a física quântica seria necessária para explicar a consciência

Upload: alzamir-feijo

Post on 06-Jul-2015

421 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

1

A Fsica Quntica seria necessria para explicar a Conscincia?Osvaldo Pessoa Jr Esta palestra foi ministrada no encontro Questes Metodolgicas em Cincias Cognitivas realizado no Instituto de Estudos Avanados da USP em 1994, a convite de Henrique del Nero, tendo sido publicada na Coleo Documentos - Srie Cincia Cognitiva - 20, pp. 184-9.

1.IntroduoSeria a conscincia um fenmeno quntico? Por mais forada que tal especulao possa parecer, ela tem sido seriamente considerada por vrios pesquisadores nos ltimos cinco anos.A motivao para essa abordagem, grosso modo, que como a conscincia uma coisa misteriosa, e os fenmenos qunticos tambm o so, ento esses dois mistrios poderiam estar ligados. O presente trabalho, ainda em fase preliminar, um estudo dos diferentes argumentos utilizados para defender tal ligao, e das diferentes linhas de pesquisa em neurocincia que fazem uso de consideraes da fsica quntica.Veremos que a questo de se a conscincia um fenmeno quntico basicamente uma questo emprica, ainda em aberto, mas que uma formulao precisa desta questo requer esclarecimentos filosficos relativos s definies de "conscincia" e de "fenmeno quntico".

2.A quem interessa tal Tese?Vamos nos colocar dentro do contexto do materialismo, e supor que estados e processos conscientes so idnticos a certos estados e processos fisiolgicos. Neste contexto, existe um debate em psicologia que gira em torno do funcionalismo ("strong AI"), que defende que a mente depende apenas da estrutura dos processos cerebrais, e no de sua realizao fsica. Assim, em princpio, um computador poderia ter conscincia, ou mesmo uma sociedade poderia ter uma conscincia prpria, desde que os elementos destes sistemas satisfizessem certas propriedades estruturais, ainda no conhecidas pela cincia. A mente seria como um programa de computador. A tese de que o problema mente-corpo s poder ser esclarecido quando for levado em conta a natureza quntica do crebro tem sido usada como um argumento anti-

1

2

funcionalista. Esta posio defende que existe algo nos detalhes dos processos fisiolgicos da mente que essencial para a conscincia. Talvez esse "algo" seja um processo quntico! Se isto for verdade, ento computadores feitos com chips convencionais e sociedades humanas no podero ter conscincia.

3. O que a Conscincia?Boa pergunta! No sei bem! Espero aprender nesta conferncia! Mas tem algo a ver com eu (ou voc) estar aqui agora, tendo acesso a impresses sensoriais que possuem uma qualidade fenomnica (os "qualia", a qualidade branca neste branco, etc.), tendo acesso a memrias que so sempre relativas s experincias minhas, tendo desejos e pensamentos que parecem ter sempre uma intencionalidade, tendo uma noo de unidade de minha conscincia, tendo uma noo de tempo e um terrvel pavor ao representar adequadamente a minha morte.

4. O que um Fenmeno Quntico?Um ponto filosofico crucial a ser esclarecido se refere ao significado da expresso "fenmeno quntico", em oposio a um fenmeno "clssico". A fsica quntica a teoria cientfica que descreve os objetos microscpicos, como tomos, e sua interao com a radiao (luz, etc.). Como ela uma teoria muito bem sucedida, pode-se dizer que qualquer fenmeno microscpico um fenmeno quntico. Assim, como nosso crebro constitudo de entidades microscpicas, num sentido trivial nosso crebro quntico, assim como nossa conscincia (supondo o materialismo). Mas no essa a nossa pergunta. Queremos saber se a fsica quntica necessria para explicar a conscincia, ou seja, se a fsica clssica incapaz de explic-la. Mas afinal, o que a teoria quntica? Em poucas palavras, podemos dizer que o que a fsica quntica tem de essencial que ela uma teoria que atribui propriedades ondulatrias para partculas individuais. Na dcada de 1920, comprovou-se que toda radiao absorvida em quantidades discretas de energia ou massa, chamados de "quanta", e que todas as partculas ou quanta podem exibir propriedades ondulatrias, como interferncia, difrao, etc. Esta constatao uma verso fraca do princpio da "dualidade onda-partcula". A fsica clssica incluia a mecnica de partculas e a mecnica ondulatria, mas cada qual tinha um domnio de aplicao exclusivo. Partculas seguiam trajetrias bem definidas e no se dividiam em espelhos semi-refletores. Ondas se espalhavam pelo espao, se dividiam, interferiam consigo mesmas, eram limitadas pelo princpio de incerteza (por exemplo, um pulso de luz emitido em um intervalo de tempo curto no podia ter uma freqncia bem definida), sofriam tunelamento, e exibiam flutuaes em sua intensidade. A fsica quntica justamente a teoria que atribui todas essas propriedades ondulatrias a

2

3

partculas individuais. Considere agora um determinado tipo de objeto, como um eltron, e o conjunto de suas manifestaes (ou seja, os diferentes tipos de experimentos que podem ser feitos com esse eltron). Em geral, a cada um destes experimentos pode-se atribuir ou uma descrio corpuscular, ou uma ondulatria (esta uma verso forte da dualidade onda-partcula, conhecida como complementaridade, mas que parece ter excees). Se este conjunto de manifestaes do objeto contiver os dois tipos de comportamento (onda e partcula), ento somos forados a dizer que s a fsica quntica capaz de descrever o objeto.Caso isso no acontea (ou seja, todas as manifestaes so de apenas um tipo), dizemos que o objeto se comporta classicamente. Considere a absoro de luz pela retina. A fsica quntica necessria para descrever este processo? Bem, sabe-se que certos animais so sensveis a apenas um fton, e assim este processo corpuscular.No entanto, acredita-se que nenhuma das propriedades ondulatrias da luz so relevantes para o processo de absoro em si. As propriedades ondulatrias afetam a distribuio espacial dos ftons, mas a absoro em cada clula da retina independe do que est acontecendo em outras clulas (ou estarei enganado?). Assim, a fsica clssica seria suficiente para explicar a absoro de luz pela retina. Existiria algum processo em nosso crebro, essencial para a nossa conscincia, que s pode ser explicado pela fsica quntica?

5.O Papel da Conscincia na Fsica QunticaA ligao entre conscincia e fsica quntica foi estabelecida na dcada de 1930, mas em um sentido diferente do que estamos examinando aqui. Para explicar como que uma frente de onda espalhada podia ser detectada em uma chapa foto grfica como uma trajetria quase linear, elaborou-se a noo de um colapso do pacote de onda que seria causado pela ato da observao (Heisenberg, 1927).Ora, qual a essncia de tal ato? Para alguns fsicos importantes da poca, era a presena de um ser consciente. A conscincia humana seria causadora de uma transio quntica! Aps a Guerra, o consenso passou a ser que uma observao se caracterizaria pela presena de um aparelho macroscpico de medio, eliminando assim o papel legislador da conscincia (ver PESSOA, 1992). Ainda hoje, porm, alguns fsicos e filsofos respeitveis aderem tese subjetivista.

6. O Papel da Fsica Quntica na ConscinciaA tese que pretendemos examinar com maior cuidado no o papel da conscincia na

3

4

teoria quntica, mas o papel da teoria quntica nas teorias materialistas da conscincia. Apresentarei aqui os principais argumentos em favor da tese de que a fsica quntica essencial para a conscincia. a) O crebro seria um "computador quntico". Este conceito foi bastante trabalhado pelo fsico David Deutsch (ver DEUTSCH, 1992), que mostrou que tal computador seria mais eficiente do que um computador digital. Por seleo natural, essa vantagem computacional poderia ter favorecido um crebro que fosse um computador quntico ( LOCKWOOD, 1989, pp. 251-2). O problema com este argumento que o crebro muito quente para que tal computao quntica pudesse ocorrer. b) O crebro computaria funes no-recursivas. Computadores clssicos e qunticos s podem computar funes recursivas, mas o pensamento humano (por exemplo, a intuio matemtica) extrapolaria esta limitao. Uma soluo inovadora ao problema do colapso na mecnica quntica talvez solucionasse tambm esse problema da conscincia (PENROSE, 1989, pp. 403-4). O problema aqui que no se mostrou rigorosamente que o pensamento humano capaz de computar funes no-recursivas. c) Um fenmeno quntico semelhante "condensao de Bose" poderia ocorrer no crebro ( MARSHALL, 1989). Este fenmeno observado a baixas temperaturas, quando um grande nmero de partculas se comporta identicamente. FRHLICH (1968) props um modelo biolgico deste fenmeno de "coerncia" temperatura ambiente, envolvendo molculas dipolares. Alguns pesquisadores afirmam ter encontrado evidncia de que tal fenmeno ocorreria no crebro (ver HAMEROFF et al., 1993, p. 340). Preciso estudar esta questo um pouco mais a fundo para poder avaliar sua plausabilidade. d) O crebro seria regido por leis anlogas s da mecnica quntica. Existe uma abordagem em neurocincia que supe que a convencional dinmica do neurnio e da sinapse no fundamental, e que as funes cerebrais podem ser descritas por um "campo dendrtico" que obedeceria a equaes da teoria quntica de campos ( TUART et al., S 1979; JIBU & YASUE, 1991).Esta abordagem matemtica foi inspirada na proposta de Karl Pribram, nos anos 60, de um modelo "holonmico" para o crebro (ver PRIBRAM, 1991).Conforme notado por WERBOS (1993, pp. 301-3), o fato de leis anlogas s da mecnica quntica descreverem funes cerebrais no implica q tais funes constituam ue um fenmeno quntico. Alm disso, em tais modelos no se introduzem medies que causam colapsos, o que sugere que a descrio destes autores meramente ondulatria. e) A liberao de neurotransmissores um processo probabilstico, que seria descrito apenas pela fsica quntica. Tal liberao, chamada de "exocitose", ocorreria com uma probabilidade relativamente baixa (de cada 5 impulsos nervosos chegando vescula sinptica de clulas piramidais do neocrtex, apenas 1 liberaria o neurotransmissor).De acordo com John Eccles, a mente (que em sua viso dualista existe independentemente do crebro) pode alterar levemente essas probabilidades de exocitose, o que constituiria um mecanismo para a ao da mente sobre o crebro.Rejeitamos aqui, por motivos filosficos,

4

5

esse dualismo de Eccles. Agora, se ele estiver correto e a exocitose puder ser descrita pela teoria quntica (BECK & ECCLES , 1992), faltaria mostrar que a mecnica quntica necessria para descrever este fenmeno, conforme explicado na seo 4, e de que forma este fenmeno est ligado com a emergncia da conscincia. f) A nvel subneuronal ocorreria processamento de informao. Nos anos 70 descobriu-se que as clulas possuem uma delicada estrutura formada por "microtbulos" de protena, formando um "citoesqueleto". HAMEROFF et al. (1993, p. 330) citam alguma evidncia experimental de que o citoesqueleto tem de fato uma funo cognitiva, ligada memria. Como tais microtbulos so cilindros com dimetro de apenas 25 nanometros (10-9 m), provvel que eles s possam ser adequadamente descritos pela fsica quntica. Resta saber se de fato o citoesqueleto tem uma funo cognitiva, alm de sua funo estrutural e de transporte. Em um recente relato irnico a respeito deste programa de pesquisa (HORGAN, 1994, p. 77), anuncia-se que Penrose aderiu a ele.

