É a escola brasileira capitalista e improdutiva...

10

Click here to load reader

Upload: lymien

Post on 07-Feb-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

1

É a escola brasileira capitalista e improdutiva? Recontextualizando um debate da década de 1980

Are Brazilian schools capitalist and unproductive? Recontextualizing an argument of the 1980s

Alisson Antonio Martins – Doutorando em Educação – PPGE/UFPR [email protected] Guilherme Dalmoro – Mestrando em Tecnologia – PPGTE/UTFPR [email protected]

Avani Tomporoski – Mestranda em Tecnologia – PPGTE/UTFPR [email protected] Nilson Marcos Dias Garcia – Doutor em Educação – DAFIS e PPGTE/UTFPR e PPGE/UFPR

[email protected] Resumo Este trabalho resgata um debate ocorrido na década de 1980 sobre a produtividade ou improdutividade da escola, cujos principais representantes foram Claudio Salm, defensor da inexistência de vínculo direto entre escola e produção capitalista, e Gaudêncio Frigotto, que destaca o papel de mediação cumprido pela escola. Considerando que a questão central do debate encerra a relação entre Educação e modo de produção capitalista, para fundamentar a exposição, são apresentados elementos da economia política, tais como composição orgânica do capital e natureza da acumulação capitalista (PELIANO, 1990; MARX, 2010), assim como, no sentido de contextualizar o debate original e traçar um paralelo com a atualidade, estabelece-se uma relação entre a “Teoria do Capital Humano” (SCHULTZ, 1973) e a legislação educacional brasileira da época, expressa na Lei 5692/71. A questão da produtividade ou improdutividade da escola, naquele momento, é apresentada através das posições de Salm (1980) e Frigotto (1984). Visando estabelecer uma relação com a atualidade, são resgatadas as discussões antecedentes à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96, e é apresentado um debate sobre a situação da educação profissional após a sua implementação, com suas decorrências econômicas, políticas e sociais. Apresentam-se argumentos que indicam similaridades entre os processos ocorridos em meados da década de 1980 e os tempos atuais, demonstrando a necessidade de ampliar as perspectivas como forma de compreender que a problemática sobre a educação profissional é cíclica, marcada profundamente pelas relações sociais mais amplas. Palavras-chave: Produtividade da escola; improdutividade da escola; formação profissional; história da educação profissional. Abstract This work regains a debate occurred in the 1980s about the productiveness or unproductiveness of school, whose main representatives were Claudio Salm, a defender of the inexistence of a direct connection between the schools and capitalist production, and Gaudêncio Frigotto, who highlights the mediating role performed by the school . Considering that the central issue of debate ends the relationship between education and the capitalist mode of production, in order to support the presentation, elements of political economy are presented, such as the organic composition of the capital and the nature of capitalist accumulation (Peliano, 1990; Marx, 2010) as well as, in the perspective of contextualizing the original debate and draw a parallel with the present, a relationship is established between the "Theory of Human Capital" (Schultz, 1973) and the Brazilian educational legislation of that period, expressed in Act 5692/71. The issue of productiveness or unproductiveness of school, at that time, is presented through the positions of Salm (1980) and Frigotto (1984). Aiming at establishing a relationship with the present, discussions prior to the Law of Directives and Bases of Education, Act 9394/96, are redeemed, and a discussion on the situation of vocational education after its implementation is presented, with its economic, political and social consequences . We present arguments that indicate similarities between the processes occurring in the mid-1980s and the present time,

Page 2: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

2

demonstrating the need to widen perspectives as a way to understand that the issue of professional education is cyclical, deeply marked by the broader social relations. Keywords: School’s Productiveness, School’ unproductiveness, professional education, history of professional education. 1. O modelo de acumulação flexível e a qualificação do trabalhador

Pressupõe-se que, na atualidade, a educação deve ser entendida nos marcos do modelo

de “acumulação flexível”, resultante da reestruturação produtiva, modelo hegemônico de

gerência e controle da acumulação capitalista (PINTO, 2007; ANTUNES, 1999), que se

expressa nos discursos e nas práticas educacionais, sustentados na pedagogia das

competências (FIDALGO e FIDALGO, 2007; KUENZER, 2006).

A aplicação desse modelo implica em modificação das relações entre os investimentos

em meios de produção e na qualificação da força de trabalho em base às noções de

composição orgânica do capital, concentração e centralização de capitais (MARX, 2010),

razão pela qual elas são aqui, dentro dos limites do texto, abordadas.

