a esperança que temos

106
ESPERANÇA a que temos evangevaldo farias de sousa 2004

Upload: wesley1235

Post on 10-Jul-2015

1.292 views

Category:

Education


45 download

TRANSCRIPT

Page 1: A esperança que temos

1

ESPERANÇAa

que temos

evangevaldo farias de sousa2004

Page 2: A esperança que temos

2

A esperança que temos

A Esperança que temos

© 1996, Evangevaldo Farias de Souza

e-mail: [email protected]

Impressão de Primavera de 2004

O Texto deste trabalho pode ser citado ou reimpresso sem permissão porescrito do autor.

Todos os textos bíblicos citados serão da Edição Revista e Atualizada daSociedade Bíblica do Brasil, salvo citação ao contrário.

www.fazendodiscipulos.com.br

Page 3: A esperança que temos

3

Conteúdo

Prefácio 5

Introdução 7

1. A dor que exige explicação 9

2. Os motivos de Deus 15

3. Unidos, em esperança, ao coração de Deus 31

4. Olhando, com esperança, pela lente de Deus 53

5. Invadindo o desespero 65

6. A esperança que temos 87

7. Experimentando a esperança 99

Page 4: A esperança que temos

4

A esperança que temos

Page 5: A esperança que temos

5

PrefácioAs tribulações, as perplexidades, os abatimentos, as

dores e as aflições geram no homem uma necessidade única

de respostas. O que está acontecendo comigo? O que Deus

está querendo me ensinar? Por onde devo trilhar? Estas per-

guntas, entre outras, são discutidas neste trabalho.

O livro “A esperança que temos” é impactante ao mes-

mo tempo em que é cheio de consolo. De Jó – homem íntegro

e reto, a Jesus – o modelo perfeito, o leitor é confrontado com

a verdade e com a postura que deve tomar.

Cabe a cada um permitir ser conduzido pelo escritor a

um aprofundamento na leitura da Palavra de Deus. Assim,

sempre buscando uma maior revelação do que o Senhor tem

para si, as perguntas serão respondidas. Descobre-se que tudo

que Deus faz e permite na vida do homem aponta para o eter-

no. É “ver” como Deus “vê”, pois todas as coisas cooperam

Page 6: A esperança que temos

6

A esperança que temos

para o bem e para a eternidade daqueles que amam ao Senhor

(Rm 8.28).

Este trabalho é o resultado da vivência, da experiência

e do profundo amor apaixonado que o autor nutre pelo Se-

nhor Jesus Cristo e toda a sua obra. Começou com a compila-

ção de alguns sermões ministrados desde 1993. Com muita

meditação e debate sobre o tema revíamos os manuscritos,

quando em março de 1996, ocorreu o grave acidente que

testificou a todos como Evangevaldo vive para Deus e como

em todo tempo busca olhar as circunstâncias da mesma for-

ma que o Pai as observa.

Este livro não é um mero escrito. É um testemunho

vivo e ardente da vida de um homem. Mergulhe de coração

na leitura destas palavras. Leia e medite nos textos bíblicos,

pois, com toda certeza, Deus lhe falará. Que o Pai da eterni-

dade possa, em sua misericórdia, encher de graça, alegria e

paz a cada um para uma viva esperança.

Salvador, outubro de 2004

Sérgio de Avillez

Page 7: A esperança que temos

7

Introdução“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cris-

to que, segundo a sua muita misericórdia, nos re-

generou para uma viva esperança mediante a res-

surreição de Jesus Cristo dentre os mortos…”

(1Pe 1.3-9).

“E o Deus da esperança vos encha de todo gozo e

paz no vosso crer, para que sejais ricos de espe-

rança no poder do Espírito Santo.” (Rm 15.13)

A esperança é uma dádiva do céu que faz com que a

nossa fé sempre aponte para o alvo, como a bússola aponta

para o norte, enchendo de consolo e alegria o nosso crer. Não

pretendo defini-la nesse estudo, mas demonstrar sua possibi-

lidade prática em meio à turbulência em que vivemos.

As Escrituras falam muito de esperança. Suas páginas

estão cheias de graciosa esperança. E isto não é mera coinci-

Page 8: A esperança que temos

8

A esperança que temos

dência, mas manifesta a intenção de Deus de nos comunicar,

encher e enriquecer com ela, porque Ele mesmo é o Deus da

esperança. “Pois tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso

ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência, e pela consola-

ção das Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15.4).

Crendo nisto, quero considerar um pouco do muito que

outrora foi escrito para o nosso ensino (2Tm 3.16, 17), a par-

tir de uma pequena análise da história de Jó. A minha expec-

tativa é que, inspirados nesta pequena amostra do todo de

Deus, busquemos ver todos os nossos caminhos do ponto de

vista d’Ele.

Page 9: A esperança que temos

9

A dor que exigeexplicação

Jó era homem fiel e temente a Deus, de tal maneira que,

segundo o próprio Deus, não havia ninguém semelhante a ele

em toda a terra. Não apenas era íntegro e reto, como tam-

bém, muito rico e honrado. O homem mais rico do Oriente.

Vejamos alguns aspectos da sua vida:

• Sua integridade e temor a Deus: Jó 1.1-22; 2.1-10;

29.12-17, 21-25; 30.25; 31.1-40.

• Sua honra: Jó 29.1-11.

• Sua prosperidade: Jó 1.3; 31.24-25.

Jó era como um modelo que Deus podia apresentar ao

mundo como exemplo e ao inferno como um trunfo. Era o

Seu servo Jó: “Observaste meu servo Jó? Porque ninguém há

na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a

Deus, e que se desvia do mal”. Este testemunho de Deus a

1

Page 10: A esperança que temos

10

A esperança que temos

respeito de um homem suscita a ira de Satanás que faz da

queda de Jó um desafio para si. Ainda hoje é assim: a vida que

é uma honra para Deus é um ultraje para o inferno. Por isso

“todos quantos querem viver piedosamente em Cristo serão

perseguidos” (2Tm 3.12).

A confiança de Deus estava em que Jó O preferia por

aquilo que Ele era, e não pelas bênçãos com que lhe agracia-

ra. Deste modo, quando se refere ao seu servo, o Senhor o

chama de homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se

desvia do mal (Jó 1.8). Nenhuma referência faz à riqueza e

honra que Jó possuía.

O esforço de Satanás é demonstrar o oposto, lançando

na face do Senhor que todos os homens e, mesmo o melhor

deles, preferem o pecado, vivendo para si mesmo e fazendo

sua própria vontade. É como dizer a Deus: os homens te se-

guem, apenas, porque Tu os abençoas e proteges. Deixa-os

sofrer e verás como te rejeitarão. Eles não te preferem. Amam

a si mesmos mais do que a Ti. É esta a acusação com que, de

dia e de noite, ele acusa os irmãos diante de Deus (Ap 112.10).

Assim, quando Deus lança o desafio ao diabo apre-

sentando Jó como um modelo de fidelidade, segue-se um

grande duelo entre os valores sobre os quais o Senhor es-

tabelece seu relacionamento com o homem e os valores

mesquinhos do inferno.

Page 11: A esperança que temos

11

O conflito, portanto, não é entre Jó e Satanás, mas entre

Deus e Satanás. Por um lado, o Senhor dizendo: “Observaste

a meu servo Jó?…homem íntegro e reto, temente a Deus e

que se desvia do mal”, por outro Satanás que diz: “…Jó em

vão teme a Deus? Acaso não o cercaste com sebe, a ele, a sua

casa e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste, e

os seus bens se multiplicaram na terra. Estende, porém, a tua

mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema

contra ti na tua face.”

Deus libera a ação de Satanás para dar seguimento ao

seu propósito. Deus tinha planos para a posteridade da fé,

tinha lições a ensinar que envolviam Jó (Satanás foi só um

instrumento de Deus para cumprir os intentos do próprio

Deus). Satã investe contra Jó com toda ferocidade, provocan-

do uma destruição cruel: em um só dia Jó perde toda a sua

riqueza e todos os seus filhos são mortos violentamente. As

notícias chegam uma após outra, sem tempo, sequer, para

pensar no que se sucedia: “Falava este ainda quando veio ou-

tro e disse:…” (Jó 1.12-19). Diante deste golpe terrível, Jó

reage com humilhação e confiança, adorando ao Senhor e di-

zendo: “Nu saí do ventre… E nu voltarei; o Senhor deu e o

Senhor tomou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.20-22).

Jó não sabia, mas a sua tribulação estava apenas come-

çando. Seu sofrimento seria intensificado e prolongado por

A dor que exige explicação

Page 12: A esperança que temos

12

A esperança que temos

muitos meses. Diante da perseverança de Jó e do repetido

testemunho de Deus: “Observaste meu servo Jó?…ele con-

serva a sua integridade, embora me incitaste contra ele para

o consumir sem causa” (Jó 2.3), Satanás apela para o sofri-

mento físico, argumentando: “Pele por pele e tudo quanto o

homem tem dará pela sua vida” (Jó 2.4). Em outras palavras:

o que o homem mais ama é a sua própria vida; pode tolerar

outras provações, mas não suportará ver a sua própria vida

destruída – ele é egoísta!

Mais uma vez o Senhor expõe o seu testemunho ao ris-

co: “…Eis que ele está em teu poder…” e o diabo vai e fere a

Jó com tumores malignos em todo o seu corpo. Jó sentava-se

em cinzas e raspava seu corpo chagado com um caco. De tal

modo era deprimente o seu estado e tamanha a sua dor, que

sua esposa o aconselha a blasfemar contra Deus e depois se

matar. A isto Jó responde: “falas como qualquer doida: temos

recebido o bem de Deus, e não receberíamos também o mal?

Em todas estas coisas Jó não pecou com a sua boca” (Jó 2.7-

10).

Mas o mal de Jó não era um mal qualquer. Ele transfor-

mara-se em uma figura repugnante, apodrecendo vivo. Veja-

mos algumas conseqüências de sua enfermidade.

a) Teve que se sentar no monturo, fora da cidade (2.8);

b) As chagas criaram vermes (7.5);

Page 13: A esperança que temos

13

c) Tinha pesadelos horríveis (7.13-16);

d) Sentia-se como uma coisa podre (13.28);

e) O secar e supurar das chagas lhe encheram o corpo

de rugas (16.8);

f) Tornou-se esquelético (16.8; 19.20);

g) Homens lhe desprezavam e lhe esbofeteavam o ros-

to (16.10);

h) Seus amigos lhe zombavam (16.20);

i) Seu mau hálito afastava sua própria esposa (19.17);

j) Seu mau cheiro causava nojo aos seus irmãos (19.17);

k) Só as suas gengivas escaparam das chagas (19.20);

l) As crianças lhe desprezavam (19.18);

m) Sentia os ossos deslocados e queimando em fe-

bre (30.17, 30);

n) Antes, à sua chegada, os jovens se retiravam, os

anciãos se levantavam e os príncipes se calavam

(29.7-10). Agora os filhos dos loucos zombavam dele

e lhe cuspiam no rosto (30.1-16).

A notícia do nobre que caíra em desgraça espalhara-se

muito e três amigos de Jó vieram de longe para consolá-lo.

Avistando-o não o reconheceram, tal era o seu estado. Então,

choraram em voz alta e por sete dias e sete noites não conse-

guiram falar uma palavra, assentados com ele na terra (Jó

2.11-13).

A dor que exige explicação

Page 14: A esperança que temos

14

A esperança que temos

Jó, que tinha esperança de ser consolado por seus ami-

gos (Jó 6.14) , logo descobriu que, ao invés de consoladores,

eles se tornaram molestadores, quebrantando-o com palavras

de acusação e aumentando-lhe a aflição (Jó 16.1-7; 19.1-6).

Mesmo quando clama por compaixão: “compadecei-vos de mim,

amigos meus, compadecei-vos de mim…” (Jó 19.21), não é aten-

dido. Sem esperança de ser consolado por seus amigos, Jó

suplica que pelo menos eles lhe ouçam, e isto lhe seria por

consolo (Jó 21.1-3). Mas nem isso ele conseguiu, pelo contrá-

rio, recebeu mais acusações e até injúrias (Jó 22.5-11).

Deste modo, desprovido do apoio de seus amigos, sen-

tindo-se desamparado por Deus e sofrendo as mais terríveis

aflições na carne, Jó passa a queixar-se amargurado e triste,

questionando a Deus por seus sofrimentos:

“Por isso não reprimirei a minha boca, falarei na

angústia do meu espírito, queixar-me-ei na amar-

gura de minh’alma…’ ‘Se pequei, que mal te fiz a

Ti, ò Espreitador dos homens? Por que fizeste de

mim um alvo…?’ ‘A minha alma tem tédio à mi-

nha vida…’ ‘Por que, pois, me tiraste da

madre…?”(Jó 7.11,20; 10.1,18).

Por quê? Esta é a pergunta que persiste.

Page 15: A esperança que temos

15

Os motivos de DeusPodemos até pensar que se houve alguém na terra com

motivos para queixar-se, este alguém foi Jó (Jó 6.1-10). Deus,

porém, pensa diferente. Depois de ouvir todas as queixas de

Jó, o Senhor passa a mostrar-lhe toda a sua insensatez e ig-

norância: “Quem é este que obscurece meus desígnios com

palavras sem entendimento?… Acaso quem usa de censuras

contenderá com o Todo-Poderoso? Quem assim argüi a Deus

que responda. Acaso anularás, de fato, o meu conselho? Ou

me condenarás para te justificares?”. Depois de assim falar,

Deus passa a argüir Jó, exigindo-lhe explicação sobre a cria-

ção de um modo geral, sem que este lhe pudesse dar resposta

(Jó 38 a 41).

Mas por que Deus se preocupou tanto em mostrar a

ignorância de Jó? Por que humilhá-lo mais? Em uma avalia-

ção superficial, os argumentos de Deus parecem completa-

2

Page 16: A esperança que temos

16

A esperança que temos

mente despropositados e sem nexo. Qual a relação entre o

sofrimento de um homem íntegro e o hipopótamo, o aves-

truz, o crocodilo? Ou a neve, o mar, as estrelas? Realmente

não é razoável, não faz sentido.

Uma observação mais apurada pode revelar-nos alguns

dos motivos de Deus que podemos aplicar em nossa vida hoje.

Deus quer mostrar-nos que a nossa ignorância nos im-

possibilita de exercer qualquer julgamento (Rm 11.33-36).

Jó nos serve de exemplo. Ora, se ele não entendia as coisas

simples da natureza, como a vida animal, o clima, enfim, os

fenômenos naturais de um modo geral, como entender o pro-

pósito de Deus nas coisas que lhe sucediam? “Os passos do

homem são dirigidos pelo Senhor; Como, pois, poderá o ho-

mem entender o seu caminho?” (Pv 20.24).

A ignorância de Jó quanto ao propósito de Deus era tal,

que quando Deus o tinha por motivo de alegria, uma espécie de

tesouro pessoal Seu: “Meu servo Jó”, ele considerava Deus como

seu inimigo e perseguidor: “Deus, tu me lançaste na lama… Tu

foste cruel contra mim” (Jó 30.11, 19-21; 19.6-12, 21, 22). Jó

realmente ignorava os pensamentos de Deus a seu respeito e o

Senhor queria e precisava mostrar-lhe que: “assim como os céus

são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais

altos que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos

que os vossos pensamentos” (Is 55.8, 9).

Page 17: A esperança que temos

17

Deus tem conhecimento completo do antes, do agora e

do após. “…pois para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos

como um dia” (2Pe 3.8). O Senhor se detém e vive intensa-

mente cada situação e momento nosso. O nosso dia não passa

rápido e desapercebido ao Senhor:

• Nas tribulações, ele nos conta os passos, nos recolhe as

lágrimas em seu odre e as registra no Seu livro (Sl

56.8). Deste modo, um dia, poderá enxugá-las todas

(Ap 21.4). Ele sabe exatamente quantas são!

• Angustia-se na nossa angústia (Is 63.9).

• Nos carrega em seus braços (Is 46.3, 4).

• Ele detém-se, tendo tempo e cuidado suficientes para

nos contar os fios todos de cabelos de nossa cabeça

(Mt 10.30).

Aleluia! Que belo é o cuidado de nosso bondoso Pai!

O Senhor não se exaspera com o tempo como se fosse

perder alguma chance irrecuperável. Ele nunca é surpreen-

dido pelas situações. Ele nunca dirá: Passou-se tanto tempo e

eu não consegui! Nada disso! Para o Senhor, passou-se só um

dia, ainda que tenham sido mil anos.

O Eterno Deus não está atrasado em seu propósito.

