração em si mas complemento, vitaminas… A gente tinha mais facilidade por causa da língua, senão era difícil poder… comunicação… A gente se deu bem acho que por causa da facilidade da língua. Aí nós nos conhecemos e depois de dois anos… 60 que nos casamos… é, depois de dois anos que nos casamos… Meu padrinho, o amigo do pai dele aqui no Brasil foi padrinho… falou “imagina… onde já se viu casar… mal chegou… não pode!”… ele ficou tão bravo. R: Tanto a senhora quanto a Kikuko tinham um vínculo com a escola e fez mas não por opção… era filha de um sensei… T: Meu pai dava aula de nihongo pra nível médio… que tinha naquela ocasião, era Jogaku-bu, tinha a parte primária, nível primário que era 1, 2, 3, 4, 5… não sei… tinha números… depois tinha a parte de ginásio, seria… português… nível médio… aí meu pai dava no nível médio… Não sei quantos anos… acho que deu

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bastante… Entrou em… deixa eu ver… 47… acho que mais de dez… mais… acho que vinte anos… acho que ele deu… R: Tyoko-san falou que ele foi pra agricultura um tempo, mas acharam que ele… T: Ah, é! Nós viemos também como imigrantes, né… quer dizer…pra fazenda… Aliança, lá no interior, não é… no interior de São Paulo… aí… Chegamos lá, meu pai… na verdade como já era professor lá no Japão também, ele dava aula na escola, ele não tinha muita prática de agricultura mas acho que trabalhou um pouco. Aí… “não… melhor você dá aula’, né… no interior sempre tem escola, associação de nihonjin kaikan… associação japonesa, na Aliança então… tinha mais ainda que lá era uma comunidade mesmo, Aliança. Mayumi-san era de Aliança… veio pra escola… meu pai conheceu o pai dela lá no interior, Aida, Mayumi-san, as primas… Aí fiquei… daí quando eu vim pra São Paulo, nós mudamos pra São Paulo por causa do meu pai que começou dar aula na Akama-san… então eu também larguei nihongo né e… fiquei alguns anos sem estudar nihongo né… aí estava esquecendo já… perdendo… meu pai falou “ah, não! Tem que aprender a falar nihongo!” então tem que falar nihongo, aprender mesmo, aí eu… vai lá no Akama-san, que sozinho, santo de casa não faz milagre!...(risos)… Aí entrei nesse curso, Jogaku-bu, três anos… (…) Trajetória diferente, puderam estudar T: Porque eu pude estudar, não é… essas amigas, elas vinham do interior pra estudar japonês, português ficava… português, quase que só ficava no primário, não é… em geral faziam primário, depois paravam, aí ficavam mocinhas 15, 16 anos… aí vinham pra cá estudar… curso completo, assim, costura, arte culinária, nihongo, bordado, ikebana, todas essas matérias necessárias para preparo para o casamento, né?... que falavam… (risos) Então como eu fui fazer esse curso, só que eu não tinha muito tempo que eu tinha o colégio de manhã… e à tarde eu ia lá no Akama-san pra estudar só o nihongo… porque eu não precisava fazer matemática, geografia, história… história até eu fazia, história do Japão até eu fazia mas a Universal… eu gostava de assistir quando era de história do Japão, alguma coisa assim… Tinha projeção de filme japonês… acho que uma vez ou duas por mês a gente entrava em contato com o Consulado e pedia emprestado filme japonês, ou então mesmo português, filmes bons… Aí participava!... (risos) Eu fazia com a turma a parte de japonês, de etiqueta, essas coisas… só não fazia português, porque estudava na escola, matemática também não, geografia, essas matérias também não fazia não… que tinha também geografia, história… na Akama-san… e aí fui ficando com elas e comecei a gostar… ambiente diferente… então aí eu fiquei apegada a elas, as minhas amigas… até hoje somos amigas… A kikutyan porque é sobrinha de Akama-sensei… né, então… a gente tinha mais contato, né… ficamos amigas e até hoje continuamos amigas mas nós, Kikutyan e eu, tivemos uma trajetória diferente mesmo… realmente, porque nós pudemos estudar português… naquela ocasião geralmente, moças não faziam… e nem curso médio assim… ginásio nem colégio… aí como meu pai já tinha perdido a esperança de voltar pra Japão, né… como todo mundo que vem com aquele ideal de sei lá…

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meu pai era um pouco diferente… ele não veio assim… ganhar dinheiro e ir embora… porque meu pai queria era conhecer países novos, diferentes… assim pra poder… mas ele tinha essa missão de ensinar nihongo… Nós fomos pra Aliança… ele deu aula lá… Aí veio a guerra e ele não pôde mais exercer nihongo… porque não podia nem falar japonês naquela altura, quando começou a guerra… Segunda Guerra… Japão com Estados Unidos… Aí aula que ele fazia… que dava, era escondido, era assim, de noite, geralmente à noite, dava assim em Suzano, a gente reunia um grupo de jovens que queriam aprender e vinham assim… faziam nas casas, geralmente… ou em casa, ou na casa de outras pessoas, de noite, que reuniam assim pra estudar… mas tudo escondido… tudo escondido assim, que não podia nem falar a língua que eles prendiam, não é?... Aí nós mudamos pra São Bernardo que lá estava precisando de professor e nós mudamos pra São Bernardo naquela colônia japonesa, mizuho…chama… onde aquela Ikuko- san… não sei se esta aqui (aponta para as fotografias) uma delas sempre está na reunião… turma de Kikutyan… Matsumoto! Ikuko Matsumoto… era Aihara o sobrenome… Aihara… depois casou com Matsumoto… cuidava de uma associação lá… Mizuho, era uma colônia japonesa, umas cem famílias… tinha escola, assim pra primário, depois tinha do médio, meu pai dava aula de noite… que de dia, eles trabalham… na lavoura… então de noite, dava pra esses jovens… Ainda existe, mas não é mais aquela colônia fechada… naquele tempo era só de nihonjin, então ano novo… reuniam… tinha festa… então só tinha nihonjin… Matsumoto-san que era… como um prefeito da comunidade local… sogro da Ikuko-san, ele juntava todo mundo pra festas e assim… Undokai e bazar… reunia muito só nihonjin, né… ele falava só nihongo também, né… aí meu pai foi chamado pra dar aula lá, mas como, devido a guerra, ainda não podia dar assim… oficialmente, né?... Então dava aula escondido de noite… aí Akama-sensei ficou sabendo que meu pai estava lá… aí foi falar pra ele se não queria dar aula, ele vinha assim… no início vinha umas duas vezes por semana só. Aí depois como precisava pra todos os cursos, então não dava pra ele vir só duas vezes, tinha que vir todos os dias, aí que nós mudamos pra cá… Bom eu já estava aqui porque fazia ginásio, Liceu faz tempo, eu ficava na casa de uma prima, estudava aqui. Aí meus pais mudaram pra cá aí eu fiquei em casa. Aí quando estava na terceira série do ginásio né, naquele tempo chamava, depois do primário era o ginásio, então entrei aqui aí foi até colegial né. Terminei Akama aqui quando estava no segundo colegial… Foi muito bom, porque aí convivi, aprendi a conviver, com as pessoas do interior né… conheci muita gente, foi uma experiência que valeu a vida inteira viu… até hoje a gente tem amizade com a turma antiga, as minhas amigas… a turma de Akama-san eu tenho… com os professores. Da escola assim, do ginásio a gente não… não ficou ninguém, do colégio também acho que não… uma pessoa ou outra né que tenho contato… da faculdade então tudo espalhado, a turma do Akama-san não, sempre temos relação, temos convívio assim, familiarmente, né?... Convívio assim, além da gente, a família toda, né? Nós temos relações assim, familiares com as pessoas! R: Os valores que foram passados também são os mesmos…

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T: É… Agora que eu convivi também com os brasileiros, quer dizer, maneira de falar brasileiros, nisseis só que brasileiros… Mas é… não ficou aquela amizade, né? Não sei por que… será que é por que… costumes, maneira de pensar diferente, então… não é racismo nem nada, mas… Depois aqui, nós agíamos assim… em grupo. Sempre em grupo. (Dá aquela sensação de fazer parte de alguma coisa…) É, do grupo. Tinha os bazares, a gente ajudava assim… o que é difícil acontecer fora. Sempre a gente ajudava, sempre. Viajava em grupo…tudo era grupo. Então pra mim foi ótimo, que em casa era difícil ter amizade com o grupo todo. Sei que foi muito bom mesmo. Foi muito útil porque eu vejo minhas amigas que não puderam conhecer Akama-san, por exemplo… elas são diferentes, sabe? Maneira de encarar as coisas… são diferentes. Marcou bastante mesmo… aquela convivência só de três anos, mas foi marcante mesmo! Pra mim, pelo menos, nossa! Sempre agradeço à Akama-sensei que sempre no começo… sempre a gente na ocasião fala: “Ih, ela tá falando isso!... Ih, já tá falando isso!... “ assim, mas a gente, depois agradece, né?... Porque ela falava: “mulher…; porque é mulher, precisa aprender costurar” , falava assim pra gente, “precisa saber fazer essas coisas… aprender ikebana que é bom… “ enfim, todas as matérias, essas matérias necessárias não é? R: E hoje a ikebana faz parte da vida da senhora!... T: Então? E ikebana, na época nem imaginava que pudesse ser útil, né? R: E hoje a senhora é presidente de ikebana aqui do Brasil… T: É passei pra ikebana… então nós fazemos parte da Ikebana Ikenobo lá do Japão também. Além de… quer dizer, associados aqui, a gente pertence também lá. Nós somos associados também do Japão. (…) R: Na reunião, a senhora levou algumas fotos que a senhora havia escolhido. Foram algumas que a senhora separou pra lá… eu queria que a senhora colocasse pra mim, por escolha que falasse um pouco delas, suas preferidas… T: Essa aqui é interessante porque nós fomos ao Rio… esse aqui eu achei lindo… o Corcovado!... que não aparece a paisagem, parece que aqui… (outra foto) tudo bem. (Volta à foto de escolha) Essa aqui… eu fiquei impressionada! Primeira vez que eu vi o Corcovado, gostei muito de lá… Mas essa aqui também eu achei muito bonita, essa foto aqui… É assim, uma rua ladeada pelos coqueiros… palmeiras. Palmeiras imperiais, não é? Como que chama? Aqui é lindo!... Esse grupo, não era só nossa turma, foi toda a turma de primeiro, de segundo, de terceiro ano… aqui… todos juntos! Aqui tem a nossa turma… mas é uma turma mais adiantada, acho que nós éramos do primeiro ano. Tem segundo e terceiro… Esse sensei que é Sato-sensei, de música. (…) Era bravo… mas era bom. Ele era bom. Ele era bravo, né? Achava ruim quando… nossa, o coral, se a gente errava, ficava bravo, ele ia embora! Esse aqui é Zoológico… kikutyan será que estava aqui… ah… ela entrou no segundo ano, acho que… kikutyan, a Margarida… aí a gente andava em grupo no Rio, eram poucos japoneses no Rio e andar assim em grupo… Ih! Nossa! Eles ficavam olhando, olhando… Perguntavam de onde que nós éramos, se éramos chineses, se éramos japoneses, nem sabiam distinguir, né… claro! Ver assim um

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grupo… e foi essa professora… acho que… não sei… que era essa sensei… acho que não era da Akama-san, era amiga da Akama-sensei, acho. (…) Essa aqui era uma pessoa que morava no Rio, levou a gente pra visitar certos lugares, assim, turismo. Fez um pouco de turismo, porque nós fomos conhecer o Jardim Botânico, o Zoológico, depois fomos pra Ilha de Paquetá… nossa! O grupo todo, andando assim em grupo, nossa… chamava atenção!... Incrível viu, a viagem… marcou mesmo!... Essa é do Jardim Zoológico… foi bem… é Jardim Zoológico não tinha muita diferença que, do Rio e de São Paulo, mas assim mesmo é… o Parque dentro é muito bonito, nós levamos lanche, comemos lanche na beira do lago que era lá dentro, então foi muito interessante. R: Aqui? T: Aqui é Jardim Botânico, outro lugar… mas essas palmeiras imperiais são impressionantes! São altas… eu achava tudo uma maravilha porque não conhecia naquela ocasião não conhecia nada assim do Rio, nossa… achei uma maravilha!

Essa aqui era… havia entre… na escola, interno assim, havia competição, um jogava mal… mas gente competia, nossa turma ganhou, nossa turma ganhou a taça… foi a turma melhor, então nós fomos tirar foto na… tinha uma foto lá perto da Akama-san, tinha uma foto… aí nós fomos, todo o grupo, tirar foto!... Campeonato interno, né, mas a gente competia uma série com a outra… então, nossa turma ganhou mas… algumas jogavam muito bem… essa, essa… essa aqui, exímia jogadora,… eu não era muito mas… Essa faleceu… (senhora lembra os nomes delas?) Lembro sim… essa chamava Tieko Ueno, jogava muito bem tênis, Tieko Ueno… essa aqui era Fussano… Fussano Matsumoto, irmã daquela… parece que esteve na reunião, na outra reunião. Essa aqui é a Rosinha!... Rosinha Sassaki, lembro dela, encontrei quando teve festa pra Akama-sensei, cem anos. Encontrei com ela depois de cinquenta anos… Ela não me reconheceu, mas eu a vi assim, ela ficou um pouco diferente, um pouco mais cheinha mas eu reconheci depois de cinquenta anos. Essa tem mesmo sobrenome que Akama-san, Myoko Akama, chama-se. Não é parente nem nada. Ela é também professora, dá aula de nihongo lá no Mato Grosso. Que lugar? Dourados… Dourados, acho que… Suga, essa aqui é Suga Negishi… essa aqui não lembro o nome… nunca mais encontrei com ela… essa conhece acho… filho dela estudou aqui (Fundação Akama), é Alice Tarama. Alfredo!... Né? Ele estudou… casou com um parente do príncipe, Alice, né? Alice que casou com um príncipe, Tarao. Alice Tarama… é Hanashiro, sobrenome dela de solteira. Hanashiro… Alice Hanashiro. Essa aqui tá em Curitiba, ela tem hotel, é Tamako Kadomoto. (Então ela é mãe do Alfredo?) Alfredo? Ah, sim… Ela era da minha turma do Jogaku-bu. (…) Curitiba… Plaza Hotel, acho que é da irmã… elas casaram com dois irmãos de Curitiba, né? Que chama… esqueci… Tinha uma irmã, a irmã dela, onessan (irmã mais velha), tem hotel bonito, turístico, cinco estrelas. Dela é mais simples… não tem nem estrela… (…) Elza: Tem uma coisa diferente… Hoje é missa de Narita-sensei, sétimo dia. T: Narita-sensei faleceu? Ah, é… eu nem sabia…

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Elza: Saiu no jornal de hoje. T: Sétimo dia? Aonde vai ser? Nossa, nem sabia… São Francisco? (…) T: Aí Kadomoto… essa aqui eu lembro… eu não encontro muito com ela, mas… essa é Tsuyako, Hirai né… Hirai-san, pai dela parece que trabalhou aqui também, de motorista… Hirai… irmão… não sei se é irmão dela… pai e o irmão. (…) Só essa que eu não lembro o nome dela… nossa, ela era bem alta… diferente assim, nihonjin (pessoa japonesa)… a gente era alta… assim, das altas, né… Alice, eu, ela… nós éramos mais altas… E, só dela que não lembro… (… retomada do assunto Narita-sensei) Ela dava aula de nihongo também, pra nível primário… (…) Dava aula de desenho também, pintava… (…) Meu filho também estudou aqui… youtien… Desde o jardim da infância, ficou três anos no jardim da infância. Com Kimura-sensei. Depois ele foi lá no Pasteur que eu estudei também… ele sentiu muito quando teve que deixar aqui… mas só tinha jardim… naquela ocasião… né? Quando mudou pra (Altino Arantes) cá é que começou a ter… porque lá na Vergueiro só tinha Jardim… ele tava na Vergueiro, só fez três anos. Aí eu levei pro Pasteur onde eu tinha estudado, conhecia né, então eu pus lá. Aí ele falava assim… “Ah! Professoras… são diferentes…”. Aqui ele aprendeu a falar alto… lá no primário, a professora falou assim: “não precisa gritar assim que nem feirante!”… Aqui tinha que falar alto, levantar ainda pra falar, responder, né? Quando faz chamada, então… “Ah, eu falei alto, então professora disse que não é pra falar tão alto…" R: Aqui tem uma mensagem… T: Assinatura das pessoas… ah!... R: Então aqui dá pra saber… T: É, é… Matsuno, é, Matsuno. Tinha assim… rádio, né? Rádio… fazia novela de rádio. Eles transmitiam assim, som… também tinha som, estão lendo as partes… cada uma tinha um personagem… esse sensei que dirigia… Sato-sensei. Bem animado!... Então a gente ia na rádio também, fazer programas… esse aqui não...(aponta para a foto) … de professoras, Kimura-sensei, esse aqui que faleceu, Fujimura-sensei, Narita-sensei… esse aqui é Okawa-sensei… essa aqui é outra professora de corte e costura, né… Kohei-sensei… esse aqui, meu pai… Pessoal fazia programa de rádio, assim, transmissão… rádio… Liam, né, cada um… R: Essa sala era onde? T: Tinha uma sala kosotsu… sala de transmissão, não é?... Acho que é rádio que vocês faziam, não é Kohei-san (direcionando a pergunta para Antonio Akama, que acaba de entrar na sala)… lembra dessa foto? Que vocês faziam… novela… Então… tinham essas coisas… Esses aqui são funcionários da Akama-san, na época de 1954, 55, por aí… anos 50… Olha! Akama-sensei… Sumiko Yamasaki… a mãe da Tizuka… olha como era nova… todos os funcionários…

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Kimura-sensei… tinham várias… aquela… Margarida também não tá aí? Acho que é ela… não, não… não tá aí… Tomoe-sensei tá. Ela era a cozinheira… encarregada da cozinha… ela já faleceu… Mayumi-san ajudou também, mas ela é que era encarregada da cozinha. (…) Essa aqui eu trouxe, por causa dos pais da Kikutyan… ia mostrar pra ela… pai e a mãe. Pai e a mãe, acho que era na casa dela, era uma reunião, alguma reunião de alunas e mais membros, uma turma acho que de botânica, de grupos de botânica… estudantes de ciências naturais… iam estudar assim, no sítio, então era membro de… tinham muitos… essa aqui… não está mais… essa aqui também era da aluna… foram fazer visita na casa da Kikutyan, ela morou lá no Jabaquara, onde tem… acho que ponto final do ônibus, Jabaquara… lá era sítio ainda… ela foi morar no sítio, numa certa ocasião, aí acho que foram lá, estudar botânica… (…) Hakubutsu-ken kiyoukai… e tinha uma turminha que tava no meio, meu pai sempre levava pra… Hashimoto-san, aqui esse senhor… era novo… mais novo que meu pai. Ainda é vivo, não é?... A data é de 1953, 4… Eu lembro que tinha um grupinho assim… Naotyan, irmã… aquela que casou e foi morar no Nihon, Kohei-san sabe, Kohei-san conhece… Naotyan no irmã… como é que é? A: Sumiko-san? T: Não, outra mais nova… não foi pro nihon?... A: Foi… casou com jornalista japonês… Otachi… T: Otta-san?... Ah é! Acho que era… (…) T: Aqui foram os nadadores do Japão, equipe… Furuhashi, olímpico… que ganhou medalha, primeira medalha do Japão na Olimpíada, não era no Japão… foi em outro lugar… mas ganhou medalha de ouro!... (…) Então como foi uma visita assim deles na escola, eles foram bem homenageados aqui na Akama-san mesmo… fizemos uma homenagem, uma festa bonita… Eles estavam chegando, aqui… estavam andando, não é? (Não sei por que tem tantas fotos deles viu, Kohei-san… kono sashin… kore? Esse álbum era do Akama-san!... daqui!...) Essa aqui, escola, olha!... como era bonita… Essa aqui é uma pena que não existe mais… Era um casarão de pedras… olha que bonito! R: Que pátio, hein? T: Era no… onde tinha quadra de tênis!... Lá tinha um espaço grande pra reunir todo mundo… quando vieram o furuhashi, os nadadores… tirar foto… olha quanta gente que tinha! 1950, quando veio… é isso, 50. T: Olha como era naquela ocasião os cursos… Esse aqui é de etiqueta, etiqueta que Akama-sensei dava, pegar, como usar garfo, faca, que o pessoal vinha do interior, muitas vezes não sabia como usar direito… só comia com ohashi, né? Então, na prática… Essa aqui era aula de português, de Oshimoto-sensei, essa… ela era advogada, veio dar aula de português pra turma… curso de português… aqui bordado… olha aqui, bordados!... pessoal fazendo bordados, esse daqui era… corte e costura esse daqui!... máquinas, saiho…I essa é aula de inglês, essa aqui é aula de matemática, essa aqui é aula de nihongo, meu pai… que dava aula… aqui é de pintura, de desenho, Handa-sensei, pintor Handa… famoso!... também aprendi um

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pouquinho, Handa-sensei,… ciências…no Ishii-sensei, ciências… aqui é conservas… meu pai que dava aula!... conservas de legumes, verduras, frutas, coisas pra elas, quando elas voltassem pra interior, poderem guardar comida… pra não perder, porque às vezes tem em casa um monte de verduras, frutas e não aproveita muito, né? Só na ocasião que tem, depois acaba, não é? Então faz conservas de verduras, legumes, essas coisas assim em casa… caseira, né, mas, maneira de conservar. Essa aqui era professora de nihongo mas no curso primário né? Parece que é… katei-ka… katei-ka era iniciantes… a Kimura-sensei aqui… não é Kimura-sensei aqui? É! Kimura-sensei! Principiantes e aqui acho que é… nível mais alto, mais… primário, depois ginásio… Música, então, Sato-sensei, tocava, a gente aprendeu um pouquinho… bandolim!... Nós aprendemos bandolim… violino, bandolim… piano, também… (R: Tudo com ele?) Piano assim, não era ele que dava… bandolim e violino, ele que dava aula. Essa aqui é turma de cinema… de cinema, passava filmes né? Projeção… tinha sala de projeção, né, Kohei-san? Tinha um grupo encarregado de projeção, tinha que, desde escolher o filme bom, até projetar assim, na tela… Essa é de culinária…nandata… como era mesmo o nome? Araki-san… Araki-san, o curso de arte culinária… Olha o de ikebana… Kikuchi-sensei… acho que era outra, sensei-no… antes de Fujiwara-san, Fujiwara-sensei… tem outra… Kikuchi-sensei, refeitório… olha os quartos, alojamento… meio assim na cama… bicama, né… mas era quartinho bonito, assim, olha a Kimura-sensei, tem bordado… é… de folga, hora de lazer, leitura… fazia um bordado… escreviam cartas… na hora de folga. Ah, um piquenique também!... Aí que era tênis de mesa, ping-pong… bazar! A gente vendia as coisas aí no bazar!... Olha quanta gente que reunia!... Naquela ocasião, tudo a gente fazia, né, Kohei-san? Missoshiro, udon, sabe? Oshiruko… era feito assim pelas alunas e professoras… tudo a gente fazia naquela ocasião. A gente fazia até shoyu, missô… (R: até isso era caseiro?) Fizemos algumas vezes o shoyu, vendemos bem. Aí também a gente viajava, tinham as excursões, ia juntando assim… Olha o Handa-san levando para exposição!... Ele levava as alunas para ver exposição de quadros… e tinha excursão também, à fábrica… (R: estudo do meio?)… Kengaku!... esse aqui também… fábrica de penicilina, Penishirin koojo… Olha o piquenique lá em Santos, olha… piquenique em Santos… esse daí é kengaku do primário, do curso primário de japonês… nossa, olha!... Acampamento, até acampamento fazíamos, olha! Esse daqui também é piquenique da turma em Santos… ia todo mundo!... Não sei se era de ônibus ou de trem… quando para Santos… de ônibus?... Acho que devia ir de trem também. Kore saiho no pikuniku… do corte e costura, o piquenique da turma de corte e costura… não sei onde é que foi isso aí… Ah! Nihon-so, em Santo André tinha um jardim japonês, é lá que… jardim japonês… em Santo André que tinha nihon-so… um jardim japonês onde tinha casa assim, de casa japonesa, onde ensinava, fazia cerimônia de chá… Esse aqui é visita de navio… escola… marinha japonesa, essa aqui é visita que fizeram ao navio, tá escrito assim… tinham bastante atividades assim mesmo, estando assim, internas, também tinham bastante assim, visitas,

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passeios, Jogaku-bu no shugaku... é, viagem de término do curso, formatura, Rio, esse daí é Rio, festa de aniversário das internas… tinha festinha de aniversário também. Eram festinhas pra aniversariantes do mês!... Cada mês, festa assim, conjunta… festa conjunta. Seicho… estão brincando… essa eu não sei o que é, governador Lucas Nogueira Garcia… tinha assim, vieram ver alguma coisa… não sei se era bazar… acho que vieram ao bazar… autoridades aqui… não sei… (…) Das alunas… olha ginástica! É Kimura-sensei que orientava, acho que… não era? Ginástica, Kimura-sensei que dava aula… olha aqui, quantas alunas tinha!... naquela ocasião! Era atrás, num lugar que a escola alugava, e onde jogava tênis. Esse daí é… conferencistas… tá escrito… veio conferencista, às vezes convidava assim, professores vindos do Japão, ou de algum lugar assim importante pra fazer Conferência… Essa aqui é formatura de 51. Formandos de 51. Ah! Saihou! É de costura!... Mayumi-san tá aqui! Essa daqui é a Mayumi-san! Formatura de Saihou de 51. 51, março. Março de 51. Fujimura-sensei yo… Fujimura-sensei… quem mais… Okawa-sensei… conheceu? Okawa-sensei… Mori-sensei… Todas elas eram da costura… kore-wa… Chi… Francisca… ela chamava Chiquinha. R: Então todas elas eram do Saihou? T: É… sensei do Saiho… da costura. Já eram várias classes aqui… olha… essa aqui eram visitas que as alunas faziam de vez em quando no bazar, assim… ex-alunas… essa aqui também, Saihou de 51… ah! É setembro!... Outra turma… cada professora tinha a sua própria classe né? Então, formavam-se assim, cada seis meses tinha formatura… Esse aqui é de Saiho também… então tudo é de Saiho, de 51. É dezembro. Não, não é Saihou não… essa aqui é nossa turma. É uma misturada de toda… todos juntos… de 51, sensei também. É, 51. Dezembro de 51. Eu não fiz… não me formei… mas quem se formou tá aqui… estudava no Joga… estudava no nihongo e também no Saihou, né… Aí! Todas elas são… ela também era do Jogaku… fazia nihongo e fazia o Saihou também. É formatura de… (as que faziam, estavam como internas, né…) faziam tudo, né? Não sei o que é… acho que alunas… Tirou boas alunas… T: É! Faziam curso completo!

