a formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

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UNICAMP Universidade Estadual de Campinas IE Instituto de Economia Relatório Final de Iniciação Científica - SAE/PIBIC Título: A Formação da Indústria Cultural no Brasil Aluno: Giovani Espíndola Ribeiro RA: 091345 Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Barbosa Gonçalves 1. Apresentação Ao longo do século XX desenvolveu-se um importante debate acadêmico e político em torno dos significados e conseqüências da emergência da Indústria Cultural nos países capitalistas ocidentais, sendo esta entendida como o processo de apropriação mercantil de diferentes manifestações culturais em escala industrial. Tal processo se confunde com o aparecimento e generalização da radiodifusão e com o surgimento e consolidação da Televisão como mídia de massas por excelência, por isso nos propomos a analisar o desenvolvimento desses dois mercados. Devido à importância social que estes meios exercem ao difundir valores e orientar o comportamento dos indivíduos e da coletividade através de suas atividades, consideramos extremamente importante analisar como se deu a evolução desses setores econômicos no Brasil, buscando entender quais são suas especificidades e desdobramentos históricos atuais. Portanto, primeiramente nos focamos na análise do desenvolvimento e expansão do Rádio e Televisão, setores privilegiados na dinâmica de formação do complexo industrial cultural, para entendermos como ocorreu o processo de oligopolização dessas indústrias no Brasil por uma perspectiva quantitativa e histórica, que consideramos essencial para mapearmos a penetração e o ritmo da evolução deste processo. Agregamos também nessa análise o estudo das transformações no marco regulatório dos diferentes setores econômicos relacionados à Indústria Cultural, relacionando- as com alguns debates sobre o processo de formação desta no Brasil, valendo-se basicamente, das contribuições de Renato Ortiz e Sergio Micelli. O segundo ponto abordado diz respeito ao debate teórico que se fez acerca da Indústria Cultural. A partir de um trabalho de revisão bibliográfica, analisamos detidamente os textos de Adorno e Benjamim, inseridos na perspectiva da Escola de Frankfurt, seguindo para a abordagem do canadense McLuhan, e por fim para a contribuição de Umberto Eco, buscando abordar possíveis interpretações sociológicas para o fenômeno em questão, dialogando com abordagens da especificidade brasileira. Por último, fazemos uma breve análise de um movimento artístico que dialogou com esta indústria de maneira singular em nossa história: a Tropicália. Para isso pesquisamos documentos e arquivos relacionados ao movimento e seu contexto, além de estudarmos parte da extensa bibliografia sobre este, nos detendo principalmente nas clássicas análises realizadas por Celso Favaretto e Augusto de Campos. Assim, pudemos inferir algumas conclusões sobre a Indústria Cultural brasileira a partir do estudo de um caso concreto que apresentou possibilidades inovadoras de interação com tal aparato tão influente no cotidiano dos brasileiros e nos rumos políticos do país. 2. A Indústria Cultural no Brasil e seu Marco Regulatório 2.1 Os primórdios Anos 20 e 30 Em 1923, Edgar Roquette Pinto funda a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (hoje Rádio MEC AM), e conferindo à nova tecnologia um caráter predominantemente educativo, inicia a radiodifusão no Brasil. Estando vinculada à iniciativas educativo-culturais organizadas em clubes e sociedades

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Análise Histórica de 1930 a 1980 da Formação da indústria cultural no brasil, abordando o desenvolvimento econômico do Rádio e TV, depois uma análise sociológica do periódo e por último uma apreciação artística das possibilidades abertas pelo movimento artístico Tropicalista e seu diálogo com as tecnologias da informação.

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Page 1: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

IE – Instituto de Economia

Relatório Final de Iniciação Científica - SAE/PIBIC

Título: A Formação da Indústria Cultural no Brasil

Aluno: Giovani Espíndola Ribeiro RA: 091345

Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Barbosa Gonçalves

1. Apresentação

Ao longo do século XX desenvolveu-se um importante debate acadêmico e político em torno

dos significados e conseqüências da emergência da Indústria Cultural nos países capitalistas

ocidentais, sendo esta entendida como o processo de apropriação mercantil de diferentes

manifestações culturais em escala industrial.

Tal processo se confunde com o aparecimento e generalização da radiodifusão e com o

surgimento e consolidação da Televisão como mídia de massas por excelência, por isso nos

propomos a analisar o desenvolvimento desses dois mercados. Devido à importância social que estes

meios exercem ao difundir valores e orientar o comportamento dos indivíduos e da coletividade através

de suas atividades, consideramos extremamente importante analisar como se deu a evolução desses

setores econômicos no Brasil, buscando entender quais são suas especificidades e desdobramentos

históricos atuais.

Portanto, primeiramente nos focamos na análise do desenvolvimento e expansão do Rádio e

Televisão, setores privilegiados na dinâmica de formação do complexo industrial cultural, para

entendermos como ocorreu o processo de oligopolização dessas indústrias no Brasil por uma

perspectiva quantitativa e histórica, que consideramos essencial para mapearmos a penetração e o

ritmo da evolução deste processo. Agregamos também nessa análise o estudo das transformações no

marco regulatório dos diferentes setores econômicos relacionados à Indústria Cultural, relacionando-

as com alguns debates sobre o processo de formação desta no Brasil, valendo-se basicamente, das

contribuições de Renato Ortiz e Sergio Micelli.

O segundo ponto abordado diz respeito ao debate teórico que se fez acerca da Indústria

Cultural. A partir de um trabalho de revisão bibliográfica, analisamos detidamente os textos de

Adorno e Benjamim, inseridos na perspectiva da Escola de Frankfurt, seguindo para a abordagem do

canadense McLuhan, e por fim para a contribuição de Umberto Eco, buscando abordar possíveis

interpretações sociológicas para o fenômeno em questão, dialogando com abordagens da

especificidade brasileira.

Por último, fazemos uma breve análise de um movimento artístico que dialogou com esta

indústria de maneira singular em nossa história: a Tropicália. Para isso pesquisamos documentos e

arquivos relacionados ao movimento e seu contexto, além de estudarmos parte da extensa

bibliografia sobre este, nos detendo principalmente nas clássicas análises realizadas por Celso

Favaretto e Augusto de Campos. Assim, pudemos inferir algumas conclusões sobre a Indústria

Cultural brasileira a partir do estudo de um caso concreto que apresentou possibilidades inovadoras

de interação com tal aparato tão influente no cotidiano dos brasileiros e nos rumos políticos do país.

2. A Indústria Cultural no Brasil e seu Marco Regulatório

2.1 Os primórdios – Anos 20 e 30

Em 1923, Edgar Roquette Pinto funda a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (hoje Rádio MEC

AM), e conferindo à nova tecnologia um caráter predominantemente educativo, inicia a radiodifusão

no Brasil. Estando vinculada à iniciativas educativo-culturais organizadas em clubes e sociedades

Page 2: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

com programação erudita e litero-musical, as estações de rádio lentamente se expandiram, e, com a

entrada dos anos 30, passam a aparecer veículos com interesses econômicos.

Assim, os principais jornais brasileiros passam a construir suas próprias emissoras de rádio,

aprofundando a constituição de nosso sistema de comunicação social, enquanto imprimiam neste

uma prática que permanece central em sua estrutura: a propriedade cruzada com concentração

econômica, ou seja, a concentração do controle de diferentes mídias em uma mesma entidade

jurídica ou grupo econômico, gerando uma forma específica de oligopolização do setor de

comunicação no Brasil.

O primeiro decreto relacionado à radiodifusão é de 1932, no governo Getúlio Vargas, quando

a rádio é declarada ―serviço de interesse nacional e de finalidade educativa‖ e passa a ser permitida a

veiculação de propagandas limitadas a 10% da programação, o que impulsiona o desenvolvimento

das primeiras emissoras ao possibilitar sua viabilidade econômica.

Comparativamente, nos Estados Unidos o marco regulatório da radiodifusão, criado também

na década de 30, tinha como principal aspecto a proibição da propriedade cruzada dos meios de

comunicação, enquanto nossa legislação apenas salvaguardava o direito de produção de conteúdo nos

meios de comunicação aos brasileiros natos e proibia a participação de capital estrangeiro neste setor,

na Constituição de 34.1 Além disso, adotou-se modelo trusteeship para o setor, tornando atribuição

da União explorar ou dar em concessão os serviços de radiocomunicação, criando a questão mais

problemática do marco regulatório brasileiro: a política de outorga das concessões.

No Estado Novo de Vargas, é estabelecida censura prévia sobre a imprensa e a radiodifusão,

pela Constituição de 1937, e a partir de 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda(DIP) passa

a controlar os meios de comunicação oficialmente. Nesse período passa a prosperar a prática ainda

existente de favorecimentos na publicidade oficial segundo critérios políticos, reforçando a

promiscuidade nascente entre os representantes políticos e os concessionários das rádios.2 Sobre a

importância da publicidade oficial no Brasil, Renato Ortiz, faz a seguinte colocação: Se tivermos em mente que a constituição de um sistema de comunicações

economicamente forte, dependente da publicidade, passa no caso brasileiro

necessariamente pelo Estado, podemos avançar no terreno de nossa discussão. A

evolução do mercado de propaganda no Brasil está intimamente associado ao Estado,

que é um dos principais anunciantes. O governo, através de suas agências, detém um

poder de ―censura econômica‖, pois ele é uma das forças que compõe o mercado.3

2.2 A Era do Rádio – Anos 40 e 50

Em 1937, mais da metade das sessenta e três estações de rádio havia sido instalada nos

últimos três anos precedentes, estando em mãos de empresários privados 90% dos veículos,

proporção que permaneceu como tendência neste mercado. Mas a grande expansão do Rádio vai

ocorrer de maneira sustentada apenas nas décadas de 40 e 50, como podemos ver no Gráfico 1,

quando há alguma generalização do acesso aos aparelhos reprodutores de rádio, graças a seu

progressivo barateamento pela introdução do rádio à válvula, que reduz os custos de produção. Outro fator

determinante nesta expansão é a autorização de conteúdos comerciais em 1932, que possibilitou

grandes anunciantes publicitários(Colgate, Palmolive, etc) se converterem em produtores de

programas(radio-novelas e seriados) e, assim, em financiadores das emissoras.4

1 GÖRGEN, James. Apontamentos sobre a regulação dos sistemas e mercados de comunicação no Brasil. São Paulo.

2008. Artigo publicado em http://donosdamidia.com.br/ 2 GÖRGEN, James. op cit. 2008

3 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo. Editora Brasiliense. 1988.