“Nenhum dos seus planos será frustrado” (Is 46.10; Jó

42.2). Aleluia!

Os motivos de Deus

Page 18: A esperança que temos

18

A esperança que temos

Ele é Alfa e Ômega, Princípio e Fim. Tudo está retido

n’Ele, encerrado n’Ele – Ele é os limites da eternidade, o Pai

da Eternidade (Is 9.6; 44.6; Ap 1.8; 21.6). Deste modo, Ele

sabe por que as coisas acontecem e para que acontecem; co-

nhece os motivos e sabe os resultados. Ele é o Senhor! Aleluia!

Davi diz: “Tal conhecimento é elevado demais para mim” (Sl

139.6).

Verdadeiramente, Deus tinha uma importantíssima li-

ção a ensinar ao seu servo Jó e à posteridade da fé. Ali estava

a oportunidade: Jó não sabia da conversa de Deus com Sata-

nás, nem do grande conflito que se configurava nas regiões

celestiais. Não sabia do desafio de Satanás e do quanto Deus

“apostou” nele, o seu servo Jó.

Ao “apostar” em Jó, Deus estava expondo a sua própria

reputação. Como a igreja hoje é o “bom perfume de Cristo,

exalando em todo lugar a fragrância do seu conhecimento”,

assim também, Jó era o que Ele tinha de melhor.

Embriagado por sua dor, Jó não sabia a causa da sua

provação. Não apenas isso, mas Jó também não sabia que seu

exemplo perduraria por séculos: “Quem me dera agora, que

as minhas palavras se escrevessem! Quem me dera, que se

gravassem num livro! E que, com pena de ferro, e com chum-

bo, para sempre fossem esculpidas na rocha!” (Jó 19.23-24).

Era este o seu anseio. Não sabia ele que este seu desejo se

Page 19: A esperança que temos

19

cumpriria. Não sabia que mil anos depois Deus daria teste-

munho dele (Ez 14.14) e que três mil e quinhentos anos de-

pois, nós estaríamos aqui, sendo inspirados e desafiados por

sua vida. Jó não sabia o resultado da sua aflição, o fruto da sua

dor.

E aqui está a lição a ser aprendida: os homens são sem-

pre inclinados a relacionar a aprovação e benção de Deus com

o seu próprio bem-estar. Se estão bem, Deus está com eles. Se

estão com problemas, Deus está ausente. Não conseguem

enxergar além das circunstâncias.

Importa confiar na soberania de Deus e na autoridade

que Ele tem sobre estas circunstâncias. “O governo está so-

bre os Seus ombros” (Is 9.6). Ele obriga e ordena que todas as

coisas, todas as circunstâncias e tribulações, toda dor ou ale-

gria, toda lágrima e riso cooperem para nossa santidade e

edificação, para o nosso bem: “Sabemos que todas as coisas

cooperam para o bem daqueles que amam a Deus… porquan-

to… os predestinou para serem conformes à imagem do seu

Filho, a fim de que Ele seja o primogênito dentre muitos ir-

mãos” (Rm. 8.28, 29).

Importante notar que não é para o nosso “bem-estar”,

como pensam e esperam muitos, mas para o nosso “bem”. E o

nosso “bem” é sermos apresentados diante da Sua glória san-

tos e irrepreensíveis (Ef 1.3-5; Cl 1.21-23; 2Pe 3.14; Jd 24).

Os motivos de Deus

Page 20: A esperança que temos

20

A esperança que temos

Uma vez o nosso bem significou o abandono do Ama-

do, a morte do Filho Unigênito do Pai.

E por que ele foi abandonado e morto?

Deus olhava para este mundo e nada via que o agradas-

se. Toda a criação estava corrompida e gemia, inclusive o ho-

mem (Rm 8.19-22). Na visão do Apocalipse, o apóstolo João

“chorava muito porque ninguém havia, nem nos céus, nem na

terra, digno de abrir o livro selado, nem mesmo de olhar para

ele” (Ap 5.1-4).

A dignidade requerida não era apenas pelo livro, mas

por Aquele que o escrevera e segurava em sua mão direita.

Quem ousaria se aproximar do Senhor Deus Todo-Poderoso

e tomar das Suas mãos qualquer coisa? “… Pois quem de si

mesmo ousaria aproximar-se de Mim? Diz o Senhor” (Jr

30.21b).

Nem os céus, em todo o seu esplendor e glória, e pure-

za, e santidade, são dignos de Deus. Nada havia em toda a

criação que enchesse o coração do Pai. Em toda a extensão do

universo, em todas as dimensões físicas e espirituais, nada

havia que lhe desse prazer. “Até aos anjos Ele atribui imper-

feições’; ‘nem os céus são perfeitos aos seus olhos”. (Jó 4.17-

19; 15.15-16). O homem tornara-se “geração perversa e de-

formada” (Dt 32.5, 6; Fp 2.15; Rm 3.10-23; 2Pe 2.14).

Page 21: A esperança que temos

21

Então, Ele olha para o Seu Filho e sorri. Sim, Ele se

alegra mais em Seu Filho do que Abraão poderia alegrar-se

em seu Isaque. É o Seu único Filho; o Filho que gerou (Hb

1.5; Lc 1.31-32). Ele diz: “Este é o meu filho amado em quem

tenho o meu prazer” (Mt 3.17). Sim, porque “Ele é o resplen-

dor da glória, a expressão exata do Seu ser” (Hb 1.3) e “…

n’Ele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.”(Cl

2.9).

“Mas ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar…”

(Is 53.10) – Para o nosso bem!

N’Ele estava a vida, disse João (Jo 1.4). “EU sou a Vida”,

Ele disse (Jo 14.6). Mas a Vida morreu, expirou – para o nos-

so bem!

Aqui convém deter-se e pensar: Jesus, o Deus criador

do homem, tornado humano. O Verbo Eterno, feito carne (Fp

2.5-8; Jo 1.1-4, 14). O Senhor dos céus estava só, fraco e de-

samparado na maldição da cruz (Gl 3.13; Mt 27.46).

Aquele que sustenta todas as coisas pela palavra do seu

poder (Hb 1.3), sendo sustentado por pregos sobre o madeiro

maldito. Tomando a maldição e fazendo-me bênção. Sofrendo

o veneno e tornando-se o antídoto.

Aquele que teve a forma de Deus, Espírito Eterno, (Fp

2.6; Jo 4.24) tendo a sua carne (forma de homem e figura hu-

mana) sendo rasgada qual véu perecível e frágil, abrindo ca-

Os motivos de Deus

Page 22: A esperança que temos

22

A esperança que temos

minho à santidade do Pai. Caminho para mim, “geração defor-

mada”. Seu sangue escorrendo – Sua vida derramada sobre

mim, a purificar-me das culpas e pecados que me separavam

daquele que é Santo (Hb 10.19-23).

Aquele que disse: “Eu e o Pai somos um”, definhava no

abandono e agonia da cruz. Estava só! Nem homens – seus

amigos, tontos e assustados, não entendiam a grandeza da

hora. Nem anjos – separados, pela morte, daquele que os

criou. Nem o Pai – virando as costas para o Santo que Ele

mesmo tornou pecado por nós (Rm 8.3; 2Co 5.21; Hb 9.26;

1Pe 2.24).

Ele estava só!

Era mais, muito mais do que a solidão de uma separa-

ção momentânea e voluntária. Era mais, até, que a separação

provocada pela morte de uma pessoa querida. Era o afasta-

mento da rejeição por Deus. A separação da condenação. A

solidão do desamparo. O espectro do inferno: ausência de

Deus.

Oh! Tão amado Jesus! Como te compreender? Oh! Je-

sus! Tão bendito Senhor Jesus! Quando um dia, Tu, com

exultação me apresentares imaculado diante da tua glória (Jd

24), quero olhar dentro da tua face e, enquanto enxugas mi-

nhas lágrimas, reclinar-me em teu peito e sorrir, e bendizer-

te, e louvar-te, e dar-te graças por me dares toda uma eterni-

Page 23: A esperança que temos

23

dade para te amar e seguir te amando e crescendo neste amor.

E ainda assim saberei que não será suficiente o meu amor!

Também o Pai estava só. Aquele em quem seu coração

se deleitava (Mt 17.5) era agora o alvo da ira de Sua justiça.

Seu agrado já não estava em contemplá-lo, mas em moê-lo,

fazendo-o enfermar (Is 53.10).

Como nunca antes, nem como jamais um dia, o Pai estava só.

Por um instante, seu eterno propósito de ter uma grande

família pareceu destruído – um sonho vago, dissipado na morte

do seu Unigênito.

O momento singular, glorioso e terrível em que o grão

de trigo morrendo, racha-se liberando a vida, produzindo

muito fruto. “O grande mistério da piedade: Aquele que foi

manifestado na carne, foi justificado em espírito…” (1Tm

3.16). E isto tudo, para o nosso bem.

Um dia, o bem da igreja e do eterno propósito de nosso

Pai pode significar a tua dor, tua lágrima, teu abandono e

solidão - tua morte.

Um dia, em ti “operará a morte” para que em outros

filhos do Pai “opere a vida”.

Um dia poderás ser “lixo do mundo, escória de todos” para

que teus irmãos se façam preciosos. Poderás ser louco para

que eles sejam sábios. Desprezado para que eles sejam torna-

dos nobres.

Os motivos de Deus

Page 24: A esperança que temos

24

A esperança que temos

Um dia, precisarás ser humilhado (Jó 16.15), ter a tua

“coroa lançada por terra” (Jó 19.9), para que teus irmãos sejam

vestidos de honra.

Neste dia será preciso que entendas e ames profunda-

mente o propósito eterno de Deus para que possas ser

cooperador com Ele. Precisarás andar nos passos de Jesus:

“… que andou em trevas sem nenhuma luz, e ainda assim

confiou em o nome do Senhor e se firmou sobre o seu Deus”

(Is 50.10).

Nem sempre haverá alguma manifestação ou evidência

da presença ou socorro de Deus. Tudo será deserto, escuro e

silencioso. Parecerá que os céus são de bronze e Deus está

distante e inacessível. Quero, então, dizer-te algo muito im-

portante: às vezes Deus não responde, não porque não queira

ou porque não possa, mas porque precisa ficar em silencio.

Nestes momentos, Ele está confiando naquilo que já fez em

nós, e nos possibilitando conhecer o nosso próprio coração,

ao nos dar a chance de escolher entre a nossa e a Sua vontade.

O apóstolo podia dizer: “… porque andamos por fé e

não pelo que vemos…” (2Co 5.7). Nosso ânimo não pode de-

pender das circunstâncias que nos cercam ou da dor que so-

fremos, mas daquilo que sabemos e cremos a respeito do nos-

so grande Senhor e da sua santa vontade: boa, agradável e

perfeita (Rm 12.1, 2).

Page 25: A esperança que temos

25

Foi assim com Jesus em Getsêmani, quando Ele sentia

“pavor até a morte” e de angustia cambaleava, suando sangue

em plena madrugada. Antes da agonia do Jardim das Olivei-

ras, quando entrou em Jerusalém na semana da Páscoa, já na

iminência de sua crucificação, Ele orou ao Pai buscando um

conforto: “Agora está angustiada a minha alma, e que direi Eu?

Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito

vim para esta hora (Ele sabia a vontade do Pai). Pai, glorifica o

teu nome” (Jo 12.27, 28). Não buscou livramento, mas a glória do

Pai.

Então, o bondoso Pai deu um testemunho público e so-

brenatural do seu Filho. Fez-se ouvir como um trovão, a voz

de Deus: “Eu já O glorifiquei e ainda O glorificarei” (Jo 12.28).

Era como se o Pai dissesse: “Filho, fica firme! Eu estou conti-

go! Vamos até ao fim, nosso propósito se cumprirá : muitos

filhos iguais a Ti!”.

Contudo, lá em Getsêmani, quando as trevas eram mais

densas e seu Filho agonizava de pavor, “andando em trevas sem

nenhuma luz”, e o inferno, com todas as suas hostes, o ator-

mentava, o Pai silenciou. Precisava calar. Não devia influen-

ciar ou intervir. Era decisão do Filho, ser ou não, obediente

até a morte, e morte de cruz…

A cruz seria o extremo da obediência. Nela tudo seria

consumado; o plano eterno retomado – a vitória de Deus!

Os motivos de Deus

Page 26: A esperança que temos

26

A esperança que temos

Depois dela nada deteria o Autor da vida, nem mesmo a mor-

te (At 2.24; 3.15). Ele seria exaltado e o Pai glorificado (Fp

2.9-11; At 2.32-36).

Mas entre o Getsêmani e a exaltação do Filho e glória do

Pai havia a cruz - e ela poderia ser evitada, se o Filho assim o

quisesse. A cruz não lhe foi imposta. Ele a escolheu e preferiu

por saber ser esta a vontade do Pai. Se, contudo, a tivesse recusa-

do não seria reprovado ou punido - tinha a escolha. Mas, então, a

glória do Pai seria subtraída e seus pensamentos eternos frus-

trados (Is 46.10; Jó 42.2).

Com o gemido do filho – “Aba, Pai, Tudo te é possível: passa

de mim este cálice…” – posso saber do soluço do Pai, imolando o

seu Isaque por não ter cordeiro que o substituísse.

Então o Seu Cordeiro entrega-se: “…contudo, não seja

o que eu quero, e sim, o que Tu queres” (Mc 14.36).

O nosso bem é o cumprimento da Sua vontade. Aleluia!

Deus nos quer filhos que se multipliquem à sua ima-

gem. Esta é a sua vontade.

A ordem de Jesus em Mt 28.18-20 não é um ingredien-

te novo, uma ordem que se acrescenta depois do pecado. É o

eco do Éden: o “multiplicai-vos e enchei a terra” é reafirmado

com o “ide por toda a terra e fazei discípulos”.

Page 27: A esperança que temos

27

A nossa vocação, então, é a mesma de Adão: multipli-

car a imagem e a vida de Deus. Encher a terra de filhos para

Deus.

O Senhor Deus não é míope ou vesgo. Sua visão é clara

e inalterada. Seus olhos não se desviam do alvo. Ele sabe, em

verdade, o que é melhor. Ele não se deixa embaraçar ou cons-

tranger pelas circunstâncias. Deus não é manipulado pelo

nosso choro, nem se deixa impressionar pelos gemidos do

homem – Ele conhece isso desde o Éden.

Se a dor e o sofrimento cooperam para que o homem se

assemelhe a Jesus, Deus os permitirá. Se for o riso, Ele pro-

duzirá este riso. E assim o é com a riqueza ou pobreza, abun-

dância ou escassez, bonança ou tormenta, sucesso ou fracas-

so, honra ou desprezo (Fp 4.9-13).

“Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que

amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu pro-

pósito” (Rm 8.28). Este propósito envolve muitos irmãos, uma

família – toda a grande família de Deus. Por isso é preciso

lembrar que as coisas que nos acontecem não dizem respeito

apenas a nós mesmos (1Co 12.12-14, 25-27). Nunca podemos

esquecer que somos corpo, membros interdependentes, res-

ponsáveis uns pelos outros. A nossa atitude diante das cir-

cunstâncias traz reflexos diretos sobre muitos e por muito

tempo. Jó não atentava para este efeito, Deus sim.

Os motivos de Deus

Page 28: A esperança que temos

28

A esperança que temos

Nunca sofremos apenas por nós mesmos e para nós

mesmos: “Mas, se somos atribulados é para o vosso conforto

e salvação; se somos confortados, é também para o vosso con-

forto, o qual se torna eficaz, suportando com paciência os

mesmos sofrimentos que nós também padecemos” (2Co 1.6).

Quando Paulo sofria ele estava aprendendo, como Je-

sus, a experimentar o consolo do Pai, para consolar a outros

que também sofressem (Hb 2.17, 18; 4.14-16), ensinando-os

a sofrer em fé e ações de graça (Rm 12.12; Fp 1.29; 1Pe 1.5).

Deste modo, ele podia dizer: “Bendito seja o Deus e Pai de

nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de

toda consolação! É Ele que nos conforta em toda a nossa tri-

bulação, para podermos consolar aos que estiverem em qual-

quer angustia, com a consolação com que nós mesmos somos

contemplados por Deus. Porque, assim como os sofrimentos

de Cristo se manifestam em grande medida em nosso favor,

assim também a nossa consolação transborda por meio de

Cristo” (2Co 1.3,5).

