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Download A Expulsão à luz do Direito Português e da União · PDF file176 I. A expulsão de cidadãos da União Europeia A) No Direito da União Europeia; Com a instituição da livre circulação

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    DEBATER A EUROPA Peridico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE. N.9 julho/dezembro 2013 Semestral ISSN 1647-6336 Disponvel em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/

    A Expulso luz do Direito Portugus e da

    Unio Europeia

    Rafael Gonalves

    Mestrando em Cincias Jurdico-Criminais FDUC

    E-mail: [email protected] Resumo

    A expulso consiste no acto unilateral pelo qual o Estado obriga um estrangeiro

    presente no seu territrio a abandon-lo. Todavia hoje esta unilateralidade surge

    limitada pelos princpios dos Tratados. Partindo-se de uma avaliao crtica da evoluo

    do direito e jurisprudncia da UE analisar-se- a expulso de cidados da Unio no

    Direito Portugus. O Conselho Europeu de Tampere, procurando uma abordagem

    coerente da imigrao, justifica que tratemos tambm da expulso de nacionais de

    pases terceiros.

    Palavras-chave: Cidadania Europeia; Expulso; Fronteiras; Imigrao; Unio

    Europeia

    Abstract

    Expelling consists in the unilateral act by which a state compels a foreign citizen

    located within its territory to abandon it. Today, however, this unilateralism becomes

    limited by the Treaties principles. Having a critical evaluation of law and EU

    jurisprudence as a starting point, the expelling of Union citizens in Portuguese Law will

    be analysed. As a means to a coherent approach to immigration, Tampere European

    Council justifies the analysis of expelling by third party countries.

    Keywords: Citizenship of the European Union; European Union; Expelling; Frontiers; Immigration

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    I. A expulso de cidados da Unio Europeia

    A) No Direito da Unio Europeia;

    Com a instituio da livre circulao de pessoas 1, de servios e capitais nos artigos

    48. e seguintes do Tratado que institui a Comunidade Econmica Europeia, e com a

    consequente previso da possibilidade de derrogao dessas liberdades fundamentais no

    nmero 4 do artigo 48.2, fcil compreender a necessidade sentida, pela ento

    Comunidade Econmica Europeia, em limitar o recurso exagerado e abusivo a tais

    restries3 comprometedoras das traves mestras do Tratado de Roma, atravs de uma

    regulao das mesmas. Regulao que chegaria atravs da Directiva 64/221/CEE do

    Conselho de 25 de Fevereiro de 1964 para a coordenao de medidas especiais

    relativas aos estrangeiros em matria de deslocao e estada4 justificadas por razes de

    ordem pblica, segurana pblica e sade pblica.

    Aplicvel 5 aos nacionais de um Estado-Membro que se dirijam para outro Estado-

    Membro da Comunidade ou que neste permaneam, quer para exercerem uma

    1 O texto que ora se apresenta corresponde, numa verso encurtada e com as necessrias actualizaes legislativas e jurisprudenciais, ao trabalho que apresentamos e defendemos no ano lectivo de 2011/2012 na unidade curricular de Direito Processual Penal do Mestrado em Cincias Jurdico Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sob a regncia do Sr. Professor Doutor Pedro Caeiro ao qual agradecemos toda a preciosa orientao que nos foi dada. devida ainda uma palavra de reconhecimento Sra. Dra. Dulce Lopes pela sua disponibilidade e aconselhamento na construo deste artigo. 2 Estatui o art.48/4. do Tratado que institui a Comunidade Econmica Europeia (TCEE) (assinado em Roma em 1957) que a livre circulao de trabalhadores compreende, sem prejuzo das limitaes justificadas por razes de ordem pblica, segurana pblica e sade pblica () (hoje art.45/3. do Tratado sobre o funcionamento da Unio Europeia - TFUE). A propsito destas mesmas limitaes no direito de estabelecimento Cf. o art.56. TCEE (art.52/1. do TFUE) e para a prestao de servios o art.66. do TCEE (art.62. do TFUE). 3 Sendo as liberdades direitos subjectivos, advindos directamente dos Tratados, as reservas nunca podero ser compreendida como condies prvias ao direito de entrada e residncia num Estado-Membro mas sim como excepes in CAMPOS, Joo Luiz Mota, CAMPOS, Joo Mota, Manual de Direito Europeu O Sistema Institucional, a Ordem Jurdica, O Ordenamento Econmico da Unio Europeia, 6. Edio, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal - Coimbra Editora, 2010, p. 565. 4 Com efeito, as excepes previstas no Tratado devem considerar-se apenas aplicveis aos direitos de mobilidade territorial e j no para impedir o acesso a um emprego. A este propsito o TJUE (utilizaremos a terminologia do Tratado de Lisboa embora a maioria dos casos tenha sido analisada pelo ento Tribunal das Comunidades) no caso Emir Gll considerou que razes de sade pblica no poderiam justificar medidas nacionais de restrio ao exerccio de uma actividade assalariada (para razes de ordem e segurana pblica veja-se o caso Comisso das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha de 29 de Outubro de 1998) in DUARTE, Maria Lusa, Direito de Residncia dos Trabalhadores Comunitrios e Medidas de Excepo Reflexo sobre o significado do Estatuto de Trabalhador-Cidado na Unio Europeia in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, XXXIX, N.2, 1998, p.499-500. 5 E directamente invocvel pelos particulares. As normas comunitrias destitudas de eficcia imediata mas que tenham efeito directo, s.c., que criem direitos para os particulares de forma clara e inequvoca, tornam inaplicveis por fora do primado do Direito Comunitrio, as normas penais internas que com elas sejam incompatveis, desde que sejam invocveis pelos particulares contra a pretenso penal do Estado in CAEIRO, Pedro,Fundamento, Contedo e Limites da Jurisdio Penal do Estado: O Caso Portugus,

