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A ESTRUTURA FUNDIÁRIA NO MÉDIO VALE DO PARAÍBA (BANANAL, 1800-1860) Breno Aparecido Servidone Moreno 1 Introdução A concentração de terras pelos latifundiários tem sido apontada pelos estudiosos como uma das principais causas de injustiças sociais no Brasil. O controle das terras pela “elite agrária” não é algo caro aos tempos modernos. É um fenômeno que tem sua historicidade. Por isso, faz-se necessário delinear os processos históricos que teriam resultado no domínio das terras pela “elite agrária” da América portuguesa e, posteriormente, do Império do Brasil. Nesse sentido, este paper pretende mapear, em linhas gerais, a estrutura fundiária em um grande município cafeeiro Bananal, São Paulo , localizado no Médio Vale do Paraíba, na primeira metade do século XIX. Para tanto, serão examinadas três fontes primárias: o Inventário dos Bens Rústicos (1819), o Registro Paroquial de Terras (1855-1857) e os Inventários post mortem (1830-1860). 2 O mapeamento da rede fundiária, a partir destas fontes, permite uma primeira observação a respeito da concentração de terras no Brasil pretérito. 1. Distribuição de Terras na Montagem da Cafeicultura (c.1810) Na década de 1810, no período em que a cafeicultura escravista começava a se alastrar pelos domicílios de Bananal e, de modo geral, em todo o Médio Vale do Paraíba, D. João VI ordenou, por meio de um Aviso Régio, 3 que os governadores de capitanias da América portuguesa realizassem um levantamento detalhado de todas as propriedades rurais existentes na colônia. Este cadastro rural ficou conhecido como Inventário dos Bens Rústicos ou Tombamento de 1817. A atitude da metrópole tinha como ponto de partida o caos fundiário gestado na colônia ao longo de três séculos de colonização (SILVA, 2008; MOTTA, 1996; NOZOE, 2008). O 1 Doutorando em História Social na FFLCH-USP. Este paper faz parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada Terra, trabalho e capital: hierarquias sociais no Médio Vale do Paraíba (Bananal, século XIX , e financiada pela FAPESP. E-mail: [email protected]. 2 AESP, Inventário dos Bens Rústicos, Bananal, 1819. AESP, Registro Paroquial de Terras, Bananal, 1855- 1857. Museu Histórico e Pedagógico Major Dias Novais (MMN), Inventários post mortem, Bananal, 1830-1859. 3 O Aviso Régio de 21 de outubro de 1817 pode ser lido na íntegra em: AGUIRRA (1935: 57-64).

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A ESTRUTURA FUNDIÁRIA NO MÉDIO VALE DO PARAÍBA

(BANANAL, 1800-1860)

Breno Aparecido Servidone Moreno1

Introdução

A concentração de terras pelos latifundiários tem sido apontada pelos estudiosos como uma das

principais causas de injustiças sociais no Brasil. O controle das terras pela “elite agrária” não é

algo caro aos tempos modernos. É um fenômeno que tem sua historicidade. Por isso, faz-se

necessário delinear os processos históricos que teriam resultado no domínio das terras pela

“elite agrária” da América portuguesa e, posteriormente, do Império do Brasil. Nesse sentido,

este paper pretende mapear, em linhas gerais, a estrutura fundiária em um grande município

cafeeiro – Bananal, São Paulo –, localizado no Médio Vale do Paraíba, na primeira metade do

século XIX. Para tanto, serão examinadas três fontes primárias: o Inventário dos Bens Rústicos

(1819), o Registro Paroquial de Terras (1855-1857) e os Inventários post mortem (1830-1860).2

O mapeamento da rede fundiária, a partir destas fontes, permite uma primeira observação a

respeito da concentração de terras no Brasil pretérito.