7. A mecnica quntica explicaria fenmenos de percepo extrasensorial.Alguns autores partem do princpio de que a conscincia pode exercer influncia direta sobre processos naturais, e procuram mostrar como um modelo quntico da conscincia daria conta deste e de outros tipos de fenmenos (JAHN & DUNNE, 1986). Marshall (citado por HORGAN , 1994, p. 78) defende que a performance mental de seres humanos alterada quando um eletro-encefalograma feito, j que este aparelho de medio estaria provocando colapsos no crebro. No creio que tais propostas devam ser levadas a srio em nossa discusso.

8. ConclusoNo existe evidncia concreta, ainda, de que a fsica quntica seja necessria para explicar a conscincia. O modelo de Frhlich e a hiptese de que os microtbulos tenham uma funo cognitiva so bastante interessantes, e merecem ser investigados mais a fundo. Mas quanto s declaraes de que tais hipteses foram confirmadas, conhecemos bem a dinmica da cincia para no nos deixarmos levar facilmente por tais promessas. Este um campo em que os pr-julgamentos filosficos possuem bastante peso e mesmo que tais hipteses se confirmem, permaneceria a questo de se a conscincia, a ser caracterizada de maneira precisa, faria uso de maneira essencial das caractersticas qunticas dos processos cerebrais. Como saldo positivo, espero ter definido de maneira adequada um critrio para caracterizar um fenmeno quntico (seo 4), que preciso ainda estender de maneira precisa para a condensao de Bose.

5

6

Fsica qunticaFsica quntica - Dezenas de interpretaes propostas na literatura cientfica: "J contei 50, e creio que poderia chegar a uma centena"

A mecnica quntica uma teoria cientfica que descreve muito bem experimentos com objetos microscpicos, como tomos, molculas, e suas interaes com a radiao (por exemplo, a luz). Nos ltimos anos, ela tem sido incorporada em vises de mundo msticas, espiritualistas etc., para sustentar idias como a de que nossa conscincia pode se conectar conscincia csmica."No contexto da fsica quntica, uma interpretao idealista uma que afirma que a conscincia humana tem um papel essencial no desdobramento dos fenmenos qunticos" A extenso da teoria quntica a essas vises de mundo possvel porque a teoria quntica, conforme utilizada na fsica, apenas faz previses sobre aquilo que se observa ou se mede no laboratrio cientfico. Todos os fsicos concordam com o formalismo mnimo da mecnica quntica, ou seja, com as regras e leis que fornecem as previses da teoria sobre as probabilidades de se obterem diferentes resultados de medies.

Mas a fsica quntica no diz nada sobre o que acontece por trs das observaes (sobre as causas ocultas dos fenmenos) ou sobre como uma observao efetuada (ou seja, sobre detalhes do processo de medio, ligando o objeto quntico ao sujeito observador). Esquisitice X hegemonia Isso faz com que os cientistas e filsofos busquem interpretar a mecnica quntica, de maneira a construir uma viso de mundo coerente a respeito da realidade que se encontra por trs das aparncias e a respeito do papel do observador. H dezenas de inte rpretaes propostas na literatura cientfica (j contei 50, e creio que poderia chegar a uma centena), mas todas tm uma ou outra esquisitice (isto , algum aspecto contra-intuitivo), como veremos medida que formos caminhando. O fato de sempre haver alguma esquisitice faz com que nenhuma interpretao seja hegemnica. Dentre essas dezenas de interpretaes, algumas podem ser classificadas como idealistas. O termo idealista pode se referir a algum que tenha um ideal, mas no este o significado empregado aqui. Usamos o termo idealismo para designar qualquer corrente filosfica em que a mente (a ideia) tenha papel essencial na constituio do mundo, da realidade. Em geral, so as interpretaes idealistas da teoria quntica que so incorporadas pelas vises de mundo mais msticas e espiritualistas. No contexto da fsica quntica, uma interpretao idealista uma que afirma que a conscincia humana tem um papel essencial no desdobramento dos fenmenos qunticos. Na dcada de 1930, alguns autores,

6

7

especialmente dois fsicos chamados London e Bauer, propuseram que a conscincia humana seria responsvel pelo colapso da onda quntica. Proponho-me a explicar o que isso, nos textos que se seguiro a este. Terei de fazer isso com calma, e apresentando figuras. Mas importante deixar claro que estaremos iniciando nossa explorao com apenas uma das interpretaes possveis da teoria quntica: a prpria noo de colapso no aceita por todas as interpretaes. Quem Somos Ns? Um exemplo de uma interpretao idealista aquela apresentada no filme Quem Somos Ns? Quem tem uma viso de mundo mstica ou espiritualista pode olhar para a fsica quntica em busca de novas idias ou modelos. Mas o filme parece sugerir que a viso idealista a nica maneira de interpretar a teoria quntica. Isso falso: a mecnica quntica no implica necessariamente o idealismo. A maioria dos cientistas ortodoxos interpreta a mecnica quntica sem tirar as consequncias idealistas apresentadas no filme. (Discutiremos algumas cenas do filme mais para frente). Porm, mesmo os cientistas ortodoxos tero que admitir que uma interpretao idealista, que se mantenha consistente com o formalismo mnimo da teoria quntica, irrefutvel e , portanto, tem de ser admitida como uma possvel explicao do mundo. Este o campo da filosofia que iremos explorar aqui. No entanto, o fsico Amit Goswami tem dado um passo alm, e defendido a correo de experimentos recentes, que indicariam (entre outras coisas) que a conscincia humana pode influenciar as probabilidades de ocorrncia de resultados de medio. Mas isso vai contra o que diz o formalismo mnimo da teoria quntica. Com essa cartada, Goswami sai do terreno puramente filosfico das interpretaes e adentra o terreno cientfico das afirmaes testveis. A maioria dos cientistas ortodoxos considera que os experimentos mencionados so pseudocincia (falsa cincia). Dentro de alguns anos, haver um amplo consenso sobre se tais experimentos so corretos ou no.

O conceito de partculapor Osvaldo Pessoa Jr. O escritor argentino Jorge Luis Borges tem um conto, Tln, Uqbar, Orbis Tertius (disponvel na internet, em espanhol), de seu livro Fices, em que um povo com uma viso de mundo idealista (ou seja, que considera que o mundo , pelo menos em parte, criado pela mente - clique aqui e leia) se surpreende quando um herege afirma que deixou cair uma moeda no jardim, e que dois dias depois encontrou a mesma moeda, um pouco enferrujada pelo sereno. Isso seria uma heresia porque, para esse povo, a realidade s existe enquanto representao na mente de algum; assim, como seria possvel que as moedas continuassem existindo, mantendo sua identidade, enquanto ningum pensava nelas? A noo de que uma coisa continue existindo sem que ningum esteja olhando no muito surpreendente para ns. Na verdade, estamos cercados de coisas com esse comportamento. O tnis velho que me carrega no asfalto mantm sua identidade ao longo

7

8

do t o (ou sej o mesmo t is), mesmo que v perdendo pedacinhos. Nossa mente representa muito bem esses objetos que mant m suas propriedades ao longo do tempo, e que mudam pouco. Afinal de contas, nosso crebro evoluiu em um ambiente com coisas que mant m sua identidade, ent o natural que sejamos bons em represent -las. Hoje em dia h microscpios que permitem observar tomos. H uma discusso se isso de fato uma observao, mas de qualquer maneira l esto as figuras arredondadas ou pontuais que associamos a tomos, figuras essas cuja formao foram causadas pela presena dos tomos:The image part w ith relationship ID rId8 w as not found in the file.

Essa imagem foi obtida em 1955 por M ller & Bahadur, usando um microscpio eletrnico, e o ponto central um tomo de nquel

Gostamos de pensar em um tomo como sendo uma bolinha, e tal representao no to despropositada, pois, afinal, quando essas partculas se movimentam livremente (sem campos externos), elas possuem simetria esfrica (pelo menos o que a teoria nos di ). Eis uma representao de uma partcula, que segue uma trajetria contnua, indicada pela seta.The image part w ith relationship ID rId9 w as not found in the file.

No h nada mais trivial do que isso! Dei at o nome Fi partcula. Uma das quest es que exploraremos nessa coluna em que medida essa noo de partcula representa bem os tomos. O povo de Tl n certamente protestaria ante afirmao de que tomos pudessem propagar em trajetrias contnuas, quando no h ningum observan o. d Para eles, podemos apresentar o seguinte experimento, chamado experimento de anticorrelao:The image part w ith relationship ID rId10 w as not found in the file.

A partcula vem chegando toda fagueira pela esquerda, quando um cientista maluco tenta lhe cortar ao meio com uma faca, em S1. Ao cortar a partcula em dois, ele espera que metade v pelo caminho A, e metade por B, caindo nos detectores em D2 e D1. O que ele observa? Se o objeto incidente fosse uma laranja, ele teria sucesso em dividi-la.

Mas uma partcula quntica, como um eltron, no pode ser dividida pelo menos nas ( energias a que temos acesso nos aceleradores). O eltron chegar inteiro, ou emD2 ou em D1.

8

9

Suponha que a partcula seja detectada em D2. No razovel supor que ela seguiu uma trajetria contnua pelo caminho A? Claro! bvio! Experimento mais simples no encontraremos! Mas os idealistas de Tln poderiam argumentar que a partcula poderia ter dado um salto de S1 a D2, deixando de existir no meio do caminho (ou algo assim). Tudo bem, isso seria uma possvel maneira de interpretar a situao. Ns, na Terra, estamos acostumados com as chamadas partculas clssicas, que seguem trajetrias contnuas. Mas h fsicos qunticos que j pensaram como os tlnianos, no que podemos chamar de partculas saltitantes (como a aparncia de uma pessoa danando sob luz estroboscpica). O objetivo do texto de hoje foi falar um pouco sobre partculas, tambm chamadas de corpsculos. Elas so fceis de representar mentalmente: so redondinhas, seguem caminhos bem definidos, e mantm sua identidade, sem se desmanchar. Duas propriedades podem ser destacadas: elas so indivisveis (at uma certa energia de destruio) e so bem localizadas (ou seja, cada uma est num ponto bem definido). Nada que uma criana j no soubesse... Exceto no mundo de Tln.

Entenda os movimentos das ondaspor Osvaldo Pessoa Jr.Como escreveu Lulu Santos, A vida vem em ondas como um mar, num indo e vindo infinito..." Num certo sentido, tudo onda. No s as ondas "Ondas geralmente do mar, que conhecemos bem, e no s as ondas sonoras, as ondas eletromagnticas (luz, raio X, microondas, etc.) e as ondas gravitacionais transportam energia" (que ainda no foram observadas): a matria tambm tem um aspecto ondulatrio, e portanto ns somos ondas, num certo sentido.