4 MICELLI, Sergio. Entre o Palco e a Televisão, Rio de Janeiro: IBGE, 2006.

Page 3: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

Em 1940, Vargas torna patrimônio da União importantes emissoras, como a Rádio Nacional,

do Rio de Janeiro, enquanto já em 1938 fora criado o programa A Hora do Brasil, marco no Brasil do

uso desse meio de comunicação para fins políticos. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial há

um grande impulso para o jornalismo e o rádio passa a aumentar rapidamente seu raio de alcance

perante a população que buscava se informar sobre o conflito. O célebre programa Repórter Esso,

produzido pela empresa petrolífera, é fruto desse período de grande expansão do radialismo. Já

vemos nesse momento a proximidade entre o Estado e os grandes grupos econômicos na definição

dos rumos da Indústria Cultural, possibilitando a mutuamente vantajosa oligopolização do setor.

É, portanto, nesse período que começam a se formar os grandes conglomerados midiáticos do

país, através da propriedade cruzada de jornais e emissoras de rádio, como aponta MICELLI: [Em 1937]A capital paulistana e as cidades-pólos do emergente mercado do

interior paulista abrigavam 45% das estações brasileiras. A cidade do Rio de Janeiro

dispunha de treze emissoras, incluindo a Rádio Nacional, emissora líder e responsável

pela difusão das novelas que constituíam desde então o produto típico e de maior

impacto naquela era tão marcante e definidora dos estilos e linguagens da indústria

cultural brasileira. Os dados evidenciam os primeiros sinais de constituição de

grandes empreendimentos empresariais a partir do controle conjugado de importantes

órgãos de imprensa e de estações de rádio líderes em potência de emissão e audiência:

Jornal do Brasil/jornal e emissora no Rio de Janeiro; Diários Associados /jornais e

emissoras da rede Tupi no Rio, São Paulo, etc.5

Dentre os empreendimentos do período, se destaca o caso simbólico de Assis Chateubriand,

criador e dono dos Diários Associados, mais importante conglomerado de mídias no Brasil até os

anos 60, que chegou a reunir em seu auge 18 revistas, 36 jornais, 35 rádios e 18 emissoras de

televisão, estando entre eles veículos importantes, como o jornal O Cruzeiro e a emissora televisiva

TV Tupi.6 Símbolo não apenas da concentração econômica dos meios de comunicação, ‗Chatô‘

representou a união da política oficial com a comunicação de massas: Getúlio Vargas, em 1928

Ministro da Fazenda, foi avalista do empréstimo pra abertura de sua primeira revista nacional. O

Cidadão Kane brasileiro, como já fora chamado, nasceu do ventre do Estado e seus políticos

tradicionais, só tendo seu império sido ultrapassado após fortes desavenças com os governos

militares.

Em termos regionais, São Paulo se tornou desde cedo líder na radiodifusão, detendo 30% do

número de emissoras ainda em 1958, quando já havia no país 6 estações televisivas, transmitidas nas

cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Permanece, portanto, a tendência

concentradora, tanto em termos geográficos, quanto empresariais.

Com o fim do Estado Novo, é restabelecida a liberdade de imprensa na Constituição de 1946

e o rádio pôde se desenvolver junto ao consumo de massas sem muitos constrangimentos em termos

de censura. Com a legislação de 1952, que aumentou o percentual permitido de

publicidade para 20%, esta dimensão comercial se acentua, concretizando a expansão

5 MICELLI, Sergio, op. cit. 2006

6 MORAIS, Fernando. Chatô - O Rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

1 000

1923 1930 1937 1944 1951 1958 1965 1972

Gráfico 1 - Evolução do Número de Emissoras de Rádio no Brasil de 1923 - 1974

Page 4: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

de uma cultura popular de massa que encontra no meio radiofônico um ambiente

propicio para se desenvolver.7

Na década de 50 ocorre a entrada da televisão no Brasil quando Assis Chateaubriand com

seus Diários Associados, começa a instalar a TV Tupi, num contexto regulamentar sem qualquer

limite ou menção jurídica ao veículo, com exceção do veto à propriedade de empresas jornalísticas e

de radiodifusão a estrangeiros e pessoas jurídicas, curiosamente excetuados os partidos políticos

nacionais.8 Nesse momento predomina o controle total dos anunciantes e das agências de publicidade

internacionais sobre a programação das primeiras estações, devido à inviabilidade econômica de se

produzir internamente os programas, impondo uma ética e uma estética essencialmente privada-

comercial sobre os conteúdos, e a concentração da indústria audiovisual no eixo Rio-São Paulo, onde

se iniciaram as atividades televisivas.

2.3 A Consolidação do Mercado Nacional de Bens Simbólicos – Anos 60 e 70

Inaugurada em setembro de 1950, a TV Tupi de São Paulo inicia a prática de transmissão

televisiva no país, e sua primeira concorrente é a TV Paulista de 52, cujo dono é um deputado: Ortiz

Monteiro. Em 1953 é inaugurada a TV Record, outra importante emissora do país, e apenas em 1965

é inaugurada a TV Globo, líder de audiência nacional desde o início dos anos 70. Ao contrário da

televisão norte-americana, que se desenvolveu apoiando-se na forte indústria cinematográfica, a

brasileira teve de se submeter à influência do rádio, utilizando inicialmente sua estrutura, o mesmo

formato de programação, bem como seus técnicos e artistas. Tal realidade acabou por reafirmar o

histórico de concentração da Indústria Cultural brasileira, pois favoreceu a proximidade entre os

veículos e o fortalecimento dos grandes conglomerados empresariais de mídia.9

Em termos quantitativos, em 1960, ao lado das 735 emissoras de rádio, o país abrigava 15

emissoras de televisão. Enquanto o desenvolvimento empresarial do rádio redundou na montagem de

algumas redes hegemônicas detendo controle sobre as filiadas, os canais de televisão ainda se

encontravam num estágio incipiente de implantação e ajustes, no interior de uma indústria cultural

ainda dominada pelo investimento publicitário na mídia radiofônica. No curto espaço de três anos,

contudo, ao lado das 915 estações de rádio filiadas a 718 grupos e redes empresariais, dobrou a

quantidade de emissoras de televisão.10

O gráfico 2 nos ajuda entender a evolução deste veículo, ao

exibir o número de emissoras de TV ao longo do tempo.

Pela análise do Gráfico 2 podemos ver o constante e acelerado processo de expansão do

número de emissoras de televisão. Sérgio Micelli assim retrata esta evolução, ressaltando a

concentração geográfica e empresarial desta forma de mídia, que rapidamente superou a importância

do Rádio em termos de relevância cultural e investimento:

7 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

8 GÖRGEN, James. op cit. 2008

9 GÖRGEN, James. op.cit. 2008

10 Estátísticas do Século XX – IBGE, Rio de Janeiro, IBGE, 2006.

0

30

60

90

120

150

180

210

1959 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987

Gráfico 2 - Evolução do Número de Emissoras de Televisão no Brasil de 1959 - 1988

Page 5: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

] Três anos após se haverem iniciado as transmissões em rede pela

Globo(1969) e um ano antes de se introduzir a televisão em cores (1973), a cobertura

televisiva estava a cargo de 63 emissoras, fortemente concentradas em São Paulo,

Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, e lograra se apropriar de quase 50% das

verbas de propaganda, cabendo ao rádio meros 9,4% no investimento publicitário.11

Em 1963, quando já haviam 20 emissoras televisivas(todas em capitais) expandindo de forma

atrelada às rádios e aos jornais dos principais grupos de comunicação, entra em vigor o Código

Brasileiro de Telecomunicações(CBT), que institui a Televisão como serviço público a operar sobre

a forma de concessões da União, sendo ainda hoje o código que unifica a regulamentação da TV e do

Rádio. Tal Lei afigura-se num diploma legal caracterizado pelos dispositivos de censura e controle

rígido da atividade de imprensa, sendo o primeiro documento que traça diretrizes e políticas para as

telecomunicações.

A estrutura regulatória das telecomunicações sofreu importantes alterações, notadamente no

governo FHC, e hoje o CBT não é mais aplicado integralmente por estar defasado quanto à

tecnologia e estar em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, mas ainda é o mais

importante instrumento que regula o setor, preservando a estrutura básica do sistema de outorga das

concessões. O código atribui apenas ao Executivo – Presidente e Ministério das Comunicações - a

responsabilidade de outorgar as concessões e administrá-las. Com a Constituição de 1988, o

Executivo passou a dividir com o Legislativo a responsabilidade sobre as concessões, o que na

prática não significou uma mudança importante no sistema de outorgas.12

O problema é que ainda

hoje não há uma agência regulatória autônoma e pautada por critérios técnicos que regule as

telecomunicações, como propõe grande parte dos críticos atuais do marco regulatório, sendo o

critério político determinante no estabelecimento destas, permitindo a apropriação do poder de

regular tal mercado pelos políticos no Executivo e a ele relacionados.

