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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA FERNANDO PERES RODRIGUES A efetividade dos conselhos municipais de habitação: mecanismos entre decisão e implementação Versão Corrigida São Paulo 2017

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

FERNANDO PERES RODRIGUES

A efetividade dos conselhos municipais de habitação:

mecanismos entre decisão e implementação

Versão Corrigida

São Paulo

2017

2

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

A efetividade dos conselhos municipais de habitação: mecanismos entre decisão e implementação

Fernando Peres Rodrigues

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

Orientador: Prof. Dr. Adrian Gurza Lavalle

Versão corrigida

De acordo: ________________________ Prof. Dr. Adrian Gurza Lavalle

São Paulo 2017

3

Nome: RODRIGUES, Fernando Peres

Título: A efetividade dos conselhos municipais de habitação: mecanismos entre decisão

e implementação

Dissertação apresentada à Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo para a obtenção

do título de Mestre em Ciência Política.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. ________________________ Instituição: _________________________

Julgamento: ________________________ Instituição: _________________________

Prof. Dr. ________________________ Instituição: _________________________

Julgamento: ________________________ Instituição: _________________________

Prof. Dr. ________________________ Instituição: _________________________

Julgamento: ________________________ Instituição: _________________________

4

Agradecimentos

Gostaria de agradecer, primeiramente, a meus pais, minha irmã e meu cunhado

que me apoiaram e me incentivaram durante todo o processo que desencadeou nesta

dissertação. Agradeço também o apoio engajado dos funcionários do Departamento de

Ciência Política, em especial à Ana Maria Capel que acompanhou minha trajetória

desde o meu primeiro dia na USP, mas também à prestativa Maria Raimunda dos

Santos, e à atenciosa Márcia Staaks, bem como ao eficiente e dedicado Vasne dos

Santos e ao cordial Leonardo de Novaes, que desde a minha graduação possibilitaram

meu percurso até aqui.

Também foi fundamental para iniciar esta pesquisa a aproximação do objeto

que obtive por meio das Iniciações Científicas que desenvolvi junto do Prof. Dr. Lúcio

Kowarick. Tão importante foi a cordial e oportuna disposição em ajudar na elaboração

do projeto de pesquisa do Prof. Dr. Rogério Schlegel – excelente professor e nobre

pessoa, diga-se de passagem. Outros professores também ofereceram auxílios em

diferentes momentos, do qual sou grato, são eles Profa. Dra. Marta Arretche, Prof. Dr.

Fernando Limongi, Profa. Dra. Lorena Barberia, Prof. Dr. Eduardo Marques e Prof.

Dr. Bruno Speck.

Igualmente sou grato à dedicação dos professores que por meio de suas

disciplinas forneceram suporte a esse trabalho, foram eles: Prof. Dr. Wagner Mancuso,

Profa. Dra. Marta Arretche, Profa. Dra. Elisabeth Balbachvski, Prof. Dr. Marco

Antônio Teixeira e, o incansável, Prof. Dr. Adrian Gurza Lavalle. Ainda vale agradecer

os úteis apontamentos sobre métodos de pesquisa dos Prof. Dr. Derek Beach, Prof. Dr.

Jason Seawright, Leonardo Barone e Rogério Barbosa e, sobre o objeto de pesquisa,

agradeço à Profa. Dra. Luciana Tatagiba. Aos comentários na minha banca de

qualificação, agradeço muito à Profa. Dra. Lizandra Serafim e, novamente, à Profa.

Dra. Marta Arretche – como se nota, imprescindível neste processo de pesquisa.

Ainda mais imprescindível, entretanto, foi o prof. Dr. Adrian Gurza Lavalle, que

atuou como orientador de pesquisa, professor, psicólogo e amigo. Agradeço-o muito e

tenho-o como exemplo. Extremamente dedicado nas aulas e nas reuniões de orientação,

proporcionou-me também acesso aos grupos de pesquisa com os quais essa dissertação

está afinada.

Do Núcleo Democracia e Ação Coletiva agradeço as sugestões de Monika

Dowbor, Maria do Carmo, Euzenéia Carlos, Wagner Romão, Osmany Porto Oliveira,

Luciana Martins, Itaquê Barbosa, Patricia Tavares de Freitas, Fabricio Muriana,

Beatriz Sanchez, Maria Camila Florencio, Ana Paula Galdeano, Gabriela de Beláz,

Gisela Zaremberg e Dionisio Zabaleta. Ainda mais inseridos no apoio ao

desenvolvimento dessa dissertação estão os amigos e membros da pesquisa Political

Inequality and Extraparlamentar Representation, do Centro de Estudos da Metrópole

(CEM), Hellen Guicheney, Jessica Voigt, Bruno Vello, Ariana Monteiro, Augusto

Salgado e Ceumar Rampazzo. A leitura atenta dos capítulos desta dissertação e os

oportunos comentários foram cruciais para a conclusão desse trabalho.

5

Ademais, agradeço aos amigos do DCP que me apoiaram em diferentes

momentos: Natalia Moreira, Bruno Pessoa, Eduardo Lazzari, Paulo Flores, Thiago

Meireles, Thiago Moreira, Tais Camargo, Fernanda Machado, Joyce Luz, Graziele

Silotto, Lucas Mignardi e demais colegas de departamento. Ainda grandes amigos fora

do DCP que debateram questões pertinentes, sou grato: João Bonnet, Juliana Bonatti,

Henrique Pugly, Gabriela Trindade, Claudia Carolina Fuga dos Reis, Diego Souza,

Felipe Melo, Gabriel Oliveira Machado, Gabriela Torres, Otavio Ciccolo e Stephano

Lee.

Outrossim, agradeço a ajuda em entender o funcionamento interno dos órgãos

da prefeitura da Profa. Dra. Ursula Dias Perez e de Fabio Pereira e Jorge Assali, da

Secretaria de Gestão da Prefeitura Municipal de São Paulo, bem como de Paula Alves

Mota da Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Habitação de Belo Horizonte.

Por fim, é preciso agradecer o apoio financeiro que recebi da Capes, por meio

da bolsa PROEX, mas também do apoio institucional do Departamento de Ciência

Política, da Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas (FFLCH) e da Universidade de

São Paulo. Além do apoio do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap} e

do CEM.

6

RESUMO

RODRIGUES, F. P. A efetividade dos conselhos municipais de habitação: mecanismos

entre decisão e implementação. 2017. 152f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

Esta dissertação tem por objetivo identificar de que modo e sob que circunstâncias os

conselhos municipais de habitação afetam a política pública setorial. Essa questão se

insere dentro de uma agenda de pesquisa sobre a efetividade das Instituições

Participativas no Brasil (IP). A literatura que tratou sobre os efeitos das IPs foi dividida

em três momentos, sendo que no terceiro se apresenta o problema de identificar os

efeitos que as IPs causam na política pública. Para encontrar respostas sem incorrer em

causalidades remotas foi delimitado a investigação entre o output dos conselhos – as

decisões – e o outcome – efeitos na política pública. Também se optou por analisar um

único tipo de IP, a mais presente no país, conselhos gestores de políticas públicas. Uma

vez que a literatura informa haver tipos de conselhos, o recorte empírico ainda delimitou

a pesquisa ao tipo de conselho de média presença territorial e indução federal recente.

Mais especificamente, optou-se por analisar conselhos municipais de um único setor de

política pública: habitação. Os conselhos municipais de habitação surgiram na década

de 1990, mas se difundiram a partir de 2005 com a criação do Sistema Nacional de

Habitação de Interesse Social (SNHIS). Entretanto, a partir de literatura específica,

identificou-se possíveis interferências à efetividade desses conselhos. Interferências de

instituições políticas, como o programa federal Minha Casa, Minha Vida (PMCMV); de

outras IPs municipais, como o Orçamento Participativo; do sistema político-partidário e;

das burocracias, tornaram-se hipóteses para testar a produção de outputs e o alcance de

outcomes pelos conselhos. Os dados das decisões dos conselhos, publicados em diários

oficiais dos municípios, mostraram baixa produção decisória. Contudo, o número de

decisões aumentou ao longo dos sete anos da série analisada e se verifica que o

principal tipo de decisão desses conselhos incide sobre a política pública. Por

conseguinte, foi possível selecionar algumas dessas decisões e analisar os processos que

levariam à sua implementação. Com isso, identificou-se os mecanismos que ligam as

decisões dos conselhos municipais de habitação a seus efeitos na política pública.

Foram encontrados três mecanismos que operam para uma decisão afetar a política

pública, são eles: a concordância jurídico-orçamentária em decisões que envolvem

recursos; a discricionariedade local atribuída pelo governo central e; a gestão de

problemas por parte da burocracia. Assim, a composição harmônica desses mecanismos

possibilita compreender de que modo e sob que circunstâncias os conselhos municipais

de habitação afetam a política pública.

Palavras-chave: Instituições políticas. Efetividade das instituições participativas.

Conselhos municipais. Habitação.

7

ABSTRACT

RODRIGUES, F. P. The effectiveness of municipal housing councils: mechanisms

between decision and implementation. 2017. 152. Dissertação (Mestrado) – Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

This dissertation aims to identify how and when the municipal housing councils affect

public policy. This matter fits in a research agenda on the effectiveness of Participatory

Institutions in Brazil (PI). The literature that dealt with effects of PIs was divided into

three different moments. The third one presents the problem of identifying the effects

that PIs cause in public policy. In order to find answers to this problem without

incurring hysteresis, this dissertation delimited study the process between the outputs of

councils – the decisions – and its outcomes – effects on public policy. In addition, it was

decided to analyze a single type of PI: councils of public policies – the most widespread

in Brazil. Furthermore, the literature reports different kinds of councils. Then, it was

necessary to delimit the kind of councils with average territorial presence and recent

federal induction. More specifically, it was chosen to analyze municipal councils of a

single public policy sector: housing. Municipal housing councils emerged in the 1990s.

But they have spread since 2005 because of creation of National System of Social

Interest Housing (SNHIS). However, the literature has identified potential interference

in the effectiveness of councils. Such as, interference of political institutions (as federal

program Minha Casa, Minha Vida), other local PIs (as Participatory Budgeting), the

political party system and the bureaucracy. Those interferences have become

hypotheses to test the production of outputs by councils and the achievement of

outcomes. Data set of councils decisions – made of decisions published in the official

gazettes of the municipalities – has showed low number of decisions. Nevertheless, the

number of decisions has increased over the seven years of the time series. Moreover, it

revealed that the main type of decision produced by councils aims to affect the public

policy. Consequently, it was possible to select some of these decisions and analyze the

processes that would lead to implementation. Thus, it enabled the identification of

mechanisms linking decisions of municipal housing councils to its effects on the public

policy. Three mechanisms were found, they are: the legal and budgetary agreement on

decisions involving resources, local discretionary power granted by the central

government and management skills of the bureaucracy. Therefore, the harmonic

composition of these mechanisms allow understand how and under what circumstances

the municipal housing councils affect public policy.

Keywords: Political Institutions – Brazil; City councils – Brazil; Housing policy –

Brazil; Effectiveness of Participatory Institutions.

8

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – PIB dos municípios da amostra e respectiva posição no ranking nacional .............. 82

Tabela 2 – Atos Administrativos publicados entre 2005 e 2011 pelos conselhos de habitação . 85

Tabela 3 – Média de decisões dos conselhos existentes por ano................................................ 87

Tabela 4 – Incidência na Política por Conselho (IPC) ............................................................... 99

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – O processo entre decisões de gestão e de definição de novos projetos e a

implementação dessas decisões ................................................................................................. 117

Figura 2 – O processo de definição de critérios locais do programam MCMV, segundo a

Portaria nº140/2010 do Ministério das Cidades ........................................................................ 119

Figura 3 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em Porto Alegre .................. 121

Figura 4 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em Guarulhos ...................... 124

Figura 5 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em São Paulo ...................... 126

Figura 6 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em Belo Horizonte .............. 128

Figura 7 – O processo de definição de critérios locais do programam MCMV, segundo as

Portarias nº610/2011 e 595/2013, do Ministério das Cidades ................................................... 132

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Quantidade de atos publicados nos DOMs de cada município ............................... 86

Gráfico 2 – Número de decisões por ano ................................................................................... 88

Gráfico 3 – Número de decisões por ano por conselho .............................................................. 90

Gráfico 4 – Tipos de decisão (% do total) .................................................................................. 92

Gráfico 5 – Tipos de decisão por ano ......................................................................................... 96

Gráfico 6 – Decisões tipo DEF e GEST, por ano, por município. ............................................. 97

Gráfico 7 – Incidência na Política por Ano (IPA). ..................................................................... 98

9

LISTA DE SIGLAS

AUTO – Decisões de Autogestão e Autorregulação

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CDH-Gaspar Garcia – Centro de Direitos Humanos Gaspar Garcia

CEB – Comunidades Eclesiais de Base

CEF – Caixa Econômica Federal

CEM – Centro de Estudos da Metrópole

CMH – Conselho municipal de Habitação

CMH-BH – Conselhos Municipal de Habitação de Belo Horizonte

CMH-GRU – Conselhos Municipal de Habitação de Guarulhos

CMH-SP – Conselho Municipal de Habitação de São Paulo

CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

COHAB – Companhia Metropolitana Habitacional (São Paulo)

COMATHAB – Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação (Porto Alegre)

COMHAB – Conselho Municipal de Habitação Popular (Fortaleza)

CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores

COP – Conselho do Orçamento Participativo

DEF – Decisões de Definição Geral da Política

DEM – Partido Democratas

DEMHAB – Departamento Municipal de Habitação (Porto Alegre)

DOM – Diário Oficial do Município

EC – Estatuto das Cidades

EMURB – Empresa Municipal de Urbanização (São Paulo)

FAR – Fundo de Arrendamento Municipal

FDS – Fundo de Desenvolvimento Social

FISC – Decisões de Fiscalização Política e Transparência do Governo

FLM – Frente de Lutas por Moradia

FMH – Fundo Municipal de Habitação

FMHIS – Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (Porto Alegre e Fortleza)

FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

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FNRU – Fórum Nacional de Reforma Urbana

FSTC – Fórum dos Cortiços e Sem-Teto do Centro

FUNAPS – Fundo de Atendimento à População Moradora de Habitação Subnormal

GEST – Decisões de Gestão Administrativa

HABITAFOR – Secretaria Municipal de Habitação (Fortaleza)

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IP – Instituições Participativas

IPA – Incidência na Política por Ano

IPC – Incidência na Política por Conselho

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA – Lei Orçamentária Anual

LOM – Lei Orgânica do Município

MCMV – Programa Minha Casa, Minha Vida

MNLM – Movimento Nacional de Luta por Moradia

MNRU – Movimento Nacional de Reforma Urbana

MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

MUNIC – Pesquisa de informações Básicas Municipais (IBGE)

