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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 15 (2.612) Cidade do Vaticano terça-feira 14 de abril de 2020 y(7HB5G3*QLTKKS( +"!"!&!=!\! O contágio O contágio da esperança da esperança CELEBRAÇÕES DA SEMANA SANTA A fé no Ressuscitado e a nossa tarefa O anúncio da Páscoa na hora escura que o mundo atravessa. Assim nos acompanhou Francisco com a homilia da Vigília e a mensagem Urbi et Orbi, convidando-nos à responsabilidade de nos sentirmos parte de uma única fa- mília. ANDREA TORNIELLI Na homilia da Vigília pascal, cele- brada na noite de Sábado Santo, nu- ma Basílica de São Pedro vazia e en- volta numa atmosfera surreal, o Pa- pa citou a frase que, especialmente nas primeiras semanas da pandemia, muitas pessoas usaram, expondo-a nas janelas e varandas, reproduzin- do-a em cartazes e letreiros: “Tudo vai correr bem”. Para quem perdeu um ente querido não é fácil repeti- la. Ainda menos a podem aceitar aqueles cujas famílias foram destruí- das pelo vírus. Certamente aqueles que, devido à emergência e à crise, já não têm um trabalho e não sabem o que dar de comer aos próprios fi- lhos não ouvem de bom grado este slogan. Ou quantos sentem como um obstáculo a incerteza do porvir, do futuro que nos espera, o qual sa- bemos que vai ser difícil. Vai correr tudo bem? «Nesta noite — disse o Papa — conquistamos um direito fundamen- tal, que não nos será tirado: o direito à esperança. É uma esperança nova, viva, que vem de Deus. Não é mero otimismo, não é uma palmadinha nas costas, nem um encorajamento de circunstância. É um dom do Céu, que não podíamos obter por nós mesmos». «Tudo vai correr bem: re- petimos com tenacidade nestas se- manas — acrescentou Francisco agarrando-nos à beleza da nossa hu- manidade e fazendo subir do cora- ção palavras de encorajamento. Mas, à medida que os dias passam e os medos crescem, até a esperança mais audaz pode desvanecer. A esperança de Jesus é diferente. Coloca no cora- ção a certeza de que Deus sabe transformar tudo em bem, pois até do túmulo faz sair a vida». Portanto, nem tudo correrá bem, mas temos a certeza de que o Res- suscitado que saiu vivo do túmulo é o próprio Crucificado cujo corpo, dilacerado pelos flagelos e sacrifica- do no mais infamante dos suplícios, contemplamos na Sexta-Feira Santa. Deus respondeu à interrogação do porquê da dor e da morte, do sofri- mento inocente, permitindo que o CONTINUA NA PÁGINA 6

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Page 1: A fé O contágio da esperançada esperança€¦ · — confiando na esperança de o poder fazer na solenidade de Pentecostes, a 31 de maio próximo — durante o rito da tarde em

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 15 (2.612) Cidade do Vaticano terça-feira 14 de abril de 2020

y(7HB5G3*QLTKKS( +"!"!&!=!\!

O contágioO contágioda esperançada esperança

CELEBRAÇÕES DA SEMANA SA N TA

A féno Ressuscitadoe a nossa tarefa

O anúncio da Páscoa na hora escuraque o mundo atravessa. Assim nosacompanhou Francisco com a homiliada Vigília e a mensagem Urbi et Orbi,convidando-nos à responsabilidade denos sentirmos parte de uma única fa-mília.

ANDREA TORNIELLI

Na homilia da Vigília pascal, cele-brada na noite de Sábado Santo, nu-ma Basílica de São Pedro vazia e en-volta numa atmosfera surreal, o Pa-pa citou a frase que, especialmentenas primeiras semanas da pandemia,muitas pessoas usaram, expondo-anas janelas e varandas, reproduzin-do-a em cartazes e letreiros: “Tu d ovai correr bem”. Para quem perdeuum ente querido não é fácil repeti-la. Ainda menos a podem aceitaraqueles cujas famílias foram destruí-das pelo vírus. Certamente aquelesque, devido à emergência e à crise,já não têm um trabalho e não sabemo que dar de comer aos próprios fi-lhos não ouvem de bom grado esteslogan. Ou quantos sentem comoum obstáculo a incerteza do porvir,do futuro que nos espera, o qual sa-bemos que vai ser difícil. Vai corrertudo bem?

«Nesta noite — disse o Papa —conquistamos um direito fundamen-tal, que não nos será tirado: o direitoà esperança. É uma esperança nova,viva, que vem de Deus. Não é merootimismo, não é uma palmadinhanas costas, nem um encorajamentode circunstância. É um dom do Céu,que não podíamos obter por nósmesmos». «Tudo vai correr bem: re -petimos com tenacidade nestas se-manas — acrescentou Francisco —agarrando-nos à beleza da nossa hu-manidade e fazendo subir do cora-ção palavras de encorajamento. Mas,à medida que os dias passam e osmedos crescem, até a esperança maisaudaz pode desvanecer. A esperançade Jesus é diferente. Coloca no cora-ção a certeza de que Deus sabetransformar tudo em bem, pois atédo túmulo faz sair a vida».

Portanto, nem tudo correrá bem,mas temos a certeza de que o Res-suscitado que saiu vivo do túmulo éo próprio Crucificado cujo corpo,dilacerado pelos flagelos e sacrifica-do no mais infamante dos suplícios,contemplamos na Sexta-Feira Santa.Deus respondeu à interrogação doporquê da dor e da morte, do sofri-mento inocente, permitindo que o

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 14 de abril de 2020, número 15

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

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Missa «in coena Domini» de Quinta-Feira Santa celebrada na basílica de São Pedro por causa da pandemia de Covid-19

A prece do Papa por todos os sacerdotesPor quantos faleceram para servir nos hospitais e pelos caloniados devido ao escândalo dos abusos

estão longe. Hoje recebi a carta dumsacerdote, capelão duma prisão, dis-tante, que conta como vive esta Se-mana Santa com os reclusos. Umfranciscano. Sacerdotes que vão le-var o Evangelho lá longe; e lá mor-rem. Dizia um bispo que a primeiracoisa que fazia, quando chegava aestes lugares de missão, era ir ao ce-mitério, ao túmulo dos sacerdotesque lá deixaram a vida, ainda jo-vens, pela insalubridade local [asdoenças locais]: não estavam prepa-rados, eles não tinham os anticor-pos. Ninguém sabe o seu nome: ossacerdotes anónimos. Os párocos dealdeia, que são párocos de quatro,cinco, sete paróquias, na montanha,e se deslocam duma para a outra,que conhecem o povo... Uma vezdizia-me um que sabia o nome detodas as pessoas das paróquias. «Asério?» — perguntei-lhe. Retorquiu-me: «Até o nome dos cães»! Conhe-cem a todos... A proximidade sacer-dotal. Bons, bons sacerdotes!

Hoje tenho-vos muito presente nomeu coração, e levo-vos ao altar. Sa-cerdotes caluniados. Nos nossos diassucede, com frequência, não pode-rem caminhar pela estrada sem terde ouvir coisas ruins que lhes dizem,relativas ao drama vivido com a des-coberta dos sacerdotes que fizeramcoisas ruins. Diziam-me alguns quenão podem sair de casa com o cabe-ção, porque os insultam; e eles con-tinuam. Sacerdotes pecadores, que,juntamente com os bispos pecadorese o Papa pecador, não se esquecemde pedir perdão e aprendem a per-doar, porque sabem que precisam depedir perdão e de perdoar. Todossomos pecadores. Sacerdotes que so-frem crises, que não sabem como fa-zer, estão na escuridão...

Hoje todos vós, irmãos sacerdotes,estais comigo no altar; vós, consa-grados. Digo-vos apenas uma coisa:não sejais obstinados como Pedro;deixai lavar-vos os pés. O Senhor éo vosso servo; Ele está junto de vós

para vos dar força, para vos lavar osp és.

E assim, com esta consciência danecessidade de ser lavados, sedegrandes perdoadores! Perdoai! Cora-ção com grande generosidade noperdão. É a medida com que sere-mos medidos: como tu perdoares,serás perdoado. Será a mesma medi-da. Não tenhas medo de perdoar. Àsvezes surgem-nos dúvidas... Olhapara Cristo [contempla o Crucifica-do]. N’Ele, temos o perdão de to-dos. Sede corajosos… mesmo no ar-riscar, no perdoar, para consolar. Ese, naquele momento, não puderdesdar um perdão sacramental, pelomenos dai a consolação dum irmãoque acompanha e deixa a portaaberta para que [aquela pessoa] vol-te.

Agradeço a Deus pela graça dosacerdócio; todos nós [agradece-mos]. Agradeço a Deus por vós, sa-cerdotes. Jesus ama-vos! Pede ape-nas que deixeis lavar-vos os pés.

A Eucaristia, o serviço, a unção: eis arealidade que vivemos hoje, nesta ce-lebração. O Senhor quer ficar con-nosco na Eucaristia, e nós tornamo-nos tabernáculos permanentes doSenhor. Trazemos connosco o Se-nhor, a ponto de Ele próprio nos di-zer que, se não comermos o seuCorpo e não bebermos o seu San-gue, não entraremos no Reino dosCéus. Este é o mistério do Pão e doVinho, do Senhor connosco, em nós,dentro de nós.

O serviço: um procedimento que écondição para entrar no Reino dosCéus. Servir, sim; servir a todos.Mas o Senhor, na troca de palavrasque teve com Pedro (cf. Jo 13, 6-9),faz-lhe compreender que, para entrarno Reino dos Céus, devemos deixarque o Senhor nos sirva, que o Servode Deus seja nosso servo. E isto édifícil de compreender. Se não deixoque o Senhor seja o meu servo, queo Senhor me lave, me faça crescer,me perdoe, não entrarei no Reinodos Céus.

E o s a c e rd ó c i o . Hoje quero estreitara mim os sacerdotes, todos os sacer-dotes, desde o último ordenado atéao Papa. Todos somos sacerdotes.Os bispos, todos... Fomos ungidos,ungidos pelo Senhor; ungidos parafazer a Eucaristia, ungidos para ser-v i r.

Hoje não houve a Missa Crismal(espero que a possamos celebrar an-tes do Pentecostes; caso contrário,teremos que adiá-la para o próximoano), mas não posso deixar passaresta Missa sem recordar os sacerdo-tes. Os sacerdotes, que oferecem avida pelo Senhor; os sacerdotes quesão servos. Nestes dias, aqui na Itá-lia, morreram mais de sessenta, infe-tados ao prestar cuidados aos doen-tes nos hospitais e também aos mé-dicos, aos enfermeiros, às enfermei-ras... São «os santos de ao pé daporta», sacerdotes que, servindo, de-ram a vida. E penso naqueles que

No silêncio ensurdecedor de uma Basílica de SãoPedro quase completamente vazia, devido às medidasde isolamento impostas pela pandemia de Covid-19,o Papa Francisco celebrou no final da tarde de 9 deAbril, Quinta-feira Santa, a missa "in coenaDomini" que marca o início do tríduo pascal. Nãotendo podido presidir de manhã à Missa Crismalque comemora a instituição do sacerdócio— confiando na esperança de o poder fazer nasolenidade de Pentecostes, a 31 de maio próximo —durante o rito da tarde em que se recordaa “Ceia do Senhor” o Pontífice expressou a suaproximidade a todos os sacerdotes do mundo. Nahomilia improvisada (que publicamos abaixo) prestouuma homenagem veemente aos muitos sacerdotes «quemorreram nestes dias pandémicos» — chamando-os“santos da porta ao lado”, como médicos eenfermeiros — e aos “caluniados” por causa do

drama do abuso sexual de menores.Comovido, o Papa pediu-lhes que fossem «corajososno perdão», assegurando-lhes que os levava todospara o altar nesta liturgia simples, essencial edesprovida dos muitos sinais fortes que normalmentea caracterizam. A começar pelo lugar: de facto, desdeque foi eleito, como fez durante o seu ministério emBuenos Aires, o Bispo de Roma visitou sempre umlugar de sofrimento, especialmente prisões, para acelebração que culmina com o tradicional rito dolava-pés. Este ano, o Papa Bergoglio não pôde sairdo Vaticano nem ajoelhar-se diante de prisioneiros oumigrantes para repetir o humilde gesto de serviço feitopor Jesus aos doze apóstolos, na noite da ÚltimaCeia. E assim a missa — transmitida em directo narádio, na televisão e nas redes sociais — foi celebradano altar da cátedra, no esplendor de uma basílicailuminada. A procissão do ofertório não foi realizada,

e também no final foi omitida a reposição doSantíssimo Sacramento. As vozes de um coro reduzidoritmaram os vários momentos litúrgicos, na presençado ícone mariano da Salus populi romani e dogrande crucifixo de madeira de São Marcello “alC o rs o ”, que o Papa foi venerarnas suas sedes no passado dia 15 de março, no inícioda emergência sanitária, e que depois quis em SãoPedro, a partir do dia 27 seguinte, para o momentode oração e adoração do Santíssimo Sacramento. E àsua intercessão foi confiada a oração dos fiéis, comintenções elevadas pela Igreja, pelo sofrimento dospovos, para que «os governantes procurem overdadeiro bem e os povos encontrem a esperança e apaz», pelos ministros do altar, pelos jovens e pelahumanidade aflita, pelos doentes e pelos pobres»,para que todos sejam libertados «da epidemia, daviolência e do egoísmo».

