a filosofia da educaÇÃo e a busca de sentido para a educaÇÃo
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A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E A BUSCA DE
SENTIDO PARA A EDUCAÇÃO
DOUTORAMENTO EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS
SEMINÁRIO: EPISTEMOLOGIA E HERMENÊUTICA DA EDUCAÇÃO
DOCENTES: PROFªS EUGÉNIA VILELA / MARIA JOÃO COUTO
2011
Universidade do Porto Faculdade de Letras
A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
HELENA DE FÁTIMA GONÇALVES DE CASTROLISBOA
FEVEREIRO /2011
Ensaio para o Seminário de Epistemologia e Hermenêutica da Educação Página 2
A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Índice
Introdução.....................................................................................4
1. A polémica da classificação e da legitimidade da(s) Ciência(s) 6
1.1. A classificação das ciências.................................................6
1.1.1. O Conceito de “Ciência”................................................6
1.1.2. Ciência ou Ciências?......................................................6
1.1.3. A Filosofia da Educação no contexto das Ciências Sociais e Humanas...................................................................9
1.2. A importância do método................................................12
1.2.1. A crise do totalitarismo experimental.........................12
1.2.2. Novas metodologias nas Ciências Sociais e Humanas 14
2. O carácter crítico da Filosofia da Educação...........................16
2.1. O Estatuto da Filosofia da Educação face às Ciências da Educação..................................................................................16
2.2. Dimensão crítica e práxica da Filosofia da Educação.......20
2.2.1. A insuficiência de algumas concepções de Filosofia da Educação................................................................................20
2.2.2. O sentido crítico e práxico da Filosofia da Educação. .23
Conclusão....................................................................................27
Bibliografia..................................................................................28
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
“Todos os progressos da cultura através dos quais se educa o homem
têm como fim aplicar os conhecimentos e habilidades
adquiridas empregando-os no mundo; mas o objecto mais importante do
mundo a que o homem pode aplicá-los é o próprio homem, porque ele é o
seu próprio fim último”.
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Kant, Antropología (Prólogo)1
1 Tradução livre
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Introdução
A compreensão do estatuto da filosofia da educação decorre da compreensão
da complexidade do acto/facto educativo entendido como um esforço permanente
ao longo da história de o Homem construir o Homem. Portanto, a discussão sobre o
estatuto da filosofia da educação irá depender do ponto de vista a partir do qual se
olha a educação; do ponto de vista a partir do qual se constroem um conjunto de
expectativas mais ou menos fundamentadas a propósito do acto/ facto de educar e
de o Homem ser um ser educador.
Dada a complexidade de estudo do campo da educação, muitas são as ciências
que contribuem para o constante desvelamento das muitas camadas de realidade
que esse campo esconde e oferece. Não é o mesmo abordar a educação sob o ponto
de vista da Psicologia ou sob o ponto de vista da Sociologia ou da Filosofia. Parece-
nos ser de defender a posição de que a filosofia da educação não só é útil como é
necessária, quando mais não seja pelo conjunto de questões que levanta e que
acolhe e pelo esforço em abordá-las o mais universalmente que lhe seja possível.
Nesse sentido, complementa e atravessa as ciências empíricas, como é o caso das
Ciências da Educação, escapando ao particularismo, do qual estas não podem fugir
porque lhes é intrínseco.
Levantamos a questão de saber se a Filosofia da Educação se enquadraria
dentro do âmbito das ciências filosóficas ou dentro do âmbito das Ciências da
Educação, ou se ela pode, mesmo num contexto de intersecções constantes entre
diversas ciências, definir-se como um campo específico de investigação.
Propomo-nos uma reflexão pessoal a partir dos contributos de diferentes
autores e defendendo a ideia de que a Filosofia da Educação não deve apenas ser
uma ciência teórica, mas deve apontar caminhos para a prática, de modo a poder
construir possíveis vias de sentido das práticas educativas quotidianas e promover
a transformação social. Não nos repugna a ideia de uma Filosofia da Educação
empenhada política, axiológica e eticamente, pois esse empenho parece ser
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
urgente dado o relativismo e a indiferença em que se tem caído dentro do campo
da educação; uma indiferença que é, em última instância, a sentença de morte de
qualquer acto educativo enquanto tal.
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
1. A polémica da classificação e da legitimidade da(s) Ciência(s)
1.1. A classificação das ciências
1.1.1. O Conceito de “Ciência”
A definição aristotélica de ciência como “conhecimento certo a partir de
causas”continua a ser de extrema pertinência para o levantamento das questões
epistemológicas que ainda hoje se discutem(Masota, 1991). Assim, olhando para a
definição encontram-se nela os três aspectos fundamentais que determinam uma
caracterização geral do conceito “ciência” e da actividade científica : conhecimento,
certeza, causalidade. A actividade científica é, em primeiro lugar, esforço de
conhecimento verdadeiro. Para ser verdadeiro, deve ser capaz de indicar as causas
que explicam correctamente o fenómeno / o problema em análise. Só a adequação
entre a explicação e a realidade permite concluir-se da verdade desse
conhecimento e assim constituir uma certeza, que é simultaneamente objectiva e
subjectiva: o conhecimento certo (dimensão objectiva da verdade) permite chegar
a uma concordância entre sujeitos sobre a explicação causal construída a propósito
de um dado fenómeno / problema ( dimensão subjectiva da aceitação da verdade).
No entanto, as questões epistemológicas multiplicam-se e gerou-se um longo
debate do qual ainda temos sinais actualmente em torno do que poderia, dentro do
conjunto dos saberes humanos, considerar-se efectivamente “ciência”.
1.1.2. Ciência ou Ciências?
Quando se olha para o vasto campo do conhecimento humano já produzido,
deparamo-nos com “ciências” e não com “ciência”. Logo surgem duas grandes
questões: o que as distingue? O que existe de comum entre elas?