Jesus entendia que precisava santificar-se não só por si,

mas também por seus discípulos, para que “eles fossem aper-

feiçoados na verdade” (Jo 17.19), pois Ele os tinha enviado do

modo como o Pai O enviara. Ele orava por eles e pelo fruto

que eles produziriam, para que todos fossem um com ele e o

Pai, a fim de que o mundo cresse (Jo 17.20-21). Que tremenda

Page 29: A esperança que temos

29

Os motivos de Deus

responsabilidade! Assim foi a existência de Jesus na terra:

plena de um senso santo de conseqüência.

Assim devemos ser (Jo 17.18-21 x Jo 13.15-17). A nos-

sa postura pode nos fazer “cidade sobre o monte”, “candeia

no velador”, “luzeiros no mundo”, trazendo grande glória ao

nome do Senhor (Fp 2.14, 15; Mt 5.14-16). Ou fontes amar-

gas, poços de murmuração, “contaminando a muitos” (Hb

12.15), sendo tropeço para muitos (1Co 10.32) e trazendo blas-

fêmia ao nome do Senhor (Rm 2.24). Não nos esqueçamos

que o nosso bem é o cumprimento da Sua vontade. “Nessa

vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do

corpo de Jesus Cristo…” (Hb 10.10). Por isso, “… não seja a

minha, mas a Tua vontade”, ainda que com sangue e até a

morte (Hb 12.4; Fp 1.20; 2.17; At 20.24).

Orando ao Pai quanto aos seus discípulos, o Senhor Je-

sus disse: “Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei

conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e Eu

neles esteja” (Jo 17.26). Essa é a sua vontade: que o seu amor

esteja em nós. Quando isso acontecer plenamente, será notó-

ria e inconfundível a sua presença em nós, porque então, to-

dos os nossos atos serão feitos em amor (1Co 16.14).

Deus é amor! Nunca conheceremos o seu coração e nun-

ca seremos parecidos com Ele se não pudermos amar como

Ele ama. Por isso Ele derrama do seu próprio e grande amor

Page 30: A esperança que temos

30

A esperança que temos

em nosso coração pelo Espírito Santo (Rm 5.5). Ó Espírito

dá-me mais desse amor!

Para amarmos a Deus é necessário que O conheçamos.

Por isso Jesus disse: “Eu lhes fiz conhecer o teu nome… para

que o amor com que me amaste esteja neles…” Deus usará

todas as circunstâncias para se dar a conhecer a nós, a fim de

que possamos imitá-lo (Ef 5.1 x Jo 5.19) e nos assemelhar a

Ele. Deste modo cumpriremos a sua vontade: “…que vos ameis

uns aos outros assim como eu vos amei…” (Jo 13.34-35).

Toda ação de Deus em nossa vida deriva do Seu esforço

em cumprir o Seu propósito: fazer-nos filhos semelhantes ao

Seu Filho. Ele quer nos trazer para perto de Si, a fim de sen-

tirmos como Ele sente, e vermos como Ele vê e sermos Seus

cooperadores.

Page 31: A esperança que temos

31

Unidos em esperançaao coração de Deus

Para a maioria dos homens, é mais fácil sentir do que

crer. As situações que nos cercam atingem diretamente os

nossos sentidos, ofuscando o brilho e a glória da realidade

espiritual contida no propósito eterno de Deus. Por isso, Ele

age nas circunstâncias adversas de modo que elas produzam

em nós aquele elemento que nos faz viver na terra, pensando

nas coisas lá do alto (Cl 3.1-4), esperando com confiança aquilo

que não se vê. Este elemento é a esperança, a filha da tribula-

ção:

“… E gloriemo-nos na esperança da glória de Deus. E

não somente isto, mas também nos gloriemos nas próprias tri-

bulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perse-

verança, experiência; e a experiência, esperança” (Rm 5.1-4).

3

Page 32: A esperança que temos

32

A esperança que temos

A esperança é fruto da experiência. Ninguém adquire ex-

periência sem perseverar, e, ninguém precisa perseverar se não é

atribulado. Ou seja, sem tribulação, para quê esperança? Como a

tribulação é inevitável, a esperança se faz indispensável.

Esta esperança não nos deixa confundidos ou envergo-

nhados porque, enquanto sofremos com esperança, o Espíri-

to Santo nos enche o coração com o amor de Deus. “Ora, a

esperança não confunde, porque o amor de Deus é derrama-

do em nossos corações pelo espírito Santo que nos foi outor-

gado” (Rm 5.5; 8.22-25).

Este amor é aquele que “é paciente, benigno e não arde

em ciúmes. O amor que não se ufana nem se ensoberbece.

Que não se conduz inconvenientemente, nem procura seus

próprios interesses. Não se exaspera nem se ressente do mal.

Este amor não se alegra com a injustiça (mesmo quando pra-

ticada contra um inimigo que já lhe fez o mal), mas alegra-se

com a verdade. Este bendito amor, tudo sofre, tudo crê, tudo

espera, tudo suporta. O amor nunca acaba!” (1Co 13.4-8).

Quando sofremos o Senhor nos dá oportunidade de nos

assemelhar a Ele; nos dá oportunidade de amar!

Vale notar que a esperança, na bíblia, quase sempre vem

acompanhada de adversidades, tribulações, provações e pro-

messas. Aleluia! “Suas preciosas e mui ricas promessas…” (1Pe

1.3-9; 2Pe 1.3-4; Rm 5.1-5; 8.23-25). E é assim porque a espe-

Page 33: A esperança que temos

33

rança impede a amargura e o endurecimento. Anima e revi-

gora a vontade e nos firma em fidelidade ao antecipar, por fé,

a alegria da vitória, do desfecho glorioso que o Senhor nos

trará, seja em uma circunstância temporal, seja na eternida-

de. Portanto, “alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tri-

bulação, perseverai na oração” (Rm 12.12).

Consideremos, por exemplo, a galeria dos heróis da fé, apre-

sentada em Hb 11.30-38: “…os quais, por meio da fé, subjuga-

ram reinos, praticaram a justiça, obtiveram promessas, fecha-

ram bocas de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam

ao fio da espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se podero-

sos em guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros. …

outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios, açoites, al-

gemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo

meio, mortos ao fio da espada; andaram peregrinos, vestidos de

peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados

(homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos de-

sertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra.”

Como podemos constatar, uns, já aqui, usufruíram o

gosto da vitória e da glória, enquanto que outros, apenas pro-

varam dor, e lágrimas, e morte, com os olhos postos em Deus.

Todos, porém, igualmente participaram do propósito de Deus

e cooperaram com Ele na execução da Sua vontade. Contudo,

não lhes foi dado escolher como participariam.

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 34: A esperança que temos

34

A esperança que temos

É preciso entender que além de cooperadores, somos

matéria-prima de Deus, pronta para ser consumida em sua

grande obra.

Isto me faz lembrar uma cena que eu pude admirar

muitas vezes na minha infância: o funcionamento de uma ola-

ria (cerâmica artesanal). O lenho seco (madeira imprestável

para edificação ou móveis) é lançado ao fogo para produzir a

“cura” ou fortalecimento dos tijolos que depois serão utiliza-

dos em várias construções, desde casas simples até mansões.

Todos olham para estas construções e sabem que ali há tijo-

los. É inegável e evidente sua participação. Todos lhe atribu-

em o mérito devido. Então surge a pergunta: Quem, ao olhar

as construções, se lembra do lenho queimado? Suas cinzas, já

há muito, foram sopradas, abrindo espaço para mais lenho

seco que se proponha ser consumido e esquecido. Sacrificado

para formar tijolos fortes e aparentes.

“Que Ele cresça (e ao crescer seja visto, mesmo que em

outro) e que eu diminua” deve ser a nossa divisa. Fomos cria-

dos, e devemos existir, para louvor da Sua glória (Ef 1.4-6).

Muito do nosso sofrimento é fruto do conflito: para

quem a glória – Para Deus ou para mim?

Quando estivermos em total esvaziamento, não sofre-

remos tanto ao sermos humilhados. Deixaremos de ser

reivindicadores de bênçãos e direitos pessoais, para sermos

Page 35: A esperança que temos

35

intercessores, sacerdotes fiéis, adoradores santos (Hb 5.1,2;

1Pe 2.9; Jo 4.23,24).

Quando o Espírito Santo nos exorta a ter “…o mesmo

sentimento que houve também em Cristo Jesus…”, busca lembrar-

nos a vocação de vivermos para a glória d’Aquele por cuja

causa todas as cousas existem (Hb 2.10).

As Escrituras afirmam que Cristo nos deixou exemplo

para seguirmos os seus passos (1Pe 2.21) e que “aquele que diz

que está n’Ele deve andar como Ele andou” (1Jo 2.6) Como é

possível isso? Por onde começamos? O Espírito Santo nos dá

uma direção: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve

também em Cristo Jesus, pois Ele… a si mesmo se esvaziou…”

Consideremos um pouco a trajetória de Jesus para po-

dermos, então, desenvolver o mesmo sentimento que havia

n’Ele. Se prestarmos atenção, veremos que o Verbo Eterno, a

partir de uma atitude básica, uma disposição interior de esva-

ziamento, vai avançando para baixo, crescendo em humilha-

ção. Vejamos Fp 2.5-11:

“Cristo Jesus subsistindo em forma de Deus,não considerou o ser igual a Deus coisa

a que se devia aferrar…”

Isto significa que Ele não exigiu o privilégio. Não ape-

nas não se esforçou para manter, como recusou a posição que

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 36: A esperança que temos

36

A esperança que temos

era sua por direito. Não lhe pesava nenhuma obrigação. Nin-

guém lhe deu ordem – nem poderia: não havia ninguém aci-

ma d’Ele. Seu relacionamento com Deus era como de dois

iguais. Como dois gêmeos, onde tanto o primeiro se parece

com o segundo e vice-versa, nenhum era referencial exclusi-

vo para o outro. Não havia uma matriz e uma cópia.

Esta expressão subsistindo indica que Jesus, antes da

encarnação, era Deus. Tinha a forma de Deus. Forma é a ex-

pressão permanente de existência. Assim como existe a for-

ma dos animais (a aparência muda de um animal para outro,

mas a forma indica este tipo de criatura), existe a forma do

homem, de anjo e de Deus. O Verbo Eterno tinha a forma de

Deus. Isto não lhe foi dado. Ele sempre existiu, assim como o

Pai, na forma de Deus. Ele era Deus (Jo 1.1).

Aquele a quem hoje chamamos de Deus Pai, não era

maior que o Verbo Eterno. Aquele a quem hoje chamamos de

Filho de Deus, não era menor que Deus Pai – era o próprio

Deus. O Verbo Eterno foi tornado filho ao ser gerado no ven-

tre de Maria. Se aceitarmos que de algum modo Ele tenha

sido gerado antes deste momento histórico, estaremos ne-

gando a Sua eternidade (Is 9.6). Se Ele é o Pai da eternidade,

como a Escritura pode dizer: “… hoje te gerei”? (Hb 1.5). E

mais, as expressões: “Eu lhe serei Pai, e Ele me será Filho”

Page 37: A esperança que temos

37

(Hb 1.5) indicam um tempo futuro. Isto significa que, até en-

tão, a relação entre Eles não era de Pai e Filho.

Considerando Hb 1.8, 9: “…Mas, acerca do Filho: O

Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre, …por isso Deus, o

teu Deus, Te ungiu…”, como pode Deus ter sido gerado ou

criado? Só se pode conceber o Deus Filho sendo gerado, em

sua humanidade e encarnação. Antes disso Eles eram iguais.

Mas Ele, o Filho, não se aferrou a isto,

“… Antes (pelo contrário) a si mesmo se esvaziou,assumindo a forma de servo...”

Ainda lá na glória, o Verbo Eterno aceitou e decidiu ser

servo. Servo de Deus. Era como se Ele dissesse a Deus: daqui

para frente Tu dás as ordens e Eu me submeto. Não temos mais

que entrar em conselho – Tu serás Pai e Eu, Teu Filho. Esta foi

sua atitude básica: assumiu a forma de servo,

“… Tornando-se em semelhança de homens…”

O fazer-se semelhança de homens significa que Ele

levou a efeito a sua decisão de ser servo. Mas, como ser um

submisso servo sendo Deus? Despiu-se, então, de toda a

sua glória e vestiu-se de carne e sangue. Carne frágil e tão

limitada!

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 38: A esperança que temos

38

A esperança que temos

Trocou a adoração e o louvor dos habitantes celestes –

seres santos e poderosos – para enfrentar a dura cerviz e a

rejeição de homens pecadores e desprezíveis. Ele, contudo,

não apenas tornou-se semelhança de homens (aparência ex-

terior de homem), mas foi

“… Reconhecido em figura (forma) humana,”

Isto é, homem de fato e de verdade. Gente, de carne e

osso. Aquele que foi tentado à nossa semelhança (Hb 2.18;

4.15), não foi Deus – Este não pode ser tentado pelo mal (Tg

1.13) – mas o homem Jesus, o carpinteiro galileu.

É muito difícil pensar neste texto sem sentir grande

tristeza, quase uma angústia. Ao chegar neste ponto em que

Ele é reconhecido em forma humana, fico imaginando Deus

submetendo-se a este aleijão indescritível e sou impelido a

dizer como Pedro: “Senhor, não te faças tal”. Chega, basta!

Deixa-me ir para o inferno, mas, poupa-Te! Mas, então, des-

cubro que não foi só para me livrar do inferno que o Senhor

Jesus foi até a cruz. Ele foi movido por um motivo tão mais

elevado: A glória do Pai.

Costuma-se dizer que a glória de Deus é o melhor para

nós, e que a felicidade do homem é fruto da santidade que este

alcança. Isto é uma verdade, mas eu quero dizer que ainda que a

santidade produzisse amargura e dor, e a glória de Deus trou-

Page 39: A esperança que temos

39

xesse condenação, é para sua glória que devemos viver. Para isto

fomos criados e para isto existimos. Este elemento estava pre-

sente no sentimento que houve em Cristo Jesus.

Nesta disposição Ele continua crescendo em humilha-

ção, crescendo para baixo, pois uma vez reconhecido em figu-

ra humana…

“A si mesmo se humilhou”

Mesmo na condição de homem, continuou se esvazian-

do até tornar-se o menor e mais desprezível dentre os ho-

mens. O texto de Isaías 52.13 a 53.10 fala d’Aquele que era

igual a Deus e do que Ele fez a si mesmo. Fala da sua trajetó-

ria humana.

O Profeta dos milagres e prodígios grandiosos, o Rabi

de palavras graciosas e olhos de sacerdote não foi despreza-

do, ao contrário, foi sempre aclamado ou odiado, mas nunca

ignorado – foi elevado e mui sublime. Mas, sublimidade não

cabe a um servo, por isso Ele se humilhou e tornou-se vil e

desprezível aos olhos de todo homem. “…Um de quem os ho-

mens escondem o rosto…”

A senda do Calvário fez d’Ele “O mais rejeitado entre

os homens, reputado por aflito, ferido de Deus e oprimido” –

d’Ele não se fez caso.

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 40: A esperança que temos

40

A esperança que temos

“O resplendor da glória”, Aquele para quem os céus se

inclinam, foi humilhado pela ralé da terra e atingido pelos

insultos dos infames habitantes do inferno.

Para suportar tamanha humilhação, era preciso cum-

prir um pré-requisito, e Ele o fez:

“Tornando-se obediente…”

Antes dos “dias da sua carne” (Hb 5.7), Ele não pre-

cisava obedecer (Jo 1.1-3; Rm 11.34-36). Não havia nin-

guém sobre Ele, ninguém a quem devesse explicação: “No

princípio era o Verbo… e o Verbo era Deus… e o Verbo se

fez carne…”. A obediência, então, era algo novo e alheio a

sua natureza divina, agressivo a sua realeza eterna. Por

isso, Ele precisou tornar-se obediente. Teve que aprender

a obediência (Hb 5.8). Não como nós que somos rebeldes

por natureza, mas porque nunca esteve sob a autoridade

de alguém – era Deus!

Mas até que ponto deveria Ele obedecer?

“… Até a morte…”

Permaneceu em obediência até o fim. Não é que Ele

estivesse progredindo em obedecer e, de repente, como Es-

tevão (At 7.59-60) ou Tiago (At 12,1-2), fosse alcançado

Page 41: A esperança que temos

41

pela morte. Não! Ao contrário, a morte foi o limite da obe-

diência. Como não havia mais qualquer prova para testar

sua obediência, então, já podia intervir a morte.

E como foi sua morte? O Espírito Santo faz questão de

destacar: Não bastava morrer, tinha que ser…

“… Morte de cruz”

Morte de malditos, morte dos párias da sociedade.