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número 15, terça-feira 14 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Homilia do pregador da casa pontifícia durante a celebração da Paixão do Senhor

Tenho um desígnio de paz, não de sofrimentoSão Gregório Magno dizia que a Es-critura cum legentibus crescit, crescecom aqueles que a leem (Moralia inIob, XX, 1). Exprime significadossempre novos segundo as perguntasque o homem traz no coração ao lê-la. E nós, neste ano, lemos a narrati-va da Paixão com uma pergunta —melhor, com um grito — no coraçãoque se levanta de toda a terra. Deve-mos procurar colher a resposta que apalavra de Deus lhe dá.

O que acabamos de escutar é anarrativa do mal objetivamentemaior jamais cometido na terra. Nóspodemos olhar para ele de dois ân-gulos diversos: ou pela frente, oupor trás, isto é, ou pelas suas causas,ou pelos seus efeitos. Se nos dete-mos nas causas históricas da mortede Cristo, nós nos confundimos ecada um será tentado a dizer comoPilatos: «Eu não sou responsável pe-lo sangue deste homem» (Mt 27,24). A cruz é melhor compreendidapelos seus efeitos do que pelas suascausas. E quais foram os efeitos damorte de Cristo? Justificados pela fénele, reconciliados e em paz comDeus, replenos de esperança de umavida eterna! (cf. Rm 5, 1-5).

Mas há um efeito que a situaçãoem ato nos ajuda a colher em parti-cular. A cruz de Cristo mudou osentido da dor e do sofrimento hu-mano. De todo sofrimento, físico emoral. Ela não é mais um castigo,uma maldição. Foi redimida pelaraiz, quando o Filho de Deus a to-mou sobre si. Qual é a prova maissegura de que a bebida que alguémlhe oferece não está envenenada? Ése ele bebe em sua frente do mesmocopo. Assim fez Deus: na cruz be-beu, ao lado do mundo, do cálice dador até à borra. Mostrou assim queele não está envenenado, mas que háuma pérola em seu fundo.

E não só a dor de quem tem a fé,mas toda dor humana. Ele morreupor todos. «Quando for elevado daterra — dissera — atrairei todos amim» (Jo 12, 32). Todos, não so-mente alguns! «Sofrer — e s c re v i aSão João Paulo II do seu leito nohospital após o atentado — significatornar-se particularmente receptivo,particularmente aberto à ação dasforças salvíficas de Deus, oferecidasem Cristo à humanidade» (Salvificidoloris, 23). Graças à cruz de Cristo,o sofrimento se tornou também ele,à sua maneira, uma espécie de “sa-cramento universal de salvação” parao género humano.

Qual é a luz que tudo isso lançasobre a situação dramática que a hu-manidade está vivendo? Tambémaqui, mais do que para as causas,devemos olhar para os efeitos. Nãoapenas os negativos, dos quais ouvi-mos todo dia as tristes manchetes,mas também os positivos, que so-mente uma observação mais atentanos ajuda a colher.

A pandemia de coronavírus nosdespertou bruscamente do perigomaior que sempre correram os indi-víduos e a humanidade, o do delíriode omnipotência. Temos a ocasião —escreveu um conhecido Rabino ju-deu — de celebrar este ano um espe-cial êxodo pascal, o “do exílio daconsciência” (https://blogs.timesofis-r a e l . c o m / c o ro n a v i ru s - a - s p i r i t u a l - m e s -

sage-from-brooklyn Yaakov YitzhakBiderman). Bastou o menor e maisinforme elemento da natureza, umvírus, para nos recordar que somosmortais, que o poderio militar e atecnologia não bastam para nos sal-var. «Não dura muito o homem ricoe poderoso: — diz um salmo da Bí-blia — é semelhante ao gado gordoque se abate» (Sl 49, 21). E é verda-de!

Enquanto pintava os afrescos dacatedral de São Paulo em Londres, opintor James Thornhill, a um certoponto, foi tomado por tanto entu-siasmo por um afresco seu que, afas-tando-se para vê-lo melhor, não per-cebia que quase despencava no vãodo andaime. Um assistente, horrori-zado, entendeu que um grito dechamada teria apenas acelerado odesastre. Sem pensar duas vezes,molhou um pincel na tinta e o arre-messou contra o afresco. O mestre,pasmo, deu um passo adiante. A suaobra estava comprometida, mas eleestava salvo.

Assim Deus às vezes faz connos-co: confunde os nossos projetos e anossa tranquilidade, para nos salvardo abismo que não vemos. Mas cui-dado para não nos enganarmos. Nãofoi Deus que arremessou o pincelcontra o afresco de nossa orgulhosacivilização tecnológica. Deus é nossoaliado, não do vírus! «Tenho um de-sígnio de paz, não de sofrimento»,ele mesmo nos diz na Bíblia (Jr 29,11). Se esses flagelos fossem castigosde Deus, não seria explicado porque eles caem igualmente nos bons enos maus, e por que geralmente sãoos pobres que têm as maiores conse-quências. Eles seriam mais pecadoresque outros?

Aquele que chorou um dia pelamorte de Lázaro chora hoje pelo fla-gelo que caiu sobre a humanidade.Sim, Deus “s o f re ”, como todo pai etoda mãe. Quando descobrirmos umdia isso, teremos vergonha de todasas acusações que fizemos contra elena vida. Deus participa da nossa dorpara superá-la. «Deus — e s c re v eSanto Agostinho — por ser sobera-namente bom, nunca deixaria qual-quer mal existir em suas obras senão fosse bastante poderoso e bompara fazer resultar do mal o bem»(Enchiridion, 11, 3 PL 40, 236).

Será que Deus Pai quis a mortedo seu Filho, a fim de daí tirar o

bem? Não, simplesmente permitiuque a liberdade humana fizesse oseu percurso, contudo, fazendo-aservir ao seu plano, não ao dos ho-mens. Isto vale também para os ma-les naturais, como terremotos e pes-tilências. Não os provoca. Ele deutambém à natureza uma espécie deliberdade, claro, qualitativamente di-versa daquela moral do homem, masainda assim, sempre uma forma deliberdade. Liberdade de evoluir-sesegundo suas leis de desenvolvimen-to. Não criou o mundo como um re-lógio pré-programado em cada míni-mo movimento. É o que alguns cha-mam de acaso, e que a Bíblia cha-ma, ao contrário, de “sabedoria deD eus”.

O outro fruto positivo da presentecrise de saúde é o sentimento de so-lidariedade. Quando foi, desde quehá memória, que os homens de to-das as nações se sentiram tão uni-dos, tão iguais, tão pouco contencio-sos, como neste momento de dor?Jamais como agora temos sentido averdade de um nosso grande poeta:«Homens, paz! Sobre a terra firmegrande é o mistério» (G. Pascoli, “Idue fanciulli”). Esquecemo-nos dosmuros por construir. O vírus não co-nhece fronteiras. Em um segundo,abateu todas as barreiras e as distin-ções: de raça, de religião, de censo,de poder. Não devemos voltar atrásquando este momento tiver passado.Como tem nos exortado o Santo Pa-dre, não devemos desperdiçar estaocasião. Não deixemos que tantador, tantas mortes, tanto esforço he-róico por parte dos profissionais desaúde tenha sido em vão. É esta a“re c e s s ã o ” que mais devemos temer.

Transformarão suas espadas em ara-dos e suas lanças em foices: não pega-rão em armas uns contra os outros enão mais travarão combate (Is 2, 4).

É o momento de tornar real algodesta profecia de Isaías, da qual ahumanidade desde sempre aguardao cumprimento. Demos um basta àtrágica corrida às armas. Vocês gri-tam com todas as suas forças, jo-vens, porque é acima de tudo o seudestino que está em jogo. Destine-mos os intermináveis recursos em-pregados às armas a finalidades deque, nestas situações, vemos a neces-sidade e a urgência: a saúde, o sa-neamento, a alimentação, o cuidado

da criação. Deixemos à geração quevirá, se necessário, um mundo maispobre de coisas e dinheiro, porémmais rico de humanidade.

A palavra de Deus nos diz qual éa primeira coisa que devemos fazerem momentos como estes: gritar aDeus. É ele mesmo quem põe noslábios dos homens as palavras parase gritar a ele, às vezes, até palavrasduras, de lamento, e quase de acusa-ção. «Levantai-vos, vinde logo emnosso auxílio, libertai-nos pela vossacompaixão! […] Despertai! Não nosdeixeis eternamente!» (Sl 44, 24.27).«Mestre, estamos perecendo e tunão te importas?» (Mc 4, 38).

Será que Deus ama ser imploradopara conceder os seus benefícios?Será que a nossa oração pode fazerDeus mudar seus planos? Não, mashá coisas que Deus decidiu conce-der-nos como fruto, junto com suagraça e a nossa oração, quase comopara compartilhar com as suas cria-turas o mérito do benefício recebido(cf. S. Tomás de Aquino, S. Th. II-II,q. 83, a.2). É ele quem nos impulsio-na a fazê-lo: «Pedi e vos será dado,disse Jesus, batei e a porta vos seráaberta» (Mt 7, 7).

Quando, no deserto, os hebreuseram mordidos por serpentes vene-nosas, Deus ordenou a Moisés paralevantar sobre uma haste uma ser-pente de bronze, e quem a olhavanão morria. Jesus se apropriou destesímbolo. «Como Moisés levantou aserpente no deserto — disse a Nico-demos — assim é necessário que oFilho do Homem seja levantado, pa-ra que todos os que nele crerem te-nham a vida eterna» (Jo 3, 14-15).Também nós, neste momento, somosmordidos por uma invisível “serp en-te” venenosa. Olhemos para aqueleque foi “levantado” por nós sobre acruz. Adoremo-lo por nós e por to-do o género humano. Quem olharpara ele com fé e amor não morrerá.E se morrer, será para entrar na vidaeterna.

«Depois de três dias Eu ressusci-tarei», Jesus predisse (cf. Mt 9, 31).Nós também, depois desses dias queesperamos que sejam curtos, ressus-citemos e saímos dos túmulos denossas casas. Não para voltar à vidaanterior como Lázaro, mas para umanova vida, como Jesus. Uma vidamais fraterna, mais humana. Maiscristã!

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 14 de abril de 2020, número 15

Agradecimento de Francisco aos prisioneiros de Pádua

Deus fala dentro das histórias

Francisco preside à Via-Sacra na praça de São Pedro ritmada pelas meditações escritas numa prisão

Abraçadopelas cruzes do mundo

Giuseppe Ledda pensava que a cruzera mais pesada. Quando, na décimasegunda estação, a recebeu de MariaGrazia Grassi, comissária da Políciaprisional (que tinha carregado o ma-deiro nas precedentes duas estações),deu um um suspiro de alívio, masnão por medo de se cansar: «Nofundo, até na vida a cruz mais pesa-da parece sempre mais dolorosa doque realmente é», pensou consigomesmo. E ele conhece bem o mundodo sofrimento, depois de 43 anos deserviço como enfermeiro na Cidadedo Vaticano.

Mas apesar do silêncio noturno,ele sabe que não está sozinho. Napraça de São Pedro nunca se estásozinho, nem sequer quando ela seencontra vazia como esta noite. Aolado de Giuseppe, os seus colegasda direção da saúde e higiene doGovernatorato do Estado da Cidadedo Vaticano: Maurizio Barigelli, jo-vem auxiliar de enfermeiro, que car-regou a cruz na oitava e nona esta-ções; e Nadia Zapponi, técnica nolaboratório de análises clínicas, queteve a tarefa de levar uma das tochasao lado da cruz. Além deles, Esme-ralda Capristo (que carregou a cruz

na quarta e quinta estações) e Mau-rizio Soave (com uma das tochas),que nestes dias trabalham na primei-ra linha entre os pacientes de coro-navírus na policlínica Gemelli.