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Habituámo-nos a ouvir que para haver uma ciência ela tem de ter definido
claramente o seu campo, o seu objecto e o seu método. Mas quer quanto ao campo,
quer quanto ao objecto, quer quanto ao método, muitas vezes encontramos
coincidências entre diferentes ciências. Por exemplo, no campo educativo podem
intervir a sociologia, a psicologia, a história, etc. O objecto “facto educativo”
também pode ser olhado sob diferentes prismas científicos e mobilizando inclusive
métodos semelhantes em diferentes ciências. Portanto, se são nomeadamente as
diferenças de objecto e de método que permitem identificar diferentes ciências e
distinguir as ciências umas das outras, tudo isto tende a esbater-se quando
começam a existir intersecções de campos de investigação, mistura de métodos e o
recurso à interdisciplinaridade para abordar as hipóteses de resolução de um
problema. Salientamos, então o aspecto comum a todas as ciências: é que todas
elas emergem do contexto problemático da própria vida, com diria Dilthey (Napoli,
1999). É a vida, nas suas dinâmicas, complexidades, problemas e desafios, que
impõe o aparecimento e promove o desenvolvimento das ciências.
Na intenção de distinguir aquilo que pode ser conhecimento científico legítimo
de outros tipos de saber têm-se definido características típicas desse
conhecimento, como é o caso da objectividade, repetibilidade, predictibilidade e
controle. Aliás, o conceito de “explicação científica” encontra-se aliado à
capacidade predictiva das ciências (Costa, 1982). Mas sabe-se que nem todas as
ciências conseguem apresentar a totalidade destas características, sobretudo
devido ao seu campo de estudo. Por exemplo, a História, a Paleontologia não
possuem condições para assegurar a repetibilidade e a predictibilidade, uma vez
que tratam com os indícios de eventos que já foram concluídos no tempo e não se
voltarão a repetir, pelo menos nas mesmas circunstâncias. Deixarão de ser ciências
por causa disso ou será necessário mudar o conceito de “explicação científica”?
As características acima enumeradas podem ser encontradas principalmente
nas ciências experimentais. Assim, frequentemente associamos à noção de ciência,
que deve ser uma noção tão geral e abrangente quanto possível, as características
das ciências experimentais, que é apenas um grupo de ciências. E as restantes
ciências, perante esta noção tão estrita, poderão continuar a considerar-se como
ciências? A possibilidade de construir uma hipótese explicativa da realidade que se
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quer conhecer, de criar formas de verificação e de teste apoiadas num aparato
experimental mais ou menos complexo é apanágio de um número muito restrito de
ciências às quais designamos por ciências experimentais e nelas incluiremos a
física, a química e todas aquelas que nas suas fronteiras se têm desenvolvido, como
a bioquímica e outras. Se escolhermos o carácter experimental como critério para
incluir ou excluir um conhecimento específico na classificação de ciência
reduzimos bastante o número daqueles conhecimentos humanos que podem
enquadrar-se no conceito de ciência. Teríamos, assim, um conceito estrito de
ciência, que apenas poderia incluir aquelas ciências que pelo seu método
hipotético-dedutivo permitem uma aliança com a técnica na manipulação dos
fenómenos naturais conhecidos, explicados e aparentemente dominados. Mas são
os próprios cientistas dessas áreas que vêm mostrando a quantidade de incerteza e
de desconhecimento, a relatividade que se gera a cada nova teoria explicativa.
Assim, precisamos de alargar o nosso critério classificativo.
Se alargarmos o nosso critério ao domínio empírico, o conceito de ciência já
inclui as ciências experimentais e passa a incluir todas as ciências que possuem,
por um lado um carácter descritivo, e por outro um carácter explicativo, como é o
caso da geografia, geologia, biologia, botânica, zoologia... Talvez pudéssemos
chamá-las de ciências naturais, dada a sua dedicação a fenómenos observáveis do
mundo natural (a terra, os seres vivos – plantas e animais, o espaço sideral…). No
entanto, também o critério empírico não é suficiente para abranger todas as
formas de conhecimento humano. E essa percepção emerge no mundo das
ciências, sobretudo quando a observação, a indução, a experimentação passam a
submeter-se aos processos dedutivos. Aludindo a esta influência, pode afirmar-se,
à maneira de Ladrière, que a ciência não é um simples prolongamento da visão
espontânea do mundo e que só se faz ciência quando o domínio perceptivo é
substituído por um campo de objectos que a própria ciência constrói (Costa, 1982).
Também se poderiam chamar ciências empírico-analíticas (Molina, 2008).
Quando se trata de conhecer um objecto particular: o Homem, a consciência de
uma enorme complexidade ganha maior importância e obriga ao alargamento do
critério classificativo.
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Alargando um pouco mais esse critério, tendo em conta não apenas o método
experimental ou o método descritivo empírico, mas um método hermenêutico
(interpretativo) podemos incluir todos os tipos de conhecimento construídos com
base na análise de indícios, fósseis, inscrições, comportamentos…, como é o caso
da História, da Antropologia Cultural, da Arqueologia…, com base nos dados
recolhidos da análise sistemática de um determinado contexto social, como é o
caso da Sociologia e da Economia ou com base na especulação e argumentação,
como é o caso da Filosofia.
Designaremos estas ciências como ciências sociais e humanas. Dilthey
chamava-lhes ciências do espírito e Habermas ciências histórico-hermenêuticas
(Molina, 2008). Para Dilthey o que separa as ciências do espírito das ciências da
natureza não é tanto a delimitação do seu campo ontológico (a natureza exterior,
por um lado, e o género humano, por outro) mas o modo como os factos científicos
são constituídos. São os modos de comportamento do sujeito cognoscente face aos
objectos do conhecimento que determinam a diferença entre ciências da natureza
e ciências do espírito (Molina, 2008). Distingue-se, então, entre a “explicação”,
comportamento atribuído às ciências naturais e “compreensão”, comportamento
atribuído às ciências do espírito. Neste último caso tratar-se-ía da inteligibilidade
de uma intencionalidade presente nos actos humanos, trata-se da captação do
sentido e não da redução do sentido dos acontecimentos a uma cadeia causal
externa a essa intencionalidade (Costa, 1982).