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OP – Orçamento Participativo

OPH – Orçamento Participativo da Habitação (Belo Horizonte)

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PL – Proposta de Lei

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMH – Política Municipal de Habitação (Belo Horizonte)

PPA – Plano Plurianual

PPS – Partido Popular Socialista

PSB – Partido Socialista Brasileiro

11

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

SEHAB – Secretaria Municipal de Habitação (São Paulo)

SNHIS – Sistema Nacional de habitação de Interesse Social

SUS – Sistema Único de Saúde

UNMP – União dos movimentos de Moradia Popular

URBEL – Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte

ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social

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Sumário Agradecimentos ............................................................................................................................. 4

RESUMO ...................................................................................................................................... 6

ABSTRACT .................................................................................................................................. 7

ÍNDICE DE TABELAS ................................................................................................................ 8

ÍNDICE DE FIGURAS ................................................................................................................. 8

ÍNDICE DE GRÁFICOS .............................................................................................................. 8

LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................................... 9

I – INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14

1.1 – A trajetória do objeto e o recorte analítico ................................................................ 15

1.2 – Apresentação metodológica ......................................................................................... 17

1.3 – O percurso do trabalho ................................................................................................ 19

II – CONSELHOS E A AGENDA DA EFETIVIDADE ............................................................ 22

2.1 – Participação e Sociedade Civil .................................................................................... 23

2.2 – As Instituições Participativas ...................................................................................... 27

2.3 – Efetividade das IPs ....................................................................................................... 32

2.3.1 – As primeiras abordagens: efeitos democráticos da participação ............................. 33

2.3.2 – O segundo momento da literatura: efeitos da relação entre sociedade civil e

conselhos ............................................................................................................................. 36

2.3.3 – O terceiro momento da literatura: efeitos dos conselhos nas Políticas Públicas ..... 39

2.3.4 – A agenda da efetividade das IPs e suas propostas ................................................... 40

2.4 – O Escopo da pesquisa ................................................................................................... 47

III – O SETOR HABITACIONAL: ATORES E INSTITUIÇÕES ............................................ 51

3.1 – O desenvolvimento das relações socioestatais no setor habitacional ................. 52

3.1.1 – Movimentos Sociais de Habitação: atores dentro e fora dos conselhos .................. 52

3.1.2 – Conselhos Municipais de Habitação: um avanço independente .............................. 55

3.1.3 – O SNHIS e o MCMV: protagonismo e figuração dos conselhos ............................ 57

3.2. Avaliando a capacidade dos conselhos afetarem a política de habitação .................. 65

3.2.1 – A interferência entre Instituições Políticas .............................................................. 66

3.2.2 – A interferência do sistema político .......................................................................... 69

3.2.3 – A interferência da burocracia .................................................................................. 75

3.3 – Sintetizando as hipóteses sobre a efetividade dos conselhos municipais de

habitação ................................................................................................................................ 79

13

IV – CONSELHOS E DECISÕES.............................................................................................. 81

4.1 – Coletando dados sobre a produção decisória dos conselhos ..................................... 83

4.2 – As decisões dos conselhos municipais de habitação: uma análise temporal ........... 87

4.3 – As decisões dos conselhos municipais de habitação: uma análise dos tipos ............ 91

4.3.1 – Decisões do tipo AUTO .......................................................................................... 92

4.3.2 – Decisões de tipo FISC e IP ...................................................................................... 93

4.3.3 – Decisões do tipo GEST ........................................................................................... 93

4.3.4 – Decisões de tipo DEF .............................................................................................. 94

4.4 – As decisões dos conselhos municipais de habitação: a incidência na política ......... 95

4.5 – Outputs dos conselhos municipais de habitação: sintetizando os achados .............. 99

V – EFETIVIDADE DECISÓRIA ........................................................................................... 104

5.1 – Orientando-se por process-tracing: uma nota metodológica .................................. 105

5.2 – CMH-SP: Recursos financeiros para prover habitação na região central ........... 108

5.2.1 – O processo de decisão no conselho ....................................................................... 108

5.2.2 – Os processos após a decisão: implementando uma decisão de gestão .................. 112

5.2.3 – Os processos após a decisão de definição de novos projetos ................................ 114

5.3 – Decisões de critérios dos conselhos na seleção dos beneficiários do PMCMV ...... 117

5.3.1 – Porto Alegre: terceirizando a decisão ao OP ......................................................... 120

5.3.2 – Guarulhos: partindo da burocracia ........................................................................ 122

5.3.3 – São Paulo: referindo-se às próprias decisões ........................................................ 124

5.3.4 – Belo Horizonte: OP e Política Municipal de Habitação no cerne ......................... 126

5.3.5 – Alterações na legislação nacional do PMCMV e os impactos nos municípios ..... 129

5.4 – A efetividade dos conselhos municipais de habitação: considerações sobre os

mecanismos de implementação .......................................................................................... 133

VI – CONCLUSÃO .................................................................................................................. 137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 143

ANEXO – Quadros do demonstrativo financeiro do CMH-SP................................................. 151

14

I – INTRODUÇÃO

“As teorias científicas nunca são

inteiramente justificáveis ou verificáveis,

mas que, não obstante, são suscetíveis de se

verem subordinadas à prova”. (POPPER,

2013, p. 46)

O Brasil é reconhecido mundialmente pelo desenvolvimento de inovações

democráticas, principalmente de inclusão de cidadãos nas decisões políticas.

Instituições Participativas (IP), como o Orçamento Participativo, foram difundidas pelo

mundo a partir da experiência de municípios brasileiros. No entanto, a IP mais comum

no país são os conselhos gestores de políticas públicas (99% dos municípios brasileiros

possuem ao menos um conselho). Essa quase universalização, foi recente, um fenômeno

em expansão nos últimos 25 anos. Nesse contexto, à medida em que tais instituições se

difundiam, muito era esperado delas, porém ainda pouco se sabe sobre seus efeitos na

política pública. O presente trabalho visa identificar mecanismos que explicam a

efetividade dos conselhos municipais de habitação, mais especificamente de que modo e

sob quais circunstâncias esses conselhos afetam a política de seu setor.

É importante ressaltar, desde o início desse trabalho, que o tema é caro aos atores

sociais e muito do que foi desenvolvido no campo acadêmico era destinado a uma

intervenção no mundo. Entretanto, a contribuição que este estudo pretende oferecer é

apenas na explicação sobre como estes conselhos estão imersos na política pública, sem

julgar o valor de suas decisões ou mesmo sua existência. Notoriamente, é de se supor

que estudar um assunto requer algum grau de interesse e ânsia pelo aprimoramento do

objeto. Contribuir para a formação de conhecimento e solução dos problemas

teoricamente construídos, porém, é o foco aqui adotado.

Nesse sentido, o problema se apresenta de forma clara em uma agenda de pesquisas

sustentada por avanços da literatura que versou sobre o objeto. Preencher uma parte

dessa lacuna deixada por outros estudos foi o principal objetivo perseguido ao longo de

todo o processo de desenvolvimento desta pesquisa.

A agenda da efetividade das IPs foi claramente exposta em 2011 a partir de uma

publicação realizada pelo IPEA (PIRES, 2011a). Estava-se em uma circunstância de

ampla difusão dessas instituições e havia necessidade, por parte do setor público, de

15

compreender o papel que, de fato, essas IPs tinham nas políticas públicas. Desse modo,

o objetivo era produzir conhecimento sobre essas instituições, segundo sua inserção e

efeitos na política pública. O campo acadêmico, por sua vez, já trabalhava com esse

objeto havia cerca de dez anos. Uma gama de abordagens e questionamentos foram

dirigidos às IPs, em especial aos conselhos gestores de políticas públicas. Todavia,

quando agregados em torno da questão da efetividade, pouco contribuíam para explicar

como essas IP afetavam a política pública.

A partir disso, os diferentes autores convidados a contribuir na publicação do IPEA

indicaram abordagens teóricas e metodológicas para enfrentar a questão. Uma delas se

refere à identificação da cadeia causal que se segue a partir daquilo que é diretamente

imputável aos conselhos: as decisões. O presente estudo se fundamenta nessa

abordagem por considerar que ela aponta problemas relevantes para a compreensão do

objeto de estudo, bem como oferece respostas metodológicas persuasivas, conforme

será apresentado nas duas seções que seguem. Posteriormente a essas duas seções, ainda

há uma última seção que delineia o percurso deste trabalho.

1.1 – A trajetória do objeto e o recorte analítico

Conforme foi apresentado, o campo de estudos sobre novas instituições que

permitem participação da sociedade civil já existia antes da agenda de pesquisas

levantada pelo IPEA e as próprias IPs são ainda mais antigas. No entanto, a nomeação

de Instituições Participativas (IPs) é recente e consolidada apenas na publicação feita

pelo órgão federal em 20111. Antes disso, diversos nomes foram utilizados, como

“experiências de participação”, “arenas deliberativas”, “espaços participativos”, entre

outros. O fato é que se tratava, principalmente, de orçamentos participativos, de

conselhos gestores de políticas públicas e, em menor medida, de fóruns e conferências

em setores de política.

Os trabalhos iniciais que iluminaram essas instituições – ainda não observadas

por essa ótica institucional – traziam um conjunto de preocupações e interesses

normativos. Ao considerar o que essas pesquisas tratavam em termos de efeitos, é

possível fazer uma leitura que divide a literatura em três momentos. O primeiro

momento, descortina o objeto buscando efeitos democráticos, que promulguem a

inclusão dos cidadãos mais necessitados e excluídos da política e, por conseguinte, os

1 A participação na política de setores populares foi sendo ressignificada como institucionalizada, por

parte dos autores, ainda antes de se solidificar com o nome de Instituições Participativas (AVRITZER,

2010; GURZA LAVALLE; ISUNZA VERA, 2011).

16

empoderem – todavia, não encontram esses efeitos. O segundo momento, adentra-se em

uma leitura crítica dos efeitos sobre os atores coletivos, representados nesses espaços e a

possibilidade de alcançarem seus objetivos.

O terceiro momento, por sua vez, compreende mais claramente esses locais

como parte de um conjunto de instituições do Estado. Os trabalhos desse momento têm

em comum a preocupação de verificar os efeitos que essas instituições têm na política

pública, ou o papel que nela exercem. É nesse momento que se inserem os trabalhos

advindos da agenda da efetividade. Ainda assim, dentro dessa agenda será possível

encontrar pelo menos duas compreensões sobre a efetividade das IPs.

Uma compreensão está voltada para a efetividade deliberativa, isto é, espera-se

encontrar efeitos nessas instituições que, a partir da deliberação conjunta de atores

sociais e estatais, possam melhorar a qualidade da democracia e, em consequência, das

políticas públicas. Outra compreensão, coloca-se mais voltada para a verificação de

efeitos que essas instituições causam sobre a produção, desempenho e qualidade das

políticas públicas.

A diferença entre ambas está na preocupação de analisar o objeto como um

espaço para aprimorar a democracia ou como uma arena inserida na lógica da produção

de políticas públicas. Isto é, enquanto a abordagem deliberacionista está mais

preocupada com a eficácia da deliberação no aprimoramento da democracia, a segunda

abordagem é mais pragmática e busca efeitos dessas instituições na política pública

diretamente ligada a elas. Esta dissertação assume a segunda postura e, por isso, recorre

aos seguintes recortes empíricos.

O primeiro recorte está na delimitação de qual IP será o objeto estudado. Os

efeitos até podem ser comuns à diferentes IPs, mas nesta pesquisa não se admite que é

possível afirmá-los com segurança a partir de instituições diferentes, com lógicas de

funcionamento diferentes e finalidades também diferentes. Uma afirmação de efeitos a

partir de diferentes IPs provavelmente ocultaria as causas desses efeitos, ou poderia

supor causalidades remotas2. Desse modo, optou-se por estudar conselhos municipais

gestores de políticas públicas. Soma-se a essa escolha o fato dessas instituições terem

sido amplamente tratadas pela literatura e, mesmo assim, ainda carecerem de

explicações sobre que efeitos elas produzem.

2 Causalidade remota consiste em estabelecer uma relação entre causa e efeito quando há um longo

espaço de tempo e uma sequência de efeitos intermediários encadeados. Esses efeitos intermediários

podem ser a causa do efeito final da observação, mas, numa causalidade remota, eles não são

identificados.

17

O segundo recorte se refere à escolha de um setor de políticas públicas. Este

ponto provém do avanço da literatura recente que desvendou a desigualdade na difusão

e na atividade entre os conselhos gestores (GURZA LAVALLE; BARONE, 2015;

GURZA LAVALLE; VOIGT; SERAFIM, 2014). Haveria conselhos mais antigos e

mais estruturados em setores de políticas públicas, como os de saúde e de assistência

social, que estão presentes em mais de 90% dos municípios brasileiros. Também seria

possível reconhecer um outro grupo de conselhos com presença média nos municípios

do país e recentemente estruturados, ou com pouca estruturação nos respectivos setores

Este é o caso de conselhos de habitação, cultura e meio ambiente. Por fim, haveria um

terceiro grupo de conselhos locais, com temas variados e presentes de forma esporádica

pelos municípios, principalmente respondendo a interesses locais (conselhos de

tradições regionais, conselhos de transportes, conselhos de segurança, etc).

Em vista disso, o presente trabalho delimita o estudo em conselhos de um setor

que consta no grupo de média presença e estruturação. A escolha de um caso de

estruturação ainda não consolidada permite identificar com maior clareza os

mecanismos mais relevantes para a efetividade do conselho. Isto é, se em um setor com

alta presença de conselhos no país, provavelmente bem estruturados na política, espera-

se resultados constantes, para um setor com média presença nos municípios, faz-se

ainda mais relevante perguntar de que modo e sob quais circunstâncias suas decisões

afetam a política. Logo, a pergunta de pesquisa direciona ao caso a ser estudado.

Entre os setores de políticas públicas presentes nesse grupo – com conselhos de

média presentes e difusão recente – está o setor habitacional. Este é um setor cujas

políticas tem efeitos facilmente identificáveis e, por isso, é possível acreditar que o

estudo sobre seus conselhos municipais trará um diagnóstico mais preciso sobre os

mecanismos que atuam na efetivação de suas decisões. Ademais, espera-se que os

achados, que serão apresentados neste trabalho, permitam extrapolar o caso e contribuir

para a identificação de mecanismos causais possivelmente presentes em outros tipos de

conselhos.

