a emenda constitucional nº 81 e a contribuiÇÃo para o combate ao trabalho escravo no brasil
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A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 81 E A CONTRIBUIÇÃO PARA O
COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
Brígido, H.
INTRODUÇÃO
As condições de trabalho análogo à de escravo ocorrem frequentemente na América
Latina e Caribe. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) existem cerca
de 1,3 milhões de pessoas em trabalho forçado na América Latina e no Caribe, de um
total de 12,3 milhões em todo o mundo em que 75% sofrem coerção para exploração do
trabalho e o restante das vítimas estão ou em trabalho forçado ou na exploração sexual
comercial.
Contribuem para isso os adiantamentos de salário na agricultura da Bolívia (enganche e
habilitacion), o trabalho Forçado na Amazônia peruana em acampamentos e
comunidades indígenas isoladas e as condições de emprego de população indígenas nas
fazendas de gado no Paraguai. As situações fizeram com que a OIT colaborasse com
novas estratégias e políticas desenvolvidas em conjunto por governos, organizações de
trabalhadores e de empregados.
Apesar de não existir oficialmente o trabalho escravo no Brasil ocorrem, em diversas
regiões, atividades análogas às de escravo. Em todas as regiões encontram-se trabalho
forçado e situações degradantes de trabalho em indústrias têxteis, siderúrgicas como um
estudo feito por Barbosa (2011) sobre o trabalho escravo nas carvoarias da Amazônia
para produção de aço.
É preciso uma punição mais severa, que interfira no patrimônio do “empregador” para
inibir essa vergonhosa prática. O Congresso Nacional Brasileiro, após 15 anos, assumiu
a existência do trabalho escravo contemporâneo, aprovando a (EC 81/2014) em que
determina a expropriação de terras urbanas e rurais se tiverem culturas ilegais de
plantações psicotrópicas sem que ocorra indenização ao proprietário e com destino de
reforma agrária e programas de habitação popular.
As hipóteses de trabalho forçado são o cerceamento de liberdade, servidão por dívida,
alimentos somente comprados em um local, retenção de documentos, vigilância
ostensiva. E as condições degradantes são o alojamento precário, o ambiente para
adquirir doenças, a ausência de atendimento médico e falta de saneamento básico, o
tratamento humilhante, a remuneração reduzida, os descontos indevidos, as formas de
pagamentos a alimentação inadequada.
HISTÓRICO
Inúmeros episódios marcaram a história sobre a escravidão e trabalho análogo ao de
escravo. Sabe-se que o escravo ocorreu até em 1888 com a Lei Imperial n. 3.353,
conhecida como “Lei Áurea”. A medida foi ratificada na Convenção 29 da OIT em
2003, com alteração no Código Penal para melhor caracterizar a submissão de alguém à
condição análoga ao trabalho escravo.
A escravidão era um regime praticado na Grécia, Roma e Egito da Antiguidade na
exploração do trabalho e ocorreu até a época do Brasil Império. . O termo "trabalho
análogo à condição de escravo" é diferente do praticadas na escravidão, porém qualquer
dessas situações afronta a dignidade da pessoa humana, não valorizando o trabalhador.
A Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926 estabelecendo o
compromisso de abolir completamente a escravidão em todas as suas formas; a
Convenção n° 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Trabalho
Forçado ou Obrigatório (1930); a Convenção n° 105 da OIT sobre a Abolição do
Trabalho Forçado (1957), ratificada pelo Brasil em 1965 em adequar a legislação
nacional às circunstâncias da prática e trabalho forçado; o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966, ratificada pelo Brasil em 1992; o
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de
1966, ratificado pelo Brasil em 1992, em que o artigo 7° prevê o direito de todos a
condições de trabalho equitativas e satisfatórias; a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, ratificado pelo Brasil em 1992,
com o compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas; a
Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou
Declaração de Estocolmo de 1972, em que estabelece que o homem tem o direito
fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas em
meio ambiente que lhe permita levar uma vida digna de gozar do bem estar; o Protocolo
de Palermo (2000) para prevenir, suprimir e punir o Tráfico de pessoas, ratificado pelo
Brasil em 2004 incluindo o aliciamento de trabalhadores rurais no Brasil e de
trabalhadores estrangeiros irregulares no intuito de submetê-los ao trabalho em condição
análoga à de escravo que foi considerada igual à definição de tráfico de seres humanos.
