a formação de educadores de eja numa perspectiva multicultural crítica
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A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS NUMAPERSPECTIVA MULTICULTURAL CRÍTICA
ARBACHE, Ana Paula R. B.Instituição: FUNREI
I - INTRODUÇÃONeste final de século, estamos vivendo as perplexidades, os desafios e as incertezas
que o acompanham. De um lado temos as novas tecnologias, revolucionando os meios de
comunicações, difundindo a informação e interferindo no mercado de trabalho, com novas
exigências para ingresso no mesmo; de outro, ainda convivemos com índices significantes
de analfabetismo e pouca escolaridade que atinge grande parte da população. Como
escreve Haddad ( 1992 ), uma grande parte de excluídos do sistema formal de ensino
acabar por se deparar com a necessidade de realizar sua escolaridade já como adolescentes
ou adultos. Entretanto, na maioria das vezes, este ensino se distancia do olhar dos adultos
por meio de um processo de ensino inadequado e infantilizado.
A educação de jovens e adultos ( EJA ) vai tentar contemplar aqueles que não
tiveram oportunidade educacionais em idade própria, ou que a tiveram de forma
insuficiente. Embora encontramos vários estudos referentes a EJA, seria importante
enriquecê-los com outros que abarcassem as percepções dos alunos, seus saberes, suas
culturas, bem como que se voltassem ao âmbito da formação de professores específica para
este ensino. Quanto a este último item, a verificação no CD Rom de 1997 da Associação
Nacional de Pós-graduação e pesquisa em Educação – ANPED, revela sua pouca presença
nos trabalhos acadêmicos desenvolvidos até aquela data, assim como, nos documentos do
banco de dados da Ação Educativa, órgão não-governamental que trabalha com questões
relativas a EJA .
No entanto, cabe salientar a importância desta área de conhecimento, que foi objeto
de reflexão na Reunião Sub-regional Para Países do Mercosul e Chile, ocorrida em
Montevidéo em novembro de 1998 na qual se elaborou o documento denominado de
Relatoria de Montevidéo. Nele considerou-se a necessidade de profissionalizar os
educadores de EJA, enfatizando-se que o professor, através de seu fazer pedagógico,
deve tornar visível as culturas locais, contribuir para seu fortalecimento, para a
recuperação da diversidade cultural e para a construção de uma ética mundial de aceitação
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da diferença. Outro ponto abordado é a falta de interesse dos órgãos competentes oficiais
na EJA, como também e espaços acadêmicos para as ações e discussões em torno da
mesma. ( Relatoria De Montevidéo, 1998, p.5).
Haddad ( 1998) relata que há uma carência de espaço de reflexão sobre a EJA,
tanto nos cursos de magistério, quanto nas faculdades de educação e na pós-graduação.
Embora já exista um certo movimento dentro de alguns programas, a maioria das
faculdades de educação não percebem a EJA dentro do seu próprio currículo. Mister,
portanto, se faz engajar a Universidade à experiência como campo de investigação e fazê-la
parceira indispensável na tarefa educacional e de pesquisa na formação de profissionais
nesta área.
A presente pesquisa visa justamente preencher esta lacuna. Parto do pressuposto de
que a educação de jovens e adultos requer, do educador, conhecimentos específicos a
nível de conteúdo, metodologia, avaliação, atendimento, entre outros, para trabalhar com
essa clientela heterogênea e tão diversificada culturalmente . Neste sentido algumas
questões a norteiam: Em que medida os cursos de formação de educadores de jovens e
adultos, estão preparando-os para trabalhar com a diversidade cultural de seus
alunos contribuindo para o desenvolvimento de suas identidades plurais? Diante desta
questão outras se desdobram:
• Em que medida os profissionais de formação os educadores de jovens e adultos
reconhecem a importância desta preparação para uma prática mais
comprometida com a identidade dos alunos, com suas vozes e com a
transformação social ?
• De que forma estes profissionais trabalham estas questões, em seus cursos de
formação?
• Até que ponto as práticas utilizadas para formar um educador de EJA, estão
voltadas para prepará-lo para compreender e valorizar a diversidade cultural
dos seus alunos?
• O espaço de formação desses educadores tem sido um espaço questionador?
Para responder a essas questões, meu referencial teórico é baseado nas teóricos-
críticos, particularmente no multiculturalismo crítico, a ser explicitado a seguir.
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II - REFERENCIAL TEÓRICO
Ao longo da trajetória da EJA, é possível verificar que poucos são os olhares
lançados para o fazer dos seus educadores. Este tema ficou localizado em discursos
distintos: um dos meios oficiais, que tratavam este profissional como um “voluntário”, onde
não era necessário nem formação adequada nem salário digno; de outro lado, a visão de
estudiosos que viam, neste profissional, um agente de transformação e de construção de
uma realidade social mais justa..