A composição orgânica do capital é determinada segundo o valor e segundo a técnica.

Quanto ao valor, o capital se divide em constante (valor dos meios de produção) e variável

(valor da força de trabalho); quanto à técnica, o capital se decompõe em meios de produção e

força de trabalho. A determinação do valor varia na relação inversa entre o número de

máquinas e de trabalhadores empregados, implicando na diminuição de trabalhadores

envolvidos no processo de trabalho quanto maior o número de máquinas instaladas

(PELIANO, 1990; MARX, 2010).

Por outro lado, as relações sociais e o modo de produção se conformam por meio de

uma inter-relação: através de uma reprodução simples (capitalista de um lado, assalariado de

outro), ou pela reprodução ampliada, ou acumulação, com capitalistas mais poderosos de um

lado e mais assalariados de outro (MARX, 2010, p. 717).

A concorrência inter-capitalista, por sua vez, incrementa continuamente o processo de

produção do capital através do desenvolvimento tecnológico dos meios de produção. Com a

mesma composição orgânica do capital, sem se investir em meios de produção, é necessário

aumentar o número de força de trabalho incorporado à produção para produzir mais valor. O

capitalista compra no mercado a força de trabalho, que produz mercadorias, o seu próprio

pagamento e a mais-valia, como trabalho excedente. A venda das mercadorias e a mais-valia

possibilitam a acumulação do capital.

Com o aumento da demanda por força de trabalho, e através da luta de classes, ocorre

um aumento dos salários combinado com uma desaceleração relativa da acumulação do

capital, já que a taxa de extração de mais-valia diminui. No entanto, a partir de um dado

Page 3: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

3

acúmulo, passa-se a investir mais no desenvolvimento tecnológico dos meios de produção.

Este investimento ocorre na ampliação do número de máquinas que impulsionam a produção,

aumentando a produtividade do trabalho, reduzindo o valor individual dos produtos e do

preço pago pela força de trabalho. A diminuição do valor das máquinas em decorrência de seu

uso leva a uma diminuição do valor da força de trabalho, arrastando muitos trabalhadores ao

desemprego, pois fica mais barato investir em capital constante (maquinaria) que em capital

variável (trabalhador).

O aumento que ocorre na produtividade do trabalho, possibilitado pela utilização de

novas tecnologias, ocorre de modo isolado entre alguns capitalistas mais avançados. Disto

decorrem dois fenômenos: a concentração dos meios de produção e do controle do trabalho; e

a repulsão entre capitalistas individuais, com a centralização de capital, que leva cada um a

tentar eliminar seus concorrentes através do aumento da produtividade do trabalho (MARX,

2010, p. 729). A centralização de capitais acelera o ritmo da acumulação; o desenvolvimento

tecnológico se amplia e, assim, investe-se mais sobre o capital constante que sobre o capital

variável. A procura por trabalho decai, uma vez que se produz mais com meios de produção

mais desenvolvidos. O velho capital, periodicamente reproduzido com nova composição,

repele cada vez mais os trabalhadores que antes empregava (MARX, 2010, p. 731).

Com o progresso da acumulação, o ciclo de maiores investimentos em capital

constante em detrimento do capital variável se repete de modo contínuo, reduzindo o tempo

socialmente necessário à produção de mercadorias – inclusive da força de trabalho –

aumentando a precarização dos postos de trabalho, além de tornar desnecessário um número

cada vez maior de trabalhadores, aumentando o desemprego.

Ressalta-se que a redução dos investimentos em capital variável – característica do

atual modelo de acumulação flexível – não afeta somente o preço pago pela força de trabalho

na forma de salário e na desqualificação dos postos de trabalho, mas implica diretamente na

redução dos gastos com a qualificação do trabalhador, ocasionando a desqualificação não

apenas do trabalho, mas também do processo educativo. A redução destes gastos não se dá

apenas pela “iniciativa privada”, mas ocorre através de políticas estatais que regulamentam,

na legislação, as formas que devem ser assumidas pela educação pública, atendendo às

demandas impostas pela produção capitalista.

2. A escola sob a lei 5692/71 e sua aproximação com a Teoria do Capital Humano

Para a compreensão das mudanças ocorridas na legislação educacional e as suas

implicações na formação dos alunos futuros trabalhadores, necessita-se visualizar o momento

Page 4: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

4

histórico, político, social e econômico em que essas transformações ocorrem, haja vista que a

educação faz parte de um amplo contexto onde circulam diversas tendências econômicas e

políticas vinculadas a diferentes interesses dentro do modo de produção capitalista.