1. Distribuição de Terras na Montagem da Cafeicultura (c.1810)

Na década de 1810, no período em que a cafeicultura escravista começava a se alastrar pelos

domicílios de Bananal e, de modo geral, em todo o Médio Vale do Paraíba, D. João VI ordenou,

por meio de um Aviso Régio,3 que os governadores de capitanias da América portuguesa

realizassem um levantamento detalhado de todas as propriedades rurais existentes na colônia.

Este cadastro rural ficou conhecido como Inventário dos Bens Rústicos ou Tombamento de

1817. A atitude da metrópole tinha como ponto de partida o caos fundiário gestado na colônia

ao longo de três séculos de colonização (SILVA, 2008; MOTTA, 1996; NOZOE, 2008). O

1 Doutorando em História Social na FFLCH-USP. Este paper faz parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada

“Terra, trabalho e capital: hierarquias sociais no Médio Vale do Paraíba (Bananal, século XIX”, e financiada

pela FAPESP. E-mail: [email protected]. 2 AESP, Inventário dos Bens Rústicos, Bananal, 1819. AESP, Registro Paroquial de Terras, Bananal, 1855-

1857. Museu Histórico e Pedagógico Major Dias Novais (MMN), Inventários post mortem, Bananal, 1830-1859. 3 O Aviso Régio de 21 de outubro de 1817 pode ser lido na íntegra em: AGUIRRA (1935: 57-64).

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Inventário visava dar os subsídios necessários para a Coroa avaliar a situação fundiária na

colônia.

No Inventário dos Bens Rústicos de Bananal, realizado em 1819, 84 proprietários declararam

85 imóveis rurais. A área destas propriedades era de 24.086 alqueires mineiros. Os fundiários

alegaram, ainda, possuir 956 escravos.4

A estrutura fundiária apresentava, em larga medida, duas características bastante marcantes em

Bananal. De um lado, relativa disseminação de imóveis rurais com menos de 50 alqueires. De

outro, as propriedades com mais de 400 alqueires dominavam a paisagem rural, pois cobriam

pouco menos de três quartos de toda a superfície declarada no Inventário. Nota-se, ainda, a

inexistência de setores médios entre os fundiários (Tabela 1).

Tabela 1 – Distribuição de Propriedades Rurais Segundo as

Faixas de Tamanho de Superfície (FTS). Bananal, 1819

FTS (Alq. Mineiro)

Propriedades Rurais

Área Ocupada (Alq. Mineiro)

N % N %

50,0 ou - 37 43,5 863 3,6

50,1 a 100,0 14 16,5 1.028 4,3

100,1 a 200,0 7 8,2 900 3,7

200,1 a 300,0 8 9,4 1.868 7,8

300,1 a 400,0 5 5,9 1.800 7,5

400,1 ou + 14 16,5 17.627 73,2

Total 85 100,0 24.086 100,0

Fonte: AESP, Inventário dos Bens Rústicos, Bananal, 1819.

De um lado, a “elite agrária” – (5%) maiores proprietários de terras – controlava boa parcela

do território pertencente à freguesia de Bananal. Esta “elite” detinha a posse de 48,6% da área

declarada e 26,4% da escravaria. De outro, os (15%) menores fundiários dominavam uma

pequena porção de terras. Eles – doze indivíduos, ao todo – eram donos de pouco mais de 25

alqueires mineiros (0,1% do total) e de sete escravos (0,7% do total). Portanto, os dados

4 Para uma análise abrangente sobre a estrutura fundiária em São Paulo a partir deste Inventário, ver:

CANABRAVA (1972). Análises específicas acerca da rede fundiária em determinadas localidades podem ser lidas

em: FREITAS (1986: 205-222); RANGEL (1998: 351-368); GUTIÉRREZ (2006: 100-122). Segundo a Lista

Nominativa de 1817, havia 1.010 escravos em Bananal. Assim, a escravaria declarada no Inventário corresponde

a 94,7% do total de cativos recenseados. Cf. MOTTA (1999: 141).