1.1.3. A Filosofia da Educação no contexto das Ciências Sociais e Humanas
A Filosofia, ultrapassada a questão de que ela é a “mãe das ciências” (como
primeira forma de conhecimento racional e espaço original de que as ciências
emergiram pela especialização em torno de muitos dos seus núcleos
problemáticos) (Serra, 2008), e ultrapassada a tentativa dos epistemólogos do
positivismo lógico de subordinar a Filosofia à Ciência ou até de a reduzir a um
discurso com legitimidade duvidosa, entra no grupo das ciências sociais e humanas
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
como uma grande área de conhecimentos (Ética, Estética, Ontologia,
Epistemologia, Lógica, Antropologia…). A Filosofia, mais do que uma ciência
particular, poderia entender-se como a designação geral de um conjunto de
diversas ciências que possuem um método hermenêutico, mas também
argumentativo e especulativo, podendo, ainda utilizar outros métodos de acordo
com a necessidade de aceder, compreender e responder quer às complexas
questões que extravasam os domínios das ciências enquanto tais, quer às questões
que lhe são próprias e emergem do seu próprio campo interrogativo. O que
garante a sua legitimidade é, não tanto, o saber já cosntituído, mas o rigor
conceptual na busca constante da verdade, mediada pela racionalidade humana e
pela honestidade intelectual . A organização sistemática e clara do pensamento e
do discurso são meios fundamentais para salvaguardar essa necessária tensão do
pensamento para a verdade, a radicalidade e a universalidade. E, por isso mesmo,
rejeitamos aqui a ideia do filósofo como alguém que vive numa esfera diferente da
realidade, isolado do resto do mundo. Consideramos o conceito de “interioridade
intersubjectiva” (Giles,1983) como fonte, meio e finalidade do trabalho filosófico,
de tal modo que não existe separação entre filosofar e viver, nem pensamento sem
relação em pelo menos dois sentidos:
Relação humana como fundamento / origem do pensamento e da
linguagem;
Relação judicativa intersubjectiva, tendo em conta uma perspectiva
“sibernética” do pensamento em que novas redes neuronais se constituem
simultaneamente às redes conceptuais.
Consideramos que duas grandes ciências dentro do campo da Filosofia reúnem
em si as principais dimensões do questionamento filosófico: a Ontologia, sobre a
questão do que há (implicando em si, nomeadamente, a Lógica e a Epistemologia) e
a Antropologia, sobre a questão de quem é o Homem e das suas relações consigo
mesmo e com todos os outros (homens / mundo) (que envolve, entre outras, a
Ética e a Axiologia). Se concordarmos com a perspectiva de que “a filosofia se
encarrega de alcançar os momentos mais ricos da dinâmica existencial do eu e do
outro eu no mundo” (Giles, 1983), compreende-se a afirmação anterior. Não há
interrogação sobre o Homem que não inclua um desenvolvimento ético e
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axiológico, já que a reflexão sobre estes dois eixos, caracterizadores do humano e
catalizadores do seu desenvolvimento, tende a desembocar num projecto
antropológico, explícito ou implícito. Todo o projecto de Homem é um projecto
sobre o futuro do Homem e simultaneamente a afirmação da liberdade da sua
auto-construção. E a educação é o lugar, o factor e a condição dessa construção do
humano no homem, quer através dos actos informais decorrentes dos processos de
socialização e integração numa cultura, quer através de actos formais, como
acontece na escola. Assim se compreende que a educação não poderia ficar de fora
das investigações filosóficas e que se fosse definindo ao longo dos séculos um
conjunto de reflexões filosóficas a propósito dos muitos temas implicados directa
ou indirectamente na educação. Tais são as que se reúnem debaixo da designação
de Filosofia da Educação.
Sendo a Educação, acção humana por excelência, o campo próprio de reflexão
dos(as) Filósofos(as) da Educação, consideramos que a Filosofia da Educação é, em
primeiro lugar, Filosofia da Acção Educativa, na medida em que se debruça sobre:
A intencionalidade educativa humana, expressa nos valores e acções que a
concretizam;
O projecto educativo global de uma cultura, nos seus pressupostos e
consequências;
A utopia educativa humana, no seu devir, liberdade, novidade e
possibilidade constantes, relacionando permanentemente o ontem (a
herança dos antepassados), o hoje (os desafios do presente) e o amanhã (a
inquietação do futuro) (Leite de Castro, 2001).
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
1.2. A importância do método
1.2.1. A crise do totalitarismo experimental
As discussões em torno do método ligam-se aos pressupostos de que a
adequação do método ao objecto de conhecimento garantem a verdade do mesmo
e, consequentemente, a legitimidade das ciências. O método científico pode ser
definido como um procedimento ordenado cujo fim é a verdade num determinado
âmbito científico (Masota, 1991).
As ciências que emergem da revolução copernicana no século XVI instalaram
um novo modelo de racionalidade para o conhecimento, um método baseado na
observação e na experimentação – o método experimental. Mas muito do seu
sucesso deveu-se à introdução da Matemática nos seus raciocínios, permitindo a
construção de hipóteses com um grau de rigor considerável, ao mesmo tempo que
era possível testá-las com uma garantia muito elevada de controle das variáveis da
experiência em curso. Como nos diz Boaventura Sousa Santos(2010), “a
matemática fornece à ciência moderna não só o instrumento privilegiado de
análise, como também a lógica de investigação, como ainda o modelo de
representação da própria estrutura da matéria”. O método das ciências deixou,
então, de ser apenas o método experimental, passando a teoria, a dedução, a ter
um papel fundamental na evolução das próprias ciências experimentais. Chamou-
se a este o método hipotético-dedutivo. Assistiu-se, deste modo, a uma mudança de
paradigma nas relações do Homem com a Natureza, sendo que nunca como até aí
se concebeu com tal intensidade a separação entre o Homem, dominador, e a
Natureza, dominada, nem o conhecimento do senso-comum do conhecimento dito
científico.
