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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA LEILA MARIA TESCH A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO RIO DE JANEIRO 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

LEILA MARIA TESCH

A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO

RIO DE JANEIRO 2011

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LEILA MARIA TESCH

A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva.

RIO DE JANEIRO 2011

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A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO

LEILA MARIA TESCH

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________________ Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – UFRJ / Linguística (Orientadora) __________________________________________________________________________ Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ / Letras Vernáculas __________________________________________________________________________ Professora Doutora Lilian Coutinho Yacovenco – UFES /Estudos Linguísticos ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria da Conceição Auxiliadora Paiva – UFRJ / Linguística __________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezário – UFRJ / Linguística __________________________________________________________________________ Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ / Letras Vernáculas (suplente) ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Afrânio Gonçalves Barbosa - UFRJ / Letras Vernáculas (suplente) Defendida a dissertação Conceito: Em: / /

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Aos meus pais Leomar e Rosalina, por terem desde cedo me incentivado pela busca do saber e sempre mostrado a importância do estudo.

Ao meu marido André, meu amor, meu amigo e companheiro de todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, por me abençoar todos os dias.

À querida professora Drª Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva, com quem tenho

aprendido muito desde o período do mestrado. Agradeço pela orientação segura e amiga, por

sua generosa dedicação em todos os momentos deste estudo, por seu exemplar

profissionalismo em atender aos meus questionamentos, bem como por sua sabedoria em

conduzir os passos deste trabalho. Por compartilhar comigo, além da genialidade de sua

inteligência, sua amizade, sua casa e seus livros.

Aos meus pais, que sempre me deram exemplo de perseverança e dedicação para

alcançar os ideais. Devo a eles a coragem de lutar pelos meus objetivos. Agradeço também

por sempre mostrarem a importância da instrução escolar. Muito obrigada pelo carinho, pelas

orações e palavras de ânimo durante os trechos difíceis dessa caminhada.

Ao meu amado marido André, sempre companheiro. Serei eternamente grata por

tantas demonstrações de carinho nos momentos tranquilos e difíceis. Não há palavras

suficientes que possam traduzir minha gratidão. Muito obrigada por entender minhas

ausências, minhas frustrações, minhas alegrias e sempre estar disposto a ouvir minhas

colocações linguísticas, mesmo não sendo da área e, às vezes, sem saber ao certo do que se

trata.

À Lucineide, minha irmã, pelo carinho.

A minha família, avós, tios, primos, enfim, a todos que sempre me apoiaram e

incentivaram.

À professora Drª Lilian Coutinho Yacovenco que desde a graduação tanto me ajudou e

incentivou nessa busca pelo saber.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela

bolsa concedida.

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Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFRJ, pelo

acolhimento e enorme generosidade em repartir comigo seus conhecimentos, em especial aos

professores Maria Maura Cezario e Mário Eduardo Martelotta, que deram dicas maravilhosas

para o desenvolvimento deste trabalho.

Aos meus amigos que souberam entender minha distância e deram ânimo para a

continuidade do trabalho.

E a outros que fizeram parte deste processo e que, porventura, deixei de citar.

Sem a ajuda de todas essas pessoas, não seria capaz de realizar este estudo.

Dedico a todos vocês esta pesquisa, esperando ter correspondido, dentro das minhas

limitações, ao que dela se possa exigir.

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SINOPSE

Estudo da variação entre as formas do futuro simples, ir no futuro + infinitivo, presente do indicativo e ir no presente + infinitivo, na expressão de futuro, com base nos princípios da Sociolinguística Variacionista Laboviana e do Funcionalismo Linguístico. Análise em tempo real, na modalidade escrita – Jornal A Gazeta décadas de 1930, 1970 e em 2008 –, e em tempo aparente, na modalidade falada, PortVix.

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RESUMO

A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO

LEILA MARIA TESCH

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. Esta pesquisa focaliza a expressão do tempo futuro no uso capixaba, codificada pelas formas futuro simples, ir no futuro + verbo no infinitivo, presente do indicativo e ir no presente + verbo no infinitivo. O estudo abrange a modalidade oral, a partir da análise do corpus PortVix, e a modalidade escrita, por meio de amostras do jornal A Gazeta, década de 1930, década de 1970 e 2008. Com base nos princípios da Sociolinguística Variacionista e do Funcionalismo Linguístico, especialmente a gramaticalização, foram investigados os contextos linguísticos e sociais correlacionados à variação estudada. Em geral, os resultados demonstraram um uso distinto nas modalidades investigadas: maior preferência de futuro simples na escrita, porém em decréscimo ao longo de 80 anos, e predominância da forma perifrástica na fala e quase desaparecimento de futuro simples. Os resultados atestam que o fenômeno em estudo sofre influência de motivações de natureza diversa como paralelismo, extensão lexical, verbo modal, marca de futuridade fora do verbo, projeção de futuridade, conjugação verbal, tipo semântico do verbo e tipo textual. Além desses, foram investigados fatores específicos para cada modalidade, como o gênero textual para a escrita e os fatores sociais para a fala. Em relação a uma possível mudança em curso, através do processo de gramaticalização de ir na expressão de futuro, o estudo mostrou resultados relevantes, tendo em vista a implementação da perífrase com ir para indicar tempo, confirmando tendência já observada em outras variedades do português brasileiro. Palavras-chave: Futuro, Teoria da Variação e Mudança, Gramaticalização.

RIO DE JANEIRO 2011

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ABSTRACT

THE EXPRESSION OF FUTURE TIME IN THE CAPIXABA’S USE : VARIATION AND GRAMMATICALIZATION

LEILA MARIA TESCH Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

The present research focuses on the expression of the Simple Future Tense by the Capixaba people, coded by the Simple Future conjugation, to go in the simple future tense + verb in the infinitive, simple present and go in the simple present tense + verb in the infinitive. The referred study encompasses the oral features, obtained by the analysis of the corpus PortVix, besides the written features gotten by means of samples from A Gazeta newspaper extracts, related to the 30’s and 70’s along with the year 2008. Based upon the principles of the Variacionist Sociolinguistics and the Linguistics Function, especially the grammaticality, an investigation of the linguistic and social contexts correlated to the variations analyzed was also performed. In general terms the results led to a distinctive usage between the mentioned features: there was a greater preference for the Simple Future tense in the written form, which has been decreasing alongside 80 years though, and a distinctive predominance of the perifrastic form in the spoken feature along with a quite disappearance of the simple future tense. The results prove that the phenomenon studied is influenced by many different sources such as parallelism, lexical extension, modal verb, presence of future tense not in the verb itself, future form projection, verbal conjugation, semantic type of the verb as well as the textual type used. In addition, the specific factors related to each individual feature were also investigated, such as the textual genre and the social factors which influence the spoken language. Regarding to a possible shifting through the grammatical process of to go whenever the future tense is expressed, the study showed relevant results considering the implementation of the periphrase with the verb to go in order to refer to a future time, which has confirmed an already observed trend among other variations of the Brazilian Portuguese Language.

Key-words: Future, Theory of Variation and Change, Grammaticalization.

RIO DE JANEIRO 2011

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 16

1. APRESENTAÇÃO DO TEMA ........................................................................................... 21

2. REVISÃO NA LITERATURA ............................................................................................ 26

2.1 GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS .................................................................................. 26

2.2 ESTUDOS ESPECÍFICOS ................................................................................................ 29

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 39

3.1 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA ...................................................................... 39

3.2 FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO ................................................................................. 45

3.2.1 Gramaticalização ............................................................................................................. 49

3.2.1.1 Algumas considerações sobre o verbo ir ...................................................................... 57

4. ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA ................................................................................... 64

4.1 DESCRIÇÃO DOS CORPORA ......................................................................................... 65

4.2 ETAPAS DA PESQUISA .................................................................................................. 70

4.3 DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS .......................................................... 71

4.3.1 Paralelismo ...................................................................................................................... 72

4.3.2 Extensão lexical ............................................................................................................... 77

4.3.3 Verbo modal .................................................................................................................... 80

4.3.4 Marca de futuridade fora do verbo .................................................................................. 84

4.3.5 Projeção de futuridade ..................................................................................................... 88

4.3.6 Conjugação verbal ........................................................................................................... 91

4.3.7 Escala de modalidade ...................................................................................................... 92

4.3.8 Tipo semântico do verbo ................................................................................................. 97

4.3.9 Tipos de texto / Sequências textuais .............................................................................. 104

4.3.10 Tipo de sentença .......................................................................................................... 112

4.3.11 Gênero textual.............................................................................................................. 114

5. ANÁLISE DOS CORPORA ............................................................................................... 121

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5.1 ANÁLISE DE A GAZETA 1930 ..................................................................................... 121

5.1.1 Conclusões parciais ....................................................................................................... 127

5.2 ANÁLISE DE A GAZETA 1970 ..................................................................................... 128

5.2.1 Conjugação verbal ......................................................................................................... 134

5.2.2 Marca de futuridade fora do verbo ................................................................................ 135

5.2.3 Tipo semântico do verbo ............................................................................................... 136

5.2.4 Projeção de futuridade ................................................................................................... 137

5.2.6 Conclusões parciais ....................................................................................................... 138

5.3 ANÁLISE DE A GAZETA 2008 ..................................................................................... 139

5.3.1 Gênero textual................................................................................................................ 144

5.3.2 Paralelismo .................................................................................................................... 146

5.3.3 Extensão lexical ............................................................................................................. 148

5.3.4 Verbo modal .................................................................................................................. 150

5.3.5 Conjugação verbal ......................................................................................................... 151

5.3.6 Tipo semântico do verbo ............................................................................................... 152

5.3.7 Tipo de texto / Sequência textual .................................................................................. 153

5.3.8 Projeção de futuridade ................................................................................................... 155

5.3.9 Marca de futuridade fora do verbo ................................................................................ 156

5.3.10 Escala de modalidade .................................................................................................. 157

5.3.11 Conclusões parciais ..................................................................................................... 160

5.4 ANÁLISE DO PORTVIX ................................................................................................ 163

5.4.1 Paralelismo .................................................................................................................... 168

5.4.2 Verbo modal .................................................................................................................. 169

5.4.3 Extensão lexical ............................................................................................................. 170

5.4.4 Conjugação verbal ......................................................................................................... 171

5.4.5 Faixa etária .................................................................................................................... 171

5.4.6 Escolaridade................................................................................................................... 174

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5.4.7 Sexo/gênero ................................................................................................................... 177

5.4.8 Conclusões parciais ....................................................................................................... 179

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 183

7. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 187

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Distribuição das variantes na língua escrita por séculos (Oliveira 2006, p. 92), p. 35

Tabela 02: Distribuição das variantes de referência temporal futura por século (Malvar e Poplack 2008, p. 191), p. 36

Tabela 03: Principais processos de gramaticalização de verbos plenos em auxiliares, p. 53

Tabela 04: Distribuição das ocorrências de ir nos corpora analisados, p. 62

Tabela 05: Distribuição dos dados em cada corpus analisado, p. 64

Tabela 06: Distribuição dos informantes de acordo com as variáveis sociais, p. 66

Tabela 07: Distribuição dos informantes analisados nesta pesquisa de acordo com as variáveis sociais, p. 67

Tabela 08: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1930, p. 121

Tabela 09: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1970, p. 128

Tabela 10: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL no corpus A Gazeta 1970, p. 134

Tabela 11: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE no corpus A Gazeta 1970, p. 136

Tabela 12: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970, p. 136

Tabela 13: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970, p. 137

Tabela 14: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970, p. 138

Tabela 15: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 2008, p. 140

Tabela 16: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 145

Tabela 17: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 145

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Tabela 18: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 146

Tabela 19: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 146

Tabela 20: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 147

Tabela 21: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 148

Tabela 22: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 149

Tabela 23: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 149

Tabela 24: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 150

Tabela 25: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 150

Tabela 26: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 151

Tabela 27: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativono corpus A Gazeta 2008, p. 151

Tabela 28: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 152

Tabela 29: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 153

Tabela 30: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 154

Tabela 31: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 154

Tabela 32: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 156

Tabela 33: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE FORA DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 157

Tabela 34: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 159

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Tabela 35: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 159

Tabela 36: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 159

Tabela 37: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus PortVix, p. 163 Tabela 38: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix, p.168

Tabela 39: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix, p. 169

Tabela 40: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente no corpus PortVix, p. 170

Tabela 41: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix, p. 171

Tabela 42: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha das variantes no corpus PortVix, p. 172

Tabela 43: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha das variantes no corpus PortVix, p. 175

Tabela 44: Influência do grupo de fatores SEXO/GÊNERO na escolha das variantes no corpus PortVix, p. 178

Tabela 45: Síntese dos resultados dos corpora analisados, p. 183

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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

QUADROS:

Quadro 01: Distinção entre tipos textuais e gêneros textuais, proposto por Marcuschi (2010), p. 105

Quadro 02: Grupos de fatores selecionados nas três rodadas realizadas, p. 144

Quadro 03: Comparação entre as formas variantes para codificar o futuro e o irrealis, no corpus PortVix, p. 167

GRÁFICOS:

Gráfico 01: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1930, p. 122

Gráfico 02: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1970, p. 129

Gráfico 03: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930 e 1970, p. 130

Gráfico 04: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 2008, p. 140

Gráfico 05: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930, 1970 e 2008, p. 142

Gráfico 06: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no PortVix, p. 165

Gráfico 07: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930, 1970, 2008 e PortVix, p. 166

Gráfico 08: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nas quatro faixas etárias, p. 173

Gráfico 09: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nos três níveis de escolaridade, p. 176

Gráfico 10: Comparação dos resultados de diversas pesquisas, p. 181

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16

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, analisamos a variação entre as formas verbais indicadoras de futuro,

postulando que essa referência futura é codificada na língua portuguesa por formas

alternantes, tratando-se, pois, de um fenômeno de variação linguística. Estudiosos da

linguagem têm mostrado, de maneira clara, que fenômenos variáveis, embora comumente

desconsiderados por gramáticas tradicionais e por professores de língua portuguesa,

apresentam comportamentos sistemáticos, não são aleatórios, como verificaremos neste

trabalho.

Em Tesch (2007), pesquisamos a variação entre as formas Futuro do pretérito e

Pretérito imperfeito do indicativo, nas formas sintéticas e perifrásticas (ir + verbo no

infinitivo), no âmbito do irrealis, na fala capixaba1. A partir desse trabalho, decidimos

investigar a variação das formas indicadoras de futuro na fala capixaba, além de verificar

dados da modalidade escrita da língua, em diferentes décadas, a fim de constatar se a forma

perifrástica com ir é recorrente na língua escrita e tentar observar suas etapas de evolução.

Durante o levantamento dos dados deste trabalho, nas modalidades falada e escrita da

língua portuguesa, verificamos a variação entre o futuro do presente e o presente do indicativo

para expressar o futuro. O futuro, enquanto categoria linguística, ocorre no português, tanto na

língua falada como na escrita, e para expressá-lo o falante utiliza várias formas verbais.

Contudo, vale ressaltar que essa variação não é binária, uma vez que há, paralelamente às

formas sintéticas, as formas perifrásticas. Portanto, analisamos, nesta tese, a variação entre as

seguintes formas:

1) Futuro simples: Quando for possível, eu estudarei.

2) Ir no futuro + verbo no infinitivo: Quando for possível, eu irei estudar.

1 Este trabalho foi o primeiro a analisar sistematicamente todo o corpus PortVix.

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17

3) Presente do indicativo: Quando for possível, eu estudo.

4) Ir no presente + verbo no infinitivo: Quando for possível, eu vou estudar.

Os falantes de português, de um modo geral, não reagem negativamente ao uso das

formas perifrásticas expressando futuro, no lugar antes reservado ao futuro simples (1) ou ao

presente do indicativo (3). Isso ocorre porque estamos investigando um fenômeno que não

sofre estigma social, embora o futuro simples seja considerado a forma prescrita.

Nesta tese, propomo-nos tratar essa possibilidade como fenômeno de variação

linguística. Para isso, analisamos dados de uso real da língua, nas modalidades falada e

escrita. Na modalidade falada, coletamos dados do corpus PortVix, constituído de entrevistas

com 46 informantes capixabas de diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade e sexos. Na

modalidade escrita, investigamos as ocorrências no jornal A Gazeta, importante jornal do

Espírito Santo, nas décadas de 1930, 1970 e no ano de 2008. Além disso, comparamos os

nossos resultados com os já obtidos em outras análises do português de diversas regiões do

país, contribuindo, dessa forma, para uma visão conjunta da utilização de ir como marca de

futuro.

Assim, esta tese objetiva descrever e analisar as formas de expressão do futuro. Para

isso, são identificados os fatores que motivam o uso de uma forma ou de outra nesses

contextos, enfocando a variação entre as formas sintética e perifrástica. Portanto, objetivamos

contribuir para a caracterização desse tempo verbal no português do Brasil. Além disso, esta

pesquisa pretende analisar o processo de gramaticalização do verbo ir , buscando, inclusive,

fazer um estudo diacrônico na modalidade escrita da língua portuguesa.

O estudo diacrônico desse fenômeno pode nos apontar um processo de mudança

linguística na indicação de futuro, principalmente em relação ao uso da forma perifrástica

com ir . Vale ressaltar que este é o primeiro trabalho a analisar sistematicamente as

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modalidades oral e escrita no Espírito Santo, seguindo os princípios da Sociolinguística

Variacionista. Há a necessidade de se desenvolver pesquisas desse cunho nessa comunidade

linguística, tendo em vista que poucos estudos foram realizados e pouco se sabe a respeito das

características linguísticas dos capixabas.

Esta pesquisa também possibilitará observar se a forma inovadora – ir + verbo no

infinitivo – é utilizada na modalidade escrita e em caso positivo em quais contextos

linguísticos. Ressaltando que uma mudança linguística não é abrupta, mas lenta, gradual e

exige um período de variação entre as formas (Weinreich, Labov, Herzog 2006, p. 126).

Entretanto, os objetivos desta pesquisa não se restringem às questões propostas pela

teoria variacionista, embora seja essa a linha principal do trabalho. Ao percebermos que a

forma perifrástica constitui-se numa forma nova dentro da língua e que ela parece ocupar um

novo espaço no sistema linguístico, buscamos mostrar com este trabalho sua trajetória sob o

foco da teoria da gramaticalização, de acordo com o exposto e discutido por vários teóricos

dessa linha, dos quais se destacam Hopper (1991, 1993), Traugott (1995, 1991, 2003), Heine

(1991, 1993, 2003) e Bybee (2001, 2003), nos diversos textos por eles publicados.

Para alcançar os objetivos propostos, algumas hipóteses foram levantadas: a) há

atualmente uma preferência pelo uso de formas perifrásticas de ir + verbo no infinitivo, tanto

para o futuro do presente como para o futuro do pretérito, principalmente na modalidade oral;

b) o verbo ir está passando por um processo de gramaticalização; c) a perífrase ir é pouco

utilizada, na modalidade escrita, nas primeiras décadas do século XX; d) a construção ir +

verbo no infinitivo não apresenta atualmente perdas de nuances modais/aspectuais, apenas o

enfraquecimento dessas categorias; e) há maior predominância da variante futuro simples na

modalidade escrita, pois a mudança se implementa inicialmente na fala, incorporando-se mais

tardiamente à escrita e f) o futuro simples atualmente está mais atuante na modalidade escrita.

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Esta tese objetiva, assim, descrever e analisar o comportamento das formas variantes

indicadoras de futuro na comunidade linguística capixaba, na modalidade oral, por meio da

análise do PortVix, e da modalidade escrita, em três períodos distintos no decorrer de 80 anos,

a partir do jornal A Gazeta.

Inicialmente, nesta tese, faz-se uma apresentação do tema, delimitando o contexto de

variação. Abordam-se, também, as noções de tempo e modalidade, relacionando-as ao

fenômeno estudado.

No capítulo 2, apresenta-se uma revisão na literatura, com apontamentos retirados de

gramáticas do português, como as de Said Ali (1966), Luft (2000), Mira Mateus et al (1983),

Cunha & Cintra (2001), Bechara (2000) e Neves (2000), e de estudos específicos sobre as

formas variantes que expressam o tempo futuro, como os de Câmara Jr. (1956, 1971, 1977),

Gibbon (2000), Santos (2000), Gryner (2002, 2003), Oliveira (2006), Malvar e Poplack

(2008) e Bragança (2008).

O fenômeno estudado enquadra-se no quadro da Teoria Sociolinguística Variacionista

e do Funcionalismo Linguístico, além de ser apresentado o paradigma da gramaticalização,

discutido no capítulo 3.

No capítulo 4, há uma descrição dos corpora pesquisados nesta tese. Este capítulo

também é destinado à definição da metodologia empregada e apresentação, discussão e

exemplificação dos grupos de fatores analisados. Além disso, há algumas colocações acerca

do programa computacional utilizado, Goldvarb X.

O capítulo 5 destina-se à descrição e interpretação dos resultados nos corpora A

Gazeta 1930, A Gazeta 1970, A Gazeta 2008 e PortVix, respectivamente. Inicialmente, são

apresentados os resultados gerais da pesquisa em cada corpus. Em seguida, apontamos os

resultados específicos a cada grupo de fatores selecionados pelo programa computacional e os

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interpretamos. Ao final da análise de cada corpus, será apresentada uma seção de conclusões

parciais, com o objetivo de traçar características consideradas relevantes para cada um deles.

Juntamente à análise dos resultados de cada corpus, faremos um estudo das formas

perifrásticas com ir , verificando um possível caminho de gramaticalização desse verbo,

fundamentados em uma investigação sincrônica e diacrônica. Acreditamos que o verbo ir

esteja em processo de gramaticalização, posto que parece assumir a função de um auxiliar

verbal, como em Vou estudar, deixando de significar somente movimento, como verbo pleno,

Vou à escola.

Na conclusão, o tema da tese é retomado e são enumerados os resultados mais

relevantes da pesquisa desenvolvida. Além disso, são apontadas questões futuras ainda a

serem desenvolvidas acerca do tema estudado.

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1. APRESENTAÇÃO DO TEMA

Os tempos verbais têm despertado o interesse de diversos pesquisadores do português

brasileiro, principalmente nas linhas funcionalista e sociolinguística variacionista. Esse fato

pode ser comprovado ao se constatarem os inúmeros trabalhos publicados a respeito do

assunto. As formas de futuro, analisadas nesta tese, por exemplo, já foram investigadas por

diversos linguistas, em estudos que têm apontado a tendência ao uso de formas perifrásticas,

paralelamente às formas sintéticas. Assim, os tempos verbais do futuro foram pesquisados por

Gibbon (2000), na língua falada de Florianópolis; Santos (2000), no português formal e

informal falado no Rio de Janeiro; Oliveira (2006), em estudo em tempo real de longa e curta

duração (tendência), com dados do século XIII ao XX; Bragança (2008), em entrevistas de

informantes capixabas universitários e em editoriais do jornal A Gazeta, ano de 2006 e

Malvar & Poplack (2008), nas modalidades escrita e falada do século XVI ao XX.

Segundo Câmara Jr. (1956, p. 29), o latim apresentava inicialmente, a partir do século

III a.C., três formas de futuro: a) futuros arcaicos, como faxo e capso – que remontavam aos

futuros em –so do grego e do osco-umbro e em –sya do sânscrito; b) formas de origem

subjuntiva, como erro, legam e uenies; c) formas em -bo, como cantabo, de raiz indo-

europeia –bhwe.

Contudo, Câmara Jr. (1956, p. 22) afirma que a divisão temporal não é “tripartida em

presente, passado e futuro, (...). O que há primordialmente é uma dicotomia entre presente e

passado” e o futuro apresenta noções modais complementares. Para o autor (1956, p. 25),

o impulso linguístico que criou um futuro gramatical, não foi o de situar o processo como posterior ao momento em que se fala, mas o de assinalar uma atitude do sujeito falante em relação a um processo assim posterior ao momento da enunciação. Para o teor indicativo de franca asserção as formas do presente servem satisfatoriamente de expressão de processos por acontecer. Pode-se dizer que essas formas abarcam o futuro na sua categoria temporal. Para o processo que se vai dar, o sujeito falante prolonga a atualidade que vive, e o futuro se resolve linguisticamente em presente.

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Assim, parece-nos que o futuro é muito polêmico em termos de possibilitar o

enquadramento da sua identidade como categoria de tempo. O futuro não pode expressar uma

modalidade factual, tendo em vista que só aceita asserções segundo a avaliação que o falante

faz da possibilidade ou impossibilidade da ocorrência de um estado de coisas. Assim, é

possível afirmar que na expressão de futuro há sempre um valor modal ligado ao valor

temporal.

No latim clássico, a princípio, existia uma forma sintética, puramente temporal, típica

da língua culta. Entretanto, aos poucos, essa forma foi sendo substituída pelo uso da perífrase

de futuro com o auxílio de habeo. Segundo Lausberg (1981, p. 404), a justificativa para a

utilização de perífrases é que

o grau de conteúdo semântico das formas sintéticas é ‘gramaticalmente normal’, ao passo que o das formas analíticas – cantare habeo – é ‘rico’: as formas analíticas não se limitam à esfera gramatical normal dos seus correspondentes sintéticos, antes têm o seu ponto de gravidade semântico noutros conteúdos ([...] cantare habeo no conteúdo de interação subjetiva ‘tenciono cantar’). Quando estes conteúdos passam a preencher a função da esfera gramatical normal, eles enriquecem semanticamente esta esfera.

Essa distinção entre o grau de conteúdo semântico das formas sintéticas,

‘gramaticalmente normal’ e o das formas analíticas ‘rico’ ocorre quando essas duas formas

coexistem vivas na língua. Portanto, parece-nos possível que essa tenha sido uma das causas

que levaram a forma sintética amabo a se tornar menos frequente e posteriormente ser

suplantada definitivamente pela perífrase no latim vulgar.

Além disso, Lausberg (op cit, p. 406) acrescenta outro motivo para o desaparecimento

do futuro latino – “a possibilidade de expressão mais clara por meio de perífrases”. Ainda em

relação às perífrases, o autor afirma que habeo poderia vir tanto anteposto como posposto ao

verbo principal. Contudo, no decorrer do tempo, habeo passou a ser usado definitivamente no

final da construção, forma que chegou ao português como amarei.

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Assim, podemos descrever a trajetória percorrida pelo futuro desde o latim clássico ao

português da seguinte forma:

Latim clássico Latim pós-clássico

Latim vulgar ou Romance

Latim vulgar tardio

Português

Amabo > amare habeo > amabo

amare habeo > habeo amare

amare habeo > amarei

Assim, pode-se constatar um processo cíclico da formação do futuro: formas sintéticas

> formas perifrásticas > formas sintéticas... Atualmente, no português, estamos novamente

passando por um processo de transformação em que a forma sintética parece estar sendo

substituída pela forma perifrástica – ir + verbo no infinitivo – dando continuidade a esse

processo cíclico2.

Fleischman (1982, p. 83) afirma que a perífrase formada com ir surgiu no Espanhol,

Francês e Português a partir dos séculos XII e XIV. Nas línguas românicas, a perífrase passou

a ser generalizada na fala coloquial durante o século XV e só foi admitida em conversações

polidas e discursos literários nos séculos XVI e XVII. E, como podemos perceber, desde

então, seu uso tem aumentado.

Retomando a discussão do uso do futuro, as categorias verbais de tempo, aspecto e

modo frequentemente se encontram interconectadas e a problemática nesse tempo verbal

nasce justamente desse encontro de categorias, as quais, na literatura givoniana (1990), são

referenciadas pela sigla TAM. Por isso, o futuro pode ser considerado uma forma controversa,

visto que determinadas formas verbais que expressam futuro parecem indicar que, às vezes, as

três categorias – TAM – estão juntas, outras que se trata apenas de uma temporalização com

nuances aspectuais, modais.

2 Como em outros tempos da conjugação verbal, por exemplo, futuro do pretérito e pretérito mais que perfeito.

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Devido ao fato de a modalidade ser fonte primária dos futuros é que surgem tantas

nuances associadas às formas de futuro. Essa questão pode ser constatada ao se observar a

trajetória do futuro desde o latim clássico até a língua portuguesa, ilustrando bem esse jogo

modal/aspectual/temporal.

Bybee e Pagliuca (1987) afirmam que os morfemas que expressam futuro não indicam

estritamente a noção temporal, há outros significados envolvidos. Por esse motivo, o morfema

de futuro pode derivar de verbos que indicam desejo, obrigação ou movimento, citando os

exemplos no inglês dos verbos shall, will e be going to. Segundo os autores, isso seria mais

comum em verbos que indicam movimento e esse fato pode ser comprovado no português,

em que o verbo ir passou a ser utilizado para indicar futuro, quando seguido de um verbo no

infinitivo.

A respeito do uso de be going to, Bybee e Pagliuca (1987, p. 116) afirmam também

que parte do significado original da construção envolve o movimento rumo a um objetivo,

pois, ao longo do tempo, a expressão perdeu a noção de mudança de localização e foi usada

para indicar movimento rumo a um objetivo de um modo mais figurado. Assim, ao usar essa

expressão, o sujeito está a caminho de um objetivo que pode ser um evento, um estado ou

uma atividade.

Com o objetivo de contribuir para o estudo dessa forma, analisamos nesta tese a

variação para a expressão do futuro. Consideramos como possibilidades para essa expressão

duas formas sintéticas – futuro simples e presente do indicativo (estudarei e estudo,

respectivamente) – e duas formas perifrásticas – ir no futuro simples + verbo no infinitivo e ir

no presente + verbo no infinitivo (irei estudar e vou estudar, respectivamente). Foram

estudadas somente as ocorrências intercambiáveis entre si, retirando aquelas nas quais essa

correlação não fosse possível.

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Com o desenvolvimento deste trabalho, pretendemos verificar algumas questões mais

específicas. A primeira delas se refere a observar se as variantes aqui estudadas apresentam

diferentes comportamentos no português utilizado pelos capixabas, nas modalidades de língua

falada e escrita, e no decorrer de um período. Dessa forma, possibilitar um maior

conhecimento da língua efetivamente utilizada pelos capixabas, contribuindo assim para o

ensino de língua materna e para uma revisão do conceito de norma, visto que os falantes nem

sempre se utilizam da variante padrão em seu cotidiano.

Nosso objetivo também é evidenciar até que ponto as formas perifrásticas e o presente

do indicativo se comportam como variantes quando a função linguística em jogo é a

expressão do tempo futuro. Além disso, verificar se o fenômeno investigado se comporta

como variação estável ou se é possível caracterizá-lo como mudança em progresso. Para

alcançar esses resultados, trataremos estatisticamente os dados, a partir dos programas da

série Goldvarb X.

Também há a pretensão de analisar o percurso do verbo ir sob a ótica da

gramaticalização.

Além disso, comparar os dados obtidos na pesquisa com os de outros já realizados

pelo Brasil, como os de Santos (2000) e Gibbon (2000), Oliveira (2006), Malvar e Poplack

(2008) e Bragança (2008).

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2. REVISÃO NA LITERATURA

Durante o estudo do tema aqui tratado, pesquisamos textos que abordavam direta ou

indiretamente a expressão do tempo futuro. Apresentamos a seguir algumas colocações

encontradas em gramáticas do português e em estudos específicos.

2.1 GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS

A variação futuro simples e presente do indicativo já foi apresentada, direta ou

indiretamente, por diversos gramáticos da Língua Portuguesa. Abordam-se, a seguir, questões

referentes ao tema em foco sob a ótica de Said Ali (1966), Luft (2000), Mira Mateus et al

(1983), Cunha & Cintra (2001), Bechara (2000) e Neves (2000).

Said Ali (1966, p. 143), em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa,

apresenta um breve histórico das formas de futuro nas línguas românicas. Observe as

colocações do autor:

As línguas românicas ficaram privadas das formas de futuro do indicativo que possuía o idioma latino. Supriu-se a falta, unindo ao infinitivo o presente de haver para o futuro do presente e criando analogamente o futuro do pretérito pela junção do imperativo havia (contraído em hia) ao infinitivo.

Posteriormente, ao apontar as funções dos tempos verbais, o autor afirma ser

frequente, “sobretudo em linguagem familiar”, o emprego do presente do indicativo para

denotar ações futuras.

Este presente-futuro tem sobre o futuro propriamente dito a vantagem de ser a forma mais simples; é, além disso, bom recurso de linguagem para produzir impressão mais viva, pois que, expondo os sucessos vindouros, como se já fossem realidade atual, sugerimos no ouvinte a certeza do cumprimento e lhe faremos esquecer as contingências do futuro. Comparem-se “Amanhã vou à sua casa” e “Irei à sua casa”. (Said Ali, 1966, p. 311).

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Ao abordar as funções do futuro, afirma ser frequente no Brasil se recorrer ao presente

do indicativo, como em “O Senhor me perdoará” por “Perdoe-me o Senhor”. Além disso,

reconhece a combinação ir + verbo no infinitivo para designar locomoção, desejo de realizar

algo ou um fato que não tardará a se realizar. Said Ali aponta a construção ir + verbo no

infinitivo como uma possível substituta do futuro simples e como indicadora de uma ação

futura imediata.

Celso Pedro Luft (2000), em sua Moderna Gramática Brasileira, não aborda

diretamente o uso do futuro, mas apresenta informações interessantes no capítulo relacionado

aos tempos verbais. Notamos que, primeiramente, o autor não aceita a tripartição temporal,

afirmando que o tempo futuro não existe, ou seja, em sua gramática aparece uma visão

temporal dicotômica (passado/ presente). Em seguida, Luft (2000, p. 131) procura esclarecer

sua posição.

os chamados ‘futuros’ são locuções de infinitivo + haver mascaradas: cantar hei, cantar hia, com aglutinação na pronúncia (1º acento tônico absorvido pelo segundo), representada na escrita: cantarei, cantaria. A semântica de ‘decisão, projeto (irei), hipótese (onde está Fulano?), etc.’ é ‘modo’ (e não ‘tempo’), próprio de haver – auxiliar ‘modal’; tempo, só na implicação secundária de que planos, decisões, etc. se projetam no futuro. Os termos da NGB – futuro do presente/futuro do pretérito – permitem pois esta paráfrase: o ‘futuro’ está na semântica de projeto, decisão, etc. e presente/ pretérito (imperfeito) são os do verbo haver aí camuflado: hei/ havia = hia.

Mira Mateus et al (1983) afirmam que o futuro é expresso pelo presente do indicativo

ou pelo futuro do presente. Além disso, esclarecem que o presente simples ou o presente

perifrástico aparecem generalizadamente em vez do futuro do indicativo para exprimir a

localização de um estado de coisas que o locutor encare como certa ou como altamente

provável. Porém, segundo as autoras, o uso do presente do indicativo co-ocorre geralmente

com expressões com valor de adverbiais temporais. O futuro é visto como um meio de

exprimir um valor temporal, associado a um valor modal de não-factualidade. E o uso do

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presente do indicativo com valor de futuro expressa os estados de coisas como necessário,

impossível ou altamente provável.

Em relação ao tempo verbal do presente do indicativo, Cunha e Cintra (2001, p. 441),

entre alguns empregos, apresentam a função de “marcar um fato futuro, mas próximo; caso

em que, para impedir qualquer ambiguidade, faz-se acompanhar geralmente de um adjunto

adverbial”. Esse emprego para designar uma ação futura pode emprestar a certeza da

atualidade a um fato para ocorrer.

Ainda a respeito da possível variação do uso do futuro do presente e do presente do

indicativo, afirmam os autores (2001, p. 460) que “convém atentar nos efeitos estilísticos

opositivos: se o emprego do presente pelo futuro empresta ao fato a idéia de certeza, o uso do

futuro pelo presente provoca efeito contrário, por transformar o certo em possível”.

Ao apontar alguns possíveis empregos do presente do indicativo, Bechara (2003, p.

276) afirma haver a substituição do futuro do indicativo “para indicar com ênfase uma

decisão”, fornecendo o seguinte exemplo: “Amanhã eu vou à cidade”. Além disso, ao

descrever o futuro do presente, afirma que pode ocorrer em lugar do presente, exprimindo

“incerteza ou idéia aproximada, simples possibilidade ou asseveração modesta” (2003, p.

279).

Neves (2000, p. 65), em Gramática de usos do português, ao abordar os verbos

auxiliares de tempo, cita a construção do verbo ir com infinitivo de outro verbo como

indicadora de futuro.

Nas gramáticas acima referidas, a variação do futuro verbal não é formalmente

apresentada. E, mesmo nos casos em que ela é reconhecida, admite-se uma diferença de

significado entre as formas.

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É perceptível, a partir das abordagens, que a maioria dos gramáticos prefere usar

“substituição” ou “possíveis empregos” para se referir à variação entre o futuro do presente e

presente do indicativo. Além disso, não se referem às construções perifrásticas.

2.2 ESTUDOS ESPECÍFICOS

A alternância futuro do presente e presente do indicativo, nas formas sintéticas e

perifrásticas, foi explorada por alguns estudiosos da língua portuguesa como Câmara Jr.

(1956, 1971, 1977), Gibbon (2000), Santos (2000), Gryner (2002, 2003), Oliveira (2006),

Malvar e Poplack (2008) e Bragança (2008).

Câmara Jr. (1977) afirma que a categoria tempo verbal repousa essencialmente na

dicotomia passado e presente. O futuro, com noção temporal, realizou-se tardiamente como

uma elaboração da língua culta, que ainda hoje não ocupa muito espaço na língua coloquial.

Além disso, para Câmara Jr. (1971, p. 70) os tempos futuros se constituíram pela

aglutinação do infinitivo a uma modalidade do indicativo presente do verbo haver,

funcionando como verbo auxiliar. O resultado seria cantar (h)ei. Essa estrutura permanece,

como um vestígio, na chamada mesóclise do pronome adverbal oblíquo (cantar-lhe-ei).

Fora de tal construção residual, porém, que no Brasil está circunscrita à língua altamente literária, a aglutinação é inconcussa, tendo-se criado um único vocábulo fonológico, onde a origem histórica se faz opaca, mediante uma nova distribuição de constituintes.

Em relação à divisão temporal, Câmara Jr. (1956) a encara como dicotômica: presente

e passado. O futuro surgiu menos como um tempo do que como um modo. Foi criado não

para situar o processo como posterior ao momento em que se fala, mas para assinalar uma

atitude do falante em relação a um processo posterior ao momento da enunciação. Segundo o

linguista (1956, p. 21),

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em relação ao futuro, o caráter modal ainda é mais nítido e se pode dizer pacificamente compreendido e aceito, embora não se tenham tirado daí todas as inferências que o fato comporta. Pode-se mesmo adiantar que a intromissão da dúvida, da mera potencialidade, da expectativa, do anelo, da volição com a idéia de futuro é constante na linguagem espontânea. Sem subintenções subjuntivas, potenciais, optativas, imperativas, o tempo futuro, para a asserção franca, se realiza essencialmente pela forma presente.

O autor (1956, p. 33) ainda apresenta três funções para o futuro, no plano sincrônico:

1) um futuro puramente temporal na informação objetiva; 2) um futuro com gradações modais, aflorando cada uma delas, com nitidez, na base da situação ou do contexto; 3) um futuro intemporal, ou ‘metafórico’, francamente transposto para o modo.

A primeira função resulta da intelectualização da língua, concretizando uma forma

linguística muito menos espontânea e ampla. A segunda reflete a motivação inicial para a

criação das formas futuras. A última refere-se à coloração volitiva ou aos matizes não-

assertativos que naturalmente comporta.

Câmara Jr. (1956, p. 25) afirma que as formas de presente servem satisfatoriamente

para exprimir o futuro. “O sujeito falante prolonga a atualidade que vive e o futuro se resolve

linguisticamente em presente”. Segundo ele, a oposição entre presente e futuro pode sofrer

neutralização, estendendo-se o uso do presente para os fatos futuros.

Ao abordar as formas perifrásticas ir + verbo no infinitivo, afirma ser possível

observar uma evolução semântica dessas perífrases no sentido de um futuro amplo, para

qualquer fato posterior ao momento atual. De acordo com o linguista (1956, p. 36), “repete-se

o ciclo que, na fase românica, levou à substituição do futuro tradicional latino por locuções

dessa ordem entre as quais figurou até, como vimos, o mesmo tipo de auxiliar (vadere)”.

A dissertação de mestrado de Gibbon (2000) - A expressão do tempo futuro na

língua falada de Florianópolis: gramaticalização e variação - aborda o tema aqui proposto.

A autora analisa a expressão do tempo futuro, sob a ótica da variação e da gramaticalização,

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na língua falada de Florianópolis, a partir dos dados do projeto VARSUL3 (Variação

Linguística Urbana na Região Sul).

Foram analisadas 743 ocorrências das formas variantes, sendo 453 (61%) da forma

perifrástica no presente; 280 (38%) da forma sintética no presente do indicativo e 10 (1%) no

futuro do presente na forma sintética. Esses resultados obtidos para cada variante isolada

demonstram que as formas do futuro do presente estão em declínio na fala dos

florianapolitanos. Para a autora (2000, p. 73),

como os contextos de ocorrência são muito particulares e os dados são escassos já não é possível afirmar que o futuro do presente está em variação com o presente do indicativo e a forma perifrástica na fala de Florianópolis. Esses dados foram também excluídos e nossa variável dependente passou a ser binária.

A análise quantitativa dos dados pôde demonstrar que a forma perifrástica no presente

do indicativo está ocupando o espaço do futuro do presente na fala, e as formas utilizadas para

indicar futuridade são o presente do indicativo nas formas sintética e perifrástica, envolvendo

tanto os contextos de modalidade futura quanto o de tempo.

A autora desenvolveu, além da análise variacionista, um estudo do processo de

gramaticalização do verbo ir que sai do estatuto de verbo pleno de movimento para auxiliar

indicando futuro.

A gramaticalização do verbo ir como auxiliar de futuro, e posterior morfema de futuro, está em fase inicial, sobre a qual poucas coisas podem realmente ser afirmadas.

Segundo a autora, a forma perifrástica não indica apenas finalidade na expressão de

futuro do português. Há um componente de propósito, desejo e intenção. Além disso, os

3 É constituído de dados de trinta e seis informantes nativos de Florianópolis, estratificados de acordo com idade, sexo e escolaridade.

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resultados confirmam que a forma perifrástica mantém seu caráter de modalidade, embora ela

esteja também codificando tempo.

Ao concluir, Gibbon afirma ter deixado algumas contribuições com a sua pesquisa,

uma vez que pôde mostrar que o fenômeno por ela analisado é sensível a motivações em

competição. Além disso, apresenta uma proposta de percurso para explicar não só a mudança,

como também a variação que lhe deu origem, entre as formas do presente do indicativo, forma

perifrástica e futuro do presente. Há, ainda, uma reflexão sobre o declínio do tempo futuro do

presente, o surgimento da forma perifrástica em seu lugar e a relação deste processo com a

idade do falante.

Santos (2000), em sua dissertação de mestrado intitulada A variação entre as formas

de futuro do presente no português formal e informal falado no Rio de Janeiro, analisa a

variação entre as formas de futuro no português formal e informal no Rio de Janeiro,

interpretando os dados a partir da Teoria da Variação. No corpus de língua formal4, a autora

analisou 278 dados de futuro sintético (30%), 280 de perifrástico (30%) e 383 no presente

(40%). Em relação ao banco de dados informal5, foram encontradas 54 de futuro sintético

(6%), 486 de futuro perifrástico (56%) e 331 dados no presente (38%).

Constataram-se, nesses resultados, poucos dados da forma sintética do futuro do

presente. Além disso, a forma inovadora ir + verbo no infinitivo está ocupando o espaço

deixado pelo futuro do presente.

4 Amostra elaborada pela Profª Edith Barreto, da Universidade Federal de Pelotas (RS). É constituída de entrevistas realizadas no set de um programa radiofônico do Programa “Encontro com a Imprensa”, transmitido pela rádio JB. Foram analisadas 24 entrevistas, com duração de 60 minutos cada uma, ocorridas nas décadas de 1970 e 1980. A amostra é formada por informantes com nível de, no mínimo, 3° grau, ou seja, falantes com instrução superior ou mais alta, dividida segundo o gênero (homens e mulheres) e segundo a faixa etária (25-45 anos e 46-66 anos). 5 Amostra Gryner (1990). Esse corpus é constituído por 32 entrevistas com informantes das diversas regiões da cidade do Rio de Janeiro e distribuído regularmente por gênero (16 homens e 16 mulheres); escolaridade (8 informantes do primeiro segmento do Ensino Fundamental e 8 informantes do segundo segmento do Ensino Fundamental, 8 informantes do Ensino Médio, 8 informantes do Ensino Superior) e por faixa etária (15 a 24 anos, 25 a 34 anos, 35 a 49 anos e 50 anos ou mais).

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O verbo ir , inicialmente indicador de movimento no tempo e no espaço, passou a indicar um movimento mental, uma atitude, intenção, volição. No estágio atual, a sua marca de modalidade está desaparecendo para dar espaço à indicação de tempo futuro (Gryner, 1997: 3), comprovando a trajetória da gramaticalização: 15% de verbos modais e 74% de verbos não-modais. (p.63)

No oitavo capítulo de sua dissertação, ao constatar um possível processo de

gramaticalização de ir + verbo, Santos pôde perceber que convivem simultaneamente três

estágios da construção: a) ir como verbo pleno indicando movimento no espaço, b) como

auxiliar modal que codifica o movimento psicológico de intencionalidade e c) auxiliar

temporal na perífrase de futuro.

Gryner (2002) analisa a variação entre futuro sintético, futuro perifrástico e presente

com referência futura, no português carioca, e discute o processo de gramaticalização da

forma perifrástica. Além disso, demonstra o papel do princípio da marcação na variação e

mudança dessas formas.

Ao concluir seu trabalho, Gryner (2002, p. 159) pôde constatar que

ao lado das formas originais, futuro sintético (flexional) e presente do indicativo (não flexional), surge um nova variante: o futuro perifrástico, derivado do presente em construções com verbo modal ir seguido de infinitivo. A frequência de uso das três variantes revela que paralelamente os valores de marcação das formas de futuro passam a inverter-se. A passagem do tempo e o aumento da informalidade tendem a reduzir – e eventualmente eliminar – o uso do futuro sintético conservador, forma menos frequente, menos acessível e formalmente mais complexa, portanto, mais marcada. Ao mesmo tempo, o auxiliar ir que, como presente do indicativo era originalmente uma forma mais frequente, mais acessível e formalmente menos marcada, gramaticaliza-se na construção de futuro perifrástico, que passa a desempenhar a função do futuro sintético. Neste processo, a construção se torna gradativamente menos frequente, menos acessível e, portanto, mais marcada.

Embora analisando apenas as estruturas condicionais, Gryner (2003) observa a

variação entre as formas de expressão do futuro verbal. Para isso, analisou dados da língua

oral da cidade do Rio de Janeiro, comparando as décadas de 1980 e de 2000. A autora destaca

a substituição do futuro pelo presente do indicativo e aponta possíveis fatores que parecem

influenciar nessa variação. Os contextos possíveis favorecem o futuro do indicativo na

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apódose; os contextos prováveis favorecem o presente do indicativo tanto na prótase, quanto

na apódose; os contextos reais, na década de 1980, favoreciam tanto o futuro quanto o

presente na apódose, em 2000, reduzem as taxas de futuro a favor do presente, tendendo a

correlacionar-se com o presente categórico da prótase; em 1980, a presença da conjunção se

favorecia o futuro, enquanto sua ausência agia em sentido contrário e em 2000 a oposição se

neutraliza e a tendência à correlação de tempos se desfaz, (2003, p. 191).

Oliveira (2006), em O futuro da língua portuguesa ontem e hoje: variação e

mudança, analisa a variação das formas de expressão do futuro verbal em português. A

autora pesquisou dados que se distribuem do século XIII ao XX.

Para a autora (2006, p. 73), o verbo ir pode ser considerado como um dos mais

‘gramaticalizáveis’, por ser um dos verbos mais polissêmicos. Convém lembrar que “os

verbos de movimento, em geral, são polissêmicos e superpõem, dentre outras, as noções de

espaço e de tempo”.

Um estudo comparativo desenvolvido por Oliveira entre o português e o francês no

processo de gramaticalização demonstrou que

o grau de implementação de uma mudança por gramaticalização em línguas aparentadas se insere num conjunto mais amplo de mudanças que ocorrem em cada uma das línguas. Por exemplo: o francês, ao longo de sua história, perdeu muito mais perífrases aspectuais do que o português. p. 90

Além disso, a autora apresenta a análise do processo de mudança, com 2158 dados,

distribuídos entre os séculos XIII e XX6. As seis formas variantes foram constatadas nos

corpora, sendo que as perífrases com haver de e com ir , ambos no futuro, apresentaram

6 Do século XIII ao XVI, os documentos foram colhidos do PROHPOR – Projeto para a História do Português, sediado na Universidade Federal da Bahia, sob a coordenação da Profª. Rosa Virgínia Mattos e Silva. Para o século XVII, o documento foi recolhido no banco de dados da USP. Já para os séculos XVIII e XIX, os dados pertencem ao PHPB-RJ, Projeto Nacional para a História do Português Brasileiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob coordenação da Profª. Dinah Isensee Callou. Para o século XX, há dados de fala e de escrita distribuídos por duas décadas, os anos 1970 e 1990, e por duas cidades – Salvador e Rio de Janeiro.

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poucas ocorrências. Assim, preferiu-se amalgamá-las às formas haver de e ir, ambos no

presente, respectivamente. A seguir, os resultados encontrados por Oliveira:

Tabela 01: Distribuição das variantes na língua escrita por séculos (Oliveira 2006, p. 92)

Séculos Variantes

XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX

Futuro simples 18 54,5%

433 91,9%

65 81,3%

681 87,4%

358 74,4%

105 83,3%

91 85,8%

122 75,3%

Haver de + infinitivo

15 45,5%

31 6,6%

12 15%

90 11,6%

108 22,5%

13 10,3%

6 5,8%

3 1,9%

Ir + infinitivo - 6 1,3%

1 1,2%

3 0,4%

4 0,8%

5 4%

8 7,5%

26 16%

Presente - 1 0,2%

2 2,5%

5 0,6%

11 2,3%

3 2,4%

1 0,9%

11 6,8%

Total 33 471 80 779 481 126 106 162

Ao realizar o estudo do processo de mudança na fala, Oliveira constatou 771

ocorrências das formas variantes, sendo 629 da década de 1970 e 142 da década de 1990.

Oliveira, ao concluir seu trabalho, afirma que:

a) considerando o tempo real de longa duração, a hipótese de uma inversão parcial (futuro simples para a escrita e futuro perifrástico com ir + infinitivo para a fala) se mantém sincronicamente, embora os estudos de tendência para a fala e para a escrita apontem para uma mudança em progresso futuro simples > futuro perifrástico, mais controlada na escrita e mais avançada na fala; b) considerando o tempo real de curta duração, como o futuro perifrástico tende a se implementar cada vez mais na fala, haja vista o decréscimo que sofreu, num intervalo de mais ou menos vinte anos, na faixa mais avançada de idade e o seu espraiamento por contextos que antes favoreciam a forma sintética, considerada apenas essa modalidade, configura-se um quadro de mudança em progresso quase concluída.

Malvar e Poplack (2008) analisaram a variação entre as formas de expressão de futuro.

Para isso, as autoras apresentam um estudo diacrônico (formado por comédias, farsas e

sátiras) e um corpus de língua falada de residentes urbanos da classe trabalhadora de Brasília,

a capital do Brasil. A tabela abaixo apresenta os resultados gerais da pesquisa.

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Tabela 02: Distribuição das variantes de referência temporal futura por século (Malvar e Poplack 2008, p. 191)

Futuro Perífrase com haver Presente Perífrase com ir Total Século N % N % N % N % XVI 198 66 91 30 10 3 3 1 302 XVIII 169 57 103 35 19 6 5 2 296 XIX 276 53 104 20 66 13 72 14 518 XX Peças Fala

46 9 4 1

5 1 - -

93 18 104 14

384 73 613 85

528 721

Total 693 30 303 13 292 12 1077 45 2365

Levando em consideração os resultados encontrados, as autoras (op cit, p. 201)

puderam demonstrar como a mudança na expressão do futuro foi direcionada pela

expropriação gradual das variantes mais antigas de seus contextos preferidos pela forma

perifrástica com ir e como essa forma se tornou a variante default. Afirmam ainda que a

mudança não se dá de forma abruta,

ao contrário, se procede como uma série de ajustes, que ocorrem à medida que as variantes, que estão entrando ou abandonando o contexto variável, disputam seu espaço no sistema. Conforme as variantes mais antigas se retraem, elas perdem ou transferem seus contextos direcionadores para as novas variantes, com o extraordinário resultado de que a estrutura do setor de referência ao futuro permanece a mesma; contudo, as distinções são redistribuídas. Dessa forma, as importantes distinções (funcionais, semânticas) podem continuar a ser expressas, ainda que por diferentes variantes.

Em relação ao corpus de língua falada de Brasília, as autoras puderam verificar que no

português brasileiro contemporâneo praticamente não há variação, uma vez que quase todas

as referências ao futuro são expressas pela perífrase com ir .

Bragança (2008), em A gramaticalização do verbo ir e a variação de formas para

expressar o futuro do presente: uma fotografia capixaba, pesquisou a variação entre três

formas: a) a sintética, b) a perifrástica com IR no presente e c) a perifrástica com IR no futuro.

A autora pesquisou entrevistas com informantes capixabas universitários e editoriais do jornal

A Gazeta, ano 2006.

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Os resultados demonstraram, nas entrevistas, que não houve variação entre as formas,

tendo em vista que 100% dos dados foram na forma perifrástica com ir no presente. Bragança

(2008, p. 137) faz a seguinte análise para esse resultado:

Esperávamos que a forma nova estivesse bem arraigada na modalidade oral mais informal, mas não que a variação já estivesse sido eliminada desses contextos. Esse resultado sugere que, nesta modalidade, estamos diante de um caso de mudança (forma simples > forma perifrástica) no paradigma verbal para a expressão do futuro do presente.

Nos editoriais, a pesquisadora pôde constatar a preferência da forma conservadora,

uma vez que o maior percentual de ocorrência nesse gênero foi o da forma sintética, seguido

da forma perifrástica com o auxiliar com morfologia de forma sintética.

Portanto, a partir dos estudos acima apontados, podemos perceber que esse fenômeno

merece muitas pesquisas, já que apresenta nuances interessantes para serem analisadas. Além

disso, com todos esses resultados, torna-se possível traçar características do futuro e apontar

possíveis rumos para essa variação.

Por isso, esta pesquisa por ora descrita é relevante, uma vez que pretende analisar

sistematicamente uma comunidade linguística ainda não investigada – no caso a cidade de

Vitória – nas modalidades oral e escrita. Além disso, é importante por apresentar um estudo

histórico, baseando-se em corpora diversos e de diferentes sincronias.

Apesar de muitos trabalhos terem sido desenvolvidos em torno do tema, esta pesquisa

terá seu diferencial ao analisar grupos de fatores ainda não investigados como possíveis

influenciadores na escolha da variante, como o tipo de sequência textual, a escala de

modalidade e o tipo semântico do verbo, seguindo a proposta de Halliday (1994).

Além disso, pretende verificar o processo de gramaticalização de ir + verbo no

infinitivo. Muitos pesquisadores o apontam como um exemplo de gramaticalização no

português brasileiro, porém raros são os estudos que conseguem comprovar essa questão.

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Diante dessas questões, julgamos que esta pesquisa possa trazer contribuições pertinentes à

discussão.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, apresentamos as diretrizes teóricas adotadas nesta pesquisa.

Primeiramente, traçamos as principais características da Teoria Sociolinguística Variacionista,

uma vez que é em seu âmbito que buscamos o suporte teórico-metodológico para o

desenvolvimento deste trabalho – investigação de um fenômeno variável. Depois, destacamos

aspectos gerais do Funcionalismo Linguístico, já que recorremos a algumas contribuições

advindas de estudos funcionalistas, além de apresentarmos o paradigma da gramaticalização,

considerando alguns conceitos que são aqui adotados.

3.1 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA

Este trabalho segue os princípios teórico-metodológicos da Teoria da Variação e

Mudança linguística, tendo em vista que investiga um fenômeno variável – as formas de

expressão de futuro – e tenta traçar um recorte histórico longitudinal dessas formas.

O pressuposto básico do estudo da variação – entendida como a coexistência de duas

ou mais formas, num mesmo contexto, para dizer a mesma coisa, ou seja, com o mesmo valor

de verdade - é o de que a heterogeneidade linguística não é aleatória, mas regulada por um

conjunto de regras. O papel do pesquisador, dessa forma, é identificar os fatores linguísticos e

sociais que possam influenciar na escolha de determinada variante, fatores esses que a análise

quantitativa confirmará.

William Labov foi um dos primeiros a relacionar as variações linguísticas às

diferenciações existentes na estrutura social de cada comunidade, formulando a Teoria

Variacionista. Labov (1972), em seu primeiro trabalho, investigou o inglês de Nova York com

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a finalidade de descobrir não apenas como os falantes pronunciavam o /r/, mas os fatores que

orientavam a ocorrência das variantes.

Com esse estudo, Labov passa a privilegiar como objeto de estudo a heterogeneidade

presente na gramática da ‘comunidade de fala’, em detrimento da homogeneidade contida no

conceito de ‘langue’ (objeto de estudo estruturalista).

Segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006), a existência da heterogeneidade não

atrapalha a comunicação entre os usuários da língua, ao contrário, eles são capazes de

codificar e decodificar as variantes presentes no sistema, já que, nas palavras de Tarallo

(1990, p. 06), é possível sistematizar o “caos aparente”, por haver padrões regulares (sociais e

linguísticos).

Portanto, o objeto de estudo da Sociolinguística é a língua observada, descrita e

analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Por isso, seu objetivo é

identificar as motivações, os fatores que controlam a variação, e o peso de cada um deles

sobre a ocorrência de uma ou outra variante.

Silva-Corvalán (1989, p. 02) afirma que

a perspectiva sociolinguística se opõe, indubitavelmente, às posições teóricas defensoras da opinião de que o objeto de estudo da linguística é a língua isolada do seu contexto social, mas não é totalmente incompatível com elas na medida em que, através do estudo da fala, o sociolinguista pode descobrir, descrever e fazer predições sobre o sistema linguístico que subjaz à fala.

Os primeiros estudos variacionistas foram realizados no campo da fonologia. Só mais

tarde, graças ao êxito da aplicação da metodologia laboviana de análise quantitativa, é que

começaram a surgir pesquisas de fenômenos morfossintáticos e discursivos. Contudo, esse

passo adiante trouxe consigo algumas dificuldades, como a coleta de grandes quantidades de

dados e a condição de encontrar contextos idênticos para as variantes analisadas, por exemplo,

a pesquisa por ora descrita (cf. capítulo 4).

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A respeito da aplicação de estudos variacionistas às unidades de nível não apenas

fonológico, mas também morfossintático e discursivo, vale mencionar a polêmica entre

Lavandera (1978) e Labov. Segundo a autora, não existiria realmente variação no sentido

estrito do termo em outros níveis diferentes do fonológico, já que cada variante sintática

veicula seu próprio significado. Porém, esse impasse não impediu o desenvolvimento de

estudos variacionistas não-fonológicos.

É difícil discordar totalmente de Lavandera. Entretanto, Labov conseguiu elaborar um

método probabilístico de investigação sociolinguística que permite correlacionar variantes

linguísticas sistemáticas a parâmetros linguísticos e sociais, que podem ser usados para

fenômenos que não se restringem à fonologia. A abordagem variacionista é válida para

fenômenos variáveis em todos os níveis, desde que o pesquisador seja sensível à natureza do

fenômeno estudado, superando a exigência estrita de “um mesmo significado”.

Em relação ao nosso estudo, podemos afirmar que possivelmente as formas de futuro

não signifiquem exatamente a mesma coisa, porém compartilham uma mesma função

gramatical – indicar o tempo futuro. Portanto, acreditamos que elas constituam uma mesma

variável, como exemplificado em seguida.

01) mas eu vou verificar:: tá meu filho ... porque agora eu tenho que:: ... mas

eu vou verificar direitinho ... procurar ... e depois eu te dou a resposta ... tá::” (PortVix: Mulher, Universitária, 50 anos ou mais)

Em (01), a informante usa variavelmente ir no presente + verbo no infinitivo e

presente do indicativo para expressar o futuro, ao relatar situações em que alunos fazem

perguntas que os professores não sabem a resposta.

02) A partir do ano que vem, a transmissão do Programa de Ensino Supletivo, será feita, também, para o Distrito Federal, já tendo, inclusive, sido iniciada a organização dos telepostos e do sistema de avaliação do curso. Técnicos do MEC e da Secretaria de Educação do DF vão examinar a evolução desse

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ensino, pelo comportamento dos alunos que receberam assistência pedagógica para a implantação do Supletivo pela TV em todo o território nacional. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974)

Nesse exemplo, encontramos a variação entre futuro do presente e ir no presente +

verbo no infinitivo, um trecho de notícia do jornal A Gazeta, década de 1970.

Esses exemplos permitem perceber que, mesmo analisando um fenômeno não

fonológico, é possível estudá-lo seguindo os princípios da Teoria da Sociolinguística

Variacionista, já que há a possibilidade de se encontrar formas preenchendo a mesma função,

expressando o mesmo valor de verdade.

Por haver dois ou mais modos de dizer a mesma coisa, é natural pensarmos na ideia da

mudança linguística, pois é possível que uma das formas competidoras, a mais recente, vá

ocupando, aos poucos, o lugar da mais antiga. No entanto, nem sempre isso ocorre, já que há

casos em que as variantes convivem por muito tempo, sem que haja o desaparecimento de

uma delas.

Nesta pesquisa, buscamos verificar se nosso fenômeno está passando por uma

mudança linguística ou se é o caso de uma variação estável. Acreditamos que haja uma

mudança linguística, em que a forma perifrástica com ir esteja ocupando o lugar do futuro do

presente7. Por sabermos que as mudanças ocorrem gradualmente e não de forma instantânea,

decidimos investigar corpora de diferentes períodos, na modalidade escrita, buscando

verificar se a construção perifrástica passa a ser mais frequente. Além de investigarmos um

corpus de língua falada para observar as formas de expressão de futuro, acreditando que a

variante ir + verbo no infinitivo seja bastante frequente. Isso nos permitirá fazer uma

correlação com a sociedade, visto que jovens e idosos não falam da mesma forma. Se as

formas inovadoras tiverem um declínio numa escala que vai da população jovem até a idosa,

7 Como já se constatou em outros tempos, por exemplo, o futuro do pretérito e pretérito mais que perfeito.

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teremos indícios de uma mudança em progresso, ressaltando que o fator idade isoladamente

não pode determinar isso, é preciso relacioná-lo a outros da pesquisa.

Para melhor compreender essas questões discutidas, torna-se necessário abordar as

diferenças entre mudança em tempo aparente e em tempo real.

A análise em tempo aparente ocorre quando observamos o padrão de distribuição do

comportamento linguístico por meio dos grupos etários, num determinado recorte de tempo.

Labov (1972) afirma que ao comparar a linguagem de pessoas de diferentes faixas etárias é

possível visualizar os diferentes estágios de uma língua. Ao se adotar uma análise em tempo

aparente, aceita-se a hipótese clássica de que a linguagem é adquirida em sua grande parte até

aproximadamente os 14 anos. Assim, ao se observar a linguagem falada por um indivíduo que

hoje tem 50 anos, estará sendo recuperado o vernáculo falado há 36 anos, quando esta pessoa

tinha apenas 14 anos. Segundo Labov (2008, p. 168),

o período da pré-adolescência é a idade em que se firmam os padrões automáticos da produção verbal: em regra, quaisquer hábitos adquiridos depois deste período são conservados por audiomonitoramento, bem como pelos padrões de controle da produção automática.

Dessa forma, é possível obter uma escala de mudança em tempo real, a partir de uma

escala em tempo aparente, chamada “gradação etária”.

O corpus PortVix será analisado seguindo essa perspectiva, para verificar se a

expressão de futuro está passando por um processo de mudança, tendo em vista que não há

outro corpus, na modalidade oral, a que pudéssemos recorrer para realizar um estudo em

tempo real.

A análise em tempo real é realizada com recortes de várias sincronias, numa

perspectiva diacrônica. Segundo Paiva e Duarte (2004, p. 182), o estudo da mudança em

tempo real

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constitui um recurso imprescindível não apenas para identificar o momento de aparecimento ou morte de uma determinada variante linguística como também para verificar a regularidade na ação dos princípios que regem a variação e subjazem à implementação da mudança.

Esta tese também fará uma investigação em tempo real, na modalidade escrita, ao

analisar o jornal A Gazeta em três recortes sincrônicos – décadas de 1930, 1970 e em 2008.

No estudo da mudança linguística, Weinreich, Labov & Herzog (2006, p. 121-125)

formulam cinco questões teóricas centrais, apresentadas e discutidas a seguir. Todo aquele

que pretende observar a trajetória das possíveis mudanças linguísticas, fatalmente terá de lidar

com esses cinco problemas.

1) O problema dos fatores condicionantes: Destaca a importância da identificação dos

fatores ou condições que favorecem ou restringem uma mudança. Cada restrição pressupõe

uma explicação que diz respeito à causa da mudança. Assim, pode-se saber quais são

possíveis e se são de ordem universal;

2) O problema da transição: Objetiva responder como uma língua muda, ou seja, como ela

passa de um estágio para outro, levando em consideração que ela se processa em um

continuum de variação e mudança. Os autores (op cit, p. 122) afirmam que

a mudança se dá (1) à medida que um falante aprende uma forma alternativa, (2) durante o tempo em que as duas formas existem em contato dentro de sua competência, e (3) quando uma das formas se torna obsoleta.

3) O problema do encaixamento: Observa como uma mudança se encaixa no sistema

linguístico e na matriz social da comunidade. É preciso identificar o grau de correlação que

existe entre a variação social e a mudança, mostrando como o sistema é afetado com o

processo.

No desenvolvimento da mudança linguística, encontramos estruturas linguísticas encaixadas desigualmente na estrutura social; e nos estágios iniciais e finais de uma mudança, pode haver muito pouca correlação com fatores sociais. Assim, a tarefa do linguista não é tanto demonstrar a motivação social de uma mudança quanto determinar o grau de correlação social que existe e mostrar como ela pesa sobre o sistema linguístico abstrato. (op cit, 2006, p. 123)

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4) O problema da avaliação: Diz respeito à forma como os falantes julgam a mudança e

qual o efeito desse julgamento sobre ela. Isso implica o nível de atenção do usuário da língua

em relação à fala.

5) O problema da implementação: Relaciona-se à propagação da mudança em determinados

ambientes estruturais e a difusão progressiva a partir de ambientes mais favoráveis. A questão

mais complexa nesse item é investigar que fatores propiciam que uma determinada mudança

ocorra em uma língua em uma determinada época e não em outra. Por isso, é preciso levar em

consideração a combinação dos resultados para todos os problemas anteriores.

Nesta pesquisa, não temos a pretensão de responder a todos esses ‘problemas’.

Esperamos identificar alguns fatores que motivam o uso da perífrase ir + verbo no infinitivo

para expressar o futuro, além dos fatores que a restringem. Com este estudo, pretendemos

verificar se este fenômeno aqui descrito e analisado passa por um processo de mudança na

comunidade investigada ou se trata apenas de uma variação estável.

3.2 FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO

O parâmetro teórico que fundamenta esta pesquisa é a concepção de língua como um

sistema linguístico decorrente de propósitos comunicativos, determinados por elementos das

situações reais de interação social. Assim, baseia-se nas orientações funcionalistas.

Segundo Nichols (1984, p. 97), na linguística atual, há três abordagens teóricas que se

destacam: o estruturalismo, o formalismo (ou abordagem gerativa) e o funcionalismo. O

estruturalismo descreve as estruturas gramaticais como fonemas, morfemas, relações

sintáticas, semânticas, constituintes e sentenças. A gramática gerativa analisa a extensão do

fenômeno, mas constrói um modelo formal da linguagem. O funcionalismo, semelhantemente

ao gerativismo e ao estruturalismo, analisa a estrutura gramatical, mas inclui na análise toda a

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situação comunicativa (o propósito do evento de fala, os participantes e o contexto

discursivo).

Para o funcionalismo, a língua é um instrumento de interação social entre os seres

humanos, usado com o objetivo principal de estabelecer relações comunicativas entre os

usuários. Assim, a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das expressões

linguísticas na interação verbal.

Segundo Cunha (2008, p. 157),

os funcionalistas concebem a linguagem como um instrumento de interação social, alinhando-se, assim, à tendência que analisa a relação entre linguagem e sociedade. Seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa – que envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo – a motivação para os fatos da língua. A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as condições discursivas em que se verifica esse uso.

É recorrente estudos variacionistas se pautarem em hipóteses advindas da teoria

funcional, como no nosso caso, para poderem descrever os fenômenos de uso variável no

intuito de buscar explicações que fundamentem as tendências de uso de uma dada variante em

certos contextos e situações e não em outros.

Há o pressuposto de que a variação seja natural nas línguas, porém não o de que os

fenômenos variáveis sejam totalmente arbitrários. A ausência de arbitrariedade total e a

consequente presença de sistematicidade na variação linguística são pontos importantes tanto

no variacionismo quanto no funcionalismo linguístico a que este trabalho se vincula. Outro

ponto em comum entre as duas abordagens é, sem dúvida, a necessidade de se estudar a

língua em uso.

Além disso, a teoria funcionalista é adequada ao estudo de variação e mudança

linguística por ter como um de seus pressupostos, por exemplo, a concepção de que os

fenômenos devem ser considerados a partir de um continuum de traços, em vez de traços

opostos e estanques.

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Givón (1995, p. 10) apresenta um grupo de premissas para caracterizar a concepção

funcionalista da linguagem, exposto abaixo. Esse conjunto de premissas remete a um

referencial teórico que vê a língua não como uma estrutura autônoma, mas como

manifestação das atividades cognitivas humanas em situações concretas de comunicação,

apresentando, portanto, caráter essencialmente dinâmico.

• a linguagem é uma atividade sócio-cultural; • a estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; • a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; • mudança e variação estão sempre presentes; • o sentido é contextualmente dependente e não-atômico; • as categorias não são discretas; • a estrutura é maleável e não rígida; • as gramáticas são emergentes; • as regras de gramática permitem algumas exceções.

Nesta pesquisa, utilizamos alguns princípios e categorias funcionalistas relacionados à

questão do contexto que servirão como subsídios teóricos ao estudo, são eles o princípio da

iconicidade e o da marcação.

O princípio funcionalista da iconicidade (Givón, 1990) pode ser definido como um

consistente isomorfismo entre as estruturas gramaticais e o que elas designam no nível

semântico-pragmático. Portanto, a forma de uma expressão linguística raramente é arbitrária,

mas sim estritamente influenciada pelo conteúdo que transmite.

Já que a estrutura não é tecida arbitrariamente, mas sim para desempenhar uma função, então a estrutura deve, de alguma maneira, refletir ou ser restringida pela função que ela desempenha. E a relação não-arbitrária mais natural entre estrutura e função é o isomorfismo, em que os nós superiores e suas relações, na função codificada, se refletem – mais ou menos de um para um – nos nós e relações correspondentes da estrutura codificadora. (Givón 1990, p. 02)

Entretanto, numa língua natural, uma forma pode assumir mais de uma função ou uma

função pode ser codificada, às vezes, por mais de uma forma. Esse fato atenua o princípio da

iconicidade, já que considera que nem sempre existe uma relação não-arbitrária entre forma

(código) e função (mensagem) na língua.

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Nossa pesquisa propõe que a função ‘tempo futuro’ na língua portuguesa pode ser

representada por meio de quatro formas: futuro simples; ir no futuro + infinitivo; presente do

indicativo e ir no presente + infinitivo.

Quanto ao princípio da marcação, Givón (1995, p. 27) afirma que é uma noção

dependente do contexto por excelência, uma vez que a mesma estrutura pode ser marcada em

um contexto e não-marcada em outro. Portanto, deve ser explicada com base em fatores

comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos.

Três critérios podem ser usados para distinguir a estrutura marcada da não marcada:

a) Complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa, em termos de extensão, do que a categoria não-marcada; b) Distribuição de frequência: a categoria marcada (figura) tende a ser menos frequente, portanto, cognitivamente mais saliente do que a categoria não-marcada correspondente; c) Complexidade cognitiva: a categoria marcada tende a ser cognitivamente mais complexa em termos de esforço mental, atenção ou tempo de processamento do que a não-marcada. (Givón 1995, p. 27)

Em relação ao tema aqui investigado, acreditamos que o futuro do presente, por

apresentar maior complexidade morfológica, ser mais complexo cognitivamente e

estatisticamente menos frequente, ocorra em contextos marcados. O presente do indicativo é

formal, cognitivamente menos complexo e estatisticamente mais frequente, logo, deva ocorrer

em contextos não marcados. Segundo Câmara Jr., o presente é a forma não marcada em

relação ao passado, por isso também pode ser em relação ao futuro. De um modo geral, o

presente do indicativo parece ser não marcado para expressar tempo, pois é a forma que

primeiro ocorre ao falante, sendo, assim, cognitivamente menos complexa.

Dentro desse quadro, cabe o seguinte questionamento: a perífrase ir + verbo no

infinitivo e marcada como o futuro simples ou não marcada como o presente do indicativo?

Para responder essa questão, analisaremos quantitativamente as formas de expressão de

futuro, comparando o efeito nas diferentes épocas e nas diferentes modalidades.

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Tendo em vista essas características do Funcionalismo Linguístico, este trabalho se

insere como pertencente a essa linha.

3.2.1 Gramaticalização

Os estudos sobre processos de mudança linguística considerando a hipótese da

gramaticalização ganharam significativa notoriedade nos últimos anos. O paradigma da

gramaticalização se insere no quadro teórico funcionalista e pode explicar a formação da

perífrase ir + verbo no infinitivo, objeto de estudo deste trabalho.

Em linhas gerais, gramaticalização é um processo de mudança linguística em que um

item de uma categoria lexical se transfere para uma categoria gramatical, ou um item já

gramatical se torna ainda mais gramatical (Hopper & Traugott, 1993, p. 21). No entanto, os

trabalhos mais recentes, como Bybee (2003), afirmam que não é o item que se gramaticaliza,

mas a construção.

O verbo ir apresenta, em situações reais de interação social, diferentes funções e

sentidos, caracterizados como um processo de mudança semântica, em que de uma categoria

lexical (verbo pleno) passa a ser usada também como uma categoria gramatical (verbo

auxiliar). Por isso, este estudo segue os pressupostos da gramaticalização.

O verbo, como categoria primária, aparentemente não deriva de outra classe lexical,

mas é interessante notar a transformação de um verbo pleno num verbo funcional, e deste

num verbo auxiliar.

Verbos plenos são os que funcionam como núcleos do predicado. Os verbos funcionais transferem esse papel para os constituintes à sua direita, tornando-se portadores de Pessoa, Número, Tempo e Modo. Os verbos auxiliares acompanham verbos nucleares na forma nominal, aos quais atribuem as categorias de pessoa e número, especializando-se como auxiliares de tempo, modo e aspecto. (Castilho, 1997, p. 33)

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No trajeto empreendido por um item lexical, ao longo do processo de

gramaticalização, esse recebe propriedades funcionais na sentença, sofre alterações

morfológicas, fonológicas e semânticas, podendo até desaparecer, em uma cristalização

extrema. Caracteriza-se, assim, o ciclo funcional, de acordo com Givón (1995):

Discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero

É possível se valer dessa escala feita por Givón e ajustá-la para os acontecimentos de

gramaticalização das formas verbais. Podemos considerar para esse processo as fases:

Verbo Pleno > Verbo Auxiliar > Clítico > Afixo > zero

Segundo Votre et al (2004, p. 25),

o nosso futuro ilustra bem esse fato. No latim clássico, ele era expresso através de desinência: amabo. Progressivamente, passou a ser expresso através de uma perífrase verbal, com o uso do verbo haver: amare habeo. Essa construção percorreu o ciclo funcional, acabou integrando-se, tendo o verbo habere reduzido seu corpo fonético a um sufixo marcador de futuro: amarei. No português contemporâneo o futuro do presente e o futuro do pretérito têm uso muito restrito, sobretudo na fala, que vem substituindo essas formas de expressar o modo irrealis do tempo por uma nova perífrase, agora com o verbo ir .

Outro ponto relevante a acrescentar diz respeito à existência de cinco princípios de

gramaticalização, postulados por Hopper (1991, p. 22). Vale ressaltar que eles são bastante

aplicáveis ao fenômeno aqui estudado.

1) Estratificação: Coexistência de diversas camadas. A emergência de novas

camadas/variantes não implica eliminação das antigas, ou seja, a forma nova coexiste com a

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forma antiga com função similar. É o caso, no português, do futuro do presente sintético e o

perifrástico, assim como o do presente do indicativo nas formas sintéticas e perifrásticas.

2) Divergência: Remete à preservação, conservação da forma lexical que deu origem a um

processo de gramaticalização. O verbo ir mantém seu estatuto de verbo pleno em Vou ao

parque no fim de semana e aparece também como verbo auxiliar na forma perifrástica: Vou

terminar o texto na segunda-feira.

3) Especialização: Refere-se ao estreitamento de escolhas sofridas pelas construções

gramaticais. Uma forma pode tornar-se obrigatória, já que a possibilidade de escolha diminui.

Neste trabalho, pretende-se verificar esse processo, tendo em vista que a forma perifrástica de

futuro parece ser mais especializada, por expressar mais naturalmente modalidade.

4) Persistência: Diz respeito à manutenção, à permanência de vestígios do significado

lexical original, de alguns traços semânticos da forma fonte por parte da forma que sofreu

gramaticalização. Especula-se que o verbo ir , neste caso, mantém seu traço aspectual que

expressa o curso de fatos a partir de um ponto locativo ou temporal qualquer. Além disso,

acredita-se que não atingiu estatuto pleno de verbo auxiliar, pois a forma Vou ir é, em geral,

estigmatizada pelos falantes, diferente do que ocorreu em inglês com a forma go.

5) Decategorização: Refere-se a uma diminuição do estatuto categorial de itens

gramaticalizados e, consequentemente, aparecimento de formas híbridas. As formas em

processo de gramaticalização tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os

privilégios sintáticos característicos das categorias plenas nome e verbo, e a assumir atributos

característicos de categorias secundárias como adjetivo, particípio, preposição, etc. O verbo ir

migra da categoria gramatical de verbo pleno para a de verbo auxiliar.

Bybee (2003) analisa o processo de gramaticalização a partir do papel da frequência.

A autora caracteriza como um fenômeno em que sequências frequentemente usadas tendem a

se tornar automáticas, funcionando como uma única unidade. Para exemplificar, cita a

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construção em inglês com be going to > gonna, apontando que entre tantos verbos que

poderiam expressar movimento, apenas a construção com go se gramaticalizou. É possível

afirmar que, no português, também podemos verificar esse fenômeno com o verbo ir , não só

com essa forma em si, mas a construção em que se dá.

Para Bybee (2003, p. 603-605), essa frequência não é resultado do processo, mas

contribui para que ocorra uma força que instiga a mudança. A linguista apresenta dois tipos de

frequência para se analisarem os processos de gramaticalização: a) frequência de ocorrência,

que como diz o próprio nome analisa a frequência de ocorrência de uma unidade e b)

frequência de tipo, a qual se refere a um tipo de estrutura em particular.

Em relação ao tema aqui abordado, acredita-se que o verbo ir esteja em processo de

gramaticalização. Pode-se constatar tal processo a partir desse parâmetro da frequência. A

perífrase ir + verbo no infinitivo é uma estrutura mais gramaticalizada, basta comparar

construções como Vou à escola amanhã e Vou estudar amanhã. Espera-se que esse segundo

tipo seja mais frequente, observando a frequência de ocorrência8. A hipótese relacionada à

frequência de tipo é que esse verbo se apresenta com tipos de verbos mais variados e para isso

utilizaremos a classificação de Halliday (1994).

O estudo de Heine (1993) propicia subsídios importantes para este trabalho, tendo em

vista que descreve as motivações para a formação de verbos auxiliares, tentando mostrar de

que maneira a operação mental se relaciona com recategorização linguística. Considera como

um dos esquemas cognitivos básicos formadores de auxiliares o de movimento, no qual ir se

enquadra. Segundo Heine, a proposição X moves to/from Y gera a categorização de auxiliar e

expressa comumente a noção de futuro. O esquema relacionado à ideia de movimento envolve

principalmente os verbos go e come como predicado. O autor cita dois exemplos: be going to

(inglês); venir de (francês).

8 Conforme já foi constatado em Tesch (2007), ao analisar as construções perifrásticas com ir no futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo.

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Para Heine (op. cit.), os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados a

tempo, aspecto e modo. Além disso, afirma que são gramaticalizações de conceitos

complexos, que ele chama de esquemas de eventos (esquemas cognitivos que envolvem uma

proposição e dois participantes, em geral).

Segundo a estratégia elaborada por Heine (1993, p. 27-28),

conteúdos complexos são expressos por sentidos menos complexos e conteúdos mais básicos, e conceitos abstratos por conceitos mais concretos. Conceitos gramaticais são satisfatoriamente abstratos: eles não se referem a objetos físicos ou processos cinéticos; eles são definidos primeiramente com referência a função relativa no discurso.

Assumindo que os auxiliares expressam noções gramaticais tipicamente relacionadas a

tempo, aspecto e modo, Heine estabelece que as expressões linguísticas usadas para transmitir

esses conceitos são derivadas de formas concretas descritas geralmente com as seguintes

noções:

Tabela 03: Principais processos de gramaticalização de verbos plenos em auxiliares (Heine 1993, p. 31)

Forma conceitual Rótulo proposto a) X está em Y Localização b) X move-se para Y Movimento c) X faz Y Atividade/ação d) X quer Y Desejo e) X torna-se Y Mudança de estado f) X é como Y Equação g) X está com Y Acompanhamento h) X tem Y Posse i) X está do modo Y Maneira/modo

Segundo Heine, os esquemas (a), (b) e (c) são mais básicos e constituem os esquemas

mais salientes da conceituação humana em relação aos demais.

Heine descreve as etapas do processo de gramaticalização dos verbos ao longo de um

continuum. Inicialmente, há o conceito lexical e esse item é transferido para designar um

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conceito gramatical. Entretanto, há uma fase intermediária em que esse item apresenta

ambiguidade, pois a mesma expressão pode se referir simultaneamente aos dois diferentes

conceitos, conforme ilustrado pelo autor:

Estágio I II III

Tipo de conceito: lexical lexical e gramatical gramatical

A ambiguidade é um passo necessário no processo de reanálise do verbo como

auxiliar. Vale destacar que essa ilustração abrange as dimensões diacrônica e sincrônica.

Diacrônica ao se considerar o processo histórico no desenvolvimento do estágio I ao estágio

III. E sincrônico, pois é possível constatar ocorrências com o conceito lexical (estágio I) e o

conceito abstrato (estágio III). Isso é perceptível nas perífrases com ir + verbo no infinitivo,

descritas a seguir ao longo da análise dos resultados.

Para justificar o processo de gramaticalização em construções que expressam

movimento físico, como be going to, Heine afirma entender que há dois fatores envolvidos:

metáfora e reinterpretação contextual-induzida. A trajetória de be going to foi assim

representada pelo autor:

MOVIMENTO FÍSICO > INTENÇÃO > TEMPO FUTURO

Assim, a construção be going to apresentaria as seguintes características: a) go torna-

se auxiliar; b) o conceito concreto/lexical torna-se abstrato/gramatical, como para indicar

tempo; c) o sentido original de go desaparece e começa a expressar futuridade; d) a frase

sintática is going to se torna uma marca morfológica complexa; e) a estrutura complexa

(verbo – complemento) é reinterpretada como outro constituinte (verbo auxiliar – verbo

principal).

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Heine (1993, p. 131), ao concluir seu trabalho, explicita sua definição para verbos

auxiliares:

Auxiliares podem ser definidos como itens linguísticos (verbos plenos) localizados na cadeia da gramaticalização que passam a marcar noções gramaticais de tempo, aspecto e modo, assim como alguns outros domínios funcionais, e seu comportamento pode ser descrito com referência à respectiva localização ao longo desta cadeia.

Cezario (2004, p. 51) também afirma que “o auxiliar, num dado estágio da língua, era

um verbo pleno e com o passar do tempo perdeu o seu conteúdo referencial, concreto, e

sofreu gramaticalização.” Além disso, considera o verbo auxiliar uma categoria intermediária

em um continuum que vai do verbo pleno ao item como morfema flexional, por exemplo, o

verbo haver que originou os morfemas de futuro do português – amar hei > amarei.

O presente trabalho tem por pretensão verificar a ocorrência de um processo de

gramaticalização com a perífrase ir + verbo no infinitivo na expressão de futuro nas formas de

futuro do presente (irei estudar) e presente do indicativo (vou estudar), como ilustram os

exemplos a seguir retirados do corpus PortVix:

03) a pessoa que se batiza tem que fazer de tudo ... o instrumentista ... o instrumentismo ... os professores ali da igreja ... todo mundo é batizado ... até o meu colega esse que ... foi lá comigo ele vai se batizar esse ano ... agora domingo ele vai no Manaím ... é onde se batiza (PortVix: Homem, Ensino Fundamental, 07 a 14 anos)

Nesse exemplo, o verbo ir está no presente e marca uma ação futura. Percebe-se a

carga semântica do verbo pleno de movimento e o componente locativo e não há o valor

modal de intenção.

04) depois vou na Emescam pra estudar... aqui em casa não consigo estudar

não (PortVix: Homem, Universitário, 15 a 25 anos)

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Nesse exemplo, o componente locativo permanece na oração. No entanto, não é

possível atestar com precisão a carga semântica do verbo pleno de movimento. Há um traço

de finalidade reforçado pela preposição para e o verbo no infinitivo.

05) mamãe eu vou dormir na casa de minha amiga (PortVix: Mulher, Ensino Fundamental, 07 a 14 anos)

Em (05) a finalidade é expressa somente pelo infinitivo do verbo, o que põe em dúvida

a carga semântica de movimento do verbo pleno e aponta para o primeiro passo do verbo ir

como auxiliar pleno.

06) vou estudar primeiro... estudo bastante... aí depois... depois dos estudo aí eu penso em casar (PortVix: Homem, Ensino Fundamental, 15 a 25 anos)

Aqui a unidade está completa. Não há mais o locativo e o verbo auxiliar está esvaziado

de sua carga semântica de verbo de movimento. A finalidade ainda é um traço presente, mas

está acompanhado de outro traço, pragmático talvez, de intenção. É no verbo principal que se

encontra a carga semântica e o verbo auxiliar funciona como marca morfológica de futuro.

A pesquisa aqui descrita acredita que as formas perifrásticas com ir estejam passando

por um processo de gramaticalização, tendo em vista o uso dessas formas como auxiliar

verbal, embora a forma “mãe”, com a significação de movimento, não tenha desaparecido.

Neste trabalho, utilizam-se técnicas e recursos qualitativos – observando os contextos

em que eles aparecem – e quantitativos – a fim de tentar detectar tendências – para descrever

e interpretar as circunstâncias discursivas em que são construídas as expressões com

perífrases verbais ir + verbo no infinitivo para indicar futuridade.

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Levam-se em consideração a variação de ir para expressar o futuro, o valor semântico

do verbo e o tipo do verbo principal ligado ao “auxiliar” 9 ir .

Tesch (2007) pesquisou a gramaticalização do verbo ir com a noção de irrealis, no

corpus PortVix, a partir do estudo da frequência – de ocorrência e de tipo -, baseada em

Bybee (2003). A frequência de ocorrência demonstrou que as formas com o verbo ir como

auxiliar são mais recorrentes que as que indicam movimento. Inclusive, a forma como

auxiliar, do tipo Ia estudar para a prova, foi a mais utilizada, apresentando uma taxa

relativamente alta (72%). A frequência de tipo demonstrou que a forma ir como auxiliar, a

mais gramaticalizada, relacionou-se com maior variedade de verbos, com base na

classificação de Halliday (1994). Assim, pôde-se confirmar o pressuposto de Bybee de que

quanto mais gramaticalizada a forma, mais frequente é o seu uso e em diferentes contextos.

Portanto, a partir das ocorrências estudadas, pôde-se observar o processo de gramaticalização do verbo IR no âmbito do irrealis, devido ao fato de o seu uso como auxiliar verbal ter sido bastante recorrente, sendo inclusive o mais frequente dos usos. Entretanto, não se verificou o apagamento da forma “mãe”, com a significação de movimento. Os dados mostraram que eles podem estar seguindo o caminho espaço > tempo > situação modal (auxiliar). (TESCH, 2007, p. 145-146)

3.2.1.1 Algumas considerações sobre o verbo ir

Como vimos ao longo da análise variacionista, a entrada do verbo ir como auxiliar

para expressar o futuro vem encontrando resposta positiva entre os falantes, o que possibilita

tratar o fenômeno como uma mudança em curso, através do processo de gramaticalização

desse verbo em auxiliar de futuro. Nesse processo, a expressão do tempo verbal deixa de ser

indicada morfologicamente, por meio das desinências modo-temporais, para enveredar por

um caminho diferente - a adoção de um item do léxico. Entretanto, esse caminho não é uma 9 As aspas no auxiliar é devido ao fato de haver controvérsias a respeito do assunto.

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maneira tão nova de fazer, já que repete um processo que já ocorreu no latim para o português

com o verbo habere, conforme descrito na apresentação do tema (pág. 23).

Pretendeu-se descrever e interpretar as circunstâncias discursivas em que são

construídas as perífrases com ir para indicar futuro, considerando tanto as ocorrências de ir no

futuro do presente (irei estudar), como no presente do indicativo (vou estudar). Para isso,

analisaram-se essas perífrases em corpora de língua escrita, jornal A Gazeta nas décadas

1930, 1970 e em 2008, e de língua falada – PortVix.

Ao analisar esses corpora, constataram-se usos do verbo ir expressando futuro em

diversos valores semânticos. Para explicitá-los, exemplificam-se esses usos a partir de alguns

esquemas de frases, por meio dos traços gramaticais que apresentam, com a finalidade de

expor a estrutura dessas orações. Juntamente ao esquema, encontra-se um exemplo extraído

do corpus PortVix10, com o objetivo de demonstrar o processo de gramaticalização do verbo

ir . Seguem-se os esquemas acompanhados dos exemplos:

a) Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente

locativo):

07) por exemplo ... eu vou pra São Paulo (PortVix: Mulher, Universitário, 50 anos em diante)

O verbo ir apresenta o sentido de movimento, característico da forma mãe. Estão

presentes: 1) a carga semântica do verbo pleno de movimento; 2) o componente locativo e 3)

não há o valor modal de intenção.

10 A escolha desse corpus é devido ao fato de apresentar maior diversidade dessas estruturas.

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b) Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente

locativo) + verbo no infinitivo (acompanhado de um traço de finalidade e antecedido

pela preposição para):

08) levando canivete pedra pau quer ir lá pra brigar mesmo e tem aquele que vai lá pra torcer então você tem que ... a violência da torcida é um negócio meio delicado (PortVix: Homem, Universitário, 26 a 49 anos)

Nesse caso, o componente locativo permanece na oração. No entanto, não é possível

atestar com precisão a carga semântica do verbo pleno de movimento. Há um traço de

finalidade reforçado pela preposição para e o verbo no infinitivo.

c) Verbo ir (noção de movimento atenuada) + advérbio ou locução adverbial

(componente locativo) + verbo no infinitivo (acompanhado de um traço de finalidade,

sem preposição):

09) aí quando ela ... me encontrou na rua saindo com ela dentro da igreja perguntou assim ... “você veio panhar o menino?” ... eu disse “vim porque vou em casa almoçar (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

A finalidade é expressa somente pelo infinitivo do verbo, o que põe em dúvida a carga

semântica de movimento do verbo e aponta para o primeiro passo do verbo ir como auxiliar.

d) Verbo ir (idéia de movimento atenuada) + verbo no infinitivo + advérbio ou locução

adverbial (componente locativo):

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10) todo mundo sai dez hora onze hora da noite ... os menino ... de catorze quinze ano ... <inint> onze hora da noite que é hora de sai ... e vão ... depois de lá telefonam ... “mamãe eu vou dormir na casa de minha amiga não sei quem ... fulano”... “ha-ha... tudo bem... vai... tá... tudo bom... quem é a amiga? (PortVix: Mulher, Universitária, 50 anos em diante)

A ideia do auxiliar fica clara em (d), em que o processo de esvaziamento da carga

semântica é evidente. A finalidade torna-se um traço mais fraco, já que o componente locativo

está deslocado. Pode-se perceber o começo da unidade entre verbo auxiliar ir e o verbo

principal no infinitivo. Se a construção sofrer uma mudança, trocando-se o verbo principal por

ir tem-se, por exemplo: vou ir na casa de minha amiga11. Percebe-se que o auxiliar ir marca a

morfologia tempo/ modo.

e) Verbo ir (começa a perder a idéia de movimento) + advérbio (excluindo o

componente locativo) ou clítico + verbo no infinitivo:

11) antigamente algumas comidas elas eram assim::... separadas pra domin::go assim gali::nha macarrã::o... era casa... hoje ainda virou roTIna aquilo né? ... então você vai se reunir pra comer galinha?... fica um neGÓcio... ruim né?... esse peru da Sadia esse negócio assim de granja né? (PortVix: Homem, Universitário, 50 anos em diante)

O traço de auxiliaridade de ir também está bem claro em (e), tendo em vista que a

carga semântica de movimento está esvaziada12 e o componente locativo também não está

presente na oração. O verbo ir ainda não está unido diretamente ao infinitivo, mas a relação

entre eles já está perceptível. Entre os verbos foram encontrados principalmente clíticos,

conforme o exemplo acima.

11 Não constatamos nenhum caso com essa característica ir + ir. 12 Ao assumir que a carga semântica do verbo ir está esvaziada, não se quer dizer que está completamente nula. Esse é mais um processo contínuo do que um fato consumado.

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f) Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo no infinitivo:

12) não... ela faLA ... tem vezes que ela faLA ... ah ... não gostei deSSA não ... gostei ... ah ... quem vai ficar ... vai ser eu mãe:: (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos)

Nesses casos, a unidade está completa. Não há mais o locativo e o verbo auxiliar está

esvaziado de sua carga semântica de verbo de movimento. A finalidade ainda é um traço

presente, mas está acompanhado de outro traço, pragmático talvez, de intenção. É no verbo

principal que se encontra a carga semântica e o verbo auxiliar funciona como morfologia de

futuro.

g) Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo modal + verbo no infinitivo:

13) tipo ... ela namorou muito tempo ... com:: outro durante três anos ... que prendia muito ela ... esses três anos ele nunca veio aqui entendeu? ... aí ela ficava ... “ah L. não vou poder ir pra casa esse final de semana (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos)

É possível combinar, também, como ilustrado em (g), o auxiliar ir com verbo modal,

numa construção verbal tripla, como em: vou poder estudar. Nesses casos, a carga semântica

de movimento continua esvaziada e há um traço de finalidade. Entretanto, o traço modal de

intenção de fazer alguma coisa (assinalar o início da ação) está presente.

Em relação aos tipos de ocorrências do verbo ir , constatou-se nos dados analisados a

ocorrência dos sete tipos de construções com esse verbo, apontados anteriormente, nos

exemplos de (a) a (g), mas distribuídos diferentemente em cada corpus. A seguir, tem-se a

tabela com a distribuição das ocorrências nos corpora analisados.

Para orientar a observação dos dados, foram tomadas como principal base teórica as

noções de gramaticalização de Bybee (2003), segundo as quais a alta frequência pode

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ocasionar o processo de gramaticalização. A frequência não é apenas o resultado do processo,

mas o fator primário que contribui para que ocorra, é uma força que instiga a mudança.

Tabela 04: Distribuição das ocorrências de ir nos corpora analisados.

a13 b14 c15 d16 e17 f18 g19 Total A Gazeta 1930 04

20% - - - - 16

80% - 20

A Gazeta 1970 04 08%

- - - 03 07%

42 85%

- 49

A Gazeta 2008 07 04%

- - - 07 04%

140 89%

05 03%

159

PortVix 47 05%

02 0.2%

03 0.3%

10 01%

42 4.5%

742 81%

70 08%

916

Os resultados descritos na tabela acima ajudam confirmar que a perífrase ir + verbo no

infinitivo está passando por um processo de gramaticalização, tendo em vista que quanto mais

frequente fosse seu uso mais propiciaria a gramaticalização do verbo ir como auxiliar verbal,

e os dados mostram que prevalece seu uso no contexto de auxiliar, exemplificado em (f), com

mais de 80% das ocorrências em todos os corpora analisados.

Além disso, acreditávamos que o processo de gramaticalização favorecesse o seu uso

em uma maior diversidade de estruturas – fato constatado no PortVix, uma vez que o verbo ir

ocorreu em todos os tipos postulados: de (a) a (g). Na modalidade escrita, não foi encontrada

essa variedade de usos. Os dados estão mais restritos às estruturas como (a) e (f), o que

significa que há o uso da forma ‘mãe’ e da perifrástica, concomitantemente.

13 Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo). 14 Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo) + verbo no infinitivo (antecedido pela preposição para). 15 Verbo ir (noção de movimento atenuada) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo) + verbo no infinitivo (acompanhado de um traço de finalidade, sem preposição). 16 Verbo ir (idéia de movimento atenuada) + verbo no infinitivo + advérbio ou locução adverbial (componente locativo). 17 Verbo ir (começa a perder a idéia de movimento) + advérbio (excluindo o componente locativo) ou clítico + verbo no infinitivo. 18 Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo no infinitivo. 19 Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo modal + verbo no infinitivo.

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Quase não se encontra a forma plena do verbo ir , com o significado de movimento,

principalmente nos corpora mais recentes – A Gazeta 2008 e PortVix. O maior número

desses dados é na modalidade escrita na década de 1930, o que comprova que o processo de

gramaticalização se dá de maneira gradativa.

Ao mesmo tempo, vale ressaltar que não foi constatada na fala capixaba a ocorrência

do tipo irei/vou ir à escola, demonstrando, aparentemente, que os falantes ainda não

dissociaram totalmente a noção de movimento do auxiliar ir , como já fizeram os falantes do

inglês, ao dizer i’m goingo to go.

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4. ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

Conforme mencionado anteriormente, o objetivo desta pesquisa é discutir a variação

sistemática entre as formas indicadoras de futuro, nas formas sintéticas – futuro simples e

presente do indicativo - e perifrásticas – ir no futuro simples + verbo no infinitivo e ir no

presente + verbo no infinitivo.

Procura-se, neste trabalho, estabelecer a sistematicidade das formas alternantes

estudadas na comunidade capixaba, nas modalidades falada, a partir do banco de dados

PortVix, e escrita, por meio da análise do jornal A Gazeta (na década de 1930, década de

1970 e em 2008). Tal tarefa será possível graças ao aporte teórico-metodológico da

Sociolinguística Variacionista Laboviana, comentada no terceiro capítulo desta tese. Além

disso, pretende-se avaliar como está o processo de gramaticalização do verbo ir .

Seguindo os procedimentos teórico-metodológicos da Teoria Variacionista, procurou-

se obter um número significativo de dados do uso real do capixaba.

Tabela 05: Distribuição dos dados em cada corpus analisado.

Corpus Total de dados

A Gazeta 1930 203

A Gazeta 1970 396

A Gazeta 2008 678

PortVix 1077

A metodologia da Teoria da Variação constitui uma ferramenta poderosa e segura que

pode ser usada para o estudo de qualquer fenômeno variável nos diversos níveis e

manifestações linguísticas.

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Será recorrente, a partir desse momento, a utilização do termo fatores ou grupo de

fatores. Na literatura variacionista, o grupo de fatores consiste nos “elementos

condicionadores do uso de regras variáveis, de natureza linguística e extralinguística”

(Tarallo, 1990, p. 86). Neste trabalho, analisamos vários grupos de fatores linguísticos e

sociais (PortVix) que possivelmente influenciam o fenômeno em estudo nesta tese, que serão

apresentados e discutidos na seção 4.3. Como exemplo podemos citar o grupo de fatores

gênero textual, nos corpora do jornal A Gazeta. Em um jornal, há diferentes gêneros, como

notícia, propaganda e editorial. Os grupos de fatores extralinguísticos ou sociais (ou variáveis

sociais) como, por exemplo, a escolaridade, serão estritamente analisados no corpus PortVix,

do qual fazem parte os fatores ensino fundamental, ensino médio e universitário.

Torna-se, também, necessário esclarecer a distinção conceitual entre variante e

variável. Variável refere-se ao fenômeno em variação, no nosso caso, a expressão de futuro e

variantes são os conjuntos de formas linguísticas que compõem uma variável, no nosso estudo

são o futuro simples, ir no futuro simples + infinitivo, presente do indicativo e ir no presente

+ infinitivo. Vale mencionar também o que são consideradas variáveis dependentes e

independentes. Variável dependente é o fenômeno estudado e variável independente os

possíveis fatores correlacionados a essa variação.

4.1 DESCRIÇÃO DOS CORPORA

A presente pesquisa, a exemplo de outros estudos de orientação sociolinguística,

examinou corpora compostos de representantes de uma comunidade linguística – no caso, a

capixaba. São analisados nesta tese corpora nas modalidades oral e escrita. Analisam-se o

banco de dados do projeto PortVix e trechos do jornal A Gazeta, década de 1930, década de

1970 e 2008.

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Os informantes que compõem o banco de dados PortVix foram selecionados de acordo

com a faixa etária, sexo, escolaridade e origem. Deu-se preferência a falantes que tivessem

nascido em Vitória, porém, quando esses não foram encontrados, buscaram-se aqueles que,

pelo menos, haviam-se deslocado para a cidade até os cinco anos de idade, ou que ali

tivessem passado mais de três quartos de sua vida, no caso da faixa etária mais elevada,

conforme mencionado por Mazieira & Tesch (2002).

Na constituição desse banco de dados, definiram-se três níveis de escolaridade (Ensino

Fundamental, Médio e Universitário), quatro faixas etárias (de 7 a 14 anos, de 15 a 25, de 26 a

49 e de 50 anos em diante) e informantes dos dois sexos (homens e mulheres). As várias

células foram distribuídas aleatoriamente pelas regiões sócioeconômicas da cidade, e tal

distribuição orientou a procura e seleção dos informantes, (cf.Yacovenco, 2002). O corpus do

projeto PortVix compõe-se de quarenta e seis entrevistas, cada uma com cerca de uma hora de

duração. Observe a distribuição dos informantes:

Tabela 06: Distribuição dos informantes de acordo com as variáveis sociais.

Idade 07-14 15-25 26-49 50 ou + Totais

Sexo H M H M H M H M

Ensino Fundamental 4 4 2 2 2 2 2 2 20

Ensino Médio 3 3 2 2 2 2 14

Ensino Universitário 2 2 2 2 2 2 12

Número total de informantes entrevistados 46

Nesta pesquisa, analisamos 22 entrevistas. São informantes dos sexos masculino e

feminino, dos três níveis de escolaridade e das quatro faixas etárias.

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Tabela 07: Distribuição dos informantes analisados nesta pesquisa de acordo com as variáveis sociais.

Idade 07-14 15-25 26-49 50 ou + Totais

Sexo H M H M H M H M

Ensino Fundamental 2 2 1 1 1 1 1 1 10

Ensino Médio 1 1 1 1 1 1 06

Ensino Universitário 1 1 1 1 1 1 06

Número total de informantes entrevistados 22

Labov (2008, p. 13), ao destacar a importância de se analisar a língua na modalidade

oral, afirma que

existe uma crescente percepção de que a base do conhecimento intersubjetivo na linguística tem de ser encontrada na fala – a língua tal como usada na vida diária por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos.

Entretanto, as entrevistas, conforme o próprio autor, não são exemplos exatos do

vernáculo, pois se constituem em um estilo próprio, caracterizado por não ser tão formal

como uma entrevista de emprego, porém não tão informal quanto a fala usada em situações

cotidianas, como na conversa entre amigos.

Além dos dados de língua falada, analisamos a modalidade escrita, a partir de

ocorrências retiradas do jornal A Gazeta. Segundo Paredes (2007, p. 159),

os estudos comparativos da fala e da escrita evoluíram de um tempo em que as duas modalidades eram colocadas em pólos opostos, através de dicotomias que valorizam as diferenças entre elas para o tratamento como um continuum.

Esse jornal foi fundado em 1928, mais precisamente, a primeira edição data de 11 de

setembro de 1928. Surgiu com o propósito de ser um jornal contra o “atraso” e a “inércia da

mentalidade capixaba”, Lindenberg Neto (2008, p. 7). No entanto, logo depois do início da

circulação, a campanha contra o governo feita pelo jornal resultou na proibição de sua

veiculação. Somente após alguns meses voltou a circular.

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Nos anos 1930, o jornal A Gazeta veiculava seus primeiros exemplares. Não excedia o

total de seis páginas, em geral, o jornal possuía quatro páginas. Os gêneros textuais também

eram diferentes dos encontrados atualmente. Era comum encontrar reproduções fiéis de

telegramas e manifestos, gêneros textuais não constatados nas versões atuais. No entanto, a

notícia era o gênero mais recorrente.

Não é mais possível folhear as coleções dos primeiros anos do jornal. Entretanto, foi

possível realizar a pesquisa na Biblioteca Pública Estadual do Espírito Santo, já que todo o

material está registrado em microfilme. Embora tenhamos acesso a esse riquíssimo material,

vale ressaltar que o registro desses primeiros exemplares em microfilme é de baixa qualidade.

Em diversos momentos, não foi possível ler trechos de reportagens, às vezes, até páginas

inteiras. Esse foi um empecilho grave ao desenvolvimento desta pesquisa. Além disso, a

administração do jornal A Gazeta, quando contactada, não ofereceu qualquer tipo de ajuda,

não permitindo sequer frequentar o prédio para a coleta de dados.

Somente nos últimos dias tivemos acesso a um material distribuído internamente entre

os funcionários da Rede Gazeta – um livro em comemoração aos 80 anos do jornal A Gazeta.

A partir desse livro, pudemos ampliar o número de dados dos primeiros anos do jornal.

Na década de 1970, o jornal apresentava um número maior de páginas e começava a

veicular cadernos especiais, como o 2° Caderno, destinado a questões culturais. Os dados

analisados neste trabalho, referentes a esse período, também estavam registrados em

microfilmes, mas a qualidade do material é melhor se comparado aos anos de 1930.

Nesse período, Vitória passou por profundas transformações, pois, a partir de 1970, a

burguesia local, elite industrializante, produziu para o Estado um projeto de industrialização e

internacionalização, implantando projetos muito importantes como: Aracruz Celulose,

duplicação da Vale do Rio Doce, Samarco e a CST (Companhia Siderúrgica de Tubarão).

Essas transformações resultaram na configuração econômica e político-social que hoje temos.

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No decorrer dos anos, o jornal passou por diversas transformações internas e pôde

registrar as muitas modificações de Vitória e do Espírito Santo, assim como as diferentes

formas de organização da sociedade.

Atualmente, o jornal A Gazeta é considerado referência para obtenção de informação

entre os capixabas. No estado do Espírito Santo, há a veiculação de três jornais diários: “A

Gazeta”, “Notícia Agora” e “A Tribuna”. Os dois primeiros pertencem à Rede Gazeta, mas

são produzidos para públicos distintos. “Notícia Agora” é destinado a um público com menor

poder aquisitivo e as reportagens são mais voltadas para as seções policiais e de esportes,

além de apresentar um preço mais baixo. “A Gazeta” possui como público alvo as classes

média e alta e apresenta o maior valor de custo, além de ser considerado por muitos capixabas

uma referência para a obtenção de informações. O jornal “A Tribuna” é destinado à classe

média e possui preço intermediário.

A Gazeta é considerado o jornal de formação de opinião no Estado do Espírito Santo.

É o único jornal capixaba que possui editorial, além de colunistas que são referência para os

capixabas em diversas áreas, da economia e política à esportiva e cultural. Outro ponto a se

destacar é sua semelhança a jornais como O Globo, do Rio de Janeiro: é dividido em

“Cadernos”, como o 2º Caderno, que aborda questões culturais. A Rede Gazeta, responsável

pelo jornal, é uma afiliada da Rede Globo, ou seja, apresenta o chamado “padrão Globo de

qualidade”.

A opção pelo jornal A Gazeta se deve ao fato de ser este o jornal mais antigo do

estado, o que permitiu o levantamento de dados desde a terceira década do século passado.

Além disso, acreditamos que esse jornal utilize mais as formas conservadoras da língua,

principalmente ao considerarmos o seu público alvo.

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4.2 ETAPAS DA PESQUISA

A justificativa de analisar a expressão de futuro na comunidade linguística capixaba se

deve primeiro ao fato de a autora ser uma capixaba, segundo pela necessidade de se colocar

Vitória em cena nas pesquisas linguísticas realizadas no Brasil. Infelizmente, não há muitos

estudos voltados para essa comunidade, há poucos anos que esse quadro começou a mudar,

principalmente após a implantação do Mestrado em Estudos Linguísticos na UFES

(Universidade Federal do Espírito Santo). Além disso, na dissertação de mestrado, já

havíamos pesquisado essa comunidade, usando o corpus PortVix20.

Naquele trabalho, analisamos a variação no âmbito do irrealis, entre as formas futuro

do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, nas formas sintéticas e perifrásticas com ir .

Por isso, decidimos analisar a variação entre as formas indicadoras de futuro, utilizando

corpora de língua falada, no caso o PortVix, e de língua escrita, jornal A Gazeta.

Depois de efetivada a coleta de dados, levantaram-se as hipóteses sobre quais fatores

linguísticos e extralinguísticos estariam relacionados ao uso de cada forma variante.

Pesquisou-se um total de dez grupos de fatores - as variáveis independentes – comuns aos

corpora analisados, especificados a seguir em 4.3.

Vale ressaltar que após levantamento, codificação e digitação os dados obtidos foram

submetidos ao pacote de programas estatísticos computacional Goldvarb X. A partir dos

resultados estatísticos gerados pelo programa, há uma interpretação e explicação para eles.

Segundo Guy et al (2007, p. 21),

20 A respeito desse corpus, relato com muito orgulho que pude participar de sua elaboração, desde a fundamentação teórica, à realização de entrevistas e transcrições. Além disso, a minha dissertação de mestrado foi o primeiro trabalho que analisou sistematicamente todo esse corpus.

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explicações satisfatórias virão do nosso conhecimento e experiência como linguistas e das teorias que desenvolvemos sobre a natureza da linguagem humana. Há, no entanto, uma variedade de métodos quantitativos que podem nos ajudar a ir ao encontro desse fim, permitindo-nos tirar inferências dos dados, testar hipóteses e interpretar os resultados. Nessa área, encontram-se medidas quantitativas de significância, correlação, interação e independência, assim como parâmetros numéricos que quantificam a magnitude e a direção de vários tipos de efeitos.

O Goldvarb X é um aplicativo para analisar múltiplas variáveis, como a por ora

descrita. Ele possibilita a contagem dos dados, demonstrando o comportamento das variantes

frente a cada um dos grupos de fatores, apontando os percentuais de cada um deles. O

programa ainda permite um resultado em peso relativo, calculado a partir de um modelo

logístico, que possibilita identificar a força de cada restrição em relação ao fenômeno

variável. Além disso, fornece a seleção dos grupos de fatores por ordem de relevância

estatística.

Essa seleção se faz de acordo com o grau de significância para cada fator ou conjunto

de fatores. O programa funciona iterativamente e os resultados mais significativos são aqueles

cuja significância é 0.000 ou mais próxima desse valor.

4.3 DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS

Conforme exposto ao longo desta tese, o foco do nosso trabalho é examinar a variação

entre as formas variantes para a expressão da futuro. Para dar conta dessa tarefa, postulamos

quais contextos nos pareciam propícios ou não ao uso de cada uma delas, a partir da atuação

de alguns grupos de fatores. Os grupos de fatores comuns a todos os corpora são: 1)

Paralelismo; 2) Extensão lexical; 3) Verbo modal; 4) Marca de futuridade fora do verbo; 5)

Projeção de futuridade; 6) Conjugação verbal; 7) Escala de modalidade; 8) Tipo semântico do

verbo; 9) Sequência textual e 10) Tipo de sentença. Os corpora do jornal A Gazeta, nas três

décadas analisadas, apresentam também o gênero textual como um dos grupos de fatores. O

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PortVix apresenta três grupos de fatores extralinguísticos: 1) Gênero / sexo; 2) Escolaridade e

3) Faixa etária.

Tendo em vista que aplicamos esses grupos de fatores a todos os corpora analisados,

optamos por apresentar, neste capítulo, esses grupos, exemplificando-os e expondo a hipótese

que condicionou a sua consideração quando da codificação dos dados. Acreditamos que essa

postura facilitará o entendimento da descrição dos resultados em cada corpus, já que nem

sempre houve a seleção do mesmo grupo de fatores e, em alguns momentos, faremos

referência a fatores não selecionados pelo Goldvarb, mas que parecem apresentar importância

na escolha da variante.

4.3.1 Paralelismo

Segundo o princípio do paralelismo, “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”,

Poplack (1979, p. 80). Há uma tendência à repetição da mesma forma variante em situações

nas quais os dados aparecem em cadeia (Scherre, 1988 e 1998) ou em gatilho (Charlotte

Emmerich, 1984).

Em relação à variação na expressão do futuro, Santos (2000), Gibbon (2000), Oliveira

(2006) e Bragança (2008) também puderam atestar a influência do paralelismo na escolha das

variantes. O fator paralelismo é um dos que mais têm motivado o uso de uma forma

linguística quando falamos em expressão de futuro. Além disso, em Tesch (2007) foi o

primeiro grupo de fatores na seleção do programa Goldvarb na variação no âmbito do irrealis.

A influência do paralelismo é tão notória que em diversas pesquisas ele passou a ser

considerado um princípio linguístico, ou seja, pode ser um mecanismo universal no

processamento da linguagem (Scherre & Naro, 1991, p. 30).

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A hipótese para esta variável independente é que o uso de uma forma favoreça a

repetição da mesma forma. Assim, o uso de futuro simples favorece o uso de futuro simples e

ir no presente + verbo no infinitivo favorece o uso de ir no presente + verbo no infinitivo, por

exemplo. No corpus PortVix, também se acredita que o entrevistador possa influenciar a fala

do informante, nas ocorrências denominadas gatilho. Logo, o informante tende a repetir a

mesma forma utilizada pelo entrevistador. Em relação às ocorrências isoladas e primeiras de

uma série, a literatura linguística as tem considerado como formas “neutras” quanto à escolha

de uma forma ou outra.

No jornal A Gazeta, consideramos ocorrência em cadeia aquela precedida por uma

forma dentro do mesmo parágrafo, pois percebemos que a forma poderia ser influenciada pela

mudança de tópico discursivo que coincide com a mudança de parágrafos. No PortVix, aquela

que não apresentava interrupção na fala do informante pelo entrevistador.

Seguem abaixo exemplos dos contextos possíveis controlados em que o futuro21 pode

aparecer, sendo que foram retirados de diferentes corpus.

a) Ocorrência isolada;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

14) O tempo de percurso vai variar de acordo com a rota. No antigo sistema o tempo entre Prainha e Beira-Mar era de 15 a 20 minutos. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

15) A Secretaria Estadual de Educação (Sedu) orienta que o professor que se sentir ou for ameaçado diretamente deve informar o fato à direção da escola, para que a Corregedoria da Sedu tome conhecimento e possa agir. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

21 As ocorrências que deverão ser consideradas como exemplos estão destacadas em negrito e sublinhadas.

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Futuro simples:

16) As empresas envolvidas no impasse da merenda escolar na Serra se manifestaram por meio de nota. A Convida Alimentação S/A não divulgou o valor despendido nos dois dias em que ficou à frente do fornecimento da merenda, mas esclareceu que “buscará reparação dos prejuízos pelas vias legais, bem como restabelecer prontamente junto ao Poder Judiciário a vigência do seu contrato.” (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

b) Primeira ocorrência de uma série;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

17) Queremos colocar a biblioteca em um local bem centralizado. As obras já começaram e a biblioteca vai fazer parte de um conjunto de instituições da prefeitura em um mesmo prédio. Em 15 dias, a nova sede vai estar pronta”, frisou o Secretário de Cultura, Rubem Moraes. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

18) A proposta é de autoria da senadora Ideli Salvatti e, no Senado, tramitou em menos de um ano. Não se sabe quanto tempo o projeto pode demorar para ser aprovado na Câmara. Por isso, não há como prever quando ele será implementado nas universidades do país. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

Futuro simples:

19) Para alegria não apenas empresarial, mas também laboral, valeria a pena que as autoridades fazendárias esclarecessem de que bornal mágico virão os recursos para cobrir essa perda de recursos que ocorrerá com a redução significativa da alíquota da chamada contribuição patronal à previdência social. É que a corda rebenta sempre do lado mais fraco. (A Gazeta, 06 de junho de 2008)

c) Ocorrência em cadeia precedida de futuro22;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

20) Domingos Martins concorre com mais 17 municípios ao título; o governo da cidade receberá premiação. Termina hoje a eleição que vai escolher a

22 Vale destacar que foram constatados poucos dados de ir no futuro + verbo no infinitivo. Por isso, amalgamamos as ocorrências de futuro do presente e de ir no futuro + verbo no infinitivo, tendo em vista que o programa Goldvarb não permitiria analisar as duas variantes isoladamente.

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cidade mais romântica do Brasil. Domingos Martins é uma das candidatas ao título. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Presente do indicativo:

21) Em outubro próximo o povo brasileiro poderá exercer mai uma vez o seu direito democrático de eleger os seus representantes nas câmaras Municipais. A primeira indagação que se apresenta na mente do cidadão é a seguinte: em qual candidato a vereador devo votar? (A Gazeta, 17 de julho de 2008)

Futuro simples:

22) Há em todos nós um instinto de autenticidade. O cidadão honrado sabe confrontar o brilho do olhar limpo com a mirada opaca dos cínicos. O povo pode até ser enganado. Mas um dia, talvez antes do que se pensa, a casa desabará. “O que acontecerá”, escrevia Nietzsche, “quando cair a máscara?” Não ficará “mais do que um espantalho”. A advertência do filósofo é de grande atualidade. Está dirigida aos homens que caminham de costas para a verdade. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

d) Ocorrência em cadeia precedida de presente;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

23) Edital deve ser divulgado nos próximos dias. Salário a partir de R$ 1.030. o novo concurso público da Petrobrás Distribuidora (BR) vai oferecer vagas para o Espírito Santo. A publicação do edital está prevista para os próximos dias. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

24) Começa amanhã à tarde na área de desembarque do Aeroporto de Vitória uma ação promocional para os turistas que visitam o estado. Duas moças vestidas com trajes típicos vão distribuir um kit, em forma de uma caixa de bombom, com uma surpresa: além de chocolate, a caixa contém seis guias, com mapas e serviços de diferentes regiões turísticas do Espírito Santo. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

Futuro simples:

25) A proposta é de autoria da senadora Ideli Salvatti e, no Senado, tramitou em menos de um ano. Não se sabe quanto tempo o projeto pode demorar para ser aprovado na Câmara. Por isso, não há como prever quando ele será implementado nas universidades do país. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

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e) Ocorrência em cadeia precedida de ir no presente + verbo no infinitivo;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

26) O diretor acrescenta que, se a proposta for sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, pretende recorrer à Justiça. “Se esse projeto for aprovado vamos tentar argüir nossa autonomia na Justiça. Queremos fazer o que acreditamos ser o melhor para a realidade do Espírito Santo. Estamos discutindo isso com calma há muito tempo e não vamos aceitar imposições”, declara. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

27) As escolas assistidas pelo Plano de Segurança vão contar com a presença diária de policiais militares da ativa. Os profissionais devem acompanhar a entrada e a saída de estudantes, professores e funcionários, e poderão estar nas proximidades da instituição, estrategicamente, a qualquer momento. Serão chamados de Anjos da Escola. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

Futuro simples:

28) Ontem, antes do anúncio da nova Selic ele (Lula) sentenciou: “Se alguém imagina que a inflação vai voltar, como já aconteceu no Brasil, pode tirar o cavalo da chuva, porque nós tomaremos toas as medidas que forem necessárias para evitar isso”. (A Gazeta, 24 de julho de 2008)

f) Ocorrência precedida de gatilho23 em futuro:

Não houve nenhuma ocorrência com essa característica no corpus PortVix. Isso

permite observar que os entrevistadores em nenhum momento utilizaram verbos no futuro do

presente, nas entrevistas aqui analisadas.

g) Ocorrência precedida de gatilho em presente:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

29) Entrevistador – Aí, quando que você coloca o fixo? Informante – Fixo eu vou botar essa semana ... acho que depois de amanhã

(PortVix: Homem, Ensino fundamental, 07 a 14 anos)

23 Destacamos que as ocorrências em gatilho serão analisadas somente no corpus PortVix.

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Presente do indicativo:

30) Entrevistador – e na novela ... você acha que a Jade deve ficar com quem? Informante – ah:: deve ficar com o Saídy (PortVix: Mulher, Ensino

fundamental, 07 a 14 anos)

Futuro simples:

Não houve ocorrência.

h) Ocorrência precedida de gatilho em ir no presente + verbo no infinitivo:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

31) Entrevistador – E como que vai ser ... que você vai fazer esse frango agora? Informante – Não:: norMAL eu acho:: eu vou temperar ele:: primeiro vou

dar uma fervida nele é que ela pediu pra eu fazer um frango à grisalho que é assim:: você põe o/põe o:: ferve o frango né:: ferve (PortVix: Homem, Ensino médio, 15 a 25 anos)

Presente do indicativo:

32) Entrevistador - você também não gostaRIA de ser ... então você acha assim:: que depois que você caSAR você:: vai ser uma pessoa assim:: fiel::? (inint)

Informante – é:: tem que ser né? (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos)

Futuro simples:

Não houve ocorrência.

4.3.2 Extensão lexical

Diversas pesquisas têm constatado a relevância do número de sílabas do verbo na

influência da escolha entre as formas sintéticas e perifrásticas do verbo, demonstrando que o

maior número de sílabas favorece o uso das formas perifrásticas. Esses estudos têm

considerado que o falante, ao selecionar uma forma, busca facilitar o processamento da

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comunicação. Assim, evitaria, sempre que possível, usar grandes quantidades de massa

fônica.

A partir de seus resultados, Costa (1997 e 2003) pôde confirmar a hipótese de que as

línguas parecem demonstrar uma tendência a evitar palavras extensas e o falante prefere

distribuir o peso fonológico de um vocábulo ao usar uma perífrase. Resultado semelhante foi

encontrado por Tesch (2007).

Acreditamos que quanto maior for a extensão lexical do verbo, mais provável é o uso

da forma ir no presente + verbo no infinitivo. Isso porque o uso da forma sintética de futuro

implicaria o aumento de mais uma sílaba no verbo, o que tornaria verbos trissílabos, por

exemplo, em polissílabos e, como se sabe, a maioria das palavras do português são dissílabos

ou trissílabos (Câmara Jr., 1977). Em relação ao presente do indicativo, acreditamos que seja

favorecido em verbos de uma ou duas sílabas, já que não sofreria aumento por acréscimo de

morfema.

Para analisar os dados, consideramos o número de sílabas do verbo no infinitivo, pois

é a esta forma que será acrescentada ao verbo ir , na construção perifrástica. Assim, os fatores

analisados são:

a) Verbo principal com 1 sílaba no infinitivo;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

33) Num tempo que se prenuncia de dificuldades gerais, para o mundo todo, é importante que o governo Lula esclareça como vai ser coberta a perda de arrecadação decorrente dessa redução de alíquota patronal para a previdência social. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Presente do indicativo:

34) A promoção vai até o dia 28 de setembro. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Futuro simples:

35) Serão chamados de Anjos da Escola. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

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b) Verbo principal com 2 sílabas no infinitivo;

Ir no presente + verbo no infinitivo:

36) As escolas assistidas pelo Plano de Segurança vão contar com a presença diária de policiais militares da ativa. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

37) O jornal A Gazeta traz para você a chance de dar um passo decisivo rumo ao sucesso. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Futuro simples:

38) Não ficará “mais do que um espantalho”. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

c) Verbo principal com 3 ou mais sílabas no infinitivo24.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

39) Estamos discutindo isso com calma há muito tempo e não vamos aceitar imposições”, declara. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

40) As entregas ocorrem a partir do dia 7 de julho. (A Gazeta, 30 de julho de 2008)

Futuro simples:

41) Dispõe o art. 11 da PEC n° 233/08 que a lei definirá reduções gradativas da alíquota da contribuição previdenciária paga pelas empresas,a serem realizadas a partir do segundo ano da promulgação da Emenda à Constituição, até o sétimo ano. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

24 A união dos verbos trissílabos e polissílabos se deve ao fato de haver poucas palavras polissílabas na Língua Portuguesa,o que resultou em pequeno número de dados, sendo, portanto, mais conveniente reuni-las em um grupo assemelhado.

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4.3.3 Verbo modal

Nesta seção, analisamos a presença ou ausência de verbos modais como variável

independente. Esses verbos merecem tratamento específico ao investigarmos a influência que

exercem na escolha das formas de futuro.

Os verbos auxiliares foram relacionados à modalidade por Palmer (1986, p. 33), como

verbos especiais. No inglês, assim como no alemão, vários verbos modais podem ser usados

para expressar as modalidades epistêmica e deôntica.

Em relação ao uso das variantes, aqui pesquisadas, em verbos modais, é preciso

considerar a natureza semântica desses verbos. Essas formas verbais em variação servem para

expressar o futuro. Conforme discutido na apresentação do tema nesta tese, o futuro é

considerado por vários autores mais como um modo que um tempo. A partir disso, uma

questão surge: as formas variantes de expressão de futuro teriam comportamentos distintos

nos verbos modais? Costa (1997) e Tesch (2007) constataram que as formas variantes no

âmbito do irrealis apresentam características peculiares nesses verbos.

Costa pôde perceber que as construções perifrásticas com ia e iria são inibidas em

bases verbais modais, pois esses verbos já carregam alguma semântica de modalidade,

evitando-se codificar duas modalidades na mesma locução verbal. Sua análise mostra que o

pretérito imperfeito do indicativo é mais frequente em verbos modais (60% das ocorrências),

principalmente se o verbo apresenta valor epistêmico (eventualidade, probabilidade,

possibilidade). O futuro do pretérito relaciona-se mais como expressão morfológica do valor

deôntico.

Em Tesch (2007), podemos perceber que a distribuição nas ocorrências que expressam

irrealis entre as formas futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, nas formas

sintéticas e perifrásticas, não ocorreu da mesma maneira em verbos modais e não modais,

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sendo, inclusive, analisados separadamente, devido a apresentar tamanha distinção. A análise

confirmou que os verbos modais funcionam como fortes inibidores das formas perifrásticas,

tendo em vista que a perífrase já apresenta uma modalização, acarretando uma maior

complexidade cognitiva o seu uso ao lado de um verbo modal.

Portanto, analisar os verbos modais nesta pesquisa é necessário pelo fato de o futuro

verbal implicar modalização, tendo em vista que o falante apenas pode projetar sua

expectativa para os fatos que acontecerão. O traço modalidade estará, dessa forma, presente

nas construções de futuro, ora mais perceptível, ora mais implicitamente.

Nossa hipótese é que na expressão de futuro também ocorra a interferência do verbo

modal como inibidor das construções perifrásticas com ir . Destacamos que nesse grupo de

fatores estaremos interessados em observar somente a influência do verbo modal, a presença

ou ausência. Os verbos modais analisados nesta pesquisa são: ‘poder’, ‘dever’, ‘ter de’/ ‘ter

que’; ‘querer’; ‘tentar’; ‘preferir’; ‘pretender’ e ‘precisar’. No entanto, também abordaremos a

influência dos tipos de modalidade – epistêmica e deôntica – em um outro grupo de fatores,

em 4.3.7.

Tomando por base os dados pesquisados nesta tese, percebe-se que a distribuição das

formas variantes parece não se dar da mesma maneira em verbos modais e não modais.

Observe as ocorrências a seguir, com um verbo modal mais infinitivo e outros não modais:

a) Verbo modal

Ir no presente + verbo no infinitivo:

42) por exemplo minha colega a mãe dela viajou ela ficou triste porque a mãe dela nunca tinha ficado longe dela ... aí ela pó ela é minha amiga um tempão a gente se considera até prima na escola ... o pessoal conhece a gente como prima... aí:: ela ficou meia triste aí eu me preocupei porque a mãe dela /ela disse que a mãe dela nunca foi de viajar ... aí eu falei ... pô mais ela vai ter que viajar outro dia nem que ... seja pra ficar um tempo longe ... mas ela ainda tá se preocupando com você (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos)

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Nesse exemplo, percebemos que o verbo modal ‘ter que’ instaura uma informação de

‘obrigação’ ou ‘necessidade’, pois a mãe terá a necessidade de viajar em outros momentos.

Embora as construções perifrásticas com ir sejam inibidas em verbos modais, também é

possível encontrá-las. Lembramos que essa forma indica modalidade deôntica, porém

discutiremos essa questão a seguir, ao abordarmos a escala de modalidade.

Presente do indicativo:

43) [o informante relaciona violência e corrupção] você pode não rouBAR exatamente nada ... mas usar o seu cargo para determinada coisa é asSIM ... infelizmente é assim que funciona ... e eu acho que isso NÃO existe só no Brasil ... só que aqui como ... a pobreza é muito gra::nde e tal ... o po/ o problema é um pouco mais acentuado ... mas:: violência também existe nos Estados Unidos ... existe também na Europa existe ... (PortVix: Mulher, Ensino superior, 15 a 25 anos)

O modal ‘poder’ apresenta uma pluralidade semântica, atualizada por diferentes

relações contextuais, como:

Capacidade, permissão, possibilidade e eventualidade – considerando os dois primeiros como usos mais lexicalizados, o terceiro como um uso mais gramaticalizado, com algum esvaziamento semântico e funcionando basicamente como auxiliar modal, e o quarto como um uso mais discursivo, funcionando como um advérbio epistêmico de possibilidade, com um grau ainda maior de esvaziamento semântico funcionando em estruturas a caminho da cristalização, tipo ‘pode ser’.( Costa (1995, p. 87))

No exemplo acima, o modal ‘poder’ sugere tanto possibilidade, já que o informante

considera que é possível não roubar, quanto capacidade, pois imagina que o político seja

capaz de não roubar.

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Futuro simples:

44) Em sua estada em Vitória, o ministro da Agricultura deverá se reunir com técnicos ligados ao setor e também fazer uma série de debates junto às classes produtoras, através dos dirigentes da Federação da Agricultura, Federação dos Trabalhadores e das Cooperativas. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974)

O verbo modal ‘dever’, assim como ‘poder’, apresenta uma pluralidade semântica,

além de poder alternar com a locução ‘ter que/ ter de’, em alguns contextos. De acordo com

Costa (1995, p. 56), o modal ‘dever’ “é responsável pela expressão dos valores modais de

obrigação e necessidade, no seu uso radical, e do valor modal probabilidade, no seu uso

epistêmico”25.

Em relação à multiplicidade de valores modais desse verbo, no português, a autora

identifica cinco principais - necessidade, obrigação, conveniência, probabilidade e suposição -

sendo os três primeiros caracterizados por um uso radical e os dois últimos, epistêmico.

Assim, os modais ‘dever’ e ‘poder’ apresentam as duas possibilidades semânticas:

deôntica (permissão, capacidade) e epistêmica (eventualidade, possibilidade).

No exemplo (44), seria possível interpretar “deverá se reunir” tanto como uma

suposição quanto como uma obrigação. No entanto, a ambiguidade é desfeita ao se analisar o

contexto em que se deu o enunciado. Tendo em vista que a notícia relata possíveis eventos da

agenda do ministro, percebe-se que foram descritas possíveis ações do ministro.

Uma questão que merece ser ressaltada neste trabalho é uma distinção entre ‘dever’ e

outros verbos modais. Parece que o verbo modal ‘dever’ não permite a alternância com a

perífrase ir . Por exemplo, em (44) é possível usar tanto ‘deverá se reunir’ como ‘deve se

25 A autora adota uma distinção entre uso radical e uso epistêmico, que corresponde a diferenças entre modalidade interna x modalidade externa; modalização do predicado x modalização do enunciado; operação predicativa x operação enunciativa; modalidade atuando sobre o predicado x modalidade atuando sobre o enunciado.

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reunir’, porém seria estranha a construção ‘vai dever se reunir’ ou ‘irá dever se reunir’. Tesch

(2007, p. 120) não encontrou nenhuma ocorrência de ‘dever’ ao lado de perífrases com ir .

b) Verbo não modal

Ir no presente + verbo no infinitivo:

45) “realmente tudo vai mudar com esse cara”... aí ele vem ROUba o dinheiro de todo o mundo e depois todo o mundo recla::ma ... é assim ... eu não tô acreditando muito em política ultimamente não ((risos)) ... meio desesperançosa com isso (PortVix: Mulher, Ensino superior, 15 a 25 anos)

Presente do indicativo:

46) O Maracanã hoje à tarde estará em festa: Pelé se despede como jogador da seleção brasileira de futebol. (A Gazeta, 19 de julho de 1971)

Futuro simples:

47) Um apelo ao exame mais detido dos interesses de Guarapari, deixando de lado as questiúnculas partidárias, foi feito ontem pelo prefeito Hugo Borges aos seus opositores, entendendo que amanhã ficará difícil justificar, perante a coletividade. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974)

4.3.4 Marca de futuridade fora do verbo

A presença de indicador de circunstância de tempo futuro, tanto na forma oracional

quanto sintagmática, foi considerada relevante no emprego de verbos no presente para

expressar futuro em Oliveira (2006). Segundo Bragança (2008, p. 127), “a forma perifrástica

emerge da necessidade de evidenciar a modalidade inerente ao futuro e, gradativamente, passa

a codificar tempo futuro, numa função mais gramatical”.

Levando em conta essa questão, acreditamos que o futuro simples iniba outras marcas

de futuro, pois já possui marca de futuridade – o morfema -re ~ -ra.

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Entretanto, acreditamos que o presente do indicativo seja a variante que mais ocorra ao

lado de outras marcas de futuridade, principalmente por ele poder ser usado para indicar

outros tempos, como ressalta Bechara (2003, p. 276) ao afirmar que o presente pode ser

empregado, “em determinados contextos, ‘em lugar’ do passado e do futuro”. Gibbon (2000,

p. 95-97), ao fazer controle semelhante ao nosso, pôde perceber que realmente o presente não

tem condições de expressar sozinho a futuridade – geralmente, precisa da especificação

temporal ou dos contextos condicionadores.

Em relação à forma perifrástica, Bragança (2008, p. 127) acredita que ela possa

favorecer as marcas de futuridade fora do verbo para reforçar o aspecto de tempo. Além disso,

considera que

como a forma inovadora parece apresentar valores funcionais diferentes, a depender do contexto em que se encontra (ora mais modal, ora mais gramatical), a construção com perífrase que faz uso de outras marcas de futuridade seria mais modal, enquanto a construção perifrástica sem outras marcas, mais gramatical ou mais especializada na função de codificar futuro.

Contudo, semelhantemente a Tafner (2004, p. 144), acreditamos que a forma

perifrástica possa prescindir da especificação temporal, uma vez que pressupomos que a

perífrase ir + verbo no infinitivo já esteja codificando tempo, ou seja, apresente mais noção

gramatical que modal, assim a presença de marca de futuridade fora do verbo seria um contra-

argumento a essa ideia. Além disso, Poplak e Turpin (1999, p. 149) também apontaram que as

perífrases ocorrem mais em contextos sem advérbio.

Inicialmente, controlamos esse grupo de fatores da seguinte forma:

a) Presença de advérbio

48) A Assembléia de Deus do bairro São Francisco, em Cariacica, convida a todos para o 24º Congresso do Círculo de Oração, que será realizado até domingo. A abertura será hoje, às 19h30, com culto especial de libertação. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

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b) Presença de oração temporal

49) A falta de espaço, pouco conforto, demora e confusão na venda de passagens são problemas que deverão acabar quando o terminal de passageiros da Grande Vitória estiver construído. (A Gazeta, 11 de setembro de 1976)

c) Presença não contígua de marca

50) Em outubro próximo o povo brasileiro poderá exercer mais uma vez o seu direito democrático de eleger os seus representantes nas Câmaras Municipais. A primeira indagação que se apresenta na mente do cidadão é a seguinte: em qual candidato a vereador devo votar (em outubro próximo)? (A Gazeta, 17 de julho de 2008)

Essas ocorrências, geralmente, são precedidas de uma que possui a presença de um

advérbio, como “poderá exercer”, antecedida do advérbio “em outubro próximo”. Na segunda

ocorrência - “devo votar” -, há a presença não contígua de marca, tendo em vista que a ação

verbal se dará “em outubro próximo”.

d) Marca inferível pelo contexto

51) E assegurou: “o prefeito não passa de desleal e desonesto. Se por acaso a Justiça provar o contrário, direi que meu pronunciamento é mentiroso, o que é muito difícil. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974)

O exemplo acima não apresenta uma marca de localização temporal, porém, pelo

contexto, pode-se entender que o falante se refere a um momento posterior à Justiça provar o

contrário, ou seja, logo após a Justiça provar o contrário ocorrerá a ação de dizer. Trata-se de

construção hipotética: é a apódose.

e) Ausência de marca

52) Para alegria não apenas empresarial, mas também laboral, valeria a pena que as autoridades fazendárias esclarecessem de que bornal mágico virão os recursos para cobrir essa perda de recursos que ocorrerá com a redução

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significativa da alíquota da chamada contribuição patronal à previdência social. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Ao realizarmos as primeiras rodadas nos diversos corpora analisados nesta tese,

percebemos que esse grupo não estava sendo selecionado pelo programa Goldvarb. Por isso,

decidimos amalgamar os fatores acima e ficamos com somente dois fatores: presença x

ausência de marca de futuridade.

Assim, consideramos presença de marca de futuridade fora do verbo os fatores

descritos em (a), (b) e (c), já que (b) marca o futuro por meio de uma oração e (c) apresenta o

advérbio em uma ocorrência em contexto bem próximo. O fator (d) foi amalgamado à

ausência de marca (e), uma vez que inferir um momento exato pode ser subjetivo e neste

grupo de fatores estamos buscando verificar a influência de uma marca estrutural, que esteja

presente no enunciado. Portanto, os fatores considerados foram:

a) Presença de marca:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

53) Informante – não ... uma das soluções seria essa... metrô de superfície é coisa de pobre... não sei se você é meio petista não... o cara é/o cara tem que sonhar mas tem que saber o que ele tá falando ... isso é muito caro né?

Entrevistador – não faz de uma hora pra outra não Informante – não ... metrô de superficie vai levar vinte anos pra ser feito

(PortVix: Homem, Ensino Médio, 50 anos em diante)

Presente do indicativo:

54) Depois do ano de 1940 as declarações de imposto devem ser prestadas até 30 de abril de cada ano. (A Gazeta, 30 de março de 1939)

Futuro simples:

55) Na cidade de São Mateus, ao Norte do Estado, será realizada, no período de 27 deste mês a 1º de novembro, a Semana da Arte, promovida pelo Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, com participação de outras entidades culturais. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974)

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b) Ausência de marca:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

56) comércio é o seguinte ... sem/sem a iniciativa privada ... essas grandes obras não saem ... chama-se (inint) ... isso funciona muito bem na Inglaterra ... funciona muito bem na França ... são os países adiantados ... que é o investidor coloca dinheiro dele ... ele tem que ter o retorno ... não vai trabalhar de graça pro Estado ... é o caso da ponte ali que é (inint) ... e:: ... você tem que cobrar pedágio (PortVix: Homem, Ensino médio, 50 anos em diante)

Presente do indicativo:

57) Como o terreno em que está localizado o sítio indígena não pode ser escavado por máquinas, usaremos braços humanos. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974)

Futuro simples:

58) Está completa a victoria da Revolução. O Brasil inteiro está entregue a nova gente que para elle vem trazendo novos rumos traçados na sinceridade de um bem que o integrará, perfeito, na sua própria grandeza. (A Gazeta, 24 de outubro de 1930)

4.3.5 Projeção de futuridade

Segundo Poplack & Turpin (1999, p. 148-150), a distância temporal, assim

denominado pelas autoras, interfere no uso das formas que expressam o futuro, tendo em vista

que a forma perifrástica é usada para referir-se ao tempo próximo, o futuro simples ao tempo

distante e o presente é associado com a ação iminente. No estudo realizado por elas, no

Francês Canadense, puderam constatar que o tempo próximo favoreceu tanto a forma

perifrástica quanto o futuro do presente e o presente do indicativo foi favorecido pelo tempo

distante. Entretanto, concluíram que a distância entre o momento de fala e o evento não é

relevante para a escolha das formas variantes, já que os resultados foram muito aproximados.

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Decidimos também testar esse grupo de fatores para verificar se realmente ele não

interfere tanto na escolha das formas. Nossa expectativa é que a perífrase seja favorecida nas

formas que indicam futuro próximo. Quanto mais próximo do falante estiver o ponto

projetado no futuro, maior será o uso da perífrase com ir ; quanto mais distante do ponto

temporal do ato de fala, mais distante do falante, menor o uso da perífrase, consequentemente,

a preferência pelo futuro simples ou do presente do indicativo.

Seguem exemplos para cada um desses fatores.

a) Futuro próximo 26

Ir no presente + verbo no infinitivo:

59) A diretoria de Educação Física vai se reunir amanhã para orientar os atletas. (A Gazeta, 19 de julho de 1971)

Presente do indicativo:

60) [a informante fala sobre a cor da tintura que usou no cabelo] Oh que vermelhão... por eu fui botá um pouquinho de vermelho no marrom, ficou esse trem doido aqui ... tem que passá de novo ... tem que comprá (PortVix: Mulher, universitária, 26 a 49 anos)

Futuro simples:

61) Quinta-feira, dia 3, poderá ser feriado nacional, por se realizarem nesta data as eleições indiretas para governador e vice-governador, de acordo com o artigo 380 do Código Eleitoral. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

b) Futuro distante

Ir no presente + verbo no infinitivo:

62) mas eu não acredito que nos próximos CEM anos vai tá muito diferente disso... violência pelo menos eu não acredito... porque eu acho que tem/... ainda existe muita gente miserável nesse país pra você falar em... em PAZ total assim sabe? (PortVix: Mulher, Universitária, 15 a 25 anos)

26 Foram consideradas futuro próximo as ocorrências que remetiam a fatos que aconteceriam em um mês ou dados que apresentassem marcas que deixassem clara a proximidade da efetivação da ação.

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Presente do indicativo:

63) [a informante comenta sobre o vestibular] “ah se eu não passar esse ano eu posso passar... o ano que vem... se eu não passar também posso passar numa particular que meu pai vai pagar numa boa” entendeu? (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos)

Futuro simples:

64) A nova estação de tratamento de água que servirá ao novo sistema de abastecimento da Grande Vitória estará em funcionamento até maio de 1975. (A Gazeta, 02 de julho de 1974)

c) Futuro indefinido 27

Ir no presente + verbo no infinitivo:

65) [a informante fala sobre morar longe da família devido aos estudos] não vou dar o braço a torcer ... minha irmã é muito orgulhosa ... mas ao mesmo tempo ela é muito apegada a família ... eu sei que ela sentiu muito... eu acho que a gente a diferença entre eu e ela vai ser essa porque eu não me/ não vou sofrer muita coisa não ... entendeu? (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos)

Presente do indicativo:

66) Olha o/o igual meu esposo mesmo fala que a televisão ela é/influência ele bem assim que/as vezes/é/as pessoas/quer:: ...vamo supor igual ele/ele acha assim que igual coisas erradas que vê na televisão pode influenciar ... eu falei eu acho que não (Mulher, Ensino médio, 26 a 49 anos)

Futuro simples:

67) O Espírito Santo aplicará Cr$ 10 mil contra o câncer e Cr$ 72 700,00 em saúde mental. (A Gazeta, 02 de julho de 1974)

27 O falante não pontua o momento de realização de um estado de coisas.

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4.3.6 Conjugação verbal

Como se sabe, os verbos no português se distribuem em três conjugações: 1ª

conjugação (terminados em –ar); 2ª conjugação (terminados em –er e –or) e 3ª conjugação

(terminados em –ir).

Desses verbos, os mais recorrentes na Língua Portuguesa são os de 1ª conjugação,

com vogal temática –a (Câmara Jr. 1977) . Por isso, acreditamos que a forma perifrástica

atinja primeiramente os verbos mais frequentes e, gradativamente, os de 2ª e 3ª conjugação.

Seguem os exemplos:

a) 1ª conjugação

Ir no presente + verbo no infinitivo:

68) Em São Rafael, falando antes do candidato a deputado estadual Emir de Macedo Gomes, Élcio Álvares informou que o seu governo vai prestigiar todos os políticos do partido, “pois só vou trabalhar com aqueles que têm condições de diálogo comigo”. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

Presente do indicativo:

69) O fim do exame de admissão não deixa saudade. . (A Gazeta, 03 de abril de 1971)

Futuro simples:

70) O rio ficará represado até que as autoridades se encarreguem de soltá-lo. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

b) 2ª conjugação

Ir no presente + verbo no infinitivo:

71) Transmitindo ao publico a boa nova de que afinal o commercio de café vae ser emancipado da tutela official que tanto o perturbou e tão graves damnos trouxe ao Paiz. (A Gazeta, 22 de maio de 1933)

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Presente do indicativo:

72) Depois do ano de 1940 as declarações de imposto devem ser prestadas até 30 de abril de cada ano. (A Gazeta, 30 de março de 1939)

Futuro simples:

73) Além desses prêmios, a commissão oferecerá surpresas que muito concorrerão para o maior encantamento da tarde de amanhã. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930)

c) 3ª conjugação

Ir no presente + verbo no infinitivo:

74) daqui a pouco eu vou sair (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos)

Presente do indicativo:

75) Eu, inclusive, eu vou até/ eu tô fazendo tratamento ali no Hospital das Clínica/ eu vou, vou (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 26 a 49 anos)

Futuro simples:

76) Em Vitória, o Sr. Alisson Paulinelli se reunirá com os técnicos ligados à agricultura, pretendendo também fazer debates sobre o mesmo tema junto às classes produtoras do setor, através dos dirigentes da Federação dos Trabalhadores e das cooperativas. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

4.3.7 Escala de modalidade

Palmer (1986, p. 01), em Mood and modality, afirma que

há dois pressupostos básicos neste estudo. O primeiro é que é possível reconhecer uma categoria gramatical, a modalidade, como similar ao aspecto, tempo, número, gênero, etc. O segundo é que essa categoria pode ser identificada, descrita, e comparada em línguas diferentes, e não relacionadas. (...) O latim tem seu sistema de modo: indicativo, subjuntivo e imperativo; o inglês tem seu sistema de verbos modais: Will, can, may, must, etc.

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Além disso, conclui que, embora seja fácil definir um sistema gramatical como modal,

nele podem ser encontradas, ao lado de áreas nitidamente modais, formas cujo significado é

apenas parcialmente modal. Essa área universal nitidamente modal é definida, então, como a

possibilidade e a necessidade, valores centrais da lógica modal tradicional. Palmer apresenta,

então, a distinção entre a modalidade epistêmica e a modalidade deôntica.

Originado do grego episteme, sentido de conhecimento, o conceito de modalidade

epistêmica representa a modalidade mais pura, já que se realiza em um nível eminentemente

supra-proposicional e é responsável pela expressão de julgamentos do falante. Esse

julgamento pode ser especulativo (o que se especula sobre ele), dedutivo (uma dedução sobre

ele), evidência por relato (o que se diz sobre ele) e evidência por aparência (o que ele parece

ser).

A modalidade deôntica instaura-se ao nível da proposição, estando relacionada, em um

nível mais concreto, a atos de fala em que se procura atuar sobre o interlocutor, através de

enunciados diretivos, avaliativos ou volitivos. No seu sentido mais estrito, estaria

comprometida muito mais com a possibilidade, a probabilidade, a necessidade da ação, do

que com a especulação sobre a verdade do enunciado.

Segundo Givón (1995), a modalidade epistêmica está relacionada ao conhecimento, à

crença do falante a respeito das proposições enunciadas, indicando o grau de

comprometimento do falante com a verdade da proposição, certeza da realização do fato à

suposição de uma ocorrência provável, possível ou mesmo improvável. Por outro lado, a

modalidade deôntica se refere às normas de conduta, moral, direitos e deveres. Assim,

expressa uma vontade, um desejo, mas para conseguir a satisfação dessa vontade precisa a

impor aos outros.

Levando em consideração que a modalidade é fonte primária do tempo verbal futuro,

acreditamos que haja uma influência das modalidades epistêmica e deôntica sobre as variantes

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em estudo. Câmara Jr. (1956, p. 67) afirma, inclusive, que não considera o futuro como um

tempo verbal e sim que ele não passa de um modo, conforme mencionado em 2.2.

A decisão de analisar essa escala de modalidade partiu da necessidade de investigar a

influência da modalidade independente da presença de verbo modal, já controlado em outro

grupo de fatores, já mencionado.

Tafner (2004) observou a influência da modalidade por meio desta escala, abaixo

descrita e exemplificada. Para classificarmos as ocorrências quanto à escala de modalidade,

codificamos o dado a partir do contexto, observando qual o tipo de modalidade atuante.

Esperamos que esse grupo de fatores nos possibilite verificar qual das variantes é mais

atingida pelos tipos de modalidade.

A exemplo de Tafner (2004, p. 127-128) consideramos quatro fatores neste grupo,

apresentados e exemplificados abaixo:

a) Extremo epistêmico

Foram consideradas, neste fator, as ocorrências em que não havia outras marcas de

modalidade além do tempo linguístico e aquelas em que o falante expressava explicitamente

certeza sobre a realização da ação.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

77) Todos os donos de estabelecimentos que comercializem produtos farmacêuticos, no centro daquele município, vão participar do rodízio a ser esquematizado amanhã. (A Gazeta, 02 de julho de 1974)

Presente do indicativo:

78) O mesmo futebol grego é a atração do Maracanã no próximo domingo. (A Gazeta, 26 de abril de 1974)

Futuro simples:

79) Mais uma vez, por causa de uma visão míope, ficamos impedidos de usar todos os benefícios que a tecnologia nos proporciona. Essa decisão do TSE me fez lembrar a famigerada Lei Falcão, que determinava que na

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propaganda eleitoral os partidos só podiam dizer o número do candidato, sua legenda e um breve currículo. Os cidadãos, no entanto, e com certeza, saberão usar a Rede Mundial de Computadores para uma discussão intensa e produtiva em torno do processo eleitoral. Já os bons candidatos ficarão esperando uma próxima oportunidade de uso criativo dessa ferramenta. Os “fichas-sujas” agradecem essa censura. (A Gazeta, 10 de julho de 2008)

b) Possibilidade epistêmica

Este fator se destina às ocorrências que indicam, sobretudo, ideia de possibilidade de

ocorrência do evento.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

80) que eu me lembre não... ah aconteceu com meu primo agora ele tá com... ele tá com uma doença... tá internado... aí sarô... parece que ele vai vir pra cá para ser internado de novo (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos)

Presente do indicativo:

81) O Projeto de Lei 545/07 pretende implementar as cotas sociais e raciais em instituições públicas federais. Saiba o que pode mudar na UFES e o que pode ser criado no Cefetes. (A Gazeta, 4 de julho de 2008)

Futuro simples:

82) A data entretanto não foi divulgada, mas adianta-se que poderá ser antes do dia 9, próximo, quando Paulinelle estará em Curitiba com a mesma finalidade, segundo informações oficiais. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

Nesse exemplo, a primeira ocorrência é de possibilidade epistêmica, já que não há

certeza sobre a data. O próprio verbo ‘poder’ ajuda a indicar essa ideia de possibilidade. No

entanto, o segundo dado - estará - indica extremo epistêmico.

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c) Possibilidade deôntica

Este fator inclui os dados que apresentam apenas as noções deônticas de permissão e

capacidade.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

83) O diretor acrescenta que, se a proposta for sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, pretende recorrer à Justiça. “Se esse projeto for aprovado vamos tentar arguir28 nossa autonomia na Justiça. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

84) Como o terreno em que está localizado o sítio indígena não pode ser escavado por máquinas, usaremos braços humanos. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

Futuro simples:

85) Com a inscrição de 17 escolas de primeiro e segundo graus, de Vitória, elevou-se automaticamente para 85 o número de trabalhos participantes da I Feira Municipal de Ciências, uma vez que cada estabelecimento só poderá inscrever cinco trabalhos. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

d) Extremo deôntico

Recobre os dados em que as noções de obrigação e necessidades sejam mais evidentes.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

86) é:: depois eu vou ter que limpar o fogão (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos)

Presente do indicativo:

87) Para ser cotista no Cefetes, o candidato precisa ter estudado todo o ensino fundamental em escola pública. No caso da UFES precisa ter estudado todo o ensino fundamental e médio em escola pública. (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

28 Neste exemplo, o verbo ir aparece ao lado de construção com verbo modal, assim como no exemplo (79).

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Futuro simples:

88) Os interessados deverão comparecer com meia hora de antecedência, munidos de identidade, cartão de inscrição e caneta esferográfica de tinta AZUL, obrigatoriamente. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

Nossa hipótese é que haja a influência da modalidade sobre as formas variantes aqui

estudadas. No caso das perífrases com ir , postulamos que o fator extremo epistêmico favoreça

essa forma, pois parece que ela está se encaminhando para codificar com mais ênfase a função

tempo.

Em relação à variação entre o futuro simples e presente do indicativo, acreditamos que

o futuro simples seja favorecido também em contextos de extremo epistêmico, por enunciar

proposições futuras como verdadeiras e potencializar a atuação da modalização.

4.3.8 Tipo semântico do verbo

Este grupo de fatores controla o tipo semântico dos verbos. Dentre as diversas

classificações que poderíamos adotar, optamos pela de Halliday (1994). Para esse autor, a

oração desempenha o papel de modelar a experiência, representa padrões da experiência. Isso

porque os seres humanos, por meio da linguagem, constroem um quadro mental da realidade e

essa é criada por processos.

Assim, para Halliday (op cit, p. 106), a oração é um modo de ação, de dar e receber

bens, serviços e informações. Além disso, a oração é um modo de reflexão, de impor ordem

na variação e no fluxo do sistema gramatical de transitividade. Esse sistema constrói o mundo

a partir da experiência, por meio de conjuntos de tipos de processos que estão relacionados a

nossa experiência exterior e interior. Aquela por estar ligada ao mundo que nos cerca, como

eventos, ações, etc. e esta por ser ligada à consciência, à imaginação, à reflexão, etc.

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Traçaremos, brevemente, tal classificação a fim de tentar melhor entendê-la. De

acordo com Halliday, um processo é constituído de três componentes para a interpretação da

nossa experiência do que acontece: 1) o próprio processo; 2) os participantes no processo e 3)

circunstâncias associadas com o processo (opcionais). Vale ressaltar que esses três conceitos

são categorias semânticas que explicam como fenômenos do mundo real são representados

em estruturas linguísticas.

Seguem-se abaixo a classificação e definição dos processos propostos por Halliday:

a) Processos materiais

São processos relacionados ao “fazer”, expressam a noção de que um “ator” realiza o

feito para um “alvo”. Portanto, esse processo tem um ator obrigatório e um alvo opcional. O

termo ator se refere àquele que realiza a ação e o termo alvo a alguém para o qual o processo

é estendido. Observe o exemplo:

Ator Processo Alvo

O leão pegou o turista

Ir no presente + verbo no infinitivo:

89) mas aí não mas aí é um caso a parte cê vê ... ((risos)) pra fazer um show hoje em dia não é qualquer um que faz show aqui hoje em dia não ... quero ver se você teria... ó eu vou fazer uma brincadeira ... eu queria ver se você ... assim ó... eu não sei se é cara de pau ou ... tem gente que tem jeito cara... pra dominar o público pra chegar ali (PortVix: Homem, Ensino médio, 26 a 49 anos)

Presente do indicativo:

90) A Desportiva enfrenta hoje, a partir das 21 horas, o Coritiba, em jogo amistoso programado para o estádio Engenheiro Araripe. (A Gazeta, 24 de janeiro de 1973)

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Futuro simples:

91) O Governo Federal se utilisa de vós como de um bando do escravos tangidos à chicote e, no forte do combate vos abandonará como abandonou o 11 e 12 R. I e o 4º R. C. D. e, agora, as forças sob o commando do major Newton Cavalcante, destroçadas em Passa Quatro. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

b) Processos mentais

Relacionam-se aos verbos que expressam sentimentos, pensamentos e percepções. Os

participantes nestes processos são um experienciador e um fenômeno, assim um dos

participantes é dotado de consciência (sente, pensa e percebe), o outro pode ser uma ‘coisa’

ou um fato (alguma coisa que é construída como um participante por projeção). Observe:

Experienciador (dotado de consciência)

Processo Fenômeno (coisa)

Maria gostou do presente

Ir no presente + verbo no infinitivo:

92) acho que é duas horas e quarenta miNUtos o FILme... só no final que você vai entender o quê que é (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos)

Presente do indicativo:

93) Estudar um pouco... pra depois ... depois eu penso em naMOro. (PortVix:Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos))

Futuro simples:

94) A revolução brasileira não estará, porém, consummada pela deposição do Executivo, e certamente a Junta provisória comprehenderá a necessidade, para a pacificação que pretende fazer. (A Gazeta, 27 de outubro de 1974)

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c) Processos relacionais

Esses processos estabelecem uma relação entre duas entidades separadas. Uma

entidade ‘a’ pode atribuir algo a uma entidade ‘x’ ou pode identificar um entidade ‘x’. Assim,

esses processos podem ocorrer de dois modos diferentes: 1) atributivo: ‘a é um atributo de x’

e 2) identificador: ‘a é a identidade de x’. Os dois se distinguem devido ao fato de o primeiro

ser reversível, os termos podem ser trocados de posição, e o segundo não apresentar essa

característica.

Entidade ‘x’ Processo Atributo

Júlia é sábia

Ir no presente + verbo no infinitivo:

95) [a informante relata o fim do relacionamento amoroso] e queria continuar mas eu disse pra ele “não ... num vamo ficar zangado não... (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

Presente do indicativo:

96) O mesmo futebol grego é a atração do Maracanã no próximo domingo. (A Gazeta, 26 de abril de 1974)

Futuro simples:

97) O Banco do Brasil comunica que as cobranças em dólares serão liquidadas imediatamente, logo após a entrega ao banco, pela parte, da ficha com a data marcada. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938)

d) Processos comportamentais

Referem-se a comportamentos psicológicos e fisiológicos, de natureza tipicamente

humana, como olhar, sorrir, tossir, respirar dentre outros. Estão na fronteira entre os processos

materiais e mentais. O participante é tipicamente um ser consciente.

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Participante Processo

João sorriu

Ir no presente + verbo no infinitivo:

98) eu vou comprar um colchão pra você ... do contrário você vai dormir no chão (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

Presente do indicativo:

99) ah temos um filho ... igual aquela senhora teve que era duas crianças garradas igual as duas meninas ... uma operação daquela se for pro pobre ou fica do jeito que tá ou então morre porque num tem condições ... ou então ... cê se pegar uma firma qualquer aí ... que patrocine né ... ajude a arruma o /o dinheiro faça aí uma coisa qualquer né num tem o/o/o time de futebol que faz um arruma dois times aí e arruma um jogo e no estádio a venda do estádio seja pra.../pra ajudar aquela operação alguma coisa porque se não tiver isso as crianças morrem (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

Futuro simples:

100) Durante a manhã de hoje, os parlamentares deverão ouvir depoimentos de dirigentes da Cobal sobre sua política de preços. (A Gazeta, 24 de agosto de 1976)

e) Processos verbais

São processos relacionados a qualquer tipo de troca simbólica de significado, são os

processos de ‘dizer’.

Aquele/aquilo que diz Processo O que é dito

Eu pedi um bife.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

101) agora vou contar uma história tá... aí ó::... vou falar isso isso assim (PortVix: Mulher,Universitária, 50 anos em diante)

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102

Presente do indicativo:

102) depois eu conto uma fofoca aqui tá... (PortVix: Mulher,Universitária, 50 anos em diante)

Futuro simples:

103) O ministro Colombiano Miguel Lopes Pumarejo falará ao rádio sobre a criação de uma liga ou associação de nações sul-americanas como defesa do país. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938)

f) Processos existenciais

Processos que indicam que alguma coisa existe ou acontece. Podem referir-se a

pessoa, objeto, instituição, abstração, ação ou um evento. Usualmente, estas orações

apresentam um elemento circunstancial de tempo ou lugar.

Processo Existente Circunstância

Há um homem na porta.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

104) por exemplo ... vai ter várias outras frutas (PortVix: Homem, Ensino médio, 50 anos em diante)

Presente do indicativo:

105) acontece a qualquer hora em qualquer lugar, entendeu? Não tem uma hora exata pa/pra pessoa:: morrer, assim:: (PortVix: Homem, Ensino médio, 15 a 25 anos)

Futuro simples:

106) À noite haverá uma sessão solene, no Teatro Municipal. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938)

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g) Processos metereológicos

Relacionados a fenômenos da natureza. Alguns construídos sem participantes,

constituindo-se apenas pelo processo. Halliday ressalta que este processo se encontra na

fronteira entre os processos materiais, existenciais e relacionais, como em O vento está

soprando, Houve uma tempestade e Está frio, respectivamente.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

107) se você quiser ... vamos supor... tá de férias (inint) daqui a quinze dias ... aí você pode fazer um e-mail pra lá ... você diz quando é que você vai e qual é a previsão de tempo que ele te dá ... te diz “oh vai chover... lá... e tal” ... se bem que o teórico não adianta né? eu fui pro/ pro... pro norDESte no começo do ano ... “aí vamo ver se vai chover ou não” e ... choveu! (PortVix: Homem, Universitário, 50 anos em diante)

Presente do indicativo:

Não houve ocorrência.

Futuro simples:

Não houve ocorrência.

A hipótese para este grupo de fatores é que as formas perifrásticas com ir sejam

favorecidas nos verbos em que o sujeito tem um papel atuante, seja como ator seja como

experienciador. Assim, acreditamos que a perífrase ir seja mais recorrente nos verbos

materiais, mentais, comportamentais e verbais. O verbo pleno ir possui um traço de

movimento inerente, por esse motivo a expectativa é de que os verbos principais que se

combinam com o ir tendem a apresentar um traço parecido, tendo em vista que o papel do

verbo ir passa a ser transmitir a noção de futuro e começa a perder a idéia de deslocamento no

espaço. Por outro lado, acreditamos que o futuro simples seja favorecido nos verbos

relacionais e existenciais que apresentam caráter menos dinâmico.

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4.3.9 Tipos de texto / Sequências textuais

Antes de apresentarmos este grupo de fatores, convém estabelecermos a distinção

entre duas noções nem sempre analisadas de modo claro na bibliografia disponível –

distinguir o que chamamos de sequência ou tipo textual de gênero textual. Para uma maior

compreensão dessa questão, apontamos a definição dessas duas noções elaborada por

Marcuschi (2008, p. 154-155):

a) Tipo textual designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo. b) Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. (...). Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.

O autor (op cit, p. 156) ainda chama a atenção para que essa distinção não forme uma

visão dicotômica, “pois eles são dois aspectos constitutivos do funcionamento da língua em

situações comunicativas da vida diária”. Para diferenciar esses dois aspectos, é preciso

considerar que os tipos textuais são linguísticos e estruturais, enquanto os gêneros textuais são

mais funcionais.

Portanto, em um único gênero textual é possível encontrar diferentes tipos textuais, já

que os dois apresentam uma relação de complementaridade, ambos coexistem. “Todos os

textos realizam um gênero e todos os gêneros realizam sequências tipológicas diversificadas.

Por isso, os gêneros são, em geral, tipologicamente heterogêneos”. (Marcuschi 2008, p. 160)

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Por exemplo, a entrevista é o grande gênero discursivo que constitui o corpus PortVix,

por ora analisado. Contudo, depara-se frequentemente com uma certa dificuldade de

classificar cada trecho, pois há transições muito frequentes e difíceis de delimitar,

“verdadeiros ‘deslizamentos’ de um tipo de texto para outro” Paredes Silva (1996, p. 181).

Por exemplo, em uma sequência narrativa, é possível encontrar trechos argumentativos do

informante/ narrador, quando este comenta algum evento, avaliando e justificando as atitudes

dos personagens envolvidos.

No jornal A Gazeta, encontramos uma diversidade de gêneros textuais, mas em cada

um deles é possível constatar diferentes tipos textuais. Por exemplo, em uma notícia podem

ser constatados trechos narrativos/descritivos e outros argumentativos.

Para melhor compreensão da distinção entre tipo e gênero textual, reproduzimos

abaixo um quadro elaborado por Marcuschi (2010, p. 24).

Quadro 01: Distinção entre tipos textuais e gêneros textuais, proposto por Marcuschi (2010).

TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS

1. Construtos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas;

1. Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas;

2. Constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos;

2. Constituem textos empiricamente realizados, cumprindo funções em situações comunicativas;

3. Sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;

4. Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.

4. Exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, etc.

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Segundo Paredes (2009, p. 485), os tipos textuais apresentam marcas linguísticas

específicas, como: tempo/aspecto/modo; centração em determinada pessoa do discurso (1ª, 2ª

e 3ª), predicados de natureza mais verbal ou nominal e ordenação lógica ou cronológica.

Abaixo, apontamos os diversos tipos de sequência textual adotados neste trabalho.

Primeiramente, apresentaremos cada fator, trazendo uma discussão teórica com base em

diversos estudiosos e, posteriormente, exemplos retirados dos corpora analisados.

Vale ressaltar que não pudemos seguir a proposta de um único autor neste grupo de

fatores, tendo em vista que no decorrer da codificação dos dados nos deparamos com algumas

dificuldades e buscamos ajuda em diversos pesquisadores da língua.

a) Argumentativo/expositivo

Segundo Bonini (2005, p. 220-221), “argumentar, no sentido mais elementar, é

direcionar a atividade verbal para o convencimento do outro ou, mais especificamente, é a

construção por um falante de um discurso que visa a modificar a visão de outro sobre

determinado objeto, alterando, assim, o seu discurso”. Assim, o objetivo é convencer sobre a

validade de posicionamento do produtor e o processo cognitivo envolvido é o julgamento.

A estrutura argumentativa se baseia em diversos constituintes com função

argumentativa, classificados a seguir, com base em Gryner (2000, p. 101-102):

1) Posição: Refere-se ao posicionamento a ser defendido em que se fundamenta a sequência

argumentativa. “Expressa a tese ou ponto de vista a ser defendido pelo locutor”;

2) Justificação: Pode estar relacionada a qualquer constituinte: posição, exemplificação,

evidência formal, conclusão ou coda. “É expressa geralmente por oração introduzida pelos

conectivos causais ‘porque’ ou ‘que’ explícitos ou recuperáveis do contexto”;

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107

3) Sustentação: É o núcleo da argumentação. Concretiza-se de duas formas: a) Evidência

formal (especificação de qualquer elemento da argumentação, inclusive da posição); b)

Evidência empírica (exemplificação do posicionamento a ser defendido);

4) Conclusão: Encerra o desenvolvimento da sequência argumentativa. “Ela é identificável

por retomar parcial ou totalmente o conteúdo da posição do locutor com o emprego de

expressões idênticas ou sinônimas”;

5) Avaliação ou coda: “Ocorre no fim da sequência e expressa a atitude do locutor, que se

coloca de uma perspectiva externa à argumentação”. Apresenta, assim, uma mudança de

perspectiva do locutor e vem indicada formalmente por expressões de emoção e avaliação.

Na pesquisa aqui descrita, foi adotada essa caracterização de estruturas

argumentativas. Vale mencionar que a adoção desse posicionamento facilitou identificar quais

sequências eram estritamente narrativas e quais se relacionavam às evidências empíricas de

argumentação, pois, embora narrativas, funcionam dentro do contexto como uma

exemplificação da tese defendida.

A sequência expositiva se caracteriza como um processo de compreensão de conceitos

gerais e particulares e será analisada juntamente à sequência argumentativa, pois apresentam

características próximas e a hipótese por nós considerada é a mesma para esses dois tipos de

sequência. A seguir, exemplos dessas sequências.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

108) não que eu não saiba que não exista e tudo mais você vê quando você vê tipo assim “ah entrou o PT” ah cê acha que vai melhorar tem aquele negócio Partido dos Trabalhadores um partido mais social não sei o quê então cê vê a:: Marta Suplicy entrou ganhou e no fundo ela tá fazendo a mesma coisa que os outros fazem (PortVix: Homem, Universitário, 26 a 49 anos)

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108

Presente do indicativo:

109) Lula eu acho um grande adversário como sempre acho que vai pro segundo turno aí como sempre batalhando mas acho que ... ele não tá preparado pra ser presidente do Brasil entendeu? não! nada contra o PT acho um pouco com o Lula se fosse um outro candidato do PT que tivesse ali mais condições realmente de assumir votaria tranqüilamente mas acho que o Lula acho ele meio despreparado (PortVix: Homem, Universitário, 26 a 49 anos)

Futuro simples:

110) Esta não é a primeira nem será a última vez em que a indústria de industrialização da madeira no Estado sofre ameaça desse tipo (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

b) Injuntivo

Este fator se refere ao planejamento de comportamento futuro e o objetivo é fazer o

destinatário agir de certo modo ou em determinada direção, instruí-lo a respeito de algo. Não

é um tipo de texto que argumenta, narra ou debate, porém pretende levar o receptor da

mensagem a determinada orientação transformadora. Através do texto injuntivo, o emissor

pretende ter o poder de transformar o comportamento do destinatário.

Portanto, geralmente, são textos que incitam à ação, impõem regras ou fornecem

instruções e indicações para a realização de um trabalho ou a utilização correta de algum

objeto.

Para identificar o texto injuntivo, é preciso ater-se aos aspectos sintáticos, ao uso dos

tempos verbais e à organização do conteúdo, os quais, para informar, ditam regras de como

fazer. Costumam ser apresentados no imperativo ou em forma verbal com valor de

imperativo. Observe os exemplos abaixo, retirados dos corpora analisados:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

111) Você vem tentando falar há bastante tempo. Agora vai falar mesmo. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

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109

Presente do indicativo:

112) Ele informa também que o Departamento de Trânsito também aprovou a obra. O secretário orienta que, se for necessária uma audiência, a comunidade deve encaminhar uma solicitação junto à prefeitura. O interessado deve se informar pelo telefone: 3291-5554. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

Futuro simples:

113) Alunos matriculados até 08/08 poderão assistir à revisão para o ENEM, a partir de 10/08 (domingo). (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

c) Narrativo/descritivo

Bonini (2005, p. 219) pauta-se em Adam (1992) e descreve seis características

próprias da sequência narrativa: sucessão de eventos; unidade temática; predicados

transformados; processo; intriga e moral. Além disso, afirma que na sequência narrativa

mantém-se a atenção por meio da construção de um suspense, criado pelo estabelecimento de

uma tensão e subsequente resolução.

Segundo Bonini (op cit, p. 222), “A descrição é a sequência menos autônoma dentre

todas. Dificilmente será predominante em um texto. Sua ocorrência mais característica é

como parte da sequência narrativa”.

Devido ao fato de as sequência descritivas se apresentarem em quantidade escassa e

geralmente fazerem parte de um discurso narrativo, optamos por analisar esses dois tipos de

sequência em um único fator. Costa (1997, p. 146) e Tesch (2007, p. 81) também tomaram

essa atitude ao analisar a variação entre o futuro do pretérito e pretérito imperfeito.

Veja alguns exemplos de sequência narrativa/descritiva:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

114) “Ah ... a senhorita tá perdida aqui?” ... eu falei “Tô... Tô procurando aqui um um cirurgião ... um neurocirurgião ... ou então um um neurolo/ um neurologista pra me dá uma uma orientação a respeito disso aqui ... da/ desses exames que eu fiz agora” ... aí ele falou assim ... “Cê num achou ninguém não da UNIMED lá dentro lá ... né?” ... falei “Não ... não tem

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110

ninguém lá no stand da UNIMED” ... “Ah então eu vou te levá no diretor do do Beneficência Portuguesa” ... Aí me levou lá ... aquele senhor de idade ... né? ... um jalecão até aqui no meio do meio das canela ... aí a secretária da/ dele fica dentro da sala ... aí me atendeu muito bem (PortVix: Mulher, Universitária, 26 a 49 anos)

Presente do indicativo:

115) Então eu vi que ela/ eu falei assim ... “Oh ... tá bom ... Oh ... sabe de uma coisa? ... muito obrigada” ... guardei minhas coisa (eu vou) ... “Ah ai” ... e maneirou ... “ah cê p/ cê passa depois e a/” ... “Ah muito obrigada ... até logo ... vou embora” ... e nunca mais voltei lá ... porque eu caí de cama ... ruim pra caramba ... foi agora não ... foi ano passado. (PortVix: Mulher, Universitária, 26 a 49 anos)

Futuro simples:

Não houve ocorrência.

d) Narrativa projetada

Inicialmente, enquanto estávamos codificando os dados, deparamo-nos, em alguns

momentos, com tipos de sequência que apresentavam características diferentes das

apresentadas até o momento. Porém, no decorrer da codificação, percebemos que essas

apresentavam traços em comum e a exemplo de Paredes Silva (2009) as denominamos

narrativa projetada.

Segundo Paredes (2009),

Trata-se de sequências em que há alguma organização cronológica, porém voltada para o futuro; centração na primeira ou terceira pessoa; predomínio de predicados de ação. Mas não há direcionamento para o ouvinte, como nos textos injuntivos, por exemplo.

Observe os exemplos abaixo:

Ir no presente + verbo no infinitivo:

116) é mais eu não gosto/eu não/pra mim assim eu nunca vou sair daqui eu gosto muito de viver aqui e não pretendo mudar não (PortVix: Mulher, Ensino médio, 26 a 49 anos)

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111

Presente do indicativo:

117) e agora semana que vem sábado sem ser esse o outro... eu já tenho simulado... aí eu parei assim e pensei... “nossa eu tenho que fazer alguma coisa pra me recuperar” entendeu? e eles fazem o quê?... nada... o dia inteiro... nada nada nada (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos)

Futuro simples:

118) Até o final desta primeira quinzena os alunos do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Espírito Santo elegerão os futuros diretores do Diretótio Acadêmico Dido Fontes. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

e) Lista

Conforme anteriormente estabelecido por Costa (1997, p. 147) e Tesch (2007, p. 83),

houve a necessidade de se inserir este fator, principalmente para a análise do corpus PortVix,

uma vez que havia sequências que não se caracterizavam como narrativas, tampouco eram

sequências argumentativas. Segundo Costa, “são simplesmente lista de planos que seriam

realizados pelo informante sob certas condições ou caso estas condições fossem efetivadas”.

De acordo com Schiffrin (1994), “o objetivo de uma lista é muito mais simples:

enumerar e reunir itens específicos (mesmo quando estes itens são eventos) como realizações

de uma categoria geral”.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

119) Ah ... eu acho:: ... eu gosto é:: porque assim ... eu num:: num ... num ... eu num tenho uma religião certa né ... eu vou na católica ... eu vou na Maranata ... eu não tenho uma religião certa ... agó/ agora eu tô indo na Maranata NE ... então eu tô me conciliando mais com a Maranata ... eu vou direto lá:: e vou indo direto lá ... mas ... é:: tem pessoas que falam assim:: é:: tipo assim na Deus é Amor ... “Ah ... Deus ... Deus vai salvar ... Deus é Amor vai salvar vocês ...Deus vai salvar a Maranata ... não vai salvar vocês... Deus não:: Deus vai salvar a católica ... vai salvar o pessoal do copo cheio ... vai salvar o:: “Ah...não... Deus vai salvar o:: os:: adventistas do sétimo dia ... as testemunhas de Jeová::” ... Ah ... Deus não é um só? Então ... Ele vai salvar quem tiver que salvar ... né:: Minha irmã fala assim ... “Ah... eu não fiz nada ... até hoje sei se/ se se Ele vai salvar:: Que Ele ... que ele vai salvar ele vai:: ... Ele vai salvar quem Ele tiver que salvar. (PortVix: Homem, Ensino médio, 15 a 25 anos)

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112

Presente do indicativo:

120) o cara chega assim”oh:: chefe...o senhor mandou eu pagar tanto .... pra ajudar fulano... olha a renda foi tanto” quer dizer... esse mês num tá dando nem pra pagar num deu nem pra pagar os funcionários ... como é que o senhor vai fazer?... o restante que o senhor tem que pagar ainda? ... o senhor tem que pagar funcionário o senhor tem que pagar luz... tem que pagar água tem que pagar imposto tem que pagar... é igual dona de casa... você é um dono de casa eu sou chefe também... na minha casa eu num vou ter... que pensar... na comida não... eu tenho que pensar... na alimentação eu tenho que pensar na luz... pensar no telefone... tem que pensar um contra tempozinho (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

Futuro simples:

121) Em 2005 foi noticiado, primeiramente na coluna de Ancelmo Goís no jornal “O Globo”, que Chico Buarque declarara numa roda de amigos que o presidente Lula deveria criar o Ministério do Vai dar M... Tecnicamente seria um ministério que daria a última palavra sobre definidas ações do governo e, após check-up das variáveis envolvidas, proferiria a célebre opinião: “Presidente, isso vai dar m...!” (A Gazeta, 12 de julho de 2008)

A hipótese para este grupo de fatores é que a variante ir + verbo no infinitivo seja

favorecida na narrativa projetada. Além disso, que a sequência injuntiva também a favoreça,

já que nessa sequência o emissor se dirige diretamente ao destinatário da mensagem e, por

isso, tende a utilizar a forma mais informal, como tentativa de se aproximar mais dele. Por

outro lado, acreditamos que a sequência argumentativa/expositiva favoreça o uso do presente

do indicativo e do futuro simples. E que a sequência narrativa/descritiva favoreça o presente

do indicativo.

4.3.10 Tipo de sentença

Analisamos este grupo de fatores com o objetivo de verificar se o tipo de frase

desempenharia algum papel na seleção das variantes.

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113

Poplack e Turpin (1999, p. 154-155) constataram que a negação influencia na escolha

da variante na indicação de futuro, uma vez que sentenças negativas inibem a forma

perifrástica.

Portanto, nossa hipótese é que a variante perifrástica com ir seja favorecida nas

sentenças declarativas, enquanto as sentenças negativas e interrogativas favoreçam o futuro

simples ou o presente do indicativo.

a) Declarativa

Ir no presente + verbo no infinitivo:

122) “A senhora dá sorte que a senhora é uma mulher ... a senhora ... porque se fosse um homem nós ia embolar aqui ... porque a senhora tá errada e querendo que/ ... Ah ... vou chamar a perícia aí pra ... pra você ver.” (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 26 a 49 anos)

Presente do indicativo:

123) então quando chega no final do mês você tem que dá um balanço de tudo ... da matéria prima comprada (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

Futuro simples:

124) Está fixado em 65$000(sessenta e cinco mil réis) o preço para a saca de café computada na quota de 40%, cotação essa que satisfará perfeitamente á lavoura. (A Gazeta, 21 de maio de 1937)

b) Interrogativa

Ir no presente + verbo no infinitivo:

125) é:: quando... é/é que assim... eu... faço a chamada lá dos adolescente eu sou a secretária dos adolescente ...aí... eu tenho eu sempre tenho que tá perguntando né... vai ter ensaio? e num sei o quê ... vai ter? (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos)

Presente do indicativo:

126) Eu falei assim ... “(inint) mas isso aqui não é hospital também ... porque que não pode atender?” (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 26 a 49 anos)

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114

Futuro simples:

127) Prosseguirá o departamento nas compras de café? (A Gazeta, 21 de maio de 1937)

c) Negativa

Ir no presente + verbo no infinitivo:

128) não sei:: diz ela que:: pra ela o maior orgulho pra um filho é SEMpre ser méDIco... eu... a senhora não vai ter esse orgulho coMIgo (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos)

Presente do indicativo:

129) depois que ele morrer não tem validade nenhuma... cabou-se... você entendeu? (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante)

Futuro simples:

130) Os bondes não darão marcha emquanto não tenham todos os passageiros pago as respectivas passagens. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930)

4.3.11 Gênero textual

Conforme discutido em 4.3.9, os gêneros discursivos correspondem à realização dos

tipos em situações comunicativas concretas. Este grupo de fatores será analisado somente nos

corpora do Jornal A Gazeta, nas décadas de 1930, 1970 e em 2008.

Paredes Silva (2007, p. 163) afirma que a chamada escrita jornalística

não remete a um gênero ou a um tipo de texto, mas a um campo de atividades – um domínio discursivo – que utiliza o jornal como suporte e que é capaz de dar origem a vários gêneros: o editorial, a crônica, o artigo de opinião, a carta de leitores, o horóscopo, a coluna social, as notícias, etc.

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115

Nos exemplares analisados nos corpora aqui em estudo, encontramos os gêneros

notícia, propaganda, editorial, artigo de opinião, carta do leitor, manifesto, discurso e nota de

falecimento. Vale destacar que nos limitamos a analisar os gêneros textuais que tratavam de

questões referentes ao Espírito Santo, principalmente nas notícias e propagandas, para evitar

que investigássemos textos os quais poderiam ser meras cópias de outras fontes.

Portanto, foram investigados os seguintes gêneros textuais:

a) Notícia

Conforme destacamos anteriormente, incluem-se nesta pesquisa apenas as notícias que

fazem parte do noticiário do estado. O objetivo principal desse gênero é informar. Geralmente

são escritas em terceira pessoa, de modo aparentemente objetivo, e nesse gênero costuma

predominar o texto narrativo. Esse gênero foi encontrado nos jornais A Gazeta nos três

períodos pesquisados.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

131) Para effectivar urgentes serviços, vamos desligar amanhã a energia das 14 às 15 horas a Linha da Praia Comprida. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930)

Presente do indicativo:

132) A sua passagem pelo governo do Rio Grande do Sul é uma segura garantia de que a obra a se iniciar deve sahir escoimada de quaesquer imperfeições. (A Gazeta, 05 de novembro de 1930)

Futuro simples:

133) As empresas do Sistema Transcol começaram a implantar no novo WplexON, um software de planejamento já adotado em sete Estados. O sistema, que será utilizado pelas empresas e pela Ceturb, usará informações da bilhetagem eletrônica, além de pesquisas de campo, para agilizar a programação de serviços, como o reforço de ônibus em algumas linhas caso haja necessidade. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

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116

b) Propaganda

Este gênero apresenta como principal característica o caráter persuasivo – o objetivo é

convencer o leitor a adquirir o produto anunciado. Encontramos ocorrência de expressão de

futuro somente no período de 1970 e em 2008.

Ir no presente + verbo no infinitivo e presente do indicativo:

134) O jornal A Gazeta traz para você a chance de dar um passo decisivo rumo ao sucesso. Com a Coleção Concursos Públicos, você vai se preparar para as provas em 12 livros. Aproveite essa chance e garanta seu futuro. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Futuro simples:

135) A Vitoriawagen S.A. tem a grande satisfação de comunicar aos capixabas que apresentará, simultâneamente, com o lançamento em São Paulo, na próxima segunda-feira, em seu Salão de Exposição, toda a linha Volkswagen 1971. (A Gazeta, 01 de agosto de 1971)

c) Editorial

São textos em que o conteúdo expressa a opinião da empresa, da direção ou da equipe

de redação, sem a obrigação de ter alguma imparcialidade ou objetividade. Por isso,

costumam ser mais opinativos que informativos. Este gênero foi constatado somente nos

jornais de 2008.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

136) Os demais 16 senadores que se licenciaram vão cuidar de candidaturas de aliados. A prioridade que deram à tarefa é tanta que os afasta, temporariamente, do parlamento. (A Gazeta, 07 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

137) Na Câmara, dos 513 deputados, 84 (dos quais 67 integrantes da base aliada ao governo Lula) devem concorrer nas eleições municipais deste ano. (A Gazeta, 07 de julho de 2008)

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117

Futuro simples:

138) Assim, prefeitos e vereadores poderão trocar de partido, desde que seja para concorrer a um desses cargos. E não perderão o mandato por se filiar a outra agremiação. Idem, para deputados estaduais e federais, senadores e governadores. (A Gazeta, 03 de julho de 2008)

d) Artigo de opinião

Este gênero oferece maior dificuldade de caracterização. Tende a ser a expressão de

um ponto de vista, enfocando uma ideia. Por isso, é predominantemente argumentativo ou

expositivo, raramente narrativo. O artigo de opinião só foi encontrado no corpus de 2008.

Ir no presente + verbo no infinitivo e futuro simples:

139) Esses “sábios”, fazedores de projetos, que é tudo a cópia um do outro, são realmente hábeis em cobrar. Vejam você, para ser submetido a uma operação séria, vai entregar seu corpo a um médico especialista e fica estupefato com o preço que ele cobra, caso procure um particular, já que ninguém tem saco para esperar a boa vontade do SUS. Se você não tem plano de saúde ou não tem condições para pagar um médico particular, prefira morrer, porque sua trajetória, a impertinente luta por saúde, será sua maior tragédia. (A Gazeta, 05 de julho de 2008)

Presente do indicativo:

140) Qualquer texto desfavorável a uma candidatura, por exemplo, pode ser publicado num jornal impresso, mas não pode ser reproduzido em um blog. (A Gazeta, 10 de julho de 2008)

e) Carta do leitor

Nesse gênero são veiculadas as sugestões, críticas, opiniões e reclamações dos leitores

do jornal, permitindo que eles possam participar da formação da opinião pública a partir da

expressão de suas manifestações. Outro gênero que só apareceu no corpus 2008.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

141) A instalação de máquina para distribuição de camisinhas nas escolas só vai ajudar , pois somente os demagogos são contra. (A Gazeta, 06 de julho de 2008)

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118

Presente do indicativo:

142) O futuro prefeito de Vila Velha deve ter a responsabilidade, preocupação e visão macro de dar sequência ao importante trabalho realizado pela atual administração, dando ênfase à educação, saúde, macrodrenagem, construção de moradias e transparência no uso do dinheiro público. (A Gazeta, 27 de julho de 2008)

Futuro simples:

143) Nossos jovens serão vítimas de um engodo sem precedentes. Porque previne-se gravidez precoce, a síndrome do HIV e até doenças transmissíveis com educação e conscientização, e nunca com medidas preventivas cujo teor irá favorecer com certeza as fabricantes desses preservativos e nunca o reconhecimento de que o “transar” tem o antes, durante e depois, algo que com a banalização deixará resíduos nos estudantes que vão às escolas para desenvolver sua personalidade no autodomínio e sua inteligência participativa. (A Gazeta, 06 de julho de 2008)

f) Manifesto

Este gênero foi encontrado somente no corpus de 1930. Geralmente, aparecia na

primeira página do jornal e apresentava como função principal discutir questões,

principalmente políticas, e convocar os leitores a uma mudança de comportamento.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

Não houve ocorrência.

Presente do indicativo:

144) A democracia só pode evoluir e melhorar a sociedade pelo exercício constante de seus princípios, pelo uso amplo de suas garantias. (A Gazeta, 05 de março de 1937)

Futuro simples:

145) E partido democrático, realmente, só será aquelle que visar a manutenção dessas liberdades, mas também a sua utilização cada vez mais simples e perfeita. (A Gazeta, 05 de março de 1937)

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119

g) Discurso

Este gênero foi encontrado no jornal A Gazeta nos períodos de 1930 e 1970.

Geralmente, era antecedido por alguma notícia relacionada ao tema tratado no discurso. Na

verdade, são reproduções fiéis de discursos de políticos, realizados na Assembleia Legislativa

do Espírito Santo. Não é possível saber se esses discursos são registros de fala ou reprodução

da escrita. Porém, por estarem publicados em um jornal, passamos a considerá-los como

modalidade escrita.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

146) Transmitindo ao publico a boa nova de que afinal o commercio de café vae ser emancipado da tutela official que tanto o perturbou e tão graves damnos trouxe ao Paiz. (A Gazeta, 22 de maio de 1933)

Presente do indicativo:

Não houve ocorrência.

Futuro:

147) O Brasil, tanto em suas relações bilateriais, quanto nos foros multilaterais, continuará lutando contra medidas e políticas que tendam a restringir o mercado internacional. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

h) Notas de falecimento

Esse gênero foi encontrado apenas no período de 1970. Geralmente, aparece em um

canto da página, em meio a notícias. Parece que naquele período o jornal não possuía um

espaço próprio para esse tipo de comunicado. Este gênero apresentou como principal

característica o aviso da morte e o convite para o velório.

Ir no presente + verbo no infinitivo:

Não houve ocorrência.

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120

Presente do indicativo:

Não houve ocorrência.

Futuro simples29:

148) Os familiares de Maria Rosa Ribeiro convidam os demais parentes e amigos para assistirem à Missa de 7º dia, que mandarão celebrar em sufrágio de sua boníssima alma, amanhã, dia 2. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

Nossa hipótese para este grupo de fatores é que os gêneros mais formais, como o

editorial e o artigo de opinião, favoreçam o uso de futuro simples. Por outro lado, os gêneros

mais informais, por exemplo, a propaganda e a notícia, favoreçam o uso de ir no presente +

verbo no infinitivo.

De todos os grupos de fatores analisados nesta tese, apenas dois não foram

selecionados em nenhuma amostra: escala de modalidade e tipo de sentença.

Os fatores sociais serão discutidos na seção 5.4, ao analisar o PortVix.

29 Todas as ocorrências deste gênero foram no futuro do presente.

Page 122: A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: …poslinguistica-letras-ufrj-br.umbler.net/images/Linguistica/3... · Tabela 14: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE

121

5. ANÁLISE DOS CORPORA

Aqui se discutem os resultados referentes aos grupos de fatores relevantes para o uso

das variantes, assim como sua interpretação. São apresentados em primeiro lugar os grupos de

fatores selecionados para o jornal A Gazeta, seguindo a ordem cronológica, 1930, 1970 e

2008. Posteriormente, os do PortVix. Porém, antes da apresentação dos vários grupos de

fatores e dos seus respectivos resultados, são apresentados os resultados gerais de cada corpus

e algumas questões que consideramos interessantes.

5.1 ANÁLISE DE A GAZETA 1930

Ao todo, foram coletadas duzentas e três (203) ocorrências de variantes indicadoras de

futuro, no jornal A Gazeta, anos 1930. Um aspecto a destacar foi a ocorrência de uma forma

não constatada nos demais corpora analisados, a perífrase haver de + verbo no infinitivo.

149) “A Gazeta” nasceu de uma necessidade collectiva. Para a defeza dos interesses do povo, a que serve, tem vivido até hoje. E, como uma cellula viva que é da cidade, ha de prosseguir na sua marcha ininterrupta, escudada no seu passado limpo e illuminada pela crença do seu idealismo cada vez mais forte e cada vez mais puro. (A Gazeta, 11 de setembro de 1933)

Observe a distribuição das variantes a partir da tabela 08.

Tabela 08: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1930

Futuro Ir no futuro Presente Ir no presente Total Amarei Irei amar Amo Vou amar Nº 178 02 08 14 202

% 88.1% 1% 4% 6.9% 100%

Page 123: A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: …poslinguistica-letras-ufrj-br.umbler.net/images/Linguistica/3... · Tabela 14: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE

122

A partir dessa tabela e do gráfico abaixo, pode-se perceber que quase não havia

variação na expressão de futuro nesse período na modalidade escrita. O futuro simples

mostrou ser a forma fortemente predominante - 88.1% - nessa parte da amostra.

Devido ao fato de encontrarmos valores tão discrepantes entre as formas de expressão

de futuro, não pudemos analisar esses dados através do Goldvarb e apresentar os pesos

relativos. Apenas nos limitamos a descrever essas ocorrências e tentar comentá-las levando

em consideração os valores percentuais.

Gráfico 01: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1930

A respeito dos gêneros textuais analisados, destacamos que a expressão de futuro se

deu em notícias, editoriais, cartas, manifestos e em trechos de discursos de políticos

reproduzidos no jornal. Vale ressaltar que em três deles houve uma preferência absoluta por

futuro simples – discurso30 (150), carta (151) e manifesto (152).

150) A revolução brasileira não estará, porém, consummada pela deposição do Executivo, e certamente a Junta provisória comprehenderá a necessidade, para a pacificação que pretende fazer. (A Gazeta, 27 de outubro de 1930)

30 Não é possível saber se o discurso é reprodução da oralidade ou da escrita. Porém, por estar publicado em um jornal, passamos a considerá-lo como modalidade escrita.

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123

151) A Associação Brasileira de Imprensa continuará, porem, a combater por elle. Unidos, além do mais, os jornalistas do Brasil fortificarão a propria unidade da Nação, para a qual a imprensa é elemento primordial. (A Gazeta, 11 de setembro de 1933)

152) E partido democrático, realmente, só será aquelle que visar a manutenção dessas liberdades, mas também a sua utilização cada vez mais simples e perfeita. (A Gazeta, 05 de março de 1937)

Das 178 ocorrências no futuro simples, 48% estavam antecedidas de outra forma de

futuro simples (nos exemplos 150 e 151, os verbos comprehenderá e fortificarão,

respectivamente), 28% em ocorrência isolada (exemplo 152) e 21% eram a primeira de uma

série (nos exemplos 150 e 151, os verbos estará e continuará, respectivamente). Pudemos

chegar a essas constatações ao analisar o grupo de fatores paralelismo. Esse resultado

comprova que o uso de uma determinada forma linguística favorece a repetição dela, como

confirmou Scherre (1988; 1998).

O predomínio da forma de futuro simples, na década de 1930, no jornal A Gazeta,

demonstra que nesse período, na modalidade escrita, há a preferência pelo uso da forma mais

conservadora, aquela preconizada pelas normas gramaticais.

Tivemos apenas duas ocorrências de ir no futuro + verbo no infinitivo, exemplos 153 e

154, e oito de presente do indicativo, como os exemplos 155 e 156. Em relação aos dados de

ir no futuro + verbo no infinitivo, pode-se perceber que ocorrem em discurso citado,

reforçados pelos verbos dicendi acrescentar e declarar. Logo, parecem decorrer da

transposição da fala para a escrita.

153) Esse dissídio, accrescentou, irá demonstrar que a Nação já póde ter suas opiniões e, como povo civilizado póde divergir e acatar o resultado das urnas. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930)

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124

154) O Secretário de Polícia declarou à imprensa que irá empregar todas as medidas ao seu alcance no sentido de atender á solicitação do Procurador. (A Gazeta, 30 de março de 1939)

155) A sua passagem pelo governo do Rio Grande do Sul é uma segura garantia de que a obra a se iniciar deve sahir escoimada de quaesquer imperfeições. (A Gazeta, 05 de novembro de 1930)

156) Vae á Tribuna novamente o Sr. Antônio Lourenço, que suggere á mesa, a ida de uma caravana ao florescente districto de Barra do Juu, no proximo domingo, tendo sido convidados para fazerem parte da mesma, além de outras pessoas, o deputado Euphrasio Ignacio da Silva e “A Gazeta”, na pessoa do nosso companheiro ali presente. (A Gazeta, 12 de dezembro de 1936)

Em relação às duas ocorrências de ir no futuro + verbo no infinitivo, vale destacar que

apresentam diversas características comuns: estão em notícias; em ocorrências isoladas, não

sendo precedidas de nenhuma outra forma de futuridade; são utilizadas antes de um verbo

trissílabo, comprovando a tendência de se fazer a distribuição do peso fonológico; ocorrem ao

lado de um verbo não modal, que, segundo nossa hipótese, inibe a forma perifrástica; na

escala de modalidade predominam em contextos de extremo epistêmico, ambiente

favorecedor de perífrase; não há advérbio de tempo próximo às ocorrências; indicam um

futuro que ocorrerá em um momento indefinido; os verbos no infinitivo são da 1ª conjugação,

comprovando nossa hipótese de que as construções perifrásticas sejam mais frequentes nesses

verbos e tenham começado a ser usadas neles, como ocorreu com os demais dados analisados;

indicam futuro simples e estão em frases declarativas.

As características que diferenciam as duas ocorrências são o tipo semântico do verbo e

o tipo de sequência textual, uma vez que demonstrar é um verbo mental, seguindo a

classificação de Halliday (1994) e está em uma sequência argumentativa/expositiva, enquanto

empregar é um verbo material e está em uma sequência de narrativa projetada.

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125

As oito ocorrências de presente do indicativo também apresentam características que

merecem ser comentadas. A primeira se refere ao fato de seis delas (75%) serem com verbos

modais, semelhantemente ao exemplo 155. Os verbos modais parecem inibir as formas

perifrásticas e as no futuro simples, tendo em vista que essas formas já carregam em si certa

noção modal. Assim, o uso dos verbos modais no presente do indicativo evita algum excesso

de marca de modalidade.

O exemplo 156 merece comentários por ser o verbo ir indicando movimento – a forma

mãe31. O fato de encontrarmos essa forma de ir no presente para indicar movimento, além de

outras três conjugadas no futuro simples (exemplos 157, 158 e 159) indica que, embora sejam

apenas quatro ocorrências, coexiste tal uso de ir para indicar movimento, com formas de ir

junto a verbo no infinitivo para indicar futuro. Assim, podemos perceber que o verbo ir já

dava alguns sinais de estar passando por um processo de gramaticalização na década de 1930,

na modalidade escrita.

157) Na sua última arenga, o Sr. Geraldo anuncia, de expediente, que o

Secretario da fazenda irá ao Rio, levando novos “argumentos” para a defesa do governo. (A Gazeta, 03 de junho de 1933)

158) O coronel dessa cidade irá até Cannes para depois embarcar de regresso ao Rio de Janeiro. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938)

159) "O Globo" acrescenta que o cel. Mendonça Lima, regressando, irá também à Baia, afim de conhecer os serviços que estão sendo executados pelas várias repartições subordinadas ao Ministério. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938)

Nos três exemplos acima, é interessante notar que embora o verbo ir indique

movimento, há a presença do traço de finalidade, já que logo depois do verbo podemos

perceber orações adverbais finais. 31 Destacamos que além desse dado estar registrado como vae todas as formas de ir no presente + verbo no infinitivo foram utilizadas com a perífrase ir registrada essa grafia, própria da época.

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126

Segundo Bybee e Pagliuca (1987, p. 120), há uma tendência, em várias línguas, a

utilizar alguns itens lexicais para formar o futuro, e os verbos que indicam movimento seriam

um deles. Isso acontece, por exemplo, no português com o verbo ir e no inglês com a

expressão be going to. A hipótese dos autores é que a mudança semântica a qual conduz à

gramaticalização é a mesma em várias línguas.

Somente 6.9% dos dados foram de ir no presente + verbo no infinitivo. Imaginávamos

encontrar poucas ocorrências dessa variante, por isso decidimos fazer esse estudo diacrônico.

Essa também é uma das motivações que nos impulsiona a analisar outros períodos do jornal A

Gazeta, anos 1970 e 2008, para investigar como se dá o processo. Todos os 14 dados foram

em verbos não modais, conforme os exemplos abaixo. Isso confirma nossa hipótese de que as

formas perifrásticas são inibidas com verbos modais. Além disso, apenas uma forma não

ocorreu em notícia, apareceu em um trecho de reprodução de discurso (exemplo 160). A

respeito do paralelismo, 50% dessas ocorrências se deram em ambiente isolado, ou seja, não

havia nenhuma forma precedente ou subsequente (exemplo 161), e 35% são a primeira

ocorrência de uma série e 15% precedidas de outra forma de ir no presente + verbo no

infinitivo, como o exemplo 162, em que vae entrar é a primeira de uma série e vae

reconstruir-se é precedida de ir no presente + infinitivo.

160) Transmitindo ao publico a boa nova de que afinal o commercio de café vae

ser emancipado da tutela official que tanto o perturbou e tão graves damnos trouxe ao Paiz, (A Gazeta, 22 de maio de 1933)

161) O Maranhão vae ter, desse modo, o seu sexto governo. (A Gazeta, 03 de junho de 1933)

162) Com a ascensão do Sr. Getúlio Vargas ao poder vae a Republica entrar no seu período de reconstrucção moral, política e administrativa. Libertada pelas armas, a Republica vae, sobre os destroços do despotismo de hontem, reconstruir-se, reconciliando-se com a Nação. (A Gazeta, 05 de novembro de 1930)

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127

5.1.1 Conclusões parciais

Ao analisar os dados do jornal A Gazeta 1930, tentamos verificar não só as formas

variantes aqui pesquisadas, mas também identificar os contextos nos quais as diferenças entre

elas eram mais perceptíveis. Para isso, os dados foram investigados de acordo com uma série

de fatores que procuram capturar motivações que possam estar relacionadas à variação na

expressão de futuro. Além disso, há observações nossas a respeito do uso dessas variantes.

Houve a ocorrência de uma forma não considerada inicialmente como variável

dependente – haver de + verbo no infinitivo, por acreditarmos que nos períodos pesquisados

já fosse uma forma em desuso. Oliveira (2006), ao realizar um estudo diacrônico das formas

de expressão de futuro – do século XIII ao século XX, pôde constatar o declínio do uso dessa

forma ao longo dos séculos que chega quase a desaparecer no século XX. Segundo a autora

(op cit, p. 103-104),

O acentuado decréscimo dessa forma pode estar relacionado a um outro fenômeno de mudança no português: o verbo haver disputou com o verbo ter durante muito tempo (e ainda disputa, mas bem menos fortemente) a formação de tempos compostos (‘Eu havia feito’ ~ ‘Eu tinha feito’, por exemplo), a expressão de existência (‘Há muita gente na rua’ ~ Tem muita gente na rua’, por exemplo) e a indicação da modalidade deôntica (‘Eu hei de/que fazer isso’ ~ ‘Eu tenho de/que fazer isso’, por exemplo). O verbo ter, que antes indicava apenas posse, amplia, com o decorrer do tempo, a sua matriz semântica e vem substituindo o verbo haver, ainda utilizado, mas em menor escala e com o estigma de erudição e formalidade.

Em conclusão, os resultados da nossa pesquisa, na modalidade escrita, anos 1930,

sugerem que havia pouca variação entre as formas de expressão de futuro. Ocorrendo uma

preferência considerável pelas formas de futuro simples – 88.1%.

Entretanto, nesse período, o verbo ir já era utilizado em construções perifrásticas para

indicar futuro. Embora contabilize apenas 6.9% de ir no presente + verbo no infinitivo e 1%

de ir no futuro + verbo no infinitivo dos dados analisados, pudemos comprovar que nessa

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128

época o verbo ir + infinitivo já passava por um processo de gramaticalização, sendo

registrado, inclusive, na modalidade escrita.

Para Câmara Jr. (1975, p. 172), a construção ir + verbo no infinitivo expressa valor

aspectual (do que ainda vai acontecer, como em vou sair, ia sair, fui sair) e também modal

(intenção de fazer alguma coisa). Porém, apesar desses matizes, também considera o valor

temporal nessas construções (1956, p. 35).

Mesmo que em valores percentuais baixos, foi possível registrar a presença do verbo ir

em perífrases, ainda nas primeiras décadas do século XX. A partir dessa constatação,

pretendemos investigar o aumento de seu uso no decorrer das décadas no jornal A Gazeta e

observar seu comportamento na modalidade oral da atualidade.

5.2 ANÁLISE DE A GAZETA 1970

Foram computadas trezentas e noventa e seis (396) ocorrências de formas na

expressão de futuro das variantes analisadas. Observe a distribuição dos dados na tabela

abaixo:

Tabela 09: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1970.

Futuro Ir no futuro Presente Ir no presente Total Amarei Irei amar Amo Vou amar Nº 324 03 27 42 396

% 81.8% 0.8% 6.8% 10.6% 100%

A primeira constatação a ser relatada a partir dessa tabela e do gráfico abaixo é que na

década de 1970, no jornal A Gazeta, havia pouca variação nas formas indicadoras de futuro.

Há uma preferência substancial pelo uso do futuro simples – 81.8%. A segunda forma mais

utilizada – ir no presente + verbo no infinitivo – representa apenas 10.6% dos dados. Esse fato

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129

demonstra que no período de 1970, na modalidade escrita, havia uma grande preferência pela

forma padrão.

Gráfico 02: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1970

É interessante notar a semelhança entre os resultados descritos acima e os encontrados

na década de 1930. Nos dois corpora há o predomínio do futuro simples e poucas ocorrências

nas demais variáveis pesquisadas. O que se percebe é uma pequena diminuição das formas no

futuro simples e um leve aumento das formas no presente do indicativo e de ir no presente +

verbo no infinitivo. Observe o gráfico abaixo:

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130

Gráfico 03: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930 e 1970.

Os dados dessa amostra foram submetidos ao programa computacional Goldvarb.

Lidamos com os mesmos grupos de fatores que poderiam estar correlacionados à preferência

de uma variante em detrimento de outra. Para que pudéssemos obter pesos relativos e seleção

dos grupos de fatores, realizamos rodadas binárias em que confrontamos as duas formas com

maior uso, no caso, futuro simples – 81.8% – e ir no presente + verbo no infinitivo – 10.6%.

O valor de aplicação será a forma perifrástica, pois o objetivo é verificar o comportamento

dessa forma no decorrer das décadas e nas duas modalidades – oral e escrita.

As variantes ir no futuro + verbo no infinitivo e presente do indicativo não foram

submetidas à rodada com o programa que atribui pesos relativos devido à escassez de dados

que as representam (0.8% e 6.8%, respectivamente).

Conforme mencionamos anteriormente, os dados do jornal A Gazeta 1970 foram

submetidos ao programa computacional Goldvarb. No entanto, nem todos os grupos de

fatores analisados foram selecionados como relevantes pelo programa e alguns não puderam

ser submetidos ao cálculo de pesos relativos, tendo em vista que havia poucas ocorrências de

alguns fatores e, às vezes, nenhuma. Por isso, decidimos tecer alguns comentários a respeito

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131

de questões que consideramos pertinentes, uma vez que alguns desses fatores parecem

interferir na variação entre as formas de expressão de futuro.

O primeiro grupo de fatores não selecionado que merece ser mencionado, devido a

algumas características peculiares, é o gênero textual. Nesse corpus, encontramos cinco

gêneros textuais diferentes: notícia (maior parte dos dados – 95.5%), propaganda, discurso,

notas de falecimento, editorial.

Em três gêneros textuais – discurso (163), nota de falecimento (164) e editorial (165),

todas as ocorrências se encontravam conjugadas na forma de futuro simples. Esse fato pode

estar relacionado à formalidade típica desses gêneros.

163) O Brasil, tanto em suas relações bilateriais, quanto nos foros multilaterais, continuará lutando contra medidas e políticas que tendam a restringir o mercado internacional. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

164) Os familiares de Maria Rosa Ribeiro convidam os demais parentes e amigos para assistirem à Missa de 7º dia, que mandarão celebrar em sufrágio de sua boníssima alma, amanhã, dia 2. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

165) O leitor notará, a partir desta edição, uma mudanças de assuntos de páginas e colunas. (A Gazeta, 06 de setembro de 1972)

Encontramos apenas seis dados em propagandas, sendo duas de ir no presente + verbo

no infinitivo (166) e quatro no futuro simples (167). A partir dessa constatação, parece que na

década de 1970 a forma perifrástica já era utilizada em gêneros textuais em que a linguagem

recorrente é a mais informal, como a propaganda, embora as formas no futuro simples tenham

sido mais encontradas nesse gênero.

166) Você vem tentando falar há bastante tempo. Agora vai falar mesmo32. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

32 Trecho retirado de propaganda de uma escola de idiomas.

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167) Como parte da programação festiva de Cachoeiro, será exibida amanhã, sábado, às 21 horas no Ginásio Municipal de Esportes, a peça teatral, sucesso no Rio (...)33. (A Gazeta, 09 de junho de 1972)

A respeito das notícias, vale destacar que todos os dados de presente (168) e de ir no

futuro + verbo no infinitivo (169) se encontravam nesse gênero textual.

168) Nova estação da Cesan fica pronta em 75 dias. (A Gazeta, 02 de julho de 1974)

169) Os vereadores de Vitória irão receber subsídios relativos a sete meses de 1967, segundo decidiu o Tribunal de Justiça. (A Gazeta, 06 de fevereiro de 1970)

O motivo que nos levou a analisar o grupo de fatores extensão lexical se deve ao fato

de acreditarmos que as formas perifrásticas sejam mais favorecidas em verbos que apresentem

maior número de sílabas no infinitivo. Pudemos comprovar nossa hipótese.

Em relação às formas perifrásticas de ir no futuro, observamos que todas as três

constatadas nesse corpus se deram em verbos com 3 ou mais sílabas no infinitivo (dirigir e

receber – o último com duas ocorrências). Nas formas perifrásticas de ir no presente, também

é possível comprovar a tendência a se fazer a distribuição do peso fonológico, tendo em vista

que das 42 ocorrências analisadas, 12% foram ao lado de verbos no infinitivo com 1 sílaba,

40% com verbos de 2 sílabas e 48% com verbos de 3 ou mais sílabas. Logo, quanto maior o

número de sílabas maior a probabilidade de ocorrer a construção perifrástica com ir .

Outro grupo de fatores cuja importância pudemos comprovar para a escolha ou não

das formas perifrásticas refere-se à classificação dos verbos como modais ou não modais.

Nossa hipótese era de que os verbos modais inibissem as formas perifrásticas, já que essas

33 Trecho retirado de propaganda de uma peça teatral.

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133

carregam em si certa noção modal, por isso o uso do verbo modal ao lado das formas

perifrásticas poderia marcar duas noções modais, conforme assinalou Givón (1995, p. 115).

Dos dados analisados, constatamos que todas as formas perifrásticas – ir no presente e

ir no futuro – ocorreram ao lado de verbos não modais. Além disso, nas formas de presente do

indicativo, há uma leve preferência pelos verbos modais 55%, como ilustrado em 170. Esses

resultados vão ao encontro das nossas hipóteses sobre a influência dos verbos modais na

escolha das variantes.

170) O chefe do Executivo de Guarapari afirmou que seus planos de realizar o serviço de esgostos e calçamentos de diversas ruas da cidade podem ser prejudicados, grandemente, se não contar com o apoio e a compreensão da Câmara que, como ele, também deve ter interesse em ver a prosperidade da “Cidade Saúde”. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

O tipo de modalidade também foi analisado. Consideramos, como já se viu, quatro

tipos: a) extremo epistêmico; b) possibilidade epistêmica; c) possibilidade deôntica e d)

extremo deôntico, melhor discutidos na seção 4.3.7.

Segundo Givón (1995), na modalidade deôntica, há a expressão de uma vontade, um

desejo. Além disso, está incluída no âmbito das normas de moral e conduta, direitos e deveres.

Por outro lado, na modalidade epistêmica, há a expressão do conhecimento, da crença do

falante sobre o conteúdo das proposições enunciadas, indicando o grau de comprometimento

do falante com a verdade da proposição, certeza da realização do fato, a suposição de uma

ocorrência provável, possível ou mesmo improvável.

O que pudemos verificar foi que as formas perifrásticas com ir são inibidas quando há

o valor deôntico envolvido, uma vez que não houve nenhum dado de perífrase com esse valor,

na verdade, as formas de ir no presente + verbo no infinitivo e ir no futuro + verbo no

infinitivo só se deram em ambientes de extremo epistêmico. Esse resultado sugere que, no

discurso jornalístico, quando há a necessidade de se afirmar que alguma situação será

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cumprida no futuro, a construção perifrástica parece ser uma boa opção, como ocorre com o

exemplo abaixo. O trecho da notícia informa o fim do exame de admissão para ingressar no

ginásio, com total certeza da realização do fato.

171) O exame de admissão, um verdadeiro pequeno vestibular de quem sai do

primário para cursar o ginásio, felizmente, vai acabar. (A Gazeta, 03 de abril de 1971)

A seguir, comentamos os grupos de fatores selecionados. A ordem de apresentação

dos resultados seguirá o grau de relevância na seleção realizada pelo Goldvarb. Vale destacar

que também indicaremos alguns comportamentos das formas ir no futuro + verbo no

infinitivo e presente do indicativo e apresentaremos os resultados percentuais de alguns

grupos de fatores que não foram selecionados, mas que possuem índices interessantes.

5.2.1 Conjugação verbal

Como exposto na seção 4.3.6, admite-se como hipótese para este grupo de fatores que

a forma perifrástica seja favorecida em verbos de 1ª conjugação. Observe o resultado desse

grupo na tabela abaixo:

Tabela 10: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL no corpus A Gazeta 1970.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

3ª conjugação 10/33 30.3% .76

1ª conjugação 24/131 18.3% .68

2ª conjugação 08/202 04% .33

Embora este grupo de fatores tenha sido selecionado como o mais relevante para a

pesquisa aqui descrita, os resultados encontrados não comprovaram a hipótese formulada. A

forma perifrástica foi mais recorrente nos verbos de terceira conjugação (.76), e não nos de

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primeira conjugação, embora esses verbos também favoreçam o uso de ir no presente + verbo

no infinitivo (.68). Os verbos de segunda conjugação não favorecem a forma perifrástica

(.33), conforme imaginávamos.

Para tentar melhor entender esses resultados, fomos observar quais eram esses dados e

pudemos verificar que a extensão lexical desses verbos pode ter influenciado para termos esse

resultado, pois sessenta por cento dos dados foram ao lado de verbos trissílabos e quarenta por

cento de verbos dissílabos.

A respeito das ocorrências de ir no futuro + verbo no infinitivo, é interessante observar

o comportamento dessas perífrases, tendo em vista que das três ocorrências encontradas, duas

foram com verbos de segunda conjugação34, exemplo 172, e uma de terceira conjugação,

exemplo 17335.

172) Ainda sobre Jane: por iniciativa do vereador Josias Bassetti, a Câmara Municipal de São Gabriel da Palha aprovou um projeto concedendo-lhe o título de “Cidadão Gabrielense”, “pelos relevantes serviços prestados no desenvolvimento deste município”. Jane irá receber o título em solenidade, no próximo dia 12 de outubro. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974)

173) O senador afirmou que a escolha deverá ser feita tomando-se por base o candidato que reúne melhores conhecimentos da situação do Estado e tenha condições de comandar a política, mediante o poder de liderança no seio da equipe que irá dirigir e do partido ao qual está filiado, onde, obrigatoriamente precisará ter boa receptividade entre os companheiros. (A Gazeta, 26 de abril de 1974)

5.2.2 Marca de futuridade fora do verbo

A hipótese para este grupo de fatores (seção 4.3.4) é que as perífrases com ir sejam

favorecidas em ambientes sem marca de futuridade, por acreditarmos que essa variante

34 As duas ocorrências foram com o mesmo verbo no infinitivo – receber. 35 Considerar a forma destacada em negrito e sublinhada. As outras duas formas estão em negrito apenas por expressarem futuro.

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136

carrega em si a noção de futuro, diferentemente do presente do indicativo, por exemplo. Os

resultados da tabela abaixo comprovam nossa hipótese.

Tabela 11: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE

na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ausência de marca 26/163 16% .62

Presença de marca 16/203 7.9% .39

Esse resultado pode significar que a forma inovadora, mesmo na década de 1970 e na

modalidade escrita, já apresentava uma especialização para indicar tempo futuro, sem ter

necessidade de apoiar-se em outra marca de futuridade, como advérbios e orações temporais.

5.2.3 Tipo semântico do verbo

Neste corpus analisado, não encontramos todos os tipos de verbos propostos por

Halliday, tendo em vista que não há verbos metereológicos. Além disso, havia poucos dados

de verbos existenciais, apenas 10, e todos no futuro simples. Por esse motivo, optamos por

amalgamá-los aos verbos relacionais que apresentam comportamento bem semelhante e nossa

hipótese permite agir dessa forma.

Tabela 12: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Comportamentais 02/03 66.7% .96

Verbais 02/07 28.6% .84

Mentais 05/22 22.7% .70

Materiais 29/187 15.5% .57

Relacionais/Existenciais 04/147 2.7% .34

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137

A tabela acima demonstra que realmente a perífrase ir no presente + verbo no

infinitivo é favorecida em verbos que carregam em si certa noção de ação do sujeito,

principalmente os verbos comportamentais, verbais e mentais. Além disso, conforme

imaginávamos, os verbos relacionais e existenciais inibem o seu uso.

Vale salientar que embora os verbos comportamentais, verbais e mentais apresentem

os maiores pesos relativos, possuem poucas ocorrências, como se pode verificar na segunda

coluna da tabela.

Por isso, para comprovar mais claramente nossa hipótese, decidimos fazer uma rodada

amalgamando os verbos comportamentais, verbais, mentais e materiais, para cruzarmos com

os verbos relacionais e existenciais. Observe o resultado:

Tabela 13: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Não Relacionais/Existenciais 38/219 17.4% .61

Relacionais/Existenciais 04/147 2.7% .33

Mais uma vez pudemos comprovar que os verbos relacionais/existenciais inibem a

variante perifrástica e que ela é favorecida em contextos em que há um sujeito com papel

atuante.

5.2.4 Projeção de futuridade

Nossa expectativa neste grupo de fatores é que a perífrase seja favorecida nas formas

que indicam futuro próximo. Na tabela abaixo, há os resultados encontrados:

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138

Tabela 14: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Futuro indefinido 23/135 17% .64

Futuro próximo 15/156 9.6% .44

Futuro distante 04/75 5.3% .35

Ao contrário que imaginávamos, o futuro próximo não favorece a forma perifrástica e

sim o futuro indefinido. Contudo, assim como prevíamos, o futuro distante inibe a forma

perifrástica, uma vez que ela estaria mais relacionada à iminência do fato. Dessa forma, a

categoria futuro distante, ao desfavorecer a perífrase, acaba por dar preferência à forma de

futuro simples, conforme descrito por Poplack & Turpin (1999, 149-151).

5.2.6 Conclusões parciais

No corpus A Gazeta, década de 1970, pudemos constatar que houve pouca variação

entre as formas indicadoras de futuro. O predomínio considerável de futuro simples – 81.8% –

indica que nesse período, na modalidade escrita, a variante favorecida era a mais formal.

Para melhor analisar as 396 ocorrências de expressão de futuro, submetemos os dados

ao programa computacional Goldvarb. Infelizmente, devido ao baixo número de dados de ir

no futuro + verbo no infinitivo e presente do indicativo (cf. tabela 09), a rodada se deu apenas

entre ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples.

Os resultados obtidos a partir do cálculo estatístico demonstram que a forma

perifrástica ir no presente + verbo no infinitivo é favorecida pelos seguintes fatores: verbos de

3ª e 1ª conjugação; verbos não relacionais e existenciais, como os verbos comportamentais,

verbais, mentais e materiais que, em conjunto apresentam um sujeito agente ou

experienciador; e, em relação à projeção de futuridade, indiquem um futuro indefinido.

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139

Apesar de alguns grupos de fatores não terem sido selecionados pelo Goldvarb e

outros não poderem ser submetidos ao cálculo do peso relativo, devido à inexistência de

ocorrências em algumas variantes (knock-out), eles parecem influenciar na variação aqui

estudada.

Um deles é o gênero textual. Constatamos que nos editoriais, discursos e notas de

falecimento houve somente dados no futuro simples. Já o presente do indicativo e ir no futuro

+ verbo no infinitivo só ocorreram em trechos de notícias. Isso demonstra que nos gêneros

textuais mais formais há um predomínio da forma tida como mais formal – futuro simples. E

que a forma perifrástica com ir começou a ser usada no jornal A Gazeta, em 1970, nos

gêneros que não são tão formais, como notícias e propagandas.

Confirmando nossa hipótese, vimos que a extensão do verbo no infinitivo influencia

na escolha da forma perifrástica, tendo em vista que a perífrase é favorecida em verbos com

um maior número de sílabas.

O fato de o verbo ser ou não modal também se mostrou importante, uma vez que

verbos modais inibem o uso das formas perifrásticas com ir com o possível objetivo de evitar

várias marcas modais, já que a própria perífrase, como já vimos, carrega em si uma noção

modal. Além disso, a modalidade deôntica inibiu totalmente a ocorrência das perífrases com

ir .

5.3 ANÁLISE DE A GAZETA 2008

Considerando, nesta seção, apenas os dados da modalidade escrita, coletados no jornal

A Gazeta em 2008, ano em que esse jornal comemorou 80 anos de existência, procede-se ao

estudo dessas ocorrências.

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140

Ao todo, foram analisadas 678 (seiscentas e setenta e oito) ocorrências de variantes na

expressão de futuro. Encontramos, neste corpus, as quatro variantes estudadas nesta tese. O

resultado foi diferente do encontrado nas demais épocas pesquisadas do jornal. Observe a

distribuição na tabela 15:

Tabela 15: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 2008

Futuro Ir no futuro Presente Ir no presente Total Amarei Irei amar Amo Vou amar Nº 368 16 158 136 678

% 54.3% 2.4% 23.3% 20.1% 100%

O primeiro ponto a ressaltar é a manutenção pela preferência da forma do futuro

simples, 54% dos dados, na modalidade escrita. Isso demonstra que, em ambientes mais

formais, ainda há um predomínio da forma conservadora, preconizada nas gramáticas

tradicionais. Contudo, também constatamos a presença de dados no presente do indicativo,

tanto nas formas sintéticas quanto nas perifrásticas.

Gráfico 04: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 2008.

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141

O fato de encontrarmos, mesmo na atualidade, muitas ocorrências de futuro simples

reflete o grau de formalidade do jornal, principalmente em determinados gêneros textuais,

comentados a seguir. A fim de comprovar essa formalidade, destacamos as diversas

ocorrências de futuro em mesóclises (uso considerado bastante formal). Para ilustrar,

apresentamos dois exemplos, retirados de cartas do leitor.

174) Em seguida, nas extremidades poder-se-á ligar o tal metrô de superfície,

para a Serra, Cariacica e Viana. (A Gazeta, 10 de julho de 2008)

175) Vamos nos dar as mãos e nos unir mais e temos certeza que uma pequena ajuda tornar-se-á uma gigantesca recompensa aqui ou no reino do Grande Arquiteto e só conseguiremos se formamos uma corrente inquebrantável, cujos elos sejam de solidariedade só transmitam amor, justiça e paz. (A Gazeta, 26 de julho de 2008)

Um ponto que chama a atenção é a comparação entre as variantes pesquisadas ao

longo das décadas, no jornal A Gazeta. Conforme mencionamos anteriormente, de 1930 a

1970 quase não houve mudança de comportamento, apenas um leve aumento da construção

perifrástica ir no presente + verbo no infinitivo e uma pequena diminuição de uso de futuro

simples. No entanto, de 1970 a 2008 as mudanças foram mais acentuadas, pois há menos

ocorrências de futuro simples e maior uso de ir no presente + verbo no infinitivo, embora a

forma privilegiada continue sendo o futuro simples. Há também um aumento considerável da

presença de formas no presente do indicativo. Observe o quadro abaixo para melhor visualizar

essas semelhanças e diferenças:

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142

Gráfico 05: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930 , 1970 e 2008.

Durante a coleta de dados, encontramos um dado – exemplo 176 – que não pôde ser

codificado, por apresentar, provavelmente, um erro de digitação. Porém, esse equívoco pode

nos indicar algo interessante.

176) Mais sete ônibus articulados vão serão incorporados ao Sistema Transcol na

próxima segunda-feira. Desse total, quatro veículos vão atender à linha 504 (Terminal de Itacibá X Terminal de Jacaraípe). Já os outros três serão utilizados na linha 591, (Serra Sede X Terminal de Campo Grande). (A Gazeta, 04 de julho de 2008)

A primeira ocorrência na expressão de futuro – vão serão – sugere que o autor do

texto ficou em dúvida se usaria vão ser ou serão. Temos fortes indícios dessa indecisão ao

verificar as demais formas no futuro, uma vez que utiliza as duas variantes: ir no presente +

verbo no infinitivo – vão atender – e futuro simples – serão. Esse dado demonstra que o

falante tem consciência de que há diferentes formas para expressar o futuro. Como o exemplo

está registrado na modalidade escrita, o usuário da língua poderia, inclusive, voltar ao texto

para corrigi-lo, optando pela forma que lhe parecesse melhor.

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143

Para a realização das rodadas no programa Goldvarb, não pudemos analisar as formas

de ir no futuro + verbo no infinitivo, exemplo 177, visto que representam apenas 2.4% dos

dados. Ao longo do trabalho, apenas nos limitamos a apontar as principais características

dessas ocorrências ao apresentar os grupos de fatores selecionados.

177) Vale dizer, a cada nova despesa, que represente benefício ou serviço, deve

se determinar a fonte – dos recursos que lhe irão dar consistência para materialização. (A Gazeta, 30 de junho de 2008)

Com a não utilização desses dados nas rodadas, passamos a ter três formas variantes:

futuro simples, presente do indicativo e ir no presente + verbo no infinitivo. Entretanto, o

programa Goldvarb permite apenas a realização de rodadas binárias para o cálculo de pesos

relativos. Por esse motivo, optou-se por fazer três diferentes rodadas: a) uso de ir no presente

+ verbo no infinitivo vs. futuro simples; b) uso de ir no presente + verbo no infinitivo vs.

presente do indicativo e c) uso de futuro simples vs. presente do indicativo. Vale ressaltar que

em cada rodada consideramos como valor de aplicação a primeira forma explicitada, no caso,

ir no presente + verbo no infinitivo, ir no presente + verbo no infinitivo e futuro simples,

respectivamente.

Guy (2007, p. 144), ao discutir como se deve proceder para definir uma variável

dependente, afirma que cabe ao pesquisador a decisão sobre o modo de análise dos dados e

acrescenta que

dadas essas complicações no uso de modelos eneários, a tendência, nos estudos variacionistas de variáveis com mais de duas realizações, é de reduzi-las a sequências de análises binárias. Isto se faz com base em um modelo teórico que justifique o agrupamento de determinados subconjuntos de realizações.

Além disso, aponta que cabe ao pesquisador definir, no decorrer da análise das

ocorrências, quais são as questões a serem respondidas e, em função disso, quais seriam os

procedimentos analíticos adequados aos seus propósitos. Como nosso objetivo é pesquisar o

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144

comportamento da forma inovadora – ir + verbo no infinitivo, optamos por analisar o uso

dessa variante em relação às outras duas, no caso, o futuro do presente e o presente do

indicativo. Além disso, verificar possíveis motivações correlacionadas à escolha do futuro

simples vs. presente do indicativo.

Os resultados são apresentados a seguir por grupos de fatores. Foram selecionados: 1)

Gênero textual; 2) Paralelismo; 3) Extensão lexical; 4) Verbo modal; 5) Projeção de

futuridade; 6) Conjugação verbal; 7) Tipo semântico do verbo e 8) Tipo de sequência textual.

A tabela abaixo expõe os grupos de fatores selecionados em cada rodada, de acordo com a

ordem de seleção:

Quadro 02: Grupos de fatores selecionados nas três rodadas realizadas

Ir no presente + infinitivo x

Presente do indicativo

Ir no presente + infinitivo x

Futuro simples

Futuro simples x Presente

do indicativo

1. Verbo modal 1. Tipo semântico do verbo 1. Verbo modal

2. Paralelismo 2. Paralelismo 2. Gênero textual

3. Tipo textual 3. Verbo modal 3. Conjugação verbal

4. Extensão lexical 4. Extensão lexical 4. Extensão lexical

5. Marca de futuridade 5. Gênero textual 5. Tipo textual

6. Tipo semântico do verbo 6. Projeção de futuridade 6. Paralelismo

5.3.1 Gênero textual

Este grupo de fatores foi selecionado para duas rodadas: 1) ir no presente + verbo no

infinitivo vs. futuro simples e 2) futuro simples vs. presente do indicativo. Observe, a partir

das tabelas a seguir, a distribuição dos dados:

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145

Tabela 16: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Propaganda 16/31 51.6% .69

Notícia 68/233 29.2% .59

Carta do leitor 16/63 25.4% .47

Editorial 21/86 24.4% .40

Artigo de opinião 15/91 16.5% .30

Tabela 17: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Carta do leitor 47/51 92.2% .82

Artigo de opinião 76/88 86.4% .73

Editorial 65/91 71.4% .52

Propaganda 15/21 71.4% .37

Notícia 165/275 60% .35

Os resultados atestam a hipótese formulada para este grupo de fatores, uma vez que os

gêneros mais informais, no caso, a propaganda e a notícia, favorecem a forma perifrástica em

relação ao futuro simples, (.69) e (.59), respectivamente, conforme exposto na tabela 16.

Assim como os gêneros mais formais, o artigo de opinião e o editorial favorecem o

uso de futuro simples, (.73) e (.52), respectivamente, tabela 17. No entanto, a carta de leitor se

mostrou o maior favorecedor para o uso de futuro simples, (.82). Não imaginávamos que esse

gênero apresentasse esse comportamento, mas esse fato pode estar relacionado a outras

questões. Vale lembrar que o público alvo do jornal são pessoas de classe média e alta,

geralmente com maior grau de escolaridade. Além disso, é possível que os leitores que

enviam essas cartas tenham a preocupação com um uso mais formal da língua. Isso pode ser

comprovado ao constatarmos um grande número de mesóclises nesse gênero, conforme os

exemplos 174 e 175. Outro aspecto que pode estar relacionado a essa questão é o processo de

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146

edição pelo qual passam as cartas enviadas. Não podemos saber se as expressões de futuro

sofreram algum tipo de modificação ou se representam a escolha do autor da carta.

5.3.2 Paralelismo

Este grupo de fatores foi selecionado para as três rodadas realizadas: 1) ir no presente

+ verbo no infinitivo vs. futuro simples; 2) ir no presente + verbo no infinitivo vs. presente do

indicativo e 3) futuro simples vs. presente do indicativo, sendo que nas duas primeiras

rodadas foi selecionado como o segundo grupo de fatores mais relevante para a variação. Os

resultados estão expostos nas tabelas 18, 19 e 20.

Tabela 18: Influência do grupo de fatores PARALELISMO

na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocorrência precedida de ir no presente

Ocorrência isolada

22/37

48/74

59.5%

64.9%

.76

.73

Primeira ocorrência 42/82 51.2% .53

Ocorrência precedida de futuro 12/46 26.1% .26

Ocorrência precedida de presente 12/55 21.8% .17

Tabela 19: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocorrência precedida de ir no presente

Primeira ocorrência

Ocorrência isolada

22/48

42/112

48/145

45.8%

37.5%

33.1%

.73

.64

.60

Ocorrência precedida de presente 12/52 23.1% .41

Ocorrência precedida de futuro 12/147 8.2% .25

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147

Tabela 20: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocorrência precedida de futuro

Ocorrência isolada

135/169

97/123

79.9%

78.9%

.57

.57

Ocorrência precedida de ir no presente 26/41 63.4% .52

Primeira ocorrência 70/110 63.6% .43

Ocorrência precedida de presente 40/83 48.2% .31

A importância do princípio do paralelismo pôde ser constatada mais uma vez nesta

pesquisa, levando em consideração os resultados das tabelas acima, visto que há pesos

relativos mais altos em situações em que apareceram precedidas de formas idênticas. As

variantes se comportam todas conforme o esperado.

Na rodada ir no presente + infinitivo em relação ao presente do indicativo (tabela 18),

as ocorrências precedidas de ir no presente + infinitivo tiveram peso relativo de (.76). Na

rodada ir no presente + infinitivo em relação ao futuro simples (tabela 19), a repetição da

mesma forma apresentou peso relativo (.73) e, ao analisar futuro simples em relação ao

presente do indicativo (tabela 20), a ocorrência precedida de futuro simples obteve relevância

de (.57).

Ainda podemos perceber a relevância deste grupo de fatores ao verificarmos quais são

as formas inibidoras. Na tabela 18, ao analisar a variação entre ir no presente + infinitivo em

relação ao presente do indicativo, verificamos que ocorrência precedida de presente do

indicativo é a forma desfavorecedora (.17), bem como na rodada ir no presente + infinitivo

em relação ao futuro simples, tabela 19, a forma perifrástica é inibida quando precedida de

futuro simples (.25) e na rodada futuro simples em relação ao presente do indicativo, tabela

20, a forma mais conservadora é desfavorecida ao ser precedida de presente do indicativo

(.31).

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148

Um ponto a ser destacado é o fato de ocorrência isolada e primeira de uma série

funcionarem como ambientes favorecedores para a forma ir no presente + infinitivo, ao ser

analisada em variação com o presente do indicativo, (.73) e (.53) respectivamente, e em

variação com o futuro simples, (.60) e (.64), respectivamente. Esse resultado sugere que a

perífrase com ir no presente + infinitivo seja a primeira forma que ocorra ao falante ao

expressar o futuro.

5.3.3 Extensão lexical

Inicialmente, havíamos analisado separadamente os verbos trissílabos e polissílabos.

No entanto, optamos por amalgamar esses dados, tendo em vista que há poucos verbos

polissílabos na Língua Portuguesa. Além disso, verbos trissílabos e polissílabos apresentaram

comportamentos semelhantes.

Este grupo de fatores foi selecionado nas três rodadas e os resultados podem ser vistos

nas tabelas 21, 22 e 23.

Tabela 21: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

3 ou mais sílabas 73/103 70.9% .71

2 sílabas 49/153 32% .42

1 sílaba 14/38 36.8% .23

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149

Tabela 22: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

3 ou mais sílabas 73/132 55.3% .72

2 sílabas 49/171 28.7% .57

1 sílaba 14/201 7% .28

Tabela 23: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

1 sílaba 187/211 88.6% .73

2 sílabas 122/226 54% .34

3 ou mais sílabas 59/89 66.3% .30

Os resultados expostos nas tabelas 21 e 22 mostram claramente a importância do

número de sílabas do verbo no infinitivo na escolha da variante perifrástica, visto que verbos

com maior número de sílabas favorecem essa construção e verbos com menos sílabas inibem

essa forma. Os valores se apresentam na gradação esperada para a escolha de ir no presente +

infinitivo, tanto em variação com o presente do indicativo, quanto com o futuro simples.

Verbos com três ou mais sílabas favorecem o uso da forma perifrástica, com duas sílabas

apresentam comportamento mais neutro e com uma sílaba o inibem, já que o menor peso

relativo foi atestado para esses verbos.

Os verbos monossilábicos, que favorecem o emprego da forma sintética, seja no

presente do indicativo seja no futuro simples, tornam, assim, o verbo dissílabo. É preciso

destacar que muitos desses verbos são irregulares, como ser e o próprio ir , apresentando,

consequentemente, características morfológicas especiais. Não chegamos a contabilizar, mas

foi possível observar a alta frequência do verbo ser nesse corpus e como afirma Bybee (2003)

verbos mais frequentes na língua tendem a ser menos susceptíveis a mudanças.

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150

A tabela 23 retrata a rodada futuro simples vs. presente do indicativo, que apresenta

hipótese diferente para a variação, já que nosso objetivo principal ao analisar este grupo de

fatores era verificar se os usuários da língua tendem a distribuir o peso fonológico dos

vocábulos. O que podemos observar, a partir dos resultados dessa tabela, é que a forma

considerada mais conservadora é favorecida em verbos menos longos e tendem a aceitar

melhor o acréscimo de uma sílaba (o morfema de futuro).

5.3.4 Verbo modal

Nas seções anteriores, foi abordada a importância da análise deste grupo de fatores,

embora não tivesse sido selecionado pelo programa computacional. Neste corpus, foi

selecionado para as três rodadas, sendo que em duas delas como o fator mais relevante, em

primeiro lugar: ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo e futuro simples vs.

presente do indicativo. Os resultados estão expostos nas tabelas a seguir.

Tabela 24: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Verbo não modal 131/205 63.9% .79

Verbo modal 05/89 5.6% .04

Tabela 25: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Verbo não modal 131/442 29.6% .55

Verbo modal 05/62 8.1% .15

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151

Tabela 26: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Verbo não modal 311/385 80.8% .64

Verbo modal 57/141 40.4% .16

Mais uma vez podemos constatar, a partir das tabelas 24 e 25, que os verbos modais

inibem as formas perifrásticas, (pesos relativos .04 e .15, respectivamente). Assim, é possível

afirmar que o falante evita duas informações modais. Isso também ocorre para a escolha de

futuro simples, tendo em vista que essa forma é inibida nos modais (.16). O futuro simples,

conforme afirmou Câmara Jr. (1956), surgiu mais para marcar o modo do que o tempo. Por

isso, o usuário da língua tende a usar menos essa forma com os modais, evitando um excesso

de marcas modais.

5.3.5 Conjugação verbal

Na seção 4.3.6, expusemos as características e hipóteses relacionadas a este grupo de

fatores. Observe, na tabela abaixo, os resultados encontrados.

Tabela 27: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL

na escolha de futuro simples vs. presente do indicativono corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

1ª conjugação 96/133 72.2% .55

2ª conjugação 254/354 71.8% .54

3ª conjugação 18/39 46.2% .08

Os resultados encontrados demonstram que o futuro simples é favorecido por verbos

de 1ª conjugação e 2ª conjugação (.55 e .54, respectivamente). Os primeiros são os mais

comuns na Língua Portuguesa, mas veja que eles não são os que mais ocorrem no corpus, e

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152

sim os de segunda. No entanto, não há praticamente diferença nos valores dos pesos relativos

entre os de 1ª e 2ª conjugações. Por outro lado, o futuro simples é inibido nos verbos de 3ª

conjugação (.08).

Esperávamos que este grupo de fatores fosse selecionado com a variante perifrástica

com ir como valor de aplicação, para confirmar que as construções perifrásticas são mais

recorrentes nos verbos de 1ª conjugação, porém isso não ocorreu.

5.3.6 Tipo semântico do verbo

Este grupo de fatores foi selecionado em duas rodadas: ir no presente + infinitivo vs.

presente do indicativo e ir no presente + infinitivo vs. futuro simples (selecionado em

primeiro lugar). Essa seleção é positiva, pois nossa principal hipótese é em torno da escolha

da variante perifrástica.

Tabela 28: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO

na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Verbais 09/11 81.8% .92

Mentais 15/22 68.2% .76

Relacionais 09/48 18.8% .48

Materiais 102/210 48.6% .44

Existenciais 01/03 33.3% .44

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153

Tabela 29: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Verbais 09/11 81.8% .94

Materiais 102/235 43.4% .69

Mentais 15/57 26.3% .59

Relacionais 09/178 5.1% .24

Existenciais 01/23 4.3% .14

Os resultados acima confirmam em parte a hipótese por nós formulada – os verbos

relacionais e existenciais inibem a variante perifrástica. Entretanto, imaginávamos que os

verbos materiais fosse aqueles que mais favorecessem essa forma, por apresentar um sujeito

atuante, porém, quando em variação com o presente do indicativo (tabela 28), parecem inibi-

la. Por outro lado, confirmando nossa hipótese, quando em variação com o futuro simples

(tabela 29), os verbos materiais favorecem ir no presente + infinitivo.

Os verbos que mais favoreceram a forma perifrástica foram os verbais, apresentando,

inclusive, pesos relativos bastante altos. Contudo, é preciso observar que o corpus analisado

apresenta poucas ocorrências, apenas 11 no total, o que não permite sermos muito

conclusivos.

5.3.7 Tipo de texto / Sequência textual

Nos trechos do Jornal A Gazeta, 2008, analisamos apenas três sequências textuais: 1)

Argumentativo/expositivo; 2) Narrativa projetada e 3) Injuntivo. Foram encontrados alguns

casos de sequências narrativa/descritiva, mas como eram poucos, optamos por amalgamá-los

aos de narrativa projetada.

Os resultados para este grupo de fatores estão expostos a seguir:

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154

Tabela 30: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Argumentativo/expositivo 69/129 53.5% .67

Narrativa projetada 56/138 40.6% .38

Injuntivo 11/27 40.7% .26

Tabela 31: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Argumentativo/expositivo 209/269 77.7% .61

Narrativa projetada 147/229 64.2% .39

Injuntivo 12/28 42.9% .30

A partir dos resultados da tabela 30, podemos perceber que a variante perifrástica com

ir é favorecida em sequências argumentativas/expositivas quando em variação com o presente

do indicativo. Além disso, essa variante é inibida em sequências injuntivas e de narrativa

projetada. Esse resultado parece indicar que nos trechos em que há a pretensão de discutir

alguma questão a forma perifrástica é preferida em detrimento do presente do indicativo.

Segundo Gryner (2000), na argumentação, utiliza-se muito o discurso hipotético, isso faz

parte do argumentar. Como a forma perifrástica mantém mais valor modal que o presente do

indicativo, o usuário da língua tende a utilizar mais a variante perifrástica.

Por outro lado, ao se dirigir diretamente ao leitor do jornal, na sequência injuntiva, o

presente do indicativo torna-se mais recorrente, pois o falante abre mão de usar a perífrase.

Isso pode ocorrer por esse tempo verbal se assemelhar a um imperativo. Em relação à

narrativa projetada, o valor baixo do peso relativo para a forma perifrástica pode indicar que

há um favorecimento do presente do indicativo nesses contextos, talvez o usuário da língua

projete o fato relatado no presente para indicar maior proximidade de realização da ação.

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155

Ao analisar os resultados da variação entre futuro simples vs. presente do indicativo

(tabela 31), verificamos que nossa hipótese foi confirmada em relação às sequências

argumentativas/expositivas favorecerem a variante futuro simples. Nessas sequências, o

usuário da língua apresenta sua posição sobre um tema e procura convencer o leitor a respeito,

para isso dá preferência à variante mais formal, aquela preconizada nas gramáticas

tradicionais. Novamente as sequências injuntivas e de narrativa projetada funcionaram como

inibidoras da variante com valor de aplicação o que pode significar, por outro lado, ser o

ambiente favorecedor para a escolha do presente do indicativo.

5.3.8 Projeção de futuridade

Na seção 5.2.4, vimos que ir no presente + verbo no infinitivo é favorecido em

contexto de futuro indefinido, ao variar com o futuro, ou seja, quando não é possível precisar

em que momento ocorrerá a ação, se será uma ação iminente ou que demorará a acontecer.

Porém, esse resultado não confirmou nossa hipótese, já que imaginávamos que essa variante

fosse favorecida para futuro próximo. Contudo, o futuro distante inibiu a variante perifrástica.

Este grupo tornou a ser selecionado para o jornal A Gazeta 2008, na rodada que

também investiga a variação entre ir no presente + infinitivo vs. futuro simples, e os pesos

relativos apresentam a mesma ordem de relevância na escolha da variante perifrástica daquela

encontrada no jornal A Gazeta 1970, conforme ilustra a tabela abaixo:

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156

Tabela 32: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Futuro indefinido 84/279 30.1% .55

Futuro próximo 48/173 27.7% .51

Futuro distante 04/52 7.7% .20

Novamente o futuro indefinido foi o ambiente mais favorecedor da perífrase com ir ,

ao lado do futuro próximo, o que sugere que o futuro próximo também seja um contexto

favorecedor para ir no presente + infnitivo, confirmando nossa hipótese inicial, enquanto o

futuro distante foi o inibidor dessa variante. Esse resultado pode indicar que a forma

perifrástica já está tão bem estabelecida para indicar o tempo futuro que, mesmo em contextos

em que não é possível definir em que momento futuro ocorrerá o fato, a perífrase seja a

variante preferida. Assim, parece que está ocorrendo uma crescente implementação da

perífrase, em alguns contextos.

Em relação ao futuro distante, mais uma vez esse foi o contexto inibidor da variante

perifrástica, resultado semelhante ao encontrado no período de 1970 (cf. página 138). Por

estarmos analisando a variação entre ir no presente + infinitivo em relação ao futuro simples,

nos dois períodos - 1970 e 2008 - podemos deduzir que, ao se referir a um momento futuro,

em que o fato ocorrerá depois de um longo período, o usuário da língua privilegie o futuro

simples.

5.3.9 Marca de futuridade fora do verbo

Mais uma vez o contexto sintático de presença ou não de circunstancializador de

tempo futuro, seja em forma de sintagma, seja em forma de oração, parece condicionar o

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157

emprego da variante ir no presente + infinitivo, como em 1970, porém agora em variação com

o presente do indicativo.

Nossa hipótese é que a perífrase seja favorecida quando não há marcas de futuridade

fora do verbo, pois acreditamos que ela já esteja codificando tempo, apresentando, pois, mais

noção gramatical que modal. Os resultados da tabela abaixo confirmam nossa hipótese

novamente. Observe:

Tabela 33: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE FORA DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ausência 92/159 57.9% .62

Presença 44/135 32.6% .35

A variante ir no presente + verbo no infinitivo é favorecida em contexto sintático em

que não há marcas temporais explícitas. Esse resultado pode confirmar a especialização dessa

forma, uma vez que ela sozinha é capaz de expressar no texto o futuro.

Por outro lado, parece que o presente do indicativo é mais utilizado quando o contexto

permite que seja recuperada a informação de tempo futuro, que pode ser indicada por uma

expressão adverbial, por uma oração ou mesmo por uma marca não contígua.

5.3.10 Escala de modalidade

Infelizmente, este grupo de fatores não foi selecionado como relevante pelo programa

computacional, porém optamos por apresentá-lo e discutir algumas questões relacionadas a

esse grupo.

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158

O primeiro ponto a destacar é que este grupo apresentou grau de significância 0,000

no Goldvarb no nível 1 nas três rodadas realizadas. Esse resultado inicialmente mostra que

este grupo é bastante relevante para a pesquisa. No entanto, ao coocorrer com os demais

fatores, nos níveis subsequentes, ele deixa de ser selecionado. Ao analisar as rodadas,

pudemos perceber que o grupo de fatores verbo modal é quem está interferindo. Para melhor

entender a questão, leia o que afirma Paredes (1991, p. 33).

O programa atua iterativamente, comparando os diversos grupos de fatores entre si. Cada rodada compreende tantos níveis quantos forem necessários para realizar-se a seleção. No nível 0, calcula-se a probabilidade média de aplicação da regra, na ausência de restrições. No nível 1, ele toma cada grupo de fatores isoladamente, comparando-o com o input e efetua o cálculo. O grupo que melhor se sair no teste de significância será selecionado, e com ele serão comparados, no nível 2, todos os demais grupos, um por um, para que seja selecionado o segundo grupo, e assim sucessivamente até completar-se a seleção.

O fato de os verbos modais interferirem na não seleção do grupo de fatores escala de

modalidade é totalmente compreensível, já que estamos trabalhando questões semelhantes em

dois grupos de fatores.

O que nos motivou a analisar separadamente esses grupos, primeiramente, foi que

gostaríamos de verificar a influência da presença do verbo modal na escolha da variante. Por

outro lado, queríamos investigar se o tipo de modalidade – epistêmica ou deôntica – poderia

interferir também na escolha, independente de haver um verbo modal ao lado das variantes

pesquisadas. Contudo, por estarmos trabalhando a questão da modalidade nos dois grupos,

não poderemos apresentar os valores do peso relativo para o grupo de fatores escala de

modalidade. Tentaremos apenas observar se os valores percentuais podem nos dar pistas de

alguns comportamentos das variantes em relação a essa questão.

Seguem abaixo as tabelas com os valores percentuais das três rodadas.

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159

Tabela 34: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%)

Extremo epistêmico 110/187 58.8%

Possibilidade epistêmica 20/65 30.8%

Possibilidade deôntica 04/23 17.4%

Extremo deôntico 02/22 9.1%

Tabela 35: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%)

Extremo epistêmico 110/382 28.8%

Possibilidade epistêmica 20/67 29.9%

Possibilidade deôntica 04/25 16%

Extremo deôntico 02/30 6.7%

Tabela 36: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008

Fatores Aplic./total Freq. (%)

Extremo epistêmico 272/349 77.9%

Possibilidade epistêmica 47/92 51.1%

Possibilidade deôntica 21/40 52.5%

Extremo deôntico 28/48 58.3%

Primeiramente, nota-se, a partir dessas tabelas, que a maior parte dos dados se deu na

modalidade epistêmica. Esse resultado é pertinente por estarmos analisando um jornal, pois

essa modalidade denota o conhecimento, a crença do usuário da língua sobre o conteúdo das

proposições, a certeza da realização do fato (Givón 1995). O jornal tem por objetivo informar

a população dos fatos, demonstrando certeza de realização das notícias relatadas.

Outro ponto a ressaltar, levando em consideração os valores percentuais, é a

preferência da forma perifrástica na modalidade epistêmica, principalmente no extremo

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160

epistêmico, ao estar em variação com o presente do indicativo. Esse resultado sugere que

quando é preciso relatar algo no jornal, afirmando categoricamente que alguma situação será

cumprida, a perífrase é a melhor opção. Além disso, fortalece a ideia de que essa variante

realmente esteja atuando com mais ênfase na função tempo, conforme já mencionamos neste

trabalho, porém, embora menos saliente, continua sendo usada para outras funções, como a

modalidade.

De certa forma, os números percentuais da tabela 35 confirmam nossas expectativas

quanto ao favorecimento do futuro simples nos contextos em que a modalidade de extremo

epistêmico estivesse atuante. Diante desse resultado, temos argumento favorável à hipótese de

que esta variante esteja restringindo sua atuação à modalização. O segundo maior valor

percentual para a variante futuro simples foi o extremo deôntico, mostrando novamente a

preferência em ambientes em que a modalização fica mais evidente.

5.3.11 Conclusões parciais

Os resultados encontrados no jornal A Gazeta na década de 1930, década de 1970 e

em 2008 nos dados de variação na expressão de futuro demonstram que a mudança não ocorre

de forma abrupta. Ao contrário, procede como uma série de ajustes, que ocorrem à medida

que as variantes, que estão entrando ou abandonando o contexto variável, disputam seu

espaço no sistema.

O futuro simples continua sendo a forma predominante. Contudo, tem disputado lugar

com o presente do indicativo e com a variante perifrástica - ir + verbo no infinitivo. Nas

décadas de 1930 e 1970, as formas no presente do indicativo, tanto sintéticas quanto

perifrásticas (estudo e vou estudar, respectivamente), não haviam demonstrado um uso

relevante, porém no século XXI parecem estar mais atuantes.

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161

Os grupos de fatores selecionados nas três rodadas realizadas puderam revelar

aspectos interessantes quanto à variação na expressão de futuro.

Pudemos comprovar, ao analisar o grupo de fatores gênero textual, que a variante ir +

verbo no infinitivo é favorecida em gêneros mais informais, como propaganda e notícia,

enquanto a variante futuro simples é predominante nos gêneros mais formais. Esse resultado

confirmou nossas hipóteses.

O paralelismo, em mais um trabalho, mostrou ser um princípio linguístico importante

ao se analisar sistematicamente ocorrências em variação, tendo em vista que foi selecionado

nas três rodadas e em cada uma delas a forma mais favorecedora da variante em aplicação foi

a repetição da forma. No entanto, os fatores que também favoreceram a variante em aplicação

foram as ocorrências isoladas e primeiras em uma série.

O verbo modal também foi selecionado nas três rodadas e em todas elas pudemos

comprovar nossa hipótese de que os verbos modais inibem as formas perifrásticas e o futuro

simples, tentando, assim, evitar um acúmulo de marcas modais, já que consideramos que a

perífrase com ir e o futuro simples carregam em si, além de tempo, uma noção modal.

Infelizmente, esse grupo de fatores impediu que outro fosse selecionado – a escala de

modalidade. Entretanto, entendemos que esse resultado é plausível, já que ambos envolvem

questões parecidas: investigar a influência da presença do verbo modal e o tipo de

modalidade.

Outro grupo de fatores que também foi selecionado nas três rodadas refere-se à

extensão lexical. Pudemos comprovar que a forma perifrástica é privilegiada em verbos com

maior número de sílabas, comprovando que na língua há uma tendência a se fazer a

distribuição do peso fonético. Além disso, o futuro simples é favorecido em verbos com

menor número de sílabas, isso pode ocorrer porque ao se utilizar essa variante há o acréscimo

de uma sílaba, o morfema indicador de futuro (-re).

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162

Em relação à conjugação verbal, esperávamos observar a influência desse grupo de

fatores na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo, mas as duas rodadas referentes a

essa variante não foram selecionadas. Pudemos perceber que o futuro simples é predominante

em verbos de 1ª e 2ª conjugação, os mais frequentes da língua portuguesa.

Seguindo a proposta de Halliday (1994), pesquisamos o tipo semântico do verbo e

pudemos confirmar nossas hipóteses neste grupo de fatores, tendo em vista que os verbos

relacionais e existenciais inibem a forma perifrástica com ir .

Os resultados encontrados para a projeção de futuridade demonstraram que a variante

perifrástica é favorecida em contextos em que não é possível delimitar em que momento se

dará a ação, se em um futuro próximo ou distante. Isso pode indicar que essa forma está se

fixando na língua portuguesa para indicar tempo futuro, mesmo que esse não possa ser

definido.

Outro grupo de fatores que permite comprovar essa especialização da perífrase é a

marca de futuridade fora do verbo, já que essa variante é mais recorrente em ambientes

sintáticos em que não há componentes temporais, como advérbios, orações ou presença não

contígua de marca.

Após a análise dos resultados referentes à modalidade escrita, pudemos constatar que

no decorrer dos anos o jornal A Gazeta apresentou diferentes resultados, principalmente da

década de 1970 para 2008. O futuro simples foi a forma predominante nos três períodos

pesquisados, demonstrando que na escrita a forma padrão, recomendada pelas gramáticas

tradicionais, ainda é favorecida.

Entretanto, é possível que esse quadro esteja sofrendo uma mudança, já que em 2008

foi possível encontrar um número maior de ocorrências na forma perifrástica e em contextos

linguísticos diversos que sugerem que essa variante está se estendendo para indicar o tempo

futuro.

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163

Na próxima seção, faremos a análise dos resultados referentes à modalidade falada,

com o objetivo de verificar o uso da forma perifrástica, já que acreditamos que essa seja a

forma privilegiada, diferentemente dos resultados da modalidade escrita.

5.4 ANÁLISE DO PORTVIX

Ao todo, foram coletadas um mil e setenta e sete (1077) ocorrências de variantes

indicadoras de futuro, nas 22 entrevistas de informantes capixabas aqui analisadas. Observe a

distribuição das variantes a partir da tabela 37.

Tabela 37: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus PortVix

Futuro Ir no futuro Presente Ir no presente Total Amarei Irei amar Amo Vou amar Nº 04 - 206 867 1077

% 0.4% - 19.1% 80.5% 100%

A partir dessa tabela, podemos constatar uma preferência dos falantes capixabas pela

forma perifrástica (ir no presente + verbo no infinitivo) para indicar futuro, 80.5%. Esse

resultado é bastante interessante, pois nossa variável dependente deixa de ser eneária, com

quatro formas variantes, e passa a ser binária, tendo em vista que a expressão do futuro ocorre

essencialmente na forma perifrástica e no presente do indicativo.

Não há nenhum dado de ir no futuro + verbo no infinitivo. Além disso, há somente

quatro ocorrências no futuro simples, por isso não é possível considerá-las nas rodadas do

programa Goldvarb, apenas nos limitaremos a descrever algumas de suas características.

Abaixo, apresentamos essas ocorrências:

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164

178) normalmente ... é muito doloroso pro rim e pro::/ pro órgão mesmo entendeu? ... mas a pessoa na hora não sente muita coisa não ... é menos ... do que a::/ corte ... com corte ... mas é menos eficaz entre aspas do que o corte ... porque o corte você tem certeza que saiu porque você terá ... agora a laser você tem que torcer para que ela saia na urina ... e da mamãe não saiu ainda ... e tem já uma semana (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos)

179) Entrevistador: No hospital não tem como marcar ... né?

Informante: Marca e se/ se marcar ... mais outra demora ... aí não tem jeito... deixa aí até ... Deus dará e Deus tomar providência ... hum... é/ se correr atrás ... a gente cansa ... aí ch/ não dá certo não ... eu não tenho paciência ... pra ficar correndo atrás desse negócio ... eu/ a minha esposa n/ todo mundo sabe aí ... que se eu ... se eu/ se eu for parar no hospital ... só/ só muito ruim mesmo (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 26 a 49 anos)

180) é:: ... meu/ meu:: ... primo advogado irmão/ ele mesmo é advogado ... o::

marido dela ... aí ... ele assim “não! vo::u tomar providência porque outras pessoas poderão acontecer a mesma coisa” ... muito cheio de gambiarra né ... cheio de fio solto ... cheio de troço ... gente que viu na hora diz que foi uma coisa horrorosa ... já pensou você pegar um produto assim no:: num supermercado e pzz! ... cai no chão de choque (PortVix: Mulher, Ensino médio, 50 anos ou mais)

181) É:: Tem muita gente que tem hérnia de disco por depressão ... explora lá na

cozin/ lá na na na na coluna ... explora na coluna ... então ... meu caso foi traumático ... porque foi queda ... né? ... num foi depressão ... aí ele falou assim: ... “ela é o típico caso de uma pessoa que não é deprimida ... que não tem traço de depressão ... mas que ela poderá vir a sentir ... tê depressão daqui um tempo ... de tanta dor que ela sente. (PortVix: Mulher, Ensino médio, 26 a 49 anos)

É interessante notar que duas ocorrências foram em verbos modais (exemplos 170 e

181), o que para nós seria um ambiente inibidor dessa variante, por acreditarmos que o futuro

marca a modalidade e ao ocorrer em verbos modais teríamos um excesso de marca de

modalidade.

O exemplo 179 merece um destaque especial, uma vez que a informante utiliza uma

expressão popular bastante conhecida e é preciso colocar em dúvida se a intenção foi

realmente indicar uma ação futura. Além disso, no exemplo 178, o verbo que indica

futuridade parece estar em uma construção estranha, há um truncamento na frase.

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165

Destacamos o fato de não haver nenhuma ocorrência entre os informantes da menor

faixa etária – 07 a 14 anos. Isso pode sugerir que essa variante não é mais utilizada entre os

mais jovens.

Para melhor observar a distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus

PortVix, observe a distribuição dos dados no gráfico abaixo:

Gráfico 06: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no PortVix.

Com esse gráfico, podemos perceber claramente a preferência maciça da variante ir no

presente + verbo no infinitivo e as raras ocorrências no futuro simples.

Abaixo, apresentamos outro gráfico com o objetivo de compararmos os resultados

encontrados neste corpus aos encontrados na modalidade escrita, em três períodos distintos.

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166

Gráfico 07: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930, 1970, 2008 e PortVix.

Esse gráfico permite verificar de maneira bem nítida a diferença de comportamento

entre as variantes na expressão de futuro, nas modalidades escrita e oral. Na modalidade

escrita, há o forte predomínio do futuro simples, enquanto a variante ir no presente + verbo no

infinitivo apresenta poucos dados.

Por outro lado, ao analisar a modalidade oral, há uma inversão de comportamento, já

que quase não há dados de futuro simples e a forma privilegiada passa a ser a forma

perifrástica. Esse resultado sugere que a forma perifrástica assumiu o papel de indicar o futuro

na modalidade oral e pode ser que um dia ela ocupe também esse espaço na escrita, já que no

decorrer de 80 anos tem aumentado a sua frequência.

É interessante comparar nossos resultados na expressão de futuro aos obtidos por

Tesch (2007) ao estudar a variação no âmbito do irrealis, nesse mesmo corpus. Abaixo,

apontamos na primeira coluna os resultados referentes a esta pesquisa e na segunda os

encontrados na expressão do irrealis.

Quadro 03: Comparação entre as formas variantes para codificar o futuro e o irrealis, no corpus PortVix.

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167

Futuro Irrealis

Futuro simples 04 – 0.4% Futuro do pretérito 443 – 41%

Ir no futuro + infinitivo 0 Ir no futuro do pretérito 06 – 0.5%

Presente do indicativo 206 – 19.1% Pretérito imperfeito 402 – 37.2%

Ir no presente + infinitivo 867 – 80.5% Ir no pretérito imperfeito 229 – 21.2%

Total 1077 ocorrências Total 1080 ocorrências

Enquanto a perífrase com ir é a forma preferencial para a indicação de futuro (80.5%),

o futuro do pretérito mostra-se a forma mais usada no âmbito do irrealis (41%) e a forma

perifrástica não se mostrou tão produtiva.

Esse resultado é interessante, pois em Tesch (2007) havia a hipótese de que os valores

percentuais encontrados indicassem o maior grau de formalidade nas entrevistas analisadas,

principalmente por não se imaginar que a variante futuro do pretérito fosse a forma mais

recorrente.

Contudo, os valores percentuais encontrados para as formas indicadoras de futuro

sugerem que esse corpus não seja formal, como imaginávamos anteriormente, embora não

seja possível confirmar isso apenas com base no uso dos tempos verbais.

A partir desse momento, passaremos à analise dos grupos de fatores selecionados na

rodada para o PortVix. Tomamos como valor de aplicação, para a realização das rodadas pelo

programa Goldvarb X, a forma ir no presente + infinitivo, que foi mais recorrente.

A seguir são apontados os grupos de fatores selecionados pelo programa

computacional. Não nos preocupamos em descrever os resultados percentuais dos grupos de

fatores não selecionados como relevantes para esse fenômeno, somente os referentes aos

fatores sociais. A ordem de seleção foi: 1) Paralelismo; 2) Verbo modal; 3) Conjugação verbal

e 4) Extensão lexical.

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168

5.4.1 Paralelismo

Assim como em Tesch (2007, p. 74-76), com o estudo da variação entre as formas do

futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo no corpus PortVix, o grupo de fatores

paralelismo “obteve o primeiro lugar na seleção do programa Goldvarb”. A tabela 38 mostra

os resultados encontrados.

Tabela 38: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocorrência isolada 207/224 92.4% .70

Primeira ocorrência 202/223 90.6% .69

Ocorr. prec. de gatilho em ir no presente 18/20 90% .59

Ocorrência precedida de ir no presente 55/128 43% .44

Ocorr. prec. de gatilho no presente 01/02 50% .17

Ocorrência precedida de presente 384/476 80.7% .09

Os resultados encontrados evidenciam o desfavorecimento do uso da perífrase quando

precedido pelo presente do indicativo na forma sintética (.09). No entanto, o valor percentual

para esse fator foi alto (80.7%). Até o presente momento não chegamos a uma conclusão a

respeito desse resultado. Paredes Silva (1991, p. 25) afirma que não podemos analisar as

frequências pura e simplesmente, pois isso pode sugerir interpretações equivocadas, uma vez

que não leva em consideração as inter-relações entre os fatores analisados. Além disso,

Paredes (1991, p. 33) esclarece que o programa computacional oferece o peso combinado

desses fatores, definindo a tendência ao uso de uma ou outra variante. No caso em pauta, deve

ter havido alguma interferência que não conseguimos detectar. Além disso, há bastante

desequilíbrio na distribuição dos dados, o que também pode interferir na mudança de

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169

hierarquia dos pesos relativos. É o caso das formas precedidas de gatilho no presente do

indicativo (apenas duas), que também se mostraram inibidoras da forma perifrástica (.17)

O valor do peso relativo de ocorrência precedida da mesma forma - ir no presente +

inifinitivo - não foi tão elevado como esperado, apenas (.44). Esse fato, de certa maneira, vai

de encontro ao princípio do paralelismo, pois o esperado era que a forma precedida da mesma

forma seria a mais favorecida e ocorrência isolada e primeira de uma série apresentariam

comportamento neutro. No entanto, as ocorrências isoladas e primeiras de uma série são as

que mais favorecem o uso da forma perifrástica, (.70) e (.69), respectivamente. Esse resultado

é interessante, porque pode significar que quando não há uma forma anterior, o falante tende a

utilizar a perífrase, logo, seria a forma que primeiro lhe ocorre.

Em relação às formas em gatilho36, podemos perceber que o fato de ser precedida da

mesma variante favorece levemente o seu uso.

5.4.2 Verbo modal

Os resultados descritos na tabela abaixo comprovam a hipótese formulada para este

grupo de fatores.

Tabela 39: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Verbo não modal 797/922 86.4% .58

Verbo modal 70/151 46.4% .11

36 As ocorrências em gatilho seriam analisadas somente no corpus PortVix, já que o informante pode repetir a forma utilizada pelo entrevistador. Nesse corpus, distinguem-se dois tipos de ocorrências adjacentes: no discurso do próprio informante ou em relação ao discurso do entrevistador, sendo essa segunda possibilidade denominada gatilho (cf. Scherre, 1988: 392 e Charlotte Emmerich 1984). Nos corpora do jornal A Gazeta não são constatadas as formas de gatilho, tendo em vista que são típicas de gêneros semelhantes às entrevistas.

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170

É perceptível, a partir dos resultados, que os verbos modais funcionam como

inibidores das formas perifrásticas com ir . Assim, confirmamos que a perífrase já marca a

modalização, na expressão de futuro, conforme assinalou Givón (1995, p. 115). Portanto, o

uso dessa variante representaria um excesso de marcas modais.

Por outro lado, pode-se verificar que os verbos modais favorecem o presente do

indicativo.

5.4.3 Extensão lexical

Para este grupo de fatores temos o seguinte resultado:

Tabela 40: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL

na escolha de ir no presente no corpus PortVix

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

3 ou mais sílabas 194/208 93.3% .74

2 sílabas 491/569 86.3% .51

1 sílaba 182/296 61.5% .29

Conforme se pode constatar, os resultados atestam a hipótese proposta – quanto maior

o número de sílabas do verbo principal, maior a probabilidade de se utilizar uma forma

perifrástica com ir . Além disso, verbos com menos sílabas inibem a ocorrência das formas

perifrásticas.

Fica muito claro que quanto mais sílabas tiver o verbo no infinitivo, maior é a

possibilidade de ocorrer ir no presente + infinitivo: (.29) para verbos com 1 sílaba; (.51) para

verbos com 2 sílabas e (.74) para verbos com 3 ou mais sílabas.

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171

5.4.4 Conjugação verbal

Os resultados descritos abaixo atestam nossa hipótese, observe:

Tabela 41: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL

na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

1ª conjugação 468/515 90.9% .57

2ª conjugação 321/425 75.5% .54

3ª conjugação 78/133 58.6% .14

Conforme nossa hipótese, os dados comprovam que os verbos de 1ª e 2ª conjugações

são favorecedores da forma perifrástica (.57) e (.54), respectivamente. Os verbos 3ª

conjugação podem ser considerados formas inibidoras da perífrase com ir (.14).

Imaginávamos que os verbos de 2ª conjugação apresentassem peso relativo

intermediário entre os de 1ª e 3ª conjugações, porém não que esse valor fosse tão próximo aos

de 1ª conjugação.

Destacamos que o resultado descrito na tabela 41 muito se parece ao encontrado no

corpus A Gazeta 2008, 5.3.5.

5.4.5 Faixa etária

Essa variável não foi selecionada pelo programa computacional Goldvarb, assim como

os demais grupos de fatores sociais – escolaridade e faixa etária – embora seja relevante em

várias pesquisas sociolinguísticas. A variável idade é de extrema importância, uma vez que

pode servir como indício de certo fenômeno estar em processo de mudança ou ser apenas uma

variação estável.

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172

Os dados estão distribuídos em quatro faixas etárias: 07 a 14 anos; 15 a 25 anos, 26 a

49 anos e 50 anos em diante. A nossa hipótese é que haja um processo de mudança linguística

em relação à indicação de futuro e esta variável social pode ajudar a identificar esse processo,

a partir de uma análise em tempo aparente.

Vitória ainda não possui um banco de dados a que pudéssemos recorrer para comparar

a atuação das variantes em diversas épocas, como fizemos ao analisar a modalidade escrita,

realizando um estudo de mudança linguística em tempo real. Portanto, a investigação no

corpus PortVix para verificar se é um fenômeno em mudança linguística precisa ser feita em

tempo aparente, por meio do grupo de fatores ‘idade’.

Dessa forma, acreditamos que os jovens usem mais a forma inovadora e os mais

velhos devem preservar a forma antiga (futuro simples ou presente do indicativo), enquanto

os informantes de meia idade devem mostrar um comportamento mais neutro.

Os resultados abaixo descrevem o comportamento das variantes analisadas nas quatro

faixas etárias, ressaltando que há apenas os valores percentuais, sem os pesos relativos. Além

disso, não há valores percentuais muito discrepantes.

Observe:

Tabela 42: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha das variantes no corpus PortVix

Fatores Futuro simples Presente do

indicativo

Ir no presente +

infinitivo

07 a 14 anos -

-

18/143

12.6%

125/143

87.4%

15 a 25 anos 01/326

0.3%

56/326

17.2%

269/326

82.5%

26 a 49 anos 02/266

0.8%

49/266

18.4%

215/266

80.8%

50 anos em diante 01/342

0.3%

83/342

24.3%

258/342

75.4%

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173

Embora as diferenças percentuais sejam bastante sutis nas quatro faixas etárias

analisadas, percebe-se que os resultados condizem com nossa hipótese, uma vez que

informantes mais jovens utilizam com maior frequência a forma perifrástica e à medida que

aumenta a idade, diminui essa frequência, passando de 87.4% na faixa etária de 07 a 14 anos a

75.4% nos informantes com 50 anos ou mais. No entanto, vale salientar que essa diferença

percentual é muito pequena, a gradação é muito suave.

Por outro lado, ao analisar os valores percentuais do presente do indicativo, vê-se

comportamento contrário, pois a frequência de uso aumenta na mesma proporção que se eleva

a idade, mudando de 12.6% na faixa etária dos mais jovens a 24.3% para os mais velhos.

Em relação ao futuro simples, percebe-se que os informantes mais jovens não

utilizaram essa variante, o que sugere que realmente essa forma possa estar desaparecendo na

modalidade falada, dando lugar à perífrase com ir .

Para melhor visualizar que os índices comprovam nossa hipótese de mudança em

tempo aparente, em que os mais jovens preferem a forma inovadora enquanto os mais velhos

tendem a ser mais conservadores, elaboramos um gráfico que tenta ilustrar essas diferenças.

Gráfico 08: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nas quatro faixas etárias.

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174

Vale ressaltar que esses resultados não nos permitem afirmar que há um processo de

mudança linguística na expressão de futuro. Para comprovar tal fenômeno, o ideal é a

realização de uma análise em tempo real.

5.4.6 Escolaridade

A variável escolaridade é considerada relevante em diversos estudos no português. É

indispensável que se leve em conta o tempo que o falante passou na escola, uma vez que

exerce um papel de destaque no que diz respeito ao domínio da norma culta, prestigiada.

A hipótese levantada por nós é a de que as variantes em questão tenham um

comportamento diferenciado ao longo dos três níveis de escolaridade – Ensino fundamental,

Ensino médio e Universitário – sendo o futuro simples mais utilizado por falantes com maior

nível de escolaridade, o presente do indicativo por informantes com menos escolaridade e a

perífrase com ir um comportamento mais neutro.

No que diz respeito à expressão do futuro, as gramáticas normativas e os livros

didáticos dificilmente fazem referência à alternância futuro simples – presente do indicativo.

Além disso, o uso das perífrases verbais não é sequer citado ou comentado, ainda que sejam

construções recorrentes na língua falada.

As formas perifrásticas e o presente do indicativo, expressando futuro, embora não

sejam propriamente estigmatizadas pelos normativistas, geralmente, são evitadas em

contextos mais formais. Essas formas são aprendidas e difundidas entre os usuários da língua

a partir da interação espontânea, e não por meio das gramáticas tradicionais. Segundo Votre

(1994, p. 78),

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175

as formas não analisadas pela tradição gramatical e que, apesar disso, são dominadas pelos usuários da língua com alta taxa de regularidade, são componentes de uma gramática interna, resultante de pressões e regularidades do uso, que só o uso compartilhado permite dominar.

Ao analisar os resultados, pode-se perceber que os valores percentuais são muito

próximos. Esse fato revela que o fenômeno em estudo não é estigmatizado pela comunidade

de fala. Além disso, não pudemos comprovar nossa hipótese, mais especificamente na

diferença de comportamento entre os informantes do ensino médio e universitário.

Tabela 43: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha das variantes no corpus PortVix

Fatores Futuro simples Presente do

indicativo

Ir no presente +

infinitivo

Ensino fundamental 01/422

0.2%

94/422

22.3%

327/422

77.5%

Ensino médio 02/357

0.6%

56/357

15.7%

299/357

83.8%

Universitário 01/298

0.3%

56/298

18.8%

241/298

80.9%

Em relação ao futuro simples, as quatro ocorrências foram com informantes de

diferentes níveis de escolaridade, principalmente no ensino médio (dois dados).

Para analisar o comportamento das variantes presente do indicativo e ir no presente +

infinitivo, nos três níveis de escolaridade, observe a distribuição das ocorrências no gráfico

abaixo:

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176

Gráfico 09: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nos três níveis de escolaridade.

A primeira constatação é a semelhança de comportamento entre os três níveis de

escolaridade na escolha das duas variantes. Em relação ao uso da forma perifrástica, percebe-

se que é a forma predominante indiferentemente do tempo que o informante tenha passado na

escola. Além disso, é levemente favorecida entre os ensinos fundamental e médio. Contudo,

há um pequeno decréscimo entre os ensinos médio e universitário.

Comportamento inverso ocorre com a variante presente do indicativo, tendo em vista

que há uma diminuição de uso entre os ensino fundamental e médio e um pequeno aumento

entre o ensino médio e universitário.

Esses resultados parecem indicar que o fenômeno aqui investigado não sofre

influência da variável social escolaridade, quer dizer, o tempo que o informante passa na

escola não interfere na sua escolha entre as variantes disponíveis na língua. Embora as

gramáticas tradicionais apontem a variante futuro simples como a norma e não apresentem a

forma perifrástica como um possível uso. Além disso, o presente do indicativo algumas vezes

descrito como um possível substituto do futuro simples.

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177

Esses fatos sugerem que há uma implementação da forma inovadora, já que nem

sequer o nível de escolaridade influencia sua ocorrência.

5.4.7 Sexo/gênero

Labov (2001), no oitavo capítulo de Principles of linguistic change: social fators,

afirma haver dois princípios básicos relacionados ao paradoxo da variável sexo: 1) Numa

estratificação sociolinguística estável, os homens usam, com uma frequência maior, as formas

‘não-padrão’; 2) Na maioria dos fenômenos de mudança linguística são as mulheres que

inovam, usando formas ‘não-padrão’.

Assim, em processos de variação estável, as mulheres tendem a preferir as formas

‘padrão’ de maior prestígio, evitando as formas estigmatizadas. Por outro lado, em processos

de mudança linguística, as mulheres apresentam comportamento inovador, introduzindo as

variantes ‘não-padrão’. Entretanto, Labov (2001) comenta que é preciso também considerar a

variável gênero/ sexo em interação com outras categorias sociais.

Segundo Paiva (2004, p. 39), os possíveis fatores dessa influência devem-se em parte

ao fato de que as mulheres passam mais tempo diante da televisão e da atitude dos homens em

relação a esse meio de comunicação. “Os homens tendem a manifestar maior reserva com

relação à mídia do que as mulheres”.

Além disso, a escola é outro fator, já que as mulheres se mostram mais receptivas à

atuação normativa dessa instituição, mais predisposta à incorporação de modelos linguísticos.

Entretanto, Paiva (2004, p. 42) chama a atenção para a organização social de cada

comunidade e as transformações sofridas por diversas sociedades no que se refere à definição

dos papéis feminino e masculino. E acrescenta: “essas modificações (...) podem se refletir no

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178

uso linguístico, seja alterando os padrões de correlação estatística, seja anulando o efeito da

variável”.

Faremos referência a um estudo de Oliveira e Paiva (1996, p. 366-367) em que as

autoras, baseadas em dados do Rio de Janeiro, apresentam uma forte tendência das mulheres

usarem as formas linguísticas padronizadas, tanto em casos de variação estável como nos

casos de mudança, porém os resultados não permitem colocações conclusivas.

Em nove dos doze trabalhos que focalizaram variações consideradas estáveis, correlacionadas com a variável sexo, as mulheres prestigiaram a forma padrão. Este comportamento é bastante regular independente de se tratar de fenômeno fonológico ou morfossintático e do local em que o fato é estudado. Dentre 14 fenômenos considerados de mudança, sete apresentam o padrão geral da variável sexo associado à variação estável: as formas linguísticas padrão estão mais associadas às mulheres do que os homens (...) Em todas as mudanças que consistem na implementação de uma forma linguística não-padrão, as mulheres se manifestam conservadoras, preferindo a forma mais antiga. Nestes casos, a liderança do processo é atribuída aos homens. Observa-se o contrário, ou seja, que as mulheres podem ser inovadoras, quando a mudança é no sentido de uma forma prestigiada. Com relação aos fenômenos de variação estável, a tendência geral da variável sexo, constatada na revisão bibliográfica, confirma-se nesta nossa análise do português do Rio de Janeiro: as mulheres tendem a usar mais frequentemente as variantes padrão do que os homens. O comportamento linguístico dos homens pode, em alguns casos, equipara-se ao das mulheres, mas não chega, nos casos estudados, a suplantá-las no uso da variante padrão.

É preciso lembrar que entre as variáveis aqui pesquisadas não há nenhuma forma

estigmatizada socialmente, embora o uso de futuro simples pareça ter um status mais

prestigiado e as gramáticas admitirem o uso do presente do indicativo.

Tabela 44: Influência do grupo de fatores SEXO/GÊNERO na escolha das variantes no corpus PortVix

Fatores Futuro simples Presente do

indicativo

Ir no presente +

infinitivo

Homem 01/670

0.1%

123/670

18.4%

546/670

81.5%

Mulher 03/407

0.7%

83/407

20.4%

321/407

78.9%

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179

Os valores percentuais não se distinguem ao se comparar o comportamento de homens

e mulheres na escolha das variantes na expressão de futuro, a maior diferença não chega a

3%, nas formas de ir no presente. Pode-se afirmar que não há diferença entre o

comportamento de homens e mulheres na variação aqui estudada.

Essa semelhança entre os dois grupos sociais justifica a não seleção pelo programa

computacional. Dessa forma, pode-se considerar que o fenômeno em estudo não esteja mais

relacionado à avaliação social, já que parece se encontrar em estágio quase de completude.

5.4.8 Conclusões parciais

Após os resultados obtidos na análise do corpus PortVix, podemos apontar algumas

tendências em relação ao uso das formas em estudo.

A primeira delas se refere ao fato de o futuro simples praticamente não ser utilizado na

modalidade oral, não chegando a sequer 1% dos dados. Além disso, não encontramos

nenhuma ocorrência de ir no futuro + verbo no infinitivo. A partir dessas constatações,

podemos afirmar que na comunidade de fala capixaba o futuro simples praticamente

desapareceu, encaminhando-se para ser uma variante extinta nessa modalidade,

principalmente quando verificamos que os informantes mais jovens não fizeram uso dela.

Em relação à variação entre o presente do indicativo e a perífrase ir no presente +

verbo no infinitivo, verificamos que a forma perifrástica é a variante privilegiada,

independentemente, inclusive, dos fatores sociais, como faixa etária, nível de escolaridade e

sexo/gênero, o que pode ser um indício de seu “espraiamento” por todos os segmentos da

sociedade.

Em relação aos grupos de fatores linguísticos, podemos caracterizar alguns contextos

favorecedores para o uso da forma perifrástica, bem como contextos de restrição.

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180

Quanto ao paralelismo, os ambientes que mais favoreceram a forma perifrástica foram

ocorrência isolada e primeira de uma série, diferentemente do que havíamos imaginado – o

uso da mesma forma precedente. Esse resultado indica que a forma que primeiro ocorre ao

falante seja ir + verbo no infinitivo. Entretanto, as ocorrências precedidas de presente do

indicativo inibem a perífrase.

O verbo modal também inibe a forma inovadora, para evitar várias marcas de

modalidade, já que a perífrase com ir carrega em si certa noção modal. Por outro lado, essa

variante é favorecida em verbos não modais.

A respeito da extensão lexical do verbo, constatamos que quanto maior o número de

sílabas, maior a probabilidade de ocorrer a variante perifrástica, mostrando que o falante tende

a distribuir o peso fonológico do verbo.

A variante perifrástica também é favorecida em verbos de 1ª e 2ª conjugações, por

outro lado inibida em verbos de 3ª conjugação.

Os grupos de fatores sociais não foram selecionados pelo programa estatístico, por

isso tivemos de nos limitar a apresentar os valores percentuais. Nos três grupos de fatores

sociais – faixa etária, escolaridade e sexo/gênero -, as diferenças percentuais são mínimas, o

que nos indica que a variação na expressão de futuro não esteja mais relacionada à avaliação

social.

Tendo em vista os fatos mencionados, podemos afirmar que o futuro simples está

definitivamente perdendo seu espaço para a forma perifrástica - ir no presente + verbo no

infinitivo. No entanto, essa característica não é exclusiva da comunidade de fala capixaba, já

que outros trabalhos, aqui descritos na seção 2.2, apontaram comportamentos semelhantes.

Para melhor visualizar essas semelhanças, observe o gráfico abaixo que compara os

resultados obtidos nesta pesquisa com os de Oliveira (2006), analisando dados de fala de

Salvador e Rio de Janeiro, recolhidos nas décadas de 1970 e 1990; Gibbon (2000) ao analisar

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181

dados de fala de Florianópolis; Santos (2000) fala do Rio de Janeiro e Malvar e Poplack

(2008) com dados da oralidade em Brasília.

Gráfico 10: Comparação dos resultados de diversas pesquisas37.

A partir desse gráfico, podemos concluir que a preferência da forma inovadora não é

característica de uma comunidade de fala específica. Trata-se de um fenômeno da língua

portuguesa falada no Brasil, pois seu uso é predominante em diversas regiões do Brasil aqui

representadas – Sul, Sudeste e Nordeste. 37 Salvador DIDs 1970, Salvador DIDs 1990, Rio de Janeiro DIDs 1970 e Rio de Janeiro DIDs 1990 – Dados do corpus Nurc, analisados por Oliveira, cf. pág. 34 a 35;

Florianópolis – Dados do corpus Varsul, analisados por Gibbon, cf. pág. 30 a 32;

Rio de Janeiro – Dados da Amostra Gryner (1990), analisados por Santos, cf. pág. 32 a 33;

Brasília – Dados do corpus de língua falada de residentes urbanos da classe trabalhadora de Brasília, analisados por Malvar e Poplack, cf. pág. 35 a 36;

Vitória – Dados do corpus PortVix, analisados nesta tese.

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182

Além disso, estamos caminhando para uma variação binária, já que o futuro simples

parece estar desaparecendo, ficando somente o presente do indicativo para concorrer com a

forma perifrástica com ir.

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183

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese focalizou a variação entre as formas de expressão de futuro, mais

especificamente, entre o futuro simples, ir no futuro + verbo no infinitivo, presente do

indicativo e ir no presente + verbo no infinitivo, analisando o uso dessas variantes na

comunidade capixaba, tanto na modalidade escrita como falada. Neste estudo, confirmamos

muitas das hipóteses levantadas, descartamos outras e muitos questionamentos foram

suscitados acerca do tema.

Constatamos que, de modo geral, a forma predominante é distinta em cada

modalidade. Na escrita, houve um predomínio do futuro simples, nos três períodos analisados

– década de 1930, década de 1970 e em 2008 –, sobretudo nos dois primeiros. Na fala, a

variante privilegiada foi a forma inovadora – ir no presente + verbo no infinitivo. Observe a

tabela abaixo que retoma os resultados explicitados ao longo da análise.

Tabela 45: Síntese dos resultados dos corpora analisados.

Variantes

Corpora

Futuro

simples

Amarei

Ir no futuro

+ infinitivo

Irei amar

Presente do

indicativo

Amo

Ir no presente

+ infinitivo

Vou amar

Total

A Gazeta 1930 178

88.1%

02

1%

08

4%

14

6.9%

202

A Gazeta 1970 324

81.8%

03

0.8%

27

6.8%

42

10.6%

396

A Gazeta 2008 368

54.3%

16

2.4%

158

23.3%

136

20.1%

678

PortVix 04

0.4%

-

-

206

19.1%

867

80.5%

1077

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184

Conforme mencionamos anteriormente, o futuro simples é a forma mais recorrente na

modalidade escrita. No entanto, no decorrer de 80 anos, seu uso diminui, principalmente entre

a década de 1970 e 2008. Por outro lado, na fala atual, podemos considerar que o seu uso

praticamente desapareceu, tendo em vista que o valor percentual não representa sequer 1%

dos dados.

Uma das constatações a que podemos chegar a partir da comparação dos resultados

alcançados na análise da modalidade escrita, em diferentes períodos, e na modalidade oral é

que a variante ir no futuro + infinitivo é extremamente rara. Talvez esteja restrita a situações

de muita formalidade ou até hipercorreção. Seu uso em nenhum dos corpora atingiu valores

consideráveis.

Em relação ao presente do indicativo, seu uso aumenta no decorrer das décadas na

modalidade escrita, principalmente em 2008, momento em que essa forma passa a ser a

segunda variante mais utilizada, mas com valor percentual bem próximo ao da forma

perifrástica. Na modalidade oral, também é a segunda forma escolhida pelo falante,

representando a única em variação com a perífrase ir no presente.

A partir da tabela 45, é possível perceber que a diminuição do uso de futuro simples

ocorre ao mesmo tempo em que há o aumento do uso de ir no presente + infinitivo. Logo, os

resultados encontrados apontam que a perífrase com ir está ocupando o espaço deixado pelo

futuro simples e que essa substituição já ocorreu na comunidade de fala capixaba, mas não se

efetivou na modalidade escrita. A distribuição equilibrada do uso nos vários grupos sociais

(homens e mulheres, de todos os graus de escolaridade – cf. resultados do PortVix) atesta

isso.

As mudanças, na escrita, são mais paulatinas, principalmente em contextos mais

formais, como nos gêneros do domínio jornalístico. Esse fato pode justificar a preferência do

uso do presente do indicativo em detrimento da forma perifrástica, em 2008. O presente do

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indicativo, nas gramáticas tradicionais, como as revisitadas neste trabalho em 2.1, aparece

como um possível substituto para o futuro simples, enquanto a perífrase com ir não é sequer

mencionada.

Tivemos a seleção, por meio do programa Goldvarb, de um número considerável de

grupos de fatores que, segundo nossa investigação, estariam relacionados à escolha das

variantes.

A análise da atuação do princípio do paralelismo em nossos dados demonstrou em

parte o esperado, como na modalidade escrita; por outro lado, no PortVix, as ocorrências

isoladas e primeiras de uma série foram os ambientes mais favorecedores ao uso das formas

pesquisadas, e não as ocorrências precedidas da mesma forma.

Quanto à extensão lexical, confirmamos nossa hipótese, já que a perífrase ir no

presente + infinitivo é favorecida em verbos com maior número de sílabas, comprovando a

tendência de se fazer a distribuição do peso fonológico na língua portuguesa.

A presença de verbo modal mostrou ser um ambiente inibidor do futuro simples e da

forma perifrástica, o que evidencia que há uma preocupação em evitar um excesso de marca

de modalização, já que consideramos que essas duas variantes carregam em si esse traço.

Pudemos comprovar a implementação da forma perifrástica para indicar futuro a partir

da análise de dois grupos de fatores: marca de futuridade fora do verbo e projeção de

futuridade. Atualmente, a variante ir no presente + infinitivo apresenta mais aspectos

temporais, tendo em vista que seus ambientes favorecedores são aqueles em que não há marca

de futuridade fora do verbo e em projeção de futuro indefinido, ou seja, quando não se sabe se

esse futuro será próximo ou distante.

Além disso, o tipo semântico do verbo mostrou influenciar na escolha das variantes,

uma vez que a perífrase é desfavorecida em verbos relacionais e existenciais, ambiente em

que o sujeito não exerce papel de agente ou experienciador.

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É importante destacar que os resultados encontrados nesta pesquisa condizem com os

encontrados em diversas pesquisas, como demonstrado no gráfico 10. Este trabalho se insere

em um conjunto de pesquisas sobre as mudanças que vêm ocorrendo no sistema verbal do

português.

Em relação ao processo de gramaticalização de ir + verbo no infinitivo, pôde-se

confirmar que essa perífrase está se especializando para expressar tempo, principalmente na

fala.

Assim, concluímos que o tempo futuro merece as pesquisas já realizadas, as em

desenvolvimento (como este trabalho) e futuras investigações, para se tornar possível traçar o

seu rumo. Muitos aspectos ainda precisam ser investigados, por exemplo, analisar outros

gêneros textuais, na modalidade escrita, em outros domínios que não o jornalístico, para

verificar se o futuro simples ainda se mantém como a variante predominante; ou ainda

investigar as variantes de futuro combinadas com o gerúndio, que parecem estar em ascensão

no português brasileiro atual.

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