Nesse sentido, já na década de 1960, Theodore Schultz, entre outros, ao analisar a

recuperação de alguns países no período posterior a II Guerra Mundial, sugere que o

pensamento econômico negligenciou por muito tempo os investimentos no homem e na

pesquisa. Em sua acepção, o conceito tradicional de capital deveria ser ampliado, abarcando a

dimensão do capital humano, cuja característica distintiva é a de que ele “é parte do homem.

É humano porquanto se acha configurado no homem, e é capital porque é fonte de satisfações

futuras, ou de futuros rendimentos, ou ambas as coisas”. (SCHULTZ, 1973, p. 53).

Nesta proposta, que defende haver um vínculo direto entre qualificação, potenciação

do trabalho e, em conseqüência, crescimento econômico, os gastos com educação, ou de

modo mais específico, com o aperfeiçoamento, “não poderiam ser considerados apenas como

consumo, mas, principalmente, como investimento, que retornariam em forma de benefícios

para a sociedade e o indivíduo em particular” (MACHADO, 1989, p. 107).

No Brasil, estas noções ganham materialidade através de mudanças ocorridas em

relação às políticas públicas para a educação e formação profissional, tanto por meio de

transformações políticas internas e de seus objetivos, quanto através de alterações no processo

produtivo e na inserção do país na ordem econômica mundial.

Desse modo, sob a influência da Teoria do Capital Humano e pregando a organização

do sistema de ensino em estreita vinculação com o desenvolvimento econômico do país, o

preconizado “milagre econômico”, foi promulgada, em 11 de agosto de 1971, a Lei 5692, que

estabelece diretrizes e bases para a educação de 1º. e 2º. Graus.

De acordo com essa lei, o objetivo geral do ensino de 1º e 2º graus visava proporcionar

ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como

elemento de auto-realização, tornando-se compulsória a qualificação para o trabalho e o

preparo para o exercício consciente da cidadania.

Considerando-se que, além da intenção explícita dessa legislação de envidar todos os

esforços na “preparação de força-de-trabalho qualificada para atender às demandas do

desenvolvimento econômico que se anunciava com o crescimento obtido no “tempo do

milagre” havia a intenção implícita em conter o acesso de estudantes secundaristas ao ensino

superior e a despolitização do ensino secundário efetuada via um currículo tecnicista

(KUENZER, 1997, p.17), tal legislação foi alvo de intensas críticas, principalmente pelo

Page 5: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

5

evidente vínculo com a Teoria do Capital Humano e por sua filiação (mascarada) à ideologia

liberal, pautada nos princípios da economia neoclássica.

Dizia-se, então, que a escola, nesses moldes, era capitalista e atendia aos interesses do

capital na formação de mão de obra, e estabeleceu-se, então, intenso debate sobre alguns

conceitos inerentes a essa concepção, como por exemplo, a respeito de sua produtividade,

como será apontado a seguir.

3. A produtividade/improdutividade da escola: um debate paradigmático Decorrente do conflito que se estabeleceu entre os partidários e os críticos da Teoria

do Capital Humano, e dos caminhos pelos quais a educação brasileira trilhava, Cláudio Salm,

em 1980, em seu livro “Escola e Trabalho”, propôs a tese de que a crise da educação se

constrói no “agigantamento patológico do sistema educacional”, retendo “um contingente

crescente de pessoas por um número cada vez maior de anos, enquanto simultaneamente, se

esvazia o conteúdo e o sentido do trabalho para a maioria” (SALM, 1980, p. 27). Assim

definida a crise da educação brasileira, destacava a incapacidade da teoria em tratá-la, principalmente o pensamento crítico. Acreditamos que o núcleo da dificuldade, em ambos os lados da disputa, está no tratamento equivocado que todos dão ao vínculo ou, como defenderemos, à falta de vinculo claro entre escola e empresa. (SALM, 1980, p. 27)

Desta forma, concluía ele que ambos os lados, “ressalvadas as diferenças semânticas”,

tratam da problemática fundamentados na mesma lógica neoclássica: de um lado, os críticos

colocam a escola como um departamento capitalista produtor de mão de obra qualificada, que

agrega valor ao produto e o realiza no mercado; de outro, os teóricos do capital humano

apresentam a taxa de retorno social e individual obtida com os investimentos educacionais.

