a família com padrasto e madrasta

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A família com padrasto e/ou madrasta: um panorama Laura Cristina Eiras Coelho Soares 1 O presente artigo aborda o tema com padrasto e/ou madrasta a partir de estudos sobre relacionamentos na hipermodernidade e arranjos familiares plurais observados atualmente. 2 Buscou-se identificar as dificuldades que, com freqüência, surgem no contexto do recasamento, visando à contribuição com a prática profissional daqueles que lidam com tais situações. O recasamento inicia uma nova etapa do ciclo de vida fami- liar, provocando alterações na dinâmica relacional do grupamento (McGoldrick e Carter, 1995). Essas mudanças têm sido objeto de diversos estudos, mobilizando profissionais de diferentes áreas. Como expõe Ramires (2004), "os educadores, os operadores do direito, os profissionais em saúde mental e a mídia focalizaram sua atenção nessas transições, numa tentativa de compreendê-las e avaliar os seus efeitos sobre os personagens envolvidos" (pp. 183-4). Em pesquisa desenvolvida por Claro et al. (1993) com famílias com padrasto e/ou madrasta, as autoras encontraram uma variedade de organizações familiares que, independentemente de sua estrutura, promoviam da mesma maneira um ambiente acolhedor e apropriado, reafirmando a noção de que não existe um único padrão. Cada família tem as próprias dificuldades, desafios e formas de solucionar seus problemas (Dias, 2000). Segundo Claro et al. (1993), uma família com padrasto e/ou madrasta consegue superar as dificuldades e se estabelecer quando os papéis a desempenhar e regras a seguir são definidos, possibilitando o desenvolvimento de uma nova identidade familiar. As estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005) apontam para um aumento no número de recasamentos no Brasil, dado divulgado e comentado por jornais de grande circulação. Como exemplo, pode-se citar matéria de Meneiem (2006, p. 16) a respeito de dados divulgados pelo IBGE, em 2005: 1 Psicóloga e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ. 2 Este artigo foi elaborado, com modificações, a partir das reflexões realizadas para a monografia "Dessa vez vai dar certo! ": a construção da família recasada após a separação conjugal, como requisito parcial para a conclusão da graduação em Psicologia pela UERJ, sob orientação da professora doutora Leila Maria Torraca de Brito.

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Page 1: A Família Com Padrasto e Madrasta

A família com padrasto e/ou madrasta: um panorama

Laura Cristina Eiras Coelho Soares1

O presente artigo aborda o tema com padrasto e/ou madrasta a partir de estudos sobre relacionamentos na hipermodernidade e arranjos familiares plurais observados atualmente.2 Buscou-se identificar as dificuldades que, com freqüência, surgem no contexto do recasamento, visando à contribuição com a prática profissional daqueles que lidam com tais situações.

O recasamento inicia uma nova etapa do ciclo de vida familiar, provocando alterações na dinâmica relacional do grupamento (McGoldrick e Carter, 1995). Essas mudanças têm sido objeto de diversos estudos, mobilizando profissionais de diferentes áreas. Como expõe Ramires (2004), "os educadores, os operadores do direito, os profissionais em saúde mental e a mídia focalizaram sua atenção nessas transições, numa tentativa de compreendê-las e avaliar os seus efeitos sobre os personagens envolvidos" (pp. 183-4).

Em pesquisa desenvolvida por Claro et al. (1993) com famílias com padrasto e/ou madrasta, as autoras encontraram uma variedade de organizações familiares que, independentemente de sua estrutura, promoviam da mesma maneira um ambiente acolhedor e apropriado, reafirmando a noção de que não existe um único padrão. Cada família tem as próprias dificuldades, desafios e formas de solucionar seus problemas (Dias, 2000). Segundo Claro et al. (1993), uma família com padrasto e/ou madrasta consegue superar as dificuldades e se estabelecer quando os papéis a desempenhar e regras a seguir são definidos, possibilitando o desenvolvimento de uma nova identidade familiar.

As estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005) apontam para um aumento no número de recasamentos no Brasil, dado divulgado e comentado por jornais de grande circulação. Como exemplo, pode-se citar matéria de Meneiem (2006, p. 16) a respeito de dados divulgados pelo IBGE, em 2005:

[...] a taxa de divórcios no Brasil passou de 1,2 para 1,3 pot. mil pessoas de 20 anos ou mais e atingiu seu maior patamar desde 1995. Por outro lado, aumentou também a proporção de casamentos nos quais um dos cônjuges ou ambos eram divorciados. [...] De 1995 para 2005, o percentual de mulheres solteiras que se casaram com homens divorciados passou de 4,1% para 6,2%, enquanto o de mulheres divorciadas que se uniram legalmente com homens solteiros cresceu de 1,7% para 3,1%. Os casamentos entre cônjuges divorciados também aumentaram de 0,9% para 2,0%.

Ainda segundo o IBGE, em 2005, o número de recasamentos regularizados perante a Justiça que incluíam uma pessoa divorciada foi maior do que aqueles com viúvos. As estatísticas mostram que, em 2005, em 2,6% dos casamentos oficializados havia, ao menos um cônjuge viúvo; em contrapartida, 12% das uniões envolviam, no mínimo, um parceiro

1 Psicóloga e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ.2 Este artigo foi elaborado, com modificações, a partir das reflexões realizadas para a monografia "Dessa vez vai dar certo! ": a construção da família recasada após a separação conjugal, como requisito parcial para a conclusão da graduação em Psicologia pela UERJ, sob orientação da professora doutora Leila Maria Torraca de Brito.

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divorciado. Cabe destacar que esses dados se referem apenas às uniões legalmente formalizadas, o que nos leva a crer que a quantidade de recasamentos seja bem maior do que a divulgada. Não há, contudo, informações a respeito de quais dessas novas uniões levam consigo filhos de casamentos anteriores. Sabe-se somente que, segundo o levantamento realizado em 2005, nos processos de separação judicial, 77% dos casais tinham filhos, enquanto nos processos de divórcio eram 70%.

De acordo com os dados apresentados, é possível perceber que existem duas maneiras pelas quais uma família com padrasto e/ ou madrasta se constitui. A primeira possibilidade ocorre após o falecimento de um dos cônjuges, ou seja, em razão da viuvez; a segunda decorre de um divórcio ou separação conjugal. Dependendo de sua origem (divórcio ou viuvez), uma série de variáveis será vivenciada de maneira diversificada, indicando que o processo de construção da família com padrasto e/ou madrasta não ocorre da mesma forma em ambos os casos (Church, 2005). Apesar de, em grande parte da bibliografia consultada, não haver diferenciação quanto à origem dessa família a que se referem os autores, considera-se necessário explicitar o campo a ser abordado. Neste trabalho, portanto, enfoca-se o tema da família com padrasto e/ou madrasta constituída após um divórcio ou separação conjugal.

Compreender a possibilidade do estabelecimento dessa nova configuração familiar demanda entender algumas questões que envolvem a separação conjugal, assim como as bases de apoios sociais que a família contemporânea encontra ou não.

A família contemporânea é fruto de uma série de modifica-ções sociais, como enfocado por diversos autores, dentre eles Vaitsman (2001), Dantas (2003) e Diniz Neto e Féres-Carneiro (2005). Jablonski (1998), por exemplo, enumera algumas alterações que a estrutura familiar sofreu recentemente, tais como: a redução do número de filhos, a inserção feminina no mercado de trabalho, os casamentos tardios e o aumento do número de separações conjugais. Essas mudanças atingiram os papéis masculinos e femininos, assim como a definição de organização familiar. Apesar das intensas modificações sofridas na família, ela não se dissolveu, apenas se reconfigurou (Barbosa, 2001), o que fica nítido quando se percebe que, na contemporaneidade, o modelo de família nuclear convive com outros arranjos familiares. Conforme Figueira (1986) já havia observado na década de 1980, há a coexistência de modelos — que o autor denomina de modernos e arcaicos — de família.

Destaca-se que a possibilidade de se legalizarem os recasamentos é uma questão recente na realidade brasileira, surgindo após a promulgação da lei do divórcio, em 1977. Anteriormente, pensava-se na família com padrasto e/ou madrasta somente após uma viuvez, quando os termos "madrasta" e "padrasto" eram utilizados para indicar a nova esposa ou o marido de alguém cujo cônjuge havia falecido.

Atualmente, os relacionamentos afetivos podem não ser per-petuados caso haja insatisfação conjugal, pois a valorização da individualidade propicia que a relação conjugal seja avaliada por critérios pessoais. O

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desafio do casal contemporâneo, portanto, reside em estabelecer um relacionamento "entre-dois" (Singly, 2000, p. 17), isto é, preservar a individualidade de cada um dos envolvidos e, ao mesmo tempo, construir a identidade conjugal.

