a falácia ateísta de richard dawkins, marcelo r.s. briones * professor da unifesp, são paulo, sp

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MARCELO R.S. BRIONES * Professor da UNIFESP, São Paulo, SP Essencialmente, o argumento de Dawkins é que a Teoria da Evolução desaprova definitivamente a interpretação literal do Livro do Gênesis e põe em cheque a validade de qualquer percepção transcendente da realidade. Diante disso, qualquer pessoa inteligente, segundo os critérios de Dawkins, conclui que a única alternativa lógica é tornar-se um ateu. Será que Richard Dawkins e seus seguidores têm razão? Será que há argumentos suficientemente fundamentados para apontar e combater os “delírios” filosóficos de Dawkins? C erta vez, perguntei a um amigo se ele acreditava em Deus e ele me disse: não acreditava até ler Richard Dawkins. Mas o Dawkins não é o “sumo sacerdote” do ateísmo? – repliquei diante do paradoxo. – Depois de ler os livros dele, concluí que o diabo existe; o que abriu minha cabeça para a possibilidade do plano espiritual. – Mas o Dawkins não parece ser uma má pessoa. – Não se trata disso. O diabo é o pai da enganação e, se não tomou Richard por completo, deve pelo menos estar utilizando-o como médium para psicografar seus textos. Meu primeiro contato com Dawkins foi no curso de graduação em Biologia, quando li O Gene Egoísta (1976), onde ele propõe que a “unidade básica” da evolução é o gene. Mais tarde, li O Relojoeiro Cego (1996) e, recentemente, o provocativo Deus, um Delírio (2006) sobre o qual se concentra grande parte do que vou abordar aqui e é o piná- culo do que chamo de “dawkinismo”, que nada mais é do que uma versão moderna, popstar e travestida de ciência, da filosofia do grego Epicuro (341-270 a.C.). Meus colegas biólogos se referiam ao O Relojoeiro Cego em tom reverencial, como se contivesse revelações fantásticas. O livro é interessante e Dawkins é um bom escritor. Ele aborda diversos temas que são de interesse dos estudantes de Biologia e é, em alguns momentos, de fato, inspirador para os que estão na “onda” da Ciência. Por outro lado, a leitura me revelou que o livro que deveria versar sobre Evolução, Teoria da Evolução e Seleção Natural se dedicava, em grande par- te, a atacar o Teísmo, sobretudo na sua visão Judaico-Cristã, e ao argumento de William Paley (1743-1805) sobre a necessidade de um projetista inteligente para explicar a complexidade dos seres vivos. Essencialmente, o argumento de Dawkins é que a Teoria da Evolução desaprova definitivamente a inter - pretação literal do livro do Gênesis e põe em cheque a validade de qualquer percepção transcendente da realidade. Diante disso, qualquer pessoa inteligente, segundo os crité- rios de Dawkins, conclui que a única alternativa lógica é tornar-se um ateu. FOTO: LEANDRO R. CAMARATTA Deus - um delírio Richard Dawkins Companhia das Letras 524 páginas A falácia ateísta de Richard Dawkins [ ] 10 MENSAGEIRO | SETEMBRO 2011 | CAPA |

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Essencialmente, oargumento de Dawkins éque a Teoria da Evoluçãodesaprova definitivamente ainterpretação literal do Livrodo Gênesis e põe em chequea validade de qualquerpercepção transcendenteda realidade. Diante disso,qualquer pessoa inteligente,segundo os critérios deDawkins, conclui que a únicaalternativa lógica é tornar-seum ateu.Será que Richard Dawkinse seus seguidores têmrazão? Será que háargumentos suficientementefundamentados para apontare combater os “delírios”filosóficos de Dawkins?