Esse autor afirmava que as críticas a essa escola convergem para uma concepção de

escola que, por preparar o trabalhador para o capital era capitalista e, contrapondo-se

radicalmente a essas posições, não admite um vínculo direto entre a escola e o capital, pois

“nem a escola é capitalista, nem o capital precisa dela como existe, para preparar o

trabalhador” (p. 29). Em seu entendimento, o capital não cria impedimentos para sua

reprodução e valorização, mas opera justamente no sentido contrário, libertando-se dos

obstáculos que o trabalho e trabalhador lhe traz. Logo, o capital prescinde dessa instituição

pesada e onerosa, improdutiva, no sentido capitalista, e busca, internamente, soluções para

adequar e cooptar a força de trabalho aos seus interesses.

Estimulado por essas afirmações, Gaudêncio Frigotto (1984), buscando esclarecer as

relações – ou a falta delas – que o autor anterior estabeleceu entre a esfera educacional e

produtiva, afirma, no seu livro “A produtividade da escola improdutiva”, que Salm não

Page 6: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

6

apreende de forma exata a interdependência entre o trabalho produtivo e improdutivo nem a

relação dialética entre a infra e a superestrutura e por isso leva “as análises que discutem as

relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista a se enviesarem, ora

buscando vínculo direto ora negando qualquer relação” (1984, p. 17).

Ele também considera que a escola não reside na base da estrutura econômica e social

à medida que não é nela que ocorre o “embate fundamental entre capital/trabalho”. Logo, a

discussão sobre vínculo ou falta de vínculo direto entre escola e trabalho é irrelevante. O

debate não deve se concentrar, então, na demonstração que o capital prescinde ou imprescinde

da escola, mas na “apreensão do tipo de mediação” que a prática escolar realiza no conjunto

das práticas sociais numa dada produção material (FRIGOTTO, 1984, p. 139).

A função da escola, de acordo com tal mediação, não se atrela somente ao plano

ideológico, como ferramenta da reprodução e manutenção capitalista, mas sim nas condições,

sejam elas técnicas, administrativas ou políticas, que possibilitam ao capital selecionar

“aqueles que, não pelas mãos, mas pela cabeça, irão cumprir as funções do capital no interior

do processo produtivo” (1984, p. 151). Neste sentido, uma escolaridade básica e instrumental,

que permite minimamente o domínio do cálculo, da leitura, da escrita, o desenvolvimento de

padrões de conduta e comportamento e a formação de um pensamento consumista, tornam-se,

para Frigotto, necessários ao funcionamento das empresas e à organização em geral.

Retomando as discussões do início deste trabalho, considera-se, então, que o discurso

da desqualificação da escola, defendido por Salm (1980), significa antes de qualquer coisa,

uma desqualificação da escola que é freqüentada pelos trabalhadores. Em uma análise mais

ampla, o que podemos observar é que do mesmo modo que ocorre a precarização dos postos e

das condições de trabalho, em especial no contexto na reestruturação produtiva, o processo

educacional passa – não coincidentemente, é fato – a ser encarado como instituição “inchada”,

“espichada” e improdutiva e carente de enxugamento e redução. Enfim, observa-se que, da

mesma forma que as condições de trabalho passam por um processo de precarização, a

instituição escolar passou também por um processo de desqualificação e deteriorização.

4. A escola pós LDB 9394/96: expansão e intenções da educação profissional Nos anos seguintes à aprovação da lei 5692/71 – que, convém registrar, vigorou, em

parte, até a promulgação da LDB 9394, de 1996 – as Escolas Técnicas e CEFETs, passaram a

ocupar a posição de serem algumas das poucas escolas públicas que ofereciam ensino de

qualidade aos seus alunos, o que provocou, de acordo com Garcia (1995, p. 56), uma

Page 7: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

7

alteração de sua clientela, mesclando alunos com interesses voltados mais à continuidade dos

estudos com aqueles que buscavam essas escolas para se profissionalizar como técnicos.

Nesse sentido, ainda de acordo com Garcia (2000), nos anos iniciais da década de

1990, dirigentes dessas instituições, por solicitação governamental, passaram a se preocupar

com a elaboração de um Projeto Político Pedagógico que fosse capaz de responder a esses

novos desafios, considerados pelas autoridades brasileiras e por organismos internacionais de

financiamento, “como um desvirtuamento dos objetivos dessas escolas”.

Nesse sentido, no âmbito das discussões da proposta de uma nova LDB da Educação

Nacional, estava prevista a criação de um Sistema Nacional de Educação Tecnológica, cuja

espinha dorsal seria formada pela rede federal de educação técnica e tecnológica e que deveria articular as várias iniciativas de educação profissional, definir políticas e normas e delimitar as diversas áreas de atuação dos diferentes órgãos de modalidades, de forma a compatibilizá-los com os desafios da era tecnológica" (MORAES e FERRETTI, 1999).