À medida que a Matemática (ciência exacta) foi estendendo a sua influência
directa ou indirecta (através de instrumentos de medida/quantificação) sobre as
restantes ciências tem-se assistido a uma tendência para basear os critérios de
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cientificidade na possibilidade de utilizar sempre que possível métodos
quantitativos de preferência aos métodos qualitativos. E não há dúvidas de que o
contributo da estatística, por exemplo, para muitas das ciências sociais e humanas
tem sido fundamental. Vejam-se as vantagens dos estudos demográficos para a
compreensão de fenómenos históricos e sociais complexos. Veja-se a importância
que a construção de gráficos sobre determinados fenómenos ao longo do tempo
tem na construção de teorias explicativas desses mesmos fenómenos, bem como
na determinação de condições favoráveis à repetição dos mesmos, quer se trate de
vulcanismo, quer de uma crise económico-social. Assim, a introdução de métodos
quantitativos tem permitido ampliar o grau de predictibilidade de algumas
ciências, inclusive da Psicologia e da Sociologia.
As leis das ciências experimentais aparecem-nos, de certo modo, como o
modelo de inteligibilidade credível, traduzindo o esforço não moderno de
encontrar uma causa formal para os fenómenos da Natureza. Estendeu-se esta
concepção também a todos os fenómenos observáveis, desde que mensuráveis,
nomeadamente os fenómenos sociais e os comportamentos de pessoas e animais.
Valorizou-se a causalidade formal ao mesmo tempo que entrou em crise ou foi
abandonada a preocupação com a causalidade final, com a questão do sentido.
(Santos, 2010). Saber o fim das coisas deixou de ser considerada uma preocupação
científica.
No entanto, o pressuposto metateórico deste paradigma experimental (a
estabilidade e ordem do mundo) é a ideia de que o passado se repete no futuro
(Santos, 2010) e, como já vimos, esse paradigma não serve para explicar todas as
formas de conhecimento cujo objectivo não pode ser a repetibilidade. E, por outro
lado, têm sido as próprias ciências experimentais que têm apresentado a perpétua
dinâmica do mundo natural, repleto de inter-relações desconhecidas, de surpresas
e de excepções. Isto é, foi-se interiorizando a ideia de que havia um dinamismo
interno do mundo natural por vezes tão difícil de prever, explicar ou compreender
como os dinamismos internos do mundo social ou do mundo humano subjectivo.
Assim se foi compreendendo que há questões no mundo e conjuntos/ campos
de realidade relativamente aos quais as metodologias experimentais não podem
dar resposta nem possibilitam conhecer e foi necessário desenvolver outros
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métodos. Recusa-se hoje como único garante metateórico da verdade cognoscível
as perspectivas e condicionalismos criados pelo positivismo lógico. Tal recusa
decorre da crise desse paradigma totalitário. Crise possivelmente instalada com
Einstein e a sua “teoria da relatividade”, quando se percebeu que todas as
definições que introduzimos num sistema de conhecimentos vêm alterar o
conhecimento que é construído e que, mesmo os instrumentos de medida, isto é a
técnica, se ajustam a um conjunto de condições espaciais, que não é o único
possível. A crise torna-se ainda mais clara quando se enuncia o princípio de
incerteza de Heisenberg, ao provar não ser possível reduzir simultaneamente os
erros de medição da velocidade e da posição das partículas. E, finalmente, agudiza-
se e consolida-se quando o rigor da matemática é também abalado pelas
investigações de Gödel que descobre que existem proposições indecidíveis,
impossíveis de demonstrar ou refutar, sendo uma delas a do carácter não-
contraditório de um sistema formal(Santos, 2010). Chegou-se, então, a uma nova
perspectiva sobre a Natureza que reconhece a sua instabilidade, a sua nem sempre
previsível mudança, a não-linearidade dos fenómenos. E, neste novo
enquadramento, é possível perspectivar a emergência de métodos alternativos ao
conhecimento de um mundo, afinal, muito complexo.
1.2.2. Novas metodologias nas Ciências Sociais e Humanas
As ciências sociais e humanas com uma forte componente empírica como a
Etnografia, a Antropologia Cultural, a Psicologia Educacional, as Ciências da
Educação, têm vindo a desenvolver métodos de análise qualitativa sofisticados
que permitem em simultâneo uma descrição da realidade em estudo e um trabalho
hermenêutico digno de consideração pelas novidades que tem trazido ao
conhecimento do Homem, visto como objecto principal de todo o conhecimento. O
seu contributo para as Ciências da Educação tem sido inegável, área científica que
se tem desenvolvido na fronteira entre as ciências sociais e as ciências humanas.
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Estas ciências, que têm o Homem como objecto de estudo, procurando
compreender / interpretar as mais diversas dimensões da sua condição no mundo,
nas suas múltiplas interacções, desenvolveram métodos mistos.
Como já dissemos, debaixo do amplo tecto da Filosofia encontramos uma série
de ciências filosóficas. E isso justifica-se porque de acordo com a diversidade das
questões de investigação em cada área da filosofia, assim também a diversidade
dos métodos de abordagem das mesmas (maiêutica, dialéctica, fenomenologia…
são alguns deles). O que há de comum entre estas áreas é a recorrência do carácter
argumentativo, especulativo e hermenêutico do seu discurso, mas as diferenças
entre os seus campos exigem uma especialização das técnicas argumentativas e da
linguagem conceptual que nos permite poder defender que a Filosofia não é uma
Ciência, mas um conjunto de ciências.
O conhecimento do Homem e da sua complexidade tem obrigado, ainda, ao
surgimento de novas ciências nas fronteiras das ciências já existentes e nas
intersecções das mesmas; ciências que são difíceis de classificar, sobretudo porque
dado o seu objecto de estudo, os métodos têm de ser variados e heterogénios,
como é o caso das Ciências da Educação que podem ser simultaneamente vistas
como ciências descritivas (que têm como finalidade conhecer algo tal qual é) e
ciências práticas (que tendem a agir sobre a realidade a conhecer, ou produzem
conhecimento que permita agir sobre essa realidade). Não é por acaso, que nestas
se desenvolve uma metodologia mista de investigação-acção.