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Informante: Kazuco Sakiara Miyasaka (Kazuco) Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R) Data: 17/04/2008 Horário: 14h Local: Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama Duração da entrevista: 85 minutos Esposo: Shiro Miyasaka Filhos: Lincoln e Celma Myura Elisabeth Grace André

Melissa e Wen Hsu Elza Sakamoto

Karine Sakamoto Wei Mei Ana Clara

Noemi e Roberto Porro Felipe

Pedro Rosana Miyasaka e Morito Ebini Newton e Natália Reiko Sato Lucas Sara

.A prefeitura requisitou, achou que tinha jeito assim… ele é muito habilidoso não é?... Então requisitou… ao invés de deixar ele trabalhando lá com Kenichi aí, ele trabalha como aplicador assim, como tratamento de saúde dos maleitosos não é, aí ele tava longe assim, tudo quanto é canto… R: Ele nem chegou a ir pra lavoura então? Kazuco: Foi no comecinho, mas depois quando teve esse surto muito grande, não tinha quem trabalhar né… então ele foi requisitado, aí ele foi longe, indo bem pra longe de onde eles moravam e não tinha como assim segurar pra trabalhar na roça… R: Que cidade que era? Kazuco: No começo era num lugar chamado Matão, perto de Minas Gerais, depois ele foi indo pra Minas também, né… R: Na imigração ele foi pra Matão? Kazuco: É… de Matão foi pra Conquista, pra um monte de lugares lá e no fim foi parar perto de Jubaí, onde eu nasci… mas isso daí faz bem bastante tempo depois… né… R: Mas a sua mãe tava em que cidade? Kazuco: Então, minha mãe tava no Matão… e depois o marido ficou com malária e morreu. Aí ela ficou sozinha lá, mas tinha as famílias que vieram junto assim no

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navio e viu que ela tava sozinha, muito doente, tal… aí ela escreveu pro Japão, eles mandaram dinheiro pra ela retornar pro Japão, porque tava viúva né… mas por causa da doença não podia viajar, aí foi gastando, gastando o dinheiro e tal, aí os amigos do mesmo navio… falou assim: olha, eu vou procurar o Shigeru né, que tava longe assim… trabalhando assim pro Estado, assim né… aí no fim encontrou. R: Ela não tinha filhos? Kazuco: Não tinha filhos, não tinha nenhum filho e tava bem adoentada também, o marido morreu e ela também ficou doente, acho que pegou assim, quase todo mundo… era um surto mesmo de malária e meu pai não, sempre foi forte… R: E que ano que eles vieram pra cá? Kazuco: 1922. R: Nossa! Uns dos primeiros mesmo… Kazuco: É, quase né… é. 22, eles vieram. R: Puxa, que bacana… Kazuco: Aí depois combinaram assim, “Ó, ele é mais novo do que você, você tem mais idade do que ele, mas você é alegre, tal”… meu pai era meio sisudão, né… então falavam, “vai combinar”, não sei o que… Aí eles hesitaram assim por um bom tempo e tal, mas eles ficou lá ajudando, aplicando os medicamentos… tal, em Matão e tal… e no fim, fizeram o casamento. Casamento assim, entre eles lá, da colônia, sem teto, sem nada… aí demorou… de 22, eu nasci em 28, seis anos depois que eu fui nascer, né… R: É onetyan então? Kazuco: Onetyan e praticamente eu sou a primeira e a última, porque eu tive um irmão mas ele faleceu também, né… sei que na época assim deu uma epidemia assim de pneumonia e eu sei que as crianças todas nessa idade quase que morreram todas… eu praticamente fiquei sozinha assim na região porque amiguinhos assim… todos faleceram. É um surto mesmo assim que dava, assim… de vez em quando né… e… R: Mas a família é linda, né… Kazuco: cinco filhos, onze netos e um bisneto. R: Bisneto é pequenino? Kazuco: Fez um ano agora… R: Então fica uma família enorme quando reúne? Kazuco: Fim de ano assim, é uma festa! R: Delícia… agora… (Kazuco retoma seu roteiro fotográfico particular, fio condutor de suas memórias…) Kazuco: Escola Industrial Carlos de Campos… depois dessa fui pra nutrição (…) Eu nasci no fundo… bem no meio do mato. Meu pai gostava de desbravar florestas (…) Começou tudo meio complicadinho assim, meu pai veio como filhado da família da minha mãe… então teve muitos transtornos assim, pra depois quando eu nasci, foi complicado pra registrar, porque meu pai tava assim como sendo filhado dela, mas pela idade dá pra ver que não era filho, mas como no registro pra entrada deu

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como filhado, então complicou assim, quando teve filhos, assim pra registrar, complicou bastante. Pra casar também a mesma coisa né… R: Porque a filha que ele foi adotado era do seu avô então? Kazuco: Não… era do meu avô… é marido da minha mãe… então como ele vinha sozinho, não podia vir sozinho, eles também não tinham braçal assim pra trabalhar, então precisava dele, né… E: Então ele era como seu irmão? Kazuco: É, na verdade era… na verdade, meu irmão… então complicou muito né assim, no registro… então foi uma família meio complicada. Até minha filha falou assim: “mãe, será que você é filha mesmo de verdade?” (risos) Falei, ah, não tem importância né, o que é que tem isso… ser filha de verdade, não ser filha de verdade… eles que me cuidaram… é de coração, me criaram assim… nunca cogitei… muita gente falava isso daí, nunca levei em conta essas coisas não, porque o que é que vale é o amor com que eles me criaram, né? R: Com certeza… Kazuco: Então foi uma família meio complicada, mas eles tinham sempre assim… ele veio sozinho do Japão, nenhum da família quis vir, né… tinha dezenove anos né… ele veio sozinho, filhado noutra família, mas ele tinha um espírito assim de desbravar coisas, muito arrojado, no Japão também ele tinha um tio que era pescador, ele gostava de ir no mar, fazer aquelas pescarias… que na verdade, a família dele era de comerciantes, o pai dele tinha lojas de quimono assim, a mãe era alta costureira de fazer os quimonos e o pai dele queria que ele continuasse assim, né, a loja, mas ele, como tinha o irmão mais velho, ele não quis assim… sabe, tomar o lugar do irmão, então ele meio que já, saiu assim de casa, desde a adolescência, ia morar com tio, ia aprender outros ofícios… sempre… então meticuloso… era uma pessoa que fazia de tudo… marcenaria… pescaria… então aqui no Brasil, pra ele serviu muito não é? Porque ele sempre foi assim, pra não tirar o lugar do irmão, ele sempre foi cedendo. Aí veio pro Brasil, da mesma forma, foi lá pro Triângulo Mineiro, foi desbravar as matas, plantar arroz, né… e você vê… vindo do Japão, ainda jovem, e foi morar no meio do mato, via cobra, cascavel, à noite assim, a gente via os olhinhos dos bichos, porque a casa não era casa bem fechadinha, era tudo de pau, feito assim de pau-a-pique no começo, depois é que ele fazia argamassa pra fechar os buracos, né, mas no começo morava na casa tudo esburacada assim né e… era assim. Aí eu também fui criada assim bem corajosa, no meio de mato, não tem medo de nada, era bem igual o Mogli!... (risos) Bem selvagem!... e foi assim minha vida de pequena. (…) Bem alegre e o único amigo que eu tinha era um cachorro porque lembra que eu falei pra você que deu um surto de tosse comprida, pneumonia assim, na época, então matavam… e morreram quase todos os amigos né… então quem ficou era só eu assim!... e depois as casas também não eram perto uma da outra… era bem distante… então amiguinho mesmo, era gatinho e cachorro, não é? Não tinha mais nada… Saía com eles e ia pras matas e tal, na lavoura do meu pai, né, e foi uma infância assim, bem sadia, né. Aí quando chegou na idade de seis anos, meu pai falou assim “ah, tá quase na idade de ir pra escola né? Melhor ir pra uma cidade, não sei o quê…” Ai… aí eu comecei a ter umas alergias, sabe… de…

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(pensar…) medo de ter que ir pra escola assim, né?... Olha, de fato, ficava assim empipocada, sabe? Só da preocupação de ter que ir pra escola… Não queria. Pra mim, a vida era lá assim… na natureza… gostava assim, gostava sempre do verde, das matas, dos rios… era bem apaixonada assim por essas coisas… de plantar, em volta das casas era tudo jardim assim… eu que plantava, aí depois, teve o meu irmão, ele faleceu com três anos… mas ele já não era tanto… ele gostava de arrancar o que eu plantava… eu brigava assim… eu lembro das brigas, eu tinha um ano mais, mas eu brigava assim com ele, era temperamento diferente… aí no fim, Deus me deixou sozinha… fiquei sozinha não é? Aí fui pra escola e começou a dar esse problema de… da urticária, aí ia pro médico, falava assim, “ó… você tem que tomar banho de leite…” Minas… no Triângulo Mineiro tinha muito leite né? Então quando era pequena, tomava banho no leite né… imagina?... (Hummm, nossa!... chique…) Chique né? (risos)… Igual Cleópatra… tomava banho no leite assim… mas tinha que ferver o lençol todo dia assim… deu um bruta trabalho pra minha mãe, não é? Eu não queria ir pra escola, sabe?... Ia pra escola e ficava assim desse jeito, tudo empipocada. Aí eu sei que no fim… aí a primeira viagem que eu fiz em Santos foi nessa época que eu tava assim meio doente, acho que pra acalmar né… meu pai levou. “Ah, ela não conhece o mar né, vou levar pra conhecer o mar!”… Aí fomos no mar assim… Ah! Eu adorei o mar, comer nori essas coisas, lá naqueles cantos lá, não tinha nada disso… Adorei! Falei, ah… que coisa boa! Coisa do mar, né?... Tudo que era do mar, adorei assim. Aí, passamos assim, uma semana em Santos e depois como não tava dando a escola, lá em Uberaba, próximo à cidade em que eu morava era Uberaba, lá não deu certo, estudo assim, que eu ficava… assim… (empipocada?)… É… empipocada… Santos não deu nada disso! (risos) R: Tinha um contato maior com a natureza, né? Kazuco: Natureza né? Aí passou tudo… “Acho que Uberaba que ela não gostou…” Então resolveram ir pra Bauru. R: Mas interiorzão também! Kazuco: É. Aí fomos pra Bauru… aí lá… eu trouxe as fotografias… quiser ver… um andei contando a história porque tudo está registrado… assim é mais fácil, assim falo as coisas principais… Começo a delongar muito né… Não sei quanto tempo você tem aí pra… R: Não (se preocupe), fica à vontade… Kazuco: Esse aqui é o começo… Não deu tempo nem de grampear!... Lembra que eu falei que a minha filha veio pra São Paulo, ser operada né… então eu fiquei todos esses dias correndo, não deu tempo de fazer nada… isso aqui… é as florzinhas que eu plantava assim lá… não são essas, mas o tipo né? Gostava muito de violeta, de amor perfeito, essas coisas, assim… mais era aquela violetinha do campo, aí a minha amiga fez uma poesia aqui pra mim, da violeta, né… Depois se você quiser, você lê… que vai demorar muito né?... R: Eu vou sim, vou colocando aqui… vamos caminhando… Kazuco: Então… aí ela me fez essa poesia da… falando assim da minha pessoa né… É uma escritora lá de Ilhabela, que eu tenho casa em Ilhabela…

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R: Sim!... A senhora falou que tem algumas coisas lá… que estão divididas né?... Que lindo… (percebendo um certo interesse para que eu lesse a poesia, talvez para também conhecê-la um pouco mais, uma vez que falava “da sua pessoa”, debruço-me sobre as estrofes que seguem abaixo inscritas: ) É uma maneira de começar a conhecer… Kazuco: Huhum… R: Eu vou separar aqui, depois eu vou retomar… Kazuco: Olha… aqui é quando eu nasci né… meu pai, minha mãe, eu… aqui é quando eu fui pra Santos né? Esse vestidinho, minha mãe que fez… aqui é quando eu fui pra Bauru, que eu tava contando agora, não é? Eu entrei num colégio de freira… e lá então, as freiras eram muito boas, então não fiquei assim com urticária, mesmo com tanta gente lá, não é, eu fiquei bem… aí depois entrei, no mesmo tempo no nihongaku93 também né, lá de Bauru… Isso é em 1936. R: Aqui era o nihongaku? Kazuco: É… aqui é o nihongaku… R: Grande… Kazuco: Era grande né? O sensei foi preso… na época da guerra… Algumas coisas… tristeza assim nessa época… R: Não podia nihongo não é? Kazuco: É… I: Lembra um pouco aquele prédio que a Mayumi mostrou, primeiro lugar que ela foi dar aula… de nihongo… em Aliança, não é? Kazuco: Hummm… aí depois eu terminei o ginásio também e fui dar aula mista lá no interior, aí tinha uns quarenta alunos assim… lá também… uma coisa que marcou muito assim a minha vida… porque meu pai tava nessa época da guerra e eles tinham um restaurante muito bem frequentado lá em Bauru, mas com a guerra começaram a depredar tudo e um delegado de lá falou assim, é melhor você mudar (mais) pro interior, e como não tinha dezoito anos, não podia ficar perto… porque era perto da estação de Bauru, aí eles mudaram pro interior… mas como ele gostava de pesca como eu falei, ele foi fazer pescaria no rio Tietê. No rio Tietê pescava muito peixe… pescava dourado, pintado de trinta e tantos quilos que… assim… eu ia também junto com ele, muitas vezes… e ele pegou malária… Pegou malária das bravas mesmo… ficou adoentado, minha mãe também, sozinha no interior… aí me convidaram pra dar aula na escola de… mista de… fukuminchi94… Um dia, encontrei colega de Akama-san que foi dormir comigo… lá no sótão da Vergueiro… Então, foi nessa época, logo depois do ginásio né… Aí, eu fui dar aula… foi a salvação assim… pra minha família, porque eu ganhava ordenado de um conto e duzentos que a professora ganhava também… eu ganhava igualzinho que uma professora, aí deu pra… o ano que eu trabalhei, já deu pra economizar, até pra eu fazer a faculdade. É… serviu bastante… foi assim, uma providência divina mesmo… porque imagina, uma menina assim né, dando aula, mas eu tive, o primeiro dia que eu fui dar aula, eu tive alergia e desmaiei!...

93

Nihongakkou – escola de língua japonesa 94

Fukuminchi -

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Eu tava dando a lição assim pra quarta série, terceira série, segunda série… eu já não conseguia ficar com o braço na lousa, escrevendo mais… aí eu ditava, mas eu não ouvia a minha voz mais, aí quando eu vi, eu tava no chão assim caída né… aí só enxer… a última coisa que eu enxerguei foi o buraquinho da fresta do chão, essa escola do sítio ficava meio alto né? A fresta era o chão assim… enxergava lá embaixo… tinha galinha assim né… R: Passando embaixo… Kazuco: Né? Passando por baixo, enxerguei isso… nada mais! Depois ouvia o barulhão das crianças fugindo da classe, pápápá… assustados! Primeiro dia de aula… Ainda eu tinha levado, tinha… levado assim, ikebana assim, pus na mesa tudo bonitinho, né… R: Mas chegou a desmaiar mesmo? Kazuco: Desmaiei e não sei quantos minutos eu fiquei… que quando eu acordei, tava com os pais tudo em volta… que vergonha!... (risos) Tudo assim em volta… Aí eu… mas é coisa momentânea assim, sabe… esse negócio de alergia né. Uns quinze minutos assim… depois passa. E fica assim… o dedo tudo inchado… o relógio… fica tudo encoberto de tão grosseiro que fica. Aí eu expliquei o que que era que eu tinha… negócio é assim… expliquei pra turma, tal né… Ah, mas… e era uma escola famosa mas não parava nenhum professor lá, porque os alunos eram assim revoltados, professores também, não sei se não eram assim, tão carinhosos com os alunos… não sei o que era, mas eu sei que não parava um… e as réguas eram todas quebradas, lousa quebrada, carteira quebrada, assim, de revolta de alunos com professor… mas acho que eles assustaram tanto… professor… (risos) Kazuco: Olha… Chegavam… “Olha professora, a senhora gosta de peixe, a senhora gosta de traíra, a senhora gosta de não sei o quê… gosta de ovos, gosta de não sei o quê… no dia seguinte, a minha mesa já tava cheia assim de frutas, verduras, de queijo… R: Ficaram preocupados, né? Kazuco: Vai ver até… (risos) R: Então a estratégia era boa, aí todos os professores no primeiro dia de aula já… Kazuco: Olha… eu fiquei assim envergonhada. Será que eu vou fazer? Levar tudo isso pra minha casa? Que minha mesa estava assim, repleta! Cada um trouxe uma coisa… não sei se combinaram não é? “Ah, mas nós vamos levar pra senhora…” Da escola até minha casa são uns três quilômetros e ficava aquela fila… parecia formiguinha carregando as coisas até minha casa, não é… (Todos ajudando! Que lindo!!!) Nossa, mas que gratidão… que a gente não esquece jamais, não é? E também salvou a minha família, não é… que meu pai tava doente, não podia trabalhar, tal… e todo dia, todo dia. Mas não precisa fazer isso… mas eles traziam, traziam, né… eram um amor assim de alunos… até entre eles tem um que é médico, formado médico… dessa classe que eu dei. Chama-se Tokuyuki Kanno. Não encontrei mais, mas só fiquei sabendo que ele formou aqui em São Paulo. Tenho vontade assim um dia, quando tiver uma oportunidade, de voltar pra lá pra procurar os alunos, né… como a gente tem saudades também da

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Akama-sensei … que tinha as amigas assim… a gente não encontrou mais né… Aí eu sei que aconteceu isso. Essa aqui é a época que eu vim pra cá. Pra Akama-sensei. Tinha dezesseis anos mais ou menos e essa aqui é a amiga que eu falei, que ficou doente, com leucemia, né… que ficou acamada logo depois que eu saí do Akama-san, fiquei mais com ela… Essa daqui é Toku Kassai, da família Kassai lá de Bauru, casou com um senhor chamado Shimura né… até agora é amiga assim da gente, agora ele é irmão dela… R: Kozo… Kazuco: Kassai, engenheiro civil né… casou com essa minha amiga também que nós fomos padrinhos né, a gente que apresentou… Essa daqui trabalhava na minha casa e também casou com engenheiro, não é… o vestido de noiva “fui eu que fiz”…(que lindo!) a grinalda, o vestido de noiva, tudo eu que fiz… Aqui também minha amiga, da livraria Miyamoto, não sei se é do seu tempo… É filha também muito minha amiga, desde a infância… Essa daqui é irmã dela, também da família Kassai… essas aqui são as colegas da USP, lá da Higiene… e com elas, a gente encontra todo ano… Todo segundo sábado de dezembro, a gente faz uma confraternização. Já fazem também… formei em cinquenta e um, então já faz mais de cinquenta anos… cinquenta e sete anos que nós nos encontramos… todo ano. Esse daqui eu terminei a Faculdade, depois fui trabalhar… Ah, aqui, agora… é que entrou um pouco da faculdade, mas antes da faculdade tinha essa passagem aqui, sessenta anos. Passaram daqui. Depois que eu saí daqui… foi em quarenta e oito né? Sessenta anos né? R: Sessenta anos, certinho… Kazuco: Praia de Santos. R: De Santos? Foi aquela excursão pra Santos… Kazuco: pra Santos… R: Olha!... Essa foto aqui… Tomoe… Michie… I: duas irmãs… R: É… e ela (Tomoe) faz essas “caras” até hoje, Kazuco-san… Essas risadas até hoje… bem gostoso. Kazuco: Aqui… ah, essa daqui que ele não achou também a ficha… R: Ah, Toshiko? Kazuco: Nakagawa… R: Amiga do sótão… então… falou assim que dá até pra ver o quartinho na pintura… (aponto para a pintura do prédio da Vergueiro, obra de Tomoo Handa) Kazuco: Aqui tem… é aqui… R: Ah, então vamos lá… (…) (Kazuco-san “navega” para outra imagem, agora de um passeio.) R: Essa é tudo daquela excursão? Kazuco: É, essa é tudo de Santos, de 1948. R: E aqui, quem que é? Sensei? Kazuco: É!... Não é Akama-sensei aqui? Ah, eu esqueci o nome dele, como é que era mesmo?

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I: Sugano? Kazuco: É. Acho que é… Aqui tem o Frei Bonifácio, acho que é falecido, não é? Não? R: Frei Bonifácio… Kazuco: Ele vinha dar aula de religião lá… R: Tinha aula de religião? De… Kazuco: Seiko-san que convidava, acho. Aqui não é Seiko? Ela ainda tá, tá bem. Não conhece? R: Acho que ela tá bem… não chegou a ir no doosookai (deste ano) mas elas comentaram dela comigo… e ela que convidava o frei? Kazuco: Acho que sim! Não sei muito bem, mas eu sei que a gente tinha assim, aula… R: de religião? Semanal? Kazuco: Não sei bem que era semanal, mensal ou … tinha… todas cristãs assim, no dia ia, né… Acho que era, não sei se uma vez por mês… não lembro muito bem. Esse aqui é Ipiranga, aqui também, aqui também, e aqui no Pico do Jaraguá. (nesse momento, percorro a montagem fotográfica preparada por Kazuco para o encontro, onde a própria entrevistada elabora um percurso de imagens e legendas para ajudá-la na reconstrução própria das memórias a serem melhor organizadas na narrativa.) R: Também saída, piquenique. E a subida pro Pico, parada. Também uma paradinha… Kazuco: É… R: Aqui o Ipiranga… era outra… I: O jardim na frente mudou tudo. R: Mesmo porque aqui, dependendo… é avenida, acho que não tem mais esse jardim. Kazuco: Era bem amplo lá… R: Essa escadaria também é famosa. Kazuco: É! I: Escadaria não mudou… R: de fotos, de imagens… das pessoas tirarem no Museu. E cadê? Kazuco-san… deixa ver se acho… Kazuco: Acho que estou lá atrás. R: Aqui né? Aqui? Kazuco: É! R: Essa é a turma toda? Kazuco: De católicos, né? R: Ah, de católicos… Kazuco: É. A turma toda da escola não ia, né… só quem tinha interesse de ouvir. R: Seiko Ikawa. Ah! Aqui a senhora sabe os nomes de todas… Kazuco: Eu marquei, porque estava registrado atrás da foto. R: A senhora era da turma do tênis também? Não? Kazuco: Fazia parte.

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R: Tyoko também fazia, também gostava de tênis. Ah! Kazuco Baba. Aqui, né? Ela que foi da caixa econômica federal… está sempre no doosookai. Kazuco, Ah é?! Hummm… essa daqui como é que chama? Era Mori né?... Mori. Ela que é da daquela “termas de Agudos”? Não tem uma “termas de Agudos”? Quilombo?... Quilombo, isso… Não é ela que é dona de lá? I: Não sei… não lembro o nome da dona de lá. Meu pai sabe, eu não sei não… R: Depois a gente pergunta… Yoko Mori… Kazuco: Com ela eu encontrei… I: Era gostoso passear, passar umas férias lá… R: Aqui era treino ou era competição? Kazuco: Acho que era treino… Não sei se era competição, porque atrás tem um outro que era de competição… 23’28’’ R: Essa era mais recente… aqui era… Kazuco: Eu devo estar… porque senão acho que não ia ficar com a foto… I: 86… Kazuco: Vinte e dois anos atrás. R: Aqui o Sato-sensei… I: Que dava aula de coral, música… Kazuco: Não sei se… qual poderia ser… essa daqui? R: Aqui? Kazuco: é, não é? Tá tão pequenininha… I: Muita gente… R: Mas acho que é sim… parece. Kazuco: Porque eu não ia ter a foto se não estivesse aí… R: É aqui, não é? I: Pode ser… R: 86… Kazuco: Vinte e dois anos atrás… I: Maria… “Tabatinha”… R: Maria… Aiko. Aiko… São Bernardo. R:- Ah...me conta desses cantinhos. K: - Aqui é uma... (..) R: - Me fala desses cantinhos aqui, que eram esses cantinhos aconchegantes. K: - Aqui é a parte aconchegante onde cada um contava das suas histórias, de onde veio, de onde, tinha mais contato. Depois a gente formou uma turma tal também pra ir num passeio lá em Itaquera. Aqui eu catei todas fotos assim e aqui o corte costura né, um bazar, assim exposição né… que eles faziam né? R: - Olha, aqui tem até vestido de noiva. K: - É... R: - Então, tinha desde os pequenos até... K: - A gente fazia até paletó assim, gravata, me lembro que a gente fazia gravata. Tinha uma gravata feita, mas não sei se acabei dando para alguém, também

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sessenta anos né? Eu trouxe um bordado que eu achei lá, mas tinha um pouco mais, ma já tá velho, coitado. R: - Esse era da época daqui. K: - É essa época daí. Quer ver, olha. Já tá até meio rasgadinho assim. R: - Nossa preciso... K: - Era um sensei que veio do Japão ensinar fazer esse bordado. Era tão gostoso, eu gostava de... R: - Que lindo isso. K: - Manchadinho né. R: - E esse aí são bordados com fio...de seda K: - De seda. Esse aqui foi o segundo bordado. Tem a primeira que é feita assim com linha de algodão então tá bem mais perfeito, agora esse aqui por ser de seda já tá meia rustidinha. Agora, tinha uns outros assim bem mais bonito, mas um pede, outro pede. Eu desenhava muito na época do Handa-sensei né. Eu não fiquei com acho que nenhum! Procurei mas acho que... R: - Nenhum desenho? K: - Nenhum desenho. Fazia muito com Handa-sensei. Gostava assim de estilo dele. R: - É, disse que a senhora desenhava bastante. K: - Desenhava e a turma pedia assim: - Ai dá um pra mim, dá um pra mim. Falava, ah, tem que ficar na fila, porque não vai dar pra eu desenhar tão rápido assim, mas eu fazia sim, vivia desenhando pra turma. R: - E olha isso... K: - Aqui já né, a linha já estragou né. Tava na moldura né, aí um dia eu peguei tirei pra dar uma lavada assim porque tava muito sujo. R: - Porque esse aqui é... são inclusive aqueles bordados, o estilo de bordados que faziam em quimonos em roupas, não é isso. K: - Mas é uma delícia, até agora eu gosto de bordar. R: - Não é um bordado comum. K: - Mas vale muito assim para fazer os bordados aqui ocidentais assim sabendo bordar. Olha atrás também, não deixa muita sujeira né? R: - É um estilo diferente esse, do bordado daqui . K: - É gostoso bordar nossa. Bordado gostava muito. Ikebana também gostava, mas acho que bordado eu gostava mais. R: - Como que eram, esses cursos assim, era uma vez por semana, e aí vinha um sensei pra isso? K: - Acho que era uma vez por semana mais ou menos né. R: - Quem dava esse aqui era só de bordado? K: - Era só de bordado, ele dava só de bordado. Quem dava ikebana era só ikebana. R: - Porque o pai da Tyoko, Hayashi, era Hayashi? Pai da Tyoko Shimano… Ele dava aula de nihongo, mas ele também ensinava algumas coisas, fazer conservas, não é isso? K: - Não sei, isso eu não aprendi não. No meu tempo não tinha não. R: - Será que foi depois? Fazer fukujin-zukê... então acho que foi depois.

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K: - Eu aprendi a fazer mas não foi lá. Na minha época acho que era época de pós guerra, assim não tinha muito assim né, assim fartura pra fazer . Eu sei que a gente comprava assim uns três litros de leite pra um monte de gente tomar, eu lembro isso daí, em vez de comer pão era oniguiri, né. Era assim. O chá, fazia bastante chá e pingava o leite assim pra dar um colorido assim né. Era mais ou menos assim, não tinha muita fartura assim pra comida não. R: - Essa época da guerra estava aqui então? K: - Não, após a guerra né. Foi 46 né, então o meu era 46, então era assim bem com economia né. I: - As economias estavam começando a se recuperar. K: - Não comia pão assim não, era só oniguiri. R: - Oniguiri né? K: - É oniguiri com chá e um pouco de leite assim. R: - Nessa época Mayumi-san estava aqui na cozinha? K: - Eu não sei, eu sei que a gente ajudava a cozinhar. Cada um, tinha o tooban né, cozinhava e lavava. Tem uma parte aí de lavar louça lá. Acho que é depois dessa. R: - E aqui... K: - Acho que é prêmio, né, ia dar o prêmio... I: - Troféu do torneio de tênis... R: - Ah esse é do tênis... K: - Eu sei que era muito gostoso. Aqui, na cozinha aqui a gente tá. Essa aqui não é a Tezukinha, essa da frente? R: - Não conheço. K: - Não sei se acho que o nome agora é diferente, né porque aí é o nome de solteira né. R: - Aí o sótão.... K: - Aqui quer ver ? R: - Dá pra ver? K: - Aqui esse último quartinho aqui esse de cima. R: - Que lindo! Era nesse casarão da Vergueiro. K: - É então é aquele ali ó tá vendo? É aquele lá, lá em cima aparece um telhadico lá em cima. Aquele telhadinho que eu dormia, que vinha os morcegos visitar a gente. No começo a gente ficava assustado, mas no fim ficou amigo. R: - Já ficou tão acostumado... então inclusive aquele lá é do Handa né. E a Sra. tinha falado que o Handa teve uma influência muito grande pra Sra. Que a Sra. Gostava do desenho, não é isso? K: - Eu já gostava de desenho antes de ir pra lá, aí com ele assim também, sempre fixa, né. R: - E depois ele um pintor de tanta projeção, né, na colônia. K: - Aqui também é na casa desse moço assim, que a gente foi mas ele tinha cultura de pêssego lá em Itaquera, aí a gente foi fazer o piquenique lá, mas eu esqueci o nome dele. I: - E por que “sim sim”? K: - Ele falava qualquer coisa,”sim, sim, sim” , eu só gravei isso daí, “sim, sim”.

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R: - Então esse acabou ficando K: - Ficou, é... R: - Dia do tooban, dia de tooban, o que que era esse dia de tooban? K: - Dia de limpeza, assim de lavar louça, lavar as panelas. R: - Aí era um dia específico? K: - É. Cada um , por exemplo, toda semana, tal dia era pra um, por exemplo, o meu não sei se era segunda feira. R: Tinha escala. K: - Cozinhava e também limpava. R: - Ajudava na cozinha...que interessante. Tem uma passagem nos escritos dela, de uma escola visita lá no Japão e que aí assim, elas também lavavam. Mas aí elas estavam querendo que contratassem alguém, e ela fala, mas não é uma questão de uma obrigação, mas um período em que você dedica, né, como que você vai, o aprender, depois como é que você vai ensinar se você também... K: - Tem que fazer de tudo né? R: - Bacana, isso mesmo. K: - Aí depois eu casei. R: - Ah, o casamento. E esse vestido Kazuko san? K: - Então, esse vestido que eu tava contando pra você. Lembra que veio kimono do Japão... R: - Ele não conhece essa história. Conta a história desse kimono. K: - Então, aí, como eu falei, meu avô tinha casas assim que vendia kimono, que a minha avó era costureira, assim de mão cheia, então ele quis mandar um kimono assim todo bordado, lindo, lindo lindo. Eu não cheguei a ver mas meu pai que viu e contou né, disse que todo bordado, completo assim, com uns negócios de por na cabeça, os calçados né, tudinho, leque, tudo completinho, completinho. Tinha parece que 61 peças ao todo né. Aí ele abriu mostrou, aí o olho cresceu né, viu que era muito bonito, não quis entregar. Meu pai tinha levado assim na época, acho que 20 contos, uma coisa assim, bastante dinheiro sabe, se caso precisar algum advogado, alguma coisa ou qualquer coisa, ou passar alguma coisa pra eles e tal, mas não, disse que não aceitava não, disse que não tinha jeito, que era muito valor, que tinha que ir embora no malote tal tal tal. R: - E nunca chegou lá. K: - Aí meu avô lá do Japão falou, como é que é isso, eu já paguei todo imposto que tinha que pagar aqui no Japão, aí disse que todo navio que chegava do Brasil ele ia lá no porto esperar, até ele morrer ele tava indignado. Aí minhas colegas que correram fazer o vestido né... R: - Ah, era pessoal do... K: - Do meu serviço, né, que eu trabalhava no SESI na ocasião já né, trabalhava lá e as professoras reuniram, e tal, trabalhavam fora do expediente e ficava trabalhando trabalhando pra aprontar o vestido, aí... R: - Aí não fez nem a cerimônia do... K: - Não , fez cerimônia. R: - Não, mas não do ritual, sansan K: - Japonês, não não, fez assim só na igreja né e...