Os companheiros de Giuseppe, naVia-Sacra, são cinco representantesda comunidade carcerária “Due Pa-lazzi”, de Pádua: o padre Marco Po-zza, capelão desde 2011, e TatianaMario, jornalista e voluntária, querecolheram os textos das meditaçõespara esta Sexta-Feira Santa. O padreMarco carregou a cruz nas três pri-meiras estações, e Tatiana levou umadas tochas. Além deles, MicheleMontagnoli, ex-prisioneiro, quetransmitiu palavras de arrependi-mento e renascimento. E fê-lo ao la-do do diretor da prisão, ClaudioMazzeo, que carregou a cruz na sex-ta e sétima estações. O itinerário daVia-Sacra na praça, traçado com um“rio” de velas, começou no obeliscoe deu a volta ao mesmo nas primei-ras 8 estações. Era como se nestanoite os braços da colunata, abertospara acolher a todos, estivessem en-trelaçados com os braços da cruz.

Entre o obelisco e o início da es-cadaria do chamado “leque” desdo-

braram-se as últimas 4 estações.Agora o ponto focal para Giuseppee os seus companheiros passou a sero crucifixo de São Marcelo “al Cor-so”, colocado precisamente no iníciodo “leque”. E mais acima, no adro,encontrava-se o Papa à espera dac ru z .

As meditações narraram a expe-riência da capelania da prisão “D uePa l a z z i ” em Pádua: um grupo depessoas meditou sobre a Paixão deJesus, atualizando-a na própria exis-

tência. A vida colocou-os diante desituações difíceis e hoje eles apresen-taram-nas na Via-Sacra, sem nadatransigir: cinco presos, uma famíliavítima de um crime de homicídio, afilha de um condenado à prisão per-pétua, uma educadora penitenciária,um juiz de vigilância, a mãe de umencarcerado, uma catequista, um fra-de voluntário, um polícia penitenciá-rio e um sacerdote acusado e depoisabsolvido definitivamente pela justi-ça, após oito anos de procedimentoo rd i n á r i o .

Entre as várias estações, o Papaleu breves orações. Como uma mãoestendida àqueles que cometeram er-ros e hoje procuram oportunidadesde renascimento. Palavras de encora-jamento para quantos se colocam aoserviço do próximo.

Sem pronunciar o discurso con-clusivo, Francisco quis selar as medi-tações — verdadeiros testemunhos devida — com a tradicional bênção.Mas antes apoiou a testa no madeiroda cruz, que acolhe os sofrimentos eas esperanças de todos, como se dis-sesse: ninguém está sozinho! Espe-cialmente na noite de Sexta-FeiraSanta!

Carta pontifícia ao arcebispo de Turim

No rosto do homem do Sudário o semblantedos irmãos e das irmãs doentes

«No rosto do Homem do Sudáriovemos também o semblante de muitosirmãos e irmãs doentes, especialmentedaqueles que estão mais sós e não sãobem assistidos; mas também de todasas vítimas de guerras e violências,escravidões e perseguições», escreveu oPapa numa carta enviada aoarcebispo de Turim (Itália), na vigíliado encontro de oração ao qual oprelado presidiu diante da veneradamortalha na tarde de Sábado Santo,na capela da catedral.

A Sua Excelência ReverendíssimaD. CESARE NOSIGLIA

Arcebispo de Turime Bispo de Susa

Amado Irmão, soube que no próxi-mo Sábado Santo Vossa Excelênciapresidirá a uma celebração na cape-la onde está conservado o SantoSudário que, extraordinariamente,será exposto a todos aqueles queparticiparem na oração através dosmeios de comunicação social.

Desejo manifestar-lhe o meu ca-loroso apreço por este gesto, quevai ao encontro do pedido do povofiel de Deus, duramente provadopela pandemia do coronavírus.

Também eu me uno à vossa sú-plica, dirigindo o olhar para o Ho-mem do Sudário, em quem reco-nhecemos os traços do Servo doSenhor, que Jesus realizou na suaPaixão: «Homem das dores, experi-

mentado nos sofrimentos [...]. Eletomou sobre si as nossas enfermida-des, e carregou os nossos padeci-mentos [...]. Foi punido pelos nos-sos crimes, esmagado pelas nossasiniquidades. O castigo que nos sal-va pesou sobre Ele; fomos curadosgraças às suas chagas» (Is 53, 3.4-5).

No rosto do Homem do Sudáriovemos também o semblante demuitos irmãos e irmãs doentes, es-pecialmente daqueles que estãomais sós e não são bem assistidos;mas também de todas as vítimas deguerras e violências, escravidões ep erseguições.

Como cristãos, à luz das Escritu-ras, contemplamos nesta Mortalhao ícone do Senhor Jesus crucifica-do, morto e ressuscitado. A Ele nosentregamos, nele confiamos. Jesusdá-nos a força para enfrentar todasas provações com fé, esperança eamor, na certeza de que o Pai ouvesempre os seus filhos que clamam aEle, e salva-os.

Dileto Irmão e todos vós, queri-dos irmãos e irmãs que, através dosmeios de comunicação social, parti-cipareis na oração diante do SantoSudário. Vivamos estes dias em ín-tima união com a Paixão de Cristo,para experimentar a graça e a ale-gria da sua Ressurreição. AbençooVossa Excelência, a Igreja de Turime todos vós, especialmente os doen-tes e sofredores, e quantos cuidam

deles. Que o Senhor conceda paz emisericórdia a todos. Feliz Páscoa!

Fr a t e r n a l m e n t e ,Roma, São João de Latrão, 9 de

abril de 2020.

«Entrei nas dobras das vossas palavras e senti-me acolhido, em casa»,assegurou o Papa Francisco numa mensagem áudio de agradecimento eencorajamento, transmitida à comunidade da prisão Due Palazzi em Pádua(Itália), que preparou as meditações para a Via-Sacra na praça de SãoPedro, na noite de Sexta-Feira Santa. A seguir, a tradução da transcrição dassuas palavras.

Prezados amigos da “paró quia” de Due Palazzi em Pádua!Li as meditações [da Via-Sacra], que preparastes em conjunto. Entrei nasdobras das vossas palavras e senti-me acolhido, em casa. Obrigado porterdes partilhado comigo uma parte da vossa história. Deus narra de simesmo e fala-nos dentro de uma história, convida-nos à escuta atenta emisericordiosa. Quero agradecer-vos também porque espalhastes os vos-sos nomes não no mar do anonimato, mas das numerosas pessoas ligadasao mundo da prisão. Assim, na Via-Sacra, dareis a conhecer a vossa histó-ria a todos aqueles que, no mundo, compartilham a mesma situação. Éconsolador ler uma história em que habitam não só as histórias dos pre-sos, mas de todos aqueles que se apaixonam pelo mundo do cárcere. Jun-tos, é possível. Juntos! Dou-vos um forte abraço. Embora eu tenha a cer-teza de que o padre Marco vo-lo recorda sempre, peço-vos: rezai pormim. Trago-vos sempre no meu coração. Obrigado!

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número 15, terça-feira 14 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Durante a vigília o convite a ser anunciadores de vida em tempos de morte

O direito à esperançaAdmoestação contra as guerras, a produção e comércio de armas e os abortos

Às 21h00 de sábado, 11 de abril, oPapa Francisco presidiu no altar daCátedra da Basílica de São Pedro, àsolene Vigília pascal na noite Santa. Aseguir, o texto da homilia que oPontífice proferiu após a proclamaçãodo Evangelho.

«Terminado o sábado» (Mt 28, 1), asmulheres foram ao sepulcro. OEvangelho desta santa Vigília come-ça assim: com o sábado. Este é o diado Tríduo Pascal que mais descura-mos, ansiosos de passar da cruz desexta-feira à aleluia de domingo. Es-te ano, porém, damo-nos conta,mais do que nunca, do sábado san-to, o dia do grande silêncio; pode-mos rever-nos nos sentimentos quetinham as mulheres naquele dia. Co-mo nós, tinham nos olhos o dramado sofrimento, duma tragédia ines-perada, que se verificou demasiadorapidamente. Viram a morte e ti-nham a morte no coração. À amar-gura, juntou-se o medo: acabariam,também elas, como o Mestre? E de-pois os receios pelo futuro, carecidotodo ele de ser reconstruído. A me-mória ferida, a esperança sufocada.Para elas, era a hora mais escura, co-mo o é hoje para nós.

Contudo, nesta situação, as mu-lheres não se deixam paralisar. Nãocedem às forças obscuras da lamen-tação e da lamúria, não se fechamno pessimismo, nem fogem da reali-dade. No sábado, realizam algo sim-ples e extraordinário: nas suas casas,preparam os perfumes para o corpode Jesus. Não renunciam ao amor:na escuridão do coração, acendem amisericórdia. Nossa Senhora, no sá-bado – dia que Lhe será dedicado –,reza e espera. No desafio da tristeza,confia no Senhor. Sem o saber, estasmulheres preparavam na escuridãodaquele sábado «o romper do pri-meiro dia da semana» (Mt 28, 1), odia que havia de mudar a história.Jesus, como semente na terra, estavapara fazer germinar no mundo umavida nova; e as mulheres, com a ora-ção e o amor, ajudavam a esperançaa desabrochar. Quantas pessoas, nosdias tristes que vivemos, fizeram efazem como aquelas mulheres, se-meando brotos de esperança compequenos gestos de solicitude, de ca-rinho, de oração!

Ao amanhecer, as mulheres vão aosepulcro. Lá diz-lhes o anjo: «Nãotenhais medo. Não está aqui; ressusci-tou» (cf. Mt 28, 5-6). Diante dumtúmulo, ouvem palavras de vida... Edepois encontram Jesus, o autor daesperança, que confirma o anúnciodizendo-lhes: «Não temais» (28, 10).Não tenhais medo, não temais: eis oanúncio de esperança para nós, hoje.Tais são as palavras que Deus nosrepete na noite que estamos a atra-v e s s a r.

Nesta noite, conquistamos um di-reito fundamental, que não nos serátirado: o direito à esperança. É umaesperança nova, viva, que vem deDeus. Não é mero otimismo, não éuma palmada nas costas nem um en-corajamento de circunstância. É umdom do Céu, que não podíamos ob-ter por nós mesmos. Tudo correrá

bem: repetimos com tenacidade nes-tas semanas, agarrando-nos à belezada nossa humanidade e fazendo su-bir do coração palavras de encoraja-mento. Mas, à medida que os diaspassam e os medos crescem, até a es-perança mais audaz pode desvane-cer. A esperança de Jesus é diferente.Coloca no coração a certeza de queDeus sabe transformar tudo embem, pois até do túmulo faz sair avida.

O túmulo é o lugar donde, quementra, não sai. Mas Jesus saiu paranós, ressuscitou para nós, para trazervida onde havia morte, para começaruma história nova no ponto ondefora colocada uma pedra em cima.Ele, que derrubou a pedra da entra-da do túmulo, pode remover as ro-chas que fecham o coração. Por isso,não cedamos à resignação, não colo-quemos uma pedra sobre a esperan-ça. Podemos e devemos esperar,porque Deus é fiel. Não nos deixousozinhos, visitou-nos: veio a cadauma das nossas situações, no sofri-mento, na angústia, na morte. A sualuz iluminou a obscuridade do se-pulcro: hoje quer alcançar os cantosmais escuros da vida. Minha irmã,meu irmão, ainda que no coração te-nhas sepultado a esperança, não de-sistas! Deus é maior. A escuridão e amorte não têm a última palavra. Co-ragem! Com Deus, nada está perdi-do.