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    actividade assalariada ou no assalariada, quer na qualidade de destinatrios de

    servios e aos seus cnjuges e membros da famlia (art.1. da directiva) este

    instrumento veio assim regular a invocao das razes de ordem pblica, segurana

    pblica e sade pblica (imobilizveis se com fito econmico6) no que toca expulso e

    em disposies relativas entrada no territrio e emisso ou renovao da

    autorizao de residncia (art.2.).

    Se em relao invocao da excepo da sade pblica, pela sua prpria natureza, a

    margem para o arbtrio e para a discrionariedade por parte dos Estados-Membros

    sempre foi menor 7. O mesmo no se pode dizer das excepes de ordem e segurana

    pblica. De facto o art.4. remetia para uma lista anexa de doenas 8 e advertia para a

    irrelevncia da supervenincia das mesmas aps a primeira autorizao de residncia,

    bem como para a impossibilidade de legislao e prticas estaduais mais restritivas que

    o instrumento comunitrio.

    J no que concerne s excepes de ordem e segurana pblica9 a invocao das

    mesmas traz consigo o risco nsito e real de impedir a concretizao prtica das

    liberdades dos Tratados. A ordem pblica enquanto clause dadaptation limprvu ou

    de retour au non-Droit10 , naturalmente, para os Estados um instrumento poderoso e,

    portanto, irrenuncivel a que tradicionalmente reportavam, mormente, elementos

    absolutamente proprios, particulares, inherentes a su propria idiosincracia 11 e que em

    matria de poltica de estrangeiros ter um campo de aplicao privilegiado na medida

    Coimbra: Wolters Kluwer Portugal - Coimbra Editora, 2010, p. 465. No mesmo sentido a propsito da invocao directa do art.3.da directiva Cf. o considerando 13 do TJUE no Caso Yvonne van Duyn, e a propsito da invocao directa do art.9. os considerandos 13 e seguintes do caso Mario Santillo. 6 Se para a emisso de uma autorizao de residncia necessrio, em certos casos, a reunio de elementos que indiciem a solvabilidade econmica do requerente (Cf. art.7. e ss. da directiva 2004/38/CE), no poder haver porm expulso com esse fim ou pelo facto de este necessitar de assistncia, Cf. art.6. da Conveno Europeia de Assistncia Social e Mdica e os considerandos 11 e 12 do caso Mara Martinez Sala. Acrescente-se ainda a impossibilidade de uma expulso motivada pela caducidade do documento de identidade, que permitiu a entrada no pas de acolhimento e que instruiu a emisso de autorizao de residncia (art.3/3. da directiva 62/221/CE). 7 Neste sentido SUREZ, Dunia Marinas, Algunas consideraciones en torno a la excepcin de orden pblico en materia de libre circulacin de personas y prestacin de servicios en el Derecho Comunitario in Revista Vasca de Administracin Pblica, N. 54, 1999, p.454, nota 3. 8 Elencadas em Doenas que podem fazer perigar a sade pblica (estava aqui por exemplo a tuberculose e a sfilis) e Doenas e afeces que podem fazer perigar a ordem pblica ou a segurana pblica (toxicomania, alteraes psicomentais grosseiras et ctera). 9 Entendemos que o conceito de segurana pblica (que nem a primitiva directiva, que agora analisamos, nem a actual e, de igual forma, nenhuma das leis portuguesas que as transpuseram para o nosso ordenamento define) caber dentro do conceito mais amplo de ordem pblica, o que justifica, a par de razes histricas, que seja esta a excepo mais invocada pelos Estados-Membros. 10 LYON-CAEN, Grard, La rserve dordre public en matire de libert dtablissement et de libre circulation in Revue Trimestrielle de Droit Europen, Ano 2, N. 1, Janeiro-Abril 1966, p.694. 11 SUREZ, Dunia Marinas, Algunas consideraciones, p.456.

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    em que ltranger constitue une menace latente pour la scurit: cest la identification

    inconsciente de ltranger son tat, son assimilitation un ennemi putatif, qui

    explique labandon du sujet tranger la police.12. Compreender-se- portanto o labor

    que o Direito da Unio e o Tribunal de Justia da Unio Europeia (TJUE) tm vindo a

    empreender no sentido de quebrar esta tradio e transformar as ordens pblicas dos

    vrios Estados-Membros numa ordem pblica da Unio, o que naturalmente tendo