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R: - Por que antes teria né, com as roupas era pro cerimonial? K: - Porque minha prima também era filha única, quer dizer eu era também filha única, então como fez pro outro filho, então ia fazer também pro meu pai, ia dar. Agora deu pra minha filha, o kimono. Mas no fim ela não casou com kimono também porque chegou atrasado. Acho que eles ficam ensaiando né. Eu ganhei uma boneca três anos depois, sabe, chegou, a boneca, acho que ficaram com emorso alguma coisa né, aí devolveram né. Mas assim naquela época, pra vir do Japão demorava né? Aí o vestido da minha filha eu que fiz pra ela, o vestido do casamento dela. Chegou depois, ninguém casou com kimono, o kimono dela tá guardado, agora o meu não chegou né. R: - Quer dizer ele chegou e não... K: - É, não voltou pro Japão, ficou na mão dos alfandegários lá né. K: - Aí a lua de mel, em Poços de Caldas, minha primeira casinha, que a gente comprou já assim, com ordenado que a gente ganhava né, o meu e do meu marido, foi a primeira casa, depois de um ano eu tive um sorteio lá no SESI, eu ganhei, naquela época era um milhão, agora mil reais, deu pra fazer uma boa reforma na casa, tive sorte. R: - E aqui? K: - Aí é a charretinha lá em Poços e Caldas, aí tem essa fonte dos amores, onde a gente tem uma torneirinha que bebe água pra, tem uma his... R: - Tem uma história? K: - Tem uma história que fala que se beber água e tal fica feliz pra sempre, uma coisa assim né? R: - Então acho que funciona. Vamos ter que ir lá beber. K: - Não é à toa que todo mundo que vai fazer lua-de-mel vai lá bebe água da fonte dos amores aí. R: - Então tem que... e tá registrado aí, tem que ficar feliz pra sempre. R: - Olha! K: - este aqui é nosso primeiro filho, Lincoln né. Do primeiro, aqui da segunda, aqui a terceira Noemi, quarta..., aqui o último. R: - Tudo bem perto né? K: - Mais ou menos. Fiquei dez anos assim. Até o mais velho ao mais novo. R: - Quase dois anos né? K: - É, quase dois anos de diferença. I: - Esse período todo foi em Campinas? K: - Tudo em Campinas. Eu trabalhei lá 30 anos, no Serviço Social da Indústria né, no SESI, que é um tipo de uma escola, assim, não como a atual Akama-san, mas antigo assim, ensinava corte e costura, ensinava bordado, ensinava economia doméstica, tinha aula de puericultura, tinha aula de educação sanitária, educação sexual, tudinho assim, curso de noivos né, o noivo aprendia a parte assim, conserta ferro , essas coisas miúdas. R: - Tinha pra ele e pra ela. K: - Curso de noivos, assim também dar banho no neném dava os dois assim sabe, era uma escola assim, pra noivos mesmo né, era pra senhoras da indústria, industriários é que tinham direito a freqüentar os cursos, então tinha crianças de

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três até noventa anos. Tinha vó , neto assim freqüentando, tinha de todas faixas etárias, diversos grupos né. Era bem agitado, tinha umas oitocentas alunas, eu fiquei trinta anos nesse serviço. R: - Nossa, e aposentou lá. K: - Aposentei lá. Entrei solteira, saí avó. Você acredita? R: - Que delícia ! K: - É é uma delícia. Era um lugar assim que me realizei bastante assim, fazia tudo o que eu queria, era encarregada de lá né, era chefe lá. R: - Saiu daqui e foi direto pra lá? K: - Não. Saí do Akama-san depois fui fazer colégio técnico depois fui pra USP, depois da USP é que eu fui trabalhar no SESI. Aí a gente quando saía da USP naquela época , já tinha fila esperando os alunos né. Aí tinha umas duas três ofertas e eu escolhi o que era mais ou menos assim ligado assim coisa não era de indústria assim mais ligado com pessoas né, com ser humano assim, aí aceitei o SESI que era , tava no terceiro lugar assim mais ou menos. R: - E lá quais eram os cursos que a senhora dava? K: - Não. Eu era encarregada né. Era chefe de tudo. Tinha oito professoras e duas serventes, e aí tudo o dinheiro vinha pra mim né, por exemplo, não sei se era quatro mil reais na época mais ou menos né, aí tinha que distribuir tudo pra todos os cursos, pra todas as compras, todas as coisas né, então era encarregada disso, e na falta de uma professora assim, também eu substituía né, na parte de nutrição, de culinária, do que era possível assim né. R: - Ah, então cuidava da coordenação. K: - Da coordenação. Quer dizer, a gente era encarregada mas também tinha função de orientar os professores né. Assim, foi uma época bem gostosa, trabalhei trinta anos e quase todas as funcionárias ficaram durante o tempo que eu fiquei também. R: - Que bacana... K: - E tinha em média oitocentas alunas, não o período inteiro, porque a aula era assim de suas horas cada grupo então começava um grupo numa hora daqui duas horas outro grupo, outro grupo, eram umas quatro ou cinco salas só, e tinha que fazer aquele jogo de xadrez, quer dizer era minha função, de professor, de aula, com salas de aula né. Não tinha à vontade assim, cada professor uma sala né. Então tinha que remanejar assim, que é um joguinho de xadrez né? I: - A Sra. era Diretora então. K: - Era Diretora desse setor aí né. I: - Tinha que organizar toda essa parte. K: - É, toda essa parte. R: - Mas acho que aí também essa vivência ajudava né, ou não, de saber esse funcionamento todo porque de certa forma também tinha toda essa dinâmica é, lá na... : - Ah, mesmo não só na parte profissional , mas na parte de formação, né, eu acho que ajudou bastante né. Pra ter assim compreensão com dez funcionários sob né, a orientação tudo mais né. Não foi fácil, mas foi muito gostoso, assim bem...bem gratificante né , de trabalhar com criança pequena assim

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principalmente assim, achava muito...muito gratificante o que os adultos não aprendiam, as crianças aprendiam e ensinavam os adultos, principalmente na comida, assim por exemplo né, que adulto assim tem muito tabu, que não quer isso não quer aquilo né, isso com aquilo faz mal, mas a gente ensinando as crianças, as crianças chegavam e ensinavam os pais né. Não na escola agente experimentou e fez isso. E já com três anos a gente ensinava a fazer sabe, diversos pratinhos que eles eram capazes de fazer, aí comiam sanduíche com verdura em vez de comer né, assim só com carne , com hambúrguer, essas coisas assim, era sanduíche assim tipo vegetariano assim também né. Aí acabava gostando né. Aí ia pra feira e falava pra mãe “ Mãe compra tal verdura, tal coisa, tal coisa” assim né. Ah, a mãe ficava assustada né? Puxa a criança não comia verdura de jeito nenhum, como é que tá pedindo pra comprar agora né. É porque chegou a gostar né, chegava a gostar assim. A gente falava, ah faz bem pra vista né, tal alimento faz bem pra pele, faz bem pro cabelo, tal, tal, explicava, eles, criança grava mesmo, elas são sinceras assim né, então tudo mundo quer ficar forte, então tem que ( risos) então chegava as mães no fim do semestre assim agradecer né. Fala “Nossa como mudou o comportamento do meu filho” , né. R: - Que bacana. K: - Eu acho que lidar com criança, assim, é muito gratificante. Agora estou lidando um pouco com meus netos sabe, assim né, então nas férias, que durante a aula um mora em Minas outro mora pros Estados Unidos outro mora em... diversos lugares né, não dá mas, nas férias a gente aproveita assim, reunir, então eu cato todos netaiada, dentro do carro a gente faz uma tourneé assim nas casas catando um né, catando um aqui outro acolá e a gente faz assim trabalhos manuais, comidinha assim né, R: - Onze K: - Onze netos, essas férias gente tá fazendo um negócio sobre o aquecimento global, né, que a gente tem que também despertar as crianças desde pequeno né? Então fiz um trabalhinho assim, agora tá na impressora sabe, o livro, sobre isso. Aí eu contei uma historinha, acho que você conhece, do beija-flor? História do Beija Flor? K: - Ela é famosa, essa historinha, bem já meio antiguinha até né. Então o beija flor assim, né. Deu incêndio assim numa na floresta, né. Aí os bichos começaram, todo mundo a descer do galho e tal, os macacos e tal, as aves também todo mundo fugindo né. Aí o beija-flor ficou pensativo né. Aí ele pegou e falou assim, não é assim que deve ser feito né. Começou a ir no lago, pegou uma gotinha e vir jogar no incêndio. E ia e voltava, ia e voltava e aí uns animais lá falaram, mas o que que você está fazendo? Começou a dar risada dele. Você acha que vai adiantar alguma coisa, né? Aí o beija flor falou, não parece que não mas de gota em gota eu vou fazer o que sou capaz de fazer né, não posso fazer outra coisa, só posso fazer isso né. Aí ele juntou um monte de beija-flor e cada um jogando um pouquinho de gotinha em gotinha né, quer dizer que , no fim a união vai fazer a força né. Então uma historinha assim. Aí depois falei pra cada um, contei as historias né, de que forma que a gente pode amenizar esse aquecimento global, contei essa historinha toda tal, aí eu falei, agora depois dessa historia toda vocês

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vão fazer uma historinha cada um, aí o meu netinho de 2 anos falou “ó vovó”, todo mundo em silêncio ouvindo a historia, aí ele levantou assim e falou Vó, mas eu sei dum bombeiro, levantou assim de pezinho assim. Os outros tem mais idade assim né, ele é o caçulinha de todos. Eu sei o bombeiro apaga o fogo vovó, assim não precisa de gotinha em gotinha, não dá, é mais rápido, apaga rápido os incêndios. Todo mundo ficou meio assim né, e começou a dar risada dele. Aí o mais velho começou a explicar, não mas o incêndio é na mata, lá não tem bombeiro assim na hora né, aí ele ficou sossegado, mas também ele acompanha, sabe, tudo agora ele fala, olha não pode jogar lixo porque vai sujar o rio porque vai não sei o que, sabe ele fica falando pros outros amiguinhos também, contando as historias sabe. Então ele gravou bem o que que é. R: - Acho que vou levar meus filhos para ouvirem as históias da senhora, vou juntar os netinhos, põe mais dois. K: - Então, aí eu estou fazendo esse livrinho pra divulgar também né, aí cada um fez um desenho, mas por incrível que pareça, cada um fez um tema diferente sabe, um fez sobre o negócio do lixo, outro falou de derrubada de árvore, outro já falou de incêndio, outro falou do esquimó, sabe, um dos netos, esse aí já tem 11 anos né, falou do esquimó né que foi lá pros Estados Unidos, foi falar lá do que estava acontecendo lá na geleira né, que tava derretendo que tinha muito peixe assim morrendo, que tava sumindo, e aí caiu um bloco de gelo e foi parar lá nos Estados Unidos, aí fez a conferência pra eles, e tal e foi apoiado né, e agora que a situação tá melhorando, não sei o que, só uma coisa assim. Acho que mês que vem acho que fica pronto o livrinho, aí eu... R: - Depois eu quero, quero ver isso sim, mas acho que é tão bacana né porque a senhora continua mantendo essa coisa da educadora né, que sejam com os netos. Mas eu fico imaginando assim, que a senhora teve uma vida bastante ativa né, profissionalmente era integral também não era? E a Sra. tem uma família grande, daí eu fico imaginando como é que a Sra. conseguiu conciliar, naquela época, esse lado de profissão, com esse lado de mãe de cinco né? K: - Nossa, mas não tive um tempo de descanso assim, quase. Mãe de cinco e ainda tinha minha mãe e meu pai né, porque eles eram dependentes de mim, porque, eu filha única né, também um ficava doente, outro tal e tal, a gente tinha que dar todo atendimento também. Ah me desdobrei bastante na vida, bastante mesmo... R: - E como que a Sra. conseguia isso. Ensina isso. Como é que a Sra. conseguia, numa época mais difícil até assim né, que hoje até é uma coisa mais normal a gente ver as mulheres tendo esse ritmo, mas naquela época... K: - Mas assim, tinha assim o prêmio de não faltar ao serviço assim também. Sempre chegava meia hora antes, ou uma hora antes, saía sempre mais tarde, uma hora mais tarde do serviço e nesse meio de tempo anda fiz uma faculdade de educação artística à noite, depois que eu saía do serviço, oito horas, nove horas eu ia pegar aula na PUCC de Educação Artística né, gostava muito dessa parte da arte também né, aí fiz a faculdade de 4 anos ainda (risos). R: - E como que era isso assim, pra senhora família e pro seu esposo também né, como é que era isso?

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K: - Ah, acordar cedo, dormir pouco né. Com esposo também é difícil, você tem que controlar melhor ainda as coisas né, pra não dar atrito né, nas coisas, tem que se desdobrar. (...) K: - No geral, o homem assim, não quer saber muito né, ele quer mais é agrado só (risos). R: - … mas me conta como é que era esse lado do seu, do Shiro-san que não tava aqui, como é que... K: - Bom, no começo ele foi desempregado né pelo Jânio Quadros. Ele levou aquela vassourada, agrônomo né, funcionário público. Aí ele levou uma vassourada e tal, ficou sem emprego, aí, por sorte, a gente tava comprando aquela casinha que eu te mostrei né. Então o ordenado dele era todo pra casinha né e com o meu a gente levava o sustento. Mas como eu falei pra você, por graça de Deus assim eu recebi aquele dinheirão assim que deu pra reformar a casa e tal né, mas sempre tem uma mão de Deus assim, que ajuda sabe, sempre eu conto assim numa hora mais difícil tem uma ajuda assim inesperada né, que ainda as minhas colegas falaram assim, tem esse sorteio aí, você não fez? Eu tava esperando meu filho né. Disse, não, não deu tempo de fazer. Falou hoje é o último dia, vai lá fazer. Eu fiz, não é que eu ganhei! Ai eu ganhei o negócio, aí foi o que ajudou também no sustento de tudo né. E antes eu tinha falado que era da época da guerra que meu pai ficou doente e também né, meus pais estavam com dificuldade aí o Estado veio me pedir para dar aula pra substituir professora, que eu ganhava um conto e duzentos e tal que deu pra fazer minha faculdade e tudo né. Serviu pro momento e ainda pra economizar, metade dava pra economizar, e eu fui guardando e guardando e deu pra fazer tranqüilo sem precisar de nada , o meu curso técnico né e o começo da faculdade. Aí na época o meu pai já tava em Ilhabela, ele ganhava com nori, ele fazia nori lá, que ele aprendeu também quando era mocinho assim lá no Japão né, ele fez o tear, ele mesmo sabe, manualmente sem máquina sem nada, tudo no canivete, ele fez um tear pra fazer nori né, porque tem que fazer um monte de esteiras, assim, pra secar o nori, né. É uma esteirinha feito tear mesmo igualzinho máquina de tear perfeito assim. Você vê, uma coisa assim de infância ele gravou né. Ele fez tudo no canivete assim, ele tinha só canivete machado e enxada. Sem aparelhagem sem nada assim, tudo no encaixe ainda, sem parafuso, sem prego sem nada, bem estilo japonês. Marcenaria pura. Olha mas eu fiquei boba com aquele negócio lá. E não é que um caseiro pôs fogo depois que não fazia mais isso aí. Ai, mas eu fiquei morrendo de dó, porque tava guardado tudo, era uma relíquia né pra mim. Mas ai ai, pôs tudo no fogo, porque não estava usando, estava lá acho que estorvando né. Eu fiquei louca da vida. Bom, por que foi que eu fui falar isso daí? (risos) (…) R: - …então, porque aí depois a Sra. teve muita colaboração na verdade K: - Foi uma colaboração divina mesmo, toda necessidade assim surgiu isso daí. Aí teve esse sorteio, ganhei também, que me ajudou bastante, meu marido estava desempregado, e arruma algum bico aqui e acolá, porque acho que 400 agrônomos foram varridos, então não achava emprego assim quase lugar nenhum

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né. No fim depois ele foi recontratado assim por baixo assim, pra uma ajuda assim né. Eu tinha o Lincoln pouco tempo, aí minha mãe ajudava muito também quando precisava ela vinha e ajudava, porque filha única assim meu pai falava, vai lá ajuda a sua filha que tá precisando né, na época tinha só o Lincoln, ela levava, pra amamentar ela levava até a escola, tomava um bondinho, morava em Campinas nessa época né. Tomava o bondinho, levava lá, amamentava, voltava assim sabe. Só pra não perder o tempo de sair da minha casa, porque tem uma hora de amamentação assim, mas ela que ia e levava assim e trazia assim pra casa né, de bonde tomava o bonde com a sacolinha, vinha. Me ajudou bastante. Ela faleceu com noventa anos, e depois que já tava tudo mais ou menos crescido que ela faleceu e meu pai faleceu com noventa e três anos e sempre assim , os dois colaboraram bastante, mas ... R: - Porque assim, depois de dois em dois anos né, são muitas crianças pequenas né? K: - Mas eu tinha assim babás assim. Era assim: eu pegava uma pessoa assim que queria estudar, do interior, inclusive teve uma que ficou, quantos anos… Ela fez o ginásio em casa 4 anos, fez colegial mais 3 anos, mais 5 de faculdade. Ela fazia um período e uma outra fazia outro período assim, fazia uma troca. R: -Daí estudava...que bacana. Então era nihonjin também? K: - Nihonjin. Tive brasileira também, no meio, teve umas duas assim no meio. (...)

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Informante: Takiko Ota (Ta) Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R) Participantes: Edson Issao Akama (I), Tomoko Otta (T) Data: 28/05/2008 Horário: 15h Local: residência de Takiko Ota Duração da entrevista: 74 minutos Nascida em Izu (Japão), em 04 de janeiro de 1922, chegou ao Brasil em 13 de novembro de 1932 Pais: Yasuji Suzuki e Natsu Suzuki , (adotada pelos tios paternos Toyoichi e Tokuno Suzuki, em março de 1923) Esposo: Hajime Ota Filhos: - Elza Ota e Hiromiti Ota Netos: Nilton Minoru Ota Mauro Hiromu Ota Luiz Carlos Kaoru Ota Ricardo Yutaka Ota Gilberto Mitsuro Ota - Suguko Shimaoka, viúva de Shiroshi Shimaoka Netos: Luiz Alberto Shimaoka e Edna Akemi Kinukawa Shimaoka Bisneto: Vitor Hiroshi Kinukawa Shimaoka Denise Shimaoka Carlos Alberto Shimaoka e Katia Harumi Tamae Shimaoka Bisnetos: Lucas Hideki Shimaoka Henry Yuji Shimaoka - Tomoko Ota - Yassumassa Ota e Amélia Yuliko Sawada Ota Neto: Eric Hajime Sawada Ota - Luiz Hirotoshi Ota e Wanda Lúcia Maia de Souza Ota Netos: Caio Hiroyuki de Souza Ota Liz Miyo de Souza Ota - Lúcia Yoshiko Ota Takiko freqüentou a escola, no Japão, até o segundo período da Quinta Série. No Brasil, fez o Curso Primário e terminou o Ensino Básico – sexto ano da escola japonesa, em Aliança, São Paulo. Interna no “Akama gakuin” de abril a setembro de 1939, recebeu ensinamentos de Corte e Costura com Tomoe Suzuki e Tsuruko Kuroda; Culinária com Prof. Ogasawara e Hatsue Sato; Ikebana com Kikue Suzuki. I: - Ela tava contando que ela se formou em setembro pra voltar e já casar em novembro. Tinha data pra fazer tudo. Setembro de kaete kara novembro ni mo casa shita no. I: - Saiu de Aliança pra fazer o curso, se formar e voltar pra casar. R: - Ele tinha ouvido falar

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I: - Pelo que ela falou, parece que o marido dela, o futuro marido já tinha escolhido a escola. R: - Tem como perguntar? I: - Não sei como perguntar muito bem isso daí. R: - Ah tem guardado né? Ta: - Tada terno wa costura nakatan kedo outro wa minna naratan no ne. I: - Terno ,ela só não aprendeu a fazer terno. R: - Ah, não deu tempo? Ta: - Não, terno no hou wa ii yutte ne, não faz muito ne. R: - Agora de criança, kodomo ...olha...manga, manga ne, e o caderno né (...) Ta: - Jya, Koohei-san, san nin kodomo matareru no. I: - Hai, Kiyoshi wa oniitian, e Tadashi é irmão mais novo. Ta: - Minna otokono ko no? I: -Hai. Ta: - Onna no ko wa inai. I: - Inai. Ta: - Koohei-san no okusan shiranai. I: -Shiranai? Ta: - Ateru ka mo wakaranai kedo, shiranai no. (...) I: - Nan sai deshitaka? K: - Watashi jyu hati no toki I: - Jyu hati, desessete anos ela tinha. T: - casei com dezoito anos. R: - Que novinha... R: - Aqui são as colegas, são as amigas, turma Ta: - Kore wa Sato sensei ne. Ato wa tomodati nanno (…) R: - A historia do seu pai leva-la né , de Aliança... T: - Você vê que tarado! R: - Então, mas ela casou novinha né, ela falou dezoito anos. T: - Tinha dezoito anos, dezenove ela já era mãe! R: - Mas aí ele levou ela pra preparar pra saber cozinhar e saber costurar. T: - Pra saber cozinhar porque o fato é que a minha mãe, a minha mãe era louca né, imagina. Ela casou com um homem que era o primogênito de um viúvo e tinha três cunhados mais velhos que ela. Você imagina naquela época né. E foi morar tudo junto. Você imagina o que ela não pastou né. R: - Kawaisoo. T: - É kawaisoo mesmo! (risos) I: - Que o primogênito cuida do pai e ainda tinha três irmãos. R: - Tinha três irmãos. T: - Tinha três irmãos e tinha duas cunhadas, e os três eram mais velhos que ela. I: - Cuidou de três famílias então. T: - Três. Então você imagina né?

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I: - Com dezoito anos. T: - Dezoito anos. Disse que, a minha tia que fala assim, que às vezes a obaatian ia lá porque minha mãe não tinha tempo de ir lá visitar a obaatian né. Diz que o cabelo da minha mãe disse que ela não conseguia nem pentear, disse que não dava tempo. Você imagina. (...) R: - E ainda assim, ela é issei I: - Ela é issei. T: -É issei R: - Então, eles também, issei? T: - Todo mundo issei R: - Então, que é outra geração T: - Parece que ojiitian defendia minha mãe, mas os cunhados eram fogo. (...) R: - Deixa eu te perguntar uma coisa… eu queria saber um pouco dessa trajetória dela tanto de vida, família, é, e assim esse momento do porque desse encontro com esse espaço da Michie ... é da Akama-san, porque foram três meses de convivência né? T: - Mamãe oboete iru? Ta: - Nani? T: - Oboete iru? Dooshite, sono Akama-san ni kita ka te koto. Ta: - Dooshite? T: - Donna shiteka, dooyuufu ni shite kitaka? Ta: - Yappari São Paulo ni naratta hou ga ii yo te, Tsuru nesan ga yutta no. T: - Ah, Tsuru nesan? Tsuru nesan mo koko ni yotta no? Ta: - Itte itteta no. T: - A prima dela, essa Kuroda né, ela já estava aqui no Akama-san. Ta: - Porque viúva ni nate kara, dakara São Paulo ni kita no ne. Sono Akama-san sensi ni ittete, dava ensinando. De watashi ni São Paulo itta hou ga ii te itta no ne. R: - Mas assim, foi ela que falou isso pra ele? Porque ele que quis trazê-la, não é? T: - Ele também quis não é mamãe? Papai mo kite hoshikatan jyanai? Ta: - Donna ka shira? T: - Eu não sei. Eu juro que eu não sei. Mas acho que sim né? Porque pra ele trazer né? Ele acompanhá-la aqui né? I: - Ele veio de lá com ela? R: - Já conhecia lá né? Daí ela veio já com data pra voltar pra casar. Ta: - Primeiro conhece shita toki ne, grupo ni itte ita no yo, sore de ne, um dia ano farmácia de hataraite ita no, de watashi ga boa tarde te yutara ne, konnichiwa no hatsuonga ii no ne, gaijin ni yoku niteta no, gaijin to omoteta no ne. Sorekara, gakkou ni itte ne, otomodati ni, ano gaijin nihongo jyoozu da ne, tashika hatsuon ga ii yo yutara, are nihonjin yo te, koo yuu sityata no. Sorekara ne, ano farmácia ni ne, um dia nanka kaimono ni itta no yo ne, sorede tyoodo ano shitori no shito ga te wo opera surunda. Sorede ano, opera suruni ne, te wo motete moraitai no. Watashi, mote kureru kara, te wo motsu kurai ii to omote ita no, motetara, ti wo kittara, ti ga pon to deta no, watashi ga aoku nate, ki ga ...(risos)

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T: - Minha mãe foi ajudar, papai disse que pediu para segurar né, pra segurar o ferido lá, aí disse que ela que desmaiou. Ta: - Sore kara, ano kaete kara ne, ano visita shite kureta no. I: - Na verdade o seu pai tinha uma pronúncia em Português boa? É isso que ela tava falando? T: - Em Japonês. Porque papai tinha cara de estrangeiro, não tinha cara de nihonjin. Papai tinha cara de gaijin sabe, então minha mãe pensou que fosse gaijin, aí não era. Então ela achou que ele tinha um sotaque bom né. Lógico né, ele era japonês. Ta: - Sore kara, visita shita mon dakara, watashi ga kaete kara ne, visita shite kureta no. Sore kara conhece shita no. Sore kara asoko no Kasuda Totoro(?) itte, Kasuda , are wa nan nittsu(?) data ka ne, medico data no ne, sono shito ga ne, ano nankoodo(?) wo shita no, sore de casa shita no. R: - Mas então não foi miai, então, não foi. Foi encontro mesmo, casual. Ta: - Então, quando casa shite ne, Mirandópolis e itta no ne, sore de há wo narai ni , ano há wo iroiro shitari ikitai, rikkou narai ni itta no ano Soire ban wo ne, de (...), de haisha wo yatte ita no, moguri no. Totemo jyoozu atta rashii no ne, oozei kuru no yo. T: - Dentista prático. R: - De lá, já. T: - Não, lá em Aliança. R: - Mas será que ele veio com isso do Japão? T: - Não, não. R: - Ah, aqui mesmo? (...) T: - O papai veio aqui pro Brasil porque disse que ele queria estudar. E daí, ele sempre pensava assim, eles relacionavam América com Estados Unidos. (...) Ta: - Sore kara ano, gaijin to socio de yatara ne, diplomado ne, diploma no gaijin de ikanaide, minna uti no shito ni kurun datte. Shitori de hataraite, gaijin ga shinbun yondari, revista mite ita no. Sore kara yamete, mata yattara, outro no onnade. Sore kara, ano sensou ni natte ne, sensou ni natara ne, doogo(?) minna toraretyata no, haisha no. I: - História diferente essa imigração do seu pai! Quer dizer, ele veio com um sonho de ... T: - Ele veio com um sonho de poder estudar. I:- Achando que era uma coisa parecida com os Estados Unidos. T: - Mesmo a Kuroda, Kuroda disse que ela veio pro Brasil porque disse que o diretor da escola que ela estudava lá no Japão disse que gostava dela e disse que perguntou pra ela se ela não vinha casar com o irmão dele que estava aqui no Brasil. Então, disse que ela também pensou, falou assim, América né, então eu posso continuar estudando, e disse que veio. Aí foi praquele meio, fim do mundo. Olha, hoje Aliança é fim do mundo, você imagina aquilo lá setenta anos atrás. Então era um fim de mundo mesmo assim sabe. R: - E sem chance de muito estudo né.