A melhor maneira de entender as ondas olhando para elas*. Em cima de um rochedo em uma praia de surfista, vemos as ondas vindo de maneira regular, antes de quebrarem na areia. Como um surfista sente as ondas? Suponha que ele esteja atrs da arrebentao, no entardecer, olhando para as primeiras estrelas do cu, deitado em cima de sua prancha. Ele sentir as ondas atravs de um movimento de sobe e desce. Isso curioso: temos a impresso de que uma onda anda para frente, mas os objetos flutuando na gua e as prprias molculas da gua no andam para frente (a no ser na arrebentao), mas apenas sobem e descem! Pode-se dizer que h transporte horizontal de energia, mas no de matria No sculo XIX, acreditava-se que a luz fosse uma propagao ondulatria em um meio rgido e tnue chamado ter (por analogia gua para as ondas do mar, e ao ar para as ondas sonoras). Mas um movimento ondulatrio no necessita de um meio que o sustente: imagine uma criana de noite com um ioi luminoso. Se ela est parada, vemos o ioi subindo e descendo, em um movimento oscilatrio. Mas se ela estiver andando de bicicleta, ao mesmo tempo em que o ioi oscila na vertical, vemos o ioi luminoso traar

9

10

um percurso parecido com a onda na gua, e parecido com o desenho abaixo :The image part w ith relationship ID rId11 w as not found in the file.

A maneira mais fcil de ver uma onda desse tipo amarrar uma corda a uma parede, estic-la com a mo, e comear a mexer a mo rapidamente para cima e para baixo. Pulsos de ondas formaro e percorrero a corda, de maneira semelhante figura. Uma form iga sentada na corda ficaria bastante incomodada. Ser que ela teria consci ncia desse incmodo, ou ela s uma maquininha sem sentimentos? A coitada comear a oscilar para cima e para baixo sem parar. S que a acontece uma coisa curiosa, que salva a fo rmiga: os pulsos de onda que chegam at a parede so refletidos, e eles voltam. Ocorre ento uma superposio de ondas indo e voltando, e o resultado disso a chamada onda estacionria:The image part w ith relationship ID rId12 w as not found in the file.

Nesta onda estacionria, h pontos (os chamados ns) que nooscilam! A formiga pode ir para esses pontos e descansar. Tem uma onda vindo de um lado e uma onda vindo do outro, mas uma cancela a outra, numa interferncia destrutiva. Essa uma caracterstica curiosa das ondas: eu posso somar duas ondas e o resulta zero. Isso nunca acontece do com as partculas que vimos no texto anterior Imagine agora que voc est beira de um lago buclico, e que voc sobe em um galho de rvore que se debrua por cima da gua. A voc deixa cair uma pedra na gua. O que voc v? Voc v ondas circulares se propagando para fora do ponto onde caiu a pedra:The image part w ith relationship ID rId13 w as not found in the file.

(Cada crculo corresponde a um mximo da onda transversal da figura anterior.) O que esse experimento da pedra mostra que basta um ponto da superfcie da gua oscilar paa r que se formem ondas circulares. Imagine agora que uma frente de onda no mar encontre uma parede que tem apenas um furo. O que acontecer? Uma onda pode ser dividida o quanto se queira: assim, uma pequena parte passar pelo furo. O furo anlogo ao pont onde cai uma pedra, ento o teremos a formao de ondas circulares aps o furo:

10

11

The image part w ith relationship ID rId14 w as not found in the file.

O que acontece se houver dois furos no paredo? Teremos a formao de duas ondas circulares. Porm, acontece uma coisa anloga formao de ns na onda estacionria da corda: h uma interferncia entre as ondas. Um surfista preguioso pode encontrar raias onde a gua fica completamente parada! So locais onde uma das ondas sempre cancela a outra onda. O desenho abaixo tirado de um artigo cientfico escrito pelo ingls Tho mas Young em 1801. As raias marcadas com as letras C, D, E e F so os locais em que o surfista poderia descansar.The image part w ith relationship ID rId15 w as not found in the file.

O objetivo do texto de hoje foi falar sobre ondas, que geralmente transportam energia. Ao contrrio das partculas, elas so divisveis o quanto se queira, e so espalhadas no espao. Alm disso, uma onda pode cancelar outra. Estamos prontos para comear a adentrar os mistrios da fsica quntica, no prximo texto. Em poucas palavras, ela a teoria que, de alguma maneira, concilia aspectos corpusculares (de partculas) com aspectos ondulatrios

A pripor Osvaldo Pessoa Jr.

ira li

de f i a qunti a

Uma das melhores maneiras de aprender fsica quntica partindo das ondas, que exploramos no ltimo texto. As ondas no mar, as ondas luminosas, etc., tm alguns aspectos bastante complexos, e tais aspectos esto por trs de boa parte dos mistrios qunticos Comecemos com o experimento de interferncia de luz, ilustrado no texto anterior com um

11

12

desenho feito por Thomas Young, em 1801. O desenho ilustra como se propagam as ondas, mas Young no via diretamente as ondas. O que ele via era uma mancha de luz em uma parede, mancha essa que apresentava um padro de claros e escuros, que chamaremos franjas de interferncia. Essas franjas esto representadas direita na figura abaixo (a rigor, o plano das franjas deveria ser girado em 90 para ficar de frente para a luz que vem da esquerda). O que Young fez foi inferir, a partir das franjas, que a luz uma onda, mas ele no via as ondas, da mesma maneira que a gente v as ondas do mar.The image part w ith relationship ID rId16 w as not found in the file.

Para transformar este experimento da fsica clssica em um experimento quntico, duas coisas precisam ser feitas: (1) Diminuir a intensidade da luz para ela ficar muito, mas muito, fraquinha. (2) Usar um aparelho super-sensvel para detectar a luz (por exemplo, uma fotomultiplicadora). Feito isso, o que acontece? O que acontece que a gente mediria as franjas de interferncia formando ponto a ponto, como na figura abaixo (da esquerda para a direita).The image part w ith relationship ID rId17 w as not found in the file.

As franjas de interferncia, na verdade, se formam ponto a ponto. No caso da luz, d o -se nome de fton a cada um desses pontos observados. Ns no discernimos os ftons, mas vemos um padro contnuo, porque h um nmero muito grande de ftons em qualquer mancha de luz. A energia associada a cada fton uma quantidade discreta, com um valor bem definido para cada cor de luz, e por isso recebe o nome de quantum, de onde vem o nome fsica quntica. Esta a primeira lio de fsica quntica: os objetos microscpicos so sempre observados como pontos (ou seja, tm valores discretos, e no contnuos).

12

13

Porm, enquanto o objeto est se propagando (sem ser medido), ele o faz como uma onda. Um mesmo objeto, sem partes, no pode ser uma onda e uma partcula ao mesmotempo, pois isso seria uma contradio de termos (lembrem das definies de partcula e onda -se apresentadas nos dois textos anteriores. Porm, o que dissemos aqui no uma contradio, porque o objeto quntico se propaga como onda, e depois, em outro insante t do tempo, ele detectado (medido) como uma partcula.

O problemti o colapso da ondaNa primeira lio de fsica quntica aprendemos uma maneira de interpretar o que acontece no mundo dos tomos, partculas (como o eltron) e radiao (como a luz). Um objeto quntico se propaga como onda, de maneira que ele no tem uma posio bem definida (est espalhado no espao), e pode nem ter uma energia bem definida. Mas quando ele medido, ele observado com uma posio precisa (o vemos como um ponto) . Voltemos a um exemplo parecido com o do ltimo texto, s que ao invs de termos duas fendas, temos s uma:The image part w ith relationship ID rId18 w as not found in the file.

O objeto quntico, que pode ser um nico eltron, ao passar por uma fenda se espalha, na forma de ondas esfricas. Onde est este eltron? Segund a interpretao que estamos o adotando, ele est espalhado (h outras interpretaes, como veremos mais para frente). Mas se tentarmos observ-lo, ele aparecer espalhado? Vamos fazer o experimento. Colocamos uma *tela de cintilao (ou algum detector equivalente) que marca a passagem do eltron. Se o detector tiver uma alta eficincia, mediremos o eltron, e este aparece r... como um ponto, em P! J sabamos disso!The image part w ith relationship ID rId19 w as not found in the file.

13

14

Mas notem que depois da deteco do eltron, a onda que estava espalhada desaparece! costume dizer que a onda sofreu um colapso Essa idia de que uma onda real vai se propagando por a e, quando observa (medida), da sofre um colapso nunca foi muito bem aceita entre os fsicos, pela seguinte razo. Considere a regio em torno do ponto Q, na figura. Logo antes da deteco em P, havia uma onda em torno de Q, mas com a deteco em P, a onda em Q desaparece instantaneamente. P e Q podem estar separados a uma distncia imensa, como a distncia entre a Terra e o Sol: como que uma medio na Terra (P) poderia afetar instantaneamente uma onda no Sol (Q)? Isso seria um exemplo de ao distncia, ou no -localidade, e os fsicos normalmente odeiam esse tipo de coisa. Eles gostam de ao por contato ou localidade. Por exemplo, se eu ligo um interruptor de luz, demora alguns microssegundos para uma lmpada acender. Parece instantneo mas no , pois a , eletricidade, no fio que leva lmpada, tem uma velocidade finita. Hoje em dia, porm, os fsicos qunticos j aceitam falar de no -localidade. Assim, essa interpretao do colapso instantneo ficou menos problemtica do que parecia ser h30 anos atrs. Na verdade, ela tem outros problemas, mas ns, que estamos aprendendo fsica quntica, podemos adotar essa interpretao realista ondulatria para entender algumas questes filosficas que so discutidas nos livros de divulgao desta re que chamarei de a misticismo quntico. Uma ltima pergunta: o que acontece com o eltron depois que ele detectado? Ao virar um ponto ele deixa de ser onda? Duas coisas podem acontecer com um objeto quntico que medido: ele pode ser absorvido pelo detector (e desaparecer), como geralmente ocorre com a luz, ou ele pode continuar existindo. Vamos considerar um detector que no destri o eltron, como faria uma cmara de nuvem. A figura abaixo representa o que acontece, segundo a nossa interpretao realista ondulatria:The image part w ith relationship ID rId20 w as not found in the file.

A cmara de nuvem um recipiente com vapor dgua, em que se registra a passagem do eltron. O que o cientista v so apenas os asteriscos, que se alinham mais ou menos em linha reta. Esta a trajetria da partcula elementar, segundo a observao do cientista. Mas a interpretao ondulatria diz que o eltron sempre onda, e que na deteco (no

14

15

asterisco) ele se transforma num pulso de onda bem apertado. O que a figura mostra que, depois da deteco, a onda associada ao eltro comea a se espalhar novamente. n *detector de eltrons

Onde est o tomo de prata?por Osvaldo Pessoa Jr. No texto anterior apresentamos o problemtico colapso de uma onda espalhada no espao. O aspecto problemtico envolve a no-localidade do colapso, ou seja, algo que acontece na Terra poderia afetar instantaneamente algo que acontece no Sol. Por causa dessa estranheza, a maioria dos fsicos, especialmente at uns 30 anos atrs, tende a no aceitar que se possa atribuir realidade para as ondas qunticas. Mas, se quisermos interpretar a teoria quntica considerando que tais ondas existem na realidade, poderemos fazlo sem cair em contradio com a experincia. Dito isso, vamos agora explorar um pouco mais essa noo de colapso, para que no prximo texto possamos entender como o observador consciente entra no jogo. Faremos isso apresentando um novo experimento quntico, conhecido como experimento de Stern-Gerlach, realizado pela primeira vez em Frankfurt, em 1921. tomos de prata saem voando de um forno, so *colimados, e passam dentro de um par de ims (S e N), indicado na figura abaixo. Eles acabam imprimindo duas manchas em uma tela, uma em cima e outra em baixo. Esse comportamento foi considerado tipicamente quntico, pois o que se esperaria, segundo a fsica clssica, seria uma nica e grande mancha ligando a mancha de cima com a de baixo.