Nota-se, portanto, que a formação de uma família com padrasto e/ou madrasta promove novos questionamentos, que constituem o objeto do presente estudo.

Famílias com padrasto e/ou madrasta

Aspectos conceituais

Ao pensar nas configurações familiares formadas após um recasamento, esbarra-se inicialmente no desafio de encontrar denominações apropriadas para essa nova família, assim como para os papéis que desempenham aqueles que passam a fazer parte do núcleo familiar. Uziel (2000) relata a ausência de terminologia adequada: "Como todo fenômeno novo, as famílias recompostas carecem de nomes adequados para identificar seus personagens e evidenciar seus vínculos" (p. 2). Já McGoldrick e Carter (1995) apontam para a incerteza que provoca a ausência de uma denominação precisa para os integrantes desse novo núcleo familiar e suas relações: "[...] nós não temos nem mesmo a linguagem ou os rótulos de parentesco para ajudar a orientar positivamente os membros dessas famílias em relação aos seus novos parentes" (p. 350).

No estudo do tema, é possível perceber nomenclaturas distin¬tas utilizadas por pesquisadores na referência ao grupo familiar que se forma após o recasamento e a seus integrantes. Grisard Filho (2003, 2004), por exemplo, usa a expressão "família reconstituída". Justifica que esse termo é recorrente na doutrina jurídica, indicando a idéia de "constituir uma família". Compreende o autor que, com o termo "família reconstituída", ficaria claro que uma nova família se estabeleceu. O mesmo autor apresenta outras denominações que encontrou na literatura para designar essa família, tais como: família transformada, rearmada, agregada, agrupada, combinada ou mista (2003, p. 261).

McGoldrick e Carter (1995) optaram por empregar, em seu trabalho, a denominação "família recasada", justificando que "é o vínculo conjugal que forma a base para o complexo arranjo de várias famílias numa nova constelação" (p. 345). Citam também expressões como "famílias misturadas" e "famílias reestruturadas", que encontraram durante sua pesquisa. Dias (2004) nomeia o recasamento de "sociedade de afeto", pois compreende que o afeto é o que une essa família. Albuquerque (2004) e Maldonado (1986) fazem referência à "família recomposta". Church (2005) utiliza tanto "família decorrente de segundas núpcias" quanto "famílias de segundo casamento". Wagner faz referência a dois termos: inicialmente utiliza "família reconstituída" (Wagner e Sarriera, 1999) e, posteriormente, "família recasada" (Wagner, 2002) . Wallerstein et al. (2002) usam, indistintamente, três termos em sua obra: "família com padrasto ou madrasta", "famílias de segundo casamento" e "família do novo

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casamento". Em publicação anterior, Wallerstein e Kelly (1998) preferiram "família recasada". Em ambos os casos, as autoras não apresentaram argumentos para justificar a troca de terminologia.

Wagner e Sarriera (1999), assim como Wagner et al. (1997), utilizam em suas pesquisas a expressão "família reconstituída" para designar

aquelas em que os pais estavam separados dos seus primei-ros cônjuges (oficial ou não oficialmente) e, na atualidade, mantinham uma relação estável com outro (a) companhei-ro(a), coabitando em domicílio conjugal, em companhia de seus filhos do primeiro casamento, num período mínimo de seis meses (p. 19).

Esse entendimento reúne dois novos requisitos. Primeiro, insere uma medida de tempo mínimo para a configuração de uma família reconstituída; segundo, considera que todos os membros devem residir na mesma casa.

Kehl (2003), buscando expressar a ampla rede de relações que se forma a partir dos recasamentos, definiu esse grupamento como "família tentacular". A autora compreende essa organização familiar da seguinte maneira:

Na confusa árvore genealógica da família tentacular, irmãos não-consangüíneos convivem com 'padrastos' ou 'madras¬tas' (na falta de termos melhores), às vezes já de uma segun¬da ou terceira união de um de seus pais, acumulando vínculos profundos com pessoas que não fazem parte do núcleo original de sua vida (p. 169).