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T: - Nada! Foi se meter no meio de mato né. Aí no caso da minha mãe, a Kuroda-san, então a mãe dela, elas eram três irmãs, e tem aquele negócio de ser a tutora e a quela coisarada né, de japonês. Disse que ela pensou assim, que a mãe dela não viria pra cá, e ela se senti muito só, sabe, então ela disse que escreveu pra mãe da minha mãe, que era segunda, que disse que era bom, que era isso que era aquilo. E o Jityan largou tudo lá e veio pra cá, aí se estabeleceram lá em Aliança né. Quer dizer, tiveram que chegar, porque eles chegavam com contrato de trabalho né. R: - Sim, sim, tinha que chegar como todo mundo. T: - Eu lembro que falei pro papai, que que o papai ficou tanto tempo lá, lá naquele fim de mundo lá, que não vinha pra cá, devia ter saído de lá né? R: - Tinha que cumprir né. T: - Ele falou assim, eu tava lendo num desses livros do trabalho que eu estou fazendo, que realmente eles traziam um contrato de trabalho que eles acreditavam que era um compromisso que o governo japonês cumpria com o governo brasileiro, então disse que eles não podiam desonrar esse contrato. Isso daí é que segurou eles assim sabe. E no caso assim eles se ferraram mesmo né. Cumpriram esse contrato e saíram sem dinheiro, ele perdeu tudo. Papai disse que quando estava acabando o contrato dele, o fulano que era dono das terras, porque eles tinham trazido dinheiro também, e depois então eles trabalhavam como meieiros aqui, então disse que falou assim. Porque gente, Aliança era um lugar assim, que demorava 24 horas pra conseguir chegar no banco mais próximo, imagina o fim de mundo que era, o banco mais próximo eles levavam 24 horas de jardineira, a pé, de trator, de sabe, caminhando la no meio do mato disse que demorava 24 horas. Então papai falava assim, que que eu vou fazer com dinheiro aqui? Ainda ia ser roubado né, então disse que eles deixaram com o patrão, falou assim, a hora que acabar o contrato a gente pega o dinheiro e eles combinaram com ele né. E quando tava acabando o homem morreu e a mulher chegou e vendeu tudo que tinha de terras, porque eles não podiam comprar, mesmo com dinheiro eles não podiam comprar, porque eles tinham que ficar 5 anos trabalhando na terra, que era o contrato né, tinham que trabalhar na terra 5 anos, pra depois ter o direito de comprar, então quer dizer que mesmo com dinheiro eles não podiam comprar na época. E ele vendeu para outro e disse deu uns metros quadrados lá pra ele, assim que disse que ela não conseguiu vender e foi embora pro Japão. Ela sabia que diz que tinha o dinheiro né. Você acredita, Regina, que depois de quarenta anos que esse homem morreu ela veio aqui, sabe, essa mulher veio aqui disse que veio buscar a ossada do marido, aí eu lembro que o papai perguntou assim, disse que ela escreveu sei lá o que pro papai, perguntando se podia recebê-la né, então falou eu não, eu não quero ver essa mulher nunca mais né, porque inclusive a minha vó, a mãe dele, morreu porque o socorro demorou porque não tinha dinheiro para tratar, e minha vó tinha um câncer sabe, e daí então demorou para conseguir o dinheiro para poder vir pra São Paulo pra tratar, sabe, então papai tinha uma revolta muito grande com isso né, sentimento de culpa, de raiva, de um monte de coisas assim né, e daí essa mulher disse que chegou e queria vir em casa. Aí papai falou, eu não, não quero

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receber uma pessoa dessas né. Aí falou assim, que queria colocar osenkou pro ojitian e obaatian, porque não sei o que, e aquela coisa toda assim sabe, aí você sabe que ela cercou os tios, chegou nos meus tios e meus tios começaram a fazer pressão pro meu pai receber a mulher né. Aí eu lembro que, mamãe não sei nani yutta ka ne, papai perguntou pra mim um dia ne, ele falou assim o que você acha? (...) Eu falei pra ele assim, papai, o negócio é o seguinte, eu acho que você é vencedor, que apesar de ter sido roubado desse jeito você sobreviveu, constituiu sua família, você fez todo mundo estudar, você venceu né! Então apesar de tudo você é vencedor. Ele falou, ah você pensa assim? Aí...não sei, só sei que um dia essa mulher veio aqui, ela veio aqui conversaram, depois ela estava hospedada numa casa né, que olha por coincidência, a casa onde ela estava hospedada era vizinha da casa do meu professor que eu trabalhava com ele. Olha que coincidência né? Aí eu sei que um dia minha mãe chegou e falou pra mim assim, você conhece este endereço aqui? Me deu assim né de manhã. Eu conheço por que? Ah então você passa lá para me pegar de noite, na hora que eu vinha embora. Por que? Aí era a casa onde ela estava hospedada, essa obasan estava hospedada, sabe. Aí eu lembro que eu cheguei, toquei a campainha pra dizer que eu tinha chegado (...), aí ela falou assim, ah tada Takityan no ko data no ne, ela falou assim, então era uma pessoa que eu entrava saía, bom dia, boa tarde, mas nosso diálogo era esse né, aí essa mulher era colega de escola da minha mãe, disse que eram colegas de escola. R: - Que coincidência né? T: - Você vê. Mas aí ficou por isso né. Claro que o papai não recebeu o dinheiro né, mas ... R: - Que mundo né, pequeno. Tem que andar direito né. Ta: - Sore kara, haisha yatta kedo, yoku hayatta no ne, dakedo, tem que sustentar bastante família né, ano gente ne, de shitori de hataraku dake dewa dame dayo te ne, sore kara hoteru shita no. Eto ne, comprou hotel, ano aluga shite ne, sore de yoku hayatta no, ano sensou no toki ne, ano há no doogu(?) minna toraretyatta no,delegacia ga, nihonjin dakara ne, sorede shikata nai kara ne, nani shiou ka yutteta toki, tyoodo hoteru yarou te, hoteru wo uteita no, ano aluga suru you ne, sorekara soko de yatte, hoteru yatta no. Sono toki Akama-san ga korareta no, ikkai gohan tabete itadaita. I: - E esse hotel ficava em Aliança? T: - Olha gente eu fui ver esse hotel com a minha mãe, outro dia né. Gente é um muquifo, um puteiro. R: - Lá, em Aliança. T: - Aqui, aqui na Silveira Martins, ali na Silveira Martins com a Tabatinguera. Gente aquilo lá é um puteiro hoje. R: - Ela alugou. T: - Eles tinham alugado e ficaram um ano e pouco né mãe? Ta: - Soo ne. Sorekara, okyakusan oozei kuru no yo ne, sorekara fiscal ga kite ne, ano aluga shite ne, cozinha to are ga ne, cozinha taira datta no, não pode datte, cozinha wa are shite, azulejo hakaranakya ikenai. Dakedo, azulejo, nanka, aluga shiteru, não dá pra fazer ne.

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(...) Ta: - Okyakusan ga ookiku nate, ookiku mietan no yo. Então fiscal ga kite, azulejo hatte inai kara, iti conto ano, nanka, ni conto made multa datte, dooshitara ii ka te yutta no, kore wo kure no yuu no. Yonhyaku totta no, de yonhyaku yatta no. Jya concordou ne. Sore kara, tsugi no hi outro fiscal ga mata onaji koto wo, Yon nin no fiscal ga mai tsuki kuru no, yonhyaku zutsu toru no. I: - Cada um veio tirar 400 contos. Ta: - Então, ano refeição ga ano toki yon mil data no yo. Sorede, yonhyaku mo toraretara, mo não dá lucro nada ne. Vamo vender esse hotel, sore kara motto ii no kaou te yutta no ne, sagashi ni ittara, roka no hotel minna uti yori pior nano, uti no medio kurai de yokata nano. Dakedo, fiscal, inaka kara deta kara baka ni shita no ne. Sore kara vende shita no yo. Sore kara Andradina e itte, ano Bosque da Saúde ni yonkagetsu, nanka shigoto o sagasu ni, de wa Mirandópolis ni asobi ni itte kuru te yutta no. Mukoo de Motomiya-san ga otooto ga bazer wo utteru kara, serraria ga aitai , dakara uritai no. Movimento ga totemo ii no, calçada mo ippai shito ga tooru no, doyou, nichi wa ... I: - Comprou uma loja em Mirandópolis? T: - Em Andradina. Ta: - Sore kara bazar wo yatta no. Yoku hayattara ne, dono da casa ga pano ya datta no, urenai mon dakara hi tsuketa no. Sore de uti no mise ga fecha ni (...)natta no. Jya tsuite ne, sore kara, ano tatekaita toki yatte yoku itta no ne, sorekara, amari bazar demo mendokusai yutte, kondo granja yarou te granja 8 anos yatta no. R: - Não, mas isso que ano que foi então já? Ta: - Mudou muito ne. T: - A granja foi 59. Ta: - Sorekara, mo granja mo amari ookiku nai kara motto ookinano yaritai te. R: - Você nasceu onde? T: - Eu nasci em Mirandópolis, a época que papai, mamãe tinha um hotel lá. R: - Então, são quantos? T: - Nós somos seis. Eu sou a número três. Ta: - Sorekara São Paulo e itte, granja no motto ooki no shitai kara. Watashi, granja ya yutta no, porque ele sempre asma data no. Neru no ne, I: - Com pena de granja né. Ta: - Sore de ne, mooshi São Paulo ni itte, watashi hataraku no wa ii kedo, tamago wo uranakya ikenai, kaimono shinakya ikenai, tada São Paulo tiri mo shiranai de granja wa mo ya yo. Nunca ano contra shita koto nai no ne. Sore kara jya, tokeiya yarou, eto tokeiya yatta no. Sorekara tokeiya ni natta no. Musuko ga grupo, ano ginasio e itteru toki kara, asobanai hou de nanka oboetara ii te Tokei ga suki de tokeiya ni natta no. Sore kara tokeiya o hajimata no. (..) R: - Então sua mãe sempre trabalhou também, junto. Ela nunca parou para ficar com o lar? T: - Sempre. Ta: - Trabalhei muito! R: - São sempre coisas que ela estava junto né.

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T: - Sempre. T: - Na granja, nossa, ela que carregava sabe, ela carregava a granja. I: - Seu pai fazia a parte comercial de vender. Sua mãe que tocava o dia a dia. T: - Isso, relações...então comprar ração e preparar e essa coisa, e minha mãe é que fazia tudo. (...) T: - Mas a minha mãe sempre trabalhou. Sempre, sempre ela carregou... (...)

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Informante: Rutsuko Mochizuki Pesquisadora: Regina Chiga Akama Data: 15/07/2008 Depoimento escrito Nascida em Hokkaido (Japão), imigrou ao Brasil aos 04 anos de idade, em 1933 Pais: Sossaku Mochizuki e Mura Mochizuki Irmãos: Katsumi Seiko Michi Taeko Toshiro Soichi Kieko

“Poder-se-ia dizer que “Akama Jogakuin” foi uma escola e mais que isso, um órgão de recursos humanos na formação da colônia japonesa em todas as áreas da primeira metade do século vinte. Na agricultura, como líderes das associações femininas (Fujin-kai), nos escritórios de empresas japonesas, no consulado japonês e nas escolas de língua japonesa.

Estudei na Akama Jogakuin nos idos de 46~47, quando a derrota sofrida pelo Japão era recente. Dada a situação dos japoneses, o estudo da língua japonesa era feito com reservas. A escola funcionava em uma mansão na Rua Vergueiro. O curso de corte e costura era importante pois não existia indústria de roupas feitas. Tudo era feito nos lares. Na época a Colônia era basicamente agrícola. Saber costurar e cozinhar eram condições essenciais para as moças, cujo futuro era o casamento. Também não havia opção para a maioria delas. Eram outros tempos.

Após o término do curso, retornei a casa e me dediquei à lavoura com os outros irmãos. Sempre que podia procurava aplicar os conhecimentos adquiridos no Jogakuin. Após 2 anos, meu pai permitiu que retornasse a São Paulo. Uma amiga do Kinroubu (esta é outra história interessante que vivenciara entre 13 e 14 anos, no centro de São Paulo) apresentou-me o Sr. Osamu Shiotsuki, distribuidor de fertilizantes aos agricultores da Colônia. Procurava alguém que pudesse trabalhar na máquina de datilografar em japonês. Fui vê-la. Um tablado repleto de tipos em kanji. Uma alavanca capta um tipo e acerta no papel preso a um rolo na frente. É como “catar milho”. Trabalhei nesse escritório durante dois anos. À noite cursava o colegial. O meu conhecimento de japonês levou-me à multinacional Marubeni. Foi ali que tive a oportunidade de traduzir o primeiro filme em japonês “A Noviça Raptada” da Nikkatsu. Já cursava letras na USP nos anos de 60~70. Após 6 anos deixei a Marubeni para dedicar-me às traduções. Já terminara a Faculdade.

Era uma fase de expansão da educação básica em São Paulo com muitas extensões nas escolas estaduais. Uma amiga, a Shizu, de matemática,

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veio buscar-me e levou-me no carro do namorado para o “Brasílio Machado” que abrira uma extensão e havia muitas aulas de Português. Até hoje sou grata a ela, a quem devo minha carreira de professora. Mas não deixei os filmes até que a televisão viesse a interferir no cinema. Mesmo depois, trabalhei como consultora e revisão de alguns filmes e documentários japoneses que a Fundação Anchieta importava. Foram mais de duas décadas servindo as empresas cinematográficas Nikkatsu, Daiei, Shochiku e a Toei. Aposentando-me, trabalhei como voluntária da Associação feminina de Combate ao Câncer depois na Associação Feminina Rotariana, mas deixei-a por problema de saúde. Todavia, continuo como primeira secretária da APN (Associação Panamericana Nikkei, uma entidade internacional) e dou aulas particulares de Português-Japonês. Estou fazendo oitenta anos. Posso dizer que a Akama Jogakuin norteou a minha vida. Sou imensamente grata a Akama-sensei em especial e a todos os professores que participaram na formação do meu caráter.

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ANEXO 02

Traduções de textos selecionados

da bibliografia de Michie Akama

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BURAJIRU SEIKATSU DE NO ETIKETTO

Michie Akama

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Apresentamos, a seguir, textos [[17-22], [40-42], [43-48], [58-65], [76-79], [80], [105-108], [108-110], [143], [146-151], todos retirados e traduzidos do livro Burajiru seikatsu de no etiketto do qual damos o índice geral.

1 - Prefácio………………………………………………...…………………………......1 2 - Formal e Sentimento…………….…………………..………………………………4 3 - Modo de se apresentar – Vestimenta……………..……………………………… 5 4 - Asseio………………………………………………..………………………………..9 5 - Atitudes………………..…………………………..…………………………….......11 6 - Cumprimentos…………………………………..…………………………………..12 7 - Apresentação………………………………….…………………………..…..[17-22] 8 - Como dirigir as palavras………….………………………………………………..23 9 - Como sentar numa cadeira………………………………………………………..29 10 - Ato de receber ou entregar objetos………………………………………………30 11 - Modo de usar o telefone……….…………………………………………………..33 12 - Comportamento no uso dos meios de transporte……………………………... 35 13 - No hotel….…………………………………………………………………………..38 14 - Caminhada na via pública…………………………………………………………39 15 - Na biblioteca………………………………………………………………………...40 16 – Visitas …………………………………...…………….………………………[40-42] 17 - O chá ……..……………………………………………………………………[43-48] 18 - Despedida - acompanhando até a porta ………………………..………………48 19 - Teatro……………………..…………………………………………………………49 20 - Na equitação…..……………………………………………………………………50 21 - Restaurante…………………………………………………………………………51 22 - banquetes com convidados especiais, importantes ou superiores…………..54 23 - Preparando a mesa………………………………………..…………………[58-65] 24 - Tipos de frios……………………………………………………………………….66 25 - Sobremesas (frutas) ………………………………………………………………68 26 - Vinhos……………………………………………………………………………….69 27 - Dever da dona de casa……….…………………………………………………[73] 28 - Culinária chinesa…..……………………………………………………………….74 29 - Culinária japonesa…..………………………………………….……………..[76-79] 30 – Chá/festa………………………………………………………………………... ...80 31 - Bailes………………………………………………………………………………...81 32 - Coquetéis……………………………………………………………………………83 33 - “Usucha” – variedade do chá .……………………………………………………84 34 - Fumo…………………………………………………………………………………84 35 - Cartas (Estilo Brasileiro) ………………………………………………………..…85 36 - Cartas (Estilo Japonês) ……………………………………………………………88 37 - Igreja…………………………………………………………………………………90 38 - Casamentos (Estilo Brasileiro) …………………………………………………...91 39 - Casamento oficial (cartório) ………………………………………………………94 40 - Na hora de ir à igreja………………………………………………………………94

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41 - A recepção………………………………………..………………………………101 42 - A viagem de casamento (lua de mel) ………………………………………….103 43 - Casamento entre os divorciados……………………….………………………104 44 - Casamento tradicional japonês….………………………………………..[105-108] 45 - Tipos de casamento………………………………………………………..[108-110] 46 - Aniversário de casamento……………..…………………………………………111 47 - Celebração datas especiais e aniversários…………………………………....112 48 - Visita às pessoas doentes……………………………………………………….112 49 - Visita à parturiente…………………………….…………………...……………..113 50 – Testamento……..…………………………………………………………………116 51 - Enterro………………………...……………………………………………………116 52 - Funeral budista……………………………………………………………………120 53 - Funeral cristão………………………………………………………….…………122 54 - Missa de 7o dia da igreja católica……………………………………….………124 55 - Presentes de senso comum (usuais) ………………………………………….126 56 - A escolha do presente……………………………………………………………133 57 – Presentes para amigos do sexo oposto……………………………………….134 58 - Etiqueta no trabalho………………………………………………………………138 59 – Ikebana - arranjos florais……………………………………………………….[143] 60 - Anéis………………………………………………………………………………..144 61 - Leituras…………………………………….……………………………………….144 62 - Sobre hasteamento de bandeiras……………………………………………….146 63 - Cerimonial do chá…………………………………………………………………146

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Apresentação [17-22]

Como Apresentar

A apresentação é importante na vida social. Quando não há apresentações, as pessoas se afastam sem se conhecerem. Ao ser apresentado, surge uma relação em que pode até implicar na mudança do destino de uma pessoa. Portanto, quando se faz apresentações sempre devemos fazê-las com as pessoas em quem possamos confiar-lhes a responsabilidade.

Caso contrário, estas podem trazer-nos muitos aborrecimentos.

Devemos saber os pontos fundamentais sobre apresentação.

Em seguida citarei dois casos em que devemos ter cuidado para apresentação.

1. – Dirigir-se, primeiramente, às pessoas de maior idade ou pessoas mais importantes, na apresentação de duas pessoas, tanto homem como mulher;

2. - Dirigir as palavras antes às mulheres, quando forem homem e mulher.

Porém, se for do mesmo sexo, apresentar primeiro a pessoa de menor idade para o de maior idade. Se for de sexos opostos, apresentar, primeiramente, o homem para a mulher, o que é recomendado pelo bom senso.

No ato de apresentação

Pensar primeiro na ordem de apresentação e dirigir palavras de modo natural. Por exemplo: apresentar a amiga Maria para um professor. “Professor tal...esta é minha amiga Maria”, ou quando quer apresentar um amigo ao pai. “Pai...este é meu amigo João”, dispensando assim, apresentação com a expressão como “Este é o meu pai”, por ter sugerido a idéia, previamente.

Apresentar primeiramente a mulher para o homem. Dirigir palavras à “Maria” e,logo a seguir, apresentá-la dizendo, “Este é o meu conhecido ‘Antonio’”, em seguida “ Esta é a Maria da Silva”, repetindo o nome completo da Maria.

Para dirigir ao Presidente ou Bispo, mesmo sendo mulher, apresentar primeiro a mulher, respeitando a hierarquia.

“Tenho a honra ou prazer de apresentar-lhe Dr.....etc.”

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Quando for Presidente, “Sr. Presidente, Permita-me a honra de apresentar-lhe o Sr.... etc.”

No caso do Bispo usar o tratamento “Eminência”. O marido apresentando sua mulher, “A minha esposa.......” e não “A minha senhora”.

A resposta ao ser apresentado, diga “Muito prazer”. A mulher deve dizer em primeiro lugar. Entre pessoas com o idoso, primeiro o idoso. É costume brasileiro a criança dizer “Muito Obrigado(a)” quando apresentado com boas referências.

O tratamento “Dr.” não deve ser usado entre amigos, quando somente um deles se qualifica como tal.

Para apresentar uma pessoa para várias pessoas, por exemplo, “noivo” ou quando se recepciona um “visitante” em uma cidade, a dona da casa ou representante da recepção fará primeiro a apresentação da pessoa a todos os presentes e, em seguida, apresentar um a um às pessoas sentadas.

Quando convida as pessoas em sua casa, deverão ser apresentados a todos os presentes. Quando se apresentarem individualmente, poderá ser através de trocas de cartões. Em todo caso, manter sempre a atitude de naturalidade.

Procurar ressaltar sempre as características positivas da pessoa a ser apresentada, criando ambiente de diálogo, com assunto relacionado ao trabalho da pessoa. A melhor maneira de apresentação é ter a preocupação com a riqueza de assuntos para incentivar as conversações. Não deve se restringir com frases comuns como “muito prazer”, “doozo yoroshiku”, procurando sempre variações ricas na troca de palavras, acompanhadas de sorrisos.

Sorrisos

Entre os animais, somente o homem consegue sorrir. Contudo, não deve forçar o sorriso só por causa disso. Desenvolver aptidão para que o sorriso verdadeiro brote do coração. O sorriso da “La Gioconda” de Leonardo da Vinci é mundialmente conhecido. Seja sempre alegre, apesar das condições sociais tumultuadas de hoje em dia. Por meio da apresentação tornam-se conhecidos. Doravante, deve esforçar-se para conservar a amizade, e não criar, posteriormente, nenhum embaraço a quem apresentou.

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Carta de Apresentação

Quando se faz apresentação escrita, deve mencionar o nome, profissão, currículo da pessoa a ser apresentada e o tipo de relacionamento que tem com o apresentado. Entregar a escrita ao interessado dentro do envelope aberto ou ler o conteúdo antes do fechamento do envelope. Pode-se apresentar com cartão de visita, quando o caso for mais simples. Neste caso, escreva o nome da pessoa e o motivo da apresentação. Sugere-se escrever o nome da pessoa a quem está dirigindo, com o título qualificado e tratamento merecido. Se possuir carimbo, carimbar junto ao seu nome e entregar dentro do envelope.

No caso de envelope aberto, leia antes o conteúdo e depois apresente o agradecimento. Aguarde a instrução da pessoa com quem está sendo apresentado. Nunca se deve insistir a um encontro com a pessoa para quem está sendo apresentado. Isto pode ser considerado ato descortês. Renove o pedido de visita para outro dia. Uma vez concluída a apresentação, agradeça e relate o resultado a pessoa que o apresentou. É correto, no caso da dispensa da carta, devolver a mesma ao apresentador.

Cartão de Visita

Antigamente, no Brasil era comum utilizar o cartão de tamanho de baralho como cartão de visita. Considerada como regra de boas maneiras o uso de cartão de tamanho menor para as mulheres em relação ao cartão de uso dos homens. Quanto a isso, pode ser conforme o gosto de cada um. Independentemente do uso, privado ou público, é mais útil inserir o número de telefone e endereço.

Em visita à pessoa em sua residência, entregue o cartão em estado normal, quando for alguém da família. Dobre o canto quando for entregue à empregada. Quando não houver ninguém na casa, coloque o cartão com o canto dobrado na caixa de correio. Este ato serve para transmitir que o visitante esteve pessoalmente.

O uso do cartão serve para se apresentar a alguém, quando quiser enviar presente, ou quando, após casamento, quiser informar o endereço da nova residência. Muitas vezes, temos casos de pessoas portadoras de cartões com inscrições de vários títulos de modo prolixo. É o caso de duvidar das pessoas que assim procedem.

Muitos japoneses, que aqui visitam, portam cartões que enchem com títulos, como: ex-deputado, ex-vereador, etc. Isto denota superficialidade, apego à aparência. As pessoas que recorrem a este artifício para se auto-promover, não

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merecem ser respeitadas. É falta de respeito para com o interlocutor o ato da pessoa que guarda imediatamente o cartão no bolso.

O cartão entregue deve ser visto no ato, e depois guardado devidamente na carteira ou no porta-cartões. Caso contrário, o ato de troca de cartão, transforma-se em ato meramente formal, sem nenhum sentimento de afeição. As pessoas que ficam segurando o cartão na mão por muito tempo, causam má impressão. Se possível, entregue também seu cartão ao receber um cartão de outra pessoa. Em quaisquer circunstâncias, o cartão deve ser entregue antes pela pessoa de posição inferior. Quando, por qualquer circunstância, a pessoa na posição superior entrega o cartão à pessoa de hierarquia inferior, esta deve recebê-lo prontamente. O ato de entrega do cartão deve obedecer a uma certa formalidade. As inscrições do cartão devem estar voltadas para a pessoa a quem está sendo entregue, segurando a parte central com a mão esquerda ou pressionando com os dedos polegar e indicador da mão direita, com o cartão na posição horizontal. A pessoa que receber, deve fazê-lo, com a mão direita.

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Visitas [40-42]

Quando quiser visitar pessoas, com exceção de visita às pessoas de relações mais íntimas ou quando a visita é feita aproveitando a proximidade do local onde for resolver algum assunto, deverá telefonar antes, consultando a conveniência da outra parte. Isto é recomendável do ponto de vista das boas maneiras.

Deve-se evitar visita no início da manhã, em horário muito avançado da noite ou nos horários das refeições, salvo, em caso de emergência. Quando a visita ocorrer pela primeira vez, deve-se evitar conversação delongada, limitar-se em 15 a 20 minutos, é mais conveniente.

Ao se colocar na entrada ou no portão da casa, para apertar a campainha, verifique o estado do seu traje ou aparência antes de se conduzir à casa. Ao ser atendida, deve se apresentar com o cartão de visita ou anunciar com clareza o seu nome, transmitindo o motivo da sua visita.

Dispense qualquer comentário sobre a pessoa que o receber, e cuidar também da aparência ou traje quando for chamado pelo toque da campainha, tendo cuidado ao receber, evitando olhar furtivo ou fixação em relação ao traje do visitante.

O empregado deve pedir ao visitante para aguardar na sala de espera até que seja anunciado ou levado o cartão do visitante ao dono da casa. O visitante será introduzido na sala de visita quando houver a permissão do patrão.

Deve-se tomar o cuidado de evitar a condução do visitante antes de ser anunciado ao dono da casa. Para evitar casos em que, após a visita, ocorram sumiços de objetos coincidindo com a ausência do visitante.

- Recepção

Ao ser introduzido à sala de visita, o visitante deverá tirar o casaco e o chapéu, entretanto, a mulher poderá mantê-lo. Deverá cumprimentar, em primeiro lugar, a dona da casa e, em seguida, o dono da casa. Aguardar o convite para ocupar o assento.

A conversa sobre assuntos corriqueiros deverá acontecer após o término da conversa do assunto principal da visita, que deverá ser exposto de maneira mais breve possível, o que é recomendável pelos bons modos. Não deixe dúvidas para quem está recebendo, o motivo da visita.

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- Assuntos da Conversa

Poderá ocorrer entre os homens, conversa animada quando os assuntos envolvem economia ou política, podendo se direcionar para discussões mais acirradas. Entretanto, é livre cada um ter sua opinião, mesmo assim, deve-se evitar a animosidade.

A dona da casa deverá ter a preocupação em intervir nesta situação, tentando mudar de assunto, esforçando-se para conduzir assuntos pela Cultura, Hobby, evitando criticar pessoas ou questões religiosas. Para isso é importante estar atualizada e estudar sobre os mais diversos assuntos.

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O chá [43-48]

Em breves palavras, entende-se, de modo geral, como Festa do Chá no estilo ocidental, reuniões de 5 a 6 pessoas ou reunião com muitos participantes.

Mesmo para a festa do chá mais formal, a anfitriã deve-se preocupar em conduzir a festa num ambiente descontraído.

As convidadas, como regra geral, não deverão abusar e se servir de comida em excesso.

O importante é que a reunião seja de diálogo franco entre amigas.

Assim sendo, escolha trajes leves e que não causem constrangimentos aos demais participantes.

O horário a ser escolhido, em geral, deverá ser entre 3 e 5 horas da tarde.

Uma festa de chá mais íntimo poderá reunir amigas para travar conversas sobre assuntos mais diversos, ouvir músicas ou outras atividades relativas a hobby.

O importante é que a anfitriã crie um ambiente que não cause nenhum mal estar entre os participantes.

De qualquer forma, é suficiente servir chá, café, sanduíche, chocolate ou mais dois ou três petiscos.

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Preparando a Mesa [58-65]

(estilo ocidental)

Colocar os pratos dos convidados, espaçando entre 40 a 50cm.

Garfo à direita e faca à esquerda, colher de sopa à frente do prato.

Os jogos de copos serão colocados à direita do prato. À direita, o copo para água. Em seguida cálice grande para vinho e, na seqüência, conforme o tamanho dos cálices.

O vinho caro será servido na garrafa. A água será servida na jarra.

Das disposições dos pratos, talheres e copos da figura

- Sobre a toalha de mesa

Existem usos para o Jantar e para o Chá.

A Toalha de Mesa para o jantar será na cor branca e o tamanho grande é o mais adequado. Para o chá, a toalha poderá ser um conjunto com o guardanapo, não se utilizando o tamanho grande.

- Decoração do ambiente

Caso exista espelho na sala, deverá ser coberto com flores de forma discreta. Em qualquer caso não se deve esquecer das flores para decorar o ambiente. As flores da mesa não devem atrapalhar as comidas.

- Menu

Há duas formas de servir o prato. Uma é servindo individualmente. A outra é servindo em recipiente maior para que cada pessoa se sirva na porção desejada. Elaborar o cardápio procurando a harmonia, adequada à ocasião e tipos de convidados. Por exemplo, entre os vários convidados poderão existir alguns que não apreciam certos pratos. A anfitriã deve levar em conta este fato, procurando diversificar com habilidade os tipos de pratos.

No Brasil, é normal servir sopa, peixe, assado; e para sobremesa, frutas, doces e sorvetes. Quando se fala em culinária brasileira, em geral é culinária

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francesa ou portuguesa, podendo ainda ser pratos regionais que representem a terra natal da anfitriã. Às vezes, achamos bom incluir no cardápio produtos brasileiros, mesmo que sejam no estilo francês ou inglês.

A comida deve destacar os produtos peculiares de cada país. Pergunta-se neste caso, quais são os produtos brasileiros? Podemos, então, preparar sopas, cozinhando palmito, mandioca, cará, sêmola ou agrião que é rico em propriedade nutritiva.

Num banquete, o peru é considerado excelente. Temos ainda, peixes e churrascos. Quando o banquete é maior, a regra é: não servir frios ou ovos. Porém, é importante que a anfitriã escolha adequadamente, procurando harmonizar os diversos pratos para satisfazer os convidados.

- A maneira de servir

O garçom deverá anunciar o jantar quando estiver tudo preparado. Dirigirá palavras como “Senhora, está servida” ou “O Jantar está servido”. O nome do convidado deve ser mencionado quando a pessoa é importante. O garçom deverá usar sapatos de pisar silencioso. Quando o banquete é importante, deverá trajar casaca e luva branca. Portar guardanapo no braço esquerdo, servir discretamente e, em caso do convidado, por descuido, derramar sopa ou deixar cair o talher, deverá imediatamente repor ou proceder na limpeza da mesa. O garçom nunca deve tomar parte nas conversas dos convidados, nem participar com risos. O garçom auxiliará no ato de acomodação dos convidados, ficando atrás para puxar ou empurrar as cadeiras.

Quando o banquete for para mais de doze pessoas são necessários dois garçons.

Ao findo de cada degustação, trocar os pratos. Neste caso, fica dispensado esperar o término do convidado mais importante. Os pratos deverão ser trocados pelo lado esquerdo, e todas as bebidas deverão ser servidas pelo lado direito. O garçom deve anunciar, com voz baixa, a referência do vinho da marca de excelência.

Deverá dizer o nome do vinho “tal”. Sempre que for aberta a garrafa, o vinho deverá ser provado pela “dona de casa”.