Modificando e complementando o Código Brasileiro de Telecomunicações, o decreto-lei nº

236, de 1967 restringe o controle tanto para o número de rádios quanto de televisões, local e

nacionalmente, constituindo o único regulamento que impõe limites a propriedade de emissoras de

radiodifusão. Entretanto, é conhecida a prática corrente de registrar as emissoras em nome de

parentes ou parceiros para fugir deste constrangimento legal, como predominou nos anos 70.13

Como é destacado por grande parte dos autores, incluindo MICELLI e ORTIZ, a Indústria

Cultural se organiza e se viabiliza em grande parte pela publicidade, principal forma de

financiamento de grande parte do complexo de comunicação de massas. No Brasil, isso se reflete na

dimensão do investimento em publicidade, que vai tomando proporções importantes a partir da

década de 60, como podemos ver na Tabela 1.

Tabela 1 - Investimento em Propaganda - milhões de $Cr

Ano Total Investido % sobre o PNB

1964 152 0,80

1966 440 0,95

1968 960 1,00

1970 1.840 1,05

1972 3.460 1,25

1974 6.300 1,29

1976 12.600 1,28

Fonte: "A Televisão Brasileira", Mercado Global, nº 31/32, ano 3.1976.

Elaboração ORTIZ, 1988.

11 MICELLI, Sergio, op. cit. 2006

12 GÖRGEN, James. op.cit. 2008

13 GÖRGEN, James. op.cit. 2008

Page 6: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

Assim como o investimento publicitário aumenta, é nesse mesmo período que surgem grande

parte das agências publicitárias que atuam hoje no mercado brasileiro e do sistema de cientificização

da opinião pública, traço fundamental de uma Indústria Cultural desenvolvida. É desse período a

formação das agências Esquire, Álvares Penteado, JMM, Mauro Salles, MPM, Alcântara Machado,

Norton, etc; assim como de importantes escolas de comunicação, como a ECA-USP, Álvares

Penteado, UFRJ, ISCM; fortemente impulsionadas pela profissionalização do setor, que ganha

caráter científico e invade a universidade. Também são deste período a formação de importantes

centros de pesquisa mercadológica: IVC, Mavibel, Ipsem, Gallup, Demanda, Audi-TV, etc; que

preenchem o papel de dimensionar os mercados, analisando empiricamente as pretensões da

população e calculando sua capacidade de absorção dos bens produzidos.14

Tabela 2 - Participação dos Veículos de Comunicação no Investimento Publicitário

Ano TV Revista Rádio Jornal Outros

1962 24,7 27,1 23,6 18,1 6,5

1972 46,1 16,3 9,4 21,8 6,4

1982 61,2 12,9 8,0 14,7 3,2

Fonte: Meio e Mensagem e Grupo Mídia.

Elaboração ORTIZ,1988.

Agora, olhando a Tabela 2, fica claro o declínio da participação do Rádio na publicidade, que

podemos facilmente associar com a estabilização do número de emissoras a partir da década de 60

observado no Gráfico 1. Sobre este processo, ORTIZ declara que na fase de ouro do rádio, este se

desenvolve concentrando o investimento publicitário disponível, passando, quando este investimento

se desloca para a televisão, a se especializar em determinados tipos de público e a formar redes de

abrangência nacional. As redes nacionais funcionam de forma análoga às redes televisivas que

discutiremos posteriormente. Quanto à especialização, ORTIZ faz a seguinte digressão: Este processo de especialização não é exclusivo do rádio, ele atende uma

imposição mais geral da indústria cultural que tem necessidade de responder à

demanda de um mercado onde existem faixas econômicas diferenciadas a serem

exploradas. As empresas radiofônicas procuram, desta forma, oferecer uma

programação unificada e específica para um determinado tipo de público, dando

assim maiores opções para o anunciante. Trata-se, portanto, de um sistema que

trabalha associado às análises de audiência, pois elas são as únicas garantias, para o

cliente, que a emissora realmente atinge determinada camada ou público.15

Para o sociólogo Renato Ortiz, os anos 60 e 70 são caracterizados pela consolidação do mercado de

bens culturais, devido, primeiramente, à concretização da televisão como veículo de massas de

abrangência nacional, que segundo um executivo por ele citado ―integrou os consumidores, potencias

ou não, numa economia de mercado‖.16

Paralelamente, ocorre a estruturação das indústrias do

cinema, do disco, editorial, publicidade e etc., que assumem para sua produção um mercado

integrado nacionalmente, com volume e dimensão que cobrem uma massa cada vez maior e

diferenciada, menos pautado por heterogeneidades regionais como nos anos 40 e 50, caracterizados

pela incipiência de uma sociedade de consumo.

Esta transformação é fortemente relacionada ao governo militar, que, no aspecto político,

censura a produção cultural contrária à sua orientação, prejudicando, de certa forma, a produção de

cultura, mas ao mesmo tempo fomenta diretamente esta produção, por se constituir como Estado

promotor do desenvolvimento capitalista em sua forma mais avançada. Objetivamente, é a

possibilidade de transmissão em rede em quase todo território nacional, concedida pelo Estado em

1969, que dá o caráter integrador característico de uma Indústria Cultural, segundo ORTIZ.

Já Sergio Micelli, em seu estudo de 1972 sobre os programas televisivos da apresentadora

Hebe Camargo, advoga a existência no Brasil de um mercado não unificado de bens simbólicos.

14 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

15 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

16 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

Page 7: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

Seguindo a abordagem de Bourdieau, centrada na ideia de capital-cultural, o autor advoga que a

estruturação da indústria cultural nos países centrais levou à formação de um mercado simbólico que

permite hierarquizar os indivíduos a partir da carga de discriminação social presente nos bens

culturais que possuem e ostentam, levando à metamorfose do sistema de classes sociais em cultura

no nível da instância simbólica, guiando-se pelo princípio de distinção. Tal hierarquia das

legitimidades culturais se referencia na cultura da classe dominante, no sistema de ensino a seu

serviço e no campo de produção erudito, que preserva a preponderância na legitimação e

consagração dos bens artísticos. No Brasil, tal sistema unificado, estruturado à maneira dos países

centrais, não se manifestaria, devido a não existência de uma classe hegemônica unificada com

valores próprios e por possuirmos um mercado de bens simbólicos ainda fragmentado, que estaria se

unificando pela atuação homogeneizante dos meios de comunicação de massa. Em suas palavras: A hipótese central deste trabalho postula que os meios de comunicação de

massa, em geral, e a televisão, em particular, constituem os veículos de uma ação

―pedagógica‖ a serviço do processo de unificação do mercado material e simbólico,

que se traduz pela imposição ―diferencial‖ da cultura dominante. A indústria cultural

atua, aqui, em resposta às demandas simbólicas de duas faixas sociais: de um lado, em

escala nacional, opera como meio de socialização compensatória da massa ―excluída‖

e, de outro, nos grandes bolsões urbano-industriais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto

Alegre, etc.), atua como reforço simbólico ao estilo de vida dos contingentes médios

já integrados ao mercado material (de trabalho e de consumo) e cultural dominante.

Em ambos os casos, essa ação ―pedagógica‖ deverá assumir caráter específico, muito

embora se transfigure quase sempre em puro consumo por ser esse o nível por

excelência em que se manifestam as distinções que cobrem de sentido as relações de

força prevalescentes.17

Quanto à visão gerencial e a forma de organização da indústria cultural, ORTIZ fala de uma

transformação radical após os governos militares, quando ocorre a transição da mentalidade

empresarial concomitante à modernização da sociedade, correspondendo à passagem do padrão

fortemente pessoalizado de poder dos impérios midiáticos da era Chateubriand, sendo seus Diários

Associados o caso paradigmático, ao padrão Globo de Roberto Marinho, em que ―(...)os novos

proprietários são homens de organização, e de uma certa forma se perdem na impessoalidade dos

‗impérios‘ que construíram‖(ORTIZ, 1988). Os capitães de indústria dos anos anteriores devem ceder lugar ao manager.

O espírito empreendedor-aventureiro de Chateubriand caracteriza toda uma época,

mas ele é inadequado quando se aplica ao capitalismo avançado. Nos anos 60 e 70, os

grandes empreendedores do setor cultural são outros. Homens que administram

conglomerados englobando diversos setores empresariais, desde a área da indústria

cultural à indústria propriamente dita. Civita: Editora Abril, Distribuidora Nacional de

Publicações(...), Roberto Marinho: TV Globo, Sistema Globo de Rádio(...) Frias e

Caldeira: Folha da Manhã S.A., Impress(...)Fundação Cásper-Líbero.18

Assim, ao aumentar sua escala e eficiência, adotando os padrões norte-americanos de gestão e

organização, foi possível difundir na sociedade brasileira os padrões de consumo moderno e os novos

estilos de vida internacionalmente referenciados no American Way of Life: ―Exposta ao impacto da

indústria cultural, centrada na televisão, a sociedade brasileira passou diretamente de iletrada e

deseducada a massificada, sem percorrer a etapa intermediária de absorção da cultura

moderna‖(MELLO e NOVAIS, 1998)19

. Nossa sociedade não foi capaz de absorver os valores

democráticos republicanos próprios das sociedades em que se desenvolveu o capitalismo liberal. Tais

valores anti-individualistas, que estiveram ligados justamente aos movimentos cassados no período

ditatorial, não puderam se desenvolver e criar raízes na sociabilidade do brasileiro, nos relegando

uma sociedade altamente despolitizada e consumista, fruto direto da maneira que se formou nossa

Indústria Cultural no período de grandes transformações sociais após o golpe militar.

17 MICELLI, Sergio. A Noite da Madrinha. São Paulo. Perspectiva. 2005

18 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

19 MELLO, João Manuel Cardoso. NOVAIS, Fernando. ―Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna‖. In: História da

Vida Privada no Brasil. Vol. IV. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998.