Impõe-se, por isso, o recurso ao contributo de diversas ciências, à
interdisciplinaridade, quando se trata de conhecer o Homem. Como nos diz Fullat
(2000:89), “o recurso à interdisciplinaridade evidencia a anemia antropológica das
ciências particulares”. As Ciências Humanas, isto é, as ciências que tratam do
Homem, são elas mesmas as primeiras a dar conta da insuficiência das suas
abordagens particulares e a abrir-se a essa interdisciplinaridade. É no decurso da
própria investigação que o cientista de humanidades vai percebendo que precisa
do apoio de diferentes áreas disciplinares para desenvolver o seu trabalho e
construir um conhecimento válido.
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2. O carácter crítico da Filosofia da Educação
2.1. O Estatuto da Filosofia da Educação face às Ciências da Educação
A educação é simultaneamente um acto humano e um facto humano. É um acto
humano porque é intencional, planificada, sistemática, e quer seja formal ou
informal, a sua finalidade última é a construção/ formação do Homem (no sentido
de Bildung). É um facto humano na medida em que se manifesta na vida das
comunidades humanas, desde muito cedo, acompanhando a longa história da
constituição do humano no Homem e concretizando-se nas mais diversas formas
de transmissão/transformação cultural e implicando diversas instituições.
As Ciências da Educação enquanto um caso típico de interdisciplinaridade,
recorrem a contributos metodológicos de diversas ciências para compreender
sobretudo o facto educativo. Amado (2007) apresenta, entre outras, a definição de
ciências da educação de Gaston Mialaret: “As ciências da educação são constituídas
pelo conjunto das disciplinas que estudam as condições de existência, de
funcionamento e de evolução das situações e dos factos de educação”. Possuindo
uma forte componente empírica, debruçam-se não sobre a totalidade do facto
educativo, mas sobre uma parte dele. Dependendo do tipo de realidade que visam
conhecer, ora seleccionam métodos quantitativos, ora seleccionam métodos
qualitativos. Recorrem ainda ao contributo de correntes teóricas no cruzamento de
diversas ciências sociais e humanas, em particular da sociologia, da psicologia, da
administração para a construção das suas hipóteses interpretativas. E é
exactamente por se debruçarem sobre um domínio particular do imenso campo da
educação, um domínio que possa ser cognoscível através de metodologias
empíricas, quantitativas ou qualitativas, que o seu conhecimento do campo da
educação opera sempre uma redução temática e metodológica (Fullat, 2000). E
essa redução deixa em aberto todo um conjunto de questões acerca das quais não é
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
legítimo investigar dentro do seu âmbito, uma delas é a questão que diz respeito ao
acto/facto educativo na totalidade do seu sentido.
A dimensão empírica da investigação nas Ciências da Educação permite-nos
afirmar que sobre educação o que há a ser dito não se esgota no seu campo estudo.
Se queremos conhecer o Homem, não nos basta um conhecimento do Homem
apenas enquanto um fenómeno da natureza ou da cultura. Essa seria sempre uma
visão exterior do Homem, que não tocaria a sua natureza profunda. Se nos
reduzirmos a essa ideia fenomenalizada do Homem, como referia J. Maritain,
deixamos de fora a reflexão sobre os fins da educação, isto é, não chegamos a tocar
no sentido da acção humana de educar (Carvalho,2002).
O campo da educação é mais amplo do que a mera realidade empírica do facto
educativo e mesmo quando os métodos qualitativos conseguem trazer à luz os
dinamismos complexos das representações dos diversos actores presentes no acto
educativo, há ainda por explorar todas as concepções filosóficas subjacentes a esse
acto e a esse facto e que discutir as suas possíveis consequências.
A questão do sentido da educação é uma questão humana por excelência e se é
humana é filosófica. E não é uma questão a que se possa dar uma resposta
quantitativa nem meramente descritiva ou funcional, logo não se resolve pela
construção e teste de hipóteses no campo da experimentação controlada. Também
não é uma questão a que se possa responder apenas a partir do contributo da
metafísica ou da análise lógica da linguagem, já que se constitui como um problema
que emerge de uma acção própria do Homem enquanto tal, uma acção que acarreta
consigo consequências para o futuro dos seres humanos, e que por isso possui
implicações éticas, axiológicas, antropológicas, psicológicas, sociais…. Deste modo,
a Filosofia da Educação poderia ser vista como uma área da Filosofia que se situa
no cruzamento das diversas Ciências Humanas, recorrendo, por vezes, a diversos
saberes constituídos nesses diferentes domínios investigativos como suportes
teóricos de reflexão, sempre que a questão do sentido totalizador do acto/facto
humano de educar se propõe inquietar o pensamento. Assim, poderíamos
apresentar alguns pontos de apoio para a legitimação da Filosofia da Educação.
Dividimo-los em dois grandes subgrupos de condições:
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
a) Condições Externas à Filosofia da Educação
O campo da educação, campo cuja acção acção humana implica todos os
grandes domínios da sociedade e da cultura e, portanto, todos os grandes
domínios onde se constroem as condições dos projectos de humanidade,
imprimindo a necessidade de uma reflexão ética, axiológica, antropológica,
nomeadamente sobre os pressupostos teóricos/conceptuais desse projecto
e suas consequências;
A necessidade de se dar resposta a essas questões sob pena de se cair no
sem sentido educativo.
b) Condições Internas à Filosofia da Educação:
O conjunto de questões específicas que emergem do acto/facto educativo
em busca do seu sentido, questões às quais as outras ciências na área da
educação não respondem;
O carácter tipicamente filosófico (fundamental, radical e crítico) das
mesmas questões, levantadas dentro ou fora do campo especulativo da
filosofia, mas que solicitam uma abordagem intersubjectiva pautada por
critérios de rigor como a clareza, a generalidade e a universalidade, ao
mesmo tempo que exigem um método hermenêutico-especulativo;
A necessidade imperativa de voltar de novo às questões já tratadas para
recolher pressupostos e premissas e analisar o seu sentido teórico-prático,
numa atitude de espanto e perplexidade permanentes;
O facto de poder e dever constituir-se um pensamento utópico necessário
não só à determinação de um sentido para o acto/facto de educar e para a
educabilidade humana, muito além, no entanto, de uma prescrição
uniformizante, mas ainda de renovar ou revigorar a liberdade de
construção dos sentidos possíveis.