Mas não um pária ou excluído qualquer, tinha que ser es-

cravo. Só escravos morriam na cruz.

Deste modo, como um reles escravo, o Senhor dos

céus, o adorado das incontáveis miríades celestiais, “des-

ceu às regiões inferiores da terra” (Ef 4.9).

Imagino que, assim como eu, os demais filhos de Deus

ao ler em Fp 2.5-8, o fazem com rapidez e desconforto. Há

uma expectativa, um anseio por desaguar no cântico triun-

fal dos versos de 9 a 11: A exaltação do Servo sofredor! Os

céus, em festa, recebem o seu Amado, ajoelham-se e O ado-

ram. Abrem-se-lhe os portais eternos. O Pai Lhe oferece o

trono à sua destra. Os poderosos e príncipes da terra se

arrojarão aos seus pés. As potestades do mal, os

dominadores deste mundo tenebroso, humilhados, se do-

brarão ante o Rei da Glória.

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 42: A esperança que temos

42

A esperança que temos

“Pelo que também Deus O exaltou sobremaneira e lhedeu o nome que está acima de todo o nome, para queao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, naterra e debaixo da terra, e toda língua confesse que

Jesus Cristo é Senhor para glória de Deus Pai.”

Ele recebeu o nome supremo: Senhor. A palavra grega

utilizada para designar Jesus neste texto – Kyrius – é a mes-

ma utilizada na Septuaginta (versão grega do Velho Testa-

mento) para traduzir Yahweh do hebraico. Esta é a posição de

extrema honra e autoridade que foi conferida Àquele que so-

freu extrema humilhação.

E, então, uma vez mais minha débil percepção me confun-

de e embaraça, pois vejo que mesmo na sua exaltação, quando se

comemora a sua vitória, quando tocam as trombetas celestiais e

se levantam os portais eternos para a sua passagem, quando toda

população celestial comemora sua autoridade e majestade, não é

para Si, mas para Seu Deus e Pai, a glória que recebe.

Como entender Jesus, o Cristo? Na sua exaltação Ele

estava vazio de Si mesmo!

Oh! Jesus! Como ter este teu sentimento se nem mes-

mo posso compreendê-lo? Por mais que me esforce não con-

sigo atinar em nada que pudesse fazer ou sofrer para sequer

me aproximar de tal esvaziamento.

Page 43: A esperança que temos

43

Senhor meu, que Te posso dar como demonstração de

gratidão e reconhecimento? Como Te presentear? Como Te

surpreender com uma oferta que Tu não esperas? Nada te-

nho ou sou que já não me tenhas exigido. Tudo é teu por

direito. Nenhuma dádiva nova tenho para Te oferecer!

Como é feliz a pecadora que, na casa de Simão, Te un-

giu os pés com precioso ungüento e, chorando sobre teus pés

empoeirados, os beijava e enxugava com os próprios cabelos!

(Lc 7.36-50). Como eu a invejo!

Sou pobre e miserável! Deixa-me, pois, consumir em

teu serviço ou me consumirá a desventura dos ingratos!

“Tende em vós o mesmo sentimento que houve tam-

bém em Cristo Jesus”. É esta a exortação do Espírito Santo.

Esta expressão pode também ser traduzida como “o mesmo

espírito que houve em Cristo Jesus”.

Deus nos quer treinar para desenvolvermos este espí-

rito, este sentimento, como aconteceu com o Seu Primogênito.

E do modo como Ele, a partir de um posicionamento assumi-

do, foi crescendo nas suas ações em esvaziamento e humilha-

ção, assim também, deve ser conosco.

Nesta perspectiva, podemos entender por que Jesus

ao anunciar o Evangelho do Reino de Deus (governo e au-

toridade de Deus), fazia quatro exigências básicas (Mc 8.34-

36; Lc 14.25-33):

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 44: A esperança que temos

44

A esperança que temos

a. Negar-se a si mesmo – Ele o fez ao abdicar de sua

forma e igualdade com Deus, fazendo-se servo e homem.

b. Tomar a Cruz – Ele o fez ao renunciar a própria

vontade, abraçando a do Pai, mesmo sob a inigualável tenta-

ção do Getsêmani. Além disso, tomou-a, literalmente, sobre

os ombros humanos.

c. Perder a vida – Ele o fez, literalmente, obedecendo

até a morte.

d. Renunciar a tudo – Ele o fez ao tornar-se homem

para sempre, dando ao seu Deus e Pai toda a glória e autori-

dade (Mt 24.36; Jo 14.28; 1.7; 1Co 8.6; 15.27-28; Fp 1.11; 2.11;

Ap 1.1).

Meu coração se constrange ao pensar que o Verbo Eter-

no nunca mais terá a forma de Deus. Para sempre e por toda

a eternidade haverá um homem, o homem Jesus, assentado à

direita do Pai (1Tm 2.5).

Que mente humana, por mais brilhante e imaginativa

que seja, pode conceber o que significou para o Senhor Jesus

perder a forma de Deus?!

Deixou de ser como o Pai para que pudéssemos ser como

Ele: “… Aguardamos o Senhor Jesus Cristo, O qual transfor-

mará o nosso corpo de humilhação para ser igual ao corpo de

Sua glória” (Fp 3.21). “…Sabemos que, quando Ele se mani-

Page 45: A esperança que temos

45

festar, seremos semelhantes a Ele, porque havemos de vê-Lo

como Ele é” (1Jo 3.2).

Se Ele pôde abrir mão da sua forma de Deus, para sem-

pre, há alguma renúncia que seja grande demais para nós,

por amor a Ele?!

Tudo que nos exige Ele próprio experimentou em muito

maior escala. Ele é o nosso modelo. Foi feito o nosso irmão

mais velho. O Pai quer que sejamos semelhantes a Ele (Rm

8.15-17, 29; Hb 2.11-15): filhos amados que Lhe tragam con-

tentamento (Mt 3.17; 17.5). Para tanto, o Pai nos irá exerci-

tar, ao longo da vida, através de todas as circunstâncias, até

sermos perfeitos (Ef 4.13).

Consideremos como exemplo a história de Davi. Na sua

velhice, ele escreve um dos seus últimos poemas. Em sua mente

se desdobram as lembranças, desde o urso e leão que matou,

defendendo o rebanho de seu pai até a rebelião de Absalão,

seu filho. Passando por Golias, pelos dez anos, aproximada-

mente, de perseguição de Saul, o exílio entre os filisteus, a

morte de Saul e Jônatas, a coroação, a tomada de Jebus (forta-

leza dos jebuseus bem no centro do território de Israel, que

nem Josué, nem os juízes, nem Saul conquistou e que Davi

transformou em Sião ou Jerusalém, a cidade do Grande Rei),

a vitória sobre os filisteus, o retorno da Arca de Deus à Jeru-

salém, a aliança com Deus – a promessa do Messias, as mui-

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 46: A esperança que temos

46

A esperança que temos

tas guerras, o horror contra Urias, a repreensão de Natã, o

incesto de Amnom, o homicídio entre os filhos, revolta e morte

de Absalão.

Ao final de sua vida podia dizer: “O Senhor adestrou as

minhas mãos para o combate, de tal maneira que os meus

braços vergaram um arco de bronze” (2Sm 22.35). É certo

que Davi está utilizando uma metáfora para demonstrar como

Deus o capacitou em seu espírito, para enfrentar as maiores

adversidades da vida. Mas até conseguir vergar este arco de

bronze, ele precisou ser exercitado com outros mais simples

e fáceis de manejar. Vencer Golias, por exemplo, não passou

de um arco de bambu: zelo por Deus. Mero e simples exercí-

cio de fé – princípios elementares, rudimentos da vida em

Deus. Ações como estas só nos trazem reconhecimento, hon-

ra e até aclamação, como aconteceu com Davi.

Mas de Davi procederia o Messias. Deus faria uma ali-

ança com Davi e teria muito a realizar por meio dele. Deus,

porém, não se agrada nem se utiliza de homens inteiros e

orgulhosos, que só conhecem o louvor e abatem os que se

lhes opõem. Tais homens nunca estiveram no conselho de

Seu Filho – o Servo sofredor. São incapazes de se conforma-

rem com Seus sofrimentos. São inúteis para Deus. Só servem

aos seus próprios ventres, à sua própria carne e cobiça. São

eternos filhos de Adão.

Page 47: A esperança que temos

47

Deus precisava “quebrar” Davi. Como diz Gene

Edwards em seu excelente livro Perfil de Três Reis: “Deus

arrancou o Saul de dentro do coração de Davi”. Era preciso

destruir o Saul que habitava em Davi.

Para tanto as mãos de Davi foram treinadas na obscu-

ridade das cavernas solitárias, “errante pelos desertos, pelos mon-

tes, pelas covas, pelos antros da terra”, bebendo o cálice da in-

gratidão, injustiça e ciúme daquele a quem serviu de coração

inteiro.

Quando Absalão, seu próprio filho, voltou-lhe o punho

cerrado da revolta, ele já sabia e podia envergar o arco de

bronze: entregar-se completa, irrestrita e absolutamente

“Àquele que julga retamente” (1Pe 2.23).

Foi assim com Jesus, o Filho do homem. Por trinta anos

conteve o seu ímpeto messiânico, vivendo na obscuridade e

insignificância da carpintaria de José (mesmo que estivesse

assentado sobre os reinos deste mundo, ainda seria obscuro e

insignificante para Ele). Depois da carpintaria vieram os pro-

dígios, os milagres, as multidões e as aclamações. Depois a

resistência, a perseguição e os insultos: “tens demônio”. De-

pois Getsêmani (agonia), o julgamento (desprezo), e a cruz

(abandono de Deus) – arco de bronze.

Para Davi, Absalão foi Getsêmani: “… não a minha, mas

a tua vontade” (2Sm 15.25, 26). Este foi seu arco de bronze.

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 48: A esperança que temos

48

A esperança que temos

Somente homens quebrados, fracos em si mesmos, humi-

lhados e vencidos por Deus, podem vergar este arco poderoso.

E quando se evidencia que alguém está humilhado, que-

brado? Como saber que alguém está vencido por Deus? Quan-

do cessa a resistência. Então, o homem está completamente

disponível para Deus, para todo e qualquer serviço, em todo

e qualquer lugar, sob quaisquer que forem as circunstâncias.

Assim, fica evidente a glória de Deus – rompendo-se, portan-

to, o vaso de barro.

Não é humilde o que sofre humilhações e se ressente

amargurado. Este só não revida porque não pode, mas reage

erradamente: fica triste pelos cantos, rancoroso ou assume

uma postura de herói injustiçado. Não sabe que quanto mais

se protege e se defende, mais se torna vulnerável e é atingido.

As pessoas defensivas, não raro, se tornam amargas, agressi-

vas, tristes e/ou desconfiadas.

Deus quer nos ensinar a bênção de perder e sorrir (mes-

mo no futebol). De ser traído e amar. A confiança de entre-

gar-se “Àquele que julga retamente”. Há quem, ao ser magoado

e ofendido, “entrega a Deus” os que lhe ofendem, com um ar

“todo espiritual” que esconde o desejo carnal de vingança.

Esquece-se, convenientemente, que é ele próprio quem tem

de entregar-se ao Senhor, enquanto padece nas mãos de ou-

tros, sabendo que bem pode ser a mão de Deus (At 2.23).

Page 49: A esperança que temos

49

Unidos em esperança ao coração de Deus

Isto é a cruz!

Se te perseguem, provocam ou insultam, não desce da

cruz para mostrar a tua força e do que és capaz.

Se te louvam, honram ou aclamam, não desce da cruz

para receber os aplausos.

A cruz é bom lugar!

Nela, os meus direitos estão nas mãos do meu Pai. Ele os

fará valer se assim o quiser. Não tenho que lutar ou me esforçar

para que estes sejam reconhecidos. Meu direito é o cumprimen-

to de Sua vontade. É Seu direito dispor de minha vida. Jesus

entregou-se ao Pai, não lutou. Ele é o nosso modelo (Jo 5.41;

7.18; 8.50). A cruz não era o Seu lugar, mas Ele, por nossa causa

e para fazer a vontade do Pai, permaneceu nela! Portanto,

A cruz é nosso lugar!

Longe de nós, qualquer glória que não seja aquela da

cruz humilhante, das vaias e insultos, da coroa ferina e dos

pregos, pois foi lá que nós morremos para o mundo e o mun-

do morreu para nós (Gl 6.14).

Esta é a glória da cruz: nos liberta do mundo.

Page 50: A esperança que temos

50

A esperança que temos

A cruz marca o limite entre o mundo e o Reino de Deus.

Só por ela nós iremos conhecer o poder da ressurreição de

Jesus, porque, então, já conheceremos a comunhão dos seus

sofrimentos, tendo-nos conformado com Ele na sua morte

(Fp 3.10; Rm 8.17).

Foi na cruz que Jesus triunfou sobre Satanás e despre-

zou seus príncipes (Cl 2.15), e não com milagres e sinais po-

derosos.

É certo que foi pelo poder do Espírito Santo que Ele

o fez (Hb 9.14). Mas, nem sempre o poder do Espírito San-

to se manifesta exteriormente por meio de prodígios e mi-

lagres, capaz de curar corpos enfermos e ressuscitar mor-

tos. Muitas vezes, este poder que é mais forte que a carne,

se manifesta no sentido de nos capacitar a sofrer em ações

de graças, e, em esperança e fé permitir que “o pó volte a

terra como o era, e o espírito volte a Deus que o deu” (Ec

12.7).

Foi assim com Jesus na solidão da cruz.

A cruz é a maior manifestação do amor de Deus. Na

cruz aconteceu a vitória de Deus. Lá, Ele nos reconciliou con-

sigo mesmo pelo corpo de Cristo (Rm 7.4; 2Co 5.19). Na cruz

se manifesta a glória de Deus na face de Cristo. Quando Moisés

pediu para ver a glória de Deus, Este mostrou-lhe a Sua bon-

dade (Ex 33.18-19). A cruz de Cristo é a manifestação maior

Page 51: A esperança que temos

51

da bondade de Deus. Por isso, também, a expressão máxima

de Sua glória. Deste modo, a glória de Deus é vista na face

ferida de Cristo (Is 52.14; 53.5, 10a x 2Co 4.6).

“Aquele que é cheio de graça e de verdade há de impri-

mir Seu caráter em mim. Preciso a graça que anseia em pres-

tar favor; a verdade que se expressa também em sinceridade

e honra, para a glória do Seu nome.” David Livingstone.

É na Cruz que nos Unimos aoBondoso Coração de Deus.

Unidos em esperança ao coração de Deus

Page 52: A esperança que temos

52

A esperança que temos

Page 53: A esperança que temos

53

Olhando com esperançapela lente de Deus

A esperança nos faz ver e nos transporta ao “final feliz”,

de tal modo que Paulo podia dizer: “Porque, para mim, tenho

por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para

comparar com a glória por vir a ser revelada em nós” (Rm

8.18). O apóstolo tinha os olhos na eternidade (Fp 3.20, 21)

“Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida

somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19). Se

enxergarmos a vida do mesmo modo que Paulo poderemos,

de sã consciência, como ele proclamar: “Porque a nossa leve e

momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória,

acima de toda comparação” (2Co 4.17).

Paulo tinha uma lente especial para ver as circunstân-

cias que o envolviam, mesmo as mais adversas. Tomemos os

seus óculos e o nosso horizonte mudará. “Não atentando nós

4

Page 54: A esperança que temos

54

A esperança que temos

nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as

que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas.”

(2Co 4.18).

Nesta perspectiva, Paulo podia dizer: “leve e momentâ-

nea tribulação”. Algum desavisado pode estar pensando que o

apóstolo estava falando de teses teóricas. Quero preveni-lo e

mostrar-lhe que não é assim, ao contrário, o que Paulo cha-

mou de “leve e momentânea”, foi uma tribulação tal, que o le-

vou a “desesperar da própria vida” perder a esperança de

sobreviver – porquanto foi acima de suas forças. Ele e seus

companheiros chegaram a ter sua sentença de morte decre-

tada, para aprenderem a confiar em Deus que ressuscita os

mortos e não em si mesmos (2Co 1.8-9).

Na sua primeira carta aos coríntios, Paulo se refere a esta

situação, quando diz que lutou com feras em Éfeso1 (1Co 15.30-

32). Na segunda carta, ele fala da intensidade da tribulação que

lhe sobreveio na Ásia (Éfeso). O Paulo que estava pronto a sofrer

e morrer (At 21.13; Fp 1.20; 2.17), certamente não se perturba-

ria com qualquer coisa. Uma tribulação que foi acima de suas

forças, provavelmente aniquilaria a maioria dos cristãos. Paulo,

todavia, era tomado por um senso de destino: glorificar e en-

grandecer a Cristo no seu corpo quer pela vida, quer pela morte.