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mostram que a propriedade fundiária, durante a montagem da cafeicultura em Bananal, era

controlada por um grupo restrito de senhores de terras.

O que se observa ao analisar a estrutura fundiária segundo a posse de escravos? Primeiramente,

nota-se, de um lado, que os escravistas detinham o controle da maior parcela fundiária de

Bananal: 22.129 alqueires (91,9% do total). De outro, os proprietários rurais destituídos da

posse cativa (28,6% ao todo) dominavam 8,1% da área declarada. Dentre os escravistas, o grupo

dos mini e pequenos (donos de 19 ou menos cativos) constituía a maioria dos fundiários, 57,1%

ao todo, mas possuíam 28,3% da superfície de Bananal. Os médios escravistas (donos de 20 a

49 cativos), que representavam somente um décimo dos proprietários rurais, concentravam

metade da área rural inventariada. Por fim, as propriedades agrárias pertencentes aos grandes e

megaescravistas (donos de 50 ou mais cativos) ocupavam 12,8% da superfície declarada no

cadastro rural (Tabela 2).

Tabela 2 – Distribuição de Proprietários Rurais Segundo as

Faixas de Tamanho de Posse de Escravos (FTP).5 Bananal, 1819

FTP Proprietários

Rurais Área Ocupada (Alq. Mineiro)

N % N %

Sem Escravos 24 28,6 1.957 8,1

Mini 29 34,5 2.769 11,5

Pequenos 19 22,6 4.038 16,8

Médios 9 10,7 12.240 50,8

Grandes 1 1,2 825 3,4

Mega 2 2,4 2.258 9,4

Total 84 100,0 24.086 100,0

Fonte: AESP, Inventário dos Bens Rústicos, Bananal, 1819.

No período que antecedeu à introdução em larga escala da cultura cafeeira em Bananal, a rede

fundiária local caracterizava-se, em larga medida, pelas propriedades de grande extensão

territorial. Os fundiários se habituaram a estabelecer reservas de terras, muito por conta do

esgotamento acelerado das mesmas (SILVA, 2008; BACELLAR, 1999: 91-116). A reprodução

(extensiva) do sistema agrário escravista vigente em toda a América portuguesa se fazia, de um

lado, pela incorporação constante de terras em matas virgens e, de outro, pela força de trabalho,

5 Os escravistas foram distribuídos conforme o modelo analítico proposto por Ricardo Salles (2008: 156-157).

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sem a mediação de um desenvolvimento técnico agropecuário. Nesse sentido, a capacidade de

reprodução do sistema estava diretamente ligada à expansão da fronteira agrícola (STEIN,

1990; FRAGOSO, 1983; BACELLAR, 1999). É isso que explica a concentração de terras pela

“elite agrária” de Bananal.

Em linhas gerais, o Inventário revelou que: 1) os imóveis com menos de 50 alqueires (43,5%

do total) controlavam apenas 3,6% do território; 2) as propriedades com mais de 400 alqueires

(16,5% do total) dominavam a paisagem agrária, pois cobriam quase três quartos de Bananal;

3) havia uma profunda desigualdade entre os escravistas e os não-escravistas: os primeiros eram

donos de pouco mais de 90% do território; estes, em sua maioria, eram proprietários de terras

com menos de 50 alqueires; 4) os médios escravistas (donos de 20 a 49 cativos) detinham a

posse da metade do território de Bananal.

2. Distribuição de Terras na Expansão da Cafeicultura (c.1850)

O Aviso Régio de 21 de outubro de 1817 não surtiu o efeito desejado pela Coroa. O Inventário

dos Bens Rústicos teria sido realizado apenas na capitania de São Paulo. Nesse sentido, a

questão da apropriação territorial na América portuguesa continuaria sem solução até meados

dos anos 1850. Aliás, a única medida concreta tomada pela Coroa foi a Resolução de 17 de

julho de 1822, que simplesmente extinguiu o regime de concessão de sesmarias. A posse “pura

e simples” tornou-se, então, a principal forma de adquirir terras até a promulgação da Lei de 18

de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras (MUNIZ, 1979: 33; MOTTA, 1996: 160-

161).