Claro et al. (1993) escolheram o termo "famílias simultâneas", definidas como "aquellas estructuras familiares donde, al menos, un cónyuge ocupa un rol de padrasto o madrasta y donde, al menos, uno de los adultos tiene uno o más hijos/as de una relación anterior viviendo con ellos" (p. 43). A escolha pela denominação "famílias simultâneas" se dá devido ao entendimento, dessas autoras, de que a característica diferencial dessa formação familiar é o fato de os filhos pertencerem ao mesmo tempo, no mínimo, a dois núcleos: um protagonizado pelo pai e o outro pela mãe. É importante notar que essas autoras, assim como Wagner e Sarriera (1999), definem uma coabitação de madrasta/padrasto e enteado como requisito nessa nova organização familiar.

Entende-se, porém, que a terminologia "família reconstituída", assim como "família recomposta", pode remeter à idéia de que houve uma reconstituição da família nuclear, conforme mostra Thery (apud Brito e Divana, 2002). Tal prática era freqüente na época em que não havia divórcios e o preconceito com a mulher "desquitada" era intenso; portanto, a simulação de uma família nuclear, com a chegada do novo companheiro da mulher, proporcionava a aceitação social daquele núcleo familiar. Isso ainda ocorre quando, após a separação, aquele que não ficou com a guarda dos filhos, geralmente o pai, se distancia. Na seqüência, o padrasto ocupa o lugar de pai e a família vive como se nunca houvesse acontecido a união anterior, possibilitando, por meio de um novo casamento da genitora, a reprodução da família nuclear.

Claro et al. (1993) chamam essa atitude das famílias com padrasto e/ou madrasta de "mito de la recreación de la familia nuclear" (p. 44) e entendem que essas famílias optam por reconstituir o modelo nuclear por

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não saberem o que socialmente é esperado delas. Muitas famílias ainda compreendem que o modelo mais adequado socialmente é o nuclear, logo, reproduzem-no. Dessa maneira, para as autoras, usar o termo "reconstituída" seria negar "las diferencias estructurales entre una familia nuclear y una simultánea" (p. 43).

Neste sentido, Uziel (2000) infere que o modelo de família nuclear ainda influencia intensamente os sujeitos, obstaculizando o surgimento de terminologia específica: "A sacralidade da família nuclear talvez seja um dos impeditivos para a criação, até o momento, de termos que expressem essa pluralidade de laços" (p. 3).

Apesar da compreensão de que a denominação "família simultânea", utilizada por Claro et al. (1993), possa expressar bem o conceito de recasamento — pois evidencia os múltiplos sistemas envolvidos, e não somente a relação conjugal —, ela não será adotada no trabalho pelo fato de ser usada pelo direito de família, no Brasil, para relações de concubinato.

Diante da diversidade de definições encontradas na literatura, optou-se, no presente artigo, pelo uso da expressão "família com padrasto e/ou madrasta". Com relação ao que seria "família com padrasto e/ou madrasta", compartilha-se da definição dada por Grisard Filho (2004) à família reconstituída: "[...] é a entidade familiar na qual um dos adultos, ao menos, é um padrasto ou uma madrasta" (p. 658). Cabe ressaltar que se entende por "entidade familiar" não o grupo familiar doméstico, mas o sistema familiar. Portanto, a denominação "família com padrasto e/ou madrasta" pode ser aplicada também àqueles sistemas familiares em que os enteados não residem com o padrasto/madrasta.

Outro ponto de divergência entre pesquisadores refere-se às denominações atribuídas aos componentes dessa nova estrutura familiar. São muitos os papéis que se estabelecem a partir dessa nova união conjugal e que demandam nomeação. Além das necessárias escolhas de termos mais adequados para substituir "madrasta", "padrasto" e "enteado", não há ainda denominação para aqueles que são filhos do casamento anterior do padrasto/madrasta e que vão se relacionar "como irmãos", mesmo não tendo laço consangüíneo, com os filhos da primeira união do pai/mãe recasado. Para estes, Falcke (2002) sugere o termo "irmãos políticos", mas não estende o conceito aos papéis de madrasta e padrasto. Wallerstein et al. (2002) mantêm, como a autora anterior, o uso dos termos "madrasta" e "padrasto". No entanto, decidem denominar os filhos de cada cônjuge de "irmãos por novo casamento", já que se tornaram "irmãos" devido à constituição do novo casal. Maldonado (2001) refere-se a "irmãos de convívio".