1 Provavelmente esta expressão “lutei com feras” não é literal, pois os cidadãosromanos não eram obrigados a este tipo de flagelo. A expressão “feras” deve seralegórica, referindo-se a crueldade e bestialidade dos homens (Tt 1.20,24).

Page 55: A esperança que temos

55

O resultado de tal confiança de coração é uma perseve-

rança inabalável. “Por isso não desanimamos: pelo contrário,

mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo o

nosso homem interior se renova de dia em dia” (2Co 4.16).

Quando vivemos assim, fica notório que “a excelência do po-

der” é de Deus e não de nós, meros vasos de barro. E então…

“…em tudo somos atribulados, porém, não angus-

tiados, perplexos, porém não desanimados; per-

seguidos, porém não desamparados; abatidos, po-

rém não destruídos; levando sempre no corpo o

morrer de Jesus para que também a Sua vida se

manifeste em nosso corpo. Porque nós, que vive-

mos, somos sempre entregues à morte por causa

de Jesus, para que também a vida de Jesus se ma-

nifeste em nossa carne mortal” (2Co 4.7-11).

Davi dizia confiante: “…Tu estás comigo…” (Sl 23.4), mes-

mo ladeado pela morte. Quando conhecemos o Senhor Jesus como

o Pastor nosso de cada dia, descobrimos que já não importa tan-

to se estamos sofrendo fome, nudez, enfermidades, calúnias, per-

seguições e, se mesmo, estamos às portas da morte. Só uma coisa

importa: a bendita presença de Jesus. Não perguntamos: Por que?

Só uma pergunta aquece nosso coração: Tu estás comigo?

Olhando com esperança pela lente de Deus

Page 56: A esperança que temos

56

A esperança que temos

Quantas vezes na igreja, conversando com irmãos an-

gustiados, aflitos e exaustos lembro-me das palavras de Je-

sus: “…Como ovelhas que não têm pastor”. São pessoas que co-

nhecem a doutrina, mas não conhecem o Mestre. Estão na

família, mas não conhecem o Pai. Receberam a autoridade do

reino, mas nunca se debruçaram sobre o peito do Rei. São

nossas ovelhas, estão sob o nosso pastoreio, mas não conhe-

cem o pastoreio de Cristo. Como me humilha e envergonha

ter sob os meus cuidados, ovelhas que não conhecem o conso-

lo da presença de Jesus!

Somos a noiva de Jesus, e é certo que ele não virá bus-

car uma noiva amarrotada e cheia de manchas, “porém santa e

sem defeito”. Ele nos está aperfeiçoando. Ele próprio foi aper-

feiçoado por meio de sofrimentos (Hb 2.10; 5.8, 9) e não pen-

semos que será diferente conosco (Hb 12.11-13; 1Pe 1.6-9).

Precisamos crer no cuidado que Ele tem para conosco e con-

fiar nas Suas intenções. Ele nos há de apresentar imaculados

diante de Sua glória (Jd 24).

Às vezes somos como os bebês: estes costumam acor-

dar no meio da noite com grande estardalhaço e pranto. Nor-

malmente o quarto está escuro, os pais não estão à vista e eles

estão molhados, sujos, com frio e com fome. O produto destes

fatores é um grande desespero para os pequeninos, que só

sabem o que experimentam, e o que experimentam é muito

Page 57: A esperança que temos

57

desconfortável. Cada minuto é uma eternidade. Onde estão

os pais que não aparecem? Será que não percebem a sua afli-

ção? Os bebês, “pobres desamparados”, são também, grandes

desinformados. Não sabem, por exemplo, que esta sua “gran-

de aflição”, não lhes trará grandes prejuízos. Na verdade é

algo simples, comum e passageiro (Não é assim também

conosco? Não atribuímos a pequenos dissabores, desconfor-

tos e dores o “status” de grande aflição?). Ignoram, ainda,

que todos os recursos estão ao alcance dos pais: a luz, materi-

al de higiene, fraldas e lençóis limpos, seios fartos e braços

aconchegantes (Não é assim também conosco? Quando nos

angustiamos diante das dificuldades achando que Deus está

ausente?).

Não temos que estar ansiosos – Ele o sabe (Mt 6.25-

34). Sabe o porquê e para que:

“Não temais, ó pequenino rebanho; porque o vosso Pai se

agradou em dar-vos o Seu Reino” (Lc 12.32). “E quanto a vós

outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.30).

“Temos, portanto, sempre bom ânimo… visto que andamos por

fé, não por vista” (2Co 5.6,7). Não sejamos bebês!

O homem é tendencioso a viver de momentos e não consi-

derar o histórico nem o propósito dos acontecimentos. Tem

memória curta e esquece de orar como Moisés: “Ensina-nos a

contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio” (Sl

Olhando com esperança pela lente de Deus

Page 58: A esperança que temos

58

A esperança que temos

90.12). Ao contrário, passa a vida orando para se livrar dos pro-

blemas. Esquece que Deus não tem dificuldades com as circuns-

tâncias. O Deus que “chama a existência às coisas que não existem”

(Rm 4.17) pode transformar tudo. Quando Ele quis, abriu o mar

e a terra (Ex 14.21-22; Nm 16.31-33), fez o sol parar (Js 10.12,13)

e até voltar (Is 38.8). O problema de Deus não está com as situ-

ações, mas com o nosso coração empedernido: transformar um

coração de pedra em coração de carne. O homem é o único ser

que ousa desafiar a Deus, não se submetendo a Ele.

Vejamos o exemplo de Israel no deserto: Todos os prodí-

gios e sinais maravilhosos eram esquecidos ao surgir uma nova

dificuldade. Não conseguiam entender o que Deus lhes explica:

“Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu

Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar,

para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guar-

darias ou não os seus mandamentos. Ele te humilhou, e te dei-

xou ter fome, e te sustentou com o maná que tu não conhecestes,

nem teus pais o conheceram, para te dar a entender que não só

de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do

Senhor, disso viverá o homem. Nunca envelheceu a tua veste

sobre ti, nem se inchou o teu pé nestes quarenta anos. Sabe, pois,

no teu coração que, como o homem disciplina a seu filho, assim

te disciplina o Senhor teu Deus… para te humilhar, e para te pro-

var, e afinal te fazer bem (Dt 8.2-5, 16). Deus tinha um propósito

Page 59: A esperança que temos

59

Olhando com esperança pela lente de Deus

definido e queria o bem do povo. Um bem permanente: “Eu é

que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor;

pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais”

(Jr 29.11). O povo, no entanto, só queria o seu próprio e imediato

bem estar.

Esta mesma dificuldade de crer e agir em Deus, a des-

peito das circunstâncias (uma espécie de síndrome de imobi-

lidade por incredulidade) acometeu os discípulos após a mor-

te de Jesus. Não conseguiram lançar suas esperanças para além

da cruz, mesmo tendo a promessa do Senhor de que Ele res-

suscitaria (Lc 18.31-33; 24.7). Detiveram-se na morte, não

ousando crer no sepulcro vazio, mesmo quando ouviram que

o Senhor havia ressuscitado (ver os discípulos de Emaús, Tomé

e os outros – Lc 24.9-11, 21-25, 36-41; Jo 20.24-25).

Além de imediatista, o homem é inclinado à auto-sufi-

ciência. Quando um dia Pedro “arrotava” fidelidade ao Se-

nhor, este lhe disse: “Simão, Simão, eis que Satanás vos recla-

mou (todos) para vos peneirar (todos) como trigo. Eu, porém,

roguei por ti, para que tua fé não desfaleça…” (Lc 22.31-32).

Satanás reclamou todos, mas Jesus intercedeu por Pedro, o

mais ousado em falar da sua própria firmeza. Este, justamen-

te, cairia se o Senhor Jesus não intercedesse por ele.

No caso de Pedro, o Senhor lhe explicou a causa do

seu livramento. Mas, quantos de nós, sem se dar conta,

Page 60: A esperança que temos

60

A esperança que temos

têm sido livres pela intercessão d’Aquele que “vive para

interceder por nós?” (Rm 8.34; Hb 7.25). Como somos in-

sensatos quando nos queixamos! Como afrontamos o amor,

a sabedoria e a soberania de Deus quando reclamamos!

Como somos contradizentes quando afirmamos que somos

cooperadores de Deus e depois murmuramos!

Quem, alguma vez, ouviu Jesus murmurar?

Ele era o Filho Amado em quem o Pai tinha todo o seu

prazer! A alegria do Pai pode, agora, ser multiplicada em muitos

filhos amados (Rm 8.28-29)! Aleluia! “Sede, pois, imitadores de

Deus, como filhos amados… como também Cristo…” (Ef 5.1,2).

A esperança é como o alongar da fé. Ter esperança é

estender a fé para adiante. Se a “fé é a certeza das coisas

que não se vêem e a convicção das coisas que se esperam”,

a esperança é a firme e inabalável determinação de seguir

em fé. A decisão de continuar crendo e esperando, mesmo

quando os nossos sentidos atestam a nulidade dos nossos

esforços. É esperar (confiar nas promessas) mesmo contra

a esperança (possibilidades humanas). Assim fez Abraão, o

pai da fé: “O qual, em Esperança, creu contra a esperan-

ça…” (Rm 4.17-21), 2 ou: “Abraão contra toda esperança,

em esperança, creu” 3.

2 Edição Revista e Corrigida Imprensa Bíblica Brasileira.3 Texto bíblico citado do Novo Testamento, Nova Versão Internacional, NVI,© 1993.

Page 61: A esperança que temos

61

Olhando com esperança pela lente de Deus

Possamos imitar aqueles que “…morreram na fé, sem

ter obtido as promessas, vendo-as, porém, de longe, e sau-

dando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos

na terra. Mas agora aspiram a uma pátria superior, isto é,

celestial. por isso Deus não se envergonha deles, de ser cha-

mado o seu Deus; porquanto lhes preparou uma cidade” (Hb

11.13-16; Fp 3.20; Jo 15.18, 19; 17.14-18).

Quando Paulo foi preso em Jerusalém (At 21.17-40), já

era um ancião. Certamente tinha mais de 60 anos, contudo, a

expectativa de aposentadoria do velho apóstolo era enfrentar

“… cadeias e tribulações” (At 20.23). Tendo levado uma vida

de lutas e perseguições, já chegando ao final da existência

terrena podia dizer “… em nada considero a vida preciosa

para mim mesmo…” (At 20.24). O que poderia levar um ho-

mem a ter tal desapego pelo mundo e por sua própria vida?

Não seria a inabalável convicção de que, assim como o seu

Senhor, ele também não era deste mundo? (Jo 17.16).

Há na igreja alguns, cujos pés ainda estão enraizados

na terra e cujos olhos ainda brilham para os prazeres fúteis e

a glória vã deste mundo, sobre os quais Satanás pergunta,

com sarcasmo, ao Senhor:

— Tu és o Deus destes?

É tão triste olhar nos olhos de tantos filhos de Deus e

não ver a nostalgia dos céus!

Page 62: A esperança que temos

62

A esperança que temos

Mas há outros “… que, perseverando em fazer o bem,

procuram glória, honra e incorruptibilidade” (Rm 2.7), “…

aspirando por ser revestidos da habitação celestial” (2Co 5.2),

sobre os quais Deus dá testemunho a Satanás:

— Eu sou o Deus destes!

Um destes foi Moisés, que mesmo contra a ira do rei, “per-

maneceu firme como quem vê Aquele que é invisível” (Hb 11.27).

Deste modo, pôde ser “fiel em toda a casa de Deus” (Hb 3.2).

Mas não é só de homens famosos como Moisés que Deus

dá testemunho. Identifiquemo-nos com os milhares de fiéis e

santos que morreram na obscuridade (Ap 6.9-11), mas dos

quais Jesus pode dizer: “…Minha testemunha, meu fiel…”, como

fez com um tal de Antipas (Ap 2.13). Para a história, um tal

Antipas, mas para Jesus e por toda a eternidade, “minha teste-

munha, meu fiel”.

Pensemos por um pouco na situação de João Batista.

Imagino que, quando a sua cabeça circulou pelo salão real

onde Herodes dava sua festa profana, os convivas devem ter

pensado: “Pobre coitado! Mas, também, quem mandou desa-

fiar o rei?” Depois devem ter continuado sua festa detestável.

O maior homem nascido de mulher, aquele que veio

“preparar o caminho do Senhor”, morto como um criminoso,

decapitado, em um cárcere imundo, por um carrasco qual-

quer, como mais um desgraçado qualquer. Executado para

Page 63: A esperança que temos

63

Olhando com esperança pela lente de Deus

atender as extravagâncias dos que pensam que governam.

Quanta surpresa haverá no dia do juízo! Como será diferente

no dia em que o Rei Jesus voltar e se dirigir a João dizendo:

“Venha, bendito de meu Pai…”. Onde estará e como ficará

Herodes e sua corte nesta hora?

A lente de Deus enxerga além do tempo e do espaço –

salta para eternidade. Deus não ignora nem despreza a nossa

temporalidade (Os 11.3-4), mas é em uma perspectiva de eter-

nidade que Ele nos vê.

Jesus tinha saudade desta existência onde não existe o

tempo (Jo 17.22-24). Paulo também, a ponto de considerar que

era “… incomparavelmente melhor partir…” (Fp 1.23; 3.20-21).

Quem não enxerga a eternidade não consegue ver como

Deus. Não entende a ação de Deus. Não consegue amar a sa-

bedoria de Deus e resiste à Sua ação: sofre as dores do mundo

sem provar as grandezas dos céus (1Co 15.19).

Se uma eternidade com Cristo nos espera então tudo é

suportável. Pode-se sofrer tudo e perder tudo, neste mundo

de aparências tão passageiras (1Pe 1.23-25; 1Jo 2.17).

Mas este estilo de vida é para aqueles cujos olhos estão

nos céus. Lá, onde está o seu tesouro (Lc 12.34).

São estes os que resplandecem como luzeiros no mun-

do (Fp 2.15) e dos quais o mundo não é digno! (Hb 11.38).

Page 64: A esperança que temos

64

A esperança que temos

São estes, os santos que o mundo odeia (Jo 15.18,19) e

que são amados pelo Pai! (Jo 14.21-23).

São estes os piedosos que o mundo persegue (2Tm 3.12)

e que Deus distingue para Si! (Sl 4.3).

Que diferença estes fazem no mundo! São sal e luz! (Mt

5.13-16). Que diferença farão estes na eternidade! Serão a

esposa do Cordeiro! (Ap 21.9). Aleluia!

E sobre a Sua noiva, disse Jesus: “Aquilo que o Pai me

deu é maior do que tudo…” (Jo 10.29).

“Portanto, se fostes ressuscitados juntamente

com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde

Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai

nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da

terra; porque morrestes, e a vossa vida está

oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quan-

do Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, en-

tão vós também sereis manifestados com Ele,

em glória!” (Cl 3.1-4).

Page 65: A esperança que temos

65

Invadindo o desesperoFala-se, no mundo, que “a esperança é a última que

morre”. Na verdade, as Escrituras dizem que a esperança não

morre, ao contrário, permanece: “Agora, pois, permanecem a

fé, a esperança e o amor…” (1Co 13.13). Deus insiste em falar

de esperança em Sua Palavra com o propósito de nos encher

desta disposição interior: esperar sempre, confiar sempre,

mesmo quando ladeado pela morte. “Ainda que eu ande pelo

vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu

estás comigo…” (Sl 23.4). Era esta a confiança do salmista.

Foi esta a confiança do Senhor Jesus, considerando que esse é

um salmo profético, juntamente com o Salmo 22 e 24, refe-

rindo-se ao sofrimento, morte, ressurreição e exaltação do

Senhor. Jó podia dizer: “Ainda que Ele me mate, n’Ele espera-

rei…” (Jó 13.15 1).