A Lei de Terras procurou, basicamente, regulamentar o acesso à terra e deter o avanço

indiscriminado das posses. O Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que regulamentava

aquela Lei, definiu as atribuições e as competências da Repartição Geral das Terras Públicas,

responsável por realizar o Registro Paroquial de Terras (RPT). Em Bananal, o RPT foi

realizado entre os anos de 1855 e 1857.6 Os 199 registros trazem informações relativas a 294

propriedades rurais e a 196 senhores de terra. A área total dos imóveis declarados atingiu a

6 AESP, Registro Paroquial de Terras, Bananal, 1855-1857. Agradeço a Juan Dyego Marcelo Azevedo que,

gentilmente, me cedeu a transcrição deste RPT.

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soma de 12.782 alqueires mineiros.7 De todas as propriedades declaradas no RPT, 267 (90,8%

do total) tiveram a sua dimensão completa registrada no documento. Quanto aos donos das

terras, 184 (93,9% do total) declararam a área de, pelo menos, uma de suas propriedades.

Na década de 1850, a estrutura agrária de Bananal apresentava um acentuado grau de

concentração da terra, ou melhor, uma dupla deformação. Por um lado, 77,7% dos imóveis

possuíam menos de 50 alqueires cada um, ocupando apenas 13,3% da área declarada no RPT.

Por outro lado, os imóveis com área superior a 400 alqueires, e que representavam 5,4% do

total, ocupavam 57,2% da área. Como se vê, a propriedade fundiária permaneceu concentrada

nas mãos de poucos indivíduos (Tabela 3).8

Tabela 3 – Distribuição de Proprietários Rurais Segundo as

Faixas de Tamanho de Superfície (FTS). Bananal, 1855-1857

FTS (Alq. Mineiro)

Proprietários Rurais

Área Ocupada (Alq. Mineiro)

N % N %

50,0 ou - 143 77,7 1.704 13,3

50,1 a 100,0 15 8,2 1.038 8,1

100,1 a 200,0 10 5,4 1.260 9,9

200,1 a 300,0 5 2,7 1.155 9,0

300,1 a 400,0 1 0,5 313 2,4

400,1 ou + 10 5,4 7.312 57,2

Total 184 100,0 12.782 100,0

Fonte: AESP, Registro Paroquial de Terras, Bananal, 1855-1857.

De um lado, os (5%) maiores detentores de terras de Bananal – a “elite agrária” – dominavam

uma área equivalente a 6.880 alqueires de terras (53,8% do total). De outro, os (15%) menores

7 Segundo o IBGE, as áreas atuais de Bananal e Arapeí, que no século XIX compunham a Vila de Bananal,

correspondem, respectivamente, a 616,428 km2 e 156,902 km2, que, somadas, satisfazem a uma superfície de

773,330 km2, cerca de 16 mil alqueires mineiros. Partindo da premissa de que, após os anos de 1850, não tenha

havido reordenamentos administrativos, acarretando em mudanças na área do município, vê-se que o RPT

contempla cerca de 80% do território de Bananal. Portanto, a fonte em questão é bastante representativa da

estrutura fundiária de Bananal. Sobre as áreas atuais de Bananal e Arapeí, ver: BRASIL (2017). Arapeí emancipou-

se de Bananal aos 30 de dezembro de 1991, elevada à categoria de município pela Lei Estadual nº 7644. Cf.

BRASIL (2017). 8 Para saber mais sobre a estrutura fundiária em outras localidades, com base na mesma fonte (RPT), ver:

CARRARA (1999: 24-25); BERGAD (2004: 120-130); GRAÇA FILHO (2003: 116-120); FRAGOSO (2013: 68);

COSTA (2014: 81-87).