Page 8: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

2.4 As Organizações Globo e o Coronelismo midiático

Pertencente às Organizações Globo, de Roberto Marinho, forte atuante nos mercados de rádio

e mídia impressa, a TV Globo inovou ao impor a idéia de que os programas deveriam ser produzidos

pela própria emissora e não por seus patrocinadores, como se fazia anteriormente na TV e no Rádio.

Quando fora criada, em 1965, estabeleceu um acordo com o grupo norte americano Time Life, em

que recebia uma importante ajuda financeira enquanto se comprometia a pagar 3,5% do faturamento

e 49% do lucro. Isso provocou um diferencial enorme, especialmente técnico, em relação às outras

emissoras, pois desde o início ela já possuía videoteipe e editor eletrônico, raros ainda no país,

trazendo um novo padrão técnico de produção televisiva que possibilitou a liderança dessa emissora

nacionalmente. Tal acordo, entretanto, feria o princípio de exclusividade nacional para esta mídia,

presente na Lei de Telecomunicações de 1962, e foi alvo de processos jurídicos na época.20

Daniel Herz, jornalista que estudou o surgimento e consolidação da TV Globo, advoga que

esta valeu-se sobremaneira da política de segurança nacional dos militares para formar sua ampla

rede de relações políticas com grupos regionais nos diferentes estados brasileiros, tendo esta

estrutura se tornado como um modelo para as outras grandes redes. Segundo ele, os grupos cabeças-

de-rede, que geram a programação televisiva, se tornam parceiros de afiliados locais buscando

presença em suas regiões, enquanto dão-lhes apoio econômico e uma face institucional a seus

projetos políticos e empresariais regionais.21

Assim, criou-se um sistema de cumplicidade que

fornece um poder praticamente monopólico de transmissão dos conteúdos televisivos para a TV

Globo e outras grandes emissoras de influência nacional. A ascendência econômica dos grupos geradores de programação proporciona

as bases para a influência política. Por isso, é perceptível o alinhamento não só

econômico, mas também político, entre os grupos cabeças-de-rede e seus afiliados,

dando origem ao fenômeno batizado de 'coronelismo eletrônico‘.22

Nessa estrutura foi crucial a atuação do setor estatal de telecomunicações no estabelecimento

das redes privadas hegemônicas de abrangência nacional, pois através da Embratel, geradora do

sistema de transmissão em rede nacional, fora possível que os grupos regionais reproduzissem a

programação criada no eixo Rio-São Paulo, formando assim os grupos cabeça-de-rede. Assim, os já

concentrados grupos econômicos do setor midiático puderam ampliar nacionalmente seu raio de

atuação a partir de alianças regionais, aprofundando o processo de oligopolização do mercado de

telecomunicações brasileiro.

Outra característica do sistema de telecomunicações brasileiro é a propriedade dos veículos e

o controle institucional destes estarem historicamente vinculado a interesses políticos específicos,

geralmente próximos das elites que regionalmente disputam o poder no país. Isto levou ao

aparecimento, a partir dos anos 80, da tese alcunhada ―coronelismo eletrônico‖ em reportagens – no

Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, o Correio Braziliense e nas revistas Veja e Istoé nos anos 80 e na

Imprensa e Carta Capital nos 90 –, sendo esta, posteriormente, desenvolvida em núcleos acadêmicos

e políticos críticos ao sistema brasileiro de comunicação, para caracterizar as relações promíscuas

entre os concessionários de TV e Rádio e políticos, que reforçariam o traço coronelista de nossa

política, agora apoiado nas telecomunicações.23

Entende-se coronelismo aqui, basicamente, como a

associação de líderes políticos locais/regionais com o poder federal ou estadual, que garante a

ampliação da influencia e poder dos coronéis, em troca do voto dos que estão sob seu domínio.

Segundo esta tese, devido ao modelo de curadoria adotado no país, em que a União concede

outorgas a empresas privadas para exploração dos serviços públicos de rádio e televisão, e a

progressiva centralidade da mídia na política brasileira a partir do regime militar, criou-se um novo

20 BIZINOVER, Ana Lúcia, Globo for Exports. São Paulo: Editora Três Ltda., 1985.

21 HERZ, Daniel. OSÓRIO, Pedro Luiz. GÖRGEN, James. Quem são os Donos. Carta Capital nº 179, ano VIII. São

Paulo: Confiança, 2002. 22

HERZ, Daniel. OSÓRIO, Pedro Luiz. GÖRGEN, James. op. cit. 2002 23

LIMA, Venício A. LOPES, Cristiano Aguiar. Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004). As autorizações de

emissoras como moeda de barganha política. Brasília: Observatório da Imprensa, 2007.

Page 9: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

tipo de poder criador de consensos políticos, que promove nas eleições o favorecimento de

representantes que perpetuam o poder dos concessionários. Nas palavras de LIMA e LOPES: ―Ao

controlar as concessões, o novo ―coronel‖ promove a si mesmo e aos seus aliados, hostiliza e cerceia

a expressão dos adversários políticos e é fator importante na construção da opinião pública cujo

apoio é disputado tanto no plano estadual como no federal.‖24

Tal realidade é facilmente percebida

no Nordeste pela associação de tradicionais famílias oligárquicas ao controle de canais de TV e

Rádio, enquanto detêm mandatos nos diferentes níveis governamentais.

Na mesma abordagem, LARANGEIRA propõe em um artigo as ―capitanias hereditárias da

mídia brasileira‖: uma analogia entre o modelo pessoalizado da política de concessões de canais de

mídia e o sistema de capitanias hereditárias, cuja concessão de terras se pautava por critérios de

familiaridade e proximidade com o Rei. Assim, o modelo das capitanias hereditárias como política estatal da

colonização cedia lugar à centralização do governo-geral, mas legava a este e a outros

modos posteriormente adotados o poder dos donos das grandes extensões de terra, da

governança pelo nepotismo e compadrio, e do relacionamento estreito entre as

lideranças locais e regionais com o poder central, materializada sob diversos modos:

como a doação e foreamento de vastas propriedades naquela metade do século XVI,

cuja analogia com os tempos de hoje seria a concessão de canais de rádio e televisão,

tanto pelo poder executivo como pelo legislativo.25

2.5 A Indústria Cultural Pós-70

Por fim, exibimos o mapeamento da evolução da difusão e alcance dos veículos relacionados

à Indústria Cultural no agregado nacional, para assim compreendermos o impacto e poder que estes

adquiriram no Brasil pós-70. Utilizaremos, portanto, dados do IBGE relativos à evolução do número

de Emissoras de Rádio e Televisão no país, e à presença de aparelhos para reprodução destas mídias

nos domicílios, divididos entre área urbana e rural.

Analisando a Tabela 2, percebemos quão difundidos se tornaram estes dois meios de

comunicação do início dos anos 70 até o início dos 90, notadamente a televisão. O rádio que já

24 LIMA, Venício A. LOPES, Cristiano Aguiar. op. cit. 2007

25 LARANGEIRA, Álvaro Nunes. O compadrio na formação das capitanias hereditárias

da mídia brasileira. Brasília. E-Compós. 2009.

Tabela 3 - MORADORES EM DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES

1970 1980 1991

Total

Situação do

domicílio Total

Situação do

domicílio Total

Situação do

domicílio

Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural

Total 89 967

148

50 387

125

39 580

023

117 348

286

79 317

752

38 030

534

145 657

800

110 146

364

35 511

436

Existência

de

Rádio 54 409

664

37 054

964

17 354

700

90 618

599

63 175

076

27 443

523

119 947

934

94 766

650

25 181

284

Televisão 20 809

635

20 167

566 642 069

64 740

226

58 664

678

6 075

548

114 123

929

102 593

288

11 530

641

Proporção

Rádio 60,48% 73,54% 43,85% 77,22% 79,65% 72,16% 82,35% 86,04% 70,91%

Televisão 23,13% 40,03% 1,62% 55,17% 73,96% 15,98% 78,35% 93,14% 32,47%

FONTE — Tabela extraída de: Anuário estatístico do Brasil 1989. Rio de Janeiro: IBGE, v. 49, 1989. Censos Demográficos.

Elaboração Própria

Page 10: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

estava presente em mais de 60% dos domicílios em 1970, elevou sua presença mesmo nos domicílios

considerados rurais e atinge 82% destes em 1991. No caso do rádio a discrepância entre domicílios

rurais e urbanos não é tão gritante, por ser este de mais fácil acesso e possuir menor valor de

aquisição se comparado a televisão, o que ajudou a proporção de domicílios rurais com presença do

aparelho saltar de 43% em 1970 para 72% em 1980, valor muito próximo dos 79% em domicílios

urbanos, mostrando que a discrepância entre as duas áreas de domicílios reduziu bastante.