5

1 Edição Revista e Corrigida – Imprensa Bíblica Brasileira.

Page 66: A esperança que temos

66

A esperança que temos

Hoje, nestes tempos de desespero, é preciso lembrar do

Deus da esperança. Foi isto que fez Jeremias, o profeta das

lágrimas, nos dias terríveis da destruição de Jerusalém pelos

babilônicos: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperan-

ça… a minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto

esperarei n’Ele” (Lm 3.18-24). Literalmente, esta palavra sig-

nifica: “Farei voltar ao coração O que me pode dar esperança…”

(Lm 3.21)

Naquele tempo, os judeus estavam completamente hu-

milhados. Nabucodonosor, rei de Babilônia, invadira Jerusa-

lém e levara cativo o rei Zedequias, (o ungido de Deus e sím-

bolo da glória do povo), todos os seus filhos (que depois fo-

ram mortos), além dos sábios da corte e dos sacerdotes. O

templo sagrado que guardava a arca da aliança (símbolo da

presença e glória de Deus) foi saqueado e queimado junta-

mente com toda a cidade. Os objetos sagrados foram profa-

nados e levados para Babilônia. Com os muros derribados, a

cidade estava completamente desamparada. A fome e sede des-

truíam a população. (Lm 1.8-12). Tal era o horror da fome,

que as mulheres comiam os próprios filhos (Lm 2.20).

No meio daquele inferno Jeremias decidiu fazer “voltar

ao coração Aquele que lhe podia dar esperança”. Ter espe-

rança não é uma atitude passiva e conformista. Ao contrário,

é um exercício de vontade. É decidir continuar crendo. Esco-

Page 67: A esperança que temos

67

lher não se encolher, não se amargurar. É preferir evitar a

queixa.

O desespero, a queixa, o lamento é para “…aqueles que

não têm esperança” (1Ts 4.13). Aquele, porém, que crer que

“…Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a sal-

vação mediante o nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por

nós para que, quer durmamos quer vigiemos, vivamos em

união com Ele” (1Ts 5.9,10), este sabe transformar cada situ-

ação de dor e sofrimento em “sacrifício de louvor” (Hb 13.5),

porque já tomou “como capacete, a esperança da salvação”

(1Ts 5.8).

Ter esperança, portanto, é trazer ao coração, o Deus

Eterno. Deste modo, “alegrai-vos na esperança…” (Rm 12.12).

Ter esperança é ter a disposição que havia em Sadraque,

Mesaque e Abede-Nego: “Se o nosso Deus, a quem servimos,

quer livrar-nos, Ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e

das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não servi-

remos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que

levantaste” (Dn 3.16-18), ou seja, morreremos. Sabiam e con-

fiavam que Deus poderia livrá-los, mas não exigiam e nem

condicionavam sua fidelidade a isso. Como isto é diferente da

atitude reivindicadora e arrogante de tantos “cristãos” dos

dias atuais!

Invadindo o desespero

Page 68: A esperança que temos

68

A esperança que temos

Que bendita esperança enche o coração dos legítimos filhos

de Deus: Sem pavor de sofrer – “… ao contrário, alegrai-vos na

medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cris-

to, para que também na revelação de Sua Glória vos alegreis,

exultando” (1Pe 4.13).

Sem pavor de morrer – “...para que, por Sua morte, des-

truísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e

livrasse a todos que pelo pavor da morte, estavam sujeitos à

escravidão por toda a vida” (Hb 2.14,15). Em outras palavras:

“Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para

si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos,

para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos,

somos do Senhor” (Rm 14.7,8).

Que contraste com o mundo! Que diferença em relação

aos filhos da desobediência! Como é diferente “o caminho do

justo” do caminho dos que andam “segundo o curso deste

mundo”!

Pedro diz que devemos estar “... sempre preparados para

responder a todo aquele que nos pedir razão da esperança

que há em nós” (1Pe 3.15).

Esta esperança é notória e visível. Tão saliente que des-

perta o questionamento dos incrédulos que não têm esperan-

ça (Ef 2.12). É cidade sobre o monte, candeia no velador,

luzeiro resplandecente, sal da terra e luz do mundo. Ela con-

Page 69: A esperança que temos

69

trasta com o desespero do mundo, destaca-se e incomoda como

um jorro de luz no interior de uma caverna. A esperança que

temos profetiza ao mundo em silêncio:

a) Na alegria e ações de graças, diante das situações

adversas do presente (Rm 5.1-5; 15.4, 13; Fp 1.29;

Tg 1.2-3);

b) Na expectativa de uma vida perfeita e irrepreensível

a ser alcançada em Cristo, ainda aqui neste mundo

(Ef 4.11-13; Fp 3.12-14; Cl 1.27-28);

c) E, sobretudo, na confiança de uma eternidade por

vir (Rm 8.18-25; Fp 3.20-21; 1Pe 1.3-9; 1Jo 3.2).

Esta esperança na eternidade, contudo, deve ser, não

apenas no sentido de se desejar os céus, mas também de pre-

tender que os reinos deste mundo se tornem do Senhor Deus

e do Seu Cristo (Ap 11.15-18). Este é o esforço de Deus!

Devemos anelar a eternidade, não no sentido de esque-

cer o mundo enquanto acariciamos a esperança dos céus, mas

de levar ao mundo esta esperança (Jr 20.9; Mt 9.35-38; Jo

4.31-34). Que a esperança que temos na eternidade nos faça

ser tomados de um senso de destino. O mesmo que tomava

completamente o coração do apóstolo Paulo: estabelecer o

reino de Deus e glorificar seu nome em todas as circunstân-

cias da vida (At 20.22-24; Fp 1.20,21).

Invadindo o desespero

Page 70: A esperança que temos

70

A esperança que temos

Esta é a comissão de cada discípulo (1Pe 2.9-10). Esta é

a vocação da Igreja (Mt 28.28-20; At 1.8). Nesta perspectiva,

a ignorância em que vive o mundo, a sua infelicidade, sua de-

sesperança e condenação, tem que ferir a nossa felicidade (Mc

3.5; At 17.16-17; 26.17-18) e nos impulsionar a alcançá-lo,

ainda que o preço seja a nossa própria vida (At 21.13).

Quando o jovem John Paton decidiu ir, com sua es-

posa e filho, às Novas Hébridas (ilhas do Pacífico)

evangelizar os antropófagos, um irmão muito estimado

exclamou: “Entre os canibais! Serás devorado por eles!” A

isto Paton respondeu: “Tu, irmão, és muito mais velho que

eu; breve serás sepultado e comido por vermes. Declaro-te

que, se eu conseguir viver e morrer servindo ao Senhor

Jesus e honrando o seu nome, não me importarei de ser

comido por vermes ou antropófagos; no grande dia da res-

surreição o meu corpo se levantará tão belo quanto o teu,

na semelhança do Redentor ressuscitado”2.

“Se Jesus Cristo é Deus e morreu por mim, nenhum

sacrifício é grande demais que eu não possa fazer por Ele”

(Charles Stud).

Oh! Como ser feliz, se por Ele não puder sofrer? Como

desejar um dia vê-lo, se por Ele não quiser morrer?

2 Citação tirada do Livro Heróis da Fé

Page 71: A esperança que temos

71

Nem todos provaremos a glória do martírio, mas todos

devemos cobiçá-la! Ninguém, que um dia tenha contemplado

o Cordeiro que foi morto, consegue viver sem desejar dar sua

vida por Ele.

Os apóstolos se regozijaram quando foram açoitados

e sofreram afrontas pelo nome de Jesus (At 5.40,41). Paulo

se alegrava porque tinha a oportunidade de preencher, em

sua própria carne, com seu próprio sofrimento, o que res-

tava das aflições de Cristo em favor da igreja, que é o cor-

po de Cristo (Cl 1.24). Nesta disposição, estava pronto

mesmo a morrer (At 21.13). Que amor incompreensível e

tão desconhecido da igreja atual!

Este amor é próprio daqueles que, um dia, enxergaram

seus próprios pecados e, da amargura de sua condenação, con-

templaram o “Cordeiro como havia sido morto”, providenci-

ando-lhes “tão grande salvação”.

Todo o que se aproxima o suficiente para ouvir o

coração “d’Aquele que nem mesmo ao Seu próprio Filho

poupou, antes, por todos nós o entregou…” (Rm 8.32), con-

siderará um crime terrível, qualquer reserva na dedicação

e serviço a Ele.

O Deus que permite, e às vezes, exige o sacrifício de seus

filhos em função do Seu (nosso) grande propósito, sacrificou-Se

Invadindo o desespero

Page 72: A esperança que temos

72

A esperança que temos

primeiro a Si mesmo em Cristo Jesus. “… A saber, que Deus

estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputan-

do aos homens as suas transgressões…” (2Co 5.19).

Este amor do Pai nos constrange. Torna-se obrigatório

que nos entreguemos a Ele sem reservas para que se quebre

o cetro de Satanás e os homens cativos sejam trazidos para

“… liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.21), “para o

reino do Filho do Seu amor” (Cl 1.13).

Lemos em Ap 11.15 que: “Os reinos desde mundo se

tornaram do Senhor Deus e do seu Cristo”. Ora, se estes rei-

nos “se tornaram” é porque não eram do Senhor, ao contrá-

rio, estavam sob o domínio daquele a quem Jesus chamou de

“príncipe deste mundo” (Jo 12.31). Mas como o diabo veio a

tornar-se o “príncipe deste mundo”?

No princípio, quando foi criado, ele era - o “querubim

da guarda, ungido”, “sinete da perfeição” (Ez 28.12-14), “es-

trela da manhã, filho da alva” (Is 14.12). Deus lhe havia con-

ferido grande beleza, sabedoria e autoridade nos céus. Era

um ser glorioso. Todos os anjos lhe prestavam reverência.

Era o primeiro dos anjos. Tão grande era sua glória e seu

poder, que ele imaginou igualar-se ao seu criador. Quando,

porém, se rebelou contra o Todo-poderoso, foi banido dos

céus e lançado nos abismos de trevas (Is 14.9-15; Ez 28.12-

19; 2Pe 2.4). Embora conservando seu poder e inteligência

Page 73: A esperança que temos

73

(2Co 4.4; 11.3,14-15; Jd 8-9) perdeu sua glória e o ambiente

onde desenvolvia a sua autoridade. Tornou-se um ser toma-

do de inveja e ódio, impotente diante da situação em que o

Senhor o colocara.

Quando Deus criou Adão, conferiu-lhe autoridade e

governo sobre toda a terra (Gn 1.26). Adão seria o primogênito

de Deus. O primeiro de todos os filhos de Deus. O governante

do universo com o seu Deus e Pai. O Éden era só o laborató-

rio para treiná-lo na administração e governo do mundo.

Neste tempo, Satanás era apenas o “príncipe das trevas”,

insignificante e desprezado. Não havia ambiente onde desen-

volver seu grande poder e inteligência. A terra, tão bela, era

domínio de Adão. Sua autoridade no “reino das trevas” se li-

mitava, provavelmente, em manifestações de ódio e amargu-

ra contra seus anjos caídos e rebeldes. E, como Deus não lhe

conferira capacidade criadora, ele não podia criar seu próprio

reino.

Em Adão, o querubim caído viu a chance de governar,

exercer autoridade, domínio e poder. Só teria que vencê-lo

(2Pe 2.19). Mas, como vencer o homem a quem Deus incum-

biu de guardar o jardim, capacitando-o para isso ao delegar-

lhe autoridade sobre toda a terra? (Gn 1.26-31). Satã sabia

que não poderia medir forças com Adão. Só poderia vencê-lo

pela persuasão. Agredir Adão seria desafiar e ferir a autori-

Invadindo o desespero

Page 74: A esperança que temos

74

A esperança que temos

dade de Deus (Tg 4.7; 1Co 11.3, 7). Para obter a sujeição do

homem com todo o seu domínio, Satanás precisaria induzir

Adão a, voluntariamente, rejeitar a Deus. O Senhor Deus não

poderia interferir neste confronto: seria a escolha do homem.

Nós conhecemos a triste história. Incitado por Satanás, o

homem rebela-se contra Deus. Ao buscar o conhecimento que

lhe possibilitaria auto governar-se, Adão rejeita a autoridade de

Deus negando-lhe o direito de governá-lo. Adão queria dirigir a

própria vida e não depender de Deus. Tomar as próprias deci-

sões sem ter que consultar a Deus. Mas, isto só seria possível

com o conhecimento do bem e do mal. O seu ato de desobediên-

cia, então, foi fruto de sua intenção, vontade e decisão de ser

independente de Deus. Comer do fruto proibido foi a busca cons-

ciente do único meio de libertar-se da tutela de Deus: conheci-

mento do bem e do mal. Foi a consumação do seu desejo. “O

pecado foi consumado pela desobediência, mas foi gerado por

uma atitude interior de rebelião.” 3. O homem não se tornou

rebelde porque comeu do fruto proibido, ao contrário, comeu do

fruto porque se tornara rebelde.

Adão, fazendo uso do seu livre-arbítrio, rebelou-se con-

tra Deus. Em conseqüência, mesmo contra a sua vontade, tor-

nou-se escravo do pecado e de Satanás, porque “… aquele que

é vencido fica escravo do que é vencedor” (2Pe 2.19). E, “todo

3 Princípios Elementares – Parte 3, Lição 11, página 48, Salvador, 2004.

Page 75: A esperança que temos

75

o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). Agora,

Satã até se permitiu o luxo de oferecer a Jesus – o criador do

universo – a glória e autoridade dos reinos deste mundo, a

fim de conseguir a sua submissão (Lc 4.5-7). Ele não estava

blefando ou mentindo. Não era um “faz-de-conta”: o reino

deste mundo, de fato, é seu.

O reino (governo, autoridade, domínio) do mundo ha-

via sido confiado a Adão por Deus. Mas Adão foi vencido e

com ele toda a raça humana. Ele fez-se escravo, e com ele,

todos os que sua carne e vontade geraram: toda a sua descen-

dência, toda a humanidade. Adão, que seria o cabeça de uma

raça santa e perfeita terminou sendo o primeiro de uma raça

decaída, degenerada e escravizada. Aquele a quem foi dado

dominar estava, agora, dominado:

“Portanto, assim como por um só homem entrou

o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim

também a morte passou a todos os homens por-

que todos pecaram… Entretanto reinou a morte

desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que

não pecaram à semelhança de Adão… por que…

pela ofensa de um só morreram muitos… porque

o julgamento derivou de uma só ofensa, para con-

denação… Pela ofensa de um, e por meio de um só,

reinou a morte… Pois… por uma só ofensa veio

Invadindo o desespero

Page 76: A esperança que temos

76

A esperança que temos

juízo sobre todos os homens para condenação…

Por que… pela desobediência de um só homem

muitos se tornaram pecadores…” (Rm 5.12-19).

“Pois todos pecaram e destituídos estão da glória

de Deus” (Rm 3.23). “Todos se extraviaram, a uma

se fizeram inúteis” (Rm 3.12).

Hoje, “sabemos que… o mundo inteiro jaz no maligno”

(1Jo 5.19). O mundo está inerte, passivo e à disposição do

maligno que o conduz para onde quer.

Do mesmo modo também, “sabemos que somos de

Deus” (1Jo 5.19). No meio desta raça de mortos espirituais,

caminha uma raça eleita. Um reino de sacerdotes. Uma nação

santa. Um povo de propriedade exclusiva de Deus, cujo pro-

pósito é anunciar as virtudes d’Aquele que o tirou das trevas

e o trouxe para uma luz maravilhosa. D’Aquele que o com-

prou com o seu próprio sangue, livrando-o de toda iniqüida-

de, e purificando-o para Si mesmo (1Pe 2.9; Tt 2.13-14).

Este povo especial é a geração de Jesus. É a Sua posteri-

dade, o fruto do penoso trabalho de Sua alma. É a nova cria-

ção de Deus. São os filhos que pela morte do Seu Unigênito o

Pai multiplicou para Si mesmo. Aquele, de cuja linhagem nin-

guém cogitou, conseguiu, na sua morte, posteridade para Seu

Deus e Pai: uma multidão inumerável de filhos santos e per-

Page 77: A esperança que temos

77

feitos, assim como Ele (Is 53.8, 10, 11; Hb 2.10-13; Ap 5.7-10;

7.9-10; 21.3-7). Hoje, Ele é o primogênito de uma nova raça,

o primeiro dos filhos de Deus (Rm 8:28-29).

Por isso Ele é exaltado e adorado nos céus e na terra. Ele

é digno. O único digno. Jesus é o único homem que não se pros-

tra diante de Deus. O único ser nos céus, na terra e debaixo da

terra que não precisa curvar-se diante do trono do Eterno. Em

Jesus, Deus encontrou um homem igual a Ele: perfeito.

Fico imaginando o Pai acompanhando Seus passos, se-

guindo Seus olhos, pronunciando, com Ele, cada palavra e

escutando tudo que Ele julgasse próprio ouvir. Perscrutando

Seus pensamentos, sondando Seu coração, pesando na balan-

ça da própria santidade e justiça divinas cada uma de Suas

motivações e, dizendo consigo mesmo: Eu faria exatamente

assim! Ele é como também Eu Sou!