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proprietários rurais – 27 indivíduos, ao todo – eram donos de uma parcela muito pequena do

território: pouco menos de 26 alqueires mineiros (0,2% do total).

Na primeira metade do Oitocentos, teria havido um processo de fragmentação das primeiras

propriedades fundiárias (sesmarias) de Bananal, devido às sucessões hereditárias das primeiras

gerações de povoadores da região.9 Deve-se mencionar, ainda, o impacto que o mercado de

terras teria exercido nesse processo. Segundo o RPT, nos anos de 1850, a maior parte das terras

(84,4% do total) foi adquirida por meio da “compra” (41,9%), “herança” (33,5%) e “herança e

compra” (9%).10

Os Gráficos 1 e 2 permitem notar essa transformação na rede fundiária de Bananal entre as

décadas de 1810 e 1850. Por um lado, observa-se a disseminação das propriedades rurais com

menos de 50 alqueires: elas representavam 43,5% de todos os imóveis, em 1819, e aumentaram

sua participação relativa para 77,7%, em 1855-1857. Por outro, nota-se a relativa

desconcentração da área ocupada pelas propriedades com mais de 400 alqueires: em 1819, esses

imóveis cobriam 73,2% da superfície de Bananal, e reduziram-se a 57,2% nos anos 1850. A

despeito dessa relativa desconcentração de terras, tais propriedades ainda dominavam a

paisagem agrária.

Gráfico 1 – Evolução (%) da Distribuição de Proprietários Rurais por Faixas

de Tamanho de Superfície (FTS). Bananal, 1819-1855/1857

9 Juan Azevedo (2007: 22-48) demonstrou que a sesmaria do Perapetinga sofreu um processo paulatino de

fragmentação no curso da primeira metade do Oitocentos. 10 De um total de 294 propriedades rurais, 167 (56,8% do total) declararam a forma pela qual foi adquirida. Cf.

AESP, Registro Paroquial de Terras, Bananal, 1855-1857.

43,5

16,58,2 9,4 5,9 16,5

77,7

8,2 5,4 2,7 0,5 5,40,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

50,0 ou - 50,1 a 100,0 100,1 a 200,0 200,1 a 300,0 300,1 a 400,0 400,1 ou +

1819 1855-1857

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Fonte: Tabelas 1 e 3.

Gráfico 2 – Evolução (%) da Área Ocupada pelos Proprietários Rurais por Faixas de

Tamanho de Superfície (FTS). Bananal, 1819-1855/1857

Fonte: Tabelas 1 e 3.

A despeito das mudanças na estrutura fundiária, a “elite agrária” aumentou o seu controle sobre

o território de Bananal. Por um lado, essa “elite”, que era dona de 48,6% das terras em 1819,

passou a dominar 53,8% da superfície nos anos 1850. Por outro, os (50%) menores proprietários

rurais se tornaram ainda mais pobres ao longo da primeira metade do Oitocentos: eles, que

mantinham o domínio de 4,8% das terras em 1819, passaram a deter o controle de 3,8% da área

declarada no RPT no decênio de 1850. Trata-se de um aumento na desigualdade na sociedade

escravista bananalense (Tabela 4).

Tabela 4 – Evolução (%) das Terras Ocupadas pelos Proprietários

Mais Ricos e pelos Mais Pobres. Bananal, 1819-1855/1857

Ano (5%) + Ricos (15%) + Pobres (50%) + Pobres

1819 48,6 0,1 4,8

1855-1857 53,8 0,2 3,8

Fonte: AESP, Inventário dos Bens Rústicos, Bananal, 1819.

AESP, Registro Paroquial de Terras, Bananal, 1855-1857.