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Page 1: A falácia ateísta de Richard Dawkins, MARCELO R.S. BRIONES * Professor da UNIFESP, São Paulo, SP

MarCELo r.S. BrionES *Professor da UNIFESP, São Paulo, SP

Essencialmente, o argumento de Dawkins é que a Teoria da Evolução desaprova definitivamente a interpretação literal do Livro do Gênesis e põe em cheque a validade de qualquer percepção transcendente da realidade. Diante disso, qualquer pessoa inteligente, segundo os critérios de Dawkins, conclui que a única alternativa lógica é tornar-se um ateu. Será que Richard Dawkins e seus seguidores têm razão? Será que há argumentos suficientemente fundamentados para apontar e combater os “delírios” filosóficos de Dawkins?

C erta vez, perguntei a um amigo se ele acreditava em Deus e ele me disse: não acreditava até ler Richard Dawkins.

Mas o Dawkins não é o “sumo sacerdote” do ateísmo? – repliquei diante do paradoxo.

– Depois de ler os livros dele, concluí que o diabo existe; o que abriu minha cabeça para a possibilidade do plano espiritual.

– Mas o Dawkins não parece ser uma má pessoa.

– Não se trata disso. O diabo é o pai da enganação e, se não tomou Richard por completo, deve pelo menos estar utilizando-o como médium para psicografar seus textos.

Meu primeiro contato com Dawkins foi no curso de graduação em Biologia, quando li O Gene Egoísta (1976), onde ele propõe que a “unidade básica” da evolução é o gene. Mais tarde, li O Relojoeiro Cego (1996) e, recentemente, o provocativo Deus, um Delírio (2006) sobre o qual se concentra grande parte do que vou abordar aqui e é o piná-culo do que chamo de “dawkinismo”, que nada mais é do que uma versão moderna, popstar e travestida de ciência, da filosofia do grego Epicuro (341-270 a.C.).

Meus colegas biólogos se referiam ao O Relojoeiro Cego em tom reverencial, como se contivesse revelações fantásticas. O livro é interessante e Dawkins é um bom escritor. Ele aborda diversos temas que são de interesse dos estudantes de Biologia e é, em alguns momentos, de fato, inspirador para os que estão na “onda” da Ciência. Por outro lado, a leitura me revelou que o livro que deveria versar sobre Evolução, Teoria da Evolução e Seleção Natural se dedicava, em grande par-te, a atacar o Teísmo, sobretudo na sua visão Judaico-Cristã, e ao argumento de William Paley (1743-1805) sobre a necessidade de um projetista inteligente para explicar a complexidade dos seres vivos. Essencialmente, o argumento de Dawkins é que a Teoria da Evolução desaprova definitivamente a inter-pretação literal do livro do Gênesis e põe em cheque a validade de qualquer percepção transcendente da realidade. Diante disso, qualquer pessoa inteligente, segundo os crité-rios de Dawkins, conclui que a única alternativa lógica é tornar-se um ateu.

FOTO: leandrO r. camaraTTa

Deus - um delírioRichard DawkinsCompanhia das Letras524 páginas

A falácia ateísta de Richard Dawkins[ ]

10 Mensageiro | seteMbro 2011

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Page 2: A falácia ateísta de Richard Dawkins, MARCELO R.S. BRIONES * Professor da UNIFESP, São Paulo, SP

Dawkins omite a fonte-base Do seu experimento

Em O Relojoeiro Cego, Dawkins faz um experimento de informática (programa “weasel” ou “doninha”) que simula um ma-caco digitando textos ao acaso em uma máquina de escrever (págs. 46-49). A ideia é que dado um tempo longo e eta-pas acumulativas de seleção começará a aparecer, a partir do acaso, um texto com significado, o que seria uma analogia com a evolução ao acaso e gradual de Darwin. A seleção é dada a cada passo da digita-ção onde os caracteres que mais se apro-ximam do texto pretendido, que no caso é um trecho de Hamlet, de Shakespeare, são “fixados” com base na semelhança à frase alvo “methinks it is like a weasel” (acho que parece uma doninha). Dawkins usa este ar-gumento para mostrar o efeito da mutação e seleção acumulativa e seu efeito gradual como proposto por Charles Darwin. Não vou entrar aqui nos detalhes do debate evolutivo em si, mas este trecho exemplifica a má fé de Dawkins. Ele absolutamente não cita a fonte desta ideia, dizendo que “não sabe quem foi o primeiro a apontá--la” (pág. 46). Ora, isso é surpreendente vindo de alguém educado na Universidade de Oxford, e o leitor fica com a impressão de que a ideia é dele.