C o ra g e m : é uma palavra que, nosEvangelhos, sai sempre da boca deJesus. Só uma vez é pronunciadapor outros, quando dizem a ummendigo: «Coragem, levanta-te que[Jesus] chama-te» (Mc 10, 49). ÉEle, o Ressuscitado, que nos levantaa nós, mendigos. Se te sentes fraco efrágil no caminho, se cais, não te-nhas medo; Deus estende-te a mãodizendo: «Coragem!» Entretanto

poderias exclamar como padre Ab-bondio: «A coragem, não no-la po-demos dar» (I promessi sposi, XXV).Não a podes dar a ti mesmo, maspodes recebê-la, como um presente.Basta abrir o coração na oração, bas-ta levantar um pouco aquela pedracolocada à boca do coração, paradeixar entrar a luz de Jesus. Bastaconvidá-Lo: «Vinde, Jesus, aos meusmedos e dizei também a mim: c o ra -gem!» Convosco, Senhor, seremosprovados; mas não turvados. E, sejaqual for a tristeza que habite emnós, sentiremos o dever de esperar,porque convosco a cruz desagua naressurreição, porque Vós estais con-nosco na escuridão das nossas noi-tes: sois certeza nas nossas incerte-zas, Palavra nos nossos silêncios enada poderá jamais roubar-nos oamor que nutris por nós.

Eis o anúncio pascal, anúncio deesperança. Este contém uma segun-da parte, o envio. «Ide anunciar aosmeus irmãos que partam para a Ga-lileia» (Mt 28,10): diz Jesus. Ele «vaià vossa frente para a Galileia» (28,7): diz o anjo. O Senhor precede-nos. É bom saber que caminha dian-te de nós, que visitou a nossa vida ea nossa morte para nos preceder naGalileia, isto é, no lugar que, paraEle e para os seus discípulos, lem-brava a vida diária, a família, o tra-balho. Jesus deseja que levemos aesperança lá, à vida de cada dia.Mas, para os discípulos, a Galileiaera também o lugar das recordações,sobretudo da primeira chamada.Voltar à Galileia é lembrar-se de tersido amado e chamado por Deus.Precisamos de retomar o caminho,lembrando-nos de que nascemos erenascemos a partir duma chamadagratuita de amor. Este é o pontodonde recomeçar sempre, sobretudonas crises, nos tempos de provação.

Mais ainda. A Galileia era a re-gião mais distante de Jerusalém, on-de estavam. E não só geografica-mente: a Galileia era o lugar maisdistante do caráter sacro da CidadeSanta. Era uma região habitada porpovos diferentes, que praticavam vá-rios cultos: era a «Galileia dos gen-tios» (Mt 4, 15). Jesus envia para lá,pede para recomeçar de lá. Que nosdiz isto? Que o anúncio da esperan-ça não deve ficar confinado nos nos-sos recintos sagrados, mas ser levadoa todos. Porque todos têm necessi-dade de ser encorajados e, se não ofizermos nós que tocamos com amão «o Verbo da vida» (1 Jo 1, 1),quem o fará? Como é belo ser cris-tãos que consolam, que carregam osfardos dos outros, que encorajam:anunciadores de vida em tempo demorte! A cada Galileia, a cada re-gião desta humanidade a que per-tencemos e que nos pertence, por-que todos somos irmãos e irmãs, le-vemos o cântico da vida! Façamoscalar os gritos de morte: de guerras,basta! Pare a produção e o comérciodas armas, porque é de pão que pre-cisamos, não de metralhadoras. Ces-sem os abortos, que matam a vidainocente. Abram-se os corações da-queles que têm, para encher as mãosvazias de quem não dispõe do neces-sário.

No fim, as mulheres «estreitaramos pés» de Jesus (Mt 28, 9), aquelespés que, para nos encontrar, haviampercorrido um longo caminho atéentrar e sair do túmulo. Abraçaramos pés que espezinharam a morte eabriram o caminho da esperança.Hoje nós, peregrinos em busca deesperança, estreitamo-nos a Vós, Je-sus ressuscitado. Voltamos as costasà morte e abrimos os corações paraVós, que sois a Vida.

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número 15, terça-feira 14 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Mensagem “Urbi et Orbi” no final da celebração da missa na basílica de São Pedro

O Ressuscitadosare as feridas da humanidade atribulada

Na manhã de 12 de abril, domingo de Páscoa, oPapa Francisco presidiu, no altar da Cátedra dabasílica de São Pedro, à solene celebração da Missa,no final da qual, do altar da Confissão, dirigiu atradicional mensagem “Urbi et Orbi” aos fiéis que oouviam através da rádio, da televisão e da web.

Queridos irmãos e irmãs, feliz Páscoa!Hoje ecoa em todo o mundo o anúncio da Igreja:«Jesus Cristo ressuscitou»; «ressuscitou verdadeira-mente»!

Como uma nova chama, se acendeu esta BoaNova na noite: a noite dum mundo já a braçoscom desafios epocais e agora oprimido pela pan-demia, que coloca a dura prova a nossa grande fa-mília humana. Nesta noite, ressoou a voz da Igre-ja: «Cristo, minha esperança, ressuscitou!» (Se-quência da Páscoa).

É um «contágio» diferente, que se transmite decoração a coração, porque todo o coração humanoaguarda esta Boa Nova. É o contágio da esperan-ça: «Cristo, minha esperança, ressuscitou!» Não setrata duma fórmula mágica, que faça desvanece-rem-se os problemas. Não! A ressurreição de Cris-to não é isso. Mas é a vitória do amor sobre a raizdo mal, uma vitória que não «salta» por cima dosofrimento e da morte, mas atravessa-os abrindouma estrada no abismo, transformando o mal embem: marca exclusiva do poder de Deus.

O Ressuscitado é o Crucificado; e não outrapessoa. Indeléveis no seu corpo glorioso, traz aschagas: feridas que se tornaram frestas de esperan-ça. Para Ele, voltamos o nosso olhar para que sareas feridas da humanidade atribulada.

Hoje penso sobretudo em quantos foram atingi-dos diretamente pelo coronavírus: os doentes, osque morreram e os familiares que choram a partidados seus queridos e por vezes sem conseguir se-quer dizer-lhes o último adeus.

O Senhor da vida acolha junto de Si no seuReino os falecidos e dê conforto e esperança aquem ainda está na prova, especialmente aos ido-sos e às pessoas sem ninguém. Não deixe faltar asua consolação e os auxílios necessários a quem seencontra em condições de particular vulnerabilida-de, como aqueles que trabalham nas casas de curaou vivem nos quartéis e nas prisões.

Para muitos, é uma Páscoa de solidão, vividaentre lutos e tantos incómodos que a pandemia es-tá a causar, desde os sofrimentos físicos até aosproblemas económicos.

Esta epidemia não nos privou apenas dos afetos,mas também da possibilidade de recorrer pessoal-mente à consolação que brota dos Sacramentos, es-pecialmente da Eucaristia e da Reconciliação. Emmuitos países, não foi possível aceder a eles, mas oSenhor não nos deixou sozinhos! Permanecendounidos na oração, temos a certeza de que Ele colo-cou sobre nós a sua mão (cf. Sal 139/138, 5), repe-tindo a cada um com veemência: Não tenhas me-do! «Ressuscitei e estou contigo para sempre» (cf.Missal Romano).

Jesus, nossa Páscoa, dê força e esperança aosmédicos e enfermeiros, que por todo o lado ofere-cem um testemunho de solicitude e amor ao próxi-mo até ao extremo das forças e, por vezes, até ao

sacrifício da própria saúde. Para eles, bem comopara quantos trabalham assiduamente para garantiros serviços essenciais necessários à convivência ci-vil, para as forças da ordem e os militares que emmuitos países contribuíram para aliviar as dificul-dades e tribulações da população, vai a nossa sau-dação afetuosa juntamente com a nossa gratidão.

Nestas semanas, alterou-se improvisamente a vi-da de milhões de pessoas. Para muitos, ficar emcasa foi uma ocasião para refletir, parar os ritmosfrenéticos da vida, permanecer com os próprios fa-miliares e desfrutar da sua companhia. Mas, paramuitos outros, é também um momento de preocu-pação pelo futuro que se apresenta incerto, peloemprego que se corre o risco de perder e pelas ou-tras consequências que acarreta a atual crise. Enco-rajo todas as pessoas que detêm responsabilidadespolíticas a trabalhar ativamente em prol do bemcomum dos cidadãos, fornecendo os meios e ins-trumentos necessários para permitir a todos que le-vem uma vida digna e favorecer – logo que as cir-cunstâncias o permitam – a retoma das atividadesdiárias habituais.

Este não é tempo para a indiferença, porque omundo inteiro está a sofrer e deve sentir-se unidoao enfrentar a pandemia. Jesus ressuscitado dê es-perança a todos os pobres, a quantos vivem nasperiferias, aos refugiados e aos sem abrigo. Não se-jam deixados sozinhos estes irmãos e irmãs maisfrágeis, que povoam as cidades e as periferias detodas as partes do mundo. Não lhes deixemos fal-tar os bens de primeira necessidade, mais difíceisde encontrar agora que muitas atividades estão en-cerradas, bem como os medicamentos e sobretudoa possibilidade duma assistência sanitária adequa-da. Em consideração das presentes circunstâncias,sejam abrandadas também as sanções internacio-nais que impedem os países visados de proporcio-nar apoio adequado aos seus cidadãos e seja per-mitido a todos os Estados acudir às maiores neces-sidades do momento atual, reduzindo — se nãomesmo perdoando — a dívida que pesa sobre osorçamentos dos mais pobres.

Este não é tempo para egoísmos, pois o desafioque enfrentamos nos une a todos e não faz distin-ção de pessoas. Dentre as muitas áreas do mundoafetadas pelo coronavírus, penso de modo especialna Europa. Depois da II Guerra Mundial, esteContinente pôde ressurgir graças a um espíritoconcreto de solidariedade, que lhe permitiu supe-rar as rivalidades do passado. É muito urgente, so-bretudo nas circunstâncias presentes, que tais riva-lidades não retomem vigor; antes, pelo contrário,todos se reconheçam como parte duma única famí-lia e se apoiem mutuamente. Hoje, à sua frente, aUnião Europeia tem um desafio epocal, de quedependerá não apenas o futuro dela, mas tambémo do mundo inteiro. Não se perca esta ocasião pa-ra dar nova prova de solidariedade, inclusive recor-rendo a soluções inovadoras. Como alternativa,resta apenas o egoísmo dos interesses particulares ea tentação dum regresso ao passado, com o riscode colocar a dura prova a convivência pacífica e oprogresso das próximas gerações.

Este não é tempo para divisões. Cristo, nossapaz, ilumine a quantos têm responsabilidades nosconflitos, para que tenham a coragem de aderir aoapelo a um cessar-fogo global e imediato em todosos cantos do mundo. Este não é tempo para conti-nuar a fabricar e comercializar armas, gastando so-mas enormes que deveriam ser usadas para cuidardas pessoas e salvar vidas. Ao contrário, seja otempo em que finalmente se ponha termo à longaguerra que ensanguentou a amada Síria, ao confli-to no Iémen e às tensões no Iraque, bem como noLíbano. Seja este o tempo em que retomem o diá-logo israelitas e palestinenses para encontrar umasolução estável e duradoura que permita a ambos

os povos viverem em paz. Cessem os sofrimentosda população que vive nas regiões orientais daUcrânia. Ponha-se termo aos ataques terroristasperpetrados contra tantas pessoas inocentes em vá-rios países da África.

Este não é tempo para o esquecimento. A criseque estamos a enfrentar não nos faça esquecermuitas outras emergências que acarretam sofrimen-tos a tantas pessoas. Que o Senhor da vida Semostre próximo das populações da Ásia e da Áfri-ca que estão a atravessar graves crises humanitá-rias, como na Região de Cabo Delgado, no nortede Moçambique. Acalente o coração das inúmeraspessoas refugiadas e deslocadas por causa de guer-ras, seca e carestia. Proteja os inúmeros migrantese refugiados, muitos deles crianças, que vivem emcondições insuportáveis, especialmente na Líbia ena fronteira entre a Grécia e a Turquia. E não que-ro esquecer a ilha de Lesbos. Faça com que na Ve-nezuela se chegue a soluções concretas e imediatas,destinadas a permitir a ajuda internacional à popu-lação que sofre por causa da grave conjuntura po-lítica, socioeconómica e sanitária.

Queridos irmãos e irmãs!Verdadeiramente palavras como indiferença,

egoísmo, divisão, esquecimento não são as quequeremos ouvir neste tempo. Mais, queremos bani-las de todos os tempos! Aquelas parecem prevale-cer quando em nós vencem o medo e a morte, istoé, quando não deixamos o Senhor Jesus vencer nonosso coração e na nossa vida. Ele, que já derrotoua morte abrindo-nos a senda da salvação eterna,dissipe as trevas da nossa pobre humanidade e in-troduza-nos no seu dia glorioso, que não conheceo caso.