Assim, à Filosofia da Educação não compete um lugar de superioridade ou de
inferioridade no contexto das restantes ciências. Afirmamos o papel irredutível da
Filosofia da Educação como um saber simultaneamente complementar e
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
transversal aos restantes saberes produzidos no vasto campo do acto/facto
educativo. Esta irredutibilidade resulta, por um lado, do tipo de questões que
geram a reflexão filosófica e que não têm cabimento dentro das metodologias
investigativas das ciências da educação, e por outro, da natureza intrínseca quer da
educação enquanto acto/facto humano que carece de sentido a cada momento e
requer / ordena ao pensamento humano que se debruce sobre essa questão, quer
da própria filosofia, que é por si uma atitude de busca de fundamentos, entre
outros, para os actos/factos humanos.
Ensaio para o Seminário de Epistemologia e Hermenêutica da Educação Página 21
A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
2.2. Dimensão crítica e práxica da Filosofia da Educação
2.2.1. A insuficiência de algumas concepções de Filosofia da Educação
Se definir filosofia é já produzir filosofia, definir filosofia da educação é, desde
logo, fazer filosofia da educação na medida em que as definições apresentadas
exprimem um modo de pensar a educação e um modo de olhar esse complexo
mundo.
Adalberto Dias de Carvalho (2002) define quatro atitudes face ao estatuto
da filosofia da educação:
Metafísica – perspectiva que parte do pressuposto de que cabendo à
filosofia uma abordagem totalizadora e racionalizadora da existência, lhe
pertence por inerência a definição dos princípios e atitudes educativas.
Seria uma espécie de “metafísica regional”, ou seja, a aplicação a um campo
específico da realidade, de orientações gerais, concepções sobre o Homem e
suas relações com o mundo. Seria uma especificação dentro do âmbito da
filosofia.
Filosófico-analítica – esta perspectiva restringe as tarefas da filosofia a um
esforço de crítica e de clarificação da linguagem educativa, libertando a
filosofia de problemas insolúveis e de questões sem sentido, conferindo-lhe
um estatuto mais fiável. A filosofia não serve para fornecer unilateralmente
os princípios ou bases da educação, trabalha antes sobre propostas já
constituídas. Seria mais uma actividade de clarificação, de exame de
conceitos e de posicionamentos teóricos.
histórico-filosófica – Também considera que a filosofia tem o direito
exclusivo de ditar e impor as finalidades educativas, mas a sua preocupação
é saber a que conclusões chegaram os filósofos quando se colocaram
questões na área da educação.
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Cientificista – Caracteriza-se pela recusa de toda a intervenção filosófica na
área da educação. O seu objectivo é levar o conhecimento a atingir um
estado “positivo”, em que o estudo do real substitui a argumentação sobre
ideais. Esta atitude é muito próxima da atitude da filosofia analítica.
A primeira e a terceira perspectivas são incompletas e a segunda e a quarta
perspectivas são demasiado limitativas, sendo que a última pretende uma total
eliminação da filosofia da educação, tornando-se incompatível, em última
instância, com a existência da mesma.
A primeira perspectiva arroga-se um poder excessivo e exclusivo da filosofia
quer face às ciências da educação, quer face à própria filosofia da educação. Ver a
filosofia da educação como uma região da metafísica empobrece o recurso a outras
abordagens e dá-lhe uma tendência para a auto-fundamentação que acaba por
impedir o desenvolvimento da mesma.
A segunda perspectiva reduz o papel da filosofia apenas a uma análise lógica da
linguagem, sem poder inovador e sem capacidade para apresentar projectos
antropológicos, o que não parece ser aceitável se olharmos para a história da
filosofia e virmos como tantos filósofos apresentaram a sua reflexão como uma
rampa de lançamento para a mudança pessoal e social.
A terceira perspectiva nem sequer é filosófica, funcionando apenas como uma
espécie de propedêutica ao filosofar, na medida em que se concentra numa recolha
histórica de diversos contributos sem uma apreciação crítica que faça emergir o
filosofar propriamente dito.
Sobre a quarta perspectiva resta dizer que nem o positivismo lógico nem as
diversas correntes analíticas depois dele conseguiram apagar da consciência
humana as questões inerentes à metafísica, à axiologia, à ética e à estética, nem a
ciência consegue responder a essas questões que escapam naturalmente ao seu
âmbito. Sendo assim, a filosofia parece continuar a ser necessária.
Adalberto Dias de Carvalho (2002) aponta, ainda, outra perspectiva, onde se
considera que a questão tem de ser reformulada e que o que é necessário não é
saber o papel da filosofia da educação, mas como é que a educação se vem a tornar
Ensaio para o Seminário de Epistemologia e Hermenêutica da Educação Página 23
A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
objecto de investigação. Justifica-se esta posição com o facto de que muita da
produção filosófica sobre educação se tem apresentado mais como um projecto do
que como uma epistemologia. Deixando em aberto esta discussão, o mesmo autor
denuncia quer uma certa politização da perspectiva cientificista que tem
procurado eliminar a filosofia da educação do campo da educação, quer a atitude
fechada de certas filosofias que, persistindo em situar-se para além da ciência,
acabam por não corresponder às solicitações do contexto epistemológico
contemporâneo, voltado definitivamente para a interdisciplinaridade.
Finalmente, das tentativas contemporâneas de actualização da originalidade e
identidade da filosofia da educação, o autor salienta três:
Charbonnel, que propõe a filosofia da educação como crítica da razão
educativa;
Pantillon, que proclama a filosofia da educação como totalizadora crítica
dos valores e do sentido do humano;
Reboul, que define a filosofia da educação como uma teoria do discurso
pedagógico.