1.2 – Apresentação metodológica

Tendo estabelecido o recorte que permite responder de que modo e sob que

circunstâncias os conselhos municipais de habitação afetam a política pública do seu

setor, cabe definir o modo como essa pesquisa será realizada. Como já foi relatado, este

trabalho se fundamenta numa abordagem da agenda de efetividade de IPs que pretende

18

partir daquilo que os conselhos produzem – ou seja, decisões –, para então abordar seus

eventuais efeitos nas políticas públicas. Doravante, será definido que as decisões dos

conselhos são os outputs e os efeitos na política pública, outcomes. A análise aqui

proposta, centra-se no processo causal entre os outputs e os outcomes. Isto é, para saber

de que modo e sob quais circunstancias os conselhos afetam a política pública, é preciso

desvendar a cadeia causal presente entre as decisões e os efeitos na política.

Entre o resultado inicial dos conselhos (as decisões) e o final (os efeitos na

política), há uma sequência de eventos que efetivam ou não a decisão. Esta cadeia de

eventos remete a uma relação causal que, a depender de seus componentes, pode levar a

resultados distintos. A principal contribuição dessa pesquisa será evidenciar quais são

esses “componentes-chave” que determinam um ou outro tipo de resultado. Esses

“componentes-chave” são denominados pela literatura de mecanismos. Assim, os

mecanismos causais serão os esteios do argumento de efetividade.

Para tanto, recorre-se a uma análise inspirada no método process-tracing. Esse

método narra os eventos de um processo, trazendo evidências, a fim de supor um

mecanismo. Nesta pesquisa, serão apresentados os processos que permitem uma decisão

afetar a política, obtendo evidências capazes de sustentar mecanismos. Espera-se que os

mecanismos identificados possam, com alguma probabilidade, aparecer em outros casos

similares. Entretanto, os mecanismos identificados não necessariamente correspondem a

todos os mecanismos existentes na relação que efetiva ou obsta a realização das

decisões dos conselhos.

Para minimizar tal limitação, porém, este trabalho, antes de iniciar a análise, faz

uma investigação dos tipos de decisões que os conselhos municipais de habitação

produzem. A exploração desses outputs tem objetivo descritivo e será subsídio para

definir qual decisão seguir na análise que pretende desvendar mecanismos. Sendo

assim, comparam-se as decisões tomadas por cinco conselhos de habitação em

municípios com características semelhantes (Belo Horizonte – MG, Fortaleza – CE,

Guarulhos – SP, Porto Alegre – RS e São Paulo – SP) num período de sete anos. Com o

conjunto dessas decisões é possível verificar qual o tipo de decisão capaz de incidir na

política pública de modo mais frequente. Enfim, dentro desse tipo serão escolhidas

algumas decisões de maior relevância para serem seguidas e, a partir disso, revelar

mecanismos.

Essa estratégia empírica ainda será conveniente para dialogar com questões

advindas da literatura. A cada inserção num nível de maior profundidade e

19

especificidade sobre as decisões dos conselhos será possível encontrar explicações mais

seguras quanto a fatores que possibilitam a efetividade dos conselhos de habitação na

política pública. Assim, o trajeto que parte do geral e se aprofunda no específico de uma

decisão, permitirá trazer contribuições mais sensíveis ao tema da efetividade. Tal escala

metodológica também será representada na estrutura expositiva do trabalho.

1.3 – O percurso do trabalho

Esta dissertação está estruturada em seis capítulos, contando com esta

introdução. A cada capítulo subsequente o grau do enfoque rumará para o mais

específico, até que se chegue à conclusão que aponta para contribuições mais gerais

desta pesquisa.

Desse modo, o capítulo II – Conselhos e a Agenda da Efetividade, na

sequência desta introdução, traça um panorama da literatura de participação e sociedade

civil no Brasil e as definições do objeto, desde a década de 1980. Ademais, será

apresentado com maior detalhamento a leitura dos três momentos da literatura sobre

IPs, especialmente sobre efeitos dos conselhos. Consequentemente, apresentam-se a

agenda de efetividade e os trabalhos sobre os quais esta dissertação se fundamenta.

Após isso, já haverá um arcabouço capaz de sustentar o escopo da pesquisa, definindo

as propriedades metodológicas e empíricas que serão desenvolvidas ao longo dos

seguintes capítulos desta dissertação.

O capítulo III – O Setor Habitacional: Atores e Instituições, traz o recorte

setorial da pesquisa. Inicialmente se apresenta o desenvolvimento das relações

sócioestatais neste setor. A intensa presença dos movimentos sociais na articulação de

conselhos municipais e sistemas federais; o histórico das primeiras experiências locais

de conselhos de habitação e as mudanças provenientes das intervenções federais no

setor com o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o Fundo

Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e, posteriormente, com o

Programam Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

Uma vez apresentado o setor e sua evolução no tempo, o capítulo III ainda

discorre sobre avaliações que a literatura levantou a respeito da capacidade desses

conselhos afetarem a política habitacional. Nessa seção será possível verificar que a

literatura postula a existência de três classes de interferências que levam à baixa

efetividade dos conselhos, seja por fatores endógenos ao processo de implementação

das decisões, seja por fatores exógenos a esse processo. A interferência de outras

20

instituições políticas, como o OP, ou a centralidade das decisões no governo federal; a

interferência das disputas do sistema político partidários e; a interferência das

burocracias municipais, serão hipóteses derivadas da literatura para comparar com

dados e subsidiar uma explicação sobre a efetividade dessas IPs.

Nesse sentido, o quarto capítulo, IV – Conselhos e Decisões: a produção

decisória dos conselhos municipais de habitação, apresenta o resultado comparado

das decisões de cinco conselhos municipais. Criados em períodos diferentes, esses

conselhos estão inseridos em contextos similares. Todos eles estão em municípios

dentre entre as 15 maiores arrecadações municipais do país, bem como, estão em

municípios com problemas habitacionais relevantes: Belo Horizonte, Fortaleza,

Guarulhos, Porto Alegre e São Paulo. Além disso, parte dos casos foram os tratados

pela literatura, segundo às interferências na efetividade dos conselhos, apresentadas no

capítulo III.

O corte temporal proposto nesse quarto capítulo também corresponde à evolução

do setor, o que permite trazer diagnósticos reveladores sobre a produção de decisões dos

conselhos entre os anos de 2005 e 2011, com a criação do SNHIS, do FNHIS e do

MCMV. Dessa forma, além de apresentar quantas foram as decisões, o capítulo IV

analisa essa produção segundo as mudanças no período e o tipo de decisão, isto é, sobre

o que elas decidem. Tal ponto permite identificar as decisões com capacidade de incidir

na política, o que será atributo para a escolha de quais decisões serão seguidas no

capítulo posterior.

Desse modo, será verificado que o principal output dos conselhos municipais de

habitação são decisões de definição geral da política. Essas decisões, no que as

concerne, podem se referir tanto a critérios de uma política ou de um programa, quanto

a formulações que destinam recursos financeiros a projetos ou programas municipais.

Sendo assim, o capítulo V – Efetividade Decisória, delimita decisões correspondentes

a um mesmo tema que possa ser classificado nestas duas formas de definir a política:

uma sobre critérios e outra sobre recursos.

Após expor estas decisões com capacidade de afetar a política, o capítulo V

oferecerá uma análise sistemática inspirada no process-tracing. Nas duas decisões

referentes à definição e gestão e recursos municipais, será traçado o processo que a

decisão percorreu até sua implementação. Com isso, será possível trazer evidências de

mecanismo que permitiram, aceleraram ou frearam o processo que levou a um outcome.

Já na decisão que se refere a critérios, a análise evidencia os determinantes e os

21

processos aos quais as decisões dos conselhos estão inseridas para conseguirem afetar a

política pública. Assim, em ambos os conjuntos de decisões, a identificação dessas

sequências de ações necessárias para implementá-las evidencia os mecanismos de uma

cadeia causal, traçando possíveis explicações sobre a efetividade dos conselhos

municipais de habitação.

Finalmente, a partir da identificação desses mecanismos, será possível rever as

hipóteses de interferência propostas pela literatura e reescrevê-las de forma mais

criteriosa e fundamentada. Por fim, o capítulo VI – Conclusão, resume os achados e

aventa a possibilidade de estender algumas explicações para um segmento maior de

conselhos. A dissertação ainda conta com um Anexo que apresenta os detalhes de

algumas das evidências relatadas durante o capítulo V.

Este será o percurso traçado nesta dissertação. Deseja-se uma boa leitura!

22

II – CONSELHOS E A AGENDA DA EFETIVIDADE

Durante as últimas décadas, a participação popular na política é um tema que

tem se tornado relevante tanto nas teorias da ciência política, quanto na prática política

em sí. O incremento de instituições, como conselhos gestores de políticas, e o

experimentalismo de algumas formas de participação, como conferências e canais de

participação digital, levaram o Brasil a desenvolver um papel central no campo da

participação democrática, atraindo atenção de pesquisadores e entusiastas da

participação de países do Norte e do Sul. Tal centralidade coloca como questão

primordial – seja para o campo teórico ou mesmo prático – saber qual a efetividade

dessas novas instituições.

Encontrar efeitos, no entanto, pode ter diversos significados. Pode haver efeitos

sobre a democracia, sobre a relação entre grupos sociais ou sobre a política pública,

entre outros. Identificá-los todos de uma vez é tarefa inexequível. As pesquisas

acadêmicas seguiram os atores e avaliaram essas inovações institucionais, relatando

esses objetos e trazendo alguns ganhos analíticos sobre esse campo da participação

política. Entretanto, muitas questões ainda persistem, entre elas, destaca-se a agenda de

pesquisas que busca compreender a efetividade das instituições participativas (IPs) na

política pública. O presente trabalho se insere nessa agenda e este capítulo tem o

objetivo de conduzir o leitor a partir da compreensão das abordagens que foram feitas

sobre a interação entre sociedade e Estado, até identificar a melhor abordagem sobre a

avaliação de efeitos das IPs na política pública.

A seguir, serão expostos o desenvolvimento do campo (empírico e analítico), a

relevância do objeto nesse contexto e o posicionamento desta pesquisa na agenda da

efetividade. Assim, a primeira seção relata as diferentes leituras que a literatura teve no

momento histórico mais recente, que enfatizou o papel da sociedade civil para a

concretização das instituições de participação e representação dos interesses populares.

Essas instituições e seu desenvolvimento são detalhados na seção seguinte,

apresentando a relevância dos conselhos gestores de políticas públicas para a análise de

efeitos. A terceira seção aborda os desenvolvimentos teóricos, e as compreensões

23

quanto a efetividade em três momentos da literatura nacional3, decorrendo no estágio

atual do campo e o propósito dessa pesquisa. Por fim, traçamos o escopo da pesquisa e

seus pressupostos metodológicos.

2.1 – Participação e Sociedade Civil

A participação política dos grupos populares no Brasil tomou forte expressão no

final da década de 1970 e durante a de 1980. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

organizavam cidadãos nas periferias das grandes cidades para reivindicar melhorias nas

políticas públicas. Movimento sociais em diversas áreas de políticas e sindicatos

surgiram e desempenharam um importante papel na formação da sociedade civil

organizada durante o processo de redemocratização (SADER, 1988). Nesse contexto da

década de 1980, as CEBs e os movimentos sociais eram vistos como oposição ao Estado

centralizador e autoritário. Muitos se colocavam de forma contestatória e combativa e,

segundo a literatura da época, o padrão de relação entre movimentos sociais e Estado

era de oposição e enfrentamento.

Entretanto, estudos recentes vêm mostrando que a oposição ao Estado, não

significava, necessariamente, a oposição às instituições. Alguns grupos engajados em

certos setores de política utilizaram como repertório de ação a tática de se incorporar à

burocracia de modo a influenciar os rumos da política pública (DOWBOR, 2014, p. 84).

Este foi o caso de áreas de política frequentemente contestadas, como a de saúde. Os

atores que se incorporaram à burocracia, além de fortalecer o setor de política pública,

colaboraram na reorganização do sistema. Por conseguinte, durante a formulação da

Constituição de 1988, introduziu-se a reivindicação por tomada de decisões em

conjunto entre governos e associações da sociedade civil. Deste modo, foi estabelecido

na Carta Magna que em algumas áreas de políticas públicas seriam criadas formas de

participação cidadã e representação de interesses de entidades não governamentais

(principalmente nos setores de saúde e assistência social). Institucionalizar-se-ia, assim,

um padrão de interação mais cooperativo entre sociedade e Estado na elaboração e na

implementação de políticas públicas.

3 A literatura internacional também é contemplada quando traz contribuições para a análise empírica dos

efeitos. Entretanto, a ênfase sobre a literatura nacional decorre da sua vasta produção acadêmica, que,

durante muito tempo, produziu teorias e estratégias analíticas pouco conectadas com o debate externo.

24

A sociedade civil4, composta de movimentos sociais, sindicatos e outras

organizações não-estatais, continuou durante os anos 90, pressionando união, estados e

municípios para incluírem suas demandas e ampliarem o escopo de participação na

definição e implementação de políticas em diferentes áreas – principalmente naquelas

áreas em que ainda não tinham sido criados mecanismos de indução federal,

especialmente repasses condicionados de recursos. Consequentemente, desenvolveram-

se, sobretudo nos municípios conselhos gestores de políticas públicas nas mais diversas

áreas: como os Conselhos de Habitação, Conselhos do Meio Ambiente, Conselhos do

Direito do Idoso, Conselho de Políticas Anti-Drogas e Conselho de Desenvolvimento

Urbano. Já no nível federal, além de alguns conselhos em setores definidos como

estratégicos nas políticas sociais no período (saúde, educação, assistência social e

direito das crianças e adolescentes), houve continuo interesse da sociedade civil

organizada em desenvolver, em conjunto com o Estado, conferências dos diferentes

setores de políticas.

Entretanto, vale destacar que esta compreensão da academia da interação entre

membros da sociedade civil e o Estado tem sido recente (CARLOS; PORTO

OLIVEIRA; ROMÃO, 2014; PIRES, 2011a). Até então, era a teoria dos movimentos

sociais que servia de base teórico-analítica para explicar os movimentos das décadas de

1970 e 1980. No debate internacional sobre movimentos sociais três grandes teorias

disputavam o campo (ALONSO, 2009). A teoria da Mobilização de Recursos fixava o

olhar sobre o processo de mobilização (ALONSO, 2009, p. 52), isto é, os recursos

necessários para iniciar e manter um processo popular contestatório. A teoria do

Processo Político, que se fixava numa análise da estrutura de oportunidades políticas

que criariam o conflito entre os detentores de poder e os desafiantes. Por fim, a teoria

dos Novos Movimentos Sociais, que observava a questão como um conflito entre

Estado e sociedade a partir de aspectos simbólicos e cognitivos, dando maior destaque

valorativo à ação dos movimentos sociais.