The image part w ith relationship ID rId21 w as not found in the file.

Vamos imaginar agora uma modificao no experimento, colocando detectores que no absorvam o tomo, mas os deixem passar. Vamos tambm concentrar nossaateno em um nico tomo de prata. Na figura abaixo, ele est representado por uma ondinha vermelha com uma seta. Essa seta representa o fato de que um tomo um im em miniatura, im esse cujo plo norte aponta na direo da seta. Para simplificar, chamaremos esta seta de "spin" (o spin seria o giro intrnseco do eltron).

15

16

The image part w ith relationship ID rId22 w as not found in the file.

Note que o tomo tem duas trajetrias diferentes sua disposio, representadas por linhas tracejadas. No experimento em questo, o tomo foi detectado em D1. Segundo nossa interpretao ondulatria realista, no instante da deteco ocorre um colapso, e a trajetria que entraria no outro detector (D2) desaparece. Note tambm que o spin do tomo muda, aps a deteco. De incio ele estava deitado, apontando na direo +x, depois o correu a separao pelos ims, e aps a medio ele tem spin apontado para cima, na direo +z. Onde est o tomo antes da deteco? O que o formalismo da teoria quntica diz que o estado associado ao tomo, antes da medio, est em uma superposio de auto-estados de posio. Mas o que significa isso? Segundo nossa interpretao, o tomo estaria em dois lugares ao mesmo tempo! Mas como assim? Quando medimos sempre o observamos em apenas um lugar! Sim, mas h razes tericas para considerar que o tomo no est localizado em apenas uma regio espacial. Razes tericas? Para dizer que uma coisa, que de fato est sempre bem localizada, poderia no estar? Podemos dizer que ele est potencialmente em dois lugares, mas quando o observamos, ele atualizado em uma posio bem definida. Ato e potncia so conceitos aristotlicos! Precisamos retornar a Aristteles? Quais so as ditas razes tericas? A razo pela qual, na presente interpretao, somos obrigados a dizer que o tomo no est localizado nem no caminho que vai para D1, nem no caminho que vai para D2, mas que ele est de certa forma em ambos ao mesmo tempo, a seguinte.

16

17

Antes de detectar o tomo, podemos retirar os detectores, recombinar os dois feixes atravs de outro im, e o que obteremos no final exatamente o mesmo estado quntico que no incio, com o spin apontado na mesma direo +x (ver figura a, abaixo). Porm, se o tomo estivesse em uma posio bem definida, rumando por exemplo para o detector D1, e os detectores fossem retirados, na recombinao dos feixes o estado final do spin seria diferente do caso anterior (ver figura b), apontando na direo +z.The image part w ith relationship ID rId23 w as not found in the file.

Experimentos foram realizados na dcada de 1980 com nutrons, mostrando que de fato a situao (a) a correta. Ou seja, somos obrigados a admitir que, antes da deteco, o estado correto de superposio. E o verdadeiro significado disso depende da interpretao adotada. *Colimados: ou seja, seguem uma linha bem estreita

O problema da medi opor Osvaldo Pessoa Jr. No filme Quem Somos Ns?, a cena mais didtica com relao fsica quntica a cena das bolas de basquete. A herona v uma bola de basquete sendo quicada por um garoto misterioso. Quando ela deixa de olhar para a bola, surgem dezena de cpias da bola em s diferentes posies. Depois de alguns segundos, quando ela olha novamente para o garoto, todas as bolas desaparecem, restando apenas uma. Esta cena uma alegoria a respeito do que acontece na fsica quntica. A bola de basquete representa um tomo ou qualquer partcula quntica. O mero ato de olhar ou de observar representa a medio feita por um cientista quntico. A transio de muitas bolas para uma nica bola representa a reduo ou colapso do estado quntico. A nica falha dacena que a probabilidade de a bola terminar na mo do garoto deveria ser muito pequena: mais didtico seria a herona, ao final, ver a bola localizada em algum outro ponto, diferente da

17

18

mo do menino. Nessa alegoria, o que faz surgir vrias bolas de basquete anlogo a uma certa preparao experimental, como a da figura abaixo, que j tivemos ocasio de analisar (ver texto 5: O Problemtico Colapso da Onda)

The image part w ith relationship ID rId24 w as not found in the file.

Nesta figura, o objeto quntico sofre * difrao ao passar pela fenda. Os semicrculos exprimem a probabilidade de o objeto ser detectado em diferentes pontos, como em P. A observao da posio do objeto quntico (o asterisco na figura) anloga observao final da bola de basquete. Antes da medio, costuma-se dizer que o objeto est numa superposio de diferentes posies, ou est potencialmente em diferentes posies. Mas como que o cientista mede um objeto quntico? Ser que ele apenas olha e v, como fez a herona surda do filme mencionado? Na verdade, a medio de um objeto quntico costuma envolver uma intrincada aparelhagem experimental. Entre o objeto e a conscincia do cientista, h uma cadeia de diferentes etapas, representada esquematicamente na figura abaixo.

The image part w ith relationship ID rId25 w as not found in the file.

A anlise refere-se separao do feixe em diferentes componentes. Na figura, representa-se o experimento de Stern-Gerlach, que vimos no texto 6 (Onde est o tomo de Prata?). O termo deteco refere-se ao instante em que o objeto quntico encosta na fina placa metlica do detector, e interage com o mar de eltrons presente no metal. Notem que h duas linhas pontilhadas, cada uma caindo em uma placa detectora. Essas duas linhas representam um nico tomo, que est superposto nos dois caminhos. Cada uma desses componentes interage com eltrons no metal, e isso pode acabar fazendo um

18

19

eltron sair voando do outro lado da placa. Mas notem que isso acontece nas duas placas. Portanto, h agora uma superposio de eltron, cada componente rumando por um caminho, mas ambos associados a um nico eltron. A etapa seguinte extremamente importante: a amplificao. Nesta etapa ocorre um aumento de energia (fornecida por uma bateria), necessrio para que o ser humano possa ver o resultado da medio. O instrumento representado na figura chama-se fotomultiplicadora (FM), e era muito usado h meio sculo atrs. Ele contm uma srie de placas: quando um eltron cai em uma placa, trs eltrons so ejetados. Esses trs so acelerados e caem em outra placa, gerando nove eltrons. Esse processo continua ao longo de doze placas, e no final tem-se um milho de eltrons! Ser que esses milhes de eltrons continuam em um estado de superposio? Esta a pergunta crucial para a fsica moderna, mas ningum conseguiu realizar um experimento que fornecesse uma resposta. H, claro, diferentes teorias a respeito, mas no h nenhuma comprovao experimental! As vises mais prximas do misticismo quntico, assim como a interpretao dos muitos mundos, supem que a superposio continua aps a amplificao. H, em seguida, uma outra etapa de amplificao eletrnica (A), e finalmente um registro macroscpico definitivo da informao a respeito do caminho no qual o objeto quntico foi detectado. Tal registro tambm poderia estar numa superposio, segundo as vises mencionadas. Finalmente, chega-se ltima etapa da cadeia da medio, que quando o ser humano observa conscientemente os sinais registrados no papel ou em uma tela de computador. Neste instante, com certeza, o cientista observa apenas um sinal, e no dois em superposio. E ele ento pode anunciar: ocorreu um colapso da onda quntica! Mas uma dvida permanece... Se o colapso for algo real, onde e quando ele ocorre? Na deteco? Na amplificao? No registro macroscpico? Ou na observao feita por um ser conscien te? *Nesta figura, o objeto quntico sofre "difrao" ao passar pela fenda, ou seja, ele se espalha em todas as direes aps passar por um buraco bem pequeno.

19

20

conscincia legisladorapor Osvaldo Pessoa Jr. Em nosso ltimo texto, apresentamos o famoso problema da medio da fsica quntica, que consiste no seguinte. Em primeiro lugar, devemos supor que as entidades microscpicas (tomos, eltrons, luz) existem de maneira real, e que elas tenham uma natureza espalhada, como ondas, que existem em todo instante de tempo, mesmo quando no as estamos observando. Essa primeira suposio, conhecida como realismo ondulatrio, no aceita por todos os fsicos e filsofos qunticos, mas a partir dela que o problema da medio se formula de maneira clara. Supondo isso, somos obrigados a reconhecer que as entidades qunticas sofrem colapsos, ou seja, a onda associada a elas sofre transies abruptas (por exemplo, antes estavam espalhadas por distncias de metros, e depois ficam restritas a dimenses de milmetros). Outra maneira de exprimir isso dizer que uma superposio quntica foi reduzida a um estado bem localizado.

"A interpretao subjetivista da teoria quntica foi defendida por diversos cientistas ortodoxos, apesar de eles constiturem uma pequena minoria na comunidade acadmica"

Esses colapsos ocorrem toda vez que uma medio efetuada no sistema quntico. A questo determinar qual etapa do processo de medio responsvel pelo colapso da onda. Seria a deteco (interao com uma placa metlica)? Seria a amplificao (que envolve um aumento de energia advinda de uma fonte externa, como uma bateria)? Seria o registro macroscpico (um nmero escrito em um papel ou na tela de um computador)? Ou seria a observao feita por um ser consciente? Todas essas possibilidades so plausveis, e a questo est longe de estar decidida. Cada uma dessas possibilidades constitui uma interpretao da teoria quntica (j mencionamos que h dezenas de interpretaes diferentes, o que contribui para a dificuldade que o leigo tem em entender o que est acontecendo!). No entanto, a concepo de que o ser humano consciente que seria responsvel pelo colapso sempre chamou ateno de filsofos e msticos, e esta viso que examinaremos agora.