Já no caso da televisão a distância entre as diferentes situações de domicílio é bem maior,

sendo a elevada proporção total de domicílios com existência de televisão, fruto inequívoco de sua

presença nas cidades, que atingem a marca de 93% em 1991, partindo de 40% em 1970. Ao mesmo

tempo, nos domicílios rurais a proporção não passa de 32% em 1991, sendo esta quase inexistente no

início dos anos 1970. Sobre a quase universalização das grandes mídias e a atividade da indústria

cultural no período pós-70, Sergio Micelli faz a seguinte digressão: O padrão então emergente de práticas de lazer e consumo cultural passou a

depender, de modo cada vez mais constrangedor, da posse e do manejo de

equipamentos domésticos de captação e reprodução de um espectro amplo e

diversificado de conteúdos e mensagens – aparelhos de som, vídeos, televisões,

DVDs, computadores, telefones celulares, etc. -, passando, pois, a exigir uma ausculta

sofisticada dos padrões de comportamento, de audiência, de consumo, de recepção,

dos diversos grupos sociais (...). As categorias mencionadas de ausculta refletem, por

sua vez, os diferentes grupos de interesse com pesados investimentos nos modernos

meios de comunicação de massa(...) empenhados em competir pelas imagens,

categorias, representações e justificativas mais convincentes a respeito desse

imbróglio inquietante no qual se transformou a cultura no capitalismo

contemporâneo.26

Quanto à tendência de mercantilização e padronização da produção cultural, Renato Ortiz

considera que a consolidação da Indústria Cultural no Brasil, favoreceu o empobrecimento e

massificação dos bens produzidos para o consumo das massas. Se nas décadas de 40 e 50 fora

possível uma cumplicidade e interpenetração entre os setores eruditos e comerciais de produção

artística, no pós-70 esta relação pende para um predomínio de produtos enlatados, com a

subordinação de um setor sobre o outro, evidenciando os limites rígidos a que passa se encontrar a

criatividade artística nesse sistema industrial avançado, estando determinada definitivamente e

profundamente pela lógica comercial.27

Resumidamente, podemos concluir que após a formação da Indústria Cultural no Brasil nos

anos 60 e 70, mantiveram-se os traços de elevada concentração da propriedade e direito de

transmissão dos bens culturais em poucas empresas e nas regiões economicamente mais

desenvolvidas, ancorados numa legislação que não apenas a permite, mas a favorece. Atualmente, se

constrói um debate nacional em torno da questão da estrutura da propriedade neste setor, sendo o

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, criado em 1991 e fortemente atuante após

2001, uma importante entidade representativa deste debate, que organiza os movimentos sociais e

organizações da sociedade civil afins à esta disputa política e propõe a elaboração de novo marco

regulatório. Um importante marco recente nessa disputa, foi a Comissão Nacional Pró-Conferência

de Comunicação, realizada em 2009 com apoio do governo federal, entretanto, o capital político dos

interessados na manutenção do atual sistema e o quase monopólio da informação pelos grandes

conglomerados midiáticos se configuram como barreiras aparentemente intransponíveis para que

haja uma efetiva transformação da estrutura dos mercados de comunicação de massas no Brasil.

3.1 Escola de Frankfurt – Racionalidade Instrumental e Indústria Cultural

A abordagem da Escola de Frankfurt a respeito da Cultura de Massas é hoje considerada

central, sendo necessária uma aproximação a esta perspectiva para pensarmos como analisar tal

fenômeno no Brasil. As contribuições deste centro alemão de pesquisas sociológicas – Institut für

26 MICELLI, Sergio. op.cit. 2006

27 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

Page 11: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

Sozialforschung - à discussão da Indústria Cultural, termo cunhado e difundido por Theodor W.

Adorno, podem ser recuperadas no texto de 1947 ‗A Indústria Cultural‘ presente em A Dialética do

Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, e no texto de Walter Benjamim ‗A Obra de Arte na Época

de suas técnicas de Reprodução‘ de 1936, basicamente, mas passará também pelas contribuições de

outros autores como Marcuse e Althusser.

Primeiramente, é importante considerarmos que estes teóricos, seguindo a tradição de Hegel e

Marx, elaboraram uma crítica à sociedade de sua época amparada, basicamente, na crítica à

racionalidade instrumental não substantiva, associada ao Iluminismo e ao utilitarismo, que reifica os

indivíduos e todas as esferas da vida ao submetê-los ao cálculo racional. Tal sociedade seria

extremamente contraditória no nível material, sintetizado no conflito capital-trabalho, e também no

nível mental, agora atrofiado, alienado e unicamente orientado pelo lucro em todas as esferas da

vida, gerando o Homem Unidimensional: unicamente guiado pela ideologia corrente e sua lógica

instrumental, esta lhe fornece os bens que consome e se identifica, humanizando-os e enquanto

aliena-se de sua condição social explorada.28

Uniformiza-se a vida pelos padrões da racionalidade

técnica. Sobre este aspecto, o sociólogo Renato Ortiz faz a seguinte digressão:

Quando Adorno e Horkheimer afirmam que o Iluminismo "se relaciona com as coisas

assim como o ditador se relaciona com os homens", que ele "os conhece na medida

em que os pode manipular", de uma certa forma eles condensam seu pensamento a

respeito da sociedade moderna. O conhecimento manipulatório pressupõe uma técnica

e uma previsibilidade que possa controlar de antemão o comportamento social. Para

ele o mundo pode ser pensado como uma série de variáveis que integram um sistema

único. A possibilidade de controle se vincula à capacidade que o sistema possui de

eliminar as diferenças, reduzindo-as ao mesmo denominador comum, o que garantiria

a previsibilidade das manifestações sociais. A crítica da racionalidade desvenda desta

forma uma crítica do processo de uniformização. Por isso a lógica formal de Leibniz é

considerada a "grande escola da uniformização", ela ofereceria aos iluministas o

esquema da calculabilidade do mundo. O tema da padronização, que é fundamental na

definição da indústria cultural, se encontra ancorado na própria visão que os

frankfurtianos têm da história. A racionalidade do pensamento burguês impõe uma

forma de apreensão do social que o orienta para um novo tipo de dominação.29

Dentro de sua crítica radical à sociedade capitalista do século XX, alcunhada ―teoria crítica‖,

estes teóricos desenvolveram sua visão sobre a Industria Cultural baseando-se na dicotomia básica

entre cultura afirmativa, que afirmando a autonomia das manifestações culturais e do espírito como

superiores à esfera material da existência, esconde as contradições do capitalismo, trazendo apenas

conformismo e distração para os indivíduos, convertidos em máquinas consumidoras e produtoras; e

cultura negativa, que apresentaria uma negação da ideologia corrente, evidenciando o caráter

alienado e fetichista que a indústria traz à cultura e as demais contradições sociais decorrentes da

separação entre capital e trabalho.

Nas palavras de Marcuse: Por cultura afirmativa faz-se referência à cultura da época burguesa que

conduziu no curso de seu desenvolvimento, a segregar da civilização o mundo mental

e espiritual, como um reino de valor independente que também é considerado superior

à civilização. Sua característica decisiva é a afirmação de um mundo universalmente

obrigatório, eternamente melhor e mais valioso, que tem de ser incondicionalmente

afirmado: um mundo essencialmente diferente do mundo factual da luta cotidiana pela

vida, mas passível de ser realizado para si mesmo por todo indivíduo, ‗de dentro para

fora‘, sem nenhuma transformação da situação de fato.30

28 MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar

Editores, 1973. 29

ORTIZ, Renato. A Escola de Frankfurt e a Questão da Cultura. São Paulo. 1985 30

JAY, Martin. A Imaginação Dialética: História da Escola de Frankfurt e o Instituto de Pesquisa Social. Rio de Janeiro,

Contraponto, 2008.

Page 12: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

A proposta se torna, portanto, a Negação, nunca presente de forma pura nas obras artísticas,

mas possível de ser encontrada, por exemplo, na música atonal de Schöenberg, que se recusava a

fazer concessão às dissonâncias da sociedade: ao romper radicalmente com a longa tradição tonal da

música ocidental, esta se afastava da arbitrariedade socialmente determinada e recolhendo-se à lógica

da música em si, conduzia a uma nova ordem não imposta de fora pra dentro e oposta ao ideal

musical afirmativo de seu tempo.

Estes teóricos enxergavam com desconfiança qualquer representação positiva da

reconciliação de contradições, e enxergavam como cultura afirmativa obras que expressassem

harmonia com a realidade objetiva, portanto, todo e qualquer tipo de entretenimento e diversão. Até

que as contradições sociais cessassem, a arte deveria preservar um elemento de protesto contra o

atual. Assim, a esfera estética se torna essencialmente política, e sua manipulação é em raras

exceções negativa mesmo quando seu conteúdo objetivo é contestador. Nas palavras do próprio

Adorno: A obra bem-sucedida, de acordo com a crítica imanente, não é a que resolve

as contradições objetivas em uma harmonia espúria, mas a que expressa

negativamente a idéia de harmonia, incorporando as contradições em sua pureza, de

forma inflexível, conforme sua estrutura mais íntima.31

Esta dialética negativa, para alguns críticos, se desenvolve em uma recusa estéril da realidade

histórica, eliminando as possibilidades de práxis revolucionária e se convertendo em passividade.32

A

Grande Recusa, defendida por Adorno, não é mais que a afirmação do mundo crítico por eles

desenvolvido, amparado na utopia do fim das contradições sociais e linguísticas, fruto da ideia de

não-identidade entre significado e significante em nossa sociedade. Para GIANNOTTI, esta forma de

pensamento é estéril por não possibilitar pensar a história contemporânea e a história do vir a ser de

um modo de produção, pois para isso devemos estabelecer matrizes de identidade que, como formas

de pensar não perenes, serão repostas dialeticamente, mas nos servem no presente como ―gramática‖

para determinar o que se experimenta, dando sentido à realidade empírica e avançando mais na

compreensão do social do que a dialética que apenas nega parâmetros construídos da linguagem.33

Dentro do debate surgido após o nascimento e propagação da Rádio, da Indústria Fonográfica

e do Cinema, nos anos 30 e 40, estes teóricos foram os primeiros a articular uma abordagem crítica

dialética não limitada à subordinação da ‗Arte‘ como instrumento político de luta de classes. Neste

ponto divergiram fortemente da abordagem brechtiniana, associada no Brasil com o Teatro do

Oprimido de Augusto Boal, de origem na década de 6034

. Apesar de tal perspectiva ter influenciado e

exercer grande fascínio na abordagem de um dos frankfurtianos, Benjamim, para o restante do