Na realidade, esta classe de problemas é conhecida por infinite monkey theorem (Te-orema do Macaco Infinito), onde um número infinito de macacos digitando ao acaso em infinitas máquinas de escrever, ou em um tempo infinitamente longo, gerará quase uma obra de Shakespeare. Este tipo de argumento já aparece, com variações, em obras de Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) e Marcos Túlio Cícero (106-43 a.C.), e foi utilizado por Émile Borel (1851-1956) e Arthur Eddington (1882-1944) para mostrar o efeito de cadeias infinitas na mecânica estatística, uma área da física.

Claude Shannon (1916-2001) o fun-dador da Teoria de Informação, em seu trabalho seminal de 1948, faz um expe-rimento semelhante só que usa 27 carac-teres. É quase impossível que Dawkins não conhecesse este trabalho, e a ausência da citação ou é uma monstruosa falta de ética científica ou de uma ignorância imperdoá-vel para um “scholar” de Oxford.

Dawkins, espertamente, utilizou 28

Teorias não são meras conjecturas ou especulações, mas, sim, um conjunto

coerente de hipóteses que já foram testadas

por experimentos e observações um número suficiente de vezes e não

foram rejeitadas.

caracteres, incluindo os espaços e fez uma variação do teorema acrescentando o “efeito” da seleção acumulativa. O que ele pretendeu mostrar foi que não são necessá-rios infinitos macacos ou tempo infinito, bas-ta um macaco digitar ao acaso e etapas de seleção para que o texto apareça. No entanto, a analogia com o processo evolu-tivo é incorreta por dar uma direção (texto alvo) a um processo que na visão darwinista é sem direção, ou seja, não é teleológico. Portanto, com esse dado, ele não prova o poder do gradualismo seletivo ao acaso na evolução e omite ao leitor informações que poderiam levantar questões provocativas. A melhor refutação a esta ideia, defendida por Dawkins, vem do escritor americano Kurt Vonnegut (1922-2007):

“Foi proposto que um número infinito de macacos digitando ao acaso em um número infinito de máquinas de escrever poderiam finalmente produzir obras de Shakespeare. Graças à internet nós agora sabemos que isto não é verdade.”

Dawkins mascara De científico um livro sobre metafísica

Por outro lado, a leitura de Deus, um De-lírio me mostrou a estratégia de como mas-carar de científico um livro sobre metafísica. O problema é que Dawkins não é filósofo, mas, sim, um zoólogo com contribuições interessantes; sobretudo, pelo conceito bio-lógico do “fenótipo estendido”. Ele utiliza um raciocínio simplista e superficial que é adequado para abordar certos problemas práticos de questões científicas que estão em um nível mais metodológico-descritivo, mas que não se aplica a questões sobre a estrutura fundamental da realidade, objeto da filosofia. Como Dawkins expõe em Deus, um Delírio, ele rejeita a metafí-sica por completo e deixa explícito, com estatísticas sobre as crenças de pessoas inteligentes e cientistas famosos, que toda e qualquer forma de crença em Deus é um autoengano produzido por um cérebro ignorante e de baixo QI (pág. 102), que na visão dos evolucionistas-eugenistas, como Dawkins, é fortemente hereditário. A crença em Deus seria, portanto, uma propriedade emergente de conexões neuronais deficien-tes, tanto pelas limitações impostas pela genética de alguém malnascido (antítese

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Page 3: A falácia ateísta de Richard Dawkins, MARCELO R.S. BRIONES * Professor da UNIFESP, São Paulo, SP