Com estas reflexões, gostaria de vos desejar a to-dos uma Páscoa feliz.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

A fé no Ressuscitado e a nossa tarefa

Celebrações da Páscoa na Basílica de São Pedro

Na carícia de Francisco à Saluspopuli Romani — e no sinal dacruz feito com a mão que acabavade cariciar a imagem — estão todaa energia da missa da Páscoa e daSemana Santa, que acabava deser celebrada, e toda a força damensagem Urbi et Orbi que, al-guns momentos depois, o bispode Roma transmitiu ao mundo,do altar da Confissão de Pedro.

Parecia que o Papa tinha pressade ir saudar a Salus populi Roma-ni, no final da celebração da Eu-caristia no altar da cátedra, namanhã de domingo, 12 de abril.Para lá se dirigiu com passos rá-pidos, acompanhado pelo cantoda antífona do Regina Caeli, fi-xando imediatamente o olhar daMãe de Deus, tal como um filhofaz com a própria mãe.

Foi como se a carícia do Papa eo sinal da cruz tivessem reunidoem si as orações de gerações decristãos. Francisco sabe bem queuma cópia da Salus popoli Romaniera oferecida a todos os jesuítasque partiam em missão, e atéMatteo Ricci recebeu uma quedepois confiou ao imperador daChina. Francisco sabe que esta étambém a imagem que acompa-nha as missões impossíveis. Foipor isso que, em tempos de pan-demia, durante toda a SemanaSanta, a quis ao lado do crucifixode San Marcelo “al Corso”, colo-cado no centro do presbitério.

A cruz e o ícone mariano — jásímbolos da Jmj — também setornaram sinais de esperança e re-nascimento nesta época comple-xa. E se o crucifixo de São Mar-celo recorda a libertação da cida-de da peste há quinhentos anos,foi à Salus populi Romani que, em1835, o Papa Gregório XVII rezoupara salvar Roma da cólera.

Há tudo isto na Páscoa inéditado Papa Francisco: a vigília no-turna, a missa matutina e a men-sagem da Páscoa com a bênçãoUrbi et Orbi transmitida do altarda Confissão, onde se desce ao

túmulo de Pedro. Numa basílicaextraordinariamente vazia masque na realidade nunca está vazia,devido aos séculos de peregrina-ções.

Francisco foi acompanhado porum “séquito” verdadeiramente es-pecial: todas as imagens de santosque, esculpidas nos seus gestos defé e caridade, partilham o heroís-mo cristão que hoje — recorda oPa p a — é mais necessário do quenunca.

Tudo foi essencial, sóbrio, dire-to, sem os hinos italiano e ponti-fício, sem o jardim ornamentadopor floricultores holandeses, queassim interromperam uma longatradição, oferecendo este ano vin-te mil rosas aos médicos que ser-vem na linha de frente nos hospi-tais dos Países Baixos.

Introduziu a bênção do Papa ocardeal arcipreste Angelo Comas-tri, anunciando a concessão daIndulgência plenária, «segundo aforma estabelecida pela Igreja, atodos os que receberem a bênçãoatravés dos vários meios de comu-nicação ou unindo-se ao rito, ain-da que só espiritualmente e com aprópria vontade». Uma fórmula,a mesma utilizada para o momen-to de oração extraordinário de 27de março, concebida especifica-mente aos que se encontram emunidades de cuidados intensivos:como pacientes, enfermeiros emédicos.

A missa do Domingo de Pás-coa começou às 11h00 no altar dacátedra.Foi omitido o rito do“R e s u r re x i t ”l. O Evangelho foicantado em latim e grego. Naoração dos fiéis elevaram-se súpli-cas para que «a graça da Páscoafaça resplandecer a Igreja comnova beleza»; para que «a luzdeslumbrante da Páscoa ilumineas escolhas dos governantes»; pa-ra que «a riqueza dos dons pas-cais encha de superabundância ospobres e os aflitos»; para que «anova vida que brota da Páscoachegue a todos os batizados»; e

para que «a vitória pascal sobre omal e a morte console os doentes,os moribundos e quantos os assis-tem».

Na noite de Sábado Santo, oPapa presidiu à Vigília pascal noaltar da cátedra, sem administrarbatismos e sacramentos da inicia-ção cristã. Na procissão inicial,atravessou a nave central da basí-lica e passou ao lado do altar deSão José, detendo-se diante do al-tar da Confissão para o rito dabênção do fogo. Omitiu-se a par-te da preparação do Círio pascal,que contudo foi aceso pelo bispode Roma.

Durante a breve procissão daConfissão ao altar da Cátedra, odiácono cantou três vezes a invo-cação de “Lumen Christi”. Quan-do foi acesa a vela de Francisco,as luzes da basílica também seacenderam sequencialmente, até àiluminação completa com o cantodo Glória, acompanhado tambémpelo badalar dos sinos. A terceiraparte da vigília centrou-se na re-novação das promessas batismais,relançadas pela oração dos fiéis.O diácono elevou a súplica aDeus para que preserve «na Igre-ja a perene novidade da Páscoa»,suscite «nos bispos» a sua «sedede salvação para cada homem»,«derrame nos governantes» o seu«Espírito de sabedoria e clarivi-dência», faça «triunfar» a sua«vitória sobre o mal que aflige ahumanidade», alimente «nos bati-zados a fé, a esperança e a carida-de», reavive «em todas as famíliasa disponibilidade ao dom recípro-co», vença «a dureza dos cora-ções» e abra «todos à ação» dasua «graça», encha «com a abun-dância» dos seus «dons os pobrese os que sofrem», e permita que«os mortos contemplem eterna-mente» o seu «rosto».

A celebração, sóbria e essencial,concluiu-se com o canto da antí-fona mariana Regina Caeli, queFrancisco ouviu em oração diantedo ícone Salus populi Romani.

seu Filho a experimentasse, paraque nunca mais ficássemos sozi-nhos. «Cristo, minha esperança,ressuscitou, disse o Papa na men-sagem Urbi et Orbi. Não se tratade uma fórmula mágica, que fazdesaparecer os problemas. Não! Aressurreição de Cristo não é isto.Mas é a vitória do amor sobre araiz do mal, uma vitória que não“contorna” o sofrimento e a mor-te, mas os atravessa abrindo umcaminho no abismo, transforman-do o mal em bem: a marca exclu-siva do poder de Deus».

Mas a mensagem pascal deFrancisco exorta-nos com realis-mo à nossa responsabilidade, pois«este não é o tempo da indiferen-ça, porque o mundo inteiro está asofrer e deve sentir-se unido ao

enfrentar a pandemia». Ele exortatodos nós a colocar à disposiçãoos cinco pães e os dois peixesque, graças ao milagre da multi-plicação e da partilha, servirampara alimentar a multidão. Pois«este não é o tempo do egoísmo,porque o desafio que enfrentamosnos une a todos e não faz distin-ção de pessoas». Porque estapandemia exorta todos nós a sercorajosos e a dizer sim à vida, co-mo o Papa repetiu durante a Vi-gília: «Façamos calar os gritos demorte, de guerra, basta! Parem aprodução e o comércio de armas,porque é de pão que precisamos,não de espingardas. Cessem osabortos, que matam a vida ino-cente. Abram-se os corações da-queles que têm, para encher asmãos vazias de quem não dispõedo necessário».

Neste contexto, há espaço in-clusive para um apelo à Europa, afim de que nesta hora escura asrivalidades não retomem vigor,mas que todos «se reconheçamcomo parte de uma única famíliae se apoiem mutuamente». Hoje,advertiu Francesco, «à sua frente,a União Europeia tem um desafioepocal, de que dependerá nãoapenas o seu futuro, mas tambémo do mundo inteiro. Não se percaesta ocasião para dar nova provade solidariedade, inclusive recor-rendo a soluções inovadoras. Co-mo alternativa, restam apenas oegoísmo de interesses particularese a tentação de um regresso aopassado, com o risco de colocar àdura prova a convivência pacíficae o progresso das próximas gera-ções».

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 14 de abril de 2020, número 15

Entrevista ao Secretário de Estado Pietro Parolin

Apesar do medo não nos fechemos

Transferida para o dia 13 de setembro a Coleta para a Terra Santa

CO N T I N UA NA PÁGINA 11

ANDREA TORNIELLI

«A Igreja vigia com cada um. Está próxima dequantos sofrem e estão necessitados». O Secretá-rio de Estado Pietro Parolin exprimiu assim aproximidade da Igreja neste momento dramáticoque a humanidade está a viver por causa da pan-demia. O cardeal, nesta entrevista concedida aosmeios de comunicação do Vaticano, exortou anunca deixar faltar a «solidariedade internacio-nal»: apesar da emergência e do medo, «é tempode não nos fecharmos em nós mesmos».

Como estão a viver o Papa e a Cúria Romana estemomento de emergência?

Estamos a partilhar com todas as pessoas umperíodo difícil. Para muitos, é um momento dra-mático. Penso nos doentes, nos idosos sobretudo,nos moribundos, nas suas famílias. Estamos notempo da vigília pascal. A Igreja vigia com cadaum. Está próxima de quantos sofrem e estão ne-cessitados. Precisamos ser libertados da prisão dotempo vivido na frustração, da ameaça da doençae da morte. «Lázaro, vem para fora!» (Jo 11, 43),é o clamor que ressoa no tempo, particularmenteneste, para que possa ser um novo tempo da vidae do espírito. O Santo Padre Francisco procuratodas as formas possíveis de estar próximo daspessoas, em todo o mundo. Para ele, o contatocom as pessoas sempre foi fundamental e, mesmoque de uma forma nova e sem precedentes, elepretende mantê-lo. A transmissão diária ao vivoda Santa Missa em Santa Marta é um sinal con-creto disso. A oração constante pelas vítimas, suasfamílias, pessoal da saúde, voluntários, sacerdotes,trabalhadores, famílias, é outro sinal concreto. To-dos nós, colaboradores, procuramos ajudá-lo amanter contato com as Igrejas de todos os paísesdo mundo.

Que acontecimento dramático é este, que está a afetaras famílias, a mudar a vida das pessoas e a causargraves repercussões inclusive no sistema económico, en-sinando-nos?

Estamos a viver uma tragédia que terá conse-quências significativas nas nossas vidas. Em pri-meiro lugar, estamos a confrontar-nos com a nos-sa fragilidade e vulnerabilidade. Damo-nos contade que não somos criadores, mas pobres criaturas,que existem porque Alguém lhes dá vida em cadamomento. Não somos os donos absolutos. Bastaum nada, um inimigo misterioso e invisível, paranos fazer sofrer, para nos fazer adoecer gravemen-

te, para nos fazer morrer. Encontramo-nos peque-nos, inseguros, indefesos, a precisar de ajuda. So-mos também confrontados com o essencial, com oque realmente importa. É-nos oferecida a possibi-lidade de redescobrir o valor da família, da ami-zade, das relações interpessoais, das relações quenormalmente negligenciamos, da solidariedade,da generosidade, da partilha, da proximidade naconcretude das pequenas coisas. Precisamos unsdos outros e das comunidades e sociedades paranos ajudar a cuidar uns dos outros. Por fim, creioque este é um momento oportuno para voltar aDeus com todo o coração, como nos recordou oPapa Francisco no extraordinário momento deoração de 27 de março e alguns dias antes, noPaiNosso «ecuménico» que rezou juntamentecom todos os cristãos do mundo.

Como nos ajuda a fé cristã a olhar para a realidadedestes dias?

A fé cristã é a irrupção de Deus na história hu-mana. Deus que se faz carne, Deus que vem paracompartilhar tudo na nossa existência exceto opecado, disposto a sofrer e morrer para nos salvar.Estamos a preparar-nos para celebrar a Páscoa

nesta Quaresma muito especial: Jesus ressuscita,vence a morte, dá vida. O olhar de fé, nestes tem-pos difíceis, ajuda-nos a abandonar-nos cada vezmais a Deus, a bater à Sua porta com a nossaoração incessante para que Ele possa encurtar estetempo de provação. Ajuda-nos a ver o bem quenos rodeia e que é testemunhado por muitas pes-soas. É reconfortante constatar a criatividade pas-toral, já mencionada pelo Papa Francisco, de bis-pos, sacerdotes, religiosos e religiosas e o empe-nho de muitos leigos. Eles são a «voz» do Evan-gelho. Assim como o são todos aqueles (médicos,enfermeiros e voluntários) que lutam contra adoença. Penso que é bom ver como a Igreja, quevive imersa na realidade do seu povo, procura eencontra mil caminhos, usando todos os meiospossíveis, para que as pessoas não estejam sozi-nhas, possam rezar e receber uma palavra de con-forto. Surpreendeu-me que, mesmo no dramaatual, existe uma forma de se expressar — p orexemplo, através da música e do canto — para es-tarmos juntos. Gostaria que isto também pudesseacontecer de alguma forma nas paróquias. Seriabom que todas as igrejas, ao mesmo tempo, aomeio-dia, por exemplo, tocassem seus sinos porum minuto; e que este som fosse uma chamada aorar juntos, mesmo estando fisicamente distan-tes...