Adalberto Dias de Carvalho (2002) considera que em meio a esta discussão
deve ser salvaguardada a função eminentemente crítica da filosofia da educação.
A reflexão crítica está na base da fundamentação de uma filosofia da educação
segundo Gerardo Ramos Serpa ( 2005). O autor aponta perspectivas sobre filosofia
de educação que considera inadequadas:
“ (…)a sua compreensão como ensino do pensamento filosófico no contexto da
educação em geral ou nos cursos que preparam professores, como sistema teórico ou
escola de pensamento que reflecte acerca das bases ou significados formativos e / ou
existenciais da educação, como modo de vida ou comportamento no interior da
escola ou do processo docente, como disciplina sobre a apreciação de valores na
educação, como as assunções ou crenças que conscientemente ou não se encontram
presentes no processo educacional, como análise linguística ou conceptual da
educação, como estudo de carácter empírico e /ou lógico do fenómeno educativo,
como filosofia moral no contexto educativo, como teoria da educação, como
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
disciplina acerca dos fins e funções da educação, como forma de reflexão crítica e
justificação dos propósitos da educação, como base ou instrumento do
estabelecimento de políticas educacionais a diferentes níveis, como disciplina que
vincula a educação com o sistema social em que se desenvolve, como metadiscurso de
análise da actividade educacional, como instrumento para aperfeiçoar a formação
do indivíduo, entre muitas outras”(Serpa, 2005:1). O que falta a todas estas
tentativas de classificação? A dimensão práxica, isto é, a dimensão da orientação do
filosofar para um agir transformador do mundo que nos parece fazer cada vez mais
sentido.
2.2.2. O sentido crítico e práxico da Filosofia da Educação
Partindo do princípio de que só quem se dedica à educação está em condições
de reflectir sobre ela, a Filosofia da Educação aparece-nos muito claramente
associada a uma prática continuada de algumas pessoas, que a partir da sua
própria experiência constituem e reconstituem reflexiva e continuamente um
projecto de humanidade do Homem.
Fullat (2000:90) define filosofia da educação como “saber racional e crítico das
condições de possibilidade da realidade experimental educativa no seu conjunto”.
Enquanto saber crítico, a filosofia da educação esclarece os conceitos, enunciados e
argumentos utilizados pelos educadores e pelos pedagogos. As condições de
possibilidade a que alude o autor são as condições do seu tempo sobre as quais
recai a reflexão filosófica e que enformam essa própria reflexão, no sentido de que
cada filósofo não pode deixar de ser um homem do seu tempo. Assim, para Fullat a
filosofia da educação não é ciência nem tecnologia educativa e também não é
pedagogia ou teoria da educação, é um questionamento:
sobre o que se diz no campo da educação (um questionamento sobre a
linguagem e um questionamento epistemológico)
e sobre o que se quer, ou os fins da educação (um questionamento
antropológico, axiológico e teleológico).
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Faltaria apenas acrescentar, um questionamento sobre o que se faz em
educação (um questionamento ético, prescritivo, político e práxico ).
Consideramos haver uma complementaridade entre estas dimensões. É um
questionamento ético, na medida em que procura avaliar a acção educativa e
desvelar as energias presentes na interioridade do sujeito humano que educa,
conhecer o que molda a sua vontade, a sua intencionalidade. É um questionamento
com carácter prescritivo, já que não basta apresentar os resultados de um
questionamento ético, é preciso tomar posição face ao bem e ao mal, encontrar
caminhos de acção aconselháveis. É um questionamento político, sobretudo nos
tempos presentes, em que o Estado e as forças políticas e económicas em
confronto pelo poder social, procuram definir e influenciar os projectos educativos
através de medidas políticas concretas, que é preciso analisar criticamente face aos
seus resultados concretos (ganhos e perdas em termos de humanidade). É um
questionamento práxico, na medida em que cria as condições teóricas de por em
acção uma utopia transformadora da sociedade, orientando-se, nomeadamente,
pelo princípio da perfectibilidade humana.
É neste último ponto que recai a construção teórica de Serpa(2005), a partir
de uma experiência desenvolvida no seu país. Este autor apresenta algumas
críticas feitas à filosofia da educação por autores como Saviani e Wilson, desde a
falta de nexo intrínseco entre o corpo teórico da filosofia e a educação até à
dificuldade em se saber claramente como trabalha a filosofia da educação. Para
este autor, é necessário esclarecer / assumir um conjunto de fundamentos
filosóficos da educação para criar as condições teóricas de que a Filosofia da
Educação precisa para ser um “instrumento efectivo de compreensão e
transformação da actividade educacional” (Serpa, 2005:2). Mas isso implica alguns
pressupostos metodológicos a propósito da filosofia enquanto tal, dos quais
destacamos:
A filosofia é entendida como teoria universal da actividade humana, como
“uma disciplina científica que estuda as regularidades essenciais universais
da activa inter-relação tanto material e ideal como objectiva e subjectiva do
homem com o mundo natural e social” (Serpa, 2005:2);
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
As suas dimensões fundamentais são o ontológico, o gnoseológico, o lógico,
o axiológico, o antropológico e o praxiológico;
As suas funções são : consciencializar, racionalizar, optimizar e aperfeiçoar
a actividade social dos homens;
A sua finalidade é superar a alienação, fundamentando e promovendo a
transformação da realidade através de um tipo de sociedade onde cada vez
mais correspondam a essência e a existência humanas;
A região da análise da filosofia é a natureza, a sociedade e o pensamento
humano numa perspectiva activa de relação com o mundo;
O seu objecto de estudo é conforme à universalidade da inter-relação
humana com o mundo na sua dupla determinação material e ideal, objectiva
e subjectiva;
Ao assumir o enfoque teórico sobre a actividade humana integra-se de
modo coerente o substancial e o funcional;
Deste modo, a Filosofia da Educação emerge claramente do campo da filosofia,
que é actividade reflexiva sobre a totalidade da acção humana. Sendo a educação
um domínio fundamental dessa mesma acção, na qual se lançam as sementes da
humanidade do homem, a Filosofia da Educação constitui-se como o espaço
reflexivo teórico-práxico onde todas as problemáticas que se referem à condição
humana enquanto educadora e educada têm lugar.