A rejeição da metafísica com base na metodologia científica é, portanto, um raciocínio circular, pois a metodologia

utilizada para rejeição a posteriori (depois do conhecimento dos fatos) de objetos, fenômenos e proposições já os excluiu a priori. Quem trabalha

com ciência e filosofia sabe que argumentos circulares são uma das principais fontes de erros e falácias

lógicas. Na realidade, decidir que só se vai aceitar a evidência empírica como

conhecimento válido é uma opção cognitiva e não evidência de correção

ou superioridade intelectual.

do eugenès, ou “bem-nascido”, de Francis Galton, 1822-1911) quanto mal desenvol-vidas por educação ruim. Ele deixa claro que toda a busca filosófica que não seja a Ciência Galileana é uma imensa perda de tempo, pois não há nada na realidade que transcenda a dimensão material acessível aos cinco sentidos humanos ou “lidas” por estes através de aparelhos de medição. O que deveriam ser “livros sobre ciência” me parecem ser panfletários e propagandís-ticos com uma agenda política subjacente.

O problema é que a rejeição da metafísica é ela mesma uma proposição metafísica. Em outras palavras, afirmar que a realidade última das coisas é isto que vemos, e nada mais, implica que quem faz esta observação a faz de um ponto de vista privilegiado, pois observa a totalidade da realidade e vê que não há nada além da realidade material ou física. A metafísica é a dialética do SER, ou seja, trata do SER enquanto SER e, portanto, está além das ciências físicas. Aristóteles, considerado seu fundador, sabia muito bem disso e, na realidade, grande parte dos cientistas desde o renascimento até o século XIX também, pois viam um contínuo do físico

ao metafísico sendo esta a estrutura lógi-ca da realidade. O nome metafísica, no entanto, viria da ordem da compilação de Andrônico de Rodes (cerca 60 a.C.) para as obras de Aristóteles, os oito livros da physica vêm primeiro e depois vêm os da metaphysica (literalmente metá = depois da physiká = física).

Cientistas mais sérios, como o físico Michio Kaku, cofundador da Teoria das Cordas, dizem que a ciência não pode se pronunciar sobre questões como a existên-cia de Deus ou questões metafísicas, pois estão fora do escopo da ciência. Ou seja, o cientista enquanto cientista não pode se pronunciar sobre a metafísica. Mas isso está muito longe do que faz Dawkins.

Especificamente, a ciência, em sua formulação atual, exclui a priori (antes do conhecimento dos fatos) objetos, fenômenos e proposições que não sejam verificados experimentalmente, ou seja, pelos cinco sentidos. Isso, claro, exclui os objetos, fe-nômenos e proposições que não podem ser explicados pela ciência por estarem fora de seu escopo.

A rejeição da metafísica com base na metodologia científica é, portanto, um

raciocínio circular, pois a metodologia uti-lizada para rejeição a posteriori (depois do conhecimento dos fatos) de objetos, fenômenos e proposições já os excluiu a priori. Quem trabalha com ciência e filosofia sabe que argumentos circulares são uma das principais fontes de erros e falácias lógicas. Na realidade, decidir que só se vai aceitar a evidência empírica como conhecimento válido é uma opção cognitiva e não evidência de correção ou superioridade intelectual.

Rudolf Carnap (1891-1970) buscou, em Pseudoproblemas na Filosofia, eliminar a metafísica do discurso intelectualmente responsável, baseado no fato de que as proposições metafísicas eram desprovidas de sentido, pois não eram testáveis empi-ricamente. Isso reflete apenas que Carnap tomou uma decisão cognitiva de excluir toda uma classe de proposições sobre a realidade sensível e transcendente que não atendem ao critério da “testabilidade” ou verificação empírica. Carnap foi, de fato, um grande filósofo e deu contribuições essenciais na estruturação e demarcação do método científico e foi, com certeza, um indivíduo extremamente inteligente.