Conscincia humana e colapso da onda

20

21

A idia de que a conscincia humana provocaria o colapso de uma partcula surgiu na dcada de 1930, em um perodo em que alguns consideravam eminente o surgimento de uma revoluo cientfica na biologia e na psicologia, assim como tinha acontecido na fsica. Alguns historiadores da cincia, como Max Jammer, mencionam que foi o matemtico hngaro John von Neumann quem lanou a idia de que a conscincia humana causaria o colapso, em torno de 1932, mas ele no publicou nada a respeito. Em 1939, o fsico alemo Fritz London e o francs Edmond Bauer popularizaram essa viso em um pequeno livro, lanado em Paris, e intitulado La Thorie de lObservation em Mcanique Quantique, com verso em ingls publicada em 1983. Logo antes de ocorrer um colapso, London & Bauer consideraram a cadeia que consiste no objeto quntico, no aparelho de medio e no observador consciente, de forma que todos estariam em uma superposio. Em suas palavras: O observador tem uma impresso completamente diferente. Para ele somente o objeto x e o aparelho y que pertencem ao mundo externo, ao que ele chama de objetividade. Por contraste, ele tem consigo mesmo relaes de carter muito especial. Ele possui uma faculdade caracterstica e bastante familiar que chamaremos de faculdade de introspeco. Ele consegue acompanhar de instante para instante o curso de seu prprio estado. Em virtude deste conhecimento imanente, ele atribui a si mesmo o direito de criar sua prpria objetividade isto , cortar a cadeia de correlaes estatsticas [...] declarando: Eu estou no estado wk [...] Assim, no uma misteriosa interao entre o aparelho e o objeto que produz um novo PSI para o sistema durante a medio [ou seja, o colapso]. somente a conscincia de um eu que pode se separar da funo prvia PSI (x,y,z) e, em virtude de sua observao, montar uma nova objetividade ao atribuir ao objeto de agora em diante uma nova funo PSI (x) = uk(x) (London & Bauer, [1939] 1983, pp. 251 -2). O leitor no precisa se preocupar com os smbolos matemticos e em entender exatamente como London & Bauer explicavam o poder que essa chamada conscincia legisladora teria sobre o objeto quntico. Independente de sua explicao filosfica, o fato que eles inauguraram uma interpretao subjetivista da mecnica quntica (s vezes chamada de idealista), que afirma que nossa conscincia teria o poder de provocar um colapso, apesar de nossa conscincia no poder afetar qual o resultado da medio. Outro fsico importante que defendia explicitamente que a conscincia seria essencial na observao, e portanto no colapso, foi Walter Heitler (1949). Ele analisou a possibilidade de se completar uma observao por meio de um aparelho auto-registrador, consistindo de duas telas fotogrficas paralelas que no absorvem as entidades qunticas. Considerando a passagem de apenas uma partcula carregada, temos certeza (para eficincias de deteco de 100%) que, aps serem reveladas, ambas as chapas apresentaro uma marca aproximadamente no mesmo ponto do plano das chapas. Heitler argumentou que o colapso pode ser produzido pela segunda chapa, se esta for revelada primeiro: A primeira tela auto-registradora, por si s, no traz certeza para [o resultado de] observaes futuras, a no ser que o resultado seja reconhecido por um ser consciente. Vemos, portanto, que aqui o observador aparece como uma parte necessria da estrutura inteira, e em sua plena capacidade enquanto ser consciente. A separao do mundo em uma realidade externa objetiva e ns, os espectadores auto-conscientes, no pode mais ser

21

22

mantida. Objeto e sujeito tornaram-se inseparveis um do outro (Heitler, 1949, pp. 1945). Outros cientistas que defenderam explicitamente posies semelhantes foram o fsico James Jeans, o astrnomo Arthur Eddington e o bioqumico John Haldane. O fsico Eugene Wigner (1964) resumiria da seguinte maneira esta concepo: [...] os fsicos concluram ser impossvel fornecer uma descrio satisfatria de fenmenos atmicos sem fazer referncia conscincia. Isto [tem a ver com] o processo chamado reduo do pacote de onda [...]. A conscincia evidentemente desempenha um papel indispensvel. Detive-me, neste texto, em alguns detalhes histricos, para indicar como a interpretao subjetivista da teoria quntica foi defendida por diversos cientistas ortodoxos, apesar de eles constiturem uma pequena minoria na comunidade acadmica. A partir do final da dcada de 1980, essas idias foram incorporadas como ponto de partida do movimento cultural que chamarei de misticismo quntico, e que hoje est bastante presente na mdia.

Onde est o Gato de Schrdinger?por Osvaldo Pessoa Jr. Uma das imagens mais populares, relacionadas fsica quntica, a do gato de Schrdinger. O fsico austraco Erwin Schrdinger foi um dos pioneiros da fsica quntica, e em 1935, no exlio em Oxford, escreveu um artigo a respeito de um famoso argumento de Einstein, Podolsky & Rosen, que futuramente descreveremos. Neste artigo, Schrdinger examinou alguns problemas conceituais da fsica quntica, e um deles era a respeito das superposies qunticas. Segundo algumas interpretaes da teoria quntica (como a realista ondulatria), um tomo pode estar localizado em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. como se ele estivesse dividido simetricamente em dois (antes da observao), apesar de sempre ser observado como um s. Exploramos esta questo no texto sobre O Problema da Medio Ora raciocinou Schrdinger , talvez possamos considerar que um tomo uma entidade borrada [blurred], que se localiza em dois lugares ao mesmo tempo (essas no so as palavras exatas que ele usou). Porm, essa imagem no pode ser estendida para objetos muito maiores do que tomos. Pois se tentarmos colocar um gato em uma superposio, fracassaremos, pois um gato est sempre em um estado macroscpico bem definido. Schrdinger descreveu como se poderia tentar colocar um gato em uma superposio de dois estados diferentes. Em primeiro lugar, todo o equipamento, incluindo o gato,

22

23

colocado em um recipiente completamente isolado do ambiente. Na prtica isso impossvel o que de certa forma invalida o experimento , mas vamos supor que os efeitos do ambiente sejam desprezveis. O fsico austraco imaginou um dispositivo quntico em que um tomo estivesse emuma superposio (por exemplo, em dois lugares diferentes, A e B), e da esta superposio seria amplificada. J vimos um processo semelhante na 2 figura do texto O Problema da Medio. Se o tomo estivesse em A, a amplificao levaria um martelo a que brar um vidro contendo cianureto, e o gato morreria (ver figura abaixo, direita). Se o tomo estivesse em B, a amplificao no afetaria o martelo, e o gato viveria (figura, esquerda).The image part w ith relationship ID rId26 w as not found in the file.

Mas o tomo est numa superposio de A e B; assim, o gato deveria ser levado para uma superposio de estados, estando ao mesmo tempo vivo e morto (ver figura abaixo)! Schrdinger considerou que isso seria um absurdo, concluindo assim que no se pode estender a noo de entidades borradas para corpos macroscpicos. Implcito nisso estava a mesma concluso obtida por Einstein, Podolsky & Rosen: a fsica quntica seria incompleta, ou seja, h algo faltando na teoria quntica.The image part w ith relationship ID rId27 w as not found in the file.

Outros autores pegaram este exemplo e comearam a tirar concluses diferentes, e foi assim que o gato ganhou sua fama. A primeira questo central se possvel, pelo menos em princpio, criar uma superposio de um objeto macroscpico. Esta uma questo bastante atual, e os fsic j os conseguiram criar superposies envolvendo mil partculas (numa molcula de fullereno) separadas por uma distncia de 0,1 micra (um mcron um milionsimo de metro). Superposies bem maiores, envolvendo um bilho de eltrons, foram obtidas no com separao espacial, mas com o sentido de propagao de uma corrente eltrica. Isso tudo parece indicar que certas superposies macroscpicas podem ser obtidas em situaes de grande isolamento. Supondo que fosse possvel colocar um gato em uma superposi o que aconteceria se o, algum olhasse para ele? Certamente observaramos ele ou vivo, ou morto, mas nunca

23

24

numa superposio. Isso porque, segundo a fsica quntica, toda medio (ou observao) leva a um colapso do estado. No momento em que o gato fosse iluminado pela luz de uma lanterna, para que pudssemos v-lo, ele colapsaria para o estado vivo ou para o estado morto. Mas ser que possvel colocar um gato em uma superposio macroscpica? Provavelmente no, pois ele um sistema quente, cheio de flutuaes que acabariam impedindo a realizao da superposio. Se tal experimento fosse possvel, seria provavelmente necessrio resfriar o gato para uma temperatura prxima do zero absoluto, o que certamente o mataria. (As figuras foram retiradas de um artigo de B. DeWitt, Quantum Mechanics and Reality, Physics Today 23, setembro 1970, pp. 30-35.)

O yin-yang da complementaridadepor Osvaldo Pessoa Jr. Niels Bohr (1885-1962) foi um fsico muito importante para o desenvolvimento da fsica quntica. Em 1913, o jovem dinamarqus conseguiu aplicar as idias da nascente fsica quntica (que se iniciou em 1900 com Max Planck) para representar o tomo, que seu orientador Ernest Rutherford, em Manchester, havia mostrado em 1911 ter um ncleo duro cercado de eltrons. O chamado modelo atmico de Bohr ensinado at hoje no Ensino Mdio, apesar de ele ter sido superado pela nova mecnica quntica, que surgiria em 1925, com o trabalho do grupo de Gttingen (Heisenberg, Jordan & Born) a chamada mecnica matricial , e incio de 1926, com a mecnica ondulatria de Schrdinger, que trabalhava em Zurique. Os fsicos logo mostraram que essas duas abordagens eram equivalentes, e o que hoje chamamos de mecnica quntica. Em torno de 1927, Bohr j no estava na linha de frente dos clculos matemticos, mas sua maturidade o fez refletir profundamente sobre o significado da nova fsica dos tomos. Ele estava preocupado com a questo da interpretao da teoria quntica. Nos textos desta coluna, j indiquei vrias vezes que a teoria quntica pode ser interpretada de diversas maneiras com efeito, nos ltimos textos explorei a interpretao ondulatria realista, que fala em colapsos reais da onda quntica, e da subcorrente subjetivista que defende que seria a conscincia humana que causaria tais colapsos. No entanto, no foi esta a interpretao que imperou na comunidade dos fsicos. A interpretao que tornou-se hegemnica a partir de 1928 foi aquela construda em torno das idias de Bohr, e conhecida como interpretao da complementaridade (s vezes chamada tambm de interpretao de Copenhague, ou ortodoxa apesar da ortodoxia s vezes salientar abordagens prximas mas distintas da de Bohr). Esquiando na Noruega, no incio de 1927, Bohr teve a idia de que as entidades fundamentais do mundo no eram partculas como os atomistas sempre supuseram e

