a emergência dos saberes linguísticos

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_ -.-.'_ __ ._ A E:MERGENCIA DOS SABERES LINGUiSTIC OS· Faculdade de linguagem; ca pa cidade idioma tica e eompetencia discursiva. \, . .** Carlos Piovez ani 1. Os saberes .f ~..,,-.". '''-!, ~,l·-l_'l/ ~ n -s : -{f, .';.! . .f :" ~ Falar ja e ur n saber. ; .... _i 2. A linguagem como objeto de saber Por que a linguagem se toma urn objeto de saber? Quando. onde, como e por que surgem os saberes sobre 0sab er Iingtiist ico ? A linguagem e urn objeto que desperta particular interesse no homem (as instituicoes cie ntificas con tempor iineas comprovam-no). Parece haver saberes linguistico e epilingulstico em todos os humanos, mas uma reflexao epil ingiiistica mais intensa e sistematica e urn. con hec ime nto met ali ngi iis tico mais rigoroso e profundo nao ocorrem em qualquer tempo e lugar. 3.· Finalidades da lingua gem e hipotese sobre 0 advento dos saberes lingiiisticos lConhecer 0mundo: cog nic ao. 2 a ; Comuni car seus conhecimentos aos outros: comunicacao. A linguagem se toma objeto de saber quando surge algum problema em uma dessas suas finalidades, ou seja, quando h i urn problema comunicativo ou urn. problema cognitivo. 4. Problemas comunicativos Os problemas comunicativos parecem surgir inicialmente e despertar maior interesse. Mites, ex pl icacoe s le xi cais, de sc ricoes gramat ic ai s, es crita e ret6rica. Esses problemas produzem meios didaticos que desempenham urn papel fundamental na g~ao de sab ere s epilingilistico s. 5. Problemas cognitiv-os • Sintese baseada em Jilrgen Trahant (2004), "Constitution du langage en objet du savoir et traditions lingui stiques" . • • P ro fes so r Ad ju nt o do De pa rt am ent o de L et ra s d a UFSCar.

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8/6/2019 A Emergência dos Saberes Linguísticos

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_-.-.'___ ._

A E:MERGENCIA DOS SABERES LINGUiSTIC OS·

Faculdade de linguagem; capacidade idiomatica e eompetencia discursiva. \,

. .**Carlos Piovezani

1. Os saberes

. f ~..,,-.".

' ' ' - ! , ~ , l · - l _ ' l /~

n

-s : - { f ,. '; . ! . . f: " ~

Falar ja e urn saber.;

. . . . _ i

2. A linguagem como objeto de saber

Por que a linguagem se toma urn objeto de saber?

Quando. onde, como e por que surgem os saberes sobre 0saber Iingtiistico?

A linguagem e urn objeto que desperta particular interesse no homem (as instituicoes

cientificas contemporiineas comprovam-no).

Parece haver saberes linguistico e epilingulstico em todos os humanos, mas uma

reflexao epilingiiistica mais intensa e sistematica e u rn . conhecimento metalingiiistico

mais rigoroso e profundo nao ocorrem em qualquer tempo e lugar.

3.· Finalidades da lingua gem e hipotese sobre 0 advento dos saberes

lingiiisticos

l• Conhecer 0mundo: cognicao.

2a; Comunicar seus conhecimentos aos outros: comunicacao.

A linguagem se toma objeto de saber quando surge algum problema em uma dessas

suas finalidades, ou seja, quando hi urn problema comunicativo ou u r n . problema

cognitivo.

4. Problemas comunicativos

Os problemas comunicativos parecem surgir inicialmente e despertar maior interesse.

Mites, explicacoes lexicais, descricoes gramaticais, escrita e ret6rica.

Esses problemas produzem meios didaticos que desempenham urn papel fundamental

na g~ao de saberes epilingilisticos.

5. Problemas cognitiv-os

• Sintese baseada em Jilrgen Trahant (2004), "Constitution du langage en objet du savoir et traditions

linguistiques" .

•• Professor Adjunto do Departamento de Letras da UFSCar.