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Page 4: A falácia ateísta de Richard Dawkins, MARCELO R.S. BRIONES * Professor da UNIFESP, São Paulo, SP

Cientistas mais sérios, como o

físico Michio Kaku, cofundador da Teoria

das Cordas, dizem que a ciência não

pode se pronunciar sobre questões

como a existência de Deus ou questões

metafísicas, pois estão fora do escopo da ciência. Ou seja,

o cientista enquanto cientista não pode se

pronunciar sobre a metafísica. Mas isso está muito longe do

que faz Dawkins.

Sua opção por esse conhecimento não é, no entanto, evidência de superioridade ou inferioridade; é apenas uma opção intelectual, e mesmo necessária, para o tipo de elaboração teórica que ele estava formulando sobre a estrutura da ciência. Penso que para avançarmos alguma ideia ou projeto, com convicção, precisamos acreditar que é a única e a mais fantástica; isso nos dá a energia e impulso necessários para mantermos o trabalho. Como dizia outro amigo meu: para ser um bom técnico de futebol o sujeito tem que ser suficien-temente inteligente para saber como o jogo funciona e ingênuo o suficiente para levá-lo a sério. Mas um Dawkins não é um Carnap, não pela inteligência, mas pela profundidade analítica e argumentativa e pelo “peso” da obra.

Carnap desenvolve ainda os conceitos de ciência teórica e ciência experimental que são essenciais para se entender a im-portância das teorias e rebater o argumen-to simplista de que a Teoria da Evolução é “apenas uma teoria”, como dizem alguns criacionistas mais radicais. Uma teoria é na realidade a produção intelectual mais importante de um cientista. Os dados, experimentos e testes que produz em seu laboratório só fazem sentido e ganham significado quando encaixados na malha conceitual de uma teoria existente ou como ponta-de-lança de uma nova teoria.

Teorias não são meras conjecturas ou especulações, mas, sim, um conjunto coe-rente de hipóteses que já foram testadas por experimentos e observações um número suficiente de vezes e não foram rejeitadas.

Dawkins “supera” kant em sua capaciDaDe

De argumentarEm Deus, um Delírio, Dawkins ainda dá

pouca importância ao argumento ontoló-gico da existência de Deus elaborado por Anselmo de Canterbury (1033-1109), o primeiro filósofo escolástico do Cristianismo e um dos grandes pensadores da Idade Média (pág. 80). Ele refuta o famoso argu-mento em um parágrafo, interpretando-o incorretamente e com uma lógica primária. Emmanuel Kant (1724-1804) se debruçou sobre o argumento ontológico e o criticou com base em quatro contra-argumentos em 11 páginas do seu livro Crítica da Razão

Pura, sendo que a chave para sua possível refutação seria que existir não é um pre-dicado, no jargão filosófico.

Argumentos à parte, coitado do Kant que não tinha um Dawkins para ajudá-lo! Teria sido muito mais fácil. Isso sugere que Dawkins, além de biólogo, é um filósofo muito mais eficiente que Kant. Os debates

em filosofia sobre o argumento ontológico se estendem até hoje, ocupando o tempo de grandes nomes em filosofia; mas, claro, Dawkins já resolveu o problema em um parágrafo.

a violência está na religião, e os ateus são

DesorganizaDos, afirma Dawkins

Outro ponto importante do “dawki-ninsmo” ilustrado em Deus, um Delírio é a afirmação de que toda a violência da sociedade tem suas raízes na religião e em seu fundamentalismo intolerante. Neste ponto do livro (pág. 4), ele começa a dizer que os grupos religiosos nos Estados Uni-dos, tais como os judeus e evangélicos, são muito organizados e formam lobbies polí-ticos poderosíssimos. O problema na visão dele é que os ateus, apesar de serem mais numerosos que os fanáticos religiosos, não se organizam. Tentando ser engraçadinho Dawkins diz que organizar ateus é como tentar juntar gatos em torno de um grupo, pois os ateus, assim como os gatos, são descolados, pensam independentemente e não são presos a dogmas.