Essas três teorias, sobretudo a dos Novos Movimentos Sociais, chegaram ao Brasil

durante o processo de abertura democrática e com a efervescência de movimentos

4 Há conceituações de sociedade civil que não consideram sindicatos, associações patronais e igrejas, por

exemplo (GURZA LAVALLE; BARONE, 2015; GURZA LAVALLE, 1999). O modelo da “nova

sociedade civil” classifica apenas associações não-estatais e não-econômicas, de base voluntária e

espontânea. Esta não será a perspectiva adotada nas legislações de IPs e, por isso, não será adotada neste

trabalho.

25

sociais foram reinterpretadas e acabaram por pautar o debate a partir da análise

movimento social versus Estado. Desde os anos 1960, no Brasil, já havia uma “visão

emancipatória das camadas populares” (Gurza Lavalle, 2011), isto é, um ideário que

pretendia significar a agencia das camadas populares. Essa visão considerava

participação política recurso para acesso aos serviços públicos e garantia de direitos.

Desse modo, a chave de oposição ao Estado, que a princípio era empírica, ganhou

embasamento com as importações teóricas.

Não obstante, à medida em que ia se defrontando com as mudanças empíricas no

início da década de 1990, as teorias precisaram ser modificadas. Com isso,

incorporaram conceitos como a formação de solidariedades e identidades coletivas e

excluíram a necessidade de uma oposição entre movimento e Estado, possibilitando a

compreensão da participação dos movimentos junto ao Estado. Desse modo, as novas

análises passaram a se chamar de teorias da Sociedade Civil5 e possibilitaram

desenvolver questões que surgem a partir da relação entre associações e movimentos

sociais com instituições do Estado.

Assim, as revisões da literatura de Kowarick (1987) e Cardoso (1987) e os livros de

Boschi (1987) e Sader (1988), apresentam pesquisas sobre movimentos sociais ainda no

contexto da democratização e emergência de um ativismo emancipatório. Já nos anos

90, as análises foram para as arenas decisórias de políticas deliberativas, como em

Avritzer (1995) e Dagnino (2000). No entanto, mesmo com esse deslocamento da teoria

dos movimentos sociais para a teoria da sociedade civil, as análises da relação entre

Estado e Sociedade Civil apresentaram divergências no campo. Se por um lado

[...] na literatura de movimentos sociais, a institucionalização foi identificada

com a dissolução dos movimentos – ora pelo sucesso das demandas ou por

efeitos de cooptação, ora pela burocratização ou pela rotinização do repertório

de contestação, ora pelo afastamento das bases ou por uma combinação desses

e outros efeitos reputados com a capacidade de dissolução. Por outro lado, a

literatura da sociedade civil tradicionalmente associou a obtenção do chamado

“poder burocrático” – institucionalização acompanhada da ocupação de cargos

ou posições nas novas instituições – à corrupção da lógica constitutiva da

sociedade civil (GURZA LAVALLE, 2014, p. 12).

Leonardo Avritzer é um dos autores que mais contribuíram para a teoria da

sociedade civil. Ele estimulou uma agenda de pesquisas conhecida como

deliberacionismo. Partindo de pressupostos habermasianos de participação e autonomia,

5 Gurza Lavalle (2003) apresenta o trajeto feito por muitos autores que sofreram influências dessas

abordagens para interpretar o conceito da nova sociedade civil que viria a ser empregado.

26

o autor conduziu uma linha de pesquisa que considera que efeitos sociais decorrem da

deliberação (AVRITZER, 2007, 2008, 2010; DAGNINO; TATAGIBA, 2007;

TATAGIBA; TEIXEIRA, 2005) Mais especificamente, sustentava-se a existência de

espaços com autonomia comunicativa. Estes espaços tornariam sujeitos do mundo

privado em cidadãos voltados para o bem comum. A agregação dos fluxos de

comunicação autônomos geraria uma opinião pública, que constituirá a soberania

popular das decisões. Em instituições como conselhos e OP, o processo de decisão do

Estado estaria aberto à participação de diferentes grupos, além disso, estabeleceria

processos de diálogo e de publicização de informação. A soma dos fatores de

comunicação, participação e tomada de decisão, fariam desses locais espaços de

deliberação6.

Essa vertente analítica, devido à autodeterminação dos atores sociais, ainda mantém

a abordagem relacional com o Estado numa ideia de oposição. Isto é, ela reconhece que

há interrelação entre sociedade e Estado, mas sua abordagem analítica cria uma

diferenciação normativa entre ambos. Romão (2014) resume essa noção e aponta alguns

desses limites:

É bastante plausível, e mesmo inegável, a identificação de uma espécie de

linha evolutiva das relações entre a sociedade civil e o Estado no Brasil, que

conecta a atuação dos movimentos sociais nos anos 1970 e 1980 no confronto

com a ditadura militar e o surgimento de experiências de democracia

participativa como as de OP, logo no início dos anos 1990. (...) qualificando-se,

em geral, a sociedade civil como o polo positivo, e o Estado como polo

negativo no âmbito da democracia participativa. Isso, por um lado, gerou uma

visão unívoca e quase metafísica da participação da sociedade civil nessas

instâncias – o que dificulta a análise sobre a variedade de interesses permeados

nesse campo – e, por outro lado, se refletiu na limitação em se tratar o papel

dos governos e partidos políticos junto a essas experiências por meio da noção

de “vontade política”, em sí pouco explicativa, pois limita a análise à

constatação sobre o maior ou o menor empenho dos governos ou partidos na

implementação das instâncias de participação. (ROMÃO, 2014, p. 222).

A qualificação da sociedade civil em polo distinto ao do Estado – e com valor

positivo – apresenta limitações analíticas como a mencionada no trecho acima. Perde-se

a capacidade de compreender as determinações institucionais dessa relação.

Diferentemente, outra linha de pesquisa aborda as relações entre sociedade civil e

Estado com uma proposta mais institucionalista (CARLOS, 2012; DOWBOR, 2014;

GURZA LAVALLE; VOIGT; SERAFIM, 2014; PORTO DE OLIVEIRA, 2014;

SERAFIM, 2013; VOIGT, 2015), em que há atores representando interesses em 6 Uma explicação mais detalhada da abordagem deliberacionista pode ser encontrada em Voigt (2015).

27

instituições de Estado, dotadas de capacidades e normas que permitem uma gama de

modos de participação e de efeitos sobre às políticas. Fundamentalmente, essa vertente

refuta a chave de leitura da autonomia. Esta abordagem não define valor sobre as

relações socioestatais e está menos voltada para a qualidade da participação, ou para

uma possível “boa política” produzida por meio da participação. Um dos principais

objetivos é explicar quais têm sido os efeitos das interações entre os atores (sociais e

políticos) e as instituições participativas na elaboração e implementação da política

pública (CARLOS; PORTO OLIVEIRA; ROMÃO, 2014).

Essa abordagem fundamenta trabalhos que versam sobre a arquitetura institucional

das instituições participativos e sobre a efetividade das instituições participativas na

política pública. Seus ganhos explicativos em relação às demais abordagens, para além

do que já foi exposto, serão claramente percebidos na terceira seção. Na sequência,

porém, é apresentado quais são as instituições participativas, um breve histórico e a

relevância que possuem no Brasil.

2.2 – As Instituições Participativas

A criação de instituições participativas (IPs) tem sido comum em diversos países7.

No Brasil há uma variedade de formas institucionais que podem ser classificadas como

tal. As mais comumente analisadas pela literatura de participação são: conselhos

gestores de políticas públicas, orçamentos participativos e conferências setoriais de

políticas públicas. Mas também se integram outras instituições que aproximam cidadãos

do Estado, como ouvidorias e experiências de participação digital. A seguir será

apresentado o histórico das principais IPs e suas características. Na sequência, os

desdobramentos quanto as possíveis interconexões que as IPs podem ter, tanto no

campo prático como no analítico. As limitações para pensar as IPs em conjunto e suas

funções, todavia, fornecerão subsídio fundamental para, na seção seguinte, avançar nas

análises que a literatura fez sobre a efetividade dos conselhos.

7 Importante salientar que “Instituição Participativa” é uma denominação brasileira que se estabeleceu em

2011 na publicação do IPEA quando o órgão articulou diversos autores que já tratavam sobre o assunto,

mas com diferentes denominações. Essa denominação pretende ser ampla o suficiente para agregar e

poder comparar diversos tipos de relações socioestatais institucionalizadas que preveem a expressão de

preferências de indivíduos ou grupos sobre políticas públicas, para além das eleições. Desse modo, é

possível utilizá-la para nomear experiências similares em outros lugares do mundo, muitas vezes

rotuladas como inovações democráticas (FUNG; WRIGHT, 2003; FUNG, 2004, 2006).

28

Com um breve resgate histórico, será possível constatar que conselhos gestores de

políticas públicas são antigos no Brasil. Em São Paulo os registros datam de 1956

(TATAGIBA, 2004, p. 326). Entretanto, a expansão deste tipo de instituição

participativa ocorreu nos anos 1990 e, ao contrário das primeiras experiências, nesse

período os conselhos tinham uma clara composição bi ou tripartite, considerando uma

divisão na sociedade civil entre movimentos sociais e outros tipos de organizações e

associações de cunho patronal, mas sempre com a presença de representantes do Estado

(às vezes agregando representantes dos diversos níveis: federal, estadual e municipal).

Nesse caso, as organizações da sociedade civil e, em menor medida, subpúblicos

determinados, votam ou fazem acordos para a integração dos representantes ou

conselheiros da sociedade civil. Com a descentralização das políticas públicas, os

conselhos têm o papel de discutir as questões relativas ao setor de política (Saúde,

Assistência Social, Educação, Habitação, Cultura, etc.) e no nível (nacional, estadual ou

municipal) ao qual o conselho está vinculado. Além de divisões por setor e por nível da

federação, conselhos podem ter caráter consultivos, deliberativos, normativos e/ou

fiscalizadores. A maior parte deles têm caráter múltiplo, sendo quase sempre

deliberativos. Atualmente, conselhos são o tipo de IP mais comum no país, presentes

em 99% dos municípios brasileiros.

Um trabalho revela que de 1990 até 2010 o número de conselhos cresceu em todos

os quintis de IDH municipal (GURZA LAVALLE; BARONE, 2015). O levantamento é

capaz de evidenciar os momentos de maior ampliação dos conselhos por setor de

política e apresenta padrões de desenvolvimento. Conselhos como o de saúde, de

assistência social, dos direitos da criança e do adolescente e, de educação tiveram forte

expansão nos primeiros anos da década de 1990 e alcançam quase a totalidade em 2009.

Já os conselhos de habitação, cultura e meio ambiente demoram muito mais tempo para

se expandir e ainda predominam em municípios com IDH elevado. Estes resultados

também permitem verificar que os conselhos se expandiram significativamente nos

momentos após a indução federal8 em suas respectivas áreas de política.

8 Mecanismos de indução federal neste caso podem ser leis, normativas ou incentivos econômicos que o

governo federal cria com o objetivo de ampliar os conselhos numa dada política no país. No setor de

saúde a NOB 96 fortaleceu o papel dos conselhos na respectiva política (GURZA LAVALLE; BARONE,

2015). No caso da habitação, por exemplo, ele é atribuído à criação do Sistema Nacional de Habitação

por Interesse Social, em 2005. Há ainda, em outros setores, legislações específicas que estabelecem

repasses condicionados de recursos por parte do governo federal aos municípios, dado a existência de

conselho naquele setor de política.

29

Também nos anos 1990 outra instituição participativa ficou bem conhecida, o

Orçamento Participativo (OP). O OP combina a participação direta e indireta de

indivíduos para discutir a alocação de uma parcela do orçamento municipal, cujas

normas constitucionais ou a lei de responsabilidade fiscal não as comprometam. Essa IP

se disseminou rapidamente pelo território nacional e também para outros países9

(PORTO DE OLIVEIRA, 2014). Iniciado na prefeitura de Porto Alegre, o OP foi

considerado uma ferramenta de participação quase direta de setores populares,

democrática e progressista. Ao destinar de parte do orçamento para as prioridades

locais, segundo as propostas dos próprios cidadãos, ela poderia reparar supostos

problemas alocativos, pois ficavam estabelecidas as prioridades que a administração

deveria seguir. Diante da enorme carência e desigualdade no interior dos municípios

brasileiros por infraestrutura básica e serviços sociais e a paradiplomacia dos

indivíduos preocupados em legitimar essa IP, o OP foi difundido (PORTO DE

OLIVEIRA, 2014), mas obteve resultados variados.

Por fim, como último exemplo, as conferências de políticas públicas foram se

introduzindo principalmente a partir do nível nacional para agregar preferências e

estabelecer metas e objetivos das diversas políticas sobre as quais versavam

(Assistência Social, Saúde, Meio Ambiente, Cultura e Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, são alguns exemplos). Em geral, as conferências são eventualmente

marcadas para serem realizadas ao longo dos meses seguindo as preferências e soluções

propostas no nível municipal para o federal, passando pelo estadual. O momento de

maior ocorrência dessa IP foi a partir dos anos 2000, mas há registros desde 194110.

É possível pensar na integração de todas essas IPs. No campo analítico, um caminho

foi considerar essa rede de diferentes instituições participativas como experiências de

controle democrático não-eleitoral institucionais mistos (CDNE-IM) (GURZA

LAVALLE et al., 2013). Nessa categoria entram além dos conselhos, OPs e das

conferências, outros mecanismos de participação garantidos em legislações específicas,

como Plano Diretor Participativo, Audiências Públicas, Comitês de Gestão de setores

energéticos, entre outros. O objetivo é inserir no debate amplo sobre os checks-and-

balances da democracia as instituições de controle, incluindo IPs nesse segmento.

9 Avançou pela América Latina, África, Ásia e Europa (Porto, 2014) 10 Dado divulgado pela Secretaria Geral da Presidência da República em seu sítio na internet, acessado

pela última vez em 29/04/2016.

30

Entretanto, avaliar o conjunto dessas instituições como mecanismos de controle da

democracia é apenas um modo de pensar seus efeitos de forma agregada.

Não obstante, há desafios nessa análise conjunta de IPs. O efeito da integração entre

as próprias IPs ainda não está claramente evidenciado. Mesmo entre as três Instituições

Participativas mais comuns – conselhos, conferências e OPs – ainda não é possível

sustentar afirmações sobre o resultado que elas proporcionam em conjunto.

No campo prático, também houve a preocupação em construir uma base comum

para conectar algumas dessas IPs. Em 2014 o governo federal tentou instituir por meio

de um decreto a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de

Participação Social que fomentava e definia as diretrizes de cada uma das IPs já

existentes. Entretanto, o decreto foi derrubado pelo Congresso Nacional. Desse modo, a

concepção da articulação entre as IPs como um sistema nacional integrado não é

factível, mas é possível compreender redes e padrões entre elas. Alguns avanços nesse

sentido abandonam diagnósticos gerais e buscam traçar diagnósticos setoriais. Contudo,

a dificuldade na obtenção de dados sobre conselhos e conferências ainda dificultam

conclusões substantivas sobre essas redes como um todo11.