Há duas maneiras de servir sopas. Ao convidar as pessoas à mesa, a sopa já deve estar no prato fundo, sobre o prato raso, ou pode-se colocar a sopeira na mesa e servir aos convidados já na mesa. Há casos em que trocam os pratos e talheres a cada tipo de comida. No ambiente familiar, substitui-se somente os pratos para peixes e sobremesas.

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- Cuidados na hora de degustação • Antigamente, comia-se usando a mão, diretamente. No século

XII surgiu o garfo, porque o punho e colarinho atrapalhavam. Por

isso, o garçom trazia bacias e toalhas para lavar as mãos.

• O jantar será iniciado quando a anfitriã anunciar. Siga o modo de

degustação de outras pessoas quando for prato desconhecido.

• Estando à mesa, evite apoiar os cotovelos na mesa, ou movimentar

as pernas exageradamente.

• Preste atenção com antecedência, quando o prato não for do seu

agrado. Se não quiser poderá declinar. É desrespeito deixar de

comer depois de servido.

• Retire de modo discreto no canto do prato, sem que o convidado ao

lado perceba, qualquer impureza que esteja presente no prato.

• Nunca limpe talheres com guardanapo, antes do início. Este ato é

ofensa à anfitriã.

• Num banquete, havendo convidado estrangeiro que não tem

conhecimento sobre o que está sendo servido, explique ou

pergunte sobre a comida.

• Existem pessoas que têm costume de cheirar. Isso não é

conveniente.

• Movimento excessivo no uso do garfo para misturar a comida no

prato, ou levar a faca à boca, causa má impressão.

• Mastigar a comida com a boca aberta ou falar com a boca cheia,

também não é conveniente.

• Se não gostar do tipo de sopa servida, tome apenas uma

quantidade mínima. Quando a comida é quente evite soprar ou

provocar ruídos.

• Segure a faca com os dedos indicador e polegar. Após o uso,

apóie-a na borda do prato. O sal pode ser colhido com a ponta da

faca.

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• O pão não deve ser levado à boca banhado no ovo ou café.

• Os detritos devem ser postos no canto do prato. A casca do ovo

deve ser amassada.

• O guardanapo não deve ser dobrado e colocado sobre a mesa.

• Antigamente, não era habitual escovar os dentes. Por isso, recorria-

se ao uso de palitos. Hoje, não é mais usual, por não ser muito

estético.

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Dever da Dona de Casa [73]

O papel da Dona de Casa é muito importante em todos os banquetes.

Deve-se preocupar em manter o ambiente agradável.

A Dona de Casa deve estar sempre atenta, estando sentada ou levantada da cadeira, observar a duração do banquete, devendo terminar de comer antes dos demais, apesar dos constantes trabalhos de “levanta” e “senta” da cadeira, o que é o contrário do que se faz no Japão.

Selecionar com destreza os assuntos para as conversas, evitando temas que causem mal estar entre os convidados e, tendo isso sempre em mente, quando surgirem assuntos que causem constrangimentos, procurar contornar habilmente.

Orientar e treinar habilidades nas posturas dos garçons.

Não obrigar os convidados a aceitarem os pratos para os quais manifestarem indisposição.

É inadequado atribuir a si próprio os elogios aos pratos preparados.

O garçom deve servir, inicialmente, a Dona da Casa, quando os convidados forem exclusivamente masculinos.

Serão servidas, primeiramente, as mulheres, quando os convidados forem mistos.

Na saída, o Dono da Casa deverá acompanhar o convidado até a porta, a Dona de Casa deverá permanecer à mesa.

A despedida do último convidado deverá ser acompanhado pelo Casal.

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Culinária Japonesa [76-79]

Atualmente, a comida é servida na mesa, assim sendo não é mais usual a forma de servir como 1 “zen”, 2 “zen” 3 “zen”. Não se vê mais a forma de zenbu95, bandeja com pratos completos como antigamente.

Evitar se levantar ou sentar, demonstrando atitudes de intranqüilidade, quando convidado para um jantar, a não ser no caso em que houver estrita necessidade. Antes do início do jantar, a convidada deve ter o cuidado de ir à toalete para refazer a maquilagem.

O anfitrião deve servir oshibori96 frio no verão ou quente no inverno. Possuir alternativas de guardanapos para os convidados que, muitas vezes, se apresentam em trajes mais requintados.

Preparação da Mesa

Salvo quando os pratos estejam previamente servidos, os convidados e anfitriões ficam em posições opostas e os pratos são servidos nas bandejas individuais (Kayoi-zen97) e, naturalmente, iniciando pelo convidado principal, o lado do anfitrião por último.

Quando o cardápio for itijyuu sansai 98 , a tigela que serve arroz, tyawan99, é colocada do lado esquerdo do convidado, owan100, tigela de madeira cavada para sopa, do lado direito.

Sashimi101, peixe cru, na dianteira do owan, nimono102, cozido, na frente do tyawan, sunomono 103 , prato ao molho “vinagrete”, ou outros pratinhos kobachi104 são colocados diante das tigelas na posição central.

95 Zenbu – bandeja com pratos completos, montados como antigamente 96 Oshibori – toalhinha úmida, que é oferecida antes do início da refeição, para higienização da mão. 97 Kayoi-zen - bandejas destinadas individualmente 98 Itijyuu sansai - cardápio básico da culinária japonesa, consiste em 1 sopa e 3 tipos de pratos diferentes; a sopa, comumente é de “missoshiru”, caldo de soja 99 Tyawan - tigela de cerâmica que serve arroz 100 Owan - tigela de madeira cavada para servir sopa 101 Sashimi – fatias de peixe cru 102 Nimono - cozidos em geral 103 Sunomono – prato ao molho “vinagrete” 104 Kobachi - variedades de comidas em pratinhos

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Yakimono 105 , grelhado de peixe, será servido após degustação do sashimi. Há casos em que kou no mono106, conservas como tsukemono107, são colocadas em vasilha cheia, acompanhadas de hashi108 , talher ou palitos de madeira. Outros detalhes serão arranjados seguindo o modelo apresentado, mas evitando os pratos com paladares semelhantes ou de muitas variedades. Escolher o cardápio, cujos ingredientes sejam típicos das estações do ano.

Se o convidado for apreciador de bebidas alcoólicas, deve servir como acompanhamento sashimi, e, não servir pratos típicos, como de tyawan ou owan. Após servir as bebidas alcoólicas, já quase no fim, escolha o momento de servir grelhado yakimono e nimono. Em seguida, serão servidos gohan109, arroz cozido, koo no mono conservas, ochazuke110, arroz com chá, levando-se em consideração as circunstâncias, ambiente e gosto do convidado.

Cuidados na hora da Refeição

1. Poderá iniciar comendo arroz e tomar sopa em seguida, ou mais recomendável seria tomar sopa primeiro para umedecer a boca e depois comer arroz, para evitar que grude na boca e depois no hashi;

2. É inadequado segurar exageradamente a borda do tyawan ou owan com o polegar, tomar sopa ou mastigar a comida provocando ruídos;

3. Quando quiser repetir o arroz, é considerada uma boa maneira, deixar na tigela uma quantidade de arroz que corresponda a uma ou duas doses possíveis, o que o hashi permite;

4. Quando quiser se servir de pratos secundários, é considerado correto o uso do hashi para comer sempre arroz antes de tomar sopa, no caso, por exemplo, ter antes comido o sashimi;

5. Quando quiser se servir de pratos secundários, como tsukemono, servido, geralmente, num único prato para todos, utilize o hashi que acompanha o prato, e nunca, se servir com o hashi de uso pessoal.

6. O modo proibido do uso do hashi, é classificado em utsuri hashi111 e mayoi hashi 112 . “Utsuri hashi” é quando a pessoa escolhe os pratos 105 Yakimono - grelhado de peixe ou de fatias de peixe 106 Kou no mono - conservas e verduras ou legumes 107 Tsukemono - conservas de verduras ou legumes 108 Hashi - talher que consiste em 2 palitos de madeira 109 Gohan - arroz cozido sem tempero nenhum 110 Ochazuke - prato de arroz com chá como elemento principal 111 Utsuri hashi - pessoa que escolhe os pratos complementares, de prato em prato, sem comer o principal, que é o arroz 112 Mayoi hashi - quando a pessoa vacila, para buscar quais pratos escolher

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complementares, de prato em prato, sem comer o principal, que é o arroz. O “mayoi hashi” é quando a pessoa vacila para escolher de quais pratos quer se servir ;

7. É vulgar tomar chá após a refeição, provocando o ruído ou executar ato de bochechar. Também, é assim considerado, o ato de introduzir até o fundo da boca, lamber, ou chupar o hashi.

Recepção do Convidado

Recepcionar os convidados à sala junto ao tokonoma 113 . O casal anfitrião sentará na posição gueza114.

Se a sala for ao estilo ocidental, conduzir os convidados na posição defronte e mais afastada da porta. A anfitriã servirá o chá para que os convidados se sintam à vontade e possam conversar com o anfitrião. Enquanto isso, a anfitriã preparará o zenbu que poderá ser servido tanto no zashiki115 (sala no estilo da construção japonesa, cujo piso é forrado de tatami116, colchão de palha) ou sala de jantar, no estilo ocidental.

Para quem não toma bebidas alcoólicas

No banquete, cuja predominância é a bebida alcoólica, não se serve gohan (arroz cozido), o convidado que não beber (bebida alcoólica), poderá beliscar petisco, mas não degustará gohan até o término da fase de bebida. A anfitriã deve-se reservar de por na mesa o gohan e servirá bebidas que não contenham álcool, para que o convidado não fique desconfortável.

Outras precauções

1. Quando quiser repetir arroz (gohan) ou sopa (missoshiru117), deposite o hashi ao lado e entregue as tigelas (owan e tyawan) com as duas mãos. Ao

113 Tokonoma - nicho na parede com nível de piso um pouco mais alto, onde se expõe uma pintura, ikebana – arranjo floral, ou alguma obra de arte japonesa 114 gueza – situação definida como de posição inferior. 115 Zashiki - sala no estilo da construção japonesa, cujo piso é forrado de tatami 116 Tatami – colchão de palha 117 Missoshiro – sopa à base de soja

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receber de volta as tigelas, receba com as duas mãos e coloque sobre zenbu e, em seguida, pegue o hashi.

2. O peixe poderá ser consumido nas duas faces, porém ao volver a cabeça do peixe não deve estar voltado para o lado direito.

3. O arroz deve ser revolvido, para que fique fofinho, e posto num volume de 8/10 da tigela.

4. O prato de sashimi tem suas fatias dispostas da frente para trás. Por isso não confundir o lado frente com o lado verso.

5. Na hora do chá, após o término do banquete, deposite o hashi depois de limpar com guardanapo ou kaishi118.

118 Kaishi – lenço de papel

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Casamento tradicional japonês [105-108]

A fórmula japonesa de matrimônio consiste em “Miai Kekkon119” e “Ren-ai Kekkon120”.

Para ambos os casos, pressupõem-se relacionamentos prévios, para que possam existir sentimentos de amor e compreensão, quando, com o auxílio dos pais, escolhem-se os padrinhos para que a condução do processo seja mais formal.

Os padrinhos são ditos como “deuses do vínculo matrimonial”, portanto, devem proceder com honestidade e amor. Não devem faltar com a verdade, durante o entendimento entre as famílias, apenas visando estabelecer o matrimônio, de qualquer maneira. As informações distorcidas poderão ser reveladas posteriormente, desfazendo o relacionamento. Portanto, é importante, desde o início, conhecer os dados e fatos relacionados aos candidatos e reportar a ambas as famílias em detalhes.

“Yuino121”

Decidido o matrimônio, procede-se a cerimônia de troca de presentes entre ambas as famílias, “Yuino”.

Antigamente, os representantes das duas famílias trocavam cumprimentos com entregas de presentes, descritos na lista 1. Porém, hoje, se abrevia, cabendo este papel, aos padrinhos, que se encarregam de desempenhar, sozinhos, as tarefas dos representantes das famílias.

Quanto às variedades do conteúdo dos presentes, atualmente, simplifica-se, dando mais importância ao significado espiritual do que pela formalidade. Costuma-se para isso apresentar apenas a lista escrita em caráter formal, substituindo todos os itens da lista pela moeda. Há várias formas de receber a lista do “Yuino”122. O procedimento mais comum é conforme a figura.

119 Miai-kekkon - arranjo 120 Ren-ai kekkon – escolha livre 121 Yuino – cerimônia de troca, oferta de presentes 122 Os principais objetos que constituem a lista de “Yuino” têm significado simbólico. “Surume” (Lula seca) é alimento de longa duração. Tem propriedade de que quanto mais mastigar mais gosto tem, sendo assim, representa relação longa de afeto entre o casal. “Kombu” (Alga) sendo planta aquática vigorosa e procriadora, significa ter bastante filhos, garantindo a perpetuação da descendência. “Katsuobushi” (Peixe seco - Bonito) alimento de longa duração. Antigamente, era levado pelos guerreiros na guerra. Significa a sorte no combate, representa virilidade do homem. “Tomoshiraga” (feixe de linhos) seus fios tem cor branca, significa longevidade do casal até que os cabelos fiquem brancos. “Suehiro” (Leque) significa o sucesso progressivo como a abertura de leque de um extremo a outro extremo.

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(1)

“Mokuroku”123

Gofukuji124 1 peça

Tai125 1 unidade

Surume126 1 maço

Kombu127 1 maço

Katsuobushi128 1 conjunto

Tomoshiraga129 1 feixe

Suehiro130 1 par

Data De Mitsuo Yamada

Para Kazuko Murayama

O papel de embrulho a ser utilizado, normalmente, é do tipo “Tyuhousho” (papel japonês, cuja dimensão é 47 x 33 cm), mas, no Brasil, utiliza-se o papel que mais se assemelhar. Os objetos da lista e o dinheiro são embrulhados separadamente e colocados sobre a bandeja de madeira de acabamento natural ou sobre uma bandeja comum. Para “Suehiro” (Leque), é mais usual a adoção do verdadeiro.

Recepção

Comemora-se o noivado somente com os familiares. Naturalmente, os noivos são os participantes principais que, juntamente com os padrinhos e os pais brindam com taças de “Sake 131 ”. Às vezes, há casos em que, seguindo os costumes da localidade, realizam a comemoração em âmbito familiar, somente entre os padrinhos e o noivo, após o “Yuino”.

Todos estes objetos constituem padrão da lista de “Yuino”. Contudo, estes objetos poderão sofrer variações, inclusive conter objetos de valor como “anel de diamante” ou mesmo valor em moeda. 123 Mokuroku - lista 124 Gofukuji – pano 125 tai – pargo, peixe 126 Surume – lula seca 127 Kombu - alga 128 Katsuobushi – peixe seco, “bonito” 129 Tomoshiraga – feixe de linho 130 Suehiro - leque 131 Sake – bebida com alto teor alcoólico

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Data de Casamento

Marca-se a data de casamento em função das condições físicas da noiva. Não deve se levar em consideração superstições, tais como, Butsumetsu132 e Sanrinbo 133 . Se houver pessoas de idade, que se preocupam com isso, respeitem-nas e escolham a data que convenha a ambos. A parte do noivo deve transmitir a decisão à parte da noiva por intermédio dos padrinhos.

Decidida a data, envie os convites aos parentes e amigos com antecedência de, pelo menos, duas semanas, em nome conjunto dos pais dos noivos. Os convidados devem ofertar os presentes antes da data de casamento. O presente pode ser uma luminária, toalha de mesa, roupas de cama, jogos de chá, jogos de talheres, utensílios domésticos, etc. cujos valores deverão ser proporcionais ao nível de relacionamento e sentimento (de coração – kokoro134).

Se for possível, é melhor consultar os noivos sobre qual presente desejariam receber. Os amigos poderão juntar dinheiro para oferecer o melhor presente possível.

132 Butsumetsu – morte de Buda 133 Sanrinbo – mau agouro 134 Kokoro - coração

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Tipos de Casamento [108-110]

Há as seguintes Cerimônias de Casamento: Shinzen Kekkon135, Katei Kekkon136, Kirisuto Kekkon137 e Butsuzen Kekkon138.

Com exceção do casamento Katei Kekkon, as cerimônias religiosas seguem as formalidades de cada religião e são efetuados mediante as ordens do sacerdote xintoísta, monge budista, pastor ou padre cristão. No caso de Katei Kekkon, a cerimônia é realizada com a participação do Nakoudo139 com o ritual de troca de taça de cerâmica com sake (vinho à base de arroz) chamada “San San Kudo”140.

San San Kudo

A cerimônia de troca de taça do San San Kudo que se realiza antes da recepção aos convidados é realizada em ambiente reservado no qual os irmãos ou parentes não participam. Quando realizada na mesma sala, ficarão discretamente junto à parede.

O salão de cerimônia no estilo japonês com piso de tatami (esteira composta de fibra vegetal), o noivo posiciona-se do lado esquerdo e a noiva do lado direito de quem está em frente aos noivos. O padrinho da união fica ao lado do noivo, a madrinha, por sua vez, fica ao lado da noiva. Quando houver acompanhante, ela ficará atrás da noiva.

Serão escolhidos menino e menina de idades próximas, cujos pais gozam de boa saúde para desempenhar a tarefa de servir o sake cerimonial para os noivos, shakunin141.

Nas casas no estilo japonês, existem nichos que se chamam tokono-ma, espaços reservados para a colocação de objetos de artes, ou arranjo floral como ikebana, onde os noivos poderão sentar diretamente no tatami. Porém, quando o local de cerimônia for ao estilo ocidental, deve-se providenciar uma pequena mesa em frente aos noivos, para colocação do shinshu142. Na sala no estilo japonês

135 Shinzen kekkon – casamento xintoísta 136 Katei kekkon – casamento doméstico 137 Kirisuto kekkon – casamento cristão 138 Butsuzen kekkon – casamento budista 139 Nakoudo - padrinhos 140 San san kudo - san, significa 3, ku, significa 9, do, significa vezes (multiplicador). Desde antigamente, o número significa a felicidade, portanto, San San Kudo seria 3 × 3 = 9, felicidade multiplicada a 9. 141 Shakunin - noivos 142 Shinshu – sake sagrado, à base de arroz

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zashiki que possua tokono-ma, os noivos se posicionam no jouza 143 e os padrinhos ficarão na posição secundária, gueza144. As pessoas que vão servir sake devem se situar na posição oposta do tokono-ma.

Quando o local for ao estilo ocidental, os padrinhos tomarão assentos no jouza e, em seqüência, sentarão os noivos. Os shakunin ficam nas posições de gueza, para servir as taças de San San Kudo. Primeiramente, abastecem o shinshu nas garrafas otyou e metyou145.

O noivo pega a taça sakazuki 146 da parte superior das taças empilhadas, para colocar a bebida em 3 etapas e que será bebida também em 3 etapas. Em seguida, a noiva recebe a taça do noivo, bebendo da mesma forma que o noivo bebeu.

Das taças empilhadas, a noiva toma a taça que se situava no meio, repetindo o mesmo ritual, porém invertendo a ordem, isto é a noiva despeja a bebida em 3 vezes e bebe em 3 vezes, o noivo recebe a taça da noiva e repete a execução. A última taça da pilha é tomada pelo noivo e executado da mesma forma como foi feito na primeira taça. Assim, completa o ritual de “San San Kudo”.

Quando o noivo é adotado pela família da noiva Muko Youshi147, a ordem do ritual começa com a noiva.

Após o discurso de felicitação, é praxe a apresentação de canto chamado Youkyoku ou Utai148, hoje pouco usual.

Terminando a cerimônia, os padrinhos dirigem formalmente o anúncio do término da solenidade com êxito aos pais e parentes e oferecerão as taças de shinshu com garrafa de metyou abastecida de bebida da garrafa de otyou para cada um deles posicionados como no início da cerimônia, brindarem o acontecimento. Antigamente, cada um dos parentes bebiam nas taças que formavam um conjunto de 3. Hoje este ritual ficou abreviado. Concluída toda a cerimônia, finalmente tiram-se as fotografias comemorativas com a participação dos principais envolvidos.

143 Jouza – local principal do zashiki, sala no estilo de construção japonesa 144 Gueza – posição secundária no zashiki 145 Otyou e metyou – pequenas garrafas de cerâmica com enfeites simbolizando, respectivamente, borboletas masculina e feminina. 146 Sakazuki – taça adequada para o ritual san san kudo 147 Muko youshi – para manter o nome da família da noiva, quando essa é filha única, ou não possui nenhum irmão homem, o noivo recebe o nome familiar da noiva para dar continuidade. 148 Youkyoku ou utai – canto bravo, que advém do tradicional teatro Nô

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Posição das pessoas na fotografia

Na primeira Fila ⑦ ⑤ ③ ① ② ④ ⑥ Mãe do Noivo Pai do Noivo Padrinho Noivo Noiva Madrinha Pai da Noiva

Na segunda Fila ⑦ ⑤ ③ ① ② ④ ⑥ Irmã mais Irmão mais Irmã mais Tio do Irmão mais Irmã mais Irmão mais nova do velho velha Noivo velho velha novo da Noivo do noivo do Noivo da Noiva da Noiva Noiva

Posição das pessoas na Mesa de Recepção Parente Parente Parente Pai da Mãe da Madrinha Noiva Noivo Padrinho Pai do Mãe do Parente Parente Parente

daNoiva da Noiva da Noiva Noiva Noiva Noivo Noivo do Noivo do Noivo do Noivo

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Convidados

○ Convidados ○ Idem

○ Idem

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Ikebana – “arranjos florais” [143]

O arranjo com flores nasceu com o sentimento de respeito à natureza.

O deleite do perfume de uma flor singela agrada até um ambiente desolado de um escritório e traz tranqüilidade aos nossos corações.

O ato de arranjar a flor com Ikebana valoriza o ambiente e, ao mesmo tempo, reconforta e eleva o espírito da pessoa.

O estado em que fica a serenidade da mente com a ausência de pensamentos mundanos, talvez seja mais sagrado do que a meditação do budismo.

As pessoas que contemplam o arranjo devem dedicar admiração ao trabalho realizado naquela condição.

Quando estiver em frente a um Ikebana, é desejável uma atitude de respeito, inclinando, ligeiramente, a cabeça de modo discreto.

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KATARIGUSA

Michie Akama

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Apresentamos, a seguir, textos [41-44], [45-48], [86-88], [88-90]], [95-96], [119-122], [137-140], [173-176], [178-182], [189-191], [191-196], [206-212], todos retirados e traduzidos do livro Katarigusa de que damos o índice geral.

Conferências

1 - Educação nos Estados Unidos…………………………………………...………….1 2 - Educação dos jovens…………………………………………………….……………8 3 - Por ocasião da vinda de representantes do “Rusu Kazoku” (Associação dos familiares do Japão dos imigrantes japoneses)…………………………………..….17 4 - Situação da Mãe….………………………………………………………………….23

Publicações nos jornais e revistas

5 - Ciência para vida cotidiana………………………………………………………....34 6 - Recordação do dr. Yamamoto………..…………………………………………….37 7 - O casamento é o acontecimento mais importante da vida………………...[41-44] 8 - Minhas leituras………………………………………………………………….[45-48] 9 - Sobre problema dos idosos…..…………………………………………………….49 10 - Mensagem para o meu neto “Kiyoshi”……. …………………………………….54 11 - A viagem à cidade de Mito………………………………………………………...63 12 - Sobre desenvolvimento de inteligência infantil….………………………………69 13 - Visita às localidades históricas….………………………………………………...75 14 - Leitura sobre a vida de Bach…….………………………………………………..81 15 – A minha distração ……………………………………….…………………...[86-88] 16 - O significado de trabalho……………………………………………………..[88-90] 17 - Mona Lisa e Da Vinci…..…………………………………………………………..90 18 – Vamos caminhar a favor da mente e do corpo….………………………...[95-96] 19 - Audiência concedida pelo Imperador – comenda recebida no Japão – no Palácio Imperial…………………………………………………………………………..97 20 - Viagem pela Europa verde……………………………………………………….102 21 - Ao assistir a ópera “Aida”….. ……………………………………………………106 22 - Viagem à Amsterdam………………………………………..............................110 23 - Sobre a bandeira do Japão…..………………………………………………….116 24 - Para constituir nipo-brasileiro digno……………………………………..[119-122]

Consulta sobre problema da vida pessoal Pelo Jornal “Nippaku Mainiti”

(atual Nikkey Shimbum) 25 - Tratado como afeminado….……………………………………………………..123 26 - O casamento da filha com homem de meia-idade…………………………….125 27 - Relação no passado da minha esposa com o meu tio…..............................128 28 - A criança que recusa o relacionamento com outras crianças……................130 29 - Os filhos separados da mãe pelo sogro, após a morte do marido…………..133

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30 - Problema entre o filho e a segunda esposa……………………………………135 31 – Sobre relação pré-matrimonial……............................ ........................[137-140]

Consulta sobre problema da vida pessoal Pelo Rádio “Difusora”

32 - O problema da imposição de casamento com o sobrinho dos pais adotivos.................................................................................................................141 33 - Sofrimento após violência sexual……….......................................................145 34 - Sofrimento com o relacionamento do marido com outra mulher…………….151 35 - Devo confessar sobre o namoro do passado para o novo namorado?.........155 36 - Sobre amiga que foi abandonada pelo namorado…………………………….157 37 - Casamento inter-étnico……………………….................................................161 38 - Marido com vício de jogo……........................................................................165 39 - Tristeza de uma viúva……............................................................................169

Do Jornal da Escola “Ayumi”

40 - Recordação do Bansui Doi…………………............................ .............[173-176] 41 - Caixa de Pandora……………........................................................................176 42 – O vestuário e a colônia……............................ ............................ ……[178-182] 43 - Discussão sobre Educação………................................................................182 44 – A comunicação entre pais e filhos……………............................. .......[189-191] 45 - Escolha do destino da mulher atual……………............................ …...[191-196] 46 - Meu ponto de vista sobre religião…………...................................................196 47 - Amarga recordação…………….....................................................................201 48 - Visita à boukou – minha antiga escola……............................ .............[206-212]

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O casamento é o acontecimento mais importante da vida [41-44]

Recebi um convite da redação da revista da colônia para escrever sobre casamento, e aceitei. Realmente, eu mesma, sou uma das pessoas que mais se preocupou com este problema, então, resolvi escrever da maneira que vejo.

Já pediram para eu gerenciar vários casamentos, por meio de várias pessoas de contatos profissionais, e chego, até, a me cansar com tantas apresentações.

Outro dia, um jovem inexperiente pediu-me para apresentar uma jovem que fosse de segunda geração (nissei). Trouxe uma moça e deixei conversarem. Porém, o casal não parecia ter muita afinidade e, por isso, o jovem pediu-me que recusasse. Em outra ocasião, já com outra pessoa, o casal até aparentava afinidades, porém, o pai não quis aceitar o relacionamento de forma alguma. Dessa forma, a jovem pediu para que eu recusasse. Diferentemente de tempos atrás, sinto que, aos poucos, o casamento tem ficado cada vez mais difícil. Seria muito bom, que a própria pessoa tivesse a liberdade de escolher um companheiro que gostasse, e casasse logo. Porém, também não conseguem fazê-lo, e pela falta de oportunidade em encontrar uma pessoa, o relacionamento entre homens e mulheres vai se arrastando e acaba por acumular meses, até anos. Penso que, com esses filhos, a preocupação dos pais vai se aprofundando a cada dia, por isso, pela minha posição, imagino se não é possível fazer alguma coisa... e me corta o coração quando penso nisso.

Dias atrás, alguns jovens técnicos de imigração vieram ao Brasil, e propuseram que eu servisse de contato para um “encontro com moças (nisseis)”, porque queriam trocar informações.

O corpo docente e eu concluímos que era uma boa sugestão. Misturar jovens de ambos os sexos para fazer um piquenique, ou uma reunião, para se conhecerem e, mutuamente, trocarem informações, além de haver um entendimento mais profundo entre isseis e nisseis, também seria muito importante para a colônia, assim como para o desenvolvimento do Brasil... logo, adorei a idéia, e, explicando o motivo para que tivessem a autorização de seus pais, convidei as alunas do grau mais elevado do colégio, esperançosa por uma boa resposta.

Logicamente que, para isso se tornar realidade, além de muita responsabilidade, eu precisaria de muita ajuda de todo o corpo docente, mesmo assim, fui em frente, mas, depois de conversas, os pais das alunas não aceitaram muito bem a proposta.

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As estudantes dedicavam-se, diariamente, apenas aos estudos, e, além de serem muito jovens, a idéia sobre casamento para elas, ainda era cedo demais. Ao aceitar o que pensavam, pensei nas alunas que já estavam formadas, mas elas também se mostraram bastante ocupadas com o trabalho, e ainda, não conseguia entrar em contato, ou recebia respostas vagas. Tanto as moças como seus pais aparentavam não dar muita importância para o casamento.

Antigamente, na época em que as mulheres não trabalhavam fora de casa, elas se casavam mais cedo. Porém, a partir do momento que começaram a ganhar seu próprio salário, não precisarem receber a mesada dos pais para poderem comprar as coisas que gostam com seu próprio dinheiro, ir a qualquer lugar, andar livremente, e, percebendo que podem se divertir suficientemente, não têm pressa em pensar em casamento. Além de não ter olhos para escolher um bom parceiro, será que pensam que, a qualquer hora, “a pessoa certa vai aparecer”, e apenas alimentam sonhos, sem perceber?

Os pais vão observando isso e não dá para negar a preocupação e comparação com outras pessoas.

Além de o casamento ser o assunto mais importante na vida, acho que ninguém vive sem pensar nisso. Não apenas no Brasil, como também em vários lugares do mundo, é um assunto que tem sido pesquisado.