24

25

nem ondas como Schrdinger supunha. Na verdade, nem faria sentido dizer o que seriam essas entidades fundamentais, pois o nosso conhecimento tem limites (como salientara o filsofo Immanuel Kant no sculo XVIII). Trabalhamos com representaes da realidade, e no teramos acesso s coisas em si. Ento, a questo que se colocava para Bohr era a de qual a melhor representao da realidade do mundo microscpico (hoje em dia falaramos nanoscpico): uma baseada em partculas ou uma baseada em ondas? Uma idia que Werner Heisenberg considerava nesta poca este jovem alemo estava ento trabalhando com Bohr em Copenhague era de que tanto faz usar uma representao corpuscular (ou seja, em termos de partculas) ou ondulatria: ambas forneceriam as mesmas previses experimentais (explicarei melhor isso quando estudarmos o princpio de incerteza). Corpuscular ou ondulatrio A idia de Bohr era de que o uso de um quadro corpuscular ou ondulatrio dependeria do experimento em questo. Dado um experimento, o fenmeno seria ou corpuscular, ou ondulatrio, nunca os dois ao mesmo tempo. Se um fenmeno representado num quadro ondulatrio, ele no poderia ser representado adequadamente em um quadro corpuscular, e vice-versa. E o que faria um experimento enquadrar-se num quadro ou no outro? A resposta era simples: se o experimento exibir franjas de interferncia, ele ondulatrio (ver figuras no meu texto A Primeira Lio de Fsica Quntica - clique aqui); se pudermos inferir a trajetria do quantum detectado, o fenmeno corpuscular (ver as duas primeiras figuras do texto Onde est o tomo de Prata? O princpio da complementaridade afirma que um fenmeno ou corpuscular, ou ondulatrio, nunca ambos ao mesmo tempo. Ou seja, se temos interferncia, no temos trajetria, e vice-versa. Alm disso, Bohr afirmava que essas duas descries exaurem as possibilidades de descrio, ou seja, no haveria uma maneira mais completa de representar uma entidade quntica, como um eltron. O que um eltron? Em alguns experimentos, ele se comportaria como partcula, em outros, como onda. Poderamos dizer que ele uma entidade mais complexa, um quanton (como alguns autores sugerem), que s pode ser observado sob uma perspectiva ou outra? Essa leitura realista interessante, mas no era assim que Bohr pensava. Pode-se dizer que Bohr era um instrumentalista ou positivista (apesar deste ltimo termo ser impreciso, e Bohr at rejeit-lo), ou seja, para ele a tarefa da cincia seria descrever o que se pode observar, e no especular metafisicamente sobre aquilo que est para alm das possibilidades de observao. No me aprofundarei agora nessa noo de complementaridade de Bohr, que apresentamos aqui como sendo a dualidade onda-partcula para arranjos experimentais. Ao invs disso, eu queria s comentar a importncia que esse princpio adquiriu para o pensador dinamarqus. Ele comeou a aplicar a noo de complementaridade para vrias reas do saber. De incio, sups que haveria uma complementaridade na biologia, entre a unidade de um ser vivo e a sua anlise fsica, mas no final de sua vida ab andonou essa idia. Uma das

25

26

origens da concepo de Bohr era a psicologia de William James, de onde ele derivou uma complementaridade entre pensar e sentir: se tento pensar sobre aquilo que estou sentindo, eu deixo de sentir aquilo. Na tica, sugeriu uma complementaridade entre justia e compaixo, e na linguagem, entre o uso de uma palavra e sua definio estrita. Bohr encontrou na filosofia chinesa do yin -yang uma expresso antiga de sua concepo filosfica, tanto que colocou o tradicional smbolo do y in-yang no centro do braso que desenhou quando foi agraciado com a Ordem do Elefante da Dinamarca (ver figura). O lema do braso contraria sunt complementa (contrrios so complementares).The image part w ith relationship ID rId29 w as not found in the file.

Consultando meu manual de cincia chinesa, o Science and Civilization in China de Joseph Needham (vol. 1, p. 154), vejo que os termos yin e yang denotavam originalmente o lado sombreado e o lado ensolarado de morros e casas, e que em torno do sc. IV a.C. eles passaram a ter um sentido filosfico mais amplo, com o yin representando o escuro, fraco, feminino, noite, lua, etc., e o yang o iluminado, forte, masculino, dia, sol, etc. A meta dos filsofos do yin -yang era atingir uma vida humana com um balano perfeito entre os dois princpios.

Com relao filosofia de Bohr, em portugus, h um excelente artigo de Gerald Holton publicado na revista Humanidades, n 9 (1984), pp. 49 -71, da Universidade de Braslia, intitulado As Razes da Complementaridade. Alm disso, h diversos textos de divulgao escritos pelo prprio Niels Bohr, publicados no livro Fsica Atmica e Conhecimento Humano, da Editora Contraponto, 1995.

26

27

O dilema do msticoPor exemplo, deve-se aceitar que o ser humano evoluiu a partir de outros primatas, ao longo de milhes de anos, ou deve-se acreditar que ele foi criado por Deus de forma j acabada? Algum que acredite em Deus e em outros mistrios, mas que aceita a evolu o humana, est adotando uma postura conciliadora com a cincia. Neste caso, o texto da Bblia deve ser interpretado de maneira figurada, e no de maneira literal. J os chamados criacionistas adotam uma postura desafiadora da cincia."... a fora de vontade da mente no pode afetar um objeto material externo ao corpo. Alm disso, os resultados de Jahn & Dunne no foram reproduzidos por cientistas que trabalham em laboratrios respeitveis"

Sabemos que a fsica quntica pode ser interpretada de maneira mstica. Nos ltimos anos, o fsico indiano Amit Goswami tem se destacado na mdia, defendendo uma interpretao idealista da teoria quntica. Uma de suas teses centrais que a conscincia humana seria responsvel pelo colapso da onda quntica.

J vimos, no texto A Conscincia Legisladora, que esta tese remonta dcada de 1930, e ela perfeitamente consistente com os resultados da fsica quntica, apesar de a maior parte dos cientistas no aceit-la. Defender que o observador consciente quem causa o colapso da onda um exemplo de misticismo conciliador com a cincia. A figura abaixo representa um experimento quntico simples, em que o cientista pode observar o tomo no detector A ou no B. Antes da deteco, no se pode dizer que o tomo esteja em uma posio definida (ver texto O Problema da Medio - clique aqui). Porm, ao ser detectado ele ir aparecer em um dos detectores de maneira bem definida: na figura ele aparece no detector A. Antes da deteco, a probabilidade de aparecer em A (ou seja, 50%), e de aparecer em B tambm . A fsica quntica a teoria que fornece as probabilidades para diferentes tipos de arranjos experimentais.

27

28

The image part w ith relationship ID rId31 w as not found in the file.

Segundo a teoria quntica, no experimento da figura, o observador no pode alterar as probabilidades de deteco simplesmente com sua vontade (a no ser que ele mexa no aparelho). No entanto, alguns autores afirmam que a vontade consciente do observado r pode alterar os resultados de experimentos qunticos. De fato, dois engenheiros da prestigiosa Princeton University, Robert Jahn & Brenda Dunne, realizaram experimentos, relatados no livro Margins of Reality (Harcourt, Brace & Jovanovich, 1987), em que afirmam que um observador consciente pode alterar as probabilidades em diferentes *processos estocsticos (como o lanamento de uma moeda ou o experimento mencionado acima). No entanto, os resultados de Jahn & Dunne no so levados a srio pelos cientistas ortodoxos. A razo principal que tal efeito vai contra a viso materialista que permeia boa parte dos cientistas ortodoxos: segundo essa viso, a fora de vontade da mente no pode afetar um objeto material externo ao corpo. Alm disso, os resultadosde Jahn & Dunne no foram reproduzidos por cientistas que trabalham em laboratrios respeitveis. Portanto, podemos concluir que Jahn & Dunne so msticos desafiadores da cincia (e no conciliadores com a cincia, no sentido exposto no primeiro pargra Goswami tambm fo). tem adotado uma postura desafiadora com relao cincia. Em seu livro A Fsica da Alma (Aleph, 2005), e tambm no programa Roda Viva exibido na TV Cultura em 11/02/08, ele defende a veracidade do experimento realizado pelo mexicano Ja cobo Grinberg-Zylberbaum e colaboradores, que envolve uma transmisso instantnea de pensamento distncia. Mesmo que alguns outros cientistas tenham obtido resultados semelhantes, como salienta Goswami, tal resultado inaceitvel para a cincia ortodoxa , pois uma transmisso instantnea de informao macroscpica violaria a teoria da relatividade restrita de Einstein. Mais para frente discutiremos a instigante questo da no -localidade quntica, e veremos porque ela no pode ser usada para transmitir informao instantnea. De qualquer forma, importante ficar claro que o experimento de Grinberg -Zylberbaum contradiz a teoria quntica, pelo menos a teoria quntica aceita hoje, de forma que a defesa deste experimento equivale a uma postura desafiadora da c incia. Quem tem razo? Qual a verdade? Cada um ter que adotar uma opinio por conta prpria. A cincia ortodoxa fruto de um mtodo bastante rigoroso e frutfero, mas deve se reconhecer que as teorias cientficas mudam com o tempo, de forma que no hcerteza que a posio materialista sobreviver prxima grande revoluo nas neurocincias. Por

28

29

outro lado, o ser humano tem um imenso desejo de que a morte no seja simplesmente o fim do indivduo, de forma que talvez o misticismo quntico seja apenas um produto desse desejo de vida eterna e comunho universal. Cada um ter que decidir por si mesmo. E nessa escolha, o mstico e o religioso tm que levar em conta o dilema mencionado no presente texto: restringir-se a uma postura conciliadora com a cincia, em que o misticismo no entra em choque com a cincia ortodoxa, ou arriscar uma posio desafiadora da cincia, que poderia levar a uma grande revoluo cientfica, mas que corre o risco de ser falseada quando o consenso a respeito dos resultados experimentais finalmente se formar.

Processos estocsticos: aleatrio, indeterministapor Osvaldo Pessoa Jr. "O fsico indiano Amit Goswami tem se destacado na mdia, defendendo uma interpretao idealista da teoria quntica. Uma de suas teses centrais que a conscincia humana seria responsvel pelo colapso da onda quntica" O dilema do mstico ou do religioso, em face da cincia, o seguinte: deve aceitar a -se existncia de fenmenos que vo contra o que prev a cincia estabelecida, ou deve -se aceitar apenas a existncia de entidades e processos que no entram em contradio com a cincia? Chamarei o primeiro de misticismo desafiador da cincia, e o segundo de misticismo conciliador com a cincia.