Até o momento é possível dizer que a indução federal tem forte impacto na

estruturação dessas IPs. Como foi apresentado, nos setores de saúde e assistência social

99% dos municípios têm conselhos, acrescenta-se que as conferências em nível federal

deste setor são periódicas. Mas em outras áreas de política essas características de

integração entre as IPs são diferentes. Ademais, uma ampla variação também pode

aparecer quanto às funções das IPs.

Pesquisas recentes convergem para a noção de que os conselhos nacionais (i)

procuram formular projetos de políticas, ou trabalhar com programas ministeriais ao

qual estão vinculados, sendo fortemente responsáveis por normatizar atividades e

processos na política. As conferências (ii), por sua vez, seriam responsáveis por levantar

questões e formular uma agenda de políticas (a participação seria heterogênea em ambas

as instituições, mas teria mais presença da sociedade civil nas conferências). Mas

quando se observa os conselhos municipais de política pública (iii), revelam-se

contrastes. Os conselhos municipais participariam nas três etapas da política, incluindo

11 Uma possibilidade de análise é por meio da noção de arquiteturas de controle (GURZA LAVALLE;

ISUNZA VERA, 2011) analisando a pluralidade de instituições e suas características no sistema político

em termos de accountability.

31

o planejamento, a implementação e a avaliação ex post da política, embora haja

variações significativas entre os diferentes conselhos setoriais (VERA; GURZA

LAVALLE, 2012, p. 113). Nas áreas mais estruturadas, com alta indução federal,

alguns estudos apontam que os conselhos servem como supervisão e controle da

implementação12 de diretrizes políticas vindas das conferências (ABONG, 2010;

SOUZA; TEIXEIRA; LIMA, 2012; TATAGIBA, 2002). Entretanto, alguns estudos de

casos mostram que a influência dos ministérios na determinação das políticas pode

ofuscar a função das conferências (CORTES, 2009; PELLEGRINI, 2007; TATAGIBA,

2004; VAN STRALEN et al., 2006). Já em setores ainda com média ou pouca indução

federal, fica suposto a possibilidade dos conselhos municipais abarcarem funções de

proposição, desenho e avaliação de políticas (CYMBALISTA, 2000; GURZA

LAVALLE et al., 2013; TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007a; TATAGIBA, 2007a).

Contudo, como será exposto na próxima seção, essas funções foram objeto de

interpretações em diferentes momentos de institucionalização das IPs. Muitas vezes,

foram esperadas capacidades maiores do que era possível quanto a realização dessas

funções. Isso porque além da indução federal, as capacidades administrativas de cada

setor de política nos municípios exercem influência sobre as atribuições das IPs

(ARRETCHE et al., 2012). Isto é, a estruturação de secretarias municipais, a instituição

ou não de fundos orçamentários setoriais (MARANHÃO, 2003a, 2003b; SILVA;

SARMENTO, 2006), e a existência mútua de outras IPs no município, como OPs

(LIMA, 2014), podem resultar diferentes arranjos quanto suas funções, bem como

podem proporcionar diferentes resultados nas políticas (CORTES, 2011).

Entretanto, nem sempre esteve claro para a literatura qual era o diagnóstico de

função e qual era o de efeito de uma IP. Com isso, a busca pelos efeitos e pela

efetividade das IPs foi se modificando. Nessa busca os conselhos municipais tornaram-

se as IPs mais pesquisadas, haja vista serem as mais presentes e comparáveis entre si a

fim de traçar um diagnóstico desse tipo. Na próxima seção será apresentado como a

literatura tem trabalhado com a ideia de efetividade, principalmente ao se referir a

conselhos municipais gestores de política pública, foco do trabalho.

12 Tendo algumas vezes o controle sobre fundos setoriais municipais.

32

2.3 – Efetividade das IPs

Essa seção traça os avanços do campo até chegar no que tem sido chamado de

agenda da efetividade, em que se insere esta pesquisa. Neste percurso, será possível

perceber três momentos da literatura que vão evoluindo com algumas justaposições no

tempo até poder sustentar e dialogar com as questões quanto a busca de efeitos das IPs

na política pública. Momentos da literatura é um conjunto de textos que são agrupados

pela abordagem que fazem do objeto. Trabalhar com a ideia de momentos da literatura

permite sintetizar achados e classificar em grupos questões a serem superadas neste

trabalho13. Estes conjuntos da literatura são divididos de acordo com a semelhança entre

os textos em suas dimensões normativas e de diagnóstico empírico. A

institucionalização dos conselhos, desde os anos 1990, também influenciou a análise

que definiu esse faseamento artificial da literatura. Por fim, será possível perceber que

ligeiros avanços metodológicos permitiram em cada momento um alcance maior quanto

aos efeitos dos conselhos.

A saber, no primeiro momento, buscavam-se efeitos de democratização – uma

vez que conselhos eram espaços de participação –, mas, com poucos dados empíricos,

diagnósticos negativos foram traçados. No segundo momento, prosseguiu uma visão

negativa dos efeitos dos conselhos, diagnosticava-se a perda da autonomia dos grupos

representados nessas arenas e a baixa capacidade em influenciar a política pública. No

entanto, tais considerações se baseavam em análises internas das regras e dos cotidianos

dos conselhos, o que trouxe contribuições para pensar os arranjos institucionais e iniciar

o entendimento sobre como esses espaços funcionavam. Por fim, o terceiro momento

foi capaz de afirmar que os conselhos produziam efeitos e, a partir disso, traçar

considerações quanto suas funções no ciclo de políticas públicas, bem como abrir a

agenda de pesquisa sobre a efetividade das IPs. Abaixo segue de forma detalhada a

classificação dos momentos da literatura analisada quanto a ótica dos efeitos e da

efetividade das IPs.

13 A divisão também se baseia no relatório de revisão da literatura de (VELLO et al., 2014) para o projeto

“Representação Extraparlamentar e Desigualdade Política” do Centro de Estudos da Metrópole

CEM/Cebrap.

33

2.3.1 – As primeiras abordagens: efeitos democráticos da participação

Na literatura sobre participação política do final dos anos 90 e início dos anos

2000 é possível identificar uma preocupação com a qualidade da participação (associada

à presença e participação dos segmentos excluídos), desejando encontrar espaços que

formassem cidadãos com capacidades de tomar decisões vinculantes. Os efeitos

esperados dessa participação de grupos antes excluídos da política seriam a

transparência e a produção de políticas que melhor atendessem aos interesses dos

cidadãos. Esperava-se que os conselhos tivessem lugar central na produção de política

pública. Contudo, os trabalhos empíricos têm tom crítico e de denúncia sobre a

inexistência dos componentes dessa expectativa.

Em geral, os debates eram normativos, avaliando os efeitos das instituições – ou

seus limites – pela sua existência, sem verificar aquilo que eles produziam em termos de

decisões (COSTA, 1997; CYMBALISTA, 2000; SOUTO; PAZ, 2003; LÜCHMANN,

2007). As questões de pesquisa indagam sobre uma participação popular autônoma e

deliberativa nos conselhos e a concretude de um suposto potencial democratizante que

essas inovações deveriam ter. É importante notar, porém, que nesse momento ainda não

estava claro o lugar dos conselhos na polícy.

As pesquisas desse período, em sua maioria, não utilizam métodos

comparativos. O tom crítico vinha do diagnóstico de ausência dos efeitos esperados.

Mais especificamente, as abordagens atribuem aos conselhos falta de transparência;

baixa participação da comunidade ou domínio dos membros do Estado na deliberação;

fraca capacidade dos conselheiros em compreender a gestão pública; além de um risco

de se elevar a burocratização. Esses diagnósticos aparecem tanto no nível nacional

(ABRAMOVAY, 2001; PINTO, 2004a), quanto no local (CYMBALISTA, 2000;

GERSCHMAN, 2004; SOUTO; PAZ, 2003). Como veremos abaixo, outros trabalhos

são mais gerais e, mesmo assim, mantém o mesmo tom.

Um bom exemplo de pesquisa que contribuiu para o conhecimento do campo é o

trabalho de Tatagiba (Tatagiba 2002). A autora traça um panorama histórico dos

conselhos existentes antes e depois da Constituição de 1988. Os mais antigos, como os

comunitários, teriam uma relação clientelística entre Estado e sociedade; mas havia

também os administrativos, não intervindo no desenho da política; e os populares,

surgidos de demandas dos movimentos sociais reivindicando maior autonomia. Por sua

vez, os conselhos gestores criados a partir da nova Constituição seriam caracterizados

34

como instâncias deliberativas com competência legal para formular políticas e fiscalizar

sua implementação, buscando a democratização da gestão, podendo redefinir

prioridades e recursos orçamentários públicos, indicando a partilha de poder.

O pressuposto que caracteriza esse momento da literatura é que conselhos seriam

espaços públicos dialógicos na definição de políticas, com participação paritária e

plural, e deliberativos quanto à gestão e ao controle orçamentário de um fundo setorial.

Contudo, isso não é encontrado. Haveria dificuldade dos atores em lidar com a

pluralidade, isto é, a paridade Estado e Sociedade era insuficiente para incluir os

diferentes grupos sociais interessados. Também haveria fragilidade na participação dos

diferentes interesses dos membros da sociedade civil; além de fraca capacidade dos

conselheiros em acompanhar o processo deliberativo por ser muito técnico. Ademais, o

diálogo também seria comprometido pelo controle que o Estado teria sobre a agenda

temática dos conselhos – quase sempre o secretário municipal é o presidente do

conselho. Outrossim, a gestão do fundo orçamentário setorial seria frágil pela restrição

de recursos e resistência quanto à publicização das informações contábeis por parte do

Estado.

Deste modo, para a autora importava saber qual a capacidade deliberativa de

cada conselho. O termo deliberação e suas variantes apareceram constantemente nesse

momento da literatura. A noção implícita de efetividade relacionava-se à capacidade de

haver deliberações e decisões que incluíssem os atores excluídos e considerassem suas

reivindicações impactando positivamente o setor de política e a sociedade em geral –

pois seria fruto de um processo de participação.

Por sua vez, frustravam-se as expectativas tanto da capacidade de inclusão,

quanto da capacidade de tomar decisões vinculantes. Alguns trabalhos chegavam a ser

céticos quanto à capacidade dos conselhos em terem uma regularidade institucional.

Consequentemente, sem um funcionamento regular dos conselhos diante das normas

estabelecidas em lei, não seria possível sequer uma avaliação de seus desejados efeitos

democratizantes (SOUZA; VASCONCELOS, 2006; PELLEGRINI, 2007). O excerto a

seguir, sobre o setor de saúde, exemplifica a visão comum em diferentes textos de que o

próprio Estado impediria os conselhos de terem um papel central na política como essa

literatura esperava encontrar:

A insistente repetição da importância das instâncias de negociação

Bipartite e Tripartite e diferentes pontos do enunciado contribuiu para

35

desenvolver uma memória intratextual capaz de transformar tais colegiados nas

instâncias de deliberação que passaram a ser desde então, tendo o efetivo

empoderamento de tais fóruns ignorado a função legal atribuída aos Conselhos

de Saúde - enfraquecidos e afastados do processo de construção do SUS. O

poder outorgado pela NOB 96 às SES [Secretarias Estaduais de Saúde] sobre

os municípios, em adição, é mais um aspecto imprevisto na legislação

(PELLEGRINI, 2007, 332).

Segundo a autora, o Ministério da Saúde criara barreiras para descentralizar as

decisões nos conselhos municipais, o que resultou no esvaziamento desses espaços e os

excluiu do processo de construção do SUS. Isto é, decisões importantes não passariam

pelos conselhos e o potencial democratizante dessas arenas, segundo a literatura, estaria

fragilizado. Ademais, para alguns autores haveria a predominância da participação do

poder público nesses espaços (SOUZA; VASCONCELOS, 2006). Com isso, as

discussões seriam burocráticas e técnicas (CYMBALISTA; MOREIRA, 2002;

CYMBALISTA, 2000), o tempo para discussões substantivas sobre a política seria

menor, daí o alerta para o “risco de esvaziamento dos conselhos” (CÔRTES, 2002),

pois não seria mais uma arena de deliberação da política.

Por fim, ainda é importante salientar nesse momento da literatura

trabalhos que relacionam mais diretamente a fraca capacidade dos conselhos em incidir

na política com a sua representação (RAICHELIS, 2000; PINTO, 2004b;

LÜCHMANN; ALMEIDA, 2010; LÜCHMANN, 2007). O foco do estudo de Raichellis

(2000) é o resultado da avaliação histórica do setor de assistência social. Nele, os

conselhos constituem claramente um avanço (pois essas instituições teriam a função de

“deliberar sobre a política e os recursos públicos, fiscalizando sua execução e

imprimindo mecanismos publicizadores e democratizadores na gestão pública. Isso é

absolutamente inusitado na assistência social” (275-276)), porém enfrentariam diversos

impasses e desafios, em parte relacionados com as características da representação

constituída no seio do CNAS14, além da conjuntura dos anos 1990 (a “política

neoliberal”). Assim é mais uma vez diagnosticado o esvaziamento dos conselhos dos

grupos mais necessitados da política, somando-se à fraca legitimidade dos

representantes que os ocupam.

Com isso, este primeiro momento da literatura ao mesmo tempo que contribui

para colocar os conselhos como foco analítico das pesquisas de participação, não

produziu análises mais relevantes sobre o efeito em si destas instituições. Os autores

14 Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

36

criaram altas expectativas quanto a ação dos conselhos na política pública sugerindo que

haveria efeitos de democratização da definição das políticas. Em consequência,

analisaram os conselhos buscando encontrar tais efeitos, sem apresentar análises

voltadas a explicação sistemática – com dados empíricos que garantam a validade das

afirmações – do funcionamento, manutenção e expansão deste tipo de IP. Portanto, o

diagnóstico predominante desse momento é quanto à fraqueza dos conselhos e uma

ineficácia em alcançar os objetivos esperados. Esclarecer essa característica do primeiro

momento permite avançar na análise quanto aos efeitos e a efetividade. O momento

seguinte supera algumas barreiras no diagnóstico de efeitos, mas ainda mantém

pendentes questões quanto à noção de efetividade destas instituições.

2.3.2 – O segundo momento da literatura: efeitos da relação entre sociedade civil e

conselhos

Com uma característica de transição entre o primeiro e o terceiro, este momento

ainda mantém expectativas normativas com relação aos efeitos dos conselhos, porém

são menores. Ainda não são abandonadas as questões relativas ao poder emancipatório e

à autonomia dos membros de um conselho. Mas o diferencial desses trabalhos é a

centralidade do argumento no funcionamento dos conselhos em sí. Constata-se o

crescimento dessas IPs e deseja-se entender o que elas fazem. A maior parte dos

trabalhos são descritivos e apontam avanços e problemas existentes na sua capacidade

representativa e de influenciar a política pública.