3. Evolução da Distribuição de Terras (1830-1860)

3,6 4,3 3,7 7,8 7,5

73,2

13,3 8,1 9,9 9,0 2,4

57,2

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

50,0 ou - 50,1 a 100,0 100,1 a 200,0 200,1 a 300,0 300,1 a 400,0 400,1 ou +

1819 1855-1857

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Os Inventários permitem igualmente mapear a estrutura fundiária, no período que compreende,

basicamente, a fase de arranque da cafeicultura escravista em Bananal. Dentre os 263

inventariados, 154 eram proprietários rurais, que declararam possuir 377 propriedades agrárias.

De todas as propriedades arroladas nos Inventários, 189 (50,1% do total) apresentaram a sua

dimensão completa. Quanto aos donos de terras, 99 (64,3% do total) declararam a área de, pelo

menos, uma de suas propriedades.

No que tange à distribuição de terras, observa-se que a propriedade fundiária estava concentrada

nas mãos dos fundiários com mais de 400 alqueires. Eles (6,1% do total) detinham a posse de

45,9% da superfície inventariada de Bananal. A maior parte dos proprietários de terras (66,7%

do total) possuía somente 13,4% da área da região. O que os dados deixam claro, portanto, é

que havia uma dupla característica acerca da rede fundiária: disseminação de proprietários com

menos de 50 alqueires de terras e, ao mesmo tempo, concentração de terras nas mãos de poucos

fundiários (Tabela 5).

Tabela 5 – Distribuição de Proprietários Rurais Segundo as

Faixas de Tamanho de Superfície (FTS). Bananal, 1830-1859

FTS (Alq. Mineiro)

Proprietários Rurais

Área Ocupada (Alq. Mineiro)

N % N %

50,0 ou - 66 66,7 1.162 13,4

50,1 a 100,0 14 14,1 1.113 12,8

100,1 a 200,0 10 10,1 1.456 16,8

200,1 a 300,0 1 1,0 300 3,5

300,1 a 400,0 2 2,0 662 7,6

400,1 ou + 6 6,1 3.989 45,9

Total 99 100,0 8.683 100,0

Fonte: MMN, Inventários post mortem, 1830-1859.

Por um lado, os (5%) maiores proprietários de terras controlavam parcela considerável da

paisagem agrária de Bananal. Esta “elite agrária” – cinco indivíduos, ao todo – possuía 3.539

alqueires de terras (40,8% do total), 2.568.800 pés de café (34,9% do total) e 1.523 escravos

(29% do total). Por outro, os (15%) menores proprietários agrários – 15 indivíduos, ao todo –

controlavam uma diminuta parcela dos fatores de produção. Eles eram donos de 38 alqueires

de terras (0,4% do total), 149.649 pés de café (2% do total) e 99 escravos (1,9% do total).

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E quanto à rede fundiária segundo a posse de escravos? Nota-se, em primeiro lugar, que o grupo

dos não-escravistas (7,1% do total) e dos miniescravistas (18,2% do total) controlava somente

5,9% da área rural inventariada em Bananal. Já os megaescravistas (15,2% do total) dominavam

a maior parte das terras: 51,3% de toda a superfície do município (Tabela 6). Deste modo, o

que salta aos olhos é a profunda desigualdade em Bananal.

Tabela 6 – Distribuição de Proprietários Rurais Segundo as

Faixas de Tamanho de Posse de Escravos (FTP). Bananal, 1830-1859

FTP Proprietários

Rurais Área Ocupada (Alq. Mineiro)

N % N %

Sem Escravos 7 7,1 41 0,5

Mini 18 18,2 472 5,4

Pequenos 29 29,3 1.004 11,6

Médios 20 20,2 1.237 14,2

Grandes 10 10,1 1.473 17,0

Mega 15 15,2 4.456 51,3

Total 99 100,0 8.683 100,0

Fonte: MMN, Inventários post mortem, 1830-1859.