Dentro dessas condições, em Nova Iorque, uma certa escola de apelo sexual, ensina como seduzir um homem, cientificamente. Só para imaginar a auto-confiança da escola, se as pessoas que se formarem, não conseguirem realizar o casamento de seus sonhos, num espaço de três anos, a escola se responsabiliza em devolver todo o custo do curso. Isso é excepcional, porque é formada por casais, agências de casamentos, atendentes de bordo, motoristas de ônibus, pastores e psicólogos. Por isso, fizeram a seguinte lista para aconselhar as candidatas ao procurarem um marido:

1. Para você ter um bom casamento, a coisa mais importante e possível, acima de tudo, é pensar sobre quais são os meios possíveis para notificar outras pessoas que você está querendo se casar.

2. Buscar um relacionamento de qualquer forma. Proíba-se de sentar ao lado de uma mulher no trem, metrô, ônibus.

3. A dica mais importante, cuidar das linhas de seu corpo, isto é, andar sempre bem arrumada (alinhada).

São dados esses conselhos para as candidatas, para saber como estão se empenhando para obter um bom parceiro, ao mesmo tempo em que, também, servem como exemplo, para o lado masculino poder se empenhar em encontrar uma boa parceira.

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No ano passado, também na colônia japonesa, incluindo antigos e novos imigrantes, tem aumentado o interesse no tema, cada associação das províncias tem feito apresentações e, aos poucos, vem oferecendo consultoria para casamentos. A Associação de Senhoras “Esperança”, também, há 2 ou 3 anos, vem prestando esse tipo de consultoria, na qual esses “escritórios” entram em contato com ambas as partes, fazendo o possível para que a relação seja concluída. Também acho necessário que existam encontros uma vez por mês para diálogos para tirar as dúvidas dos jovens, e ficaria agradecida por isso.

Acho que os pais que têm filhos(as), devem utilizar esses órgãos, mas, por enquanto, vejo que o número de inscrições é muito escasso. Será que os japoneses por serem envergonhados, e, especialmente um povo orgulhoso não se permitem tal situação? Por fim, acredito que, pela felicidade de suas filhas e filhos, os pais deveriam agir mais favoravelmente a isso.

(Revista da Colônia - Associação da Cultura 1965)

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Minhas Leituras [45-48]

Se me perguntarem “qual é a sua distração?”, não terei dúvida alguma em responder “Leitura”. Isso porque quando jovem gostava de ler e sempre estava com um livro.

Mesmo no Japão, era imprescindível ler no trem, quando voltava da escola para casa. Certa vez, devia descer em “Akasaka Sanou Shita”, mas, estava tão entretida lendo um livro, que fui até “Tora no Mon”, onde recebi uma reclamação do cobrador.

Dessa maneira, desde que vim para o Brasil, ao invés de comprar roupas, gastava a mesada com livros. Muitas pessoas dizem: “Estou tão ocupada, que não tenho tempo para ler”. Mesmo agora, não querendo comparar com outros tempos, dentro da família tudo está racionalmente organizado. Eu penso que, se não é fácil achar alguns espaços de minutos de leitura por dia, é porque não se adquiriu o hábito de ler, ou talvez, como diziam antigamente: “Além de ser mulher, fica lendo…” ou “ Se tiver tempo livre para ler ...” . Em certa época, pensavam que leitura, entre outras coisas, era algo que as mulheres não necessitavam, entretanto, em uma parte da sociedade, as esposas ainda têm, talvez, isso em mente.

A propósito, até hoje, sempre busquei livros relacionados à necessidade do momento. Circulava por várias livrarias, buscando não apenas livros sobre um mesmo assunto. Realmente, vários tipos de assuntos, na minha jornada, eram relevantes também.

Outro dia, meu filho se casou e foi morar na casa vizinha. O quarto dele ficou vazio. Pensei em recuperar os livros que li e os juntei até hoje.

Quando as estantes de livros ficavam lotadas, eu os depositava em caixas e colocava no sótão, ou num canto do porão. Resolvi, então, deixar esses livros verem a luz do sol. Procurei o Sr. Sato que começou logo a fazer a estante para meus livros.

Juntei as caixas que estavam espalhadas por vários lugares nesse quarto e soltei um “Ah!” quando abri e os retirei das caixas.

Os livros que estavam da metade para baixo na caixa ficaram úmidos. Assim como tinham livros embolorados, haviam também livros com as capas descascadas. Quando vi o estado lamentável dos livros que guardei com tanto carinho senti que uma tristeza muito grande apertava meu coração.

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O meu sonho era “Quando eu morrer esses livros vão ficar e o futuro deles será a biblioteca da escola...” - eu, que sempre ficava brava com as pessoas que não tomavam cuidado com o livro que tomavam emprestado de outrem, mesmo que chorasse, não seria o suficiente, e nunca esqueceria o erro cometido ao guardar os livros de qualquer jeito.

Aos olhos, os livros que são postos brilhando em uma sala de estar são muito bonitos e tornam-se um enfeite para um lugar, na estante que guardo os meus livros, depois de lidos por mim, vão de um para outro, e como já deram várias voltas, vendo por qualquer ângulo, não são o tipo de livros que servem para enfeitar um lugar, uma vista diferente, reto em um canto estreito. Quando volto, repetidas vezes por semana, e quando entro nesse quarto, meu coração fica calmo porque parece que ganhei milhões de amigos. A leitura é a bússola que nos leva para mundos desconhecidos.

Geralmente, as pessoas se colocam em problemas familiares, sociais, no lugar de uma terceira pessoa, e buscam por alguém que dê uma razão ou solução, mas a leitura preenche todos esses anseios.

Por exemplo, por mais que uma estória seja simples, ali estão escondidos vários tipos de acontecimentos na sociedade. Até o pensamento sutil, que podemos aprender de uma pessoa, ao ler uma biografia, pode tornar-se uma força dentro de nossas vidas.

Se estudássemos histórias da sociedade ou histórias de ideologia, socialmente, ou ideologicamente, poderíamos pensar sobre “que tipo de atraso houve nessa época?”, criticamente, podemos lê-los, se estudarmos a psicologia, descobrindo o divertido gênio do personagem que o autor quer mostrar.

A leitura não é focada apenas para assuntos de alto nível. Volta-se para a nossa difícil realidade, visualiza coisas corretas para vivermos, boa esperança e busca por uma maneira de não ficarmos perturbados. Acho que é útil para tudo isso.

Para as mulheres atuais e jovens, há tendências em se acreditar, que maquiagens e acessórios vêm se tornando extraordinários, é a natureza da sua psicologia. Não que eu queira julgá-las, mas quando necessitam falar algo, todo esse esforço para com a aparência, torna-se inútil, porque as idéias são ocas e isso acaba diminuindo os pontos.

Será que, não são os conhecimentos obtidos com esforço próprio e acumulados durante a época dos estudos que iluminam as idéias e é isso o que podemos chamar de verdadeira beleza?

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O fato de gostar de ler não quer dizer que fico observando a vida de cima, parecendo ter mais conhecimentos. Podem pensar que quero me exibir, mas sou a mesma senhora do alojamento, que continua a ter suas necessidades e, mesmo agora, continuo subindo, lentamente, a íngreme ladeira.

O quanto pensar em me sentir revigorada, quando, durante essa íngreme ladeira a garganta que secar for abençoada por um copo de água pura. A minha leitura tem o mesmo sentido que a função dessa água pura.

(1965-Jornal de Críticas)

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A minha distração [86-88]

Conforme a idade vai avançando, vejo que o tempo de sono vai diminuindo e todas as manhãs, é de praxe que meus olhos despertem. Isso não é um tipo de costume?

O horário dos alunos do alojamento acordarem é 6h10, durante esse espaço, dedico para a minha leitura, essa uma hora. Juntamente com o sinal de despertar, por 10 anos sem falta, continuo indo à cozinha, fazendo meu suco de verduras e bebendo-o. Graças ao suco de verduras, minha saúde e o grave estado de anemia normalizaram.

Depois de tomar o café, vou regar as plantas e contemplá-las, é mais uma das minhas distrações. Há uns três anos atrás, aprendi a ter interesse em cultivar orquídeas e apesar de construir uma pequena estufa de vidro no jardim de trás para o cultivo das poucas espécies, juntamente com a mudança para o novo prédio da escola, tudo foi destruído e acabou se tornando o lugar de diversão da pré-escola. Sem outra opção, levei tudo para uma sala que estava vaga na cobertura da escola e, a cada treze dias, subia para regá-las, mas via que a luz do sol só aparecia de vez em quando, e com tudo isso, as orquídeas, até agora, parecem estar apenas sobrevivendo. A coisa que mais me preocupa, é dar um lar adequado para essas vidas. Meu filho me disse: “- Um dia desses eu vou dar um jeito” ... mas isso será para quando?

Desde meus tempos de juventude, gosto de ler, tendo tempo ou não. Para mim, essa é, também, uma grande distração. Depois de ficarem velhas, as pessoas que têm uma distração são felizes.

Outro dia, fui à casa de uma das alunas formadas, em Santo Amaro, uma pessoa de 74 anos de idade, que cuidava de dezenas de vasos de bonsai149 e, qualquer um desses pinheiros, tinha suas formas perfeitas, realmente fiquei com um pouco de inveja. Posso dizer, que o ambiente familiar e o jeito desse tipo de ser humano não é visto em qualquer lugar, de maneira que não pude deixar de reparar.

Talvez, se as mulheres amassem mais as flores e, mesmo dentro de casa, se interessassem por flores, cozinhar, fazer trabalhos manuais como distração, suas vidas seriam mais felizes e teriam motivação para viver. Ultimamente, as mulheres que eram chamadas de dona de casa, juntamente com os homens, começaram a trabalhar fora de casa, o que as levou a comprar

149 Bonsai – árvore mantida em tamanhos reduzidos, por meio de podas e amarrações.

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roupas prontas, comidas instantâneas para as refeições, e acabar entregando as crianças na mão de empregadas, e, mesmo que o botão da roupa da criança caia, não pregam firmemente. Se realmente estiverem sem tempo, temos que nos conformar mas... não seria pelo fato das pessoas terem a oportunidade de poder sentir as coisas, por exemplo, mesmo que seja uma coisa pequena, o fato de poder inventar algo, que sente alegria?

Com a canção “a minha visão sobre família” da profa. Motoko Hani, na frase, “são principalmente nas pequenas coisas que me sinto estimulada quando estou triste e sem forças”, já me senti fortificada, porém, dentro da educação escolar, construir coisas utilizando as mãos, vem se tornando um fato raro, e, como se tornasse o cérebro, dedos e mãos lentos, no final, penso se não estamos enviando pessoas entediadas para o mundo.

(Jornal Paulista, 1971)

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O Significado de Trabalho [88-90]

Quando fui visitar o Japão, no ano passado, examinei várias escolas, mas, dentro da cidade de Mito, o formato das escolas Kokumin Kootoo Gakou e Jiyu Gakuin Seikatsu Gakou me fizeram aprender muito. Desde o tempo da falecida professora Motoko Hani, a Jiyu Gakuin não teve mudanças, infiltrando “Pensando, Vivendo” pelo cérebro e no corpo todo, foi o que fez me comover muito a respeito da educação do ser humano. Nesta escola, não há nenhum servente. Todos os alunos, com suas próprias mãos, preparam a comida, limpam e, até mesmo, para o atendimento dos visitantes, são treinados para fazer espontaneamente.

Fui visitar a escola exatamente no horário da manhã. Conduziram-me e até me convidaram para o almoço, onde apreciei as delícias. Nesse tempo, uma aluna se colocou em frente à lousa, começou a calcular as calorias e os nutrientes da refeição do dia. Depois de ouvir “Sirvam-se”, e enquanto todos diziam com uma só voz: “Bom apetite (agradeço pelo alimento)”, começaram a levar o hashi aos seus pratos, mas depois, me assustei um pouco, pois eram obrigados a avaliar a refeição.

Também fui ao alojamento das alunas, e ouvi falar que foi necessário contratar uma pessoa para lavar a louça das alunas, pois muitas delas reclamaram em fazê-lo, e isso não é um problema apenas do ato de lavar a louça, mas sim, o declínio do caráter humano. Estudar também é importante, mas dedicar os cinco ou dez minutos vagos depois da refeição, é também uma forma de mostrarmos nossos bons corações, ajudando a fazer as coisas.

Pessoas que tiveram um alto nível de educação, talvez pensem, “Deixem que eu tome conta das coisas de casa e trabalho”, mas nisso também, há o problema de limite. Uma patroa que não sabe fazer nada, não sabe empregar bem. Ao se casar, encontrará várias complicações, que não dá para entregar na mão de um empregado, isso há em qualquer lar. Para resolver tudo isso, é necessário esperar pela ordem da dona da casa. Mesmo que o nível de educação obtida tenha sido alta, pelo estudo obtido em frente a uma escrivaninha, não imagino que isso vá criar o caráter humano.

Através dessa visão de direcionamento de educação, a profa. Hani se propôs a mudá-la. Não será pelo fato do Brasil ter vivido um sistema de escravidão que, ainda hoje, isso continua a ocorrer entre nós? Há tempos, no Japão, havia uma educação chamada “Trabalho junto com Educação” mas, nesse nosso Brasil de hoje, se falarmos isso, vão nos responder: “Isso é uma coisa antiga”, e terminam por aí. É um problema a ser pensado.

(1972, Jornal Paulista , Boteco)

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Vamos caminhar a favor da Mente e Corpo [95-96]

Há, aproximadamente, três dias atrás, recebi uma carta da estilista Tiyo Tanaka, de Tokyo, pela condecoração que recebi. Dentro desta: “Nós também, sobre todas as escolas de costura, como este cartão desenhado, construímos uma escola profissionalizante em “Midori no Oka”, e como sempre, com muita saúde e suor. Em sua próxima visita ao Japão, venha nos visitar, sem falta.”

Ao ver o verso deste cartão desenhado, deparei-me com uma floresta, e mais, em uma enorme floresta, uma maravilhosa e moderna escola estava espalhada em vários pontos. “Ah, esta floresta, provavelmente deve estar afastada do centro da cidade, e como os estudantes vão até lá?” Fiquei imaginando isso, como se fosse eu mesma a ir até este lugar.

Quando fui visitar o Japão em 1970, tinha estudado na Bunka Fukuso Gakuin (Escola de Cultura de Roupas), e visitado a atual Kasei Daigaku (Faculdade de Administração Doméstica, antiga Watanabe) entre outras mais, e seus prédios ficaram afastadas da estação de trem cerca de um quilômetro e meio, e seus alunos necessitavam levar seus materiais, caminhando até lá. Eu também os segui, e, como não estava acostumada com o trecho, lembro-me que me cansei muito com a caminhada.

No Japão, os locais escolhidos para construir escolas são um pouco afastados do centro da cidade, parecem escolher lugares calmos e, principalmente agora, com a intensa poluição, mesmo que o trajeto escolar seja complicado, parece que os lugares escolhidos são mais calmos, com o ar mais puro. Mesmo antigamente nos subúrbios, interiores do Brasil, e ainda hoje, mesmo chovendo, em tempestade, é necessário andar dois ou três quilômetros, no trajeto escolar, sem pensar em nada.

Mas as crianças que crescem na cidade não andam nem um quilômetro. Isso, porque em todos os lares tem um carro e não estão mais acostumadas a andar – e, devido a isso, as crianças que se matricularam nessa escola, no início das aulas de Educação Física, apresentam pernas e mãos fracas e, acima de tudo, aparentam um corpo fraco. Quando ficamos velhos, as pernas começam a ficar fracas e, é, à partir das pernas que começamos a morrer.

A chamada Sra. Tiyo Okada, mesmo aos noventa anos, por conseguir andar firmemente, foi admirada. O falecido Sr. Hidesada Okada, seu marido, por ser professor de educação física ginasial, na época, ofereceu aulas de educação física para os jovens da colônia.

Dentro do pátio da Escola Akama, praticavam exercícios logo de manhã cedo, e havia encontros, onde nós e os alunos, juntos, subíamos a Taipasu, aqui e

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ali, andando juntos com o professor, no “encontro de andar”. Naquela época, as pessoas que vinham, não tinham a facilidade de adquirir um carro e muitas vinham de muito longe andando.

E as pessoas de hoje como são? Existem muitas pessoas que podem achar que, neste calor, subir a Taipasu sem saber o motivo de estar subindo é coisa de idiota. Entre os alunos, que há vários anos vêm à escola para aprender japonês, mesmo crescendo, continuam vindo de ônibus escolar, sem nenhuma mudança.

Outro dia, o professor Saito, da aula de japonês, incentivou os alunos que já tinham idade suficiente para isso, virem de transporte público, sem precisar usar o ônibus escolar, “não há um quilômetro do ponto de ônibus até a Altino Arantes, venham andando, isso será algo bom para a saúde de vocês...”.

Os pais de hoje esqueceram, completamente, como foram criados, e são permissivos com seus filhos, “nós passamos por várias dificuldades e não queremos que os nossos filhos passem por isso”, pode ser a forma dos pais pensarem, porém, fazer tudo o que as crianças querem, satisfazer todas as suas vontades é, realmente, para o bem das crianças?

Isso sim será um amor cego.

(Jornal Paulista, 1974)

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Para constituir nipo-brasileiro digno [119-122]

Desta vez, a nova iniciativa do São Paulo Shinbun, é fazer uma página especial para escolas, porque, até hoje, o que não era bem esclarecido, tais como, nomes, endereços e especialidades das escolas, poderá ser conhecido por meio desta, ajudando, assim, as pessoas da colônia.

Bem, comparando com outros países, será que existem muitas escolas de japonês como no Brasil? Dizem que os japoneses são fervorosos pela educação. Uma prova disso é que, quando eles chegavam ao Brasil, se houvessem vinte famílias no mesmo local, logo nascia uma escola de japonês.

Isso, porque os pais queriam passar para seus filhos, as coisas boas do Japão, e quando os caboclos, que não sabiam nada, perguntavam: “No Japão, há locomotivas e trens?”, não havia argumentações. Ou, entre outras coisas, havia dúvidas, em relação à situação de acúmulo de dinheiro e retorno breve ao Japão, em como seria se os filhos não soubessem japonês? A ascensão escolar não seria garantida, por isso, imagino que havia muita preocupação nesse sentido.

Porém,o país de origem perdeu a guerra, o sonho de voltar rico foi demolido e, sem argumentos, acabaram optando por viver aqui para sempre. Durante a guerra, por ser proibido falar japonês, só se utilizava o português. A segunda geração, além de não saber falar japonês, ouvi dizer, que muitos sentiam até ódio por ter nascido com o rosto de japonês.

Mas, ultimamente, parece que explodiu um interesse exagerado pela língua japonesa, até a imprensa explica a importância dela. Imagino que existam vários motivos para isso. Depois do final da guerra, mesmo na América do Norte, houve esse grande interesse para a língua japonesa e senti, fortemente, tudo isso, quando viajei para outros países e voltei para cá. O motivo de recuperar a língua japonesa na América era, logicamente, a leitura, escrita, e saber falar a língua. Porém, para os dizeres de professores, pais e irmãos, o grande ideal era “Não apenas como uma forma beneficente, e sim, ter a experiência viva na cultura e inter-relacionar as culturas nipo-americanas, contribuindo na formação de honrados cidadões americanos descendentes de japoneses”.

Bem, qual é a situação das escolas de japonês no Brasil? Não há rumores de ter experiência com a cultura japonesa. Mesmo indo vários anos na escola de língua japonesa, há nisseis e sanseis que ainda não falam o idioma, e isso também, se torna uma preocupação dos professores. A causa disso, é que dentro de seus lares, rapidamente, o uso da língua japonesa foi extinto e os familiares só se comunicam em português.

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Logicamente que há vários motivos para que isso tenha acontecido. Não podemos apenas criticar os lares. Mesmo assim, o lar é o plantio da educação e não podemos esquecer que a disciplina e personalidade são criadas dentro do lar. Os japoneses pensam que é só matricular seus filhos em uma escola e tudo se resolve, ou então, pelo fato da mãe ser muito ocupada, mesmo não sendo sua real intenção, entrega o filho para escola e vai deixando dessa maneira mesmo.

O apresentador Suzuki, da NHK, disse: “Estar ocupado... quando escrevemos em japonês, explicamos o ideograma utilizado, da seguinte maneira: à esquerda, coração, e, à direita, perda= CORAÇÃO PERDIDO; por isso, se estiver muito ocupado, a cultura não nasce, e vai perdendo a oportunidade de formá-la”. O povo japonês é uma raça trabalhadora e, dessa forma, os brasileiros aceitaram bem as inserções, e é por isso que, atualmente, está abençoado economicamente. Porém, como era antigamente? Por se ocupar tanto, não teve nem tempo de estudar a língua portuguesa, e imagino que este fato esteja ligado ao problema dos idosos. A maioria dos netos só falam português e os avós não entendem o que eles querem dizer, mas, se não é possível se comunicar, não é necessário dizer que os filhos e netos vão se afastando.

Então, depois de escrever até aqui, o que devemos fazer daqui pra frente? Penso que os professores devem falar detalhadamente com os pais. Às vezes, ouço: “Meu filho vai muitos anos na escola de japonês e até hoje não fala nada, acho que a maneira que o professor ensina não é boa...” e onde está o motivo disso? Será que isso não é um importante motivo para ser discutido? É como se, por mais que nós, nascidos no Japão, aprendamos a ler e escrever em português, se não tivermos amizade com brasileiros, não falaremos português.

Pelos japoneses, os nisseis e sanseis se tornaram a corrente que liga a amizade nipo-brasileira, e conseguiremos provar que nós, imigrantes, não somos apenas algo a ser descartado. É como não poder conhecer um novo eu.

(São Paulo Shinbun, 19 de março de 1977)

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Sobre relação pré-matrimonial [137-140]

Pergunta:

Eu sou uma datilógrafa que trabalha em uma empresa dentro da cidade, mas gostaria de fazer uma consulta sobre uma amiga, dois anos mais nova que eu, que trabalha comigo. Há mais ou menos um ano atrás, ela começou a namorar um moço que também trabalha conosco, porém, apesar de ele estar com 25 anos, parece-me que eles se comprometeram em se casar daqui a uns dois ou três anos. Porém, há quase um mês atrás, os dois foram ao cinema e, na volta, passaram na residência dele, então, ele começou a se insinuar para ela. Como ela resistiu, ele disse que não acreditava no que estava acontecendo, então ela acabou permitindo. Depois disso, por ele continuar insistindo terrivelmente, continuaram a sair por mais duas ou três vezes. Ela achou que se ficasse fazendo isso, talvez em breve, viesse a acontecer alguma coisa a seu corpo e ficou muito preocupada, caso arruinasse o seu trabalho, e, ao falar que era melhor casar logo, repentinamente, ele disse que queria terminar o namoro. Mesmo perguntando e exigindo um motivo, parece que não chegou a lugar nenhum.

Juntando toda a sua história, vejo que ele não tinha o menor interesse em casar e, desde o começo, planejou o relacionamento. Ao conseguir atingir sua meta, podemos dizer que fugiu o mais depressa possível. Depois disso, ela está deprimida e, às vezes, durante o serviço, segura o choro, vejo que está sofrendo. Ele finge que não aconteceu nada e, por isso, sinto pena dela. Não me conformo que não haja nada que se possa fazer com este tipo de homem.

(Kko, São Paulo)

A brecha do coração é responsabilidade dela.

Resposta:

Imagino que várias pessoas, neste mundo, passem pela mesma situação, de ser enganada por um homem, sentir no corpo este tipo de dor, e fiquem se lamentando disso.

Mas pelo fato da relação entre homem e mulher, acontecer com o consentimento entre ambas as partes, não há nada que possa ser feito, legalmente. Digo que, em relação a este tipo de homem sem responsabilidade, mesmo julgando pela mão humana, acima de tudo, não vai apresentar sinais de arrependimento e nada vai acontecer. Porém, esse tipo de homem, acredito que, em alguma circunstância, em alguma oportunidade, sentirá no corpo, esse mesmo sofrimento como resultado.

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Por falar nisso, em relação à sua amiga, realmente, sinto muita pena dela. Porque ela não conseguiu ver o real valor deste homem? Passear até tarde sozinhos, ir até a residência dele, acredito que ela mesma atraiu esta situação. Mesmo que dizemos que o Brasil é um país liberal, nos lares mais comuns é muito normal se prevenir o máximo possível com as relações entre homens e mulheres. A verdadeira liberdade não é ser libertino, mas sim ter autonomia.

Ao invés de querer julgar o parceiro, primeiro você deve consolar a sua amiga, incentivar, e por favor, ajudá-la no arrependimento deste erro para o próprio desenvolvimento (crescimento) futuro, ensinando e mostrando outras oportunidades. A leitura é uma forma prática, que aconselho. Lendo, com o tempo, vai saber o que é uma boa literatura e sabendo o que é uma boa literatura, saberá o que é ter uma boa vida ou quais são os valores de uma vida. Fazer com que ela tenha um ideal de vida, fará com que o sofrimento dela diminua.

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Do jornal da escola – “Ayumi”

O jornal interno de nossa escola foi criado em 1935.

No início o chamamos de “GAKUYUU”” mas como outra escola já tinha um jornal com este nome tivemos de mudar para “KAIHOU”, posteriormente, sendo mudado para “AYUMI”, mantendo este nome até o ano passado.

Entre as histórias que foram usadas como prefácio em todas as edições, escolhi umas nove delas, que mais marcaram e continuam em nossa memória.

Compositor de hinos de Instituições Acadêmicas

Recordação do Bansui Doi [173-176]

Foi perto do entardecer, que recebemos, do Japão, a notícia de que, no dia 19 de outubro do ano passado (1952), aos seus mais de noventa anos de idade, o grande poeta revelado pela obra “Mori no Miyako” (cidade dos verdes), o professor Bansui Doi havia falecido em seu ateliê, recebendo, em sua homenagem, uma grande cerimônia. Não pude esconder a minha tristeza, por conta de ter uma afinidade especial com o professor, além de sermos naturais de Yoshimi na mesma província.

Embora o professor pudesse se sentir à vontade para viver da forma que quisesse, em qualquer país, ele nasceu em Sendai, viveu em Sendai e morreu em Sendai. Creio que ninguém, como ele, jamais amou tanto e viveu tão intensamente em sua terra natal.

É certo que, a eterna obra-prima “Arashiro no tsuki”(lua de Arashiro - castelo), composta em parceria com o genial compositor Taki Rentarou continuará sendo estimada, e a sua música, cantada, eternamente, como uma música do povo japonês. Mas o nosso hino ”Toukai tooki ooyamato...” (referência ao Japão que fica no mar do leste...), outra obra do professor Bansui, também nos lembrará dele, sempre que cantarmos “Shunkourou no hana no utage...”. Isto tudo, me faz lembrar quando voltei ao Japão e visitei o professor, no salão do bacharelado em Kanda, Tokyo.

“Qual a sua motivação ao administrar a instituição?”. Assim como um aluno diante do examinador, fiquei um pouco atrapalhada com a repentina pergunta. Ainda me vem à mente a cena, do professor magro, aparentando um temperamento nervoso, me olhando, daquela forma, por cima dos óculos. Parece que foi ontem que lhe respondia, e, às vezes, até com uma conversa mais informal, usando muitos e variados documentos de consulta que davam uma idéia

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de minha motivação em fundar a escola, a política educacional, o clima de São Paulo, meus ideais como imigrante, religião... Passaram-se rapidamente quatorze anos, e os nossos destinos se separaram.

O tempo passa e nem sabemos o quanto o coração do idealista se machucou com as mudanças no mundo. Até mesmo já pensei sobre alguns aspectos do hino de nossa escola, que, às vezes, parecem não estar tão de acordo com a nossa época... No entanto, o professor não conhecia o Brasil, e por meio de limitados documentos de consulta, escreveu, intuitivamente, sobre os sentimentos do povo japonês da época. Não posso negar que gostaria de poder ter indagado sua opinião sobre isso enquanto ele ainda vivia.

Mas, visto que, a arte é uma expressão ilimitada da própria vida do artista, devendo ser reconhecida também como parte da história, não seria, exatamente isto, o que significa a eternidade da vida? Motivada a mostrar uma certa cerimônia por esse raciocínio, isso foi deixado de lado, na nossa vida ocupada. Lembro-me das palavras de outrem, que disse : “Não é permitido discutir sobre o novo e o antigo em relação a um grande poema”.

Considerando o valor artístico de nosso hino escolar à parte, a realidade é, que este hino composto pelo professor Bansui, um poeta não só da Ásia, mas conhecido como um poeta do mundo, ficará para sempre em nossa escola e para sempre será cantado, apesar da morte do professor. “A vida é curta, mas a arte perdura”. Nós, de coração, oramos pelo descanso eterno do professor e oferecemos nosso renovado agradecimento a ele.

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O vestuário e a colônia [178-182]

Ultimamente, quase uma obrigação, sábado é dia de casamento. Há quatro ou cinco dias atrás, fui a um casamento numa igreja católica. Faltavam dez minutos para começar a cerimônia, e a espaçosa igreja já estava lotada de convidados. Não era para menos, pois era o casamento da filha de uma pessoa muito influente na colônia. Entre seus convidados haviam muitos “estrangeiros”, ou seja, não descendentes, e a beleza dos trajes japoneses era deslumbrante.

Recentemente, observando que, o estilo de vestimenta dos “nisseis150“ tem-se mostrado bem mais simples e elegante, acho que o estilo de roupa adotado pelos “isseis151” também está, incomparavelmente, mais elegante em relação à roupa que usavam antigamente.

Dizem que, a vestimenta das pessoas representa sua época. Não posso deixar de me lembrar do que ocorreu, há uns vinte e dois ou vinte três anos atrás. Naquela época, a nossa escola ficava na rua Conselheiro Furtado, e as pessoas ficavam olhando os japoneses passando de manhã e à noite. Apesar de algumas pessoas se arrumarem bem, no estilo japonês de se vestir, ou com roupas estilo ocidental, produzidas no Japão, que pareciam ter sido compradas na cidade de Kobe, havia também, por exemplo, um velhinho de paletó de algodão caqui e sapatos barrentos, andando vagarosamente, típico de alguém vindo do interior, pessoas andando de tamanco e até donas de casa, indo ao mercado no outro lado da rua, de chinelos, carregando uma sacola. Uma maneira de se vestir muito difícil de se ver e aceitar hoje em dia.