Alguém precisa avisar ao Dawkins que existe uma coisa chamada Internacional Socialista que é uma das maiores e mais antigas organizações globalizadas e que é formada por ateus defendendo a bandeira do materialismo dialético. Basta solicitar filiação ao partido comunista local e você estará dentro de uma estrutura de ateus militantes que até 23 anos atrás contavam com o serviço secreto mais organizado do mundo, a KGB, e que ainda hoje estão [ ]

[ ]Mensageiro | seteMbro 2011 13

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Dawkins deve achar que o marxismo é também um delírio. Portanto, o caminho da felicidade social deve excluir da população os religiosos, os ateus marxistas e os ateus capitalistas responsáveis pela opressão e guerras coloniais na África e Ásia. Todos esses são, claro, fanáticos ignorantes, gananciosos e iludidos.

Sobram, então, alguns ateus não marxistas, à imagem e semelhança de Dawkins, como os únicos bem

pensantes, éticos e inteligentes. Esta classe especial de pessoas têm, segundo o agora messiânico Dawkins,

todo o bom senso, inteligência e conhecimento para guiar a humanidade para um futuro sem guerras,

crimes, intolerância, etc.; enfim, um paraíso terrestre.

firmes e fortes na República Popular da China. Os ateus não se organizam? Como é que um sujeito educado em Oxford pode não saber disso?

Os massacres e genocídios do ateísmo de Stalin (1878-1953) nos expurgos e Gulags na União Soviética, Mao Tsé Tung (1893-1976) na Revolução Cultural Chine-sa e Pol Pot (1925-1998), no “Novo início da civilização” no Camboja, cuja pilha de cadáveres supera em várias ordens de grandeza todas as perseguições religiosas, não são discutidos com a seriedade que mereciam no livro, pois são contraexemplos da proposição de que a religião em si é a causa da violência. Dawkins diz (pág. 278) que os crimes de indivíduos ateus não se comparam aos crimes da religião, pois não o fazem em nome do ateísmo. Isso é falso, pois os mentores e executores destes genocídios eram todos ateus em nome do materialismo dialético ou socialismo cientí-fico, definido por eles, como na diretiva au-tografada de Vladmir Lênin (1870-1924) de 11 de agosto de 1918 para enforcar 100 kulaks (camponeses ricos) e executar os demais reféns em nome da revolução materialista.

O que surpreende é que Dawkins debate muito pouco a crítica marxista da religião, historicamente relevante para o debate que ele abre e muito mais completa (não julgando aqui se certa ou errada) que a percepção ingênua e superficial dele. Como muito bem argumentado por Tho-mas Riggins, em Phylosophy and Marxism Today, a posição de Dawkins em relação à religião é idealista e ignora o papel de circunstâncias sociais e históricas no desenvolvimento das religiões, além de confundir fatores causais secundários com as causas primárias. Ou seja, o ateísmo de Dawkins não “cola” nem para os ateus mais ortodoxos, como os marxistas, que claro, o veem como um fanfarrão burguês desiludido. Vale lembrar que Karl Marx (1818-1883) rejeitou o evolucionismo--eugenista de Darwin como exemplificado em correspondência de 1862 entre Marx e Frederich Engels (1820-1895): “E quanto a Darwin, eu o li novamente, me diverte quando ele pretende aplicar igualmente à flora e fauna a teoria de Malthus, como se a astúcia do senhor Malthus não residisse precisamente no fato de que tal não se

FOTO: dieTer jOel jagnOw / arquivO ediTOra cOncórdia

[ ]14 Mensageiro | seteMbro 2011

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aplica às plantas e animais, apenas aos homens – com a progressão geométrica – em oposição ao que se passa às plantas e aos animais. É curioso ver como Darwin descobre nas bestas e vegetais sua socie-dade inglesa, com a divisão de trabalho, a concorrência, a abertura de mercados, as “invenções” e a “luta pela vida” de Malthus. É este bellum omnium contra omnes (guerra de todos contra todos) de Hobbes, e isso faz pensar na Fenomenologia de Hegel, em que a sociedade burguesa figura sob o nome de “reino animal intelectual”, en-quanto que em Darwin é o reino animal que representa a sociedade burguesa.”