Não foi, portanto, a bondade ou a misericórdia, mas a

justiça do Pai, que exaltou a Jesus. Se o Pai não O exaltasse,

estaria sendo injusto.

Como o Pai admira Seu Filho! Por tudo isso “De quan-

to mais severo castigo, julgais vós, será digno aquele que cal-

cou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança

com o qual foi santificado…” Hb 10.29.

Oh! Que grande segurança nos proporciona a

imutabilidade de nosso Deus! (2Sm 22.24-27; 2Tm 2.13). Do

Invadindo o desespero

Page 78: A esperança que temos

78

A esperança que temos

modo pelo qual Ele expulsou e condenou o primeiro homem,

por causa da sua rebelião, agora exalta o segundo homem,

por causa da sua retidão e justiça.

Mas não é só isso. Agora, esta justiça foi imputada a

nós que éramos “geração perversa e deformada” (Rm 4.4, 5;

Dt 32.5). A condenação e morte que vieram por Adão passa-

ram a todos os homens. Toda a raça foi ferida e escravizada

com seu cabeça. Agora, porém, a justiça perfeita de Jesus, o

Deus tornado homem, é atribuída a todos os que nEle crêem

e obedecem:

“Se, pela ofensa de um e por meio de um só,

reinou a morte, muito mais os que recebem a

abundância da graça e o dom da justiça reina-

rão em vida por meio de um só, a saber, Jesus

Cristo. Pois assim como, por uma só ofensa, veio

o juízo sobre todos os homens para condena-

ção, assim também, por um só ato de justiça,

veio a graça sobre todos os homens para a jus-

tificação que dá vida. Porque, como, pela deso-

bediência de um só homem, muitos se torna-

ram pecadores, assim também, por meio da obe-

diência de um só, muitos se tornarão justos”

(Rm 5:17-19).

Page 79: A esperança que temos

79

Nós que éramos inúteis e estávamos debaixo da ira de

Deus (Rm 3.12; Ef 2.3), agora, fomos tornados amados filhos

Seus (Rm 8.14-17; Gl 3.26; Ef 5.1).

Agora, nos foi aberto caminho ao trono da Sua santida-

de e justiça (Hb 10.19-22). Podemos, agora, nos aproximar do

trono do Todo-Poderoso. Lá, onde os anjos e as criaturas ce-

lestes temem chegar (Ap 5.1-4). Eles são maiores e melhores

que nós, pois conservam a santidade e justiça que Deus lhes

atribuiu quando foram criados, mas a nós, foi dado melhor

lugar que a eles, pois estamos vestidos com a santidade e jus-

tiça d’Aquele a quem foi dado o nome que está acima de todo

nome e que se assenta à destra da Majestade. Estamos reves-

tidos de Cristo (Gl 3.26-27). Estamos assentados com Ele

nas regiões celestiais (Ef 2.6). Tornamo-nos participantes de

Cristo (Hb 3.14). Nos unimos a Ele e, com Ele, nos tornamos

um só espírito, refletindo a Sua glória (2Co 3.18). Aleluia!

A glória que o céu dos céus não pode comportar (2Cr

6.18), é encerrada no espírito daquele que se une ao Senhor.

Aleluia! (1Co 6.17; Cl 1.27).

Deste modo, podemos entender porque Jesus é chama-

do de último Adão e de segundo homem (1Co 15.45, 47).

É o último Adão por que na morte e maldição da cruz,

Ele, Jesus, condenou esta raça degenerada, este fruta podre e

inútil para Deus (Rm 6.2-11; 8.3; 2Co 5.21; Gl 3.13; 2Tm

Invadindo o desespero

Page 80: A esperança que temos

80

A esperança que temos

2.11; Hb 9.26). Na cruz, o nosso Senhor acabou com a gera-

ção de Adão, destruiu o último dos “Adãos” e criou uma nova

raça, um “novo homem que se refaz para o pleno conheci-

mento, segundo a imagem d’Aquele que O criou” (Cl 3.10;

Tg 1.18; 1Pe 1.23). Identificando-se com o homem em tudo,

morreu a nossa morte; morreu por todos e todos morreram

n’Ele (2Co 5.14-15).

Ao ressuscitar dava origem a uma nova raça. Assim,

Jesus é também, o segundo homem, ou seja, a segunda cria-

ção. O início de uma nova raça. A partir dele surgem novas

criaturas. Ele é o primogênito de entre os mortos, o primeiro

dos ressuscitados. Ele, o Verbo Eterno, Criador, é feito cria-

ção; o primeiro de uma nova criação. Nós somos extensão de

Jesus. Refletimos a Sua imagem e não a de Adão.

Segundo a carne – nascimento natural – descendemos

de Adão, alma vivente, mas segundo o espírito – nova criação

– derivamos de Jesus, Espírito vivificante (1Co 15.48-49).

Este é o mistério de Deus que segundo Paulo estava

oculto por séculos. Quando o pecado foi introduzido no mun-

do, todos sabiam que Deus faria alguma coisa para consertar

aquele grande desastre. Todos sabiam que Ele não deixaria

de cumprir Seu eterno propósito, pois não volta atrás com a

Sua palavra (Nm 23.19; Is 46.10; Jó 42.2).

Page 81: A esperança que temos

81

Invadindo o desespero

O diabo sabia, embora não compreendesse exatamente

como (Gn 3.15). Os anjos igualmente (Hb 1.13-14), e os pa-

triarcas, e os juízes, e os sacerdotes, e os reis, e os profetas de

Israel (Lc 24.44-47), todos sabiam que Deus estava a movi-

mentar-se na história, desenvolvendo o Seu grande plano.

Sabiam até, que estavam desempenhando um papel impor-

tante nele (Rm 1.1-3; 3.21-22; 16.25-26; Gl 3.8; Hb 3.5), mas

não sabiam em que culminaria.

“Foi a respeito desta salvação que os profetas in-

dagaram e inquiriram, os quais profetizaram a res-

peito da graça a vós outros destinada, investigan-

do atentamente qual a ocasião ou quais as circuns-

tâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cris-

to, que neles estava, ao dar de antemão testemu-

nho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e so-

bre as glórias que o seguiriam. A eles foi revelado

que, não para si mesmos, mas para vós outros,

ministravam as cousas que agora vos foram anun-

ciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo envi-

ado do céu, vos pregaram o evangelho, coisas es-

tas que anjos anelam perscrutar” (1Pe 1.10-12).

Todos estes foram espectadores e participantes dos es-

forços de Deus, mas nós somos o fruto deste esforço. Por isso

Page 82: A esperança que temos

82

A esperança que temos

a bíblia diz que, sem nós, todos eles, os grandes homens do

passado, “homens dos quais o mundo não era digno” não seriam

aperfeiçoados (Hb 11.38-40). Este mistério é agora manifes-

tado pela igreja, para conhecimento de todas as potestades e

principados nos lugares celestiais:

“… e manifestar qual seja a dispensação do mis-

tério, desde os séculos oculto em Deus que criou

todas as coisas, para que, pela igreja, a multiforme

sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos

principados e potestade nos lugares celestiais, se-

gundo o eterno propósito que estabeleceu em

Cristo Jesus nosso Senhor.” (Ef 3.9-11).

A igreja é o atestado da sabedoria de Deus. Pela igreja,

Ele manifesta o supra-sumo da sua sabedoria e amor.

Sim, a Igreja é o que Deus podia fazer de melhor. Na

igreja, Deus esgotou a Sua ilimitada sabedoria. Não há mais

nenhuma carta escondida. Não há mais nada a ser feito.

A Igreja não foi uma tentativa – foi o investimento de-

cisivo de Deus (Mt 21.33-46). O pedido do Filho Amado, no

Jardim do Getsêmani, não foi atendido porque o Pai, que pode

todas as coisas, não podia fazer outra coisa, senão entregá-lo

para ser moído.

Page 83: A esperança que temos

83

Invadindo o desespero

O Verbo Eterno não encarnou para fazer teatro. Não

havia outro caminho – Seu suor em sangue era a expressão

da Sua falta de opção. A igreja é o cumprimento do eterno

propósito de DEUS: muitos filhos iguais a Ele. Deus olha e

diz: “eis que é muito bom” – Sua nova criação! (Cl 1.26-27).

Hoje, há duas raças na terra: a geração de Adão e a pos-

teridade de Cristo.

Geração de Adão Referências

Posteridadede Cristo

Carnais Jo 1.13; 3.6; Rm 8.5 Espirituais

Terrenos 1Co 15.45-49 Celestiais

Mortos Ef 2.1-6 Vivos

EscravosJo 8.32, 36; Rm 6.12, 22;

Rm 8.2,15; Gl 5.1;Cl 1.13.

Livres

Profanos Fl 2.15; 1Pe 4.2-4. Santos

Você, amado irmão, é o riso de Deus. Você é para Jesus,

“o fruto do penoso trabalho de Sua alma”. Ele olha para você e se

alegra.

Você é o atestado, para todas as potestades, da grande

vitória de Deus. Deus olha para você e diz: Eu venci! Aleluia!

“Cristo em vós, a esperança da glória”. Em Cristo Jesus, nós - a sua

igreja - representamos a esperança do Deus da esperança.

Page 84: A esperança que temos

84

A esperança que temos

Temos hoje, da parte d’Ele, uma comissão. Do modo

como o seu propósito não mudou com o pecado, assim tam-

bém a vocação que Ele deu ao homem. A nossa vocação é a

mesma de Adão: multiplicar a vida de Deus. Adão foi infiel e

perdeu esta vida, privando sua descendência dela. Jesus, o fi-

lho do homem, a devolveu aos homens, tornando-os filhos de

Deus e designando-os a espalhar esta vida pelo mundo.

Tomados dessa consciência, saiamos ao mundo inva-

dindo o seu desespero com a nossa esperança. Cheios do Es-

pírito Santo, cumpramos a nossa vocação:

“Livra os que estão sendo levados para a morte, e

salva os que cambaleiam indo para serem mortos.

Se disseres: não o soubemos, não o perceberá

Aquele que pesa os corações? Não o saberá Aquele

que atenta para a tua alma?” (Pv 24.11,12).

“… Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espí-

rito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em

Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até

aos confins da terra” (At 1.8).

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as na-

ções…” (Mt 28.19).

Page 85: A esperança que temos

85

“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação

santa, …povo de propriedade exclusiva de Deu a

fim de proclamardes as virtudes d’Aquele que vos

chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz”

(1Pe 2.9).

“… E um povo, que há de ser criado, louvará ao

Senhor: que o Senhor do alto do Seu santuário,

desde os céus, baixou vistas à terra, para ouvir o

gemido dos cativos, e libertar os condenados à

morte” (Sl 102.18-20).

“Dizei entre as nações: Reina o Senhor…” (Sl 96.10).

Invadindo o desespero

Page 86: A esperança que temos

86

A esperança que temos

Page 87: A esperança que temos

87

A esperança que temos

“Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas

a esta vida, somos os mais infelizes de todos os

homens” (1Co 15.19).

Por um lado o conhecimento da graça de Deus nos faz

viver no presente século de modo sensato, justo e piedoso (Tt

2.11,12), cheios de gozo e paz, pela fé que temos em Cristo

Jesus (Jo 14.27; 16.22,24; Fp 4.7; Gl 5.22; Rm 14.17). Por ou-

tro, nos faz estranhos em um mundo que não é nosso, que nos

hostiliza, odeia (Lc 21.17; Jo 15.17-21;17.9-18), e que nos pro-

porciona muitas tribulações (Mt 5.11; At 1421,22; 2Tm 3.12;

1Pe 4.12-19). Por isso, esta mesma graça nos leva a viver “…

aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória

do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus…” (Tt 2.13).

Ter esperança é trazer o Deus Eterno ao coração!

6

Page 88: A esperança que temos

88

A esperança que temos

Sem esta esperança ardendo em nossos corações, não

suportaríamos as perseguições deste mundo que jaz no ma-

ligno. Contudo, quando contemplamos a esperança, não só

suportamos, como até nos alegramos nestas tribulações: “…

pelo contrário, alegrai-vos na medida que sois co-participan-

tes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação

da Sua glória vos alegreis exultando” (1Pe 4.13).

É quando sofremos pelo Seu nome que olhamos para o

alto, suspirando de saudade, sonhando com o dia que iremos

ao lar (Jo 14.2,3; 17.24), ao encontro da pátria prometida e do

Noivo desejado (Fp 3.20; Ap 22.17). Quando o que é mortal

se revestirá de imortalidade, e o que é corruptível se revesti-

rá de incorruptibilidade (1Co 15.50-56); quando haveremos

de vê-Lo como Ele é, e seremos semelhantes a Ele (1Jo 3.2).

É esta a esperança que temos.

O Senhor Jesus nos lembra desta esperança no Sermão do

Monte: “Bem aventurados sois quando, por minha causa, vos in-

juriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal con-

tra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão

nos céus…” (Mt 5.11,12). É interessante notar que o Senhor

não falou “se” e sim, “quando”. É certo que a igreja sofrerá no

mundo! Jesus, porém, não espera que o discípulo seja um maso-

quista, alguém que goste de sofrer. Não! A alegria do discípulo

não está na dor ou no sofrimento, mas na esperança dos céus!

Page 89: A esperança que temos

89

“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cris-

to que, segundo a sua muita misericórdia, nos re-

generou para uma viva esperança mediante a res-

surreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para

uma herança incorruptível, sem mácula,

imarcescível, reservada nos céus para vós outros,

que sois guardados pelo poder de Deus, mediante

a fé para a salvação preparada para revelar-se no

último tempo. Nisso exultais, embora, no presen-

te, por breve tempo, se necessário, sejais contris-

tados por várias provações, para que o valor da

vossa fé, uma vez confirmado, muito mais precio-

so do que o ouro perecível, mesmo apurado por

fogo, redunde em louvor, glória e honra na reve-

lação de Jesus Cristo, a quem, não havendo visto,

amais; no qual, não vendo agora, mas crendo,

exultais com alegria indizível e cheia de glória,

obtendo o fim da vossa fé, a salvação das vossas

almas” (1Pe1.3-9).

Muitas vezes, nosso único motivo de alegria é a espe-

rança de ver Deus (Jd 24; Fp 1.23; 2Co 5.8). “Alegrai-vos na

esperança…” (Rm 12.12) diz o Espírito às igrejas. Esta espe-

rança é citada em todas as cartas dos apóstolos. Isto produz

perseverança em santidade e obediência. A Igreja precisa,

A esperança que temos

Page 90: A esperança que temos

90

A esperança que temos

diariamente, lembrar que “… a nossa esperança em Cristo”,

não se limita a esta vida. Se assim fosse, seríamos os mais

infelizes de todos os homens (1Co 15.19).

Agarrando-nos a esta esperança, podemos ter alegria

neste mundo que nos persegue, e que vive para o pecado.

Podemos ser pacientes na tribulação, sabendo que a nossa

esperança se cumprirá. Podemos perseverar em oração por-

que não olhamos para as circunstâncias, mas para as promes-

sas. “... Por causa da esperança que vos está preservada nos

céus…” (Cl 1.5; Tt 1.2). Um filho de Deus se alegra no que

espera e não no que vê. “Ora, esperança que se vê não é espe-

rança; pois o que alguém vê, como o espera?” (Rm 8.24).

Enquanto neste mundo, estamos no corpo e, “… en-

quanto no corpo, estamos ausentes do Senhor…”.

Estamos, portanto, vivendo em carne (Gl 2.20), sujeitos

às suas fraquezas (Mt 26. 41), e inclinações pecaminosas

(Rm 8.6,7). Tendo que suportar a sua oposição ao Espíri-

to de Cristo que habita em nós (Gl 5.17). Logo “…geme-

mos angustiados…” (2Co 5.4). Este corpo é chamado cor-

po de humilhação (Fp 3.21), porque é habitação do peca-

do (Rm 7.17-21) e impede a plena manifestação da glória

de Deus em nós. “E, por isso, neste tabernáculo (corpo)

gememos, aspirando por ser revestidos da nossa habita-

ção celestial…” (2Co 5.2).

Page 91: A esperança que temos

91

Muito mais do que o gozo celeste, amamos e anelamos

por ser libertos da presença do pecado em nosso corpo mor-

tal, ou seja, “… a redenção do nosso corpo”. Mesmo porque,

não haveria tal gozo se o pecado que habita em nossa carne

nos acompanhasse no céu (1Co 15.50). O céu é céu, não pelo

ouro ou brilho que lá existe, mas pela ausência do pecado e

pelo inquestionável governo de Deus e pela glória de Sua

presença (Rm 8.23; 1Jo 3.1-3; Fp 3.20, 21; Ap 21.3-7). “... Sa-

bendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor…

entretanto estamos em plena confiança, preferindo deixar o

corpo e habitar com o Senhor” (2Co 5.6, 8).