O evento resultou no conhecido Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, integrando a legislação
brasileira pela promulgação do Decreto n° 5.017, de 12 de março de 2004.
O art. 2º da Convenção 29 da OIT, de 1930 (aprovada pelo Brasil e promulgada pelo
Decreto nº 41.721, de 25.6.1957), menciona a expressão "trabalho forçado ou
obrigatório", conforme a seguinte disposição:
"1. Para os fins da presente Convenção, a expressão 'trabalho forçado ou obrigatório'
designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer
penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade."
Originariamente, portanto, o trabalho escravo era considerado apenas o trabalho forçado
em sentido estrito, isto é, exigido sob ameaça de sanção, com violação da liberdade de
vontade. Atualmente, também é considerado trabalho forçado a atividade em que o
empregado não tenha se oferecido espontaneamente, e também quando o trabalhador é
enganado com falsas promessas de condições de trabalho. O trabalho escravo ou
forçado exige que o empregado trabalhe sob coação ou se mantenha prestando serviços,
impossibilitando ou dificultando o seu desligamento, por exemplo, para pagamento de
dívida ilícita e fraudulenta, ameaça em sofrer violência psicológica ou física, tendo
coação moral (art. 462, § 2º, da CLT), coação psicológica e coação física,
respectivamente.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) declara que "ninguém será
mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos
em todas as suas formas".
A outra Convenção da OIT, a 182 (1999), prevê que as "piores formas de trabalho
infantil" abrange "todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão,
tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e
o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de
crianças para serem utilizadas em conflitos armados", mas o que é considerado como
trabalho em condições análogas à de escravo? O artigo 149 do Código Penal (CP)
regulamenta que ocorre quando o empregado é submetido a trabalhos forçados, jornada
exaustiva, condições degradante de trabalho, cerceamento de liberdade como
locomoção, servidão por dívida, retenção de documentos e isolamento geográfico. A
pena é de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência. No § 1º as penas serão dadas a quem cerceia o uso de qualquer meio de
transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho, mantém
vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. No § 2º aumenta-se a
pena na metade quando ocorre contra criança ou adolescente; por motivo de preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Na maioria das vezes, essa mão de obra ocorre em atividades econômicas na zona rural,
mas também em centros urbanos, especialmente na indústria têxtil, construção civil e
mercado do sexo. Ocorrem mais na exigência de força física, então estão mais presentes
entre homens e jovens com baixa situação socioeconômica que aceitam com falsas
promessas de melhor condição de vida.
Há necessidade de implementação do Combate ao Trabalho Forçado, pois não haveria
necessidade de lei para regulamentar a CF e a definição de trabalho forçado já existe
(CP 149).
A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 81/2014)
A Emenda Constitucional n. 81 (EC 81/2014) ratifica o reconhecimento da situação
problemática da exploração de trabalho e apresenta expectativas positivas pela
diminuição ou, esperado, extermínio do fato com a expropriação dos bens utilizados
pelo empregador para exploração do trabalho escravo, sem direito à indenização. O
“patrão” utiliza desse tipo de trabalho como "dumping social".
A Emenda referida é uma constatação oficial de que há trabalho análogo a de escravo
no Brasil e, por medida severa aos “empregadores” pressiona e cria um caminho de
possibilidades de que não se tenha mais essa humilhante situação de trabalho. Há uma
questão heterogênea por pertencimento a dois ramos do direito, penal e civil. A
expropriação será realizada após o transito em julgado com sentença condenatória do
réu, por isso, ainda há de se esperar que ocorra a certificação do fato penal. É preciso
observar a competência penal e trabalhista e a harmonia com o Projeto de Lei 432/2013
com as disposições vigentes sobre o crime no instituto do artigo 149 do Código Penal
(CP).
O texto ainda prevê que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho
escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na
forma da lei.
Ressalta-se que o direito de propriedade é assegurado no art. 5º, XXII, da CF, mas deve
ter forma lícita, não abusiva, devendo atender a sua função social (art. 5º, XXIII, art.
170, III, da CF), o que não ocorre no caso da utilização para a prática de trabalho
escravo. O art. 186 da CF/88 prevê que a função social ocorre quando a propriedade
rural tem: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que
regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários
e dos trabalhadores.
Na área de Direito do Trabalho, a Instrução Normativa 91/2011 da Secretaria de
Inspeção do Trabalho, há a declaração que os auditores fiscais devem avaliar
detalhadamente o que considerarem como trabalho forçado, jornada exaustiva,
condições degradantes de trabalho, restrição de locomoção do trabalhador, cerceamento
do uso de qualquer meio de transporte com o objetivo de reter o trabalhador, vigilância
ostensiva no local de trabalho, e a posse de documentos ou objetos pessoais do
empregado nas fiscalizações a serem realizadas.
O Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) possui um Cadastro de Empregadores,
com infratores que foram flagrados submetendo trabalhadores a condições análogas à de
escravo. O procedimento está previsto na Portaria Interministerial 2/2011, tendo o
empregador para retirada do nome no Cadastro, ser monitorado por 2 (dois) anos, para
verificar a reincidência na prática do crime, além do pagamento das multas resultantes
da ação fiscal.
É importante ressaltar que não se deve, com a EC 81 tolerar a situação de trabalho não
recomendado devido à punição ora posta. Há percepção de novas soluções, mas haverá,
certamente, novas formas de desvios de atenção do empregador em que, mais do nunca,
deverá haver uma fiscalização ainda mais rigorosa. A erradicação só pode ocorrer com a
garantia de prevenção e assistência ao trabalhador libertado, por ações da sociedade
civil e adoção de políticas públicas por órgãos governamentais, para modificar a
situação de pobreza e de vulnerabilidade.
É preciso ter um Fundo Especial para programa de habitação popular, reforma agrária,
cultivo de produtos alimentícios, tratamento de usuários de drogas e indenização às
vítimas e famílias interligadas ao trabalho forçado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Direitos do Trabalho são uma conquista obtida ao longo da história para garantir
condições mínimas de vida aos trabalhadores, assegurando a dignidade da pessoa
humana. Há necessidade do engajamento da sociedade, juntamente com os gestores e
parlamentares, em denunciar a prática de trabalho análogo ao de escravo, contribuindo
para a proteção à liberdade e dignidade dos empregados do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
BARBOZA, Analice Matias de Lira. O TRABALHO ESCRAVO NAS
CARVOARIAS DA AMAZÔNIA PARA PRODUÇÃO DE AÇO. Monografia de
Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito e Processo do Trabalho. Universidade
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BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição
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(Coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo:
LTr, 2006. p. 125-150.
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Dignidade humana e trabalho forçado: a
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GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro:
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JUS HUMANUM – REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E
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MELO, Luís Antônio Camargo de. Premissas para um eficaz combate ao trabalho
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Organização Internacional do Trabalho. Trabalho Forçado na América Latina.
Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu
Seguimento, s/d.
SOARES, Evanna. A exploração de trabalho escravo e a Emenda Constitucional nº
81/2014. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4104, 26 set. 2014. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/32315>. Acesso em: 16 out. 2014.
ANEXO I
EMENDA CONSTITUCIONAL 81
Dá nova redação ao art. 243 da Constituição Federal
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art.
60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
'Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho
escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a
programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no
art. 5º.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência
do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo
será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da
lei.' (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.