Institut a arte teria sua dimensão revolucionária na promesse de bonheur [promessa de felicidade], a

utopia do fim das contradições. A aceitação de um potencial revolucionário na arte popular e nas

inovações tecnológicas de produção artística à maneira de Brecht, implicaria uma relação utilitarista

com a arte, que ―menos serve para esclarecer do que para distrair‖, como advoga Adorno.35

Partindo da ideia de que os indivíduos se encontram atomizados no mercado, para Adorno, a

indústria cultural seria capaz de sintonizá-los ao centro da sociedade, onde se encontram as

instituições legítimas, ao estender a racionalidade capitalista para toda a sociedade, através de seus

produtos culturais, trazendo a população de ―fora‖ para ―dentro‖ da sociedade, homogeneizando-a

enquanto suprime os localismos.36

Dessa forma, Adorno define a Indústria Cultural como um sistema

estruturado que, utilizando-se de meios técnicos, faria uma ‗integração a partir do alto, de seus

31 JAY, Martin. op. cit.

32 SLATER, Phil. Origem e Significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

33 GIANNOTTI, J. A. Certa herança marxista. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.

34 GOLDFEDER, Miriam. Por trás das ondas da Rádio Nacional. Rio de janeiro, Paz e Terra, 1981.

35 JAY, Martin. op. cit.

36 ORTIZ, Renato. op. cit. 1988

Page 13: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

consumidores‘37

: o controle total da máquina sobre o homem faria com que o consumidor deixasse

de ser sujeito da indústria para tornar-se objeto, sendo a padronização seu meio de fazê-lo. Distinções enfáticas como entre filmes de classe A e B, ou entre estórias em

revistas a preços diversificados, não são fundadas na realidade, quanto antes, servem

para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los. Para todos,

alguma coisa é prevista a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm

cunhadas e difundidas artificialmente.38

Louis Althusser radicaliza tal noção afirmando que à Indústria Cultural caberia a reprodução

infinita das relações de produção vigentes, sendo ela ―reprodutora da sociedade de classes no plano

das significações. Em última instância, exerceria livremente sua função mascaradora e mistificadora

sobre a mente das massas, significaria a falsa consciência.‖39

A teoria crítica adota um posicionamento perante a produção artística contemporânea que a

recusa a priori por seu componente mercadológico, considerando os produtos da Indústria Cultural

não-arte, pois a arte autêntica, idealmente encarada como imediatizada e orientada apenas pelo

próprio valor artístico negativo, nunca existiu de forma pura, mas se torna, no limite, abolida pela

indústria cultural, que a apropria utilitariamente e transforma em mercadoria.

Martin Jay define desta forma: ―A arte autêntica funcionava como a derradeira reserva de

anseios humanos pela ―outra‖ sociedade, que estaria além da atual(...). A verdadeira arte era uma

expressão do interesse legítimo do homem por sua felicidade futura.‖40

Carregando, portanto, uma

perspectiva baseada na utopia da conciliação entre forma e conteúdo, no fim da não-identidade entre

significado e referente instaurada na sociedade moderna, tal visão dos produtos artísticos é sempre

carregada de um niilismo embasado na crença numa sociedade futura em que as contradições tenham

sido abolidas. Essa mesma concepção de arte se tornará o princípio de julgamento da cultura, que

oscila entre os polos dicotômicos arte e mercadoria, e terá como consequência a rejeição como arte

de toda e qualquer manifestação inserida no espaço definido como relativo à Indústria Cultural.

Para compreendermos como se desenvolveu tal idéia de arte, é importante analisarmos a

contribuição que Walter Benjamim trouxe à teoria crítica antes mesmo da formulação do conceito

Indústria Cultural. A contribuição deste autor centra-se na idéia de perda do hinc et nunc – aqui e

agora – dos objetos artísticos quando se possibilitou sua reprodutibilidade técnica, levando à

passagem de seu caráter autêntico e histórico, para o mercadológico e alienado. A perda da ―aura‖

que envolve a produção artística reduz seu componente ritualístico presente na origem histórica da

arte e também o caráter aristocrático que esta assumiu no Ocidente, mas, ao mesmo tempo, a torna

expressão do fetiche da mercadoria, subordinando o caráter artístico ao político de dominação de

classe e reprodução das condições sociais vigentes.41

O caráter singular das obras anteriores à possibilidade técnica de reprodução destas estava

fortemente associado a sua inserção na tradição e, portanto, evidenciava o caráter histórico destas. O

oposto disso é a obra despojada de contexto: alienada e ahistórica. Esta perde seu valor de culto,

substituindo-o por seu valor de exibição: mercadoria que tem por função a reprodução da sociedade

atual, sempre em detrimento de seu valor artístico, potencialmente negativo.

37 ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural. In: Theodor W. Adorno. Tradução de Flávio Kothe. São Paulo: Ática,

1986. 38 ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. O Iluminismo como Mistificação das Massas", in: Lima, Luís Costa (org.), Teoria da

Cultura de Massas, Rio de Janeiro, Ed. Saga, 1969.

39 GOLDFEDER, Miriam. op. cit. 1981.

40 JAY, Martin, op. cit.

41 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras Escolhidas I. São Paulo,

Brasiliense, 1985.

Page 14: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

No instante em que o critério da autenticidade deixa de ser aplicável à

produção artística, toda a função da arte se inverte. Em vez de se basear no ritual, ela

começa a ter por base uma outra prática – a política.42

3.2 O meio é a mensagem – Os Media como extensões do homem

Outra abordagem que se tornou referência, principalmente nos Estados Unidos e países de

língua inglesa, para a análise dos meios de comunicação de massa é a desenvolvida por Marshall

Mcluhan, o ―visionário‖ professor canadense da Universidade de Toronto, que nos anos 60 propôs a

ideia de que estes, notadamente a televisão, romperam as barreiras entre as classes sociais

retribalizando eletronicamente a humanidade em uma Aldeia Global. Estes meios puderam suprimir

as diferenças regionais que antes caracterizaram os povos do planeta, a partir da revolução na

percepção dos homens e sua decorrente interdependência eletrônica.43

Segundo o autor, passamos de

uma civilização baseada na palavra impressa, caracterizada por uma comunicação linear,

fragmentada, de propagação lenta e invidualizante – típica do Estado Moderno e da Revolução

Industrial -, para outra de preponderância eletrônica, de característica integrada, não-linear,

instantânea ou mítica, e comunitária, pela participação de todos na sociedade – típica de uma

sociedade mundializada sócio-politicamente e automática economicamente.44

Sua tese Understanding Media trata os meios de comunicação como extensão do homem

devido à sua capacidade de moldar nossa percepção e revolucionar nossa relação com a sociedade e

com nós mesmos, sendo os meios técnicos mais determinantes que os conteúdos por eles vinculados,

por formarem o ambiente em que o homem se move, se projeta e se forma.45

As consequências

sociais e pessoais da introdução de novos meios de comunicação advêm da própria tecnologia

introduzida, que afeta as relações dos nossos sentidos e estruturas de percepção, sendo por isso

considerada uma segunda natureza, o nosso ambiente. Assim, ele conclui que ―o meio é a

mensagem‖, pois considera indiferente a mensagem em si veiculada pelos meios de comunicação,

dada sua ineficácia em estruturar as associações humanas como o fazem os próprios meios, sendo,

portanto, apenas fonte de confusão e ocultamento da força destes. Talvez que o ―fechamento‖ ou a consequência psicológica mais evidente de

uma tecnologia nova seja simplesmente a sua demanda. Ninguém quer um carro até

que haja carros, e ninguém está interessado em TV até que existam programas de

televisão. Este poder da tecnologia em criar seu próprio mercado de procura não pode

ser desvinculado do fato de a tecnologia ser, antes de mais nada, uma extensão de

nossos corpos e de nossos sentidos. Quando estamos privados do sentido da visão, os

outros sentidos até certo ponto, procuram supri-lo. Mas a necessidade de utilizar os

sentidos disponíveis é tão premente quanto respirar – o que confere sentido à

necessidade que sentimentos em manter o rádio ou o aparelho de televisão ligados

quase que continuamente. A pressão para o uso contínuo independe do conteúdo dos

programas ou do sentido de vida particular de cada um, testemunhando o fato de que

a tecnologia é parte de nosso corpo. 46

Seguindo passos semelhantes, Baudrillard, em seu estudo sobre a Sociedade de Consumo,

considera a publicidade o meio de massa par excellence, por ter seu formato e sua lógica aplicada a

todos as outras mídias. O autor advoga que a publicidade traz virtualmente a glorificação de todos os

objetos e a homogeinização de todos os consumidores sobre o signo do código, do meio, não da

mensagem específica. Assim, não ‗acreditamos‘ na propaganda de um produto em si, mas sim na

publicidade como um todo, que nos fornece muito além de bens materiais consumíveis, o consumo

de imagens ou um sistema ideológico específico de leitura do mundo a partir da leitura dessas

42 BENJAMIN, Walter, op. cit.

43 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

44 COHN, Gabriel. O meio è a mensagem: Análise de McLuhan. São Paulo: Nacional, 1971

45 COHN, Gabriel. O meio è a mensagem: Análise de McLuhan. São Paulo: Nacional, 1971

46 MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Tradução de Décio Pignatari. 4º ed. São

Paulo: Cultrix, 1974.