Dawkins deve achar que o marxismo é também um delírio. Portanto, o caminho da felicidade social deve excluir da popula-ção os religiosos, os ateus marxistas e os ateus capitalistas responsáveis pela opres-são e guerras coloniais na África e Ásia. Todos esses são, claro, fanáticos ignorantes, gananciosos e iludidos. Sobram, então, alguns ateus não marxistas, à imagem e semelhança de Dawkins, como os únicos bem pensantes, éticos e inteligentes. Esta classe especial de pessoas têm, segundo o agora messiânico Dawkins, todo o bom senso, inteligência e conhecimento para guiar a humanidade para um futuro sem guerras, crimes, intolerância, etc.; enfim, um paraíso terrestre.

A ciência é apenas mais um método de investigação da realidade. Atua na dimensão física dos objetos e fenômenos que, em jargão científico, são os nossos “observáveis”. Ao dizer que os objetos da

metafísica são irreais, o cientista não fala mais como cientista, pois a sua metodologia não inclui esses objetos. Na visão dos místi-cos, isso seria a húbris, soberba ou orgulho do homem intelectual quando ele acha que a sua metodologia de raciocínio é suficiente para explicar todos os fenômenos e objetos ao seu redor, reduzindo-os ao plano físico. Aqueles não explicáveis ou não observá-veis por esta metodologia, simplesmente, não existem. Essa é a sedução de Dawkins e a base da sua falácia ateísta; é a pior tentação do homem intelectual e produz os “monstros da razão”, como pintou Goya no seu famoso quadro, e o torna presa fácil e instrumento da elite científico-corporativa--financeira que propaga esta visão atual e desespiritualizada do mundo.

mas onDe entra a falácia ateísta De richarD Dawkins?

Para não parecer um non sequitur (con-clusões não seguem as premissas), volto ao ponto original. Em que consiste a falácia de Dawkins?

Uma falácia é um argumento lógico, mas incorreto. E a falácia de Dawkins pode ser vista como um tipo de argumentum ad consequentiam (falácia lógica de apelo às consequências):

Deus é o criador. se há um criador, não há evoluçãologo, se há evolução, não há um criadorportanto, se não há criador, não há Deus.O ponto chave da falácia está na

proposição “Se há um Criador, não há evolução”, pois Dawkins apresenta-a

como sendo uma conclusão, quando na verdade é uma premissa, ou axioma, e, portanto, não é uma observação ou única conclusão lógica.

De religioso anglicano ao apostolaDo ateísta

Dawkins cresceu como anglicano, mas deixou de crer quando foi apresentado à Teoria da Evolução, sua “estrada de Damasco” ao reverso. Ele argumenta que, como a evolução explica melhor do que o li-vro do Gênesis a origem e diversidade dos organismos, a Teoria está correta e a Bíblia errada em sua totalidade. Darwin possi-bilitou a ele ser um ateu intelectualmente realizado, como disse em uma entrevista de 1995 à revista Third Way. Esse argumento é falacioso, pois opõe duas ideias que não são, a priori, opostas. A percepção de um Deus amoroso e Criador é perfeitamente conciliável com a ideia de evolução sem causar nenhuma dissonância cognitiva.

Existem várias vertentes de criacionismo e evolucionismo. Uma possibilidade é acre-ditar que a forma como Deus criou o uni-verso foi criando as leis físicas. Como tudo mais é derivado delas, tudo foi criado por Deus. A evolução enquanto manifestação temporal das leis físicas, ou leis naturais, e sendo Deus o único Criador das leis físicas, implica que a evolução seria um fenômeno decorrente da vontade de Deus.