Seguindo o período anterior, alguns textos abordam os atores que compõem os

conselhos e sua representação (AVRITZER, 2007; COELHO; VERISSIMO, 2004;

COELHO, 2004; PEREZ, 2010; VAN STRALEN et al., 2006). A diferença é que parte

da literatura, nestes trabalhos, traçam uma compreensão de que o conselho é uma

instituição de representação de interesses antes subrepresentados, mais do que uma

instituição de participação e inclusão de atores excluídos, como era esperado no

primeiro momento.

Por meio de questionários e entrevistas, às vezes, acompanhamento das reuniões

(ou uso de suas atas), inclusive contando o número de falas dos conselheiros (FUKS,

2005), os trabalhos chegam a diagnósticos de que a composição dos representantes não

37

é propriamente popular, mas contempla grupos antes excluídos, os “excluídos

organizados” (COELHO, 2004):

“Existe hoje em São Paulo uma rede de ‘incluídos nos conselhos’, que

conta com a participação dos ‘excluídos organizados’ que mantêm certos

vínculos políticos. Nesse sentido, o processo de construção dos conselhos de

saúde em São Paulo vem sendo sustentado, sobretudo, pela aliança entre

associações que tem um passado de participação política e lideranças políticas

e gestores políticos ligados ao partido dos Trabalhadores” (COELHO, 2004).

O olhar para as práticas internas no conselho não só permitiu, ao mesmo tempo,

analisar quem eram os representantes e quem eles tentavam representar. Mas também

trouxe uma análise importante sobre o próprio trabalho dos conselheiros nessas

instituições: suas rotinas e os principais objetos de discussões e decisões. Com isso,

novos diagnósticos foram feitos.

Assim, sustentou-se, com alguma ênfase, o caráter quase cartorial dos conselhos

(CÔRTES, 2002), isto é muitos conselhos ficariam restritos a produzir decisões de tipo

gerencial, como credenciamento de associações. A autorregulação e autogestão dos

conselhos também foi destacada como uma atribuição constante nessas arenas

(TATAGIBA, 2004). O diagnóstico se revela diferente daquilo que era esperado dos

conselhos no momento inicial, com decisões gerais da política. O olhar aos processos

internos dos conselhos e é uma característica na obtenção de dados que pode trazer

importantes contribuições. Em alguns trabalhos (DA SILVA, 2002; MARANHÃO,

2003a, 2003b), fatores antes pouco mencionados sobre as atribuições dos conselhos

servirão de subsídio para os estudos do momento seguinte. Um deles, diz respeito a sua

relação com os Fundos, que financiam a política setorial:

(...) o Conselho tem enfrentado dificuldades quando se trata de sua

capacidade de influenciar na destinação dos recursos públicos. Pode-se dizer

que a interferência da sociedade civil no desenho das políticas públicas

voltadas a essa população permanece como um grande desafio do CMDCA,

mesmo em um contexto de uma administração municipal diferenciada em

relação aos oito anos de administrações conservadoras nas quais não existiu o

compromisso com os espaços de co-gestão de políticas. (...) Conforme a

Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente devem ser prioridade

no orçamento público. Não obstante, a ausência de uma lei que regulamente as

normas de gestão e operacionalização dos fundos implica, por exemplo, que no

âmbito dos municípios a gestão dos fundos fique à mercê das forças políticas

que atuam nesse campo. Nesse sentido, as leis de criação do Fundo em São

Paulo não obedecem a uma normatização capaz de garantir que, de fato, o

Fundo agregue todos os recursos voltados para a política. Isso possibilitaria um

controle social mais efetivo. (MARANHÃO, 2003, p. 55-56).

38

No trecho acima, a autora expõe características do arranjo institucional que

envolve o conselho, determinando possibilidades e limitações quanto a sua operação na

política. Esse tipo de característica receberá maior enfoque no terceiro momento, mas já

permite pensar em decisões que seriam vinculantes, a depender das características

institucionais. Nesse momento, contudo, ainda prevalece a ênfase nos diagnósticos

negativos, ou seja, naquilo que não pode ser realizado pelos conselhos – o que a priori

não é um problema, mas não permite entender por que os conselhos existem se

expandem, ou qual o papel deles na política pública. Isto é, se por um lado esse segundo

momento buscou avaliar os conselhos observando o que eles fazem – e não o que se

esperava deles – os diagnósticos ainda se focam nas limitações para atingir os efeitos

que os atores esperavam encontrar e afetar a política.

Isso fica claro na introdução da coletânea organizada por Dagnino e Tatagiba

(2007). Nela as autoras apresentam o trabalho como uma antítese aos registros

considerados otimistas visando explorar efeitos políticos institucionais relacionados à

qualidade da participação:

O conjunto destes trabalhos se caracteriza, em primeiro lugar, pelo

abandono do registro celebratório e otimista que marcou a primeira leva de

estudos sobre o potencial democratizador tanto da sociedade civil como dos

espaços participativos que a abrigam. Sem descartar a perspectiva normativa

que inspirou boa parte dessa produção, emerge agora um olhar muito mais

crítico que perscruta esse potencial e explora suas condições efetivas de

realização em contextos políticos-institucionais específicos, trazendo para o

centro do debate a questão da qualidade da participação [...] (DAGNINO;

TATAGIBA, 2007, p. 9).

Desse modo, os estudos que tentaram fazer análises dos resultados na política

neste momento recorreram em diagnósticos negativos, por ainda conceber efeitos

esperados. Como será exposto a seguir, tais diagnósticos podem ser atribuídos ainda a

um período de amadurecimento dos conselhos. No entanto, alguns aspectos tratados

contribuíram para que a literatura seguinte evidenciasse a permanência dessas

instituições e buscasse outras maneiras de verificar seus efeitos. Quanto à efetividade –

ainda que neste momento os trabalhos não tratem dessa forma –, ressalta-se aqui as

limitações do conselho em afetar a política devido à falta de recursos e seu

direcionamento às questões internas de gestão e autorregulação.

39

2.3.3 – O terceiro momento da literatura: efeitos dos conselhos nas Políticas Públicas

Sem mais se referir aos conselhos como experiências, instâncias, ou espaços

deliberativos, uma vez que a literatura desse momento considera a institucionalização

dos conselhos na política pública, o termo utilizado passa a ser IPs. Isso reflete o maior

amadurecimento dos conselhos e sua permanência na política. Por esse motivo, alguns

trabalhos apresentam uma avaliação de determinadas políticas cujos conselhos estavam

atuando ativamente.

É o caso dos trabalhos sobre o papel do Conselho Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente, do Conselho Municipal de Saúde, do Conselho Municipal de

Habitação e do Conselho Municipal de Assistência Social em suas respectivas políticas

(TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007a, 2007b; TATAGIBA, 2007a, 2007b). Tais

publicações detalhavam descritivamente a atuação dos conselhos, muitas vezes

diagnosticando a incidência deles na implementação e na avaliação das políticas; além

disso, relatam as disputas partidárias e as relações com entidades da sociedade civil fora

do conselho. Enfim, esses trabalhos buscam superar o caráter ciclotímico, isto é, se opor

a visões que ora avaliam algo como um todo sendo ótimo, ora, ruim.

Nesse mesmo momento foi produzida a maior parte dos trabalhos que abordam a

relação entre conselhos, conferências, programas de políticas e políticas, trazendo,

inclusive, a ideia de arquitetura da participação (CORTES, 2009, 2011; SOUZA;

TEIXEIRA; LIMA, 2012; SPINELLI; COSTA, 2010; VERA; GURZA LAVALLE,

2012), tematizando questões como a articulação entre as instituições e a representação.

As visões de controles não eleitorais (VERA, 2013) também são inclusas nesse conjunto

da literatura.

Desse modo, ao considerar o grau de institucionalização e de capilaridade

territorial dos arranjos participativos, esse momento difunde o interesse pelos efeitos

que as IPs poderiam estar gerando. Uma agenda é formada com pesquisadores voltados

à discussão teórica e com pesquisadores destinados a trazer avaliações dessas IPs para a

administração pública.

Assim, coloca-se como questão relevante o diagnóstico acerca dos efeitos desses

arranjos sobre as políticas públicas (Gurza Lavalle, 2011a, p17). Isto é, uma vez

consideradas com capacidade de produzir decisões (que já vinha sendo apresentado no

segundo momento), alguns autores começam a indicar a necessidade de compreender os

40

efeitos reais destas instituições nas políticas. Torna-se oportuno o balanço da literatura

feito por Gurza Lavalle (2011a) que coloca as instituições participativas como foco dos

estudos de participação, distanciando-se de consensos normativos sobre o valor da

participação15.

“Se atores sociais encontram-se plenamente inseridos em instâncias de

controle sobre políticas públicas com trajetórias que já contam com pelo menos

uma década de existência, não mais parece oportuno postular conexões

normativas eventualmente plausíveis em vez de pesquisar os processos de

participação em curso e de lhes extrair suas implicações mais gerais no plano

da teoria” (GURZA LAVALLE, 2011a).

Assim, identificando que essas instituições participativas podem ter efeitos na

política e que elas constituem um elo de representação de interesses na arquitetura de

controle do Estado, começa a surgir a agenda da efetividade das IPs. Tempestivamente,

o IPEA conduziu uma publicação, que agregando os principais nomes do campo,

solidificou essa agenda e o termo IP. Mas, ainda que impulsionada com um

direcionamento prático da administração pública, a agenda apresentou distintos

caminhos para a detecção dos efeitos. A seguir, detalha-se essa agenda, cujo presente

trabalho nela se insere.

2.3.4 – A agenda da efetividade das IPs e suas propostas

A sistematização de efeitos de instituições não é algo simples. É preciso

indicadores que traduzam os conceitos que se queira determinar como efeitos

(JANUZZI, 2005). A complexidade, então é dupla: (i) desenvolver indicadores

sensíveis a seu problema e (ii) determinar claramente sobre que tipo de efeitos se busca

avaliar. A noção de efetividade proposta pelo IPEA surgiu da preocupação quanto aos

efeitos das instituições sobre a política pública (PIRES, 2011a), mas parte do campo

acadêmico estava no registro da busca pelos efeitos da participação na política como um

todo. Essas duas formulações interpelam a noção de efetividade, mas é preciso deixar

claro que há distintos problemas pressupostos nessas abordagens. Ademais, ambas

perspectivas desenvolveram diversos indicadores e discutir sua validade na

identificação de efeitos será fundamental.

15 Outros estudos mais teóricos também se voltavam para a análise das relações entre os atores e as

instituições (ABERS; KECK, 2008; ALMEIDA, 2009).

41

Uma noção de efetividade começou a ser desenvolvida quando Avritzer (2008)

elaborou uma tipologia para avaliar a variação das IPs no contexto da efetividade da

deliberação. A tipologia relacionava as IPs, ainda no registro de “experiências de

participação”, em dois eixos: um de capacidade democratizante (propostas vindas da

sociedade civil para o Estado) e outro da efetividade – entendida como sinônimo de

independência do sistema político. O trabalho tem como pressuposto normativo que as

IPs podem ser democratizantes, entretanto, a dependência do sistema político para a

existência dessas IPs poderia diminuir seu grau de efetividade, mesmo daquelas com

desenhos “de baixo para cima” (AVRITZER, 2008, p. 60). Deste modo, o trabalho

conclui que é importante estar atento ao desenho das experiências participativas para

avaliar a efetividade da participação na decisão de políticas.

O desenvolvimento da noção de efetividade segue na coletânea organizada por

Avritzer (2010), que se destaca pois agrega trabalhos em ambas as vertentes.

Primeiramente avaliava o resultado da “efetividade deliberativa”, isto é, a qualidade no

processo deliberativo no interior das IPs; na sequência se correlacionava índices de

participação com melhorias nos indicadores de políticas; por fim, com pares

contrafactuais, testava-se a existência de associação entre participação e os resultados

nos indicadores socioeconômicos e de políticas públicas.

Já na publicação do IPEA, o autor sustenta a proposta sobre a efetividade

deliberativa. Segundo Avritzer (2011) o objetivo seria analisar os efeitos dos momentos

deliberativos. Esses momentos são compreendidos como períodos de discussão e

deliberação nas instituições – em contraposição à etapa de implementação de políticas

(AVRITZER, 2011, p. 16). De fato, o autor está muito mais preocupado com a

qualidade da participação e seus efeitos na política do que nos efeitos das instituições

participativas na política pública.

Essa perspectiva da agenda de efetividade que toma como foco a qualidade da

participação contou com contribuições de pesquisadores vindos do debate estrangeiro.

Trabalhos como o desenvolvido por Wampler (2015) fazem uma abordagem sobre a

participação em IPs como sendo capazes de prover justiça social e aprofundar a

qualidade da democracia (WAMPLER, 2015) 16. A pesquisa do autor se sustenta com

16 Wampler (2015) também faz uma análise do campo passando por três gerações de pesquisa, mas não

reconhece que há uma disputa na interpretação quanto a efeitos. A primeira geração estaria focada em

uma única instituição; a segunda, compararia o mesmo tipo de IP em múltiplas cidades ou usando pares

42

estudos de caso, entrevistas e surveys a atores sociais e correlação de variáveis de

desenvolvimento humano e desigualdade com a existência de IPs. O período de análise

é amplo, mas centra-se em um único município, a saber, Belo Horizonte - MG17.

Portanto, na agenda da efetividade das IPs essa abordagem se refere à qualidade

da participação que a IP produziria. Esta vertente, do ponto de vista metodológico,

inferiu efeitos por meio de correlações de variáveis e existência de IPs. Do ponto de

vista epistêmico, buscava explicar a efetividade no processo deliberativo, que teria

como sucesso as IPs. Como foi salientado, isto é diferente de tentar encontrar os efeitos

das Instituições Participativas como uma instituição política em si, dentro de um

arcabouço institucional, comparativamente a outras instituições democráticas que

afetam a política.

Outra vertente se propõe ser mais enfática na busca por efeitos das IPs na

política pública. Nessa perspectiva, “faz-se imprescindível a investigação sobre se e

como tais instituições têm instaurado novos padrões de alocação de recursos, bens e

serviços públicos” (PIRES, 2011b, p. 274). A questão que move essa vertente está

expressa em Pires e Vaz (2011). Os autores vão levantar uma proposição comparativa

dos resultados de IPs para a administração e para a política pública:

Em outras palavras, ainda sabemos pouco sobre a seguinte questão: existe

alguma diferença, em termos de gestão pública e resultados de políticas

públicas, entre municípios que possuem IPs consolidadas e municípios que não

possuem as mesmas características? (PIRES; VAZ, 2011, p. 247)

Para responder a essa questão os autores propõem a abordagem metodológica

dos pares contrafactuais para conseguir comparar municípios e testar a correlação entre

IPs e efeitos distributivos.