Nesta última categoria, podemos destacar Paulo Freire ( 1995) , que aponta para a
necessidade da presença de educadores capacitados para compreenderem todas as
especificidades que cercam este campo pedagógico. A teoria de Freire abriu caminho para
uma pedagogia do diálogo e do respeito às identidades dos alunos, deixando aflorar os
adultos plurais, não mascarado por práticas pedagógicas infantilizadas, de seu contexto e de
sua cultura. Este tipo de abordagem tem sido pensada pelo paradigma da teoria crítica,
particularmente o multiculturalismo crítico. MacLaren ( 1997) apresenta a seguinte
definição, que alicerça o olhar desta pesquisa sobre a EJA:
A perspectiva que estou chamando de multiculturalismo crítico compreende a
representação de raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais
amplas sobre signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo
textual e deslocamento metafórico como forma de resistência ( como no caso do
multiculturalismo liberal de esquerda) , mas enfatiza a tarefa central de
transformar as relações sociais nas quais os significados são gerados. ( p. 123)
Argumento que o paradigma multicultual-crítico na formação do educador de EDA,
se contrapõe à tendência funcionalista que reduz a EJA a simples habilidades de leitura e
escrita para adaptação na sociedade. Também, não se limita ao multiculturalismo
conservador ( termo usado por McLaren, 1997), que não interroga nem questiona regimes
dominantes de discursos e práticas culturais e sociais, que preparam os professores para
lidarem com o educando culturalmente diferenciado.
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Avançando na perspectiva multicultural crítica, busco inserir também as
discussões sobre interculturalismo crítico desenvolvido por Canen ( 1997) ,visto que,
segundo ela: ”O desafio a preconceitos e vieses com relação à diversidade cultural constitui
a pedra de toque de uma perspectiva intercultural crítica na formação de docente”. Nesta
perspectiva, os cursos de formação de professores devem estar atentos, para que possam
promover uma educação que ultrapasse o espontaneismo e a instrumentalização técnica e
neutra, e que possibilite avançar na busca de uma educação mais justa e menos
discriminatória, que respeite a diversidade e a identidade cultural dos alunos.
Sendo assim, é preciso que os cursos de formação docente estejam atentos para
possibilitarem ao futuro educador, a compreensão de que as questões de EJA ultrapassam o
âmbito educacional, exigindo uma percepção ampliada das questões de poder e hegemonia
que discriminam culturas e reforçam desigualdades. Ao mesmo tempo seria importante que
os cursos de formação incentivassem os futuros professores de EJA a perceberem seu
papel de modo crítico, reflexivo e transformador, de forma a valorizar diversas culturas,
reconhecendo, nelas, focos de força para o seu fazer pedagógico.
A perspectiva multicultural crítica pode ser vista como um caminho possível a
seguir no processo de formação de professores, possibilitando-os compreender e respeitar a
pluralidade cultural, as identidades, as questões que envolvem a classe, gênero, raça, saber
e linguagem dos seus alunos. A partir deste referencial teórico, alguns caminhos
metodológicos foram escolhidos, que são objeto da próxima seção.
III – CAMINHOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa está sendo realizada por meio de um “estudo de caso etnográfico”,
( Segundo André, o estudo de caso é muito adequado ao tipo de pesquisa etnográfica,
caracterizando –se como um estudo descritivo de uma unidade mas, não impedindo que o
pesquisador esteja atento ao seu contexto e às inter-relações como um todo orgânico –
1995, p. 31 ), na Disciplina Prática de Ensino ( 8º Período) da Habilitação Magistério Em
Educação de Jovens e Adultos da Área de Educação de Jovens e Adultos, de uma
Faculdade de Educação no Estado Rio de Janeiro.
É um estudo que envolve as dimensões institucionais e pedagógicas da referida
disciplina, sendo investigados os aspectos referentes a: contexto da prática escolar, formas
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de organização do trabalho pedagógico, estruturas de poder e de decisão, níveis de
participação dos seus agentes, disponibilidade de recursos humanos e materiais, situações
de ensino nas quais se dá o encontro professor-aluno-conhecimento, envolvendo os
objetivos e conteúdos do ensino, as atividades e o material didático, o discurso e outras
meios de comunicação entre professor e alunos e as formas de avaliar o ensino e a
aprendizagem.
A escolha do campo teve início no segundo semestre de 1998, quando estabeleci os
primeiros contatos com a instituição onde está ocorrendo a pesquisa e também com os
professores envolvidos na mesma. Esta fase exploratória possibilitou, também, uma maior
delimitação do referencial teórico que dá suporte a esta pesquisa.
No primeiro semestre letivo de 1999 estão sendo coletados os dados por
intermédio de observações não-estruturadas em sala de aula, de entrevistas semi-
estruturadas com os alunos, com o professor da disciplina, com o coordenador do Curso
de Pedagogia e com o Diretor da Faculdade de Educação. Também, estão sendo feitos
análises de documentos referentes à disciplina e à habilitação na qual ela se encontra. Esta
etapa da pesquisa percorrerá todo o primeiro semestre letivo de 1999. Os dados coletados
estão sendo transcritos de forma integral , permitindo assim, uma primeira análise dos
mesmos. Na segunda, ou seja, no segundo semestre do corrente, será realizada a
triangulação destes dados, onde, buscar-se-á estabelecer conexões entre os mesmos e o
suporte teórico utilizado , verificando limites e possibilidades do curso pesquisado com
relação à formação de professores de EJA em uma perspectiva multicultural crítica.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
A relação entre a teoria e a prática construída na sala de aula no contexto da EJA
pode ser um caminho para demarcar um compromisso maior do educador com seu fazer
pedagógico. Por muito tempo os educadores de EJA ficaram à margem dos espaços de
reflexão e produção do conhecimento. Ë superar essa ruptura que existe o pensar e o fazer
na EJA. Sendo assim, acredito que esta pesquisa possa ser um instrumento de alerta e de
busca para que cada vez mais os educadores de EJA potencializem nos cursos de formação
e professores, demarcando com isso, um maior espaço para as discussões em torno da EJA .
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