Os dados dispostos na Tabela 6 sugerem, ainda, que, com o tempo, teria havido um processo

de acumulação de riquezas (em termos de terras e escravos) em Bananal. Nos anos 1810, os

médios escravistas (donos de 20 a 49 cativos) controlavam metade das terras do município,

conforme o cadastro rural. Nas décadas seguintes, aqueles escravistas teriam se tornado

megaescravistas (donos de 100 ou mais cativos), ascendendo, deste modo, na hierarquia social.

Considerações Finais

As primeiras propriedades rurais sofreram um processo de fragmentação no decurso da primeira

metade do Oitocentos. Durante a formação da cafeicultura escravista em Bananal, no início do

século XIX, a maior parte das propriedades tinha área inferior a 50 alqueires mineiros.

Entretanto, eram os imóveis com mais de 400 alqueires que dominavam a paisagem agrária

local. Nos anos 1850, no auge da atividade cafeeira, o cenário havia se alterado profundamente,

pois as grandes propriedades já haviam se fragmentado em diversas unidades produtivas

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menores. Com isso, ampliou-se ainda mais a proporção de imóveis com menos de 50 alqueires.

A despeito disso, a “elite agrária” conseguiu se apropriar, no mesmo período, de uma fração

ainda maior do território de Bananal. Ao mesmo tempo, a base da hierarquia social (os donos

de terras mais pobres) acabou se empobrecendo, na medida em que perdeu o controle de parte

das terras que estavam sob seu domínio. Tem-se, portanto, que a cafeicultura escravista, polo

dinâmico da economia local, alavancou o processo de concentração de terras pela “elite

agrária”. Diante disso, aprofundaram-se ainda mais as desigualdades em Bananal.

A propriedade fundiária pode ter exercido influência na dinâmica das relações de poder local.

No início do Oitocentos, a “elite agrária” já controlava parcela significativa das terras. Este

monopólio virtual sobre o território garantiu a preeminência dos fundiários ao longo do século

XIX. As grandes reservas de terras em matas virgens implicavam na perspectiva de ganhos

futuros para a “elite agrária”, seja como reserva de madeira para a edificação de “bens de raiz”,

como engenhos, paióis, currais, senzalas, casas de vivenda etc., seja para uma futura reposição

e/ou ampliação das plantações de café. Portanto, o que se sugere é que a concentração prévia

de terras pela “elite agrária” determinou as formas de exploração da paisagem agrária no

Oitocentos.

Nestes termos, pode-se assinalar que a propriedade fundiária era o elemento central de

concentração de riquezas. Por se tratar de uma sociedade eminentemente agrária, as

possibilidades de ascensão social eram limitadas, basicamente, aos senhores de terras que, às

custas da exploração da mão de obra cativa – ilegalmente escravizada, após os anos 1830 –,

converteram as matas virgens em plantações de café. Ora, não se pode crer que a “elite agrária”

tenha concentrado somente as terras de Bananal. Na verdade, estamos diante de uma

concentração de poder pela “elite agrária”, haja vista que esta ínfima camada da sociedade

escravista bananalense dominou, ao menos na primeira metade do século XIX, boa parte do

processo produtivo local.

Faz-se necessário investigar, ainda, os mecanismos pelos quais foi possível à “elite agrária”

concentrar boa parte da propriedade fundiária. As famílias pertencentes à “elite agrária” dos

anos 1850 eram as mesmas que as da década de 1810? O controle das terras de Bananal se

manteve restrito às mesmas famílias do alvorecer do Oitocentos? Ou novas famílias teriam

conseguido obter terras e se enriquecer, com o plantio de café e a exploração de mão de obra

escrava? É relevante que se faça essa investigação, pois a hipótese que se levanta é a de que, na

primeira metade do século XIX, a “elite agrária”, formada por seis núcleos familiares, como os

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Almeida Vallim, os Arruda, os Freitas, os Nogueiras, os Barbosa e os Gonçalves, acabou

detendo o controle da paisagem agrária local (terras, escravos, cafezais).

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