O que nos pode dizer sobre a situação de saúde dosfuncionários da Santa Sé?

Como sabeis, no momento atual, há sete casosde positividade de Covid-19. No início de marçohouve o caso de uma pessoa que passou pelas clí-nicas do nosso serviço de saúde para exames mé-dicos em vista da admissão na Cúria. A este pri-meiro caso, foram acrescentados mais seis nas úl-timas semanas. Todos eles superaram a fase críticae estão agora a melhorar. Obviamente, como naItália e em todos os países do mundo, acompa-nhamos a situação dia após dia, hora após hora,graças ao empenho dos nossos médicos e enfer-m e i ro s .

O que está a fazer concretamente a Santa Sé nestemomento para ajudar as Igrejas do mundo?

A Santa Sé, através dos seus Dicastérios, estáempenhada em manter o contacto com as Igrejasparticulares, procurando ajudar, na medida dopossível, as populações particularmente atingidaspela propagação do coronavírus, independente-mente da pertença religiosa ou nacionalidade, co-mo sempre fez. Desde o início da emergência desaúde a nível mundial, o próprio Santo Padrequis expressar a sua proximidade e solidariedadecom a população chinesa, enviando um dom à or-ganização caritativa JindeCharities e à diocese deHong Kong, e mais tarde também ao Irão, à Itá-lia e à Espanha. E várias iniciativas estão a ser es-tudadas para concretizar a solidariedade e dar tes-temunho da caridade.

As missas e outras celebrações — incluindo os funerais— estão suspensas, mas as igrejas ainda estão abertasem quase todos os lugares. O que isto significa? Oque gostaria de dizer aos crentes que não podem rece-ber os sacramentos?

A suspensão das celebrações foi necessária paraevitar as reuniões de massa. Mas em quase todasas cidades as igrejas ainda estão abertas e esperoque as que estiverem fechadas reabram quanto an-tes: nelas há a presença de Jesus na Eucaristia, ossacerdotes continuam a rezar e a celebrar a SantaMissa pelos fiéis que não podem estar presentes.É bom pensar que a porta da casa de Deus per-manece aberta, assim como as portas das nossascasas estão abertas, embora sejamos fortementeconvidados a não sair, exceto por motivos de for-ça maior. A família é uma Igreja doméstica, pode-mos rezar e preparar-nos para a Páscoa, seguindoas liturgias e as orações pela televisão. Aos muitos

Este ano a Coleta para a TerraSanta será deslocada para do-mingo, 13 de setembro, em pro-ximidade da Festa da Exalta-ção da Santa Cruz: o PapaFrancisco estabeleceu-o acei-tando a proposta da Congrega-ção para as Igrejas orientais,ditada pela atual situação deemergência causada pela covid-19. O anuncio foi dado a 2de abril, num comunicado assi-nado pelo cardeal prefeito damesma congregação, LeonardoSandri, e pelo subsecretário,Rev.do Pe. Flavio Pace.

A pandemia — explica o do-cumento — «envolve muitas na-ções e em muitas delas existemmedidas preventivas que impe-

dem a normal celebração co-munitária dos ritos da SemanaSanta».

«As comunidades cristãs naTerra Santa, também expostasao risco de contágio e vivendoem contextos muito difíceis —continua o comunicado —, be-neficiam todos os anos da ge-nerosa solidariedade dos fiéisde todo o mundo, para podercontinuar a sua presença evan-gélica, assim como manter es-colas e estruturas assistenciaisabertas a todos os cidadãospara a educação humana, aconvivência pacífica e o cuida-do especialmente dos mais pe-queninos e pobres». Por estarazão, o Papa aprovou a deci-

são de adiar a coleta para adata que, tanto no Oriente co-mo no Ocidente, se celebra amemória da «descoberta da re-líquia da Cruz por Santa He-lena e, de facto, o início doculto público em Jerusalémcom a construção da Basílicado Santo Sepulcro». Destemodo, conclui o comunicado,a iniciativa de solidariedade«será um sinal de esperança ede salvação redescoberta de-pois da Paixão com a qualmuitos povos estão agora asso-ciados, assim como de solida-riedade com aqueles que conti-nuam a viver o Evangelho deJesus na Terra onde tudo co-meçou».

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número 15, terça-feira 14 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

Com o crucifixoe o Evangelho

O Pontífice propôs uma grande liturgia doméstica

C AT E Q U E S E

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Nestas semanas de apreensão devi-do à pandemia que está a fazer omundo sofrer tanto, entre as mui-tas perguntas que nos fazemos, po-de haver também algumas sobreDeus: o que faz Ele face à nossador? Onde está Ele quando tudocorre mal? Porque é que Ele nãoresolve os nossos problemas rapida-mente? Estas são perguntas que fa-zemos sobre Deus.

Somos ajudados pela história daPaixão de Jesus, que nos acompa-nha nestes dias santos. Também ne-la, de facto, as questões são tantas.O povo, depois de ter acolhido Je-sus triunfantemente em Jerusalém,perguntou-se se ele finalmente o li-bertaria dos seus inimigos (cf. Lc24, 21). Esperavam um Messias po-deroso, triunfante, com uma espa-da. Em vez disso, chega um mansoe humilde de coração, convidandoà conversão e à misericórdia. E foia precisamente multidão que o ti-nha aclamado quem bradou: «Sejacrucificado!» (Mt 27, 23). Aquelesque o seguiam, confusos e assusta-dos, abandonaram-no. Eles pensa-ram: se este é o destino de Jesus,não é Ele o Messias, porque Deus éforte, Deus é invencível.

Mas, se continuarmos a ler a his-tória da Paixão, encontramos umfacto surpreendente. Quando Jesusmorre, o centurião romano que nãoera crente, não era judeu, mas pa-gão, que o tinha visto sofrer nacruz, o tinha ouvido perdoar a to-dos, que tinha constatado o seuamor sem medida, confessa: «Ve r -d a d e i ra m e n t e este homem era o Fi-lho de Deus» (Mc 15, 39). Ele dizexatamente o oposto dos outros.Ele diz que Deus está ali, que éverdadeiramente D eus.

Hoje podemos perguntar-nos:qual é a verdadeira face de Deus?Normalmente projetamos n’Eleaquilo que somos, até ao limite donosso poder: o nosso sucesso, onosso sentido de justiça e até anossa indignação. Mas o Evange-lho diz-nos que Deus não é assim.Ele é diferente e nós não O podía-mos conhecer com as nossas pró-prias forças. Foi por isso que ele seaproximou de nós, veio ao nossoencontro e precisamente na Páscoa

se revelou completamente. E ondeé que ele se revelou completamen-te? Na cruz. Nela aprendemos ostraços do rosto de Deus. Não es-queçamos, irmãos e irmãs, que acruz é a cátedra de Deus. Far-nos-ábem olhar para o Crucificado emsilêncio e ver quem é o nosso Se-nhor: é Aquele que não aponta odedo contra ninguém, nem sequercontra aqueles que o crucificam,mas abre os braços a todos; quenão nos esmaga com a sua glória,mas deixa-se despojar por nós; quenão nos ama com palavras, masnos dá vida em silêncio; que nãonos força, mas nos liberta; que nãonos trata como estranhos, mas as-sume sobre si o nosso mal, assumesobre si os nossos pecados. E isto,para nos libertar dos preconceitosacerca de Deus, olhemos para oCrucificado. E depois abramos oEvangelho. Nestes dias, todos emquarentena e em casa, fechados,peguemos nestas duas coisas nasnossas mãos: o Crucifixo, olhemospara ele; e abramos o Evangelho.Isto será para nós — digamos assim— como uma grande liturgia do-méstica, porque, nestes dias, nãopodemos ir à igreja. Crucifixo eEvangelho!

No Evangelho lemos que quan-do as pessoas procuram Jesus paraO fazer rei, por exemplo, depoisda multiplicação dos pães, Ele par-te (cf. Jo 6, 15). E quando os de-mónios querem revelar a sua majes-tade divina, ele silencia-os (cf. Mc1, 24-25). Porquê? Porque Jesusnão quer ser mal interpretado, nãoquer que as pessoas confundam o

verdadeiro Deus, que é amor humil-de, com um deus falso, um deusmundano que dá espetáculo e seimpõe pela força. Ele não é umídolo. Ele é Deus que se fez ho-mem, como cada um de nós, e seexpressa como homem, mas com aforça da sua divindade. Em vezdisso, quando é solenemente pro-clamada no Evangelho a identida-de de Jesus? Quando o centuriãodiz: «Verdadeiramente ele era o Filhode Deus». Ali está escrito, acaboude doar a sua vida na cruz, portan-to já não nos podemos enganar:vê-se que Deus é omnipotente noa m o r, e não de qualquer outra for-ma. É a sua natureza, porque é as-sim que ele é feito. Ele é Amor.

Pode-se objetar: “Para que queroeu um Deus tão fraco, que morre?Eu preferia um deus forte, umdeus poderoso”! Mas sabe, o poderdeste mundo passa, enquanto oamor permanece. Só o amor pre-serva a vida que temos, porqueabraça as nossas fragilidades etransforma-as. É o amor de Deusque na Páscoa curou o nosso peca-do com o seu perdão, que fez damorte uma passagem de vida, quetransformou o nosso medo em con-fiança, a nossa angústia em espe-rança. A Páscoa diz-nos que Deuspode transformar tudo em bem.Que com Ele podemos verdadeira-mente confiar que tudo correrá

bem. E isto não é uma ilusão, por-que a morte e a ressurreição de Je-sus não são uma ilusão: foram umaverdade! É por isso que na manhãda Páscoa nos é dito: «Não tenhaismedo!» (cf. Mt 28, 5). E as ques-tões angustiantes sobre o mal nãodesaparecem de repente, mas en-contram no Ressuscitado a base só-lida que nos permite não naufra-g a r.

Estimados irmãos e irmãs, Jesusmudou a história ao aproximar-sede nós e fez dela, embora aindamarcada pelo mal, uma história desalvação. Ao oferecer a sua vida nacruz, Jesus também venceu a mor-te. Do coração aberto do Crucifica-do, o amor de Deus chega a cadaum de nós. Podemos mudar asnossas histórias aproximando-nosd’Ele, aceitando a salvação que Elenos oferece. Irmãos e irmãs, abra-mos-lhe o coração em oração estasemana, nestes dias: com o Crucifi-xo e com o Evangelho. Não vos es-queçais: Crucifixo e Evangelho. Es-ta será a liturgia doméstica. Abra-mos-lhe todo o nosso coração naoração, deixemos que o seu olharesteja sobre nós e compreendere-mos que não estamos sozinhos,mas que somos amados, porque oSenhor não nos abandona e nuncanos esquece. E com estes pensa-mentos, desejo-vos uma SemanaSanta e uma Páscoa Santa.

No final da catequese, o Santo Padresaudou em várias línguas os fiéis queo seguiam através dos meios decomunicação, dirigindo aos deexpressão portuguesa as seguintesp a l a v ra s .

Queridos fiéis de língua portu-guesa, de coração vos saúdo, dese-jando-vos um Tríduo Pascal verda-deiramente santo que vos ajude aviver a Páscoa, cheios de alegria,consolação e, sobretudo, esperança,certos de que a Ressurreição deCristo é também a nossa vitória.Boa Páscoa!

«Não vos esqueçais: Crucifixo e Evangelho». Eis «a grande liturgiadoméstica» proposta pelo Papa Francisco para esta particular Semana Santa,em tempos de pandemia. Foi a sugestão que quis partilhar na audiência geralde quarta-feira, 8 de abril, na Biblioteca do palácio apostólico do Vaticano.Eis o texto da catequese do Pontífice.

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 14 de abril de 2020, número 15

Mensagem do Dicastério para os leigos, a família e a vida

Próximos dos idososPorque na solidão o coronavírus mata mais

Mensagem aos budistas por ocasião da festa de Vesakh

Para uma cultura de compaixão e fraternidade

Publicamos a mensagem que o Dicasté-rio para os leigos, a família e a vidadedicou — a 7 de abril — aos idosos detodo o mundo que estão a pagar o preçomais alto da pandemia da Covid-19.