Dadas as mudanças de rumo das discussões a respeito dessa nova LDB, e dadas as

condições e moldes com que foi proposto o novo modelo de Educação Profissional, através

do Projeto de Lei 1603/1996, instaurou-se um intenso debate envolvendo representantes dos

segmentos mais diretamente atingidos, quais sejam as Universidades, as Escolas Técnicas e

CEFETs e as instituições do denominado Sistema S (SENAI, SENAC, SENAT e SENAR).

Entretanto, amparados pela recém aprovada LDB 9394/96, os pontos polêmicos e

contestados do PL 1603/96 - que inicialmente propunha a reforma - acabaram sendo

aprovados por decreto, o de número 2208/97 que, ao regulamentar o § 2º do art. 36 e os arts.

39 a 42 da Lei nº 9.394/96, que dispunham sobre o currículo do Ensino Médio e sobre a

Educação Profissional, instalavam novo modelo desta modalidade de educação no Brasil.

Esse novo modelo de ensino profissional do país, que tem como um dos seus

pressupostos teóricos o modelo de competências, foi organizado para atender tanto a alunos

egressos dos diversos níveis de ensino e aos trabalhadores, independentemente de sua

escolaridade, extinguindo o curso técnico integrado, modalidade de ensino praticada nas

Escolas Técnicas e CEFETs desde 1942.

Esse modelo continuou sendo questionado, gerando uma reformulação da política

relativa à educação profissional e dos trabalhadores, questionamento esse que culminou com a

edição de um novo Decreto, o 5154, de 2004, que, apesar de atender algumas das

reivindicações dos críticos, não mudou essencialmente essa modalidade de educação,

permanecendo a perspectiva, tão enfaticamente questionada pelos teóricos do campo da

Page 8: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

8

Educação e Trabalho, de manter a dualidade estrutural entre a educação destinada aos

trabalhadores e aos que vão continuar seus estudos em nível superior.

5. Buscando elementos para responder à questão

Estabelecer uma relação entre dois momentos requer a prudência indicada por

Gramsci, para quem, ao se analisar um determinado bloco histórico e as forças sociais em

conflito, deve-se distinguir o movimento orgânico ou estrutural da conjuntura que ali se forma

(Gramsci, 2007). Partindo desse pressuposto, apesar da dificuldade intrínseca e as poucas

linhas nas quais ela deve ocorrer, é possível pontuar alguns aspectos que podem contribuir

para a análise das questões.

Um primeiro aspecto a ser considerado diz respeito ao fato de que projetos

educacionais provêm das relações sociais imbricadas aos modelos de organização do trabalho.

Atualmente, as demandas para a Educação são expressão do modelo de acumulação flexível,

que surge na tentativa de superar os modelos anteriores (fordismo/taylorismo), que deixaram

de ser hegemônicos, sem que desaparecessem completamente.

No Brasil do milagre econômico (décadas de 1970-1980), vigorou uma legislação

educacional ancorada na Teoria do Capital Humano, que visava qualificar a força de trabalho

no sentido de atender à crescente industrialização do país, apoiada numa base eletromecânica

de produção. No momento atual, em que a produção flexível, apoiada numa base

microeletrônica é predominante, o modelo anterior tem sido superado, principalmente no

contexto da LDB 9394/96, por outro que contempla uma educação básica mais ampla, sem

direcionamento profissional. Este fato, contraditoriamente, abriu brechas à oferta de ensino

técnico e profissional, ainda demandado, em escolas privadas, explorando vagas liberadas

pelo Estado. Portanto, em linhas gerais, aponta-se que a forma assumida pela Educação, tanto

num momento quanto noutro, é marcada pelas demandas da produção.

Um segundo aspecto a ser considerado é o papel desempenhado pelas economias dos

diversos países dentro de uma ordem internacional de produção. Dentre as características que

garantem aos países a alta competitividade, destacam-se a internacionalização dos capitais e o

crescimento do desemprego estrutural, com concentração do capital e rebaixamento nos

investimentos na força de trabalho, através da desqualificação dos postos de trabalho e do

processo educativo. Essa postura faz com que o incremento científico e tecnológico na

produção não se faz acompanhar pelo mesmo incremento na esfera educacional.