O melhor de tudo é que nós O veremos, assim como Ele é!

Temos a promessa: “... E Deus mesmo estará com eles” (Ap 21.3). A

igreja do princípio era plena desta esperança e por isso podia

desprender-se do mundo, sofrer e morrer em esperança: “Por

isso também os que sofrem segundo a vontade de Deus enco-

mendem suas almas ao fiel Criador, na prática do bem” (1Pe 4.19).

No Novo Testamento a esperança sempre vem atrelada

à eternidade. A igreja dos primeiros apóstolos não tinha ex-

pectativa por dias melhores na terra. Não tinha sonhos terre-

nos. Para os primeiros discípulos não havia outra esperança

se não a de, um dia, ver Deus.

Hoje, a igreja do ocidente alimenta a triste ilusão de

que o tempo de dor, de sofrimento e perseguições foi só para

A esperança que temos

Page 92: A esperança que temos

92

A esperança que temos

o princípio, e que agora o Senhor dará para o Seu povo tem-

pos de glória. Há uma teologia triunfalista ensinando que,

mesmo antes da volta do nosso Amado Senhor (2Ts 1.3-12),

a igreja terá domínio e autoridade no mundo. Como se o Rei-

no de Deus não estivesse dentro em nós e tivesse visível apa-

rência (Lc 17.20-21). Oxalá se arrancasse a língua aos que

ensinam tais aberrações!

Esta pregação tem produzido uma igreja que se sente

muito a vontade e confortável na terra. Uma igreja enraizada

no mundo e com esperanças terrenas. Uma igreja que não

tem saudades do céu! Que tem medo da morte e se apavora

com o sofrimento. Uma igreja queixosa e exigente e que aban-

donou as ações de graças. Uma igreja que se esqueceu da

advertência das Escrituras: “… no mundo tereis aflições…”

(Jo 16.33) e que, “… através de muitas tribulações, nos im-

porta entrar no reino de Deus” (At 14.22). “... Porque vós mes-

mos sabeis que estamos designados para isto” (1 Ts3.3)

Uma igreja que se lembra que somos “… herdeiros de

Deus e co-herdeiros com Cristo”, mas se esquece que é só “...

se com Ele sofrermos, para que também com Ele sejamos glo-

rificados” (Rm 8.17). Ao contrário de Paulo, a igreja de hoje

não considera que é muito melhor estar com Cristo (Fp 1.23),

pois sepulta os seus mortos em desespero, como aqueles que

não têm esperança.

Page 93: A esperança que temos

93

Esquece-se, ainda, que não se completou o número dos

que hão de morrer por causa do testemunho (Ap 6.9-11) e

que, segundo alguns estudiosos, a igreja do nosso século pro-

duziu mais mártires do que os últimos dezenove séculos jun-

tos. Convenientemente, prefere ignorar que “… se levantará

nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e ter-

remotos em vários lugares; porém, tudo isso é o princípio das

dores. Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de

todas as nações, por causa do Meu nome” (Mt 24.7-9).

Aqueles cujos olhos ainda estão fascinados pelo brilho deste

mundo, não amam a volta do Senhor. Estes não saberão sequer

sofrer pelo nome de Jesus, quanto menos morrer. Provavelmen-

te, formarão fileiras na apostasia (2Ts 2.1-3; Mt 24.10-12).

Contudo, a verdadeira noiva está a dizer: vem! (Ap

22.17,20). Vem, Noivo bendito, tomar-me como Tua herança

e propriedade particular. A verdadeira noiva discerne o tem-

po e dá atenção à voz celestial: “Ouve, filha; vê, dá atenção;

esquece o teu povo e a casa de teu pai (esquece a terra — a

herança de Adão). Então o Rei cobiçará a tua formosura; pois

Ele é o teu Senhor; inclina-te perante Ele” (Sl 45.10,11).

Como é consolador saber que do modo como desejamos

vê-Lo voltar, também Ele deseja vir buscar-nos para Si mes-

mo. No meu primeiro contato com a igreja perseguida, em

um país muçulmano, durante uma reunião com portas e jane-

A esperança que temos

Page 94: A esperança que temos

94

A esperança que temos

las fechadas, lembrei-me de Cantares 2.10–14: “… Levanta-

te, querida minha, formosa minha, e vem. Pomba minha, que

andas pelas fendas dos penhascos, no esconderijo das rochas

escarpadas, mostra-me o teu rosto, faze-me ouvir a tua voz, por-

que a tua voz é doce, e o teu rosto amável”.

Esta pomba tão doce e indefesa, perseguida e despreza-

da, um dia ouvirá a voz do Noivo que virá galgando os mon-

tes, pulando sobre os outeiros como um gamo, olhando-a pela

janela, espreitando-a pelas grades e dizendo: “Levanta-te

querida minha, formosa minha, e vem” (Ct 2.8-10). Não mais

é preciso fugir e se esconder. É chegado o teu Amado. Teus

perseguidores estão prostrados. Mostra-te, noiva minha!

Precioso Senhor, todos os dias olhamos para o céu e

suspiramos com saudade de Ti! Volta para nós, pois Tu és a

nossa esperança!

Paulo se refere ao galardão que está reservado para

todos quantos amam a Sua vinda (2Tm 4.8). O Senhor diz

que estes serão para Ele, particular tesouro naquele dia (Ml

3.17). São estes, os benditos do Pai que receberão por heran-

ça o Reino que lhes está preparado antes da fundação do mun-

do (Mt 25.34).

Esta é a esperança que temos: a Sua vinda!

Esta esperança produz gozo e consolação (Rm 15.4,13).

Enquanto aguardamos esta bendita esperança, importa-nos

Page 95: A esperança que temos

95

viver de “modo digno da vocação a que fomos chamados”. (Ef

1 15-23; 4.1; Fp 1.27; 1Ts 5.23; 1Tm 6.14; 1Pe 1.17; 1Jo 2.28).

Por tudo isto, devemos e precisamos ter esperança. Por

tudo o que Deus é, e por tudo o que Deus quer, tenhamos

esperança. Aleluia!

“E a si mesmo se purifica todo o que n’Ele tem

esta esperança, assim como Ele’…’Cristo Jesus,

nossa esperança’, ‘é puro” (1Jo 3.3; 1Tm 1.1).

Aleluia!

Enquanto estava na prisão, W. Nee compôs um hino

que traduz bem o coração de todos que, em seu íntimo, suspi-

ram: Maranata!

Hino pela volta do SenhorI

“Desde Betânia, quando nos deixaste,

Saudade imensa inundou meu ser.

Não tenho mais tocado minha harpa,

Como tocar, se a Ti não posso ver?

Na solidão da noite, tão profunda,

Fico em silêncio e calmo a meditar

Nessa distância, pois de mim tão longe estás

E há quanto tempo prometeste regressar.

A esperança que temos

Page 96: A esperança que temos

96

A esperança que temos

IISenhor, recordo Tua manjedoura,

Olhando a cruz, não posso me alegrar.

E Tu me lembras o meu lar futuro

Mas é a Ti quem mais quero encontrar.

Sem Ti não tem sabor minha alegria

Doçura, encanto, aos hinos vem faltar;

Vazios são meus dias pois aqui não estás

Senhor, te peço, não demores a voltar.

III

Embora aqui, Tua presença eu goze,

De Ti saudade estou sempre a sentir.

Mesmo gozando o Teu amor imenso

Anelo pelo dia em que hás de vir.

Mesmo na paz me sinto tão sozinho;

Por Ti suspiro em meio do prazer

Jamais minh’alma tem satisfação total

Pois o Teu rosto, Amado, não consigo ver.IV

Com sua terra sonha o peregrino,

Com sua pátria, o exilado, além.

Distante, o noivo pensa em sua amada,

De amados pais, saudade os filhos têm.

Assim, também, anelo ver Teu rosto,

Page 97: A esperança que temos

97

A esperança que temos

Oh! Meu querido e amado Salvador!

Ah! Se eu pudesse agora Tua face ver!

‘Té quando esperarei por Ti, ó meu Senhor?V

Tu lembras que, buscar-me prometeste,

E junto a Ti, em breve, me levar

Mas tantos dias e anos se passaram,

Cansado estou e peço-Te lembrar.

Tuas pegadas vejo tão distantes

E quanto tempo ainda vai passar?

Ansioso, clamo a Ti, e peço, ó Salvador:

Oh! Não demores, vem Senhor, vem me buscar!VI

O dia nasce e morre, assim, as noites

E quantos santos já não estão aqui;

Tanto esperaram pela Tua volta

E há muito tempo estão dormindo em Ti.

Ó meu Senhor por que não manifestas?

Espesso véu está a Te ocultar.

Tantos remidos Teus estão a Te esperar.

Amado Mestre, não demores a voltar!

VII

Sei que também anelas por voltares

E arrebatar os redimidos Teus.

Page 98: A esperança que temos

98

A esperança que temos

Por isso, peço não mais demorares,

Depressa vem levar-me para os céus.

Oh! Meu Senhor, a Tua igreja clama,

Não ouves Tua noiva a Te chamar?

Olhando o céu, saudosa, diz a suspirar:

Amado Noivo, não demores a voltar.

Ó Jesus suspiramos por Ti!

Amamos a Tua vinda.

Noivo Amado, volta para nós, pois desfalecemos

de amor…

Page 99: A esperança que temos

99

Experimentandoa esperança

Após a conclusão deste estudo, pude vivenciar a rea-

lidade desta esperança. Foi-me bom ter meditado em tudo

isto que o Senhor tem dado para todos os Seus filhos.

Em 9 de março de 1996, às 12.05 horas, na cidade de

Jequié, um violento acidente automobilístico serviu, a seis

jovens discípulos, de transporte para a vida que permanece

para a eternidade. Todos meus amigos bem próximos e dois

deles meus irmãos: Éder e Lana (meus irmãos), Ilma (Bim-

Bim), Joelma (Jójó) de Ipiaú; Alan Patrick de Jequié e Suray

de Salvador. A convicção que nos veio da parte de Deus é que

a morte de todos estes amados foi, literalmente, “semente

morta ao chão”. Semente que dará muito fruto. Esta é a con-

solação que rogamos ao Pai : fruto, mais fruto e muito fruto;

fruto que permaneça (Jo 15.2, 5, 8, 16).

7

Page 100: A esperança que temos

100

A esperança que temos

Em nosso coração há uma saudade que já nasceu gigan-

te, moendo nosso ser violentamente. Do modo como seus

corpos foram quebrados e rasgados, a nossa alma foi dura-

mente mutilada. Mas, de cada chaga aberta pela dor e pela

saudade, brota torrentes de esperança e consolação. Nossa

saudade é recheada de esperança e plena de confiança n’Aquele

que vive para sempre. De tal modo nos enche que não há

espaço para amargura ou desespero.

Já aqui na terra Ele nos tem dado uma nova vida.

Um dia teremos um novo corpo, tão glorioso quanto o Seu

(Fp 3.21; 1Jo 3.2), e d’Ele receberemos um novo nome (Ap

2.17). Tudo será novo (Ap 21.5) e não haverá lembrança

das coisas passadas (Is 65.17).

Para nossos amados que se foram essa realidade já se

iniciou.

“Então já não haverá noite, nem precisam eles deluz de candeia, nem da luz do sol, porque o SenhorDeus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos

dos séculos” (Ap 22.5).

As cidades onde viveram hão de se lembrar deles,

não como pobres infelizes que foram esmagados num

trágico acidente, mas como venturosos eleitos de Deus.

Lembrar-se-ão deles como profetas. Como santos intré-

Page 101: A esperança que temos

101

pidos que ousaram viver no mundo de modo digno da

vocação que receberam de nosso Deus e Pai, e de modo

contrário a um mundo que se opõe ao nosso Senhor.

Rapazes e moças puros e contentes, que desafiaram o

mundo com suas vidas simples, santas, felizes e ousa-

das. Discípulos de Jesus que nadaram contra a corren-

teza.

À alegre população celestial juntaram-se mais seis

risos, seis vozes felizes. Ah! Nossa saudade é repleta de

esperança!

Já antes, em setembro de 1991, um ano após a morte

de minha mãe, o Senhor colocou em meu peito um cântico

de esperança para embalar minha saudade, e que se torna

muito apropriado, agora.

A Lápide e o EternoI

Há uma lápide a mais na planície,

Exposta ao ciciar tranqüilo

Dos ocasos primaveris,

Ou ao rugir tempestuoso

Das madrugadas de outono.

Ao frio úmido das noites de inverno,

Ou à secura ardente dos dias de verão.

Experimentando a esperança

Page 102: A esperança que temos

102

A esperança que temos

Nada faz diferença - é só mais uma lápide.

A planície não escolhe,

A terra não se importa.

Talvez, até, sorri matreira

Por se lhe estar devolvendo

Mais uma porção do seu pó.II

Mas…

Há um riso a menos na mesa,

E, dos sons da casa,

Subtraiu-se o eco de uma voz em canto.

Há, a menos, o labor de mãos voluntárias.

Há olhos atônitos, olhares pro nada

Há cabelos afagados e abraços fortes,

Mãos inquietas e uma lágrima insistente.

Há pranto sob o céu !III

Mas,

Embalado pelo soprar perene da brisa de Sião,

Há, a mais, o eco alegre de uma voz em canto.

Há, a mais, um riso santo a zombar da lápide.

Os céus, em festa, recebem àquela que escolheu.

O Pai se importa!

De pé lhe diz: “bem vinda”!

Ah! Lá, além rio,

Page 103: A esperança que temos

103

Sobre o regaço do Amado

E por Suas mãos afagada,

Há, a mais, uma cabeleira negra,

Longa e espessa.IV

Oh! Mãe!

Que bom!

Que bom que a lápide, pela planície ignorada

E sobre a terra indiferente, repousada,

Não diz respeito a ti - só a mim.

Pela saudade que se move em meu peito

Em abrasadora inquietude,

Ou, às vezes, paralisante frio.

Gritando forte a sacudir-me em pranto

Ou, acariciando minh’alma

Num ciciar silente.V

Saudade - Esta algoz independente!

Nos abate em sua força

E mesmo, quando já enfraquecida,

Impelida “pela voraz impiedosa do tempo”

Nos encharca de tristeza

Ao empurrar prá tão distante

As imagens que amamos

Experimentando a esperança

Page 104: A esperança que temos

104

A esperança que temos

VIReina saudade - colaça da morte!

Até que esta “tenda corruptível” (2Co 5.1-2)

“Corpo de Humilhação” (Fp 3.21)

Se revista de glória e incorruptibilidade (1Co 15.42,53,54).

Até que O vejamos como Ele é,

E Lhe sejamos, de novo, semelhantes (1Jo 3.2)

Até que Ele tome, de sua propriedade,

O resgate, em louvor de Sua glória (Ef 1.13,14)

VIIReina saudade - diaconisa da dor!

Até que a Glória Eterna se levante

E trave os freios do tempo.

Até que se erga o Alfa

E proclame o Ômega: Eu Sou!

E os céus fujam da Sua presença,

E o mar se derrame,

E a terra se derreta com seus montes.VIII

Até que a Vida não mais se contenha

E levantando-se do trono eterno - avance,

“Trazendo redenção ao nosso corpo” (Rm 8.23b)

“Levando cativo o cativeiro” (Ef 4.8)

E o túmulo e sua lápide - pobres tolos!

Estremeçam-se, arremessando-se ao nada

Page 105: A esperança que temos

105

“Em nossa boca haverá fartura de riso,

E em nossa língua abundância de júbilo” (Sl 126.2).IX

E nós saltaremos.

Como cabritos soltos da estrebaria, (Ml 4.2)

Nós saltaremos.

E nós cantaremos…

Como crianças em festa,

Aos bandos, cantaremos:

“Onde está, ó morte, a tua vitória?

Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1Co 15.55)

“… Tragada foste pela vitória”. Aleluia! (1Co 15.54)

XUma vez haverá um arrebol,

Para cujo dia não chegará o ocaso,

Pois o seu Sol jamais se deitará,

Vencido por detrás do círculo,

Tombado pela treva incontida.

Pois Ele - o Sol da Justiça

Será a nossa Luz Perpétua! (Is 60.19-20).

Não é difícil para nós dar graças a Ti, ó Deus.Não nos é difícil bendizer o Teu nome.

Aleluia! Maranata!

Experimentando a esperança

Page 106: A esperança que temos

106

A esperança que temos