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--~-

, J a a dimensao cognitiva da linguagem e menos evidente e se toma urn problema em

uma fase ulterior de reflexao,

Os problemas cognitivos derivam da relacao, intermediada pela linguagern, entre 0

locutor e 0mundo sobre 0 qual ele pensa. 0hornem se d 3 . conta de que a fala implica

uma fun9ao cognitiva: a linguagem pode ser um empecilho para a producao do

pensamento.

Platao e Aristoteles: advento e obliteracao dos problemas cognitivos

Inicialmente, 0 aspecto cognitivo da linguagem nan gem efetivamente saberes

metalingiiisticos; eles . emergirao somente quando houver uma experiencia da

indissociabilidade entre a linguagem e 0pensamento.

6. Problemas comunicativos e desenvolvimento d08 saberes epilingiiisticos~

o problema comunicativo principia a reflexao linguistica sobre a lingua nacional.

Sobretudo, a partir do seeulo XVI, 0 Ocidente assiste a pululacao de gramaticas e

dicionarios das linguas vernaculas europeias, em principio, e < l a s linguas dos povos

"descobertos", em seguida: pretende-se resolver problemas de comunicacao e de

comunidade.

Como ~s lingiiisticos praticos, gramaticas, retorica e artes da corrversaeao serviam,respeetivaaiente, para melhorar e padronizar a prodm;ao lingilistica, para forjar textos

mais bern escritos e para eliminar obstaculos ao dialogo, proporcionando 0prazer da

comunicacao com outrem." c ', \, 'l " " " '~ . , ; > . l ' ~ _ ~ : . ' . "r <,.d' <

Trivium e qUadrivium: dos saberes pciticos aos cientificos.

7. Diferen~as entre 0saber lingiiistieo pritieo e 0cientHieo

j'aime amo

tuaimes amasit aime amat

nous aimons amamus

vousaimez amatisils aiment amant

"E assim que se deve falar e escrever em frances" X "As razoes para a mudanca sao as

seguintes: por evolucoes foneticas todas as formas latinas do singular tornaram-se

identicas 'em', sendo necessario acrescentar 0pronome pessoal; nas formas em que as

desinencias ainda estao presentes, se deveria dizer •amo'. •arne'. mas. em fum;iio da

analogia, elas se tomam 'ems' e 'eme',produzindo 0'em: aim',frances".

8. Problemas cognitivos e desenvolvimento dos saberes metalingiiisticos

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· .Apesar de sua reduzida utili dade pratica, os saberes cientifico-especulativos parecem

ocupar uma posiyao superior na hierarquia dos saberes do hornem: a consciencia

humana do mundo e uma cognitio clara, distincta et adaequata, porque busca as razoes

pelas quais as coisas s a o tal como elas se nos apresentam, e talvez seja uma das

finalidades ultimas do homem,

E no momento em que a linguagem se torna problematica, no ambito de sua funcao

cognitiva, que parece nascer efetivamente uma "ciencia" da linguagem.

A experiencia da diversidade, em dois acontecimentos vividos pela Europa - a

derrocada do catolicismo latino e a descoberta das linguas do Novo Mundo -, gerou

saberes linguisticos cientificos: teorias lingiiisticas, reconstituicoes hist6ricas e

descricoes sincr8nicas.

9. AEuropa seiscentista

Formacdo dos. estados nacionais, ascensao da burguesia e embates entre 0latim e as

llnguas vulgares: a questione della lingua.

Aqui, a diseussao envolve 0problema comunicativo, mas ele acaba por se subordinar asquestOes em torno do estatuto cultural da lingua e de sua fum;ao cognitiva: as linguas

vernaculas sao tao dignas, nobres e belas quanto olatim? Sao elascapazes de engendrar

os mesmos pensamentos?

Surge entao a ideia de que em diferentes linguas encontra-se urn pensamento particular;

desperta-se no homem europeu a intuicao, segundo a qual hA uma carga cognitiva .nas

linguas, uma partlclpacao especifica de carla lingua na fo~ao do pensamento.