Estabelecendo um paralelo entre os dois momentos em análise, se na época da lei

5692/71 a preparação dos alunos era para postos de trabalho com pouca exigência

Page 9: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

9

tecnológica, hoje, os ainda baixos investimentos na educação não garantem aos alunos o

conhecimento agregado que lhes permita dar conta das demandas de alta tecnologia das

indústrias de capital internacional. Entretanto, contraditoriamente, garantem o fortalecimento

da economia de alguns países, como o caso brasileiro atual, cujas maiores fontes de receita

consistem na exportação de bens com baixo valor agregado e para cujo exercício não exigem

trabalhadores com alta especialização.

Finalizando, percebe-se, tanto num momento quanto noutro, que a Educação pública

não recebeu os investimentos e a atenção que a colocariam em condição de ser a “redenção”

para muitos dos males nacionais, consideração sempre presente nos discursos políticos,

gerando um cenário bastante contraditório, pois o desenvolvimento dos meios de produção,

com intenso incremento tecnológico, não se faz acompanhar do desenvolvimento da

qualificação da força de trabalho, pelo contrário, esta é cada vez mais precarizada.

Se no momento anterior, caracterizado por um modelo taylorista/fordista, o trabalho se

pautava no “saber fazer” e aprendia-se através da prática ou da experiência no local de

trabalho, com baixa necessidade de escolarização formal, com o desenvolvimento das novas

tecnologias de produção o trabalho passa a ser mais simplificado pela crescente automação,

mas com mais exigência de conhecimento escolar formal.

Ao fazer isto, possibilita à Educação retirar o foco dado à memorização e à simples

transferência de conteúdos – característico do modelo fordista/taylorista – e estabelecer uma

nova relação através da apreensão do método de construção do conhecimento. Neste

contexto, entretanto, a desigualdade entre economia e educação em diversos países se

expressa na “polarização de competências” (KUENZER, 2006), pois, num pólo se aglutinam

milhares de trabalhadores flexíveis, e no outro, alguns poucos trabalhadores “rígidos”, que são

chamados a gerenciar a produção, não avançando na real superação das desigualdades

econômicas e formativas.

À guisa de fechamento, podemos considerar que persistem hoje elementos que

possibilitariam as mesmas interrogações feitas por Salm e Frigotto a cerca de quase três

décadas relativas ao papel desempenhado pela educação na nossa sociedade capitalista,

fazendo com que elas, infelizmente, por não superarem problemas crônicos, ainda possam ser

consideradas atuais.

6. Referências:

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.

Page 10: É a escola brasileira capitalista e improdutiva ...esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/... · inexistência de vínculo direto entre escola e produção

10

BRASIL. Ministério da Educação. Lei 5692/1971. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao Acesso em 27.jun.2011 FIDALGO, Nara; FIDALGO, Fernando. Refluxos sociais da lógica de competências: o processo de individualização em foco. In: FIDALGO, Fernando, OLIVEIRA, Maria A. M. e FIDALGO, Nara L. R. (orgs). Educação profissional e a lógica das competências. Petrópolis, 2007. FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. São Paulo: Editora Moraes, 1980. FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das relação entre educação e estrutura econômico social capitalista. São Paulo: Cortez, 1984. GARCIA, Nilson M. D.A Física no ensino técnico industrial federal: um retrato em

formato A4. Dissertação de mestrado. IF-FE/USP, 1995.

_____. Física Escolar, ciência e novas tecnologias de produção: o desafio da aproximação. Tese de Doutorado. FE/USP, 2000 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino Médio e Profissional: as políticas do Estado neoliberal. Questões da Nossa Época, v. 63, 1997, p.17. KUENZER, Acácia Zeneida. A educação profissional nos anos 2000: a dimensão subordinada das políticas de inclusão. Educação e Sociedade, v. 27, 2006, p. 877-910. MACHADO, Lucília Regina de. A pseudoconcreticidade das teorias que informam a ideologia dominante sobre o ensino técnico. In: Educação e divisão social do trabalho: contribuição para o estudo do ensino técnico industrial brasileiro. São Paulo: Cortez, 1989. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1, vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2010. MORAES, Carmen Sylvia V. e FERRETTI, Celso João (coords.) Diagnóstico da formação profissional, ramo metalúrgico. São Paulo, Artchip, 1999. PELIANO, José Carlos Pereira. Acumulação de Trabalho e Mobilidade do Capital. Brasília: UnB, 1990. PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século XX. São Paulo: Expressão Popular, 2007. SALM, Cláudio. Escola e trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1980. SCHULTZ, Theodore. O capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.