Acho que, naquela época, estávamos tão preocupados em, como conseguir uma vida mais equilibrada, ou, como conseguir logo o dinheiro esperado e regressar ao Japão, que nem conseguíamos dar atenção à nossa vestimenta. Pode ser também que, fomos influenciados pela ideologia de que a pessoa interior é muito mais importante do que a aparência externa, conceito enfatizado pelos japoneses daquela época, e dando atenção ao ditado que diz: “A vergonha do turista é passageira”152, tudo isso, tenha feito com que buscássemos mais, poupar o dinheiro do que usá-lo, mesmo tendo uma situação econômica melhor.

Fiquei sabendo que, entre as pessoas importantes que visitaram o Brasil, depois do fim da guerra, alguns passaram muita vergonha, aqui e ali, antes de voltar ao Japão, por não se importarem muito com sua vestimenta.

150 Nissei – descendentes japoneses, da segunda geração 151 Issei- imigrantes japoneses natos, da primeira geração. 152 Este ditado que, literalmente, em japonês, se diz: “TABI NO HAJIWA KAKISUTE”, dá a idéia de que a pessoa que está, temporariamente, em determinado local, onde não conhece as pessoas em sua volta, e ciente da brevidade de sua estadia, passa por uma vergonha momentânea, sem dar muita importância. Ou seja, não se preocupa muito com a aparência.

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Porém, o mundo está, extraordinariamente, mais próximo (pensando nos relacionamentos sócio-econômico e políticos entre os países), e as preocupações com o vestuário, alimento e moradia estão se tornando internacionais. Eu acho que, aqueles que têm condições de viajar para outros países, deveriam, no mínimo, se informar, antes de tudo, sobre os modos e etiquetas comuns nos mesmos.

Há dezessete anos atrás, um jovem veio do Japão ao Brasil sob meus cuidados, pouco antes do início da guerra entre o Japão e os Estados Unidos. Eu cuidei dele por um tempo e, naquela época, em meio ao forte sentimento militarista que prevalecia, ele trouxe seu traje de cidadão (roupa parecida com uma farda), que, obrigatoriamente, era usado pelos japoneses. Toda vez que ele saía usando-a, eu o advertia: “Tire esta roupa! Estamos no Brasil!”. Mas ele retrucava, encerrando o assunto: “Esta roupa pode ser usada em qualquer lugar, pois é a roupa do cidadão japonês!”, apesar de ser o primogênito de uma respeitada família, e já ter concluído o curso superior. Não pude resistir e admirar o quão fortemente arraigada estava a educação baseada no militarismo daquela época.

Tem-se dito que, “a vestimenta revela a personalidade da pessoa, e é uma expressão do modo de pensar da pessoa”. Não parece que os japoneses tinham uma maneira um tanto presunçosa e exclusivista de agir?

Gostaria de listar, a seguir, os seguintes comentários de especialistas, que li, recentemente, numa revista de moda:

Segundo um economista: “A beleza depende, acima de tudo, de ter uma situação financeira avantajada, que garanta uma vida equilibrada e uma vida com paz interior”.

Segundo um religioso: “A fonte da beleza deve ser o amor. Uma grande beleza é fruto de um grande amor, e um amor mesquinho só produz uma beleza mesquinha”.

Segundo um médico: “Ter o nariz fino ou belos olhos, por si só, não significa ser belo. A verdadeira beleza provém da saúde interior do coração e do corpo”.

Segundo um literário: “É lamentável, quando alguém bem arrumada, com roupas e maquiagem da moda, deixa transparecer, apenas ao abrir a boca, que não tem nada na cabeça e é uma pessoa miseravelmente monótona. Penso que a beleza, no verdadeiro sentido, nasce quando se esforça em combinar os acessórios com as roupas e ao mesmo tempo se embeleza com os acessórios da vida que são a leitura e a música”.

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Estes foram os comentários, do ponto de vista de cada especialista, sobre o que realmente significa a beleza. Mas eu acho que não teremos felicidade, caso excluamos qualquer um destes pontos de vista.

Bem, foi há cinco ou seis anos atrás. Fui ao aeroporto me despedir de minha amiga do interior que ia voltar ao Japão. O aeroporto estava muito movimentado com outras pessoas que também voltavam. As vestimentas destas pessoas eram as mais variadas. Entre estas, havia uma pessoa com um pomposo casaco de pele e chapéu, carregando uma bolsinha de pele de jacaré. Entretanto, estava de sapato esporte, com este estilo de vestimenta!

As pessoas da colônia tem conseguido uma boa situação econômica, mas ainda tem estas incoerências em algumas facetas da vida. Eu acho que esta era a cultura da colônia na época. Nosso único sonho era voltar para nosso país com uma boa situação financeira, mas a reviravolta da história, com o término da guerra, mudou drasticamente nossa disposição. A força de vontade foi cruelmente frustrada, e a residência permanente no país de migração foi decretada. No entanto, estes fatos foram positivos para nós, os isseis, no sentido de que, em primeiro lugar, a vida foi se estabilizando, a administração dos negócios e as estratégias foram bem definidas, e tratamos com uma diferente e maior seriedade a educação de nossas crianças. Não podemos deixar de notar que estes novos valores foram se revelando na vestimenta dos membros da colônia nipônica.

Dizem que a cultura de um país é revelada, diretamente, pela indumentária. Por isso, concordo com o fato de que os franceses se vestem mais elegantemente. Bem, já falei muito até aqui, mas em suma, digo que, melhorar a maneira e os costumes de vestimenta de um país é um importante trabalho cultural em nível nacional. Eu acho que devemos encarar e reconhecer esta realidade, nos esforçar para melhorar nossa técnica e o nível de educação de modo geral, contribuindo para a cultura da indumentária. Deixo aqui este artigo, confiante de que, um dia, os que trabalham nisto nos bastidores, serão altamente valorizados.

Março de 1958.

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A comunicação entre pais e filhos [189-191]

Muitos conseguem conversar sobre qualquer assunto, e até fazer um certo capricho, com sua mãe. Porém, conversar com o pai, parece meio embaraçoso, difícil falar sobre um assunto mais complicado. Eu era assim. Felizmente, meu pai, quase sempre, atendeu aos meus pedidos, quando estava ao seu alcance fazê-lo. O que teria acontecido se ele fosse um pai teimoso, que usa, como escudo, sua autoridade parental para impor suas decisões arbitrárias?

Contam que, o pai do Yamaguchi Futaya, que assassinou o Sr. Asanuma do partido Socialista, dizia-se liberal, mas, na verdade, sequer tinha uma boa comunicação com sua própria família. Além de pensar “Eu sou eu, os outros são os outros”, tinha uma obsessão por suas opiniões, não permitindo a ninguém, ultrapassar este limite. Às vezes, quando não concordavam com sua opinião, chegava ao ponto de interromper a conversa, bruscamente, ao levantar a mão, dizendo “Já chega!”. Não mostra-se verdadeiro, neste caso, o ditado “Tal pai, tal filho”?

Se a mãe dele fosse mais sensata, mais forte, quem sabe, não poderia tê-lo protegido desta fatalidade, mas, ao invés disso, aceitava, em todos os assuntos, as opiniões do marido e até mesmo as insensatas. Nestas circunstâncias, acho que é até natural que um filho fique triste pela situação embaraçosa, tendo de buscar apoio em outras fontes.

Quem tenta resolver as coisas com ordens e gritos pode parecer forte mas, na verdade, é um fraco. Apesar de ser possível resolver qualquer assunto pela conversa, uma importante pessoa, no Japão, foi vítima deste tipo de intolerância. As crianças, criadas em ambientes intolerantes, não apenas apresentam dificuldades de entrosamento com os amigos, ao sair de casa, como também são incapazes de cultivar uma boa amizade.

Uma família, entre meus parentes, era de militares. O pai, coronel de exército, era tão rígido, que seus filhos ficavam intimidados, acanhados perante ele. Eles não se tornaram o tipo de pessoa que o pai almejava. Um de meus alunos também era muito teimoso. Mesmo causando um transtorno para a classe inteira, dizia: “Não sou capaz de mudar minha personalidade, pois nasci assim.”

Nada é tão difícil, quanto ajudar este tipo de pessoa, que não consegue aceitar ajuda. Na maioria das vezes, só um pouco de esforço, como a educação escolar, não é suficiente para mudar a pessoa. Com certeza, todos os envolvidos nesta profissão – docente, tem ampla vivência e concordam que, nesta questão, a influência familiar é muito forte.

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Parece que, no Japão pós-guerra, a tendência é para se resolver todos os assuntos pelo diálogo. Devemos achar o caminho para aprofundar nossa compreensão, da forma como expressar nossas opiniões e conversar, entre pais e filhos, professores e alunos, jovens e idosos. Não seria isto, o mais importante, independente do país ou época?

Nos Estados Unidos, é um costume, nas boas famílias, se reunirem todos os dias para os filhos contarem como foi o seu dia, durante o jantar, desde o mais novo até o mais velho. Com certeza, é uma grande alegria para estas crianças, ter um ambiente familiar onde recebem tal atenção. Os pais ajudam seus filhos dando conselhos apropriados e elogiando-os, ajudando no seu desenvolvimento. Acho esta ser a verdadeira educação familiar.

Todas as plantas crescem quando são cultivadas com carinho e recebem os nutrientes necessários. Pode-se dizer o mesmo, quanto às crianças. Porém, não podemos confundir o carinho da liberdade com ser totalmente liberal. A orientação consciente dos pais deve fazer parte.

Todos nós somos capazes de criar um ambiente familiar aconchegante. Por meio de uma comunicação carinhosa com nossos filhos, devemos ganhar seus corações e prosseguir na criação de crianças dóceis e livres.

10 de junho de 1961.

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Escolha do destino da mulher atual [191-196]

A expressão “Ela está na flor dos seus 23 anos!” parece perfeita para a senhorita T., que é bela e deslumbrante. Seus pais, bem sucedidos produtores de café no interior do Paraná, estavam acostumados a uma vida economicamente favorecida, mas, para oferecer melhor educação para a senhorita T. e seu irmão mais novo, Paulo, compraram uma casa e vivem, os quatro, em São Paulo, há uns cinco ou seis anos. A senhorita T. se formou no Curso Científico, em uma escola de formação católica. Depois de se formar, passava o dia costurando, cozinhando, fazendo arranjo de flores e praticando os afazeres da dona de casa, pois não tinha outra ocupação específica.

Certa vez, seguindo um conselho de um conhecido, decidiu fazer “omiai153”. Seu provável par, o jovem H., era muito boa indicação. Especializado como técnico em máquinas, havia, inclusive, viajado à Europa para fazer um curso, depois de se formar na Universidade de São Paulo.

Apesar de trabalhar em uma fábrica nos subúrbios, numa cidade do interior, é claro que, o fato de ser um engenheiro recém chegado da Europa, deixou a senhorita T. muito entusiasmada, e até mesmo sua mãe. O omiai obteve um ótimo resultado, chegando ao noivado, após namorarem por um certo tempo. Apesar da fábrica ficar bem longe de São Paulo, mãe e filha, foram duas ou três vezes visitá-lo e ao se encontrarem com ele, todo sujo de graxa, conversavam, contavam-lhe coisas sobre São Paulo e iam embora.

O que dizer da senhorita T., nestas ocasiões?... Parecia que tinha saído direto das passarelas de um desfile de moda, chamando a atenção dos que trabalhavam na fábrica com suas roupas vistosas. Além disso, ao chegar em casa, continuava sonhando acordada com seu belo futuro, e com carinho, escrevia cartas contando detalhadamente sua opinião sobre os filmes que via no cinema, e até assuntos mais triviais, como um vestido novo que havia feito. Ele, porém, respondia às cartas, mas sem se referir a estes assuntos. Falava sobre as desafios da vida de casados e, inclusive, tentou lhe dizer de maneira bem discreta, que não é possível viver somente de sonhos. Mas parece que isto, passava despercebido, e a senhorita T. não compreendia o que ele realmente desejava. O pior é que, tanto a senhorita T. como sua mãe, estavam tão certas de que este noivado daria certo, que apenas ficavam aguardando ansiosamente a resposta, que não mais chegava. Então quando, finalmente, perderam a paciência, mãe e filha decidiram consultar a pessoa que havia intermediado o encontro. Para sua surpresa, o jovem decidira acabar com o noivado.

153 Omiai - apresentação de uma jovem a um jovem e vice-versa com objetivo matrimonial, é um tipo de casamento “arranjado”, no estilo japonês

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O motivo foi o seguinte: ”Ela é mesmo uma jovem muito atenciosa, mas creio que não é para um técnico de fábrica do interior como eu...”

É compreensível a resposta dele, que tinha chegado à conclusão de que, quem trabalha desde cedo até à noite, entre as máquinas, cheio de graxa por todo o corpo, além de não poder realizar seus sonhos, não conseguiria oferecer muito a ela, naquela pequena cidade do interior.

Para casar-se e construir uma família, é necessário entender e enfrentar juntos muitos desafios da vida, mas, pelo visto, durante o namoro, não houve muita compatibilidade entre eles, neste assunto, e parece que este foi o real motivo da desistência.

Realmente, sinto muito pela senhorita T. não ter conseguido tocar o coração do jovem H., apesar de ter escrito cartas de amor cheia de sonhos e desejos. Chego até, a sentir uma certa antipatia pela maneira tão racional dele agir. Mas afinal, o que faz com que uma mulher e um homem se atraiam?

Não a beleza exterior, mas não seria o verdadeiro amor, e uma atitude responsável para com a maneira de se viver? Visto que ninguém é perfeito, poderiam depois de se casarem, ao longo dos anos, se esforçar para complementar um ao outro as qualidades deficientes e com certeza construir uma família bem sucedida... Talvez, aos olhos do jovem H. que, durante seu treinamento no exterior, viu as mulheres estrangeiras, a senhorita T. parecesse apenas uma “boneca”.

Nos dias de hoje , acho que são poucos os que ainda têm o conceito sentimental e acomodado de que “O homem vive pelo trabalho, e a mulher vive pelo amor do marido”. Isto porque os acomodados ou que se acostumam a depender dos outros não alcançam a verdadeira felicidade. Acho que a felicidade das pessoas está exatamente em ter o coração e o corpo no mesmo ritmo, e ele exigir isto da senhorita T., como sua futura esposa, é elogiável.

Acho que o verdadeiro amor é aquele sentimento que cresce entre aqueles que não se concentram apenas na alegria de amar e ser amado, mas que se preocupam em analisar a si mesmos, se estão realmente à altura de serem amados, que durante o quotidiano se arrependem, e não medem esforços para melhorar a sua maneira de ser, para proporcionar maior felicidade ao parceiro.

Não seria por meio deste amor, que as pessoas amadurecem e finalmente passam a reconhecer que, realmente, estão vivas? Ao mesmo tempo em que as pessoas têm suas fragilidades, são fracas e estão sujeitas a errar facilmente, podem, com apenas um gesto de amor, fazer desabrochar uma bela flor, mesmo que, para isso, causem algum ferimento. Se esse ferimento servir

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para confirmar a sinceridade do amor entre eles, neste caso, certamente, poderão reconhecer que amadureceram enormemente!

Apesar de perceber que, no mundo de hoje, são poucas as mulheres que vivem em casa, por assim dizer, brincando, sem algo específico para fazer depois de terminar os estudos, trabalhar com algo de acordo com suas aptidões é benéfico. Em primeiro lugar, em sentido econômico, e por elevar seu nível como pessoa, adquirindo sociabilidade, benefícios que ninguém contestaria, mesmo que, em alguns casos, às vezes, perdendo um pouco da delicadeza feminina... Sendo assim, ficar em casa, como a senhorita T., apenas treinando os afazeres de uma dona de casa pra quando casar-se, já é demais.

Para ter uma vida familiar plena, no futuro, é importante que todos tenham em mente, uma maneira de aproveitar os intervalos durante o trabalho atarefado para aprender mais sobre algo interessante, e, até mesmo, usando isso como uma recreação para relaxar, ao fim de um dia de trabalho.

Apesar da senhorita T. ter concluído os estudos e ser filha de pais ricos, ainda não tinha refletido, seriamente, sobre o mundo, sobre o que significava a vida. Infelizmente, o noivado com o jovem H. não deu certo, mas, com certeza, a deixou com muito que pensar.

Assim, como Cristo disse: “Que todas as obras cooperem para o bem...”, se a senhorita T., não se deixar abalar por isso, mas administrar melhor seus sentimentos, terá uma nova chance. A vida de casados pode ser como um mar de rosas mas isso não garante que não haverá ondas e ventos fortes.

À todas vocês, sábias! Superem, uma a uma, estas ondas e ventos. Façam disso, uma nova alegria em sua vida. Acredito que, esta atitude para com a vida é o caminho a ser seguido pelas mulheres.

Jornal Ayumi – Junho de 1964.

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Visita à boukou (minha antiga escola) [206-212]

- Para o primeiro bloco de Kaga, em Itabashi por favor.

Estava aliviada por conseguir, finalmente, entrar no táxi, depois de esperar uns dez minutos, em frente a um shopping em Ikebukuro.

- Senhora, pra que lado fica o primeiro bloco de Kaga?

- O senhor não conhece a Universidade Tokyo Kasei que fica no primeiro bloco de Kaga?

- Eu não!

Eu fiquei abismada pela maneira como ele me respondeu, como se fosse lógico não saber a localização. Finalmente, após percorrer pouco mais de dois blocos, desci do táxi. Depois de ir para o lado contrário e esperar um tempão, finalmente, peguei outro táxi.

- Para o primeiro bloco de Kaga, em Itabashi. - Então...

- Onde fica o primeiro bloco de Kaga?

- Em Itabashi! - Respondi em voz alta, já irritada.

- Eu sei onde fica Itabashi, mas o primeiro bloco de Kaga, não. Chegando lá, tome outro táxi, por favor.

- O quê? Como não tenho escolha, farei isso.

Apesar de já ter ouvido falar, que os taxistas de Tokyo não eram muito gentis, ficava nervosa, todos os dias, por me irritar com eles.

Com o diálogo anterior, fui deixada em frente à estação Itabashi, sem ser consultada se queria ficar ali ou não. Então, fui em direção a um táxi que estava parado em frente à estação. Ao dizer: “Até o número 18 do primeiro bloco de Kaga”, calado e desanimado, o motorista abriu a porta. Praticamente, me joguei dentro do carro. Depois de observar por algum tempo, pelo lado do motorista, que tinha muitas arvores frondosas, comecei a ver um prédio de quatro andares nas dependências da escola. Esta era a nova aparência da minha saudosa escola. O carro parou ali.

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Receosa entrei pelo portão. Numa placa, estava escrito “Universidade Tokyo Kasei”, e no jardim, havia uma proeminente estátua de bronze do professor Watanabe Tatsugorou.

Na portaria, perguntei onde ficava a secretaria. Fui andando para o fundo, conforme havia sido orientada. Comecei a procurar onde ficava e, passando pela entrada, uma moça me disse:

- Por aqui, por favor.

Ela me levou à sala do diretor, o professor Arimitsu. Eu disse:

- Meu nome é Ota154 Michie, formanda do décimo ano, da era de Taisho.

- Ah! Vinda do Brasil? Que ótimo você ter vindo nos visitar!, e, lendo a lista de antigos alunos...”Ah! Aqui está!” fixou os olhos em meu nome, no livro.

- Você veio em boa hora! Hoje é o sétimo aniversário da morte do ex-diretor Watanabe, e teremos, às quatorze horas, uma reunião em sua memória junto com os antigos alunos.

Ao ouvir isso, fiquei atônita. Na realidade, na minha programação inicial, não iria à minha antiga escola, naquele dia. Naquele dia, depois de chegar do Brasil, tinha programado visitar a Sra. Ozawa Aiko, que estava acamada. Na noite anterior, depois de dar ao meu irmão mais novo, o trabalho de procurar o endereço no mapa, decidimos que eu e minha cunhada, iríamos visitá-la, juntas. Ao acordar de madrugada, repentinamente, senti em meu íntimo que, naquele dia, seria melhor visitar a Universidade Tokyo Kasei.

Pela manhã, expliquei à minha cunhada e depois de combinarmos de visitar a Sra. Ozawa no dia seguinte, saí da casa do meu irmão, às nove horas. É claro que estava pensando em visitar, em algum momento, a minha escola durante minha visita ao Japão, mas por uma intuição repentina, tomei a decisão... Mas esta intuição, teria sido orientação de Deus? Orientação de Buda? Durante minha visita ao Japão, tive muitas experiências similares ao acordar de madrugada, e seguir estas intuições, me levaram a bons resultados. Naquele dia, aconteceu o mesmo. Enquanto eu estava atônita, pensando no que havia acontecido nesta manhã, o diretor falou:

- Sei que você está com uma programação apertada, mas já que veio, por favor, almoce aqui e participe do memorial.

154 Ota era o nome familiar, enquanto solteira.

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Como fez este convite, respondi:

- Bem, assim farei. Então pedi para usar o telefone para avisar o colégio Takehaya, minha outra escola formadora, a qual estava para visitar naquela tarde, adiando a visita para outro dia. Depois, dei à recepcionista a missão de me mostrar o interior e exterior da universidade.

Na sua forma anterior, há quarenta e sete anos, a escola feminina Watanabe tinha por volta de mil e duzentas, mil e trezentas alunas. Hoje, tem mais de sete mil, com cursos de Administração Doméstica, Nutricionismo, Moda, Vida Cotidiana, e ainda escolas anexas com ensino médio, fundamental, e infantil, totalizando mais de trezentos professores. Tornou-se um grande grupo, a única Universidade em Tokyo que tem o curso de Administração Doméstica.

Ocupando uma grande área como a de um bairro, tem salas para cada curso específico, e seus jardins com árvores variadas, estavam repletos de grupinhos de três e de cinco moças, com seus cadernos nos braços e garotas com as bolsas em seus ombros.

Comparando com a época em que se ia à escola de hakama155 bordô e compridas mangas de kimono andando de modo simples, observo quão diferente estão hoje as estudantes, que de mini-saias e roupas coloridas vão à escola com um caminhar garboso. Porém, isso não deixa de ser apenas a aparência. E quanto ao seu sentimento interior, o que esperam da escola, e qual a sua atitude para com a educação? Pelo que observei e escutei, tive dúvidas e senti, profundamente, a transição de uma época.

Como tinha tempo até as quatorze horas, fui acompanhada até o escritório do professor Atsui, filho do professor Watanabe Shigueru e debatemos sobre assuntos como política, educação, economia e sobre o recente problema da disputa universitária.

Às doze horas, comi um soba156, na sala do diretor, e entrei no salão memorial, dentro da escola. Ali, estavam, aproximadamente, duzentos ex-colegas de escola. Fui convidada para ficar ao lado do diretor, o qual me apresentou às senhoras à sua volta. Bem à frente tinha uma foto do professor Watanabe, com muitas flores na frente da foto, adornando-a.

Começando com os cumprimentos do diretor, mais de sessenta ex-colegas contaram suas histórias e lembranças do falecido, uma reunião agradável que nos fez esquecer do tempo. Então, por último, eu fui apresentada a todos.

155 Hak ama – calça no estilo japonês 156 Soba – macarrão japonês

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- Eu sou a Michie, Ota é meu sobrenome de solteira, que agora administro uma escola no Brasil, que visto daqui, talvez, mais pareça uma pequena casinha de templo. Em seguida, ocorreu um alvoroço, aqui e ali, na platéia. Talvez, mesmo que por um instante, pensaram que eu havia vindo do Brasil especialmente para a reunião de ex-colegas da escola. Então falei com palavras similares a estas:

- Não. Eu apenas vim visitar o Japão depois de trinta anos e resolvi visitar a escola sem saber da importância deste dia. Estar presente, neste memorial, por coincidência, é mais do que extraordinário. Entendendo que isso talvez seja uma lição do espírito de amor educacional do falecido professor Watanabe para com uma pessoa simples como eu, agradeço de coração, e ao mesmo tempo fico admirada pela orientação do caráter humano.

Diante disto, vi, em vários pontos da platéia, pessoas meneando a cabeça, concordando, “Sim, é verdade!”, e então, eu olhei mais uma vez para a foto do professor Watanabe e levantei os olhos ao céu.

Depois disso, tiramos uma foto juntos e nos despedimos. Voltando para a casa de meu irmão, contei o ocorrido desde a manhã, e minha cunhada ficou muito espantada.

Pouco antes de ir embora da escola: - Todas as vezes que formandos especiais nos visitam, gravamos sua impressão sobre a visita. Antes de você ir embora ao Brasil, volte novamente, para gravarmos sua impressão.

Assim o professor Watanabe Atsui me solicitou. Por isso, prometi voltar, assim que regressasse de Hokkaido, e me despedi. Mas com a correria do dia-a-dia, não conseguia tempo para voltar à escola. Finalmente, um dia antes de dar adeus ao Japão, no sábado, 18 de julho, visitei, novamente, minha antiga escola.

- O quê é apropriado dizer?

- Grave sua impressão sobre sua visita aqui, depois de trinta anos.

Por isso, pedindo permissão, comecei a escrever meus sentimentos e depois os li. Então me disse:

- Está bom!

Portanto, sem preocupar-me com a rouquidão de minha voz, devido ao cansaço do dia-a-dia corrido, pela agenda apertada, terminei a gravação.

Assim que eu disse:

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- Como tenho outro compromisso, às onze e meia... - ele me falou:

- Então lhe levo ao lugar onde os táxis passam.

Recusar foi em vão, então fui levada aos pontos de táxi, uma rua bem distante da escola.

- É pouco, mas use para o táxi.

Falou, ao me entregar um envelope fechado. Sentindo-me constrangida, tentei recusar, mas o táxi chegou e acabei entrando. Dentro do carro, abri o envelope e havia a grande quantia de seis mil ienes. Não esperava receber este grande valor, apenas por fazer uma gravação de 10 ou 15 minutos.

Mesmo quando fui convidada pela NHK157 e, nesta oportunidade, visitar o Japão, onde pude falar coisas sobre o Brasil, ao receber a enorme quantia de onze mil e quinhentos ienes, me senti muito embaraçada.

Observo o crescimento da economia e a grande soma de dinheiro que se usa, principalmente, os investimentos de grandes quantias direcionados para a educação. Devido à poluição do meio ambiente e outros acontecimentos, o Japão de hoje parece, de certa forma, contraditório, porém, ao menos, todas as escolas japonesas estão, hoje, no seu apogeu.

Então, eu pensei no Brasil, nas crianças do Brasil, e nos seus formandos:

- Será que o Brasil pode continuar assim?

Assim, eu me peguei pensando muito mais no “meu” país, o Brasil.

Tirado do Ayumi de Dezembro de 1970.

157 Emissora de televisão japonesa

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KATARIGUSA O OTTE Michie Akama

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Apresentamos, a seguir, textos [29], [43], [125-128], todos retirados e traduzidos do livro Katarigusa o otte de que damos o índice geral.

1 – Prefácio...............................................................................................................1 2 - Ida ao Japão para educação do filho...................................................................2 3 - Chegada ao Japão como esperado.....................................................................3 4 - Viagem turística com minha mãe a “Matsushima”...............................................7 5 - Visita a Universidade de “Mishima”.....................................................................8 6 - As mudanças ocorridas na Terra Natal.............................................................11 7 - Matrícula do “Kohei” na Escola Primária de “Minami Machi Shogakko”...........12 8 - Visita à senhora Shimanuki do “Rikkokai”.........................................................14 9 - Ida à exposição de Ikebana...............................................................................16 10 - Visita a Escola “Bunka Fukusso Gakuin”.........................................................18 11 - Visita “Gakushikaikan” ....................................................................................19 12 - Vista à sra. Shigure Hasegawa ......................................................................22 13 - Visita à Escola Feminina “Dress Maker” .........................................................24 14 - Visita à “Jiyu Gakuin” ............................................................... ......................25 15 - Visita ao General Inoue...................................................................................27 16 - Vista à Escola Doméstica “Tóquio” ..............................................................[29] 17 - Visita à viuva Masaomi Saka..........................................................................30 18 - Visita à será Toshiko Matsudaira....................................................................31 19 - Visita ao sr. Bansui Doi, autor da letra do Hino da Escola..............................33 20 - O Mundo como Casa.......................................................................................35 21 - Visita à Escola de Formação de Oficiais do Exercito de Salvação.................40 22 - Visita à Escola Municipal “Saguino Miya” e visita à Escola “Wamayaki”.........41 23 - Visita à Escola Feminina “Tosaka” ...............................................................[43] 24 - Notícia triste recebida da casa do meu marido no Japão................................47 25 - Correspondência da ex-aluna..........................................................................50 26 - Hereditariedade e ambiente............................................................................52 27 - A Colônia não morre........................................................................................55 28 - Viagem solitária à América do Norte...............................................................61 29 - A mudança da época......................................................................................74 30 - Encontro de 700 pessoas no festival de “Sukiyaki” ........................................77 31 - Eu e “Yookyoku” .............................................................................................84 32 - Lembrando o passado da minha amiga..........................................................87 33 - Sobre “Festa das Regiões”..............................................................................92 34 - Viagem à Argentina.........................................................................................95 35 - Observando as crianças do curso infantil......................................................110 36 - Confiar o ideal através da caneta..................................................................117 38 - Receber a oferta...................................................................................[125-128] 39 - Considerações finais.....................................................................................129

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Visita a Escola Doméstica “Tóquio” [29]

Na seqüência, visitei a antiga escola Watanabe, atual “Faculdade Doméstica Tokyo”.

É a segunda vez que visito esta Escola. O saudoso e antigo prédio não deixou nenhum vestígio, sendo substituído pelo novo edifício, suntuoso parecendo atingir o céu.