Ainda antes do trabalho do IPEA, é importante destacar que alguns estudos já

desenvolviam noção similar de efetividade e, nesses trabalhos, a principal metodologia

usada para a sistematização de efeitos encontrados a partir das IPs, estava

principalmente baseada na comparação de pares contrafactuais. As operações eram,

frequentemente, a associação entre a existência de uma ou mais IPs e a melhoria de

contrafactuais; já a terceira – em que insere seus trabalhos mais recentes – enfocaria no impacto das IPs

sobre a política e as políticas públicas em estudos longitudinais com grande número de casos

(WAMPLER, 2015). 17 O município de Belo Horizonte é destaque na literatura: inicialmente por ter aperfeiçoado o OP;

também, é um município que instituiu rapidamente diversos conselhos; além de contar com uma

sociedade civil bastante ativa, que reivindicava por essas IPs.

43

índices como renda per capta, IDH-M ou alguma medida de melhoria na produção da

política (AVRITZER, 2010; BAIOCCHI et al., 2006).

Entretanto, se a motivação apresentada pode ser compartilhada por diversos

autores nessa vertente, a ênfase metodológica nos pares contrafactuais encontra claras

restrições. Pares contrafactuais, assim como correlações com variáveis de qualidade da

democracia ou de desenvolvimento social, não asseguram que IPs sejam suas causas.

Uma vasta literatura versou sobre o risco de cometer correlações espúrias e a

necessidade de recorrer a métodos que apresentem a causalidade da relação (BEACH;

PEDERSEN, [s.d.], 2013; ELSTER, 1976, 1998; MAHONEY, 2000, 2001; PIERSON,

2004; SEAWRIGHT; GERRING, 2008; SEAWRIGHT, 2015; SORENSEN, 1998).

Não obstante, o diagnóstico de efetividade requer uma afirmação causal sobre os efeitos

de uma IP, ou não seria possível utilizar o termo “efetividade” (capacidade de produzir

um efeito).

Também foi no trabalho organizado no IPEA que Gurza Lavalle apresentou os

motivos por uma abordagem mais voltada a explicação das causas da efetividade das

IPs. Segundo ele, os trabalhos dos momentos anteriores, possivelmente pelo peso

normativo da área, tenderam a procurar efeitos remotos e gerais sem explicitar as

cadeias causais ou seus mecanismos (GURZA LAVALLE, 2011b). Com isso, sugere

uma operação analítica para melhor aferir os efeitos no tema da participação. Devido à

dificuldade em se obter amplos e substantivos dados, seria prudente diminuir a distância

entre causa e efeito para neutralizar a hysteresis (ELSTER, 1976), isto é, a causalidade

remota18. Ele entende esse processo de diminuição da distância entre causa e efeito

como:

“(...) fixar o olhar nos efeitos imediatos ou diretamente imputáveis às

IPs naquilo que efetivamente produzem: decisões, sejam elas consensuais ou

conflituosas, a respeito de questões regimentais ou de prioridades de políticas,

com implicações jurídicas ou administrativas, favoráveis ou não ao status quo

em determinado campo de políticas. Ao se aproximar a causa do efeito, nesses

termos, torna-se possível estabelecer os resultados imediatos das IPs,

preparando um ponto de partida sólido para estudar as eventuais continuidades

e descontinuidades entre as decisões efetivamente tomadas nas IPs e seus

efeitos mais gerais”(GURZA LAVALLE, 2011b, p. 41).

18 Jon Elster (1976) explora esse problema analítico-metodológico identificando-o como a existência de

um longo período, ou de inúmeros processos intermediários que ficam ocultos nas explicações; sem poder

controla-los as relações causais se mostram falhas pois os mecanismos que levaram uma causa a um

efeito podem ser de outra ordem. Ou seja, o efeito encontrado poderia não decorrer da causa imputada,

uma vez que há inúmeros processos intermediários que ficaram obscurecidos na explicação.

44

Desse modo, uma indicação inicial de efetividade das IPs seria partir as decisões

por eles produzidas, ou seja, seus outputs. Por conseguinte, seria possível encontrar os

outcomes, ou seja, os resultados dessas decisões na política pública.

A proposta se aplica muito bem quanto aos conselhos, onde é possível identificar

as decisões publicadas e há quantidade suficiente para compará-los. Entretanto, como já

foi apresentado, há muita variabilidade entre eles e, para que não sejam cometidas

arbitrariedades, a classificação em tipos de conselhos ajuda a traçar diagnósticos mais

precisos. Os trabalhos empíricos nesta abordagem têm se mostrado frutíferos. Seguindo

as classificações de IPs propostas em Gurza Lavalle, et. al. (2013), foi desenvolvida

com base nos dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC-IBGE)

uma tipologia de conselhos (GURZA LAVALLE; BARONE, 2015).

Deste modo, os autores verificam três padrões de conselhos municipais no país:

C1 – conselhos com alta indução federal e já bastante difundidos (exemplo: Saúde,

Educação e Assistência Social); C2 – conselhos com expansão média e altamente

desigual, com indução mais recente (ex.: Cultura, Habitação, Direito do Idoso e Meio

Ambiente); C3 – conselhos com baixa expansão e indução fraca ou ausente

(correspondendo a diversas outras políticas, como as de Esporte, Igualdade Racial,

Pessoas com Deficiência, Transportes, entre outros).

Após definir uma tipologia de conselhos, é possível indicar os tipos de outputs e

desenvolver uma comparação mais sensível ao nosso objetivo de estabelecer

efetividade. Mais uma vez a literatura avançou numa análise sistemática que tem

apresentado o que os conselhos fazem e em que momento de seu ciclo de vida cada tipo

de produção é feita (GURZA LAVALLE; VOIGT; SERAFIM, 2014). O trabalho

enfoca a produção decisória dos conselhos (os outputs) categorizada em 5 tipos: (i)

definição geral da política; (ii) fiscalização da política; (iii) gestão administrativa; (iv)

autorregulação e autogestão e; (v) regulação de outras IPs setoriais. A análise foi feita a

partir de 34 conselhos de diferentes padrões em um mesmo município (Guarulhos) no

período de sete anos. De seus resultados podemos contrapor diversos argumentos

trazidos nos momentos anteriores da literatura sobre IPs.

Inicialmente, a ênfase dada às produções em autogestão, principalmente durante

o segundo momento da literatura, consegue ser explicada. De fato, no município

analisado, esse tipo de produção dos conselhos é o maior (39%), mas é extremamente

45

concentrado nos primeiros anos do ciclo de vida de um conselho. Segundo os autores, a

fase inicial de observação dessas instituições pela literatura enviesou os diagnósticos

sobre a produção dos conselhos:

É possível ainda supor que os diagnósticos pessimistas que enfatizaram a

produção conselhista centrada na autorregulação tenham sido vítimas não

somente de uma escolha metodológica inadequada para a verificação da

produção decisória real dos conselhos, mas também de viés derivado do tempo

de maturação dos conselhos. (GURZA LAVALLE; VOIGT; SERAFIM, 2014)

Em contrapartida, outros 40% da produção decisória dos conselhos estão em

definição geral da política e gestão administrativa, que, muitas vezes, implicam em

definições sobre a implementação de uma política. Portanto, produções que incidem na

política seriam tão expressivas quanto as de autorregulação.

Da análise conjunta entre a produção decisória dos conselhos e da tipologia de

conselhos, pode-se esclarecer o grau de variação entre os conselhos. Aqueles com fraca

ou inexistente indução federal (C3) tem tempo de vida menor que os outros (GURZA

LAVALLE; VOIGT; SERAFIM, 2014), além disso, também são os que tem o menor

volume de produção decisória. Já os conselhos com alta indução federal (C1) são

aqueles que possuem o maior número de atos emitidos e essa produção cresce após 7

anos de vida desses conselhos e o período de maior produção gira em torno dos 12 anos

de vida. Quando analisado as produções que, de fato, incidem na política, encontra-se

nos primeiros anos de vida alta incidência em políticas tanto dos conselhos de alta,

como média indução federal (C2):

(...) os conselhos do Tipo C2, em princípio, acusam nos primeiros anos do

ciclo uma capacidade potencial de definição de políticas e fiscalização

equivalente à dos conselhos de Tipo C1 com alta indução federal. (GURZA

LAVALLE; VOIGT; SERAFIM, 2014)

Entretanto, conforme os autores explicitam, esses resultados se referem a um

único município (Guarulhos) e os padrões encontrados nele não são, necessariamente,

generalizáveis para toda população de conselhos no Brasil. Faz-se necessário mais

pesquisas. Ainda assim, há um ganho explicativo sobre os conselhos e permite traçar

indicações válidas para sua comparabilidade.

Assim, apreende-se dos trabalhos que a indução federal e o tempo de maturação

de um conselho são características fundamentais para qualquer estudo que tematize a

efetividade deste tipo de IP – ainda que não devam ser entendidos como sinônimos de

efetividade. Essas características vão além da existência dos conselhos, como era

46

pensado no primeiro momento da literatura, bem como vão além da relação entre atores

e o cotidiano dos conselheiros – que tornaria os conselhos instituições inefetivas, ao

interpretar o segundo momento da literatura. Aqui é evidenciada a possibilidade de

determinados tipos de conselhos em produzir determinados tipos de decisões. Este é o

atual estado da arte neste flanco da agenda da efetividade – o qual constitui base para

este trabalho.

No entanto, por maiores avanços que foram obtidos até aqui, ainda não é

possível afirmar que se chegou a inferir a efetividade dos conselhos. Efetividade das IPs

na política pública requer encontrar outcomes. Isto é, resultados em que a IP – por meio

de seus outputs, ou decisões, no caso – afeta a política pública.

Poderia ser levantado como exceção o estudo de Donaghy (2013a). A autora

deseja inferir se conselhos municipais de habitação estão associados com aumento de

benefícios sociais na área de habitação, mensurados como programas habitacionais.

Adotando um desenho de pesquisa misto, usando tanto estudos de caso, quanto métodos

quantitativos de n grande, ela afirma que pretende entender os mecanismos causais

(DONAGHY, 2013a, p. 18). Entretanto, são feitas uma série de correlações que

permitem verificar a existência e criação de conselhos em diferentes momentos (antes e

após a indução federal), mas não oferecem mecanismos causais. Também é produzido

uma análise de regressão que aponta a relação entre aumento de conselhos municipais

de habitação e o crescimento de programas habitacionais. Contudo, mais uma vez, isso

não garante que haja uma relação causal. Não há mecanismos que mostrem que esses

programas habitacionais foram desenvolvidos nos conselhos, o que coloca em xeque um

argumento de efetividade19.

Por isso, a presente pesquisa adota uma estratégia comparativa que visa traçar os

mecanismos causais que levam a atividade de uma IP a resultados na política pública.

Seguindo a ordem de identificar os outputs e, na sequência, liga-los aos outcomes.

Assim, a questão é saber em que circunstâncias e mediante quais mecanismos uma IP

efetivamente influencia uma Política Pública.

19 A autora utiliza survey no intuito de testar se uma sociedade civil forte melhora o efeito dos conselhos

na produção de programas sociais de habitação. Mais uma vez, ela apresenta uma correlação entre

sociedade civil forte em um município, existência de conselho neste município e a promoção de

programas sociais na área. Tais variáveis, entretanto, podem não estar impactando uma na outra numa

ordem causal. Por exemplo, se a sociedade civil forte pressiona, com manifestações, para que se tenha um

programa habitacional há uma correlação, mas não há efetividade do conselho nisso.

47

2.4 – O Escopo da pesquisa

O ponto central desta pesquisa será apresentar os mecanismos que permitem

uma decisão do conselho afetar a política pública, isto é: de que modo e sob que

circunstâncias um conselho é efetivo? Como vimos acima, a literatura não foi capaz de

apresentar sólidas explicações causais, haja vista que apresentavam apenas indícios de

correlação. Os trabalhos não conseguiram conectar como a existência de conselhos afeta

a política pública. Ao considerar que os conselhos são ativos e tomam decisões, os

estudos indicavam os efeitos na política sem apresentar a sequência causal que ligaria

um ponto a outro. Eles incorriam em causalidade remota, ou seja, atribuindo efeitos a

causas distantes no tempo. O mecanismo é a ferramenta analítica que permite fazer essa

conexão sem incorrer em causalidade remota – ou histerese (ELSTER, 1976) – ao ligar

input, output e outcome.

O mecanismo vai explicitar se há ou não intencionalidade no efeito final da

cadeia. Esta engrenagem teórica desvenda a caixa preta que envolve a causalidade e

mostra detalhes práticos e essenciais que rodam o seu maquinário interno (ELSTER,

1983, p. 24). O mecanismo, portanto, ocupa o espaço de tempo que há na cadeia causal

relacionando cada ponto entre o input e o outcome, o que permite uma explicação mais

sintética do funcionamento da causalidade.

Elster (1998) expõe que o papel do mecanismo é substituir a lei geral de

explicação de um fenômeno derrubando partes de uma definição ruim. Ao descer a um

nível micro de análise, o mecanismo se contrapõe ao uso de covariações/correlações ou

ao acréscimo de variáveis para explicar um fenômeno (SORENSEN, 1998).

No entanto, na literatura sobre causalidade há divergências quanto a algumas

características epistemológicas de mecanismo. Para Elster, por exemplo, um mecanismo

quando identificado pode ou não ocorrer em outros casos similares, ou seja, ele teria um

caráter probabilístico. Já para outros autores (BEACH; PEDERSON, 2013;

MAHONEY, 2001) o mecanismo tem uma definição determinística, isto é, quando

48

identificado sua explicação deve suportar uma generalização maior, apresentando

causas suficientes ou necessárias.

Para Mahoney (2001), um mecanismo é uma entidade não observada, que

quando ativada gera um resultado – ou seja, não é um conjunto de condições empíricas

(MAHONEY, 2001, p. 581). Ele não quer definir mecanismo como uma variável, mas

como uma ferramenta micro teórica, em que haveria um automatismo contingente a

partir de um input. Uma vez que esse fenômeno inicial ocorreu, é possível explicar o

mecanismo que ele gerou. Assim, um fenômeno gera – necessária ou suficientemente –

um mecanismo que causa determinado efeito.

Entretanto, de acordo com o propósito desta pesquisa, deve-se questionar a

concepção de um mecanismo como determinístico. Diversos podem ser os mecanismos

operando em momentos e municípios distintos que tornariam um conselho mais ou

menos efetivo. A abordagem de Elster também é mais interessante no que diz respeito a

explicação de que a distância dos processos causais é intercalada por mecanismos.

Contudo, a explicação deste processo causal está melhor definida em Mayntz (2004).