Serpa (2005) exclui da sua reflexão sobre a educação aquela recebida na
família ou aquela que é veiculada pelos meios de comunicação social. Deseja
centrar a sua atenção na escola e define a actividade educativa como “aquela
actividade orientada, através do processo de ensino-aprendizagem, para transmitir e
apreender activamente os conhecimentos fundamentais acumulados pela
humanidade; para formar as habilidades, hábitos, competências e valores
imprescindíveis para que o indivíduo possa enfrentar adequadamente a solução dos
problemas que a vida lhe colocará; e para modelar as capacidades e a conduta do
homem tendo em vista a sua inserção activa e eficaz na sociedade e a convivência
harmónica com os seus semelhantes; mediante a organização pedagógica de um
sistema de conteúdos, métodos e meios estruturados em planos e programas de
estudo, no marco institucional da escola; tudo isso orientado para o alcance dos
objectivos formativos e instrutivos propostos” (Serpa, 2005:3).
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
O carácter eminentemente descritivo, sistemático e funcional desta definição
tem a vantagem de nos colocar perante os principais elementos constitutivos da
acção e da realidade educativa, principalmente da educação pública, abrangendo-a
em quase todos os seus domínios problemáticos fundamentais (processo,
conhecimentos, habilidades, hábitos, competências, capacidades, conduta e
adaptação social do indivíduo, sistema educativo, currículo, métodos, objectivos…).
O aspecto que falta, mas é compreensível já que estamos perante uma abordagem
materialista, é o do indivíduo na realização pessoal da sua liberdade, a formação do
carácter, mas não apenas com vista à vida social. De qualquer modo, a
sistematicidade ajuda o pensamento a clarificar os seus próprios caminhos. E neste
caso, o enfoque é colocado na vertente social do Homem, naquilo que a sociedade
ou o Estado esperam dele; importa aqui destacar a relevância que deve ser dada a
um projecto antropológico coerente, que a escola veicula enquanto instrumento
político e prático de construção desse mesmo projecto. Não é dada importância ao
papel do indivíduo, nem o que é educado nem o que é educador. Os seus projectos
pessoais hão de ganhar sentido dentro deste projecto mais amplo definido
social/politicamente. O papel da Filosofia da Educação é ir de encontro a este
objectivo fundamental. A nosso ver, o papel da Filosofia da Educação é, em
primeiro lugar criticar este objectivo fundamental, não tanto para o destruir mas
para o aperfeiçoar.
O mesmo autor, propõe quatro tipos de fundamentos filosóficos para a
actividade educativa (cosmovisivos, gnoseológicos, lógicos e sociológicos) de modo
a que o estudo filosófico sobre a educação se constitua como uma ferramenta a
utilizar pelo educador na sua actividade quotidiana, deixando de ser uma simples
ocupação erudita sem relevância prática. Busca-se, assim, ultrapassar uma forma
dita tradicional da Filosofia da Educação, apontando para uma dimensão
simultaneamente crítica e transformadora da actividade educativa.
Assim, poderíamos estabelecer uma perspectiva da Filosofia da Educação
como um questionamento radical do processo educativo, uma atitude que imprime
uma sistemática busca de sentido para a educação e que visa a transformação das
condições de possibilidade desse acto/ facto em cada momento da história e a
partir dos problemas que em cada momento são suscitados.
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
Conclusão
Concluímos o trabalho, mas não o estudo. Continuaremos a investigar, perseguindo
as abordagens de outros autores que, por falta de tempo e de espaço não foram aqui
citados, procurando cingir-nos ao tema que nos propusemos e atender às problemáticas
que, nele, mais nos inquietavam. Temos consciência de que não se esgota aqui nem o que
tem de ser dito, nem o que é necessário continuar a investigar. No entanto, foi um campo
novo de trabalho que se abriu este debate sobre o estatuto da Filosofia da Educação.
Dada a nossa pertença profissional ao conjunto daqueles que se dedicam à
educação, tudo o que a ela diz respeito nos afecta e nos inquieta directa ou indirectamente.
Não há, portanto, neste trabalho, qualquer pretensão de neutralidade, que seria hipócrita,
senão impossível. O nosso trabalho anterior também já ia na mesma linha. Consideramos
uma necessidade fundamental para a educação que aqueles que a ela se dedicam tomem
partido:
em primeiro lugar, pela liberdade de se questionar sobre o que fazem no seu
quotidiano profissional;
em segundo lugar, pela determinação de um rumo ético-axiológico, sempre
discutível mas não dispensável, submetido ao princípio da máxima realização do
humano no Homem;
e em terceiro lugar, pela construção de uma utopia onde as tradições e a cultura
própria possam dar sempre lugar ao seu próprio aperfeiçoamento, promovendo a
gestação de um mundo onde cada um de nós (o eu, o tu e o vós) possa ter lugar.
Parece-nos, por isso, que a resposta ao sentido da educação está dada no conceito de
Bildung (formação / construção do Humano no Homem), mas tal não significa que essa
resposta esteja já em acção no mundo da educação. Ela aparece-nos como estando e não
estando. Estando pelas utopias pessoais e / ou comunitárias e culturais, pelo empenho de
muitos, e não estando pelos muitos vazios de sentido de que os nossos alunos continuam
a ser vítimas nas suas escolas e nas suas famílias, sobretudo do ponto de vista da
incoerência axiológica, política, humana de adultos que deveriam repensar o seu lugar no
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A Filosofia da Educação e a busca de sentido para a Educação
mundo. Portanto, a resposta à questão do sentido torna-se tarefa e compromisso, afazer
humano que a todos, sem exclusão, responsabiliza.
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