Fui recebida pelo(a) Professor(a) Watanabe, que me acolheu com muito entusiasmo.

Entreguei minha contribuição para Associação das Antigas Alunas ao me despedir, ao sair pelo portão da Escola.

Visita à Escola Feminina “Tosaka” [43]

Hoje, visitei a Escola Feminina “Tosaka”. Fui recebida pelo Administrador Escolar, Professor Kojima. Recebeu-me dizendo, “visitante vindo do Brasil, não é?”

Acolheu-me, gentilmente, dando todas as explicações a respeito da Escola e sobre as diretrizes educacionais. Sob suas ordens, todas as vezes que percorremos as salas de aula, as alunas ficavam na posição de “sentido” e a cabeça curvada.

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Receber a oferta [125-128]

(Estado espiritual de Mendicância)

Em fevereiro deste ano, iniciamos, com a ajuda da Professora Saibara, visitas na Capital e periferia, estendendo, mais tarde para a cidade de Assaí, no Paraná, e mais dez localidades, deste Estado, visitando vários núcleos de colonização japonesa. Seqüencialmente, viajamos, com o sacolejar de ônibus, carregando grande volume de bagagens, às vezes, gripadas, ora tomando medicamentos, ora administrando injeções. As duas nos revezando, nestas condições, percorremos mais de dois mil quilômetros, para encontrar ex-alunas espalhadas em várias regiões.

Não é uma tarefa fácil pedir doação. O ato de pedir alguma coisa para alguém, mesmo não sendo em benefício próprio, não deixa de ser uma situação constrangedora. Ao mesmo tempo, ocorreu grande ansiedade, lembrando as feições das ex-alunas com muita saudade, e imaginando o momento do reencontro.

Muitas vezes, senti vontade de largar tudo, ocasião em que me fez recordar, esporadicamente, do pensamento de um bonzo da seita zen, sobre o espírito do Takuhatsu158, (Mendicância). “Nem sempre as pessoas recebem com bondade, o praticante de Takuhatsu, mesmo após jornadas nas quais ele foi submetido a um calor tórrido ou gélidos ventos. Podem acontecer casos em que, simplesmente, nem venham a ser atendidos, ou serem recebidos com grande desprezo. Não será um ato verdadeiro de Takuhatsu, se o praticante reagir com o sentimento de ira. Não se pode dizer que é um verdadeiro praticante de Takuhatsu, aquele que não suporta as ofensas, pelo contrário, deverá encarar com suave fisionomia, com as palmas juntas num gesto de oração.

No decorrer deste ato, observando, com obstinação, as condições sociais e da natureza humana, praticando o exercício espiritual de submissão a qualquer injúria, conclui-se o importante ato de Takuhatsu, em busca da harmonia de si com os demais.

Nos meus 35 anos no Brasil, convivi com muitas discípulas, porém, ao relembrar os dias que se passaram, acho que não fui boa orientadora. Muitas vezes, dirigi orientações com a mistura de sentimentos pessoais inadequados. Para solucionar problemas entre alunas, reconheço que não fui a mais indicada, partindo da posição de quem estava na condição de orientadora. Muitas vezes,

158 Takuhatsu - Um forma de provação de sacerdotes das religiões indianas , adotada também pelo budismo, que consiste em pedir esmolas, para obter o mínimo de subsistência, com o objetivo de atingir o aperfeiçoamento mental e físico.

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senti instabilidade emocional na noite anterior à visita, lembrando-me de vários momentos, com sentimento de reflexão e auto-censura.

Apesar disso, fui recebida pelas ex-alunas com alegria, pela visita inesperada. Em certas regiões, fomos recebidas com jantar organizado pelas ex-alunas e ficamos, à noite, confabulando sobre o passado. Até pelos maridos ou pais dessas ex-alunas, fomos bem recebidas, facilitando-nos as locomoções com carros à disposição. Fiquei muito gratificada com a atenção que recebi, a ponto de juntar as palmas, num gesto de oração, em agradecimento a Deus.

“As pessoas que, mesmo que seja por um momento, deixarem de ser avarentos, e praticando, por mais que seja insignificante, sua doação ao bonzo, estarão praticando o Takuhatsu. Neste sentido, este ato, que o doador pratica, traz o bem para si e para outrem (“Zenkoo Kootoku”, do budismo). O Takuhatsu oferece a oportunidade de praticar “Zenkoo Kootoku”, isto é, o ato benevolente ao próximo obtendo como resultado, o benefício para si.”

Com este último pensamento, somado ao anteriormente mencionado, passou a perseverar em minha consciência, o desejo de receber benevolência, ao longo do meu objetivo da viagem. O bonzo da seita zen praticante de Takuhatsu tem como objetivo o aperfeiçoamento, tanto do corpo como da mente, segundo os ensinamentos do budismo, em busca de oportunidades para poder corresponder às pessoas que procuram a salvação espiritual.

Entretanto, sou apenas uma mulher comum, que luta por um objetivo, com sentimento de que, ao invés de salvar, estou incomodando as pessoas. Isso faz pesar meu coração, mesmo que, não se resuma em buscar vantagens próprias. Prevalece o desejo de que, um dia, possa transformar a Escola em orgulho das ex-alunas, e que esta instituição atenda os anseios dos futuros educandos. Dedico-me neste único objetivo, mas sinto que terei ainda um extenso caminho de dificuldades.

Quero seguir, considerando o Takuhatsu como um significado verdadeiro do estado espiritual, que tem origem no sentimento profundo do bem. Apenas isso.

No 35 do Boletim “Ayumi”

25 de novembro 1968

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KOUEN NO TABI Michie Akama

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Apresentamos, a seguir, textos [52-61], [72-85], todos retirados e traduzidos do livro Kouen no tabi de que damos o índice geral.

Índice do livro

“Kouen no tabi”

1- Palestra realizada na Associação Cultural do Bairro do Tucuruvi........................1 2 - Palestras realizadas no interior do Estado, patrocinadas pela “Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa”..............................................................................12 3 - Palestra realizada por ocasião do Concurso de Poesia “Tanka”, patrocinado pelo Jornal Paulista.................................................................................................28 4 - Palestra realizada para senhoras, patrocinada pela “Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa”...................................................................................................38 5 - Palestra realizada por ocasião do “Segundo Seminário para Senhoras”...[52-61] Palestra realizada por ocasião de vinda da Comitiva da “Associação dos familiares residentes no Japão dos imigrantes japoneses” (Russu Kazoku Kai), patrocinado pela “Federação das Associações das Províncias do Japão no Brasil”.................62 6 - Palestra realizada no Templo Budista “Hompa Honganji” sobre a temática “Situação da mãe”...........................................................................................[72-85] 7 - Palestra realizada na Colônia “Mizuho” de São Bernardo do Campo...............86 8 - Palestras realizadas no interior do Estado, sob o patrocínio do “Jornal Shukan Nikkei”.....................................................................................................................98 9 - Miscelâneas.....................................................................................................109 10 - Palestra realizada no interior do Estado do Paraná .....................................124

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Palestra realizada por ocasião do “Segundo Seminário Para Senhoras”

[52-61]

Sobre Etiqueta

Fui convidada a proferir uma palestra sobre um assunto de livre escolha. Por isso, farei uma explanação sobre a etiqueta usual no Brasil e, deste modo, espero cumprir com a responsabilidade que me coube.

A Etiqueta corresponde, no Japão antigo, ao que se designa o “Modo de Respeitar” (Reigui Sahoo). “Reigui”, envolve o estado de espírito; “Sahoo” é a forma de expressar aquele espírito, ou seja, exteriorizá-lo. O propósito, é a correspondência entre a intenção e a atitude. A procura da beleza da alma não é uma tarefa fácil, requer aprimoramento constante na vida quotidiana.

Não se conquista, de um dia para outro, um comportamento, ou maneira de agir, ideal. Eu mesma sinto, constantemente, a dificuldade na busca por este atributo. É importante que se torne um hábito, treinando para se adquirir o comportamento, ou maneira de agir, acompanhado de um pensamento correto e assim, melhorar a formação da sua personalidade.

“Reigui Sahoo” surgiu como um requisito necessário para o comportamento dos vassalos, na época dos senhores feudais. Foi, inicialmente, adotado pela nobreza da época de “Heian” (período de 794 a 1185 da História do Japão). Posteriormente, na época de “Kamakura” (período de 1185 a 1333 da História do Japão), “Reigui Sahoo” foi institucionalizado pelo poder civil, representado pela nobreza, que servia o imperador. Neste mesmo período, a política, de poder civil, passou a militar. “Reigui Sahoo” não era adequado para a classe militar, que desejava a simplificação, o que foi feito por Enko Ogasawara, que propôs a adoção de um novo “Reigui Sahoo”, que ganhou o nome de “Estilo Ogasawara”. “Reigui Sahoo” também acompanhou as mudanças de época.

No ocidente, também surgiram, na corte francesa, as regras de boas maneiras, porém de modo diferente do Japão. No Japão, nasceu do sentimento serviçal dos vassalos para com o senhor feudal, enquanto que, no ocidente, nasceu do espírito de cavaleiros. Os cavaleiros tinham a missão de proteger as princesas, o respeito às damas, apreciar artes, poesias, dedicação plena às damas eram as principais tarefas deles. No ocidente, permanece a tradição de boas maneiras o respeito às damas, ou seja, o costume dos cavaleiros de considerar, prioritariamente, o tratamento para com as damas, daí surgindo, a expressão “lady first” (em primeiro, as mulheres).

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O que difere, na regra de cerimônia entre o Japão e o Ocidente, é que, no Japão, tem-se como centro, o senhor feudal. A preservação do nome da família é considerada como centro, em termos de cerimônia, enquanto no ocidente, a etiqueta preza mais os direitos individuais. Porém, parece que houveram mudanças consideráveis no Japão, após a guerra. Pelas leituras de diversos livros, percebo que a regra se tornou menos formal.

Os atos devem ser baseados no espírito de dedicação e respeito, em se colocar no lugar de outrem, sem questionar se é dentro ou fora do país. Ninguém acolhe etiqueta com base somente na fria formalidade, podendo esta trazer apenas tristeza e desolação. A etiqueta é como um lubrificante que tem o objetivo de manutenção da boa relação entre as pessoas, induzindo-as para o estado de conforto e desembaraço.

O mais importante, na etiqueta social, é ser cortês, agindo de modo natural e conforme o ambiente. O importante é, ao errar, na forma ou modo, proceder adequadamente às circunstâncias apresentadas, com desembaraço, em relação ao momento e ao local. Contarei o diálogo de um episódio, que aconteceu com um vendedor que, ao visitar uma casa, foi atendido por uma jovem senhora.

Vendedor - “A dona de casa está?”

Mulher - “O que o senhor deseja”?

Vendedor - “Vim aqui, para pedir um favor para a dona da casa, por isso, queira anunciar a minha presença ”

A jovem senhora aborreceu-se com a forma de se dirigir do vendedor, que não mencionou o motivo da visita. O vendedor percebeu logo o erro cometido e se apressou em corrigir, dizendo:

Vendedor - “A senhora é a dona da casa? Desculpe-me pela falta”

Mulher - “Achou que eu era a empregada?

Vendedor - “Absolutamente, achei que fosse filha da dona da casa, por ser a senhora muito jovem, me desculpe por isso”.

Então a senhora sorriu satisfeita com a resposta do vendedor.

Talvez seja um exemplo exagerado, porém um exemplo de presença de espírito que evitou maiores embaraços.

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Fico sem jeito em não poder lembrar o nome de cada ex-aluna quando encontro-as, casualmente, na rua, não poder lembrar os nomes de todas as mais de 4000 formandas.

É difícil encontrar uma saída nesta circunstância. Fico imaginando que, se perguntasse o nome dela, poderia causar-lhe uma decepção. Porém, muitas vezes, na hora de me despedir, após algum tempo de conversa, consigo lembrar o nome da aluna e resolvo chamá-la por ele.

Não lembro o nome do reitor de uma universidade, mas ele costumava deixar sempre na mesa, o livro de nomes dos ex-alunos. Quando anunciada a visita de um ex-aluno, depois de verificado o nome, pede para aguardar e enquanto isso, consulta o livro para saber os dados relativos ao ano de formatura, as características do aluno e, após isso, dirige-se à sala de visita. Surpreende cumprimentando-o pelo nome, citando o ano de formatura e outros dados referente a este aluno, o que muito o emociona, pelo fato de ser lembrado por um reitor de uma universidade. Enfim, a etiqueta serve para facilitar a relação entre as pessoas, aprimorar o ato de evitar má impressão ou desrespeito a outrem. É importante e muito difícil, porque isto se aplica à todas as nossas atividades do dia a dia, como, em relação à vestimenta, alimentação ou habitação. Não poderei esgotar o assunto no tempo exíguo desta palestra, portanto, falarei sobre o que consta no impresso que foi distribuído. Começamos com relação à vestimenta.

Antigamente, no Japão, houve uma época em que era habitual o desprezo pelo vestir-se, alegando que o espiritual sobrepunha sobre o material, dando preferência ao propositado modo de vestir de forma rústica e desajeitada. No entanto, o uso adequado de vestimenta, traz prazer e confiança nas atitudes. Caso contrário, acho que muitos de vocês passaram pela experiência de reconhecer a falha no seu modo de vestir, gera uma preocupação que pode trazer como conseqüência, a perda de auto-confiança. Portanto, cuidar da aparência é muito importante. Também não significa que a roupa deva ser de valor considerável. Mesmo sendo de menor valor, basta ter criatividade. Com poucos recursos, poderá obter um ótimo resultado, confeccionando uma roupa de bom gosto. Este procedimento é o que garante a importância da arte de Corte e Costura. Mesmo que seja filha de família rica, se usar roupa com adorno excessivo, às vezes, poderá causar aparência de inferioridade quando comparada à uma funcionária.

Como fica, a combinação de um casaco marrom, sobre um vestido lilás com boné vermelho, que poderá ser objeto de comentário como: “mais parece uma almofada feita com panos pequenos multicores costuradas entre si”? O uso do vestido ou chapéu luxuoso, perderá a importância se for ornado com broche vistoso, mas de qualidade inferior. É também inconveniente, utilizar jóias ou acessórios exagerados, numa reunião de chá matinal. Será motivo de ironias,

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alguém que utilize uma roupa cheia de aparatos ou use sapatos de salto alto num piquenique na praia ou montanha.

Houve uma época, em que era moda usar casacos de pele animal. Depois da guerra, principalmente entre os ricos, do estado do Paraná, quando voltavam ao Japão, era comum adquirir esses casacos. Certa vez, fui ao aeroporto para a despedida de um conhecido e me deparei com uma senhora com “casaco de pele” e chapéu, transitando pelo aeroporto, portando a bagagem e andando de sandálias. O uso da sandália é restrito para dentro de casa ou quando não utilizar meias. Deduzi então, que esta senhora de casaco de pele não está acostumada a usar o sapato dentro de casa, conseqüentemente, não se adaptaria a usar o sapato de salto alto. Os japoneses, ao vê-la desta maneira, comentaram que “são “caipiras” que vieram do Brasil”. A bolsa, chapéu, luvas ou broches são assessórios utilizados para ressaltarem o vestidos. Portanto, não devem ser usados inadequadamente, sobressaindo mais que o vestido.

Deve apresentar um equilíbrio entre o uso de acessórios e vestidos, principalmente, nas combinações de cores entre os mesmos, para evitar trajes exagerados. Deve-se misturar o uso de trajes e acessórios, de acordo com as circunstâncias, para que não cause dúvidas quanto à educação e bom senso possuídas pelas pessoas que se apresentam, em qualquer ocasião.

Deve-se ter consciência de que, quando contrariar estes cuidados, estará contrariando também as boas maneiras e etiquetas. Quando vejo personalidades importantes do Japão transitando pela cidade, em trajes esquisitos, acho que estas pessoas deveriam procurar estudar melhor os costumes e regras de etiqueta do exterior.

Proponho que este assunto seja objeto de pesquisas por alguma pessoa, porque a etiqueta que vigora no mundo atual apresenta-se em busca do equilíbrio entre corpo e alma.

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Palestra realizada no Templo Budista “Hompa Honganji” sobre a temática

“Situação da mãe” [72-85]

Por meio desta oportunidade, sinceramente, parabenizo o templo Honganji, pelo aniversário de edificação dos 20 anos.

Sinto uma enorme felicidade, ao ver que muitas pessoas vieram de lugares longínquos, para esta importante cerimônia. Quando, inesperadamente, a professora Sasaki disse para que as pessoas da associação das senhoras (mulheres casadas) fizessem as palestras, realmente, fiquei boquiaberta e confusa. Pensei, muitas vezes, se não é, realmente, o inverso, porque sempre estamos aprendendo lindas lições budistas pela “associação de senhoras” do budismo. O que uma pessoa como eu, que não tem nenhuma estrutura religiosa, posso falar?

“Problemas da sociedade” - foi o que a professora solicitou, mas ela não especificou o tema e, depois de pensar muito, enfim, percebi que não era uma coisa difícil. Decidi falar sobre o que passei, as coisas que aconteceram ao meu redor, o que vi e ouvi até os dias de hoje, e foi com muito sofrimento que fui chegando até aqui.

Como todos sabem, desde que vim ao Brasil, durante 38 anos, venho administrando uma escola. Vivi como se fosse o cavalo de uma carroça, fazendo isso e aquilo, mesmo em condições precárias, fazendo o possível, dentro dos limites, aplicando a língua japonesa, tendo como curso principal o corte e costura, pretendendo sempre aperfeiçoar as mulheres.

Trinta anos atrás, pela intenção de educação, para que meu filho tivesse o aprendizado japonês, depois de 10 anos voltei ao Japão. Durante esta ausência, meu marido faleceu no Brasil. Meu avô, que havia se prontificado a cuidar e educar meu filho, disse: “Não posso separar seu filho de você já que o pai faleceu. Leve ele consigo”. Voltei ao Brasil, após apenas três meses de estadia no Japão, com o coração triste e desapontada, já que o motivo foi corrompido. Meus pais, no Japão, disseram: “Deixe sua casa no Brasil e volte para cá, já que agora você está sozinha”. Foi com esta intenção que pisei em solo brasileiro.

Porém, as condições daqui não eram muito fáceis, e tive a necessidade de trabalhar nesse lugar. Pensando na morte de meu marido, resolvi compensar meus sentimentos e, deste então, por trinta anos, venho atuando em trabalhos educacionais.

Como todos sabem, durante vinte e sete anos vivi naquela escola da R. Vergueiro, mas, além de ser uma casa alugada, não posso instalar tudo como pretendo. Para uma pessoa como eu, que não tinha forças para administrar uma

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empresa privada, edificar uma escola, entre outras coisas, seria muito difícil e, por isso, há quinze anos atrás, tive a idéia de criar uma fundação e iniciar uma escola para a sociedade.

Atualmente, estamos administrando com dezessete conselheiros e, há alguns anos atrás, iniciamos as obras do prédio da escola. Finalmente, no final de março, conseguiremos mudar para o prédio da escola na Altino Arantes, e é por isso, também, que fico muito agradecida às pessoas da comunidade. Durante esse tempo, para conseguir arrecadações para as obras da construção, fui às casas de cada uma das alunas formadas, o local mais longe foi Tomeaçú, no Amazonas, numa viagem onde pedia a colaboração de todos. Isto é, fazer arrecadações era o ideal da viagem, mas, passados os três anos viajando, vivi várias situações desagradáveis, com certa dificuldade mas, para mim, acho que aprendi muitas coisas. Além de conhecer o modo de vida das colônias que vivem em lugares afastados, tive a oportunidade de vivenciar tudo em detalhes, mas, entre outras coisas, problemas entre pais e filhos, e como o casamento se tornara um grande problema.

Enquanto eu passava por um lugar chamado Santa Fé, da linha de Araraquara, encontrei uma família que tinha uma grande plantação e criava galinhas e porcos. Estavam abençoados comercialmente, fazendo tudo muito bem, juntando as forças do primeiro, segundo e terceiro filhos, mas estavam com dificuldades em encontrar uma candidata para casar. As moças das redondezas foram criadas em escolas brasileiras e, pretendendo ir à faculdade também, acabavam indo para fora da cidade e, por isso, faltavam mulheres para se casar com os agricultores.

Antigamente, as moças paravam de estudar no grupo escolar, e as pessoas que estudavam costura ou culinária na escola da cidade, que estavam acima da média e eram apropriadas para se casar, estavam espalhadas por todos os lugares. Aos poucos, foram diminuindo as pessoas que só se contentavam com a costura, e as que estavam acima do nível médio, que concluíam a escola brasileira, começavam a trabalhar em firmas e bancos, vestindo-se bem com as roupas prontas, se alimentando com comidas instantâneas e se divertindo com a vida da cidade grande. Em relação à isso, comecei a me preocupar com o que fazer para melhorar essa situação. Então me perguntaram: “Professora, será que você não conhece de algum lugar, uma moça amável e boa que queria se casar comigo?”

Isso não era um grande problema para os agricultores que queriam se casar? O desenvolvimento da agricultura é a base do crescimento do país, se as cidades agricultoras estiverem em recessão, também influenciarão vários elementos das metrópoles. As cidades agricultoras devem ter mais cultura e, caso não se tornem um lugar bom para viver, aos poucos, as pessoas sairão para as metrópoles. É realmente triste pensar que as cidades agricultoras estão

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envelhecendo. Porém, entre outras coisas, a vida dos descendentes japoneses, em lugares mais afastados, se tornou rica, em toda casa tinha um caminhão e não faltava um carro de passeio em qualquer casa que eu fosse. Porém, as crianças, uma atrás da outra, saíam para estudar na cidade, os pais e crianças pequenas ficavam na casa, e os filhos que estavam estudando ficavam se preocupando com o que se tornariam no futuro. Acredito que, aos poucos, essa será a tendência.

Essa é uma história que ouvi, há mais de dois anos atrás, sobre um casal no interior que cultivava verduras. A pessoa que era chamada de mãe, não tinha muita escolaridade. Então dizia que, como ela não tinha muita escolaridade, pelo menos seu filho teria a oportunidade de estudar até a faculdade, e economizavam o possível para que seu único filho fosse para São Paulo, onde ficaria estudando por um longo tempo. Um dia, ele trouxe uma namorada brasileira para casa. A mãe recebeu-os com a roupa arrematada por um avental, sem conseguir se trocar, com a visita inesperada. A namorada, além de se assustar, sussurrou : “Porque japonês não tem vergonha de se apresentar com essas roupas flagelas?” e, por isso, o filho também ficou incomodado. Foi para São Paulo, casou-se sem informar aos pais e não deixou o endereço de sua nova casa. Nesse tempo, o pai faleceu e a mãe acabou por viver sozinha.

A mãe, com uma enorme tristeza, pensava, todos os dias, no filho, dizendo seu nome, vivendo sozinha. Essa mãe adoeceu e acabou falecendo também. Os vizinhos, que não sabiam onde vivia o filho, começaram a procurar aqui e ali, conseguiram achar e, depois de muito tempo, ele voltou para casa a tempo de presenciar o velório. Assim que entrou em casa, não se sabe de onde, “Takeo...Takeo...” ouvia uma voz que lhe chamava. Espantou-se e, prestando mais atenção para ouvir, percebeu que era a voz do papagaio, uma história real que fez com que ele, pela primeira vez, sentisse em seu coração, o amor que a mãe tinha por ele.

À todos, pergunto: “Onde será que houve falha? De quem será a culpa?”

Educação não é, simplesmente, saber ler e escrever. Acredito que seja uma forma de cultivar amor no coração em relação às outras pessoas. Em relação aos favores ou agrados de outras pessoas, ter o sentimento de gratidão, ajudar idosos e pessoas fracas e, a mãe, sempre dentro de casa, tem várias chances de ensinar tudo isso naturalmente, e obter como resultado disso, o crescimento humano da criança. Dirigir-se à criança e, mesmo dizendo, faça isso e não faça aquilo, fazer com que seus filhos pensem: “A minha mãe é uma pessoa admirável (esplêndida)”. Se não for assim, a criança jamais crescerá como ser humano.

Há uma história de um francês, Zartusman, chamada “o livro do caranguejo”. Certo dia, a mãe caranguejo vira-se para o filho e diz:”Você sempre

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anda de lado, porque não anda reto?”, e o filho caranguejo, responde: ”Papai, ande reto, por favor, assim eu também andarei...”

Os pais, assim como filhos, mesmo não conseguindo estudar muito, pela experiência de vida adquirida por um longo período, mesmo não entrando em uma faculdade, pelos seus próprios esforços e preparação de sua mente, conseguem obter tudo isso de forma admirável.

Como “ A mãe da França”, há uns anos atrás, fui descrita no “Ayumi”. É uma história meio antiga, mas gostaria de falar sobre isso.

Assim como todos conhecem o famoso escritor do Japão, o Sr. Kohjiro Serizawa, foi para a França como representante do Japão, do Clube de Correspondência (Pen Club). Nesta época, com a intenção de conhecer a forma das moças pensarem, visitou vinte e três lares, perguntando para elas: “Que tipo de pessoa você deseja ser?” Então, unanimemente, elas respondiam: “Quero ser como minha mãe.” Após isso, quando o Sr. Serizawa voltou ao Japão, ele teve a oportunidade de fazer palestras para alunas colegiais, e primeiramente, perguntou:”Que tipo de pessoa vocês desejam ser?” Porém nenhuma pessoa respondeu à sua pergunta. Então, ele perguntou novamente: “Vocês desejam ser como suas mães?” e depois de muito rumores a resposta foi : “Não queremos levar uma vida miserável como nossas mães!”

As mães do Japão, durante um longo tempo, não conseguiram se desligar da vida feudal e, apesar do mundo mudar cada vez mais em seus ideais, as coisas não mudaram. Tanto os meninos como as meninas ficam contentes quando a mãe se embeleza. Para que, a qualquer lugar que a mãe os leve, os filhos não se envergonhem da mãe que tem, é preciso ser o orgulho de seus filhos. Se falar coisas estranhas, na frente das pessoas, ou for uma mãe que se veste de qualquer jeito, por mais que encha a criança de amor, ao invés de um lugar de respeito, aos poucos, os filhos vão se revoltando e se separando de seus pais. A mãe deve se desenvolver juntamente com sua criança.

Isso é uma história antiga do Japão, mas, em um lugar chamado Yonezawa na província de Yamagata, há um cientista famoso, chamado Shinzoh Kuroi. Essa pessoa perdeu seu pai ainda quando pequeno e foi criado somente pela sua mãe.

Shinzoh, nessa época, começou a aprender difíceis gramáticas da China em um pequeno templo. Se tivesse alguma coisa difícil nesse aprendizado, seus amigos, quando voltavam para casa, pediam para que seus pais os ensinassem e, no dia seguinte, voltavam com tudo aprendido e passavam para as lições seguintes, mas Shinzoh não tinha pai.

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Certo dia, ele sussurrou : “Ah, se meu pai estivesse aqui, também me ensinaria tudo isso...” e sua mãe ao ouvir, soltou um “Ah...” com o coração dolorido. Mesmo ouvindo isso, ela só entendia letras mais simples. E pensava, todos os dias, “O que fazer para melhorar essa situação?”

Depois de pensar muito, teve a idéia de que “Se eu só sei hiragana159, posso ensinar o que aprender ouvindo, em hiragana”. Desde então, ficava de pé, em frente à janela da escola que o filho estudava e, com muito esforço, escutava o que o professor e os alunos liam, escrevendo tudo em hiragana. Ventando, chovendo, lá estava ela, de pé, em frente à janela, sem se importar com o que os moradores pensariam ao vê-la correndo o lápis pelo papéis. Quando Shinzoh voltava para casa e se colocava em frente a escrivaninha, começava a ler em voz alta. E a mãe que, enquanto costurava ouvia isso, dizia: “Shinzoh, aí está errado, aí se lê assim…” e, com uma voz delicada, consertava os erros, ensinando o modo correto.

Shinzoh, que desconhecia que a mãe, com muito esforço, estudava debaixo da janela, dizia:”- Minha mãe conhece de tudo!”, e cada vez mais a respeitava. Para não perder para sua mãe, tinha que estudar, e se esforçou em aplicar-se cada vez mais nos estudos. Por fim, foi reconhecido pelo lorde (senhor feudal, governador), da região de Yonezawa.

Certo dia, Shinzoh viu que havia alguma coisa escrita na porta do lado virado para a varanda. Estranhou e perguntou: “Mãe, o que está escrito naquela porta, por quê? Quem escreveu aquilo?” Estava escrito: “Quando tu eras pequeno...” .Foi a primeira vez que ela revelou que, na época em que ele estava na escola, ela, com muito esforço ficava debaixo da janela e escrevia na porta de seu quarto e enquanto via a porta, corrigia seus erros. Escorria lágrimas pelo olhos de Shinzoh e comovido, pegou as mãos de sua mãe, agradeceu-a pelo esforço e guardou o sentimento de gratidão dentro de seu coração.

Imagino que, desde antigamente, as mães de pessoas admiráveis (e bem sucedidas) tinham algo de diferente das pessoas normais. Quantas dificuldades, as pessoas que são chamadas de mãe e estão nesta posição, já não passaram… Pessoas como eu, com o passar da idade, fazem uma auto crítica. Em qualquer lugar, todas, seja uma boa mãe, uma boa avó, que tenha respeito pelos filhos e netos, devem sempre ler, fazer uma auto crítica, e além de tudo, ter uma atividade ao envelhecer, vivendo com o coração repleto de prosperidade. E, que tal, viver sem atrapalhar a vida dos jovens? Realmente, digo que não há nada pronto para se chegar a uma resposta.

(17 de outubro de 1971 em Oeste de Honganji (Templo Hongan))

159 Hiragana - é a variedade de fonogramas, empregada na grafia de quase todos os elementos da língua japonesa, exceto os de origem estrangeira, que não a chinesa.

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