O princpio da incertezapor Osvaldo Pessoa Jr. Durante alguns meses, em 1927, Werner Heisenberg defendeu a viso de que qualquer fenmeno quntico poderia ser descrito completamente em termos ondulatrios, e que este mesmo fenmeno tambm poderia ser descrito completamente em termos de partculas. Vimos no texto O Yin-Yang da Complementaridade - clique aqui - que esta viso acabou sendo superada pelo princpio de complementaridade, que afirmava que apenas um desses quadros (ondulatrio ou corpuscular) poderia ser aplicado para cada experimento. Uma das razes para Heisenberg defender essa viso mencionada acima envolvia o princpio de incerteza que, aplicado na difrao (considerado um fenmeno ondulatrio pela fsica clssica, veja mais abaixo), permitia uma explicao corpuscular

29

30

deste efeito. Vejamos ento como isso pode ser feito. Princpio da incerteza Para comear, preciso explicar o que o princpio de incerteza. Vamos fazer isso considerando um carro de corrida num autdromo. Alguns segundos aps a partida, o carro est a uma distncia x da linha de largada, e o velocmetro marca a velocidade vx (escrevemos "vx" para designar o componente x da velocidade v, ou seja, a velocidade paralela direo da estrada). Num dado instante, razovel supor que x e vx tm valores exatos. No entanto, pelo princpio de incerteza, no possvel que estas duas grandezas, posio e velocidade, tenham simultaneamente valores exatos. Se ns reduzirmos ao mximo a incerteza (ou melhor, a indeterminao) da posio de um tomo, ou seja, se dx for prximo de zero, isso ter como conseqncia que a velocidade no ser definida de maneira exata, mas ter uma indeterminao de dvx, de tal forma que o produto dxdvx ser sempre maior do que uma certa constante, de valor h/4(pi)m (m a massa do corpo e h a chamada constante de Planck). Isso costuma ser expresso matematicamente da seguinte maneira: dxdvx h/4(pi)m No exemplo do carro de corrida, isso significa que quando o bico do carro toca na linha de chegada, e ns tivermos um registro fotogrfico exato de sua posio, a velocidade dele ter uma incerteza. Suponha que a foto seja to precisa que a incerteza em sua posio seja da ordem do comprimento de um tomo! Se algum olhar para a foto (que equivale a uma medio da posio do carro) e perguntar qual a velocidade deste carro neste instante exato?, A resposta ser: sua velocidade indeterminada! Mas como indeterminada? O piloto falou que estava a exatos 235 km/h! Sim, mas ele errou! Pelo princpio de incerteza, neste caso, a velocidade tem um valor indefinido, entre 235,00000000000000000000000001 e 235,00000000000000000000000002 . Vemos, com este dilogo fictcio, que o efeito do princpio de incerteza bem pequeninho, e s se torna relevante na escala dos tomos. Voltemos agora para Heisenberg. Vimos no texto O Conceito de Onda que, quando a luz passa por uma fenda pontual, ela se espalha na forma de ondas circulares, em um processo

30

31

The image part w ith relationship ID rId33 w as not found in the file.

conhecido como dif

Ora, Heisenberg percebeu que o princpio de incerteza, que ele formulara em 1927, dava uma explicao exclusivamente l (ou seja, em termos s de partculas, sem ondas) para a difrao. A idia era a seguinte. A fenda por qual passa a luz bem pequeninha, de forma que a incerteza d na posio da luz, ao passar pela fenda, muito y pequena. Conseqentemente, pelo princpio de incerteza, a incerteza d y relativamente grande. A figura abaixo mostra qual o eixo dos y, e as diferentes setas verticais indicam diferentes valores possveis da velocidade y.The image part w ith relationship ID rId34 w as not found in the file.

Antes da medio em , a componente da velocidade y no est definida. Diz-se que ela est em uma i de valores bem definidos de velocidade, ou seja, como estivesse em todas ao mesmo tempo (em um nvel de potencialidade). Porm, quando o fton aparece no ponto , completa-se a medio, e ocorre um colapso para um dos valores bem definidos de velocidade, digamos y0. E agora, vem algo filosoficamente incrvel. Aps terminada a medio, podemos interpretar a situao de certa maneira e dizer que, ao passar pela fenda, a posioy era bem definida e exata, e a velocidade y0 t m m! Ou seja, segundo esta interpretao, pri pi de i erteza no vale para o passado Ele apenas limita medies presentes e !

31

.

32

futuras!

A escolha demoradapor Osvaldo Pessoa Jr. O leitor Jos M. Medeiros me perguntou a respeito do experimento de escolha demorada (ou retardada), que aparece no livro A Fsica da Alma (Ed. Aleph, 2005) de Amit Goswami. Este autor conclui que um objeto quntico percorre um caminho [como uma partcula] ou ambos [como uma onda], exatamente em harmonia com nossa escolha (p. 58). Ou seja, a realidade seria determinada pela escolha consciente do observador! Isso cabvel? No texto O Dilema do Mstico, define duas atitudes possveis do mstico, em face da fsica quntica. A atitude desafiadora vai contra as evidncias experimentais aceitas pela cincia ortodoxa, ao passo que a atitude conciliadora consistente com elas. Em muitas partes de sua obra, Goswami desafia a cincia ortodoxa, mas neste trecho ele apresenta uma interpretao possvel da teoria quntica (dentre dezenas de outras maneiras diferentes de explicar o experimento), ou seja, sua anlise deste experimento de tipo conciliador com a cincia. Para entender a questo, precisamos introduzir um equipamento experimental chamado interfermetro de Mach-Zehnder, retratado na figura abaixo. Uma fonte de luz (laser) emite uma onda contnua de luz, que se divide em duas partes em um vidro semi-refletor S1. Os espelhos E1 e E2 redirecionam os dois componentes do feixe, de forma que eles se reencontram no espelho semi-refletor S2. Note, na figura, o que acontece para os componentes indo para o detector D2: o componente que veio de A cancela o componente que veio de B! Isso um exemplo de interferncia destrutiva. Toda a luz que saiu do laser acaba caindo em D1 (nada acaba chegando em D2). Isso um bocado estranho! Pois se eu tapar o componente que vai por B, e s deixar livre o componente A, 50% da luz resultante cair em D2. Mas se eu o destapar, voltando situao inicial de soma de luz de A e B, 0% chega em D2. Ou seja, nessa situao, se eu tentar bloquear a luz (em B), acaba passando mais luz (em D2)!

32

33

The image part w ith relationship ID rId35 w as not found in the file.

Isso ainda um experimento clssico. Para se tornar quntico, duas coisas devem ser feitas: reduzir muito a intensidade do feixe de luz, e melhorar muito a sensibilidade dos detectores. Nesse domnio quntico, podemos agora aplicar a noo de dualidade onda partcula, que introduzimos no texto O Yin -Yang da Complementaridade Quando um quantum de luz (fton) aparece em D1, associamos a el um fenmeno e ondulatrio. Ou seja, na terminologia introduzida por Niels Bohr, s podemos compreender o fenmeno associando a ele o quadro conceitual da fsica clssica de ondas. No se pode associar uma trajetria nica ao quantum detectado. Porm, se retirarmos o espelho S2, a situao muda drasticamente, conforme a figura abaixo.

33

34

The image part w ith relationship ID rId36 w as not found in the file.

Agora, a luz pode cair tanto em D1 quanto em D2. Se o fton for detectado em D1, sabemos que trilhou o caminho B. Como podemos inferir trajetrias passadas, segundo Bohr, associamos a este fenmeno um quadro conceitual da fsica clssica de partculas. Seu princpio de complementaridade diz que os fenmenos so ou ondulatrios ou corpusculares (associado a partculas), nunca ambos ao mesmo tempo. Para entender o experimento da escolha demorada, falta um ltimo elemento, que o seguinte. A luz pode ser emitida em pulsos curtos, cujo instante de chegada nos detectores previsvel (dentro dos limites do princpio de incerteza). Assim, durante um certo intervalo de tempo, podemos dizer que o pulso est dentro do interfermetro, e podemos escolher retirar ou deixar o espelho S2, mesmo depois que o pulso passou pelo primeiro espelho semi-refletor S1. O que significa isso? Para Bohr, s possvel associar um quadro, ondulatrio ou corpuscular, aps o trmino do experimento, quando uma observao feita. Antes disso, devemos nos calar quando ao tipo de fenmeno. A razo disso justamente o experimento de escolha demorada: se, quando o pulso est dentro do interfermetro, quisssemos concluir apressadamente que o fenmeno ondulatrio, algum poderia retirar o espelho S2 e transformar o fenmeno em corpuscular! Assim, para Bohr, que conhecia este tipo de experimento proposto em outro contexto por Carl von Weizscker, em 1931 , um fenmeno s se completa com a medio (observao). Note que Bohr no considera que a luz ondulatria, ou partcula. Bohr no um realista, nesse sentido. Para ele, a tarefa da cincia no dizer o que a luz , mas sim fazer previses sobre medies. Em sua interpretao, podemos associar quadros conceituais a diferentes experimentos, mas isso diferente de dizer que a realidade assim ou assada. Em 1978, o fsico norte-americano John Wheeler passou a discutir o experimento de

34

35

escolha demorada com o interfermetro que vimos acima. No entanto, e sua discusso, m ele passou a ter uma atitude mais realista para com os fenmenos ondulatrio e corpuscular, como se eles existissem na realidade. Ao fazer isso, Wheeler chegou concluso de que apenas quando o observador participante decide se o fenmeno ser corpuscular ou ondulatrio (deixando ou retirando S2) que a realidade passada adquire uma existncia atualizada. Ou seja, antes disto, como se o passado no existisse! Em suas palavras: errado pensar naquele passado como j existindo em todos os detalhes. O passado teoria. O passado no tem existncia enquanto ele no registrado no presente. Ao decidirmos quais perguntas o nosso equipamento quntico de registro ir fazer no presente, temos uma escolha inegvel sobre o que temos o direito de perguntar sobre o passado. Assim, em sua interpretao da fsica quntica, pode acontecer de o passado se atualizar apenas no presente! a esta interpretao que Goswami se refere ao escrever que as possibilidades tornam -se realidade de forma aparentemente retroativa, o que parece ser uma causao r. Os fundadores da mecnica quntica encontraram semelhante problema com relao ao princpio de incerteza (ver o ltimo pargrafo do texto O Princpio de Incerteza , mas no o interpretaram de maneira realista. Por exemplo, em 1930, Heisenberg escreveu que este conhecimento do passado de carter meramente especulativo [...] uma questo de crena pessoal se a tal clculo referente histria passada do eltron pode ser atribudo qualquer realidade fsica ou no Para finalizar, notemos que este poder que a conscincia humana tem de determinar a natureza do fenmeno quntico (onda ou partcula) diferente do poder, atribudo pela interpretao subjetivista (e compartilhada por Goswami ver o texto A Conscincia Legisladora), que a conscincia teria de provocar um colapso do estado quntico. Neste segundo caso, o observador no pode escolher qual ser o estado final do objeto quntico (ele apenas provocaria um colapso, sem poder decidir qual ser o estado colapsado). J no experimento da escolha demorada, o observador tem um poder de escolha, mas esse poder o mesmo poder que todos ns temos, por exemplo, para retirar ou deixar um lpis na mesa. Com isso podemos alterar o futuro de um objeto quntico, certamente. E se adotarmos a interpretao realista da complementaridade de Wheeler, podemos considerar que temos o poder de atualizar, ou mesmo alterar, o passado! Isso consistente com o formalismo mnimo da teoria quntica, e com os experimentos qunticos. Mas no a nica maneira de interpretar a situao.

35

36

O que a cincia ortodoxa?por Osvaldo Pessoa Jr. Sou ateu, materialista, e ctico em relao parapsicologia. Tenho f na ausncia de Deus. Minha crena no materialismo dogmtica. Por isso, respeito outros dogmas, outras fs. Fui educado desta maneira. Lembro-me em cima de um rochedo com meu pai, olhando para o mar, e sentindo a dignidade de encarar a vida e a morte de acordo com as evidncias da observao, sem mitos consoladores.