Para Mayntz (2004), mecanismos seriam capazes de criar afirmações causais de

generalizações de um processo. Aqui, a noção de cadeia causal serve ao apontar o

funcionamento de um mecanismo, ou seja, cada sequência de ação nesta cadeia seria

explicada pelo mecanismo. Superando a relação postulada de Mahoney (2001), a autora

afirma que mecanismo deve ser visto como uma variável, uma propriedade que pode,

mas não precisa estar lá, a fim de chamar algo de um mecanismo social (MAYNTZ,

2004). A definição da sequência, contudo, seria artificial e o mecanismo é entendido

como link ou variável, servindo para mostrar sua constância ou sua variabilidade. Sendo

algo que liga um input a um output, o mecanismo pode ser generalizável se uma mesma

estrutura causal for encontrada em outro caso.

Nesta pesquisa, entretanto, os dados da variável independente – as decisões –

servirão como ponto de partida para analisar a produção dos conselhos e identificar

quais os mecanismos levam esses outputs a incidir na política pública. Cada tipo de

decisão pode recorrer a um ou mais mecanismos diferentes. Pode-se encontrar no

processo de desenvolvimento da política desde a decisão do conselho até sua

implementação, a passagem pela burocracia competente, com possíveis interferências

de atores, bem como outras estruturas que para certos tipos de decisão impactam seu

49

caminho até a implementação (quando, por exemplo, um tipo de decisão que requer

recursos financeiros para sua implementação). Assim, tem-se uma cadeia causal que

precisa ser desvendada para explicar os resultados na política.

A fim de não incorrer em causalidade remota e seguir os preceitos expostos, esta

pesquisa se limita a trabalhar com um único setor de política pública. Como foi

apresentado nas seções anteriores, essa estratégia tem sido utilizada no campo e

revelado bons resultados, uma vez que há diferenças substantivas na institucionalização

de sistemas e mecanismos de indução das IPs. Também foi delimitado que conselhos

seriam a IP analisada, haja vista que o principal objeto que levou ao avanço na

identificação de efeitos e efetividade pela literatura foram essas instituições. Por fim,

uma vez seguindo a tipologia de conselhos de Gurza Lavalle e Barone (2015), a escolha

pelo tipo C2 garante encontrar uma variabilidade de casos bem e malsucedidos quanto a

efetividade desses conselhos na política pública que são interessantes para a análise.

O desenho da pesquisa pode ser formulado em termos de variáveis. Desse modo,

a nossa variável dependente (y) é definida como o resultado (ou outcome) do conselho,

ou seja, políticas afetadas pelas decisões do conselho. Como variável independente (x)

serão utilizadas as decisões do conselho (outputs), cuja variação está organizada em

tipologias. Considera-se, portanto, que analisar os tipos de decisões, como faz Gurza

Lavalle, Voigt e Serafim (2014), permite um ponto de partida mais seguro para avaliar

os efeitos dos conselhos. Finalmente, conectando essas variáveis, existem mecanismos,

que permitem ou não que as decisões tenham efeito na política.

Desse modo, o objetivo será traçar o processo pelo qual uma resolução do

conselho passa até afetar a política pública. Para isso será utilizado uma análise que se

aproxima do método process tracing20, que evidencia os mecanismos que impedem ou

alavancam a produção do conselho. Ademais, a comparação entre municípios permitirá

considerar condições endógenas ou exógenas do ambiente. Fatores internos, como a

agência dos atores, e fatores externos, como programas federais e outras IPs, podem

determinar a efetividade do conselho.

20 A análise será orientada pelo process-tracing, mas não será a aplicação estrita desse método, como será

melhor explicado no capítulo V.

50

Traçar o processo causal permite entender, por exemplo, de que modo a

burocracia se insere no processo de implementação das decisões de um conselho21, bem

como em que circunstâncias recursos financeiros são condições necessárias e suficientes

para afetar a política pública22. Também será possível verificar quando e como outras

IPs podem diminuir a efetividade do conselho quanto à determinados tipos de decisões

(BOIS, 2013; LIMA, 2014).

Tais questões serão apresentadas com maior detalhe no próximo capítulo.

Fundamentalmente ficará claro a escolha pelo setor habitacional, e a forma como essas

questões se sustentam nesta pesquisa. Outrossim, o seguinte capítulo expõe o histórico

do setor, os atores, as experiências municipais e a relação entre os conselhos municipais

de habitação e o nível federal.

21 Tal preocupação revela-se importante para compreender a dinâmica de relação do conselho com a

burocracia, assunto constantemente abordado pela literatura, mas pouco evidenciado empiricamente

(ALMEIDA; TATAGIBA, 2012; ARRETCHE, 2002a; ARRETCHE et al., 2012; DONAGHY, 2013b;

ROLNIK, 2009; TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007a, 2007b). 22 Em alguns textos (CYMBALISTA; MOREIRA, 2002; CYMBALISTA, 2000; MARANHÃO, 2003a,

2003b) a presença de fundos municipais parece estar relacionada à garantia da efetividade das decisões

dos conselhos.

51

III – O SETOR HABITACIONAL: ATORES E INSTITUIÇÕES

Dentre os setores de política pública em que os conselhos gestores estão numa

posição de média indução federal e média difusão nos municípios, está o setor

habitacional, mais especificamente o de habitação de interesse social. Esta área de

política tem sido, ao menos desde a redemocratização, constantemente inserida nos

debates públicos da sociedade e da academia. As relações entre atores sociais e do

Estado também foram frequentes no período, oras movida pelo conflito, ora com um

diálogo próximo entre esses atores. Movimentos sociais, gestores públicos e políticos

buscam oportunidades e elaboram estratégias para alcançar seus interesses num setor

tão demandante da sociedade brasileira, especialmente nos grandes centros urbanos. Por

isso, o desenvolvimento de IPs de habitação, principalmente na forma de conselhos,

merecem destaque no que concerne a avaliação de sua efetividade.

Ademais, este setor é exemplar para prosseguir nesse tipo de análise, haja vista

que conta com casos de IPs bem e malsucedidas, bem como permite maior clareza em

evidenciar os resultados na política. Isto é, conselhos municipais de habitação devem

tomar decisões sobre a política habitacional de interesse social, como a construção de

moradia para pessoas de baixa renda, programas habitacionais, regras de regularização

fundiária, entre outros. Então, diferentemente de políticas como educação e saúde, cuja

identificação de efeitos pode levar muitos anos, é de se esperar que os efeitos dessas

decisões devem ter impacto quase imediato na política.

No entanto, isso não quer dizer que esses conselhos, uma vez instituídos,

resolverão todos os problemas habitacionais. Mas é um setor capaz de apresentar

respostas rápidas quando há confluência de interesses – e recursos. Não é pueril que a

produção habitacional tem sido utilizada, em diferentes partes do mundo, como forma

de estimular a economia. Porém, por ser tão disputado e consumir altos recursos, a

relação entre os atores pode dificultar seu desenvolvimento. Nesse sentido, o Brasil

emerge ao mundo com suas Instituições Participativas, consequentemente, saber sua

efetividade se torna ainda mais relevante.

Desse modo, a presente dissertação sustenta que os conselhos municipais no

setor de habitação de interesse social contribuirão à agenda da efetividade das IPs para

identificar de que modo e sob quais circunstancias suas decisões afetam a política

52

pública. Este capítulo, por sua vez, visa apresentar as características da relação

socioestatal e o desenvolvimento de IPs nesse setor. Por conseguinte, destina-se a

levantar hipóteses sobre fatores determinantes para obter resultados que afetem a

política.

Assim, a primeira seção expõe o histórico do setor. Inicialmente, apresentam-se

os interesses dos atores sociais e o contexto em que a estratégia de reivindicar IPs

municipais foi implementada. Contudo, as experiências com essas IPs, ao longo da

década de 1990, revelaram novas necessidades institucionais. As capacidades

administrativas dos municípios neste setor ainda eram muito insipientes. Demandava-se,

portanto, do Governo Federal, além de recursos, uma regulamentação mais específica

para o desenvolvimento habitacional e urbano. Tais disposições vieram ao longo da

década de 2000 e colocaram os conselhos municipais como uma das capacidades

administrativas mais presentes para a gestão dessa política. Todavia, como será

mostrado, essa IP esta imersa numa superposição institucional de sistemas federais,

programas de desenvolvimento expressivo no setor, outras IPs locais e órgãos

burocráticos executores da política.

Todas essas camadas superpostas levaram a diferentes diagnósticos da literatura

que versou sobre os efeitos dos conselhos municipais de habitação. Dessa maneira, a

segunda seção traz uma leitura desses trabalhos a partir de três supostas interferências

que haveria sobre a efetividade dessas IPs: a interferência de outras instituições políticas

na capacidade decisória dos conselhos, a interferência do sistema político-partidário na

composição e agenda dos conselhos e a interferência da burocracia no processo de

implementação das decisões. Por fim, a terceira seção sintetiza esses diagnósticos da

literatura e levanta hipóteses acerca da efetividade dessas IPs, a fim de verificar sua

validade ao longo desta pesquisa.

3.1 – O desenvolvimento das relações socioestatais no setor habitacional

3.1.1 – Movimentos Sociais de Habitação: atores dentro e fora dos conselhos

Os principais movimentos sociais urbanos de habitação surgiram no escopo da

luta pela reforma urbana na década de 1980. O Movimento Nacional pela Reforma

Urbana (MNRU), que se formou nessa época, introduziu na Assembleia Constituinte

53

(1987-1988) questões relativas à função social da propriedade na gestão e elaboração de

leis municipais. O movimento defendia bandeiras mais amplas, como o “direito à

cidade” (PANDOLFI; ESPIRITO SANTO, 2014), mas na Constituição, o capítulo sobre

reforma urbana se resumiu a dois artigos. Ainda assim, Serafim (2013) afirma:

A proposta do MNRU não foi aceita integralmente, mas representou

avanços importantes para o campo. A Constituição incorporou os

princípios gerais defendidos pelo MNRU para a política de

desenvolvimento urbano: direito à cidade, função social da

propriedade e gestão democrática das cidades. A própria

consideração do tema da política urbana enquanto capítulo era

inédita nas Constituições brasileiras anteriores (SERAFIM, 2013, p.

71)

A Constituição de 1988 também alterou as responsabilidades dos entes

federados mediante descentralização da gestão de políticas públicas. Com isso, os

municípios aumentaram sua capacidade de gestão financeira e de produção de políticas

públicas, tornando-se o lócus de experimentação das políticas sociais de habitação,

como será exposto na próxima seção. Contudo, em nível federal, ainda era importante

estabelecer legislações e regulamentações para instituir um sistema que provesse as

diretrizes de uma política de habitação de interesse social e desenvolvimento urbano.

Não obstante, o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), que sucedeu o

MNRU após o processo constituinte, continuou pressionando as instituições federais,

principalmente o legislativo nacional, a produzir legislações e desenvolver políticas

sobre habitação e bem-estar nas cidades. Alguns projetos são o do Estatuto das Cidades

(PL 5.788/90) e o do Fundo Nacional de Moradia Popular (PL 2.710/92). Sua

tramitação, entretanto, foi lenta. O Estatuto das Cidades só foi enviado para a sanção

presidencial mais de uma década depois. Por sua vez, o então Presidente da República,

Fernando Henrique Cardoso, vetou o projeto e reapresentou-o, com algumas alterações,

na forma de medida provisória em 2001 (SERAFIM, 2013, p. 80–81). O Fundo

Nacional de Moradia Popular também só entrou em vigor nos anos 2000, aprovado pelo

então presidente Luís Inácio Lula da Silva, com o nome de Fundo Nacional de

Habitação de Interesse Social (FNHIS), junto da criação do Sistema Nacional de

Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005.

Desse modo, durante a década de 1990, o FNRU se destacou muito mais por sua

capacidade de articulação dos movimentos locais, centrais populares e associações de

categorias ligadas ao estudo e desenvolvimento urbano, do que a conquistas efetivas no

54

âmbito nacional. Segundo Serafim (2013), o “FNRU teve importante atuação no nível

municipal e estadual, pressionando governos municipais e estaduais pela incorporação

dos princípios da plataforma da reforma urbana nas Leis Orgânicas Municipais e

Constituições Estaduais” (SERAFIM, 2013, p. 84). Além da articulação da FNRU, os

movimentos que a compunham acabaram por desenvolver discussões públicas e

pressionar os governos municipais pela adoção de instituições participativas (IPs)

destinadas à produção de políticas urbanas e habitacionais.

Três grandes movimentos fazem parte do FNRU e articulam ações locais e

nacionais. A Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), criada

ainda em 1982, é uma das mais antigas e tanto participa de diversos fóruns, quanto

manifesta seus interesses de forma pública em ações de reivindicação, protestos e

participação em instituições participativas. Outro ator importante, a União Nacional de

Moradia Popular (UNMP), surgiu em 1989 e agrega principalmente movimentos de

moradia dos estados de São Paulo, Minas Gerais e do Paraná. Assim como o

Movimento Nacional de Lutas por Moradia (MNLM), criado em 1990, a UNMP se

orgulha de ter, já em 1991, estabelecido a Lei do Fundo Nacional de Habitação de

Interesse Social (FINHIS) – porém, aprovado no Congresso Nacional somente no ano

de 2005.

As reivindicações nacionais, portanto, só começaram a ser atendidas a partir da

década de 2000. A pressão sobre os governos locais, por sua vez, obteve sucessos mais

rapidamente. Com isso, além dos movimentos que pressionavam pela formação de IPs,

principalmente conselhos municipais de habitação, outros atores organizados

priorizavam a ação direta sobre os governos locais. Tomam relevância nesse contexto a

Frente de Lutas por Moradia (FLM), Movimento de Moradia da Cidade de São Paulo,

Movimento Unificado de Luta por Moradia e o Movimento dos Trabalhadores Sem

Teto (MTST). A princípio esses movimentos não visavam ocupar espaços em

instituições participativas, destinando-se, principalmente, a manifestações como

ocupações de prédios e terrenos ociosos. Com a maturação das IPs, no entanto, esses

movimentos passaram a considerar a complementariedade das ações (PANDOLFI;

ESPIRITO SANTO, 2014) 23.

23 Em entrevista com um coordenador da FLM, a posição da entidade é favorável ao conselho, tendo

inclusive representação nele, porém o foco principal da luta pela habitação ocorre por meio de

manifestações e ocupações.

55

Assim, IPs e políticas sociais ligadas à área de habitação foram surgindo aos

poucos e pontualmente nos municípios brasileiros. Entre os anos 1990 e meados dos

2000, as políticas do setor foram produzidas de forma bottom-up. Ações como mutirões

autogeridos, reformas comunitárias de saneamento e urbanização de favelas recebiam

atenção de alguns governantes e eram implementadas, porém tendo resultados dispares.

Do mesmo modