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A EXPANSÃO DO PODER DOS ESTADOS UNIDOS ATRAVÉS DO
SETOR ESPACIAL: DA ADMINISTRAÇÃO EINSENHOWER À
OBAMA (1958-2016)
Caroline Rocha Travassos Colbert1
RESUMO
Este artigo pretende apresentar quais são os benefícios que os estados esperam alcançar através das despesas
com as atividades espaciais em uma era de interdependência econômica e globalização. Esta pesquisa em
andamento pretende responder sobre qual é o objetivo dos Estados Unidos com a exploração espacial? Pretende-
se pergunta observando as peculiaridades de cada administração concluída desde que Einsenhower fundou a
National Aeronautics and Space Administration (NASA) em 1958 até 2016 no governo Obama. Buscando
analisar o setor espacial a partir de cinco pontos: prestígio norte-americano, concorrência com a URSS,
liderança, cooperação internacional e a nova era espacial. O artigo terá como centro de análise a política dos
Estados Unidos e sua relação com as maiores potências do setor espacial, isto é, a União Soviética, durante a
Guerra Fria, e China e Rússia nos dias atuais. A metodologia para análise será a de ampla leitura dos discursos
dos presidentes norte-americanos e suas relações com a política espacial empregada por cada um deles, além do
levantamento bibliográfico a respeito do tema. Conclui-se que os interesses nacionais ditaram a direção norte-
americana na exploração espacial, isso significou que, à medida que o país muda de postura no cenário global,
também o faz nos empreendimentos espaciais.
Palavras-chave: Estados Unidos. Geopolítica. Política Espacial. NASA. Política Externa norte-americana.
ABSTRACT
This article aims to introduce the benefits that states hope to achieve through spending on space activities in an
era of economic interdependence and globalization. This ongoing research aims to answer the question of what
is the US goal of space exploration? A question means to note the peculiarities of each administration completed
since Einsenhower founded the National Aeronautics and Space Administration (NASA) in 1958 until 2016 in
the Obama administration. Seeking to analyze the space sector from five points: U.S prestige, competition with
the USSR, leadership, international cooperation and the new space age. The article has a core of analysis the
politics of the United States and its relation with the major powers of the space sector, in other words, the Soviet
Union during the Cold War, and China and Russia nowadays. The methodology for analysis is the broad reading
of the speeches of the US presidents and their relations with the space policy implemented by each of them, in
addition to the bibliographical survey about this subject. It is concluded that national interests dictated the
American direction in space exploration, this meant that, as the country is at the core of the point where it is
politically in the global scenario, it also does so in space projects.
Keywords: United States. Geopolitics. Space Policy. NASA. U.S. Foreign Policy.
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e Pesquisadora do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval. Contato:
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INTRODUÇÃO
Embora o início do programa espacial norte-americano tenha sido influenciado pelo
desenvolvimento das tecnologias espaciais da União Soviética, ele não foi criado para servir
como um símbolo de orgulho nacional ou competição internacional. Sob a administração de
Eisenhower, a exploração espacial dos EUA foi projetada para representar as conquistas
científicas americanas, e não para perpetuar os objetivos políticos (SPIRES,1998). Apesar de
a visão de Eisenhower para a exploração espacial americana vislumbrasse o espaço para fins
científicos na qual as nações poderiam avançar pacificamente em vez de competirem pelo seu
domínio, essa visão seria deixada de lado à medida que a relação entre espaço e nacionalismo
se tornasse mais forte nos governos seguintes (Idem,1998). Em seu clássico discurso de 1962,
We choose to go to the Moon, Kennedy conclamou o espírito pioneiro americano, estendendo
uma visão de sucesso e prestígio para os EUA na nova fronteira do espaço. A conquista do
espaço se tornaria intrinsecamente ligada ao que significava ser americano, e com seu
discurso de mobilização, Kennedy solidificou o vínculo entre o prestígio e a dominância dos
EUA na exploração espacial2, estabelecendo o tom prevalecente da Guerra Fria e dos grandes
empreendimentos espaciais norte-americanos em contraposição aos soviéticos. A bipolaridade
presente durante a Guerra Fria, entre os EUA e a União Soviética, foi tão marcante que o
espaço, o próximo passo para a exploração humana, rapidamente se tornou um meio para a
competição.
O sucesso das missões Apollo deixou os Estados Unidos como o triunfante da corrida
espacial, mas em vez de servir para encorajar o programa espacial norte-americano a
continuar realizando realizações grandiosas no espaço, Apollo e os voluptuosos investimentos
da era Kennedy tornaram-se uma referência para sustentar como uma comparação com a
vicissitude da era moderna. Os Estados Unidos entraram no próximo estágio da exploração
espacial americana, na qual a NASA se estende para alcançar realizações semelhantes aos
desembarques lunares, mas com um orçamento inadequado e um interesse público cada vez
menor. No pós-guerra Fria, os Estados Unidos lutam para firmar sua identidade como uma
nação espacial, hesitando entre renunciar ao seu status de líder proeminente, mas também não
está disposto a se comprometer com o espaço no mesmo nível do período de Apolo
2 Discurso de 12 de Setembro de 1962, KENNEDY, John F. Moon speech, Rice Stadium. NASA Transcript.
Disponível em: https://er.jsc.nasa.gov/seh/ricetalk.htm
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(KISIELEWSKI,2000). A nova era de exploração espacial que surgiu no período pós-Guerra
Fria também influencia a tomada de decisão dos Estados Unidos. Tendo em vista estas
premissas, a pergunta que guiará este artigo será: o que os Estados Unidos pretendem obter da
exploração espacial?
Esta pesquisa em andamento pretende responder a esta pergunta observando as
peculiaridades de cada administração concluída desde que Einsenhower fundou a National
Aeronautics and Space Administration (NASA) em 1958 até 2016 no governo Obama.
Buscando analisar o setor espacial como forma de concorrer com a União Soviética, para
obter prestigio mundial, como forma de cooperação e também refletir sobre esta nova era
internacionalmente, sobre as novas potências espaciais emergentes e a falta de interesse
público em seguir com um programa espacial forte e dominante. A metodologia utilizada será
a análise de fontes primárias como dados da NASA, Departamento de Defesa dos Estados
Unidos (DoD), relatórios sobre programas espaciais da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e fontes históricas secundárias para guiar as reflexões
pertinentes a cada período analisado para ponderar questões sobre a expansão do poder dos
Estados Unidos através do setor espacial.
Cada novo presidente dos EUA define seus próprios objetivos de exploração espacial,
e há variações e, em alguns casos, mensagens conflitantes. Algumas administrações podem
desejar aumentar o prestígio e a liderança americanos na exploração espacial, enquanto outros
buscam alcançar outras nações que também exploram o espaço e desenvolvem laços
colaborativos. A análise desses temas revela como a exploração espacial é uma arena onde
muitos ideais e valores diferentes, às vezes mutuamente exclusivos, interagem e conflitam
entre si. Entender o desenvolvimento desses temas é importante para compreender o
desenvolvimento do símbolo da exploração espacial nos Estados Unidos como um todo.
Neste artigo o termo poder será diretamente relacionado às quatro estruturas de poder
de Susan Strange no livro States and Markets (1988), teoria basilar para compreender a
Economia Política Internacional. Estas quatro estruturas fazem parte do pilar em que os atores
mais poderosos do sistema internacional exercem sua influência no mundo: através da
proteção, produção, finanças e conhecimento. Power is the ability to provide protection, make
things, obtain access to credit, and develop and control authoritative models of interpreting
the world (STRANGE,1988, p.23). Os dois primeiros termos serão trabalhados neste artigo
em que o primeiro aspecto, a habilidade de prover proteção e segurança é o centro de análise
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das relações internacionais e é definido através dos meios militares, ou seja, através do poder
militar. Produção também tem sido importante para as relações internacionais mais
tradicionais, como os realistas, porque se preocupa com a economia e a base industrial para o
poder militar. Os Estados Unidos continuarão exercendo sua dominância sobre outros países
principalmente em termos militares, com grandes investimentos na tecnologia militar, logo o
setor espacial não será deixado para trás. Para compreender as ações atuais da administração
Trump sobre a Força Espacial, é interessante entender seus predecessores e suas estratégias
para o espaço.
1. A importância do investimento governamental no setor espacial: breves
considerações.
Pensar na economia espacial é refletir sobre a abrangência de diversos tipos de
atividades e recursos que criam benefícios e receita para a humanidade no que tange a
exploração, pesquisa, compreensão, gerenciamento e uso do espaço. Segundo o Fórum
Espacial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2011) a
economia espacial compreende as principais atividades da indústria espacial na produção de
bens manufaturados em um ambiente fora da atmosfera planetária, operações de satélites e
outras atividades de consumo que foram derivadas das pesquisas governamentais de P&D.
Incluindo todos os setores públicos e privados envolvidos no desenvolvimento, fornecimento
e uso de produtos e serviços derivados do espaço e o conhecimento científico resultante da
pesquisa espacial.
O setor espacial possui características diferenciadas dos outros setores, como o uso de
tecnologias de ponta e projetos de longo prazo, tanto para o desenvolvimento de todo o
empreendimento quanto para o retorno dos investimentos. É um setor chefiado pelo governo,
uma vez que o acesso ao espaço é extremamente custoso, que envolvem riscos técnicos e a
viabilidade dos serviços espaciais requer usuários que estejam dispostos a desembolsar grande
um grande volume de capital (HARDING,2013). A ligação direta do espaço com a defesa e
segurança estão profundamente associadas desde o início da Era Espacial, já que durante a
Guerra Fria as atividades espaciais também eram uma ferramenta de confronto político e
militar entre os Estados Unidos e a União Soviética. Atualmente apesar da crescente
importância do setor espacial comercial, o uso do espaço para fins militares permanece
predominante devido às tecnologias espaciais de uso dual (para uso civil e militar) como
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satélites meteorológicos, sensoriamento remoto e sistema de posicionamento global, tanto
para serviços de inteligência como para usos civis do dia-a-dia (WATTS,2001).
Os principais clientes de produtos e serviços relacionados ao espaço ainda é o
governo, investindo em uma ampla gama de atividades devido ao valor do espaço para
objetivos estratégicos, econômicos e prestígio nacional. O investimento público constitui a
principal fonte de financiamento para o desenvolvimento tecnológico relacionado aos grandes
projetos espaciais, suportando as despesas de pesquisa e desenvolvimento em toda a cadeia de
valor.
Figura 1: Exemplos de motivações para o desenvolvimento de programas espaciais e possíveis
desenvolvimentos ao longo do tempo
Fonte: OCDE (2011)
Os investimentos em programas espaciais são frequentemente justificados pelas
capacidades científicas, tecnológicas, industriais e de segurança que eles trazem. Mas também
desempenham um papel cada vez maior no funcionamento das sociedades modernas, sua
ordem estratégica e seu desenvolvimento econômico graças ao uso da tecnologia de satélite
em diversas ações como navegação, comunicações, meteorologia e observação da Terra. As
tecnologias espaciais também afetam o planejamento agrícola, gestão de desastres, e
monitoramento, transporte e planejamento urbano. Seus múltiplos campos de aplicação
tornam o espaço um motor de crescimento econômico.
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Apesar da crise econômica norte-americana, o orçamento do espaço institucional
enfrentou menos redução do que outros setores produtivos. Os benefícios proporcionados pelo
uso de ativos espaciais variam desde aspectos qualitativos, como vantagens estratégicas e
melhoria na tomada de decisões com também processos baseados em imagens de satélite, para
monetariamente quantificáveis, como a eficiência de custos e maior segurança derivada do
uso de ferramentas de navegação por satélite para aplicações terrestres, marítimas e de
aviação (WATTS,2001).
1.2. O programa espacial norte-americano e seus retóricas (1958-2018)
A narrativa da exploração espacial começa com uma forte presença da concorrência
com a União Soviética nas administrações de Eisenhower à Nixon. O impacto psicológico do
lançamento do Sputnik-1 pela União Soviética é evidente na era Eisenhower, e apesar do
presidente Eisenhower rejeitar os sucessos do Sputnik como algo significativo, a competição
com a União Soviética dominou os primeiros esforços americanos na exploração espacial
(EZELL,1978). Bem antes do lançamento do primeiro satélite espacial, o Conselho de
Segurança Nacional trouxe as recentes atividades soviéticas ao desenvolvimento da
tecnologia espacial e explicou que as futuras explorações no espaço seriam uma corrida contra
a União Soviética que os Estados Unidos não poderiam perder (MUIR-HARMONY,2017).
Depois de Eisenhower, o governo Kennedy abraçou totalmente a Corrida Espacial e partiu
especificamente para igualar ou exceder o programa espacial dos soviéticos (SPIRES, 1998).
Entretanto o discurso sobre a competição com a URSS diminui ao longo do tempo, até
desaparecer após a administração Reagan. Isso significa a mudança na retórica da exploração
espacial da competição para a colaboração, à medida que o mundo passa da Guerra Fria para a
era pós-Guerra Fria. A partir daí se supõe que a competição não é mais o tema
predominantemente dominante na exploração espacial e que outros temas surgiram para
tornar o campo da exploração espacial em geral mais complicado.
O discurso sobre o prestígio norte-americano da exploração espacial demonstra
diretamente como o espaço serve a um propósito metafórico nos Estados Unidos. Os sucessos
da exploração espacial são frequentemente usados como um símbolo da força dos ideais e
valores americanos, logo esses sucessos trazem prestígio aos EUA. Durante a era Eisenhower,
os Estados Unidos estavam reagindo predominantemente aos recentes avanços da tecnologia
espacial na União Soviética - especificamente o lançamento do Sputnik-1 (HARVEY;
CICCORITTI, 1975). Embora o próprio Eisenhower dedicasse pouca atenção a esse evento,
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sua administração estava bem ciente dos benefícios psicológicos de ser o primeiro país a
lançar um satélite e relacionou isso de volta à necessidade de os EUA melhorarem sua própria
imagem internacional com sucessos no espaço (SPIRES,1998). Antes do lançamento do
Sputnik-1, enquanto os Estados Unidos e a União Soviética se preparavam para lançar
satélites durante o Ano Geofísico Internacional de 1957 a 1958, ambos entenderam que a
primeira nação a lançar alcançaria grandes benefícios psicológicos e de prestígio
(KENNEDY,2005). Depois que a União Soviética alcançou esses objetivos, o Conselho de
Segurança Nacional reconheceu que a União Soviética havia superado os Estados Unidos em
termos de prestígio e aconselhou que os Estados Unidos trabalhassem para melhorar sua
própria imagem como uma nação de sucesso no setor espacial (Idem,2005).
George H. W. Bush reconheceu em seu discurso de 20 anos do pouso na lua do Apollo
11, de que a exploração espacial servia como um símbolo do prestígio americano e estava
orgulhoso do programa de exploração espacial da América3. A manutenção do prestígio norte-
americano no espaço revelou-se um objetivo importante durante o governo de seu filho,
George H. Bush. Portanto o prestígio americano continua a ser um tema importante em toda a
história da exploração espacial dos EUA e desempenha um papel importante na tomada de
decisão em seus objetivos para seu programa espacial.
A colaboração internacional esteve continuamente presente na política espacial dos
EUA, mesmo nos primeiros dias de competição com a União Soviética. Também dominou a
retórica durante as administrações da era da Guerra Fria de Nixon e Reagan. A retórica
anterior da colaboração internacional era geralmente limitada a pedidos de cooperação com
países alinhados aos Estados Unidos. No entanto, houve negociações ocasionais com a União
Soviética para a troca de alguns dados técnicos (HARVEY; CICCORITTI, 1975) no governo
Kennedy. Sob Nixon e Reagan, a cooperação internacional torna-se o tema chave na retórica
da exploração espacial. À medida que a Guerra Fria atinge o seu apogeu, os Estados Unidos
procuraram os seus aliados para manter o ímpeto contra a União Soviética nas empreitadas
espaciais. O próprio Nixon declarou que acreditava no sucesso da cooperação com os aliados
na exploração espacial:
3 BUSH, George. Remarks on the 20th anniversary of the apollo 11 moon landing. George Bush Presidential
Library. College Station, TX, v. 20, 1989. Discurso completo em:
http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=17321
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Devemos incentivar uma maior cooperação internacional no espaço. Em meu
discurso às Nações Unidas em setembro passado, indiquei que os Estados Unidos
tomarão medidas positivas e concretas "para internacionalizar a aventura épica do
homem no espaço - uma aventura que não pertence a uma nação, mas a toda a
humanidade. Acredito que as missões espaciais devem ser compartilhadas por todos
os povos, nosso progresso será mais rápido e nossas realizações serão maiores se as
nações se unirem neste esforço, tanto contribuindo com os recursos quanto
aproveitando os benefícios. As nações já fazem uso de nossa capacidade de
lançamento espacial em uma base de custo compartilhado, estamos ansiosos para o
dia em que estes acordos podem ser estendidos para satélites de aplicações maiores e
tripulações de astronautas. O administrador da NASA recentemente se reuniu com
as autoridades espaciais da Europa Ocidental, Canadá, Japão e Austrália, em um
esforço para encontrar maneiras em que podemos cooperar de forma mais eficaz no
espaço. 4
O objetivo norte-americano mais importante durante este período da história foi, sem
dúvida, obter vantagem sobre a União Soviética. No entanto, uma vez que a União Soviética
se dissolveu e começou a parecer menos como um adversário e mais como um possível
parceiro, a Rússia foi incluída nesta lista de possíveis parcerias para empreendimentos de
exploração espacial como a Estação Espacial Internacional. A colaboração mantém a sua
importância ao longo do tempo, à medida que a globalização e o crescente número de nações
exploradoras do espaço exigem maior cooperação internacional. Além disso, devido às
múltiplas interpretações do que significa colaborar internacionalmente, este tema é constante
em todas as administrações. Este tema também domina o discurso por amplamente durante os
governos Clinton e George W. Bush5, onde a construção e montagem da Estação Espacial
Internacional é primordial. Na era pós-Guerra Fria, a ênfase mudou de projetos que os
Estados Unidos poderiam embarcar nesta empreitada sozinhos e mudaram em direção a
esforços mais colaborativos.
A liderança norte-americana no espaço também está consistentemente presente no
discurso da exploração espacial dos EUA. No governo Kennedy, ele classifica uniformemente
a competição como o tema dominante, demonstrando que os EUA não apenas viam a
exploração do espaço como uma luta com a União Soviética, mas que também havia o
objetivo de se tornarem os líderes. Este tema é relevante durante o resto da Guerra Fria e
atinge um pico durante a administração Reagan. No entanto, em vez de diminuir à medida que
4 NIXON, Richard. Statement about the future of the United States space program. The American Presidency
Project, p. 1-4, 1970.Discurso disponível em: http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=2903.
5 BUSH, George W. President Bush Announces New Vision for Space Exploration Program. Washington, DC,
USA: The White House, 2004. & CLINTON, Bill; GORE, Albert. Putting people first: How we can all change
America. Three Rivers Press, 1992.
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aumenta o número de nações do espaço, e temas como a colaboração internacional se tornam
mais importantes, a liderança dos EUA segue mantendo seu protagonismo.
O pico deste tema durante as administrações de Reagan e George H. W. Bush devem-
se ao fato de que os Estados Unidos estavam desfrutando de seu papel de liderança
estabelecido na exploração espacial e procuraram manter esse papel e exercer domínio sobre a
União Soviética. O Conselho Nacional do Espaço sob o governo George H. W. Bush
defendeu que o “objetivo fundamental” dos esforços americanos na exploração espacial é a
liderança (MUIR-HARMONY,2017). A questão sobre a liderança diminui um pouco durante
os governos Clinton e George W. Bush, mas ressurge durante o governo Obama. Isso ressalta
que, embora os Estados Unidos defendam a cooperação internacional no espaço, ainda busca
serem lideres na exploração e comercialização do espaço.
A nova era da exploração espacial aparece como um tema importante durante a
administração Reagan, no final da Guerra Fria, quando a Comissão Nacional do Espaço
explicou que o poder no espaço estava proliferando rapidamente à medida que mais e mais
nações realizavam avanços significativos na exploração espacial com suas próprias
capacidades (HARDING,2013) - este tema se destaca na retórica do governo Obama. A
crescente importância da indústria privada na exploração espacial aumenta a complexidade da
questão espacial. A globalização não só complica o campo de estudos como a inclusão de
mais atores espaciais, mas também interesses concorrentes no lado industrial. Sob o governo
Obama, o presidente reconheceu a natureza multipolar da exploração espacial moderna, bem
como o papel significativo da indústria privada neste campo. A narrativa da exploração
espacial evoluiu significativamente nestes 60 anos desde que a NASA foi criada, uma vez que
os desafios tanto como as empresas privadas e os novos atores como China e Índia que
adquiriram capacidades de ter programas espaciais bastante desenvolvidos.
1.3. Afinal, o que os Estados Unidos esperam da exploração espacial?
Ao examinar os padrões que emergem dos cinco temas da análise de conteúdo, é
importante considerar como esses temas interagem uns com os outros. Entender essa relação
nos permite desenvolver um quadro maior da evolução da exploração espacial como um todo,
com essas diferentes partes representam mudanças nos interesses e objetivos dos EUA ao
longo do tempo. A competição torna-se menos presente na retórica da exploração espacial dos
EUA à medida que outros temas, como a cooperação internacional, a liderança norte-
americana, e a nova era de exploração se tornam mais predominantes. É plausível que a
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dissolução da União Soviética e o interesse americano em fazer parceria com a nova Rússia
contribuíram para essa mudança nas metas norte-americanas de exploração espacial e,
posteriormente, essa interação entre a competição e outros temas poderia ser o resultado da
exploração se tornando mais complexa e diversificada.
Outro tema que retrocede ao longo do tempo é o prestígio, que é uma ferramenta
importante usada por líderes anteriores para obter o apoio do público dos EUA, promovendo
“valores americanos” através da exploração espacial. Embora os Estados Unidos desejem
permanecer como líderes em exploração espacial, com o passar do tempo o prestígio como
tema cai no esquecimento em favor da cooperação internacional. A retórica muda de
simplesmente em ostentar a imagem nacionalista buscando engajamento do povo norte-
americano para o país que ajuda os outros a desenvolver suas próprias capacidades espaciais.
Essa transição também está relacionada ao tema da nova era de exploração.
À medida que muitas outras partes interessadas entram na arena da exploração
espacial, os Estados Unidos decidiram não enfatizar o nacionalismo em favor da melhoria das
relações internacionais e da promoção de qualidades de liderança. Quando a competição e o
prestígio desaparecem como temas de exploração do espaço, a colaboração internacional e a
nova era emergem, pode-se esperar que as referências à liderança americana também
diminuam. Se a liderança é vista como tendo um papel de comando, logicamente estaria em
conflito tematicamente com colaboração. A relação entre temas de liderança e colaboração é
discutida mais adiante nesta seção. Curiosamente, sob o governo Obama, o tema da liderança
subiu novamente6. Isso pode refletir uma administração tentando navegar em uma arena cada
vez mais complexa de exploração espacial ou pode ser indicativa dos valores e objetivos de
Obama para seu legado. Seja qual for a causa, os documentos analisados sobre a Política
Espacial Nacional de Obama mencionam a liderança como meta seis vezes, comunicando a
intenção de manter o domínio americano no campo da exploração espacial no futuro. A
análise e interações entre os temas apontam para duas ressalvas sobre a política espacial
americana através do governo Obama. A primeira é que existe uma desconexão entre os
objetivos políticos declarados nos esforços de exploração espacial norte-americanos e a
implementação dessas metas, em que os Estados Unidos comunicam mensagens
6OBAMA, Barack. Remarks by the President on Space Exploration in the 21st Century. John F. Kennedy Space
Center, April, v. 15, 2010.
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contraditórias sobre sua intenção de ser o líder dominante no campo da exploração espacial e
ao mesmo tempo busca parecer comprometido com a cooperação internacional.
Após os sucessos da era Apollo, os Estados Unidos tiveram dificuldade em definir
claramente seus objetivos na exploração espacial. Como a política espacial tornou-se menos
prioritária em relação a outros interesses nacionais, o compromisso e o acompanhamento dos
objetivos declarados da política muitas vezes não são tão consistentes. Enquanto no passado o
espaço era mais uma prioridade nacional, esse não é o caso hoje. Além disso, as questões com
financiamento não são incomuns, e há menos impulso por trás das iniciativas americanas de
exploração espacial em comparação com os anos 60 (MUIR-HARMONY,2017). Por causa
disso, os Estados Unidos precisam fazer algumas escolhas sobre como manter seus interesses
no campo da exploração espacial, a fim de reconciliar declarações políticas ambiciosas e a
realidade das capacidades da NASA.
Figura 2: Orçamento espacial estimado dos países do G20 em 2011 (em milhões de dólares)
Fonte: OCDE (2011)
Apesar das críticas sobre os baixos investimentos dos Estados Unidos no setor
espacial, nota-se através deste gráfico que o investimento norte-americano é o maior do que o
orçamento conjunto da União Europeia, China e Japão.
A liderança norte-americana assumiu muitos significados ao longo do tempo. No
passado, os Estados Unidos defendiam a liderança no espaço em prol da promoção de
objetivos políticos e do prestígio americano. Agora, como esses objetivos específicos não são
mais relevantes, a NASA argumenta que "liderará a cooperação". No entanto, esse sentimento
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é um tanto quanto paradoxal. Se os EUA podem ou não participar com sucesso da cooperação
internacional no espaço e ainda agir como um líder no campo é inteiramente dependente de
sua definição de liderança. Se a liderança significa que os Estados Unidos devem dominar a o
sistema internacional e manter a dianteira nos acordos internacionais, o país não encontrará os
verdadeiros benefícios para a cooperação e, como resultado, as relações com outras nações do
espaço sofrerão seus efeitos. Mas se os EUA puderem, ao contrário, achar que a liderança
significará algo mais como um país que atua como um “participante líder”, em vez de o país
dominante, pode descobrir que outras nações estão mais dispostas a participar. De fato, os
EUA não podem ignorar as realidades do campo de exploração espacial, que está se tornando
cada vez mais internacionalizado. Para afastar possíveis parcerias em favor do egoísmo seria
um grande prejuízo não só para a própria NASA, mas também para o progresso mundial no
espaço. É importante encontrar esse equilíbrio entre líder e participante. Também é
importante permanecer aberto a outras perspectivas e permitir que outras nações sigam o
caminho do crescimento neste importante setor. Os EUA devem reexaminar sua intenção de
desempenhar um papel de liderança dominante na exploração espacial e considerar enfatizar
um compromisso de participação no espaço como cooperador internacional.
1.4. O que esperar da nova Era Espacial?
A nova era da exploração espacial é aquela em que há muitos atores internacionais, e
nos quais a indústria privada tem uma posição cada vez mais forte (HARDING,2013). O
papel relativo de liderança dos Estados Unidos, a participação e o papel de outros países com
interesses em ingressar na arena espacial, somado a privatização das atividades espaciais
afetarão o tipo de ciência espacial que os EUA realizarão e em quais aspectos específicos
farão concessões. No entanto, é claro que, para estar na vanguarda da exploração espacial, os
Estados Unidos precisam cooperar com outras nações proeminentes do setor espacial e
também reduzir as barreiras à participação na indústria espacial. Uma área em que a retórica
da Guerra Fria ainda domina está na relação dos EUA com a China no espaço. Nesta nova era,
a China é frequentemente apresentada como a sucessora do papel dos Estados Unidos e como
oponente da América em uma corrida espacial. Examinar o contexto histórico da inclusão da
Rússia na Estação Espacial Internacional pode ajudar a demonstrar como os Estados Unidos
poderiam possivelmente estender um convite à China. Isso também pode ajudar a avaliar se os
EUA cumprem ou não com seus objetivos declarados de cooperação internacional. Ao
comparar a situação com a China à situação passada da União Soviética pode ser útil para
entender como os interesses nacionais mudaram com o tempo, torna-se claro que as
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concessões precisarão ser feitas em parte dos Estados Unidos para que realmente avancem
nesta era da globalização. A competição e a rivalidade no espaço representam uma barreira à
cooperação internacional e ao progresso no espaço. Com o estado da atual interdependência
econômica e um mundo globalizado, a China não pode ser pensada em uma mentalidade
simplista da Guerra Fria, muito menos enxergar seus objetivos através de lentes
ocidentalizadas, sem observar primeiramente sua filosofia e história que guiam um país tão
singular.
1.5. E a Força Espacial? 7 8
A preocupação dos Estados Unidos em relação à segurança de seus satélites levou
Senado a iniciar em agosto de 2017, uma proposta de criação de uma legislação que orientaria
o Departamento de Defesa a construir um novo “Corpo Espacial” dentro da Força Aérea.
Mesmo rejeitada pelo congresso norte-americano logo em novembro, este projeto despertou
entre os republicanos um senso de necessidade de investimento no setor militar espacial.
Os defensores de um Space Corps afirmavam que o Pentágono seria o culpado por não
ter priorizado a segurança espacial nos últimos anos, e essa desatenção teria dado aos russos e
chineses oportunidades de alcançar a superioridade militar norte-americana. Um dos
principais opositores a esta proposta foi o próprio Exército, que argumentou que o Congresso
deveria apoiar o envio de mais recursos para a Força Aérea ao invés de força-los a iniciar um
Corpo Espacial, o que geraria mais burocracia em tempos de guerra (BERMAN, 2017).
As mudanças que emergiram deste acordo entre o Senado e o Congresso habilitariam
o Comando Espacial da Força Área como “a única autoridade para organizar, treinar e
equipar” todas as forças espaciais da Força Aérea, cedendo ao Comando Espacial uma
autonomia maior, mesmo ainda pertencendo à U.S Air Force (USAF). Também transforma o
Operationally Responsive Space Office em Space Rapid Capabilities Office reportando-se
diretamente ao Comando Espacial da Força Aérea (HARRISON, 2017). Esta resolução deu
mais responsabilidade e autoridade ao Comando Espacial da Força Aérea por aquisições
7 Este ponto será um tópico extra, não temos como avaliar a política atual do governo Trump em sua totalidade,
pois até o fechamento deste artigo, a Força Espacial ainda não foi aprovada pelo congresso. Este tópico será de
função informativa e reflexiva sobre a politica atual da administração Trump para o espaço.
8 Este ponto é fruto de uma publicação da autora no blog Diálogos Internacionais, originalmente intitulado: Uma
breve análise sobre a criação de uma Força Espacial por Trump e seus possíveis desdobramentos de 25 de julho
de 2018.
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espaciais, gerenciamento de recursos, requisitos, combate de guerra e desenvolvimento de
pessoal, ou seja, mais autonomia dentro da USAF e a possibilidade de construção de um
quadro espacial mais forte com o objetivo de operar independentemente no futuro (ERWIN,
2017).
Sabe-se que os Estados Unidos (assim como todos os países) tornaram-se mais
dependentes das tecnologias espaciais, sendo aplicadas através do transporte, saúde, meio
ambiente, telecomunicações, educação, comércio, agricultura, energia e operações militares
(KLEIN, 2006). Portanto, perante um ataque de forças inimigas, a interceptação dos satélites
de telecomunicação ou de operações militares, por exemplo, deixaria os norte-americanos em
situação de caos em diversas áreas das quais necessitam desta tecnologia.
Valendo-se destes argumentos e de que a competição espacial está se tornando cada
vez mais iminente, Trump aprovou uma nova Estratégia Nacional Espacial, anunciada em
março deste ano pela Casa Branca. O documento ainda não foi divulgado, mas em nota a
declaração indica que a estratégia pretende descrever como a administração protegerá os
interesses americanos no espaço, ajustando-se a um tema mais amplo de políticas
empreendidas sob o lema da “América Primeiro” pela administração atual (WHITE HOUSE,
2018).
Em seu discurso proferido na Casa Branca, no dia 18 de junho deste ano9, Trump
deixou a imprensa mundial especulando demasiadamente sobre a criação de uma Força
Espacial, mas pouco foi analisado sobre o tema. Durante sua fala, Trump deixou bem claro
que pretende retomar a dominância dos Estados Unidos no Espaço, e acrescentou “O espaço
será importante monetária e militarmente. Nós não queremos que China, Rússia e outros
países nos liderem. Nós sempre lideramos”. Esta percepção de ameaças vem do discurso de
Putin, em março deste ano, quando o Presidente russo se vangloriou de seu Míssil hipersônico
em desenvolvimento, que teria capacidade de não ser detectado pelos sistemas de defesa
antimísseis norte-americanos, além da possibilidade de carregar uma ogiva nuclear (GENT,
2018)10. Assim como a China – a qual sempre enfatiza os objetivos pacíficos da exploração
9 Discurso de Trump no dia 18 de junho de 2018. Trump announces new “Space Force” military branch.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=t-gwVFfTCnM> 10 Este Míssil estará operacional até 2020 (GENT,2018).
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espacial – desenvolveu e testou armas antissatélites e antimísseis que segundo analistas norte-
americanos poderiam desestabilizar e até mesmo destruir satélites dos Estados1112
Tendo em vista que a maioria dos think tanks de todo o mundo reconhecem que o
espaço será o próximo campo de batalha e que os militares dos Estados Unidos dependem
demasiadamente de operações espaciais, incluindo a vigilância, comunicações, comando e
inteligência guiados por satélites, a defesa dos satélites é necessária e deve ser ampliada. No
entanto, quaisquer tentativas de implantar sistemas armados no espaço serão repudiadas pela
comunidade internacional e violará o tratado assinado em 1967 junto com a União Soviética e
mais 100 países sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e
Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes. Espera-se que os Estados
Unidos não desrespeite o Tratado e não desenvolvam mais armas para burla-lo de forma que o
Espaço continue sendo utilizado para fins pacíficos e pesquisas científicas.
Apesar do discurso de Trump afirmar que a Força Espacial e a Força Aérea serão
braços das forças armadas “separados, mas iguais”, a Força Aérea alega que criar mais um
ramo seria mais custoso do que manter o Comando dentro da Força Aérea e, como um serviço
separado, criaria ainda mais competição por recursos de defesa. O Congresso está de acordo
com a Força Aérea, e pretende assegurar que os EUA permaneçam dominantes no espaço
próximo da Terra, garantindo que o Comando Espacial existente tenha os recursos de que
precisa, em vez de criar desnecessariamente um novo serviço militar.
Levando em conta a possibilidade de uma aprovação do Congresso e a criação de um
sexto ramo do Departamento de Defesa, a Space Force ainda demorará provavelmente uma
década para que consiga angariar fundos – entre infraestrutura, capacitação de pessoal
especializado, projéteis, naves espaciais, veículos militares, e investimentos - suficientes para
operar de forma plena, tendo em vista os cortes orçamentários empreendidos na administração
Trump. Ainda não está disponível publicamente as devidas atribuições oficiais da Força
Espacial, e espera-se que após a divulgação da Estratégia Nacional Espacial este ponto fique
mais claro e que esteja de acordo com o uso do Espaço para fins pacíficos.
11 Um relatório de 2015, encomendado pelo Departamento de Defesa dos EUA sugeriu que a China estava
desenvolvendo sistemas antissatélites co-orbitais para atingir os recursos espaciais dos EUA (MCKIRDY,2018). 12 Até o fim de 2018 a China pretende enviar um par de missões conhecidas como Chang’e 4 com o objetivo de
aterrissar do outro lado da lua – feito inédito na história da exploração lunar (CLARCK,2017).
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Tendo em vista a retórica de Trump, a Força Espacial promove seus objetivos do
America First, portanto a liderança no espaço será fundamental para manter a dominância
tecnológica além da concorrência com a nova potência em ascensão – a China. Portanto o
discurso de Trump é bastante marcante nesta contraposição entre mostrar liderança de poder
militar e também criando uma possível ameaça geopolítica para que a Força Espacial seja
aprovada tanto pela população como pelo congresso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da mudança na narrativa da exploração espacial nos Estados Unidos é
também um exame da mudança da autopercepção do país em relação ao resto do mundo. O
espaço, pela natureza da palavra, significa pensar fora dos limites de nossa própria fronteira,
seja país ou fronteiras globais. Como os interesses nacionais e o poder militar ditaram a
direção norte-americana na exploração espacial, isso significou que, à medida que o país
muda de postura no cenário global, também o faz nos empreendimentos espaciais.
Portanto a competição como condutor lançou o programa espacial, mas não é mais
relevante em relação à Rússia – e provavelmente não é útil em relação a outros países daqui
para frente. O prestígio americano tem sido um tema consistente, mas nunca dominante, na
retórica da exploração espacial, a cooperação internacional tem sido um tema importante em
todas as administrações, mas nem sempre teve o mesmo significado ou conotação em cada
administração. A liderança americana, embora presente em todas as administrações, ganha
ímpeto após a Guerra Fria, à medida que a competição como tema desaparece e o campo de
exploração espacial se desenvolve, a nova era de exploração espacial emergiu após a Guerra
Fria como um reconhecimento da mudança de tempos e interesses nacionais e internacionais
mais complexos.
Um estudo mais aprofundado das tendências produziria uma visão adicional. Um
aspecto que poderia ser mais investigado é como o significado dos cinco temas analisados
mudou ao longo do tempo. Temas como concorrência, prestígio, colaboração, liderança e uma
ordem mundial em mudança raramente significam exatamente a mesma coisa ao longo da
história. Também é frequentemente encontrado que interpretações individuais, baseadas na
liderança, dos temas determinam como elas são usadas e o valor atribuído a elas em qualquer
administração. Com o passar do tempo, outros temas podem ter precedência, e a abordagem
usada aqui pode ser repetida com temas novos ou adicionais no futuro. Outras áreas também
podem produzir situações semelhantes nas quais os Estados Unidos fizeram a transição de um
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senso de competição para mais interesse na cooperação internacional e a busca pelo suporte
na liderança militar e científica.
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