Page 15: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

imagens, não referenciadas em objetos específicos, mas na sua própria lógica autônoma de realidade,

produzida no próprio meio de comunicação.47

Para ele, temos nos meios técnicos após o advento da TV e Rádio, a justaposição contínua de

mensagens segmentadas e descontextualizadas, que não podem ser compreendidas totalmente em sua

especificidade, devendo ser lidas a partir da estrutura ideológica que advém do meio técnico. Ao

consumirmos as imagens destes meios, não estamos assimilando um único espetáculo, mas sim toda

a potencialidade de espetáculos contido nesse sistema de mensagens recortadas, espetaculares e

desconexas, criando uma certa comoditização dos signos-imagens, que neutralizam a experiência

única e singular, enquanto nos fornecem um mundo infinitamente visualizável, segmentável e

interpretado através dessas imagens. This means that the true message the of TV and radio deliver, the one which

is decoded and ‗consumed‘ deep down and unconsciously, is not the manifest content

of sounds and images, but the constraining pattern – linked to the very technical

essence of those media – of the disarticulation of the real into successive and

equivalent signs: it is the normal, programmed, miraculous transition from Vietnam to

variety, on the basis of a total abstraction of both.48

Assim, este mundo de imagens nos exige um sistema de leitura auto-referenciada no meio,

que se torna o sistema em que enxergamos o mundo. A busca de verossimilhança das imagens

veiculadas apenas fortalece o apelo que substitui a realidade experimentada pelo mundo

tecnicamente concebido. Nele, as imagens são auto-centradas, o significante não se remete a um

significado exterior, se não aos próprios signos contidos no mesmo meio, tornando as imagens-

significantes significados, instaurando a tautologia do significante, onde ao invés de acessarmos o

mundo através da mediação das imagens televisivas, são estas imagens que passam a se tornar o

mundo.49

3.3 Apocalípticos e Integrados – Por uma análise concreta da Indústria Cultural

Umberto Eco em seu estudo sobre a Indústria Cultural, Apocalípticos e Integrados, se

pergunta se não seria a crítica frankfurtiana ―o mais sofisticado produto oferecido ao consumo de

massa?‖. Sua critica é dirigida à concepção elitizada de cultura que opõe a produção massificada a

certa cultura superior dogmática e mitificada: uma aristocrática arte verdadeira. Ao mesmo tempo, o

autor critica o polo oposto, a visão otimista de que os meios de comunicação de massa puderam

trazer acesso, com o concurso dos melhores, a uma cultura ―popular‖, entendida como proveniente

inteiramente dos anseios e expressões da população como unidade monolítica.

Nessa perspectiva, aos ―críticos populares da cultura popular‖, identificados com os

apocalípticos da Indústria Cultural, restaria a função de consolar o leitor na medida em que ―lhe

permite entrever, sob o derrocar da catástrofe, a existência de uma comunidade de ‗super-homens‘,

capazes de se elevarem, nem que seja apenas através da recusa, acima da banalidade média‖50

.

Assim, a recusa se apresenta como passividade perante uma realidade historicamente inexorável, e é

alimentada pela ilusão de ser possível existirem dois níveis independentes de cultura: o da

comunicação de massas e o da elaboração aristocrática que a precederia sem por ela ser

condicionada. Dessa forma, não há espaço para análise verdadeiramente dialética da Indústria

Cultural, conclui o autor, já que esta se encontra condenada a priori por uma ―reação emotiva aos

produtos da cultura de massa‖ 51

.

Ao insistir na inexorabilidade de uma produção cultural condicionada e orientada pelos

padrões industriais de produção, abrimos a possibilidade de pensar dialeticamente esta produção e

seus efeitos. Incorporando as críticas totalizantes ao complexo da Indústria Cultural, podemos pensar

47 BAUDRILLARD, Jean. The Consumer Society. Londres: Sage Publications. 1998.

48 BAUDRILLARD, Jean. op. cit.

49 BAUDRILLARD, Jean. op. cit.

50 ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados, São Paulo, Editora Perspectiva, 1987.

51 ECO, Umberto, op.cit.

Page 16: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

os valores específicos por ela veiculados e sua interação objetiva com a realidade histórica, a partir

da análise de suas pequenas manifestações inscritas nas possibilidades concretas de elaboração

artística, possibilitando uma crítica radical, politicamente ativa e potencialmente revolucionária. Para

o autor, a transformação de um sistema pode ser fruto de pequenas iniciativas humanas que

agregadas levam à transformação qualitativa, sendo, portanto, necessária uma intervenção ativa das

comunidades culturais no campo da comunicação de massas. Entende-se, assim, o silencio como

cumplicidade e a recusa como compromisso.52

Propõe-se então um debate sobre a cultura de massa que leve em conta uma análise dos

―meios expressivos, o modo pelo qual são usados, o modo com que são fruídos, o contexto cultural

em que se inserem, o pano de fundo político ou social que lhes dá caráter ou função‖53

, pois só

assim, poderemos trazer contribuições científicas críticas que possam transformar a produção de

cultura e permitam pensar as condições e implicações concretas da maneira em que esta é produzida.

Não negamos os condicionamentos e consequências da mercantilização da cultura, nem do

estabelecimento de um sistema interpretativo-sensitivo do mundo condicionado pelas condições

técnicas de reprodução dos bens culturais, como propõe McLuhan, entretanto, devemos estudar como

objetivamente se dão essas influências na produção artística concreta, para podermos atuar

politicamente no espaço de produção cultural em disputa.

No mesmo sentido, Edgar Morin, em Teoria da Cultura de Massas, se opõe à concepção

Frankfurtiana, que identifica ideologia exclusivamente com a técnica e assimila a cultura à

mercadoria, preferindo uma abordagem que integra dialeticamente os polos produtivo e consumidor

dos bens culturais. Como condição de eficácia simbólica, a Indústria da Cultura é permeada por

visões de mundo populares e por suas necessidades concretas, sendo, portanto, não necessariamente

mistificadora. Assim, não devemos maximizar o elemento mercantil da cultura como passível de

esvaziar todo e qualquer outro sentido empregado à produção desta. Opondo-se aos frankfurtianos, o

caráter mercantil da produção cultural não elimina a priori todo e qualquer elemento não-alienante,

não-mistificador e não-transformador da arte.54

Sobre a rigidez da padronização na indústria cultural,

ele propõe: A indústria cultural deve constantemente suplantar uma contradição

fundamental entre suas estruturas burocratizadas-padronizadas e a originalidade do

produto que ela fornece. Seu funcionamento se fundamente nesses dois antitéticos:

burocracia-invenção, padrão-individualidade.55

Assim, é bastante válida a tese de Goldfeder, em seu estudo sobre a produção radiofônica da

década de 50 da Rádio Nacional Rio de Janeiro, que parte do pressuposto de que a dominação

através da cultura não é absoluta e estará sempre situada entre os polos manipulação e

espontaneidade. Nela a cultura é considerada um espaço específico de reprodução das relações

sociais, que manifesta ao nível das significações certa dominação política. Entretanto, ―a

manipulação efetuada pelos meios de comunicação de massa não pode ser pensada como um fator

absoluto, assim como a autonomia dos grupos fruidores deve ser enxergada a partir de sua

relatividade‖.56

Dessa forma podemos justificar a análise dos fenômenos concretos da Indústria Cultural: na

interação entre produção e consumo, Cultura de Massa e Cultura Popular, entendida esta última

como ligada à maneira de ser e ver das classes dominadas, sua ideologia; é possível compreender os

níveis de manipulação e condicionamento presentes nos produtos culturais, sem reduzi-los à

expressão inequívoca de uma dominação do capital ou da técnica sobre o homem, e sem negá-la.

52 ECO, Umberto, op.cit.

53 ECO, Umberto, op.cit.

54 GOLDFEDER, Miriam, op.cit.

55 MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Rio de Janeiro. Editora Forense Universitária. 1997.

56 GOLDFEDER, Miriam, op.cit.

Page 17: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

4. O concreto: O movimento tropicalista como arte autêntica

Se pensarmos a cultura à maneira de Luiz Costa Lima, ―como algo ligado à arte, à filosofia e

à literatura, como uma espécie de domínio privado, que acabaria criando um espaço fora das relações

de trabalho, com uma capacidade de expressar a parte, e não o todo. A arte seria uma expressão que

libertaria os indivíduos, criando um espaço que permitiria o desenvolvimento da individualidade e,

portanto, poderia existir a possibilidade de reflexão e de reação ao sistema de dominação‖57

, é

possível vislumbrar propostas negativas de inserção na Indústria Cultural, quando a produção

artística, ciente de sua condição objetiva de mercadoria, se afirma como tentativa de transformar a

sensibilidade, as convenções e os comportamentos. Tal possibilidade foi e é explorada,

principalmente, pela explicitação dos mecanismos industriais de produção cultural, num trabalho

metalinguístico que retira as pretensões de neutralidade e foge da alienação do entretenimento,

exigindo reflexividade e não simplesmente reproduzindo discursos sacralizados por essa mesma

indústria.

Não menosprezemos o potencial de absorção e cooptação ao discurso corrente a que estão

sujeitos os produtos de vanguarda: findo o potencial de violentar as convenções, a novidade estética

é geralmente padronizada e consumida como extravagância. Apesar, da pretensão de oposição ao

capitalismo tais produtos muitas vezes aparecem como ―a oferta de um fetiche mais misterioso do

que qualquer outro, a oferta de uma mercadoria pela qual não havia nenhuma procura conhecida‖.58

A mudança de um pensamento inovador em linguagem esquemática,

abstrata, e satisfeita de si mesma, é um dos problemas mais angustiantes da difusão da

cultura em uma sociedade de consumo. Pensadores como Adorno e Umberto Eco

aprofundaram o tema da ―institucionalização das vanguardas‖: a crítica que se

transforma em mercadoria, que vira moda, e é diluída pelo abuso verbal, integrando-

se afinal na boa consciência dos bem pensantes(...), perdendo, enfim, o seu alvo

modificador do status quo. A neutralização de todas as possíveis dissidências em um

amplo e flexível processo modernizante parece ser um recurso quase fisiológico das

sociedades neocapitalistas que às vezes punem, aleatoriamente, algumas expressões

ou atitudes mais inconvenientes, isto é, mais capazes de despertar ou aguçar a

consciência das contradições.59

Dito isso, passemos à análise de um movimento concreto na história da música popular

brasileira que buscou assumir uma postura crítica de diálogo com esta indústria, rompendo com os

padrões estéticos e discursivos vigentes e abrindo perspectivas que, ainda hoje, ressoam nos diversos

campos das artes no Brasil.

A proposta da Tropicália, movimento de curta duração – inicia-se no III Festival de Música

Popular Brasileira de 1967, veiculado pela TV Record, esgotando-se como episódio já em 1972 -, se

destaca pela audácia e criatividade com que se assumiu a realidade historicamente inexorável da

Indústria Cultural, se apropriando de suas formas-linguagem para depois desconstruí-las, gerando um

efeito crítico não alcançado ainda pelos movimentos estéticos da época no Brasil. A novidade – o moderno de letra e arranjo -, mesmo que muito simples, foi

suficiente para confundir os critérios reconhecidos pelo público e sancionados por

festivais e crítica. Segundo tais critérios, que associavam a ―brasilidade‖ das músicas

dos festivais à carga de sua participação político-social, as músicas de Caetano e Gil

eram ambíguas, gerando entusiasmos e desconfianças. Acima de tudo, esta

ambiguidade traduzia uma exigência diferente: pela primeira vez, apresentar uma

canção tornava-se insuficiente para avaliá-la, exigindo-se explicações para

compreender sua complexidade. Impunha-se para crítica e público, a reformulação da

sensibilidade, deslocando-se, assim, a própria posição da música popular, que, de

gênero inferior, passaria a revestir-se de dignidade – fato só mais tarde evidenciado.60

57 LIMA, Luiz Costa. Comunicação e Cultura de Massa. In: LIMA, Luiz Costa.(Org). Teoria da Cultura de Massa. Rio de

Janeiro: Paz e Terra. 1978. 58

SANGUINETTI, Eduardo. Sociologia da Vanguarda, In: Luis Costa Lima(Org.): Teoria da Cultura de Massa, Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1978. 59

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 60

FAVARETTO, Celso. Tropicália, Alegoria, Alegria. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2007.

Page 18: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

O movimento musical - que dialogava intensamente com outras manifestações artísticas como

o Teatro Oficina de José Celso Martines Correa, o Cinema Novo de Glauber Rocha, a poesia

concretista dos irmãos Campos e as artes plásticas de Hélio Oiticica - realizou uma no

relacionamento com a Indústria Cultural, que começava a se concentrar economicamente, assumindo

interesses políticos mais bem definidos e articulados no cenário nacional61

.

Inseridos no debate surgido após a explosão do iê-iê-iê da Jovem Guarda, que distinguia

música alienada, que incorporava livremente influências estrangeiras da música pop, e música

engajada ou de protesto, bem simbolizada pelo Grupo Opinião dirigido por Augusto Boal, os

tropicalistas assumiram uma postura inédita em termos estéticos, que se desdobrava politicamente: Este[o tropicalismo], superando a dicotomia forma-conteúdo, a

intencionalidade e a expressividade, instaura uma forma de canção ainda não

praticada no Brasil. Ao invés de expressar a realidade, desmonta, pela crítica da

linguagem da canção, a ideia mesma de realidade brasileira, e a de tipos

característicos – mesmo porque nele não há sujeito. O Brasil não é tratado como

essência mítica, perdida – espécie de paraíso devastado. Pela alegorização das

inconsistências ideológicas, e pela desmontagem de suas imagens-ruínas colecionadas

no imaginário, estilhaça-se o Brasil. A prática que dessacraliza essas imagens

coincide com a que critica a canção tradicional: a atividade tropicalista opera,

portanto, na linguagem da canção, sem que com isso seja recalcado o político.62

Tendo como alvo principal as concepções maniqueístas de uma sociedade em formação e

efervescente na política, escamoteadas pelos analiticamente simplificados discursos de esquerda e de

direita, o procedimento tropicalista visava, em oposição a uma arte panfletária, uma crítica artística

dos produtos culturais e das ideologias neles encarnadas. Evidenciando o caráter mercadológico da

canção e trazendo-o para o mesmo plano da estética, opera-se um processo dessacralizador da

‗música brasileira‘, da ‗cultura brasileira‘, dialetizando o sistema de produção de arte a partir do

distanciamento-aproximação do objeto-mercadoria, sem solucionar as contradições que erigia ou

determinar um alvo de descarrego da contestação social

Através da justaposição e reelaboração dos diversos elementos artísticos tanto brasileiros

como estrangeiros, numa versão atualizada da antropofagia modernista, sem negar inclusive as

inovações tecnológicas vinculadas à indústria cultural, pôde-se transcender a dicotomia forma-

conteúdo presente nos sambas de protesto. Para produzir uma arte que integrasse os diversos recursos

disponíveis em uma linguagem debochada e não-explícita, exigida pelos ditames da censura,

produziu-se uma interação singular entre letra, música, arranjo e interpretação, que possibilitava um

elemento afirmar a referência ritualizada enquanto os outros a negavam, num procedimento

metalinguístico que evidenciava e tensionava estas mesma concepções em perspectiva. Em função da mistura que realizou com os elementos da indústria cultural e

os materiais da tradição brasileira, deslocou tal discussão[estética] dos limites em que

fora situada, nos termos da oposição entre arte participante e arte alienada.(...)Pode-se

dizer que o tropicalismo realizou no Brasil a autonomia da canção, estabelecendo-a

como um objeto enfim reconhecível como verdadeiramente artístico.63

Enfim, temos uma clara demonstração de ousadia política, criatividade artística e

reflexividade crítica na produção cultural dos artistas que participaram do movimento tropicalista,

que partiram da inexorabilidade da indústria cultural e se proporão a aborda-la longe da negação.

Não à toa, seus expoentes foram exilados no período militar, e com a consolidação e fortalecimento

da Industria Cultural nacional, raramente se viu iniciativas dialogando com tal radicalidade com o

sistema produtivo de cultura. Resta-nos então, a dúvida se ainda é possível fazer arte autêntica,

crítica estética e politica, dentro da institucionalidade dos grandes meios de comunicação de massa

estando este mercado inteiramente monopolizado por poucos e organizados detentores dos grandes

conglomerados midiáticos.

61 CAMPOS, Augusto de. Balanço da Bossa. São Paulo: Perspectiva, 1974.

62 FAVARETTO, op. cit.

63 FAVARETTO, op. cit.

Page 19: A formação da indústria cultural no brasil iniciação científica

5. Conclusão

Com esse relatório pretendemos apresentar brevemente como se deu a evolução da Indústria

Cultural no Brasil a partir de uma perspectiva objetiva-histórica e de outra teórica, que

inevitavelmente transcende o caso brasileiro, mas que o compreende em suas implicações e

conclusões.

Podemos então concluir que no Brasil consolidou-se um mercado televisivo com altíssimas

barreiras a entrada – barreira legal pela política de concessões, barreiras técnicas e financeiras

relacionadas à produção ou aquisição dos bens culturais a serem veiculados, e barreiras constituídas

pela reputação e popularidade das concorrentes já estabelecidas -, que assumindo a forma oligopólica

nesse setor, central na divulgação em massa de bens simbólicos, traz prejuízos à sociedade não

apenas na forma dos conceitos econômicos de ineficiência na produção e alocação de bens, mas os

traz, principalmente, como prejuízos à cidadania e à democracia, dado o controle por poucas famílias

da informação e da ―opinião pública‖ nacionalizada, através de um veículo que referencia a

sociabilidade e ―difunde valores – morais, estéticos e políticos – que acabam por determinar atitudes

e comportamentos dos indivíduos e da coletividade.‖64

Tal realidade é fruto inegável da legislação, que permite a propriedade cruzada e adota o

modelo trusteeship de concessões, e do vínculo que historicamente se estabeleceu entre os

concessionários das emissoras de TV e Rádio e o Estado, formando grande conglomerados

midiáticos à margem de uma regulação que impeça a concentração da difusão da informação.

Dentro da matriz teórica, concluímos que a Indústria Cultural funciona como um sistema

disciplinador da cultura que a apropria sob a lógica do capital e a fornece como mercadoria

padronizada em escala industrial, estendendo a racionalidade técnica para todo o conjunto da

sociedade. Ao mesmo tempo, os meios técnicos por si têm poder revolucionário sobre a percepção e

sociabilidade dos homens, sendo essenciais para a maneira como enxergamos e nos relacionamos

com o mundo. Entretanto, acreditamos que, apesar dos efeitos massificadores e alienantes que o

complexo da indústria cultural traz, não devemos negá-lo e sim intervir nele de forma crítica, pois

acreditamos que uma arte autêntica, produtora de consciência crítica e emancipação individual, é

possível de ser realizada como nos atesta a experiência do Tropicalismo. Resta-nos saber, se ainda

hoje uma experiência radicalmente contestadora das interpretações sociais correntes é possível com a

atual configuração da Indústria Cultural.

Dessa forma, pretendemos continuar o trabalho, desenvolvendo-o em uma monografia,

aprofundando os debates relativos à cultura no capitalismo contemporâneo e prosseguindo na

investigação dos rumos da Indústria Cultural no Brasil e suas transformações no período mais

recente. Novas investigações quanto aos novos padrões de relacionamento da arte com a indústria, no

atual contexto de interligação de diversas mídias e a possibilidade de interatividade nos produtos

culturais, muito nos motivam a prosseguir este projeto de pesquisa, em que buscamos traçar um

panorama político, sociológico e econômico cada vez mais sólido deste importante complexo

industrial no Brasil.

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64 MELLO, João Manuel Cardoso. NOVAIS, Fernando. op. cit. 1998.

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