Queridas irmãs e queridos irmãosNo coração desta «tempestade

inesperada e furiosa, percebemos —como o Papa Francisco nos lembrou— que estamos no mesmo barco».Dentro do barco estão também osidosos. Como todos, eles se encon-tram frágeis e desorientados. A elesse dirige hoje o nosso pensamentopreocupado e agradecido, para retri-buir pelo menos um pouco daquelaternura com a qual cada um de nósfoi acompanhado na sua vida e paraque o carinho materno da Igreja che-gue a cada um deles.

A geração dos nossos idosos, nes-tes dias — difíceis para todos — estáa pagar o preço mais alto pela pan-demia de Covid-19. As estatísticasnos dizem que na Itália mais de80% das pessoas que perderam a vi-da tinham mais de 70 anos.

Há algumas semanas, o PapaFrancisco disse que «a solidão podeser uma doença, mas com caridade,proximidade e conforto espiritualpodemos curá-la». Estas palavrasajudam a entender que, se é verdadeque o coronavírus é mais letal quan-do encontra um corpo debilitado,em muitos casos a patologia anterioré a solidão. Não é por acaso que es-tamos a testemunhar a morte, em

proporções e modalidades terríveis,de muitas pessoas que vivem longedas suas famílias, em condições desolidão verdadeiramente debilitantese desanimadoras.

Por esse motivo, é importante quefaçamos todo o possível para reme-diar essa condição de abandono. Is-so, nas circunstâncias atuais, podesignificar salvar vidas.

Atualmente, existem muitas inicia-tivas neste sentido que a Igreja estáadotando em favor dos idosos. A in-capacidade de continuar a fazer visi-tas domiciliares levou a encontrarformas novas e criativas de presença.Ligações, mensagens de vídeo ou devoz ou, mais tradicionalmente, cartasendereçadas a quem está sozinho.Muitas paróquias estãos a empe-nhar-se na entrega de alimentos e re-médios a quem é forçado a não sairde casa. Em quase todos os lugares,os padres continuam a visitar as ca-sas para distribuir os sacramentos.Muitos voluntários, especialmentejovens, estão a trabalhar generosa-mente para não interromper — oupara começar a tecer — redes funda-mentais de solidariedade.

Mas a gravidade do momento exi-ge que todos façamos mais. Comoindivíduos e como Igrejas locais, po-demos fazer muito pelos idosos: orarpor eles, curar a doença da solidão,ativar redes de solidariedade e muitomais. Diante do cenário de uma ge-ração atingida tão severamente, te-mos uma responsabilidade comum,

que decorre da consciência do valorinestimável de toda a vida humana eda gratidão aos nossos pais e avós.Devemos dedicar novas energias paradefendê-los desta tempestade, assimcomo cada um de nós foi protegidoe cuidado nas pequenas e grandestempestades das nossas vidas. Nãodeixemos os idosos sozinhos, porquena solidão o coronavírus mata mais.

Aqueles que vivem em estruturasresidenciais merecem uma atençãoespecial: ouvimos notícias terríveissobre as suas condições todos osdias e ali milhares de pessoas já per-deram a vida. A concentração nomesmo local de tantas pessoas frá-geis e a dificuldade de encontrar osdispositivos de proteção criaram si-tuações muito difíceis de gerir, ape-sar da abnegação e, em alguns casos,do sacrifício da equipe dedicada àassistência. Em outras circunstâncias,no entanto, a crise atual é resultadode um abandono assistencial e tera-pêutico que vem de longe. Apesarda complexidade da situação em quevivemos, é necessário esclarecer quesalvar a vida de idosos que vivemem estruturas residenciais ou que es-tão sozinhos ou doentes é uma prio-ridade tanto quanto salvar qualqueroutra pessoa.

Nos países onde a pandemia ain-da tem dimensões limitadas, ainda épossível tomar medidas preventivaspara protegê-los; naqueles em que asituação é mais dramática, é necessá-rio mobilizar-se para encontrar solu-

ções de emergência. Tudo isto afetao futuro das nossas comunidadeseclesiais e das nossas sociedades por-que, como o Papa Francisco disse re-centemente, «os idosos são o presen-te e o amanhã da Igreja». No sofri-mento destes dias, somos chamadosa entrever o futuro. No amor de tan-tos filhos e netos e no cuidado dosassistentes e voluntários, revive-se acompaixão das mulheres que vão aotúmulo para cuidar do corpo de Je-sus. Como elas, temos medo e, comoelas, sabemos que não podemos fa-zer outra coisa a não ser — manten-do a distância — viver a compaixãoque Ele nos ensinou. Como elas, en-tenderemos que era necessário per-manecer próximos, mesmo quandoparecia perigoso ou inútil, certos daspalavras do anjo, que nos convida anão ter medo. Unamo-nos, então,em oração pelos avós e idosos de to-do o mundo. Reunamo-nos ao seuredor, com o pensamento e o cora-ção e, onde for possível, com a ação,para que não se sintam sozinhos.

«Budistas e cristãos: construamos uma cultura decompaixão e fraternidade». É o título da mensagemdo Pontifício conselho para o diálogo inter-religioso —assinado pelo cardeal presidente Miguel Ángel AyusoGuixot e pelo secretário D. Indunil Janakaratne Ko-dithuwakku Kankanamalage — por ocasião da festade Vesakh/Hanamatsuri 2020, durante a qual se co-memoram os principais acontecimentos da vida deBuddha. A celebração ocorre em datas diferentes, se-gundo as diversas tradições. Este ano será celebradana maior parte dos países de tradição budista a 6 demaio. Publicamos a seguir o texto da mensagem.

Amados amigos budistas!1. Em nome do Pontifício Conselho para o

Diálogo Inter-Religioso, transmitimos as nossassinceras saudações e bons votos a vós e às comu-nidades budistas do mundo inteiro, por ocasiãoda celebração da festa do Ve s a k h / H a n a m a t s u r i . OPontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religio-so já o fez nos últimos vinte e quatro anos, nestafeliz ocasião. Dado que este ano marca o vigési-mo quinto aniversário desta mensagem tradicio-nal, gostaríamos de renovar o nosso vínculo deamizade e colaboração com as várias tradiçõesque representais.

2. Este ano, gostaríamos de refletir convoscosobre o tema “Budistas e cristãos: construamos umacultura de compaixão e fraternidade”, conscientes doalto valor que as nossas tradições religiosas mú-tuas atribuem à compaixão e à fraternidade nanossa busca espiritual, no testemunho e no servi-ço a uma humanidade e a uma terra feridas.

3. O Documento sobre a fraternidade humana emprol da paz mundial e da convivência comum afirmaque «os verdadeiros ensinamentos das religiõesconvidam a permanecer ancorados nos valores da

paz; apoiar os valores do conhecimento mútuo,da fraternidade humana e da convivência comum».Quando se encontrou com o Patriarca Supremodos Budistas na Tailândia, em novembro passado,Sua Santidade o Papa Francisco disse que «pode-mos acreditar num estilo de boa “vizinhança” ecrescer nele, capazes de gerar e incrementar inicia-tivas concretas no caminho da fraternidade, espe-cialmente com os mais pobres, e em referência ànossa casa comum, tão maltratada. Desta forma,contribuiremos para a formação de uma culturade compaixão, fraternidade e encontro, tanto aquicomo noutras partes do mundo» (Cf. Visita aoPatriarca Supremo dos Budistas, Bangkok, 21 denovembro de 2019).

4. A festa de Ve s a k h / H a n a m a t s u r i exorta-nos arecordar que o príncipe Sidarta partiu em buscada sabedoria com asua cabeça rapada, renuncian-do à sua condição de príncipe. Trocou as suasroupas de seda de Benares por um simples hábitode um monge. O seu nobre gesto lembra-nos ode São Francisco de Assis, que cortou o cabelo etrocou as suas belas roupas pelo simples hábitode um mendigo, porque queria seguir Jesus, que«se aniquilou a si mesmo, assumindo a condiçãode servo» (Fl 2, 7) e «não tinha onde reclinar acabeça» (Mt 8, 20). O exemplo deles e dos seusseguidores inspira-nos uma vida de desapego,pensando no que é mais importante. Consequen-temente, podemos dedicar-nos com maior liberda-de à promoção de uma cultura de compaixão efraternidade, para aliviar o sofrimento da humani-dade e do meio ambiente.

5. Tudo está interligado. A interdependência le-va-nos ao tema da compaixão e da fraternidade.Em espírito de gratidão pela vossa amizade, pedi-mos-vos humildemente que acompanheis e

apoieis os vossos amigos cristãos na promoção dabondade do amor e da fraternidade no mundo dehoje. Do mesmo modo que nós, budistas e cris-tãos, aprendemos uns com os outros a ser cadadia mais atentos e compassivos, assim podemoscontinuar a procurar formas de colaboração paraque o nosso relacionamento se torne uma fontede bênção para todos os seres sensíveis e para oplaneta, que é a nossa casa comum.

6. Acreditamos que, para garantir a continuida-de da nossa solidariedade universal, é necessárioum processo educativo para o nosso “caminho” co-mum. Por isso, em 15 de outubro de 2020, terá lu-gar um evento global sobre o tema “Reinventar opacto global sobre a educação”. «Este encontroreavivará o compromisso em prol e com as gera-ções jovens, renovando a paixão por uma educaçãomais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente,diálogo construtivo e mútua compreensão» (PapaFrancisco, Mensagem para o lançamento do pactoglobal sobre a educação, 12 de setembro de 2019).Convidamos-vos a colaborar com todos para pro-mover esta iniciativa, individualmente e nas vossascomunidades, a fim de cultivar um novo humanis-mo. Estamos também felizes por ver que, em vá-rias partes do mundo, budistas e cristãos hauremde valores profundamente enraizados, colaborandopara erradicar as causas dos males sociais.

7. Oremos por quantos foram atingidos pelapandemia do coronavírus e por aqueles que os as-sistem. Encorajemos os fiéis a viverem este momen-to difícil com esperança, compaixão e caridade.

8. Caros amigos budistas, com este espírito deamizade e colaboração renovamos-vos os bons vo-tos de uma pacífica e alegre festa de Ve s a k h / H a -n a m a t s u r.

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número 15, terça-feira 14 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

Entrevista ao Secretário de Estado Pietro Parolin

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 4 de abril

Os Senhores Cardeais: Marc Ouel-let, Prefeito da Congregação para osBispos; e Luis Antonio G. Tagle,Prefeito da Congregação para aEvangelização dos Povos; o SenhorAloysius John, Secretário-Geral de“Caritas Internationalis”, com oRev.mo Mons. Ntakobajira Cibam-bo, Assistente Eclesiástico; e D. Gia-como Morandi, Arcebispo Titular deCerveteri, Secretário da Congrega-ção para a Doutrina da Fé.

No dia 6 de abrilO Senhor Cardeal Peter Kodwo Ap-piah Turkson, Prefeito do Dicastériopara o Serviço do DesenvolvimentoHumano Integral, com o Séquito.

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 4 de abril— Bispo Auxiliar da Arquidiocese deTrujillo (Peru), o Rev.do Pe. Francis-co Castro Lalupú, do clero da mes-ma Sede, até agora Vigário Episco-pal para os Assuntos Económicos eAdministrativos da mesma Arquidio-cese e Vigário paroquial da Catedralde “Santo Toribio de Mogrovejo”,simultaneamente eleito Bispo Titularde Putia in Byzacena.

D. Francisco Castro Lalupú nasceua 13 de agosto de 1973 no distrito deBellavista-Sullana (Peru), e recebeu aOrdenação sacerdotal a 6 de junho de2004.

— Vigário Apostólico do Vicariato deJolo (Filipinas), o Rev.do Pe. Char-lie M. Inzon, O.M.I., até esta dataSuperior provincial dos MissionáriosOblatos de Maria Imaculada nas Fi-lipinas.

D. Charlie M. Inzon, O.M.I., nas-ceu a 24 de novembro de 1965 em Pu-

tiao (Filipinas) e foi ordenado Sacer-dote a 24 de abril de 1993.

A 8 de abril

Secretário Adjunto do Dicastério pa-ra o Serviço do DesenvolvimentoHumano Integral, o Rev.do Pe. Au-gusto Zampini, até agora Oficial domesmo Dicastério.