Dias (2004) defende o uso do termo "amante" para definir aqueles que optaram pela união estável, pois "formam uma união de afeto" (p. 37). Partindo desse termo, a autora propõe que os filhos de casamentos anteriores a essa união possam ser apresentados como "filhos do meu amante".

Grisard Filho (2003), na análise dos termos "madrasta" e "padrasto", cita outras denominações que encontrou em sua pesquisa: "'pais

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sociológicos', 'pais políticos', 'pais de acolhida', 'padrastos e madrastas de fato' (beau-parent de fait)" (p. 262). Porém, com base no artigo 1.59523 do Código Civil brasileiro (2002), que estabelece o parentesco por afinidade entre os membros dessa família, o autor preferiu denominar madrasta, padrasto e enteado, respectivamente, de "mãe afim", "pai afim" e "filho afim".

A partir dessa variedade de termos, opta-se, neste trabalho, pela referência "filhos da madrasta" ou "filhos do padrasto". Quanto aos demais integrantes, serão mantidos os termos "madrasta", "padrasto" e "enteado", lamentando-se a representação negativa ainda presente nessas denominações nos tempos atuais.

Procurando compreender o significado vinculado a essas palavras, empreendeu-se inicialmente uma busca no dicionário. Na definição fornecida pelo Dicionário Aurélio4 dos verbetes "madrasta", "padrasto" e "enteado", é possível encontrar explicações que refletem os estereótipos contidos nessas denominações. O verbete "madrasta" aparece acompanhado de uma significação pejorativa, trazendo três definições: "madrasta [Do lat. *matrasta < lat. mater, `mãe'.] 1. Mulher casada, em relação aos filhos que o marido teve de matrimônio anterior. 2. Fig. Mãe ou mulher descaroável. [Nessas acepç. é fem. de padrasto.] Adjetivo (feminino). 3. Pouco carinhosa; ingrata, má". A fim de complementar o entendimento, buscou-se o verbete "descaroável", explicado como: "descaroável 1. Descaridoso, inclemente; descarinhoso". Portanto, de acordo com esse dicioná¬rio, a definição que coincide com o feminino de padrasto é a que se refere a uma mulher inclemente, descarinhosa.

Nota-se, portanto, que esse verbete evidencia o estereótipo que ainda acompanha as madrastas, dificultando sua inserção na família e sua aceitação na sociedade. O imaginário social aparece repleto de aspectos negativos, decorrentes do mito da "madrasta malvada". Destaca-se, ainda, que essa ideia encontra-se presente também em novelas apresentadas recentemente no Brasil, como no caso da personagem Viviane, interpretada por Letícia Spiller, em Senhora do destino, exibida de junho de 2004 a março de 2005, pela Rede Globo de Televisão. Também é fácil recordar histórias infantis como Cinderela, João e Maria e Branca de Neve, cujos protagonistas sofrem com suas madrastas maldosas.

O vocábulo padrasto, apesar de não se fazer acompanhar pelo termo pejorativo presente no verbete "madrasta", também é alvo de discussões pela função que lhe é atribuída. A definição dada pelo mesmo dicionário mostra a transitoriedade do papel de pai, que pode ser substituído pelo novo casamento. Segue o verbe¬te: "padrasto [Do lat. vulg. patrastru, com

3 Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 20 Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

4 Disponível em http://www.educacional.com.br. Acessado em 26 dez. 2005.

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dissimilação.] Substantivo masculino. 1. Indivíduo que ocupa o lugar de pai em relação aos filhos que sua mulher teve de casamento anterior".

A definição do verbete evidencia a idéia de facilidade na substituição da figura paterna. Essa situação também parece ocor¬rer, por vezes, nas ações de adoção por cônjuge, previstas no pa¬rágrafo 10 do artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente.' Nesse dispositivo legal, após a destituição do poder familiar do pai da criança, o padrasto se torna legalmente o pai, tendo seu nome e o de seus pais colocados na certidão de nascimento do enteado, substituindo o nome do genitor e dos avós paternos. Assim, apaga-se do registro civil qualquer marca desse pai e de sua linhagem. O padrasto, nessa acepção, atende juridicamente ao que está expresso no verbete do dicionário.

Como expõem Brito e Divana (2002) no estudo de adoções por cônjuge, algumas mães parecem encontrar nessa modalidade de adoção uma saída para impedir o contato do ex-companheiro

4 Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. §ln Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respec¬tivos parentes.