Outra possibilidade é dizer que, se A foi criado e depois A evoluiu para B, B foi criado pelo criador de A, pois A continha a potência, no sentido aristotélico, para vir

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Mensageiro | seteMbro 2011 15

Page 7: A falácia ateísta de Richard Dawkins, MARCELO R.S. BRIONES * Professor da UNIFESP, São Paulo, SP

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Marcelo Briones é professor, pesquisador, chefe da disciplina de Microbiologia do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)[email protected]

a ser B. Limitar a explicação de fenôme-nos complexos em termos de duas únicas opções possíveis chama-se polarização, e isso está no núcleo dos discursos com obje-tivos políticos, o que parece ser, na minha opinião, o centro deste debate.

O mundo de Dawkins e dos demais darwinistas-eugenistas é competitivo, egoísta, sem sentido maior, sem direção e oportunista. Parece com o mundo moderno? Será apenas coincidência? Que grupos es-tão por trás de Dawkins? Isso fica para um próximo artigo.

Ao final das minhas leituras de Dawkins, sempre me vem à mente estas palavras: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; por-quanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, clara-mente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo

conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios ra-ciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, torna-ram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis”(Rm 1.18-23).

E ainda: “certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. pois está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos. onde está o sábio? onde, o escriba? onde, o inquiridor deste século? porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação”(1 co 1.18-21).

livros inDicaDosAlguns livros indicados pelo pas-

tor ivo Dreyer sobre o ateísmo, suas contradições e paradoxos:

1 FLEW, Antony. Um ateu garante: Deus existe. São Paulo: Ediouro,

2008. (Existem ateus ocupados em provar que este livro não poderia ter sido escrito por Flew.)

2 McGRATH, Alister & Joanna. O delírio de Dawkins. São

Paulo: Mundo Cristão, 2007. (É uma resposta esmagadora ao fundamen-talismo ateísta de R. Dawkins.)

3 D’SOUZA, Dinesh. A verdade sobre o cristianismo. Rio de

Janeiro: Thomas Nelson, 2008. (Quantos milhões de pessoas foram mortas em nome do ateísmo? Descubra isso e muito mais!)

4 GEISLER, Norman e BOC-CHINO, Peter. Fundamentos

inabaláveis. São Paulo: Editora Vida, 2003.

5 COLLINS, Francis S. A lingua-gem de Deus. São Paulo: Edi-

tora Gente, 2007. (Um cientista, di-retor do projeto Genoma, apresenta evidências de que Deus existe.)

6 McDOWELL, Josh. Evidência que exige um veridito. 2 vols.

7 McDOWELL, Josh. As evidên-cias da ressurreição de Cristo.

São Paulo: Editora Candeira, 1985. (Os fatos históricos comprovam a ressurreição de Cristo.)

sobre richarD Dawkins e o livro

http://redditbooks.blissfulways.com/2010/10/19/the-god-delu-sion-by-richard-dawkins-2/

FOTO: arquivO ediTOra cOncórdia

Da criação“Creio em Deus, o Pai todo-poderoso, CRIADOR do céu e da terra.

Que significa isso?Creio que Deus me criou a mim e a todas as criaturas; e me deu corpo e alma, olhos, ouvidos e todos os membros, razão e todos os sentidos, e ainda os conserva; além disso me dá vestes, calçado, comida e bebida,

casa e lar, esposa e filhos, campos, gado e todos os bens. Supre-me abundante e diariamente de todo o necessário para o corpo e a vida; protege-me contra todos os perigos e me guarda e preserva de todo o mal. E tudo isso faz unicamente por sua paterna e divina bondade e misericórdia, sem nenhum mérito ou dignidade da minha parte. Por tudo isso devo dar-lhe graças e louvor, servi-lo e obedecer-lhe. Isto é

certíssimamente verdade.”Martinho Lutero – 1º Artigo do Credo Cristão – Catecismo Menor

Livro de Concórdia – pág. 370 – editoras Concórdia e Sinodal – edição 1993

“Ao SENHOR Deus pertencem o mundo e tudo o que nele existe; a terra e todos os seres vivos que nela vivem são dele. O SENHOR construiu a terra sobre os mares e pôs os seus alicerces nas

profundezas do oceano” (Salmo 24.1,2).[ ]16 Mensageiro | seteMbro 2011

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