A 9 de abril

— Bispo de Lanusei (Itália), D. An-tonello Mura, até agora Bispo deNuoro e Administrador Apostólicode Lanusei, unindo in persona Epis-copi as Dioceses de Nuoro e de La-nusei.

— Auxiliar da Arquidiocese de Tira-në-Durrës (Albânia), o Rev.do Pe.Arjan Dodaj, até esta data Vigário-Geral de Tiranë-Durrës, simultanea-mente eleito Bispo Titular de Les-t ro n a .

D. Arjan Dodaj nasceu em Laç-Kurbin (Albânia), a 21 de janeiro de1977, e recebeu a Ordenação sacerdotala 11 de maio de 2003.

Disposições Especiais

O Santo Padre dispôs:

A 8 de abril

A instituição de uma nova Comissãode estudo sobre o diaconado femini-no, nomeando:

Presidente: o Senhor Cardeal Giu-seppe Petrocchi, Arcebispo deL’Aquila (Itália);

Segretario: o Rev.do Pe. Denis Du-pont-Fauville, Oficial da Congrega-ção para a Doutrina da Fé;Membros: Prof.a Catherine BrownTkacz, Lviv (Ucrânia); Prof. Domi-nic Cerrato, Steubenville (EstadosUnidos da América); Prof. Pe. San-tiago del Cura Elena, Burgos (Espa-nha); Prof.a Caroline Farey, Shrews-bury (Grã-Bretanha); Prof.a BarbaraHallensleben, Friburgo (Suíça);Prof. Pe. Manfred Hauke, Lugano(Suíça); Prof. James Keating,Omaha (Estados Unidos da Améri-ca); Prof. Mons. Angelo Lameri,Crema (Itália); Prof.a Rosalba Ma-nes, Viterbo (Itália); e Prof.a Anne-Marie Pelletier, Paris (França).

Prelados falecidosAdormeceu no Senhor

A 6 de abrilD. Stephen M. Sulyk, ArcebispoEmérito de Filadélfia dos Ucrania-nos (E.U.A.).

O saudoso Prelado nasceu em 2 deoutubro de 1924 em Balnica Lesko,(Europa), território da Arquieparquiade Przemyśl-Warszawa de rito bizanti-no-ucraniano. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal a 14 de junho de 1952 e aOrdenação episcopal a 1 de março de1981.

Início de Missãode Núncio Apostólico

De D. Giampiero Gloder, em Cuba(13 de março).

crentes que sofrem por não poderemreceber os Sacramentos, gostaria dedizer que partilho a sua dor, masgostaria de recordar, por exemplo, apossibilidade da comunhão espiri-tual. O Papa Francisco, além disso,através da Penitenciaria Apostólica,concedeu o dom de indulgências es-peciais aos fiéis, não só aos atingi-dos pela Covid-19, mas também aosagentes da saúde, aos familiares e aquantos, de diversas formas, inclusi-ve através da oração, cuidam deles.Mas há também outro aspeto que,numa época de vigília como esta,deve ser destacado e reforçado. E épossível para todos. Rezar com aPalavra de Deus. Lendo, contem-plando, acolhendo a Palavra quevem. Deus encheu com a sua Pala-vra o vazio que nos assusta nestashoras. Em Jesus Deus comunicou-sea si mesmo, Palavra plena e definiti-va. Não devemos simplesmente pre-encher o tempo, mas preencher-noscom a Palavra.

Um dos dramas destes dias é a soli-dão. Nas enfermarias de Covid-19morre-se sozinho, sem o conforto dosparentes, que não podem entrar nasunidades de terapia intensiva. Como

pode a Igreja manifestar a sua proxi-midade às pessoas?

É uma das consequências da epi-demia que, em certo sentido, meperturba. Já li e ouvi histórias dra-máticas e comoventes. Quando, infe-lizmente, não é possível a presençado sacerdote no leito dos que estãoà beira da morte, todo batizado po-de rezar e dar conforto, em virtudedo sacerdócio comum recebido como Sacramento do Batismo. É belo eevangélico imaginar, neste momentodifícil, que de alguma forma, até asmãos de médicos, enfermeiros, agen-tes de saúde, que todos os dias con-solam, curam ou acompanham estesdoentes no seu último momento devida, se tornem as mãos e as pala-vras de todos nós, da Igreja, da fa-mília que abençoa, saúda, perdoa econsola. É a carícia de Deus que cu-ra e dá a vida, inclusive a eterna.

Como se realizarão as celebrações daSemana Santa no Vaticano?

Estudámos formas diferentes dastradicionais. Na verdade, não serápossível acolher os peregrinos, comosempre ocorreu. No pleno respeitodas regras de precaução para evitaro contágio, procuraremos celebrar osgrandes ritos do Tríduo Pascal para

acompanhar todos aqueles que infe-lizmente não poderão ir às igrejas.

A crise está a tornar-se global e a en-volver também os países do Sul. Comopode a Igreja contribuir para um espí-rito de ajuda mútua entre diferentesnações e continentes com problemas di-ferentes, para que o espírito de solida-riedade e colaboração multilateral nãose perca?

Infelizmente estamos a enfrentaruma pandemia e o contágio está aespalhar-se como fogo indomável.Por um lado, vemos quantos esfor-ços extraordinários têm sido feitospelos países desenvolvidos, com nãopoucos sacrifícios na vida comumde cada família e da economia na-cional, para enfrentar eficazmente acrise de saúde e erradicar a propaga-ção do vírus. Por outro lado, po-rém, devo confessar que estou aindamais preocupado com a situaçãonos países menos desenvolvidos, on-de as estruturas de saúde não serãocapazes de assegurar os cuidadosnecessários e adequados à popula-ção no caso de uma maior propaga-ção da doença da covid-19. Por vo-cação, a Santa Sé procura ter omundo inteiro como horizonte, pro-cura não esquecer aqueles que estãomais distantes, aqueles que mais so-

frem, que talvez lutem para ser ilu-minados pelos holofotes da mídiainternacional. Esta não é apenasuma preocupação ligada à atualemergência pandémica: quantasguerras, quantas epidemias, quantasfomes assolam tantos dos nossos ir-mãos e irmãs! Há uma necessidadereal de rezar e de nos comprometer-mos, todos nós, para que a solida-riedade internacional nunca falte.Apesar da emergência e do medo,está na hora de não nos fecharmos.Infelizmente estamos a perceber issonestes dias: problemas e dramas queconsideramos distantes das nossasvidas bateram à nossa porta. É umaoportunidade para nos sentirmosmais unidos e fazermos crescer o es-pírito de solidariedade e partilha en-tre todos os países, entre todos ospovos, entre todos os homens e mu-lheres do nosso mundo. Esta emer-gência vai dar origem a dificuldadese mudanças profundas. Precisamosque aqueles que têm responsabilida-des políticas as exerçam além doegoísmo dos seus interesses pes-soais, grupais e nacionais, e saibamolhar com sabedoria e responsabili-dade, de acordo com os valores daliberdade e da justiça, para o bemcomum.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 14 de abril de 2020, número 15

Com a coragemdas mulheres

Segunda-Feira do Anjo

REGINA CAELI

«Hoje gostaria de recordar convosco quanto fazem muitas mulheres, tambémneste tempo de emergência de saúde, para cuidar dos outros. «Que o Senhornos conceda a coragem, como elas, de ir sempre em frente». Foi a súplicaelevada pelo Papa no final do Regina caeli recitado ao meio-dia de 13 deabril, Segunda-Feira do Anjo, na Biblioteca particular do Palácio Apostólico.Antes da recitação da antífona mariana o Pontífice tinha comentado oevangelho do dia (Mateus 28, 8-15) que narra a aparição do Ressuscitadoprecisamente às mulheres.

veem a realidade da ressurreição.Jesus tinha-lhes anunciado repeti-damente que, depois da paixão eda cruz, ele ressuscitaria, mas osdiscípulos não tinham compreendi-do, porque ainda não estavamprontos. A sua fé teve que dar umsalto qualitativo, que só o EspíritoSanto, dom do Ressuscitado, pode-ria suscitar.

No início do livro dos Atos dosApóstolos, ouvimos Pedro declararcom ousadia, com coragem, comfranqueza: «Foi este Jesus queDeus ressuscitou, do que nós so-mos testemunhas» (At 2, 32). Co-mo se dissesse: “Eu garanto porEle. Eu dou a minha vida porEle”. E depois dará a vida por Ele.A partir desse momento, a procla-mação de que Cristo ressuscitoupropaga-se por toda a parte e che-ga a todos os cantos da terra, tor-nando-se a mensagem de esperançapara todos. A ressurreição de Jesusdiz-nos que a última palavra nãocabe à morte, mas à vida. Ao res-suscitar o Filho unigénito, Deus

Pai manifestou plenamente o seuamor e misericórdia para com ahumanidade de todos os tempos.

Se Cristo ressuscitou, é possívelolhar com confiança para cadaacontecimento da nossa existência,mesmo para os mais difíceis, cheiosde angústia e incerteza. Esta é amensagem pascal que somos cha-mados a proclamar, com palavrase, sobretudo, com o testemunho davida. Que esta notícia ressoe nasnossas casas e nos nossos corações:«Cristo, minha esperança, ressusci-tou!» (Sequência pascal). Que estacerteza reforce a fé de cada batiza-do e encoraje especialmente aque-les que enfrentam maiores sofri-mentos e dificuldades.

Que a Virgem Maria, testemu-nha silenciosa da morte e ressurrei-ção do filho Jesus, nos ajude aacreditar fortemente neste mistériode salvação: acolhido com fé, podemudar a vida. Este é o desejo daPáscoa que renovo a todos vós.Confio-o a ela, nossa Mãe, a quem

agora invocamos com a oração doRainha Caeli.

No final, antes de assomar à janelapara conceder a bênção diante deuma praça de São Pedro ainda vaziapor causa das medidas impostas pelaemergência de saúde, o Papa dirigiualgumas expressões de saudaçãoelogiando a coragem das mulheres erecordando os países particularmenteatingidos pelo coronavírus: Itália,Estados Unidos, Espanha e França.

Amados irmãos e irmãs!Ouvimos dizer que as mulheres de-ram aos discípulos o anúncio daressurreição de Jesus. Hoje gostariade recordar convosco o que muitasmulheres fazem, mesmo neste mo-mento de emergência de saúde, pa-ra cuidar dos outros: mulheres mé-dicas, enfermeiras, agentes da polí-cia e das prisões, empregadas delojas de bens de primeira necessi-dade..., e muitas mães, irmãs eavós que se encontram fechadasnas suas casas com toda a família,com as crianças, os idosos, os defi-cientes. Por vezes, correm o riscode serem sujeitas a violência, poruma coabitação da qual carregamum fardo demasiado pesado. Reze-mos por elas, para que o Senhorlhes dê força e para que as nossascomunidades as apoiem juntamen-te com as suas famílias. Que o Se-nhor nos dê a coragem das mulhe-res para irmos sempre em frente.

Nesta semana da Páscoa, gosta-ria de recordar com proximidade eafeto todos os países fortementeafetados pelo coronavírus, algunscom grande número de contagia-dos e mortos, especialmente a Itá-lia, os Estados Unidos da América,a Espanha, a França... a lista é lon-ga. Rezo por todos eles. E não vosesqueçais que o Papa reza por vós,ele está próximo de vós.

Renovo de coração os meusbons-votos de Páscoa a todos. Per-maneçamos unidos na oração e nocompromisso de nos ajudarmosuns aos outros como irmãos. Bomalmoço e até à vista.

Estimados irmãos e irmãs, bomdia!Hoje, Segunda-Feira do Anjo, res-soa o alegre anúncio da Ressurrei-ção de Cristo. A página do Evan-gelho (cf. Mt 28, 8-15) diz-nos queas mulheres assustadas deixamapressadamente o túmulo de Jesus,que encontraram vazio; mas o pró-prio Jesus aparece-lhes no caminhoe diz-lhes: «Nada receeis; ide dizera Meus irmãos que partam para aGalileia, e lá Me verão» (v. 10).Com estas palavras, o Ressuscitadoconfia às mulheres um mandatomissionário para os Apóstolos. Defacto, deram um admirável exem-plo de fidelidade, dedicação eamor a Cristo no tempo da sua vi-da pública, bem como durante asua Paixão; agora são recompensa-das por Ele com este gesto deatenção e predileção. As mulheres,sempre no início: Maria, no início;as mulheres, no início.

Primeiro as mulheres, depois osdiscípulos e, em particular, Pedro,