As linguas n8.o s a o mais somente sons diferentes, mas tambem, e mais profundamente,consistem em diferentes sentidos. '

10..0 mal-estar diante da diversidade

A fragmentacao linguistica do mundo atinge proporcoes jamais vistas no Ocidente e

abala duas conviccoes medievais europeias: 0latim e a lingua cat6lica universal e 0pensamento humano e Unico.

Em sintese, surgem quatro reacces contrarias a essa fragmenta'Yoo:

1. Recusa do relativismo lingtiistico e tentativa de provar a profunda unidade das

Ilnguas, demonstrando a profunda identidade dos sons, vindos de uma Unica lingua .

original: trata-se do comeeo da pesquisa historica das linguas;

2. Recusa do relativismo lingilistico e tentativa de provar a profunda unidade estrutural

das linguas, tendo em vista que se cria que as principais diferencas eram lexicais: e 0inicio da gramitiea geral;

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... "--:;--

o

3. Recusa do relativismo lingCilstico e tentativa de prevsr a existencia de uma linguagem

e de urn pensamento universais junto ao homem, apesar das diferencas lexicais egramaticais de superficie entre as Iinguas;

4. Reconhecimento do relativisrno linguistico e tentativa de construir uma nova lingua

ou de aperfeicoar as ja existentes, de modo que, sendo logicas e universals, elas sejam

capazes de produzir e expressar 0pensamento puro.

Essas reacfies sao predominantemente especulativas e n a o se confundem com as

gramaticas, dicionarios e retoricas, de entso.

11. 0 Novo Mundo e 0elogio da dfferenea

o problema cognitivo se intensifica com a radical expenencia da diversidadelingtlistica, quando da descoberta das linguas faladas no Novo Mundo e em outros

continentes. 0 encontro com a alteridade certamente provoca problemas comunicativos,

mas tambem e, talvez, ate de modo mais decisivo, problemas cognitivos, promovendo,

por extensao, seus corolarios, sob a forma de saber.

Os missionaries escreveram gramaticas e dicionarios das linguas dos "natives"; ja os

"viajantes-filosofos", em seguida, tentaram pensar essa alteridade lingOfstica e cognitiva

e foram seguidos, nos seculos posteriores, por varies "cientistas",

12. Tradi'roes europeia e americana e seus saberes lingiiisticos

A experiencia europeia - a perda da hegemonia do catolicismo latino e a ascensao das

lfnguas nacionais - produz predominantemente uma busca pela unidade, uma busca

pelo "paraiso perdido". J a a experiencia americana gem, antes, uma busca pela

diversidade, ou seja, enceta uma resposta positiva ao contato com a diferenca, Trata-se

de uma ~ao pentecostal ou, talvez, neopaga,

• Europa: unidade, paraiso, tempo, Conrad Gesner, John Wilkins, Port-

Royal, Lingilistica hist6rica, Gramatica gerativa .

• America:

Whorf.

diversidade, pentecostes, espaco, Leibniz, Hmnboldt, Sapir,

13. Coloniza~io e descoloniza~io do pensamento

A emergencia dos saberes lingfristicos dependeu do encontro com a diferenea, da

experiencia da alteridade,

o colonialismo foi uma condicao para 0encontro dos europeus com seus "outros"; sem

colooialismo n a o haveria lingiiistica. Mas a lingUistica n a o e intrinsecamente

. colonialista, Boa parte dos saberes lingOisticos representa, ao contrario, um passo

decisivo rumo a descolonizacao, a medida que respeita e celebra as difereneas entre os

seres humanos.

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, .._ ...._--- ._.. .. .- _ '. _---:-.--'-

Bibliografia

AUROUX, S. (Dir.) Histoire des idees linguistiques. Tome I. La naissance des

metalangages en Orient et en Occident. Liege/Bruxelles, Pierre Mardaga, 1989.

("Introduction", Capitulos I, "Mythe, conscience et savoir linguistique", e III. "La

naissance de la reflexion linguistique occidentale"; p. 13-228).

PLEBE, A. Breve storia della retorica antica. Bari, Laterza, 1968.

TRABANT, J. Constitution du langage en objet du savoir et traditios linguistiques.

Conferencia de abertura da "Ecole europeenne d'ete d'histoire des theories

linguistiques", Lyon, 2004.