"Parece-me que a chamada cincia ortodoxa inclui duas posies diferentes: a materialista e a positivista. A ela se ope uma interpretao mstica da cincia, que podemos chamar de naturalismo animista, e que tem tido um papel de destaque ao longo de toda histria da cincia"

Conversando com colegas msticos, discutindo a metafsica quntica, no lcito que eu tenha a pretenso de conhecer melhor a verdade do que eles. Tenho minha viso de mundo, baseada na cincia ortodoxa, e eles tm as deles, baseadas numa interpretao mstica dos resultados da cincia. A nica coisa que posso legitimamente fazer dado que adoto uma postura dogmtica com relao ao materialismo apontar para meus colegas quais so as posies da cincia ortodoxa, quais so as posies msticas conciliadoras com os resultados da cincia, e quais so as posies msticas desafiadoras da cincia (ver o texto O Dilema do Mstico Cada um ter que decidir por si s qual a verdade. Geralmente, a verdade uma s. Por exemplo: adotando uma definio da palavra Deus, ou Deus existe (fora de nossas mentes) ou Deus no existe. Mas nunca poderemos comprovar uma dessas afirmaes, de forma que a aceitao de uma delas ter que envolver uma dose de f. Ou ento, podemos adotar uma postura agnstica: dado que nunca comprovaremos se Deus existe ou no, ento melhor suspendermos nosso juzo com relao a esta questo. Tal atitude, de evitar nos envolvermos em questes metafsicas, tpica da tradio do positivismo, que marcou a cincia durante muito tempo. Com este ltimo pargrafo, adiantei uma das respostas questo que quero analisar no presente texto. E a questo a seguinte: o que a cincia ortodoxa? Quando afirmo que a cincia ortodoxa no aceita, por exemplo, os resultados dos experimentos de Masaru Emoto que defende que a estrutura cristalina da gua afetada pelas emoes humanas , a que viso de mundo estou me referindo? Parece-me que a chamada cincia ortodoxa inclui duas posies diferentes: a materialista e a positivista. A ela se ope uma interpretao mstica da cincia, que podemos chamar de naturalismo animista, e que tem tido um papel de destaque ao longo de toda histria da

36

37

cincia, como explicarei mais abaixo. Todas so vises de mundo naturalistas. H basicamente trs grandes pontos de partida para as vises sistemticas de mundo. 1. A abordagem mtica ou religiosa parte do sobrenatural, de Deus ou de diversos deuses com caractersticas humanas. (ii) A abordagem naturalista parte da Natureza, com suas leis e regularidades, e procura explicar tudo, inclusive o homem, a partir das cincias naturais. (iii) A abordagem humanista ou subjetivista assume que o homem a medida de todas as coisas, ou ento que o ponto de partida do conhecimento o sujeito pensante, que anterior cincia. Esses pontos de vista no so necessariamente excludentes, mas ao longo da histria podemos classificar boa parte dos sistemas filosficos e vises de mundo dentro de uma dessas trs classes. O debate sobre misticismo e fsica quntica se d basicamente dentro do naturalismo. Esta uma atitude de valorizao da nossa experincia e da natureza. Ela considera que a experincia se refere a um mundo que possui uma certa unidade e segue leis, e no sofre ingerncias de almas antropomrficas. uma posio que valoriza o conhecimento cientfico contemporneo. Por exemplo, ao estudar uma questo filosfica, ela leva em conta os resultados da psicologia e da neurocincia. H pelo menos trs grandes correntes dentro do naturalismo cientfico.

2.

1) Materialismo Esta a tese de que tudo o que existe pode ser reduzido a entidades fsicas, como matria, energia, entropia, campos, etc. A alma humana seria fruto da matria, de forma que, na morte do corpo, desapareceria tambm a nossa alma. Fora de ns, no mundo material, no haveria propsitos, intenes, vontades, racionalidade, mas apenas o comportamento espontneo da matria. A origem da vida explicada como fruto do acaso e do mecanismo da seleo natural. Boa parte da cincia ortodoxa condiz com esta viso de mundo. Quando um fisiologista submete um camundongo a um certo estresse, corta-lhe a cabea e mede a concentrao de um hormnio em seu crebro, ele est atuando de forma condizente com o materialismo, buscando as razes materiais do comportamento. O materialismo atual no consegue explicar como surge a subjetividade, a conscincia, como surge a vermelhido que percebemos ao olharmos para um morango vermelho. Mas o sucesso crescente da abordagem materialista d esperanas, para o cientista ortodoxo que v o mundo desta maneira, que um dia os problemas difceis da subjetividade sero desvendados, talvez aps a descoberta de novos princpios que regeriam a matria.

37

38

Podem-se delinear seis grandes fases na histria do materialismo: o atomismo da Antigidade greco-romana, o materialismo indiano (Carvaka), em parte a filosofia mecnica crist do sc. XVII (como em Hobbes), o iluminismo do sculo XVIII, a ascenso da fisiologia e do evolucionismo no sc. XIX, e o realismo fisicalista atual (que retoma, na dcada de 1960, o espao perdido para o positivismo). Vale notar que boa parte da discusso na filosofia da mente atual pressupe o fisicalismo (que sinnimo de materialismo), sendo marcada por um debate entre o reducionismo e o emergentismo. 2) Positivismo A abordagem precedente pode ser chamada de realista, pois ela tece afirmaes sobre como se comporta a realidade no-observvel. O positivista, por seu turno, considera que isso apenas especulao metafsica, e no tem lugar na cincia. O positivista leva a srio apenas as observaes, os dados positivos obtidos pelos instrumentos cientficos. H, claro, lugar para teorizao, mas esta seria apenas uma maneira de sistematizar o nosso conhecimento no devemos presumir que nossas teorias espelhem a realidade que est para alm de nossa observao. Dizer que a matria o fundamento da realidade, ou que a alma desaparece na morte, careceria de sentido. Perguntado sobre qual a explicao para a experincia subjetiva da vermelhido, por exemplo, o positivista responderia tipicamente que esta pergunta est mal formulada, pois usa a linguagem de maneira inapropriada. O positivismo teve seu perodo ureo na cincia mais ou menos entre 1870 e 1970, e ele foi muito forte nas interpretaes ortodoxas da fsica quntica.

3) Naturalismo animista Assim como o materialismo, esta viso busca os segredos da Natureza de maneira realista, mas ao contrrio dos materialistas, que consideram que esta realidade inanimada ela considera que a Natureza dotada de uma espcie de alma, de uma fora ou energia que a guia e d sentido s nossas vidas. Historicamente, o naturalismo animista est associado ao nascimento da cincia, nas tradies do pitagorismo, estoicismo, taosmo, hermetismo, astrologia e alquimia. No Renascimento, esta tradio teve bastante importncia, sendo hoje conhecida como naturalismo renascentista. Um fenmeno como a atrao magntica era visto como anlogo atrao amorosa entre seres vivos (em francs, a palavra para im, aimant, tem a mesma raiz que amour). No sculo XIX, o naturalismo animista teve uma certa importncia na cincia inglesa e alem, estando associada ao movimento romntico. Na Alemanha, o

38

39

filsofo Friedrich Schelling sistematizou esta abordagem, que veio a ser conhecida como Naturphilosophie (filosofia da natureza), influenciando a homeopatia, a antroposofia, etc. Na dcada de 1960, essa viso de mundo se fortaleceu novamente, com o movimento nova era, etc. Na cincia, no entanto, as posturas positivista e materialista continuaram dominando, e muitas das crenas cientficas associadas a esta verso moderna do naturalismo animista so consideradas pseudocincia, como a astrologia, a homeopatia e a parapsicologia.

Eis ento um breve resumo de trs grandes posturas nas cincias naturais. O que tenho chamado de cincia ortodoxa, e que talvez congregue em torno de 90% dos cientistas, parece se dividir principalmente nas atitudes materialista ou positivista. O misticismo quntico faria parte da terceira corrente cientfica, que chamei de naturalismo animista (por falta de um nome melhor), e que tem uma longa tradio na cincia, apesar de sua importncia ter gradativamente diminudo ao longo dos sculos.

A conscincia um fenmeno quntico?por Osvaldo Pessoa Jr. Seria a conscincia um fenmeno quntico? Ora, qualquer fenmeno microscpico um fenmeno quntico. Assim, como nosso crebro constitudo de entidades microscpicas, num sentido trivial nosso crebro quntico, assim como nossa conscincia (supondo o materialismo, ver o texto O que a Cincia Ortodoxa? Mas no essa a pergunta interessante. Queremos saber se a fsica quntica necessria para explicar a conscincia, ou seja, se a fsica clssica incapaz de explic-la. Em poucas palavras, podemos dizer que o que a fsica quntica tem de essencial que ela uma teoria que atribui propriedades ondulatrias para partculas individuais (ver o texto O YinYang da Complementaridade. Se um objeto se comportar s vezes como onda (exibindo franjas de interferncia), s vezes como partcula (aparecendo como um ponto ou seguindo uma trajetria bem definida), ento s a fsica quntica capaz de descrever o objeto. Caso isso no acontea, dizemos que o objeto se comporta classicamente. Considere a absoro de luz pela retina. A fsica quntica necessria para descrever este processo? Sabe-se que certos animais so sensveis a apenas um quantum de luz, e assim este processo corpuscular. No entanto, acredita-se que nenhuma das propriedades ondulatrias da luz so relevantes para o processo de absoro em si. As propriedades ondulatrias afetam a distribuio espacial dos ftons, mas a absoro em cada clula da retina independe do que est acontecendo em outras clulas. Assim, a fsica clssica seria suficiente para explicar a absoro de luz pela retina.

39

40

Existiria algum processo em nosso crebro, essencial para a nossa conscincia, que s pode ser explicado pela fsica quntica? A ligao entre conscincia e fsica quntica foi sugerida na dcada de 1930, mas em um sentido diferente do que estamos examinando aqui. Naquela interpretao subjetivista da teoria quntica, a conscincia seria responsvel pelo colapso da onda quntica (ver o texto A Conscincia Legisladora. Mas a tese que queremos examinar no o papel da conscincia na teoria quntica, mas o papel da teoria quntica nas teorias materialistas da conscincia. Apresentarei aqui alguns argumentos em favor da tese de que a fsica quntica essencial para a conscincia, desenvolvidos h uns 15 anos atrs, quando este campo comeava a despertar interesse (fico devendo um exame da literatura mais recente). a) O crebro seria um "computador quntico". Este conceito foi bastante trabalhado pelo fsico David Deutsch, que mostrou que tal computador seria mais eficiente do que um computador digital. Por seleo natural, essa vantagem computacional poderia ter favorecido um crebro que fosse um computador quntico. O problema com este argumento que o crebro muito quente para que tal computao quntica pudesse ocorrer. b) O crebro computaria funes no-recursivas. Computadores clssicos e qunticos s podem computar funes recursivas, mas o pensamento humano (por exemplo, a intuio matemtica) extrapolaria esta limitao. Uma soluo inovadora ao problema do colapso na mecnica quntica talvez solucionasse tambm esse problema da conscincia, conforme sugesto do fsico Roger Penrose. O problema aqui que no se mostrou rigorosamente que o pensamento humano capaz de computar funes no-recursivas. c) Um fenmeno quntico semelhante condensao de Bose poderia ocorrer no crebro. Este fenmeno observado a baixas temperaturas, quando um grande nmero de partculas se comporta identicamente. O fsico H. Frhlich props, em 1968, um modelo biolgico deste fenmeno de coerncia temperatura ambiente, envolvendo molculas dipolares. Alguns pesquisadores afirmam ter encontrado evidncia de que tal fenmeno ocorreria no crebro, mas no h comprovao de que tais sistemas de fato existem em sistemas biolgicos. d) O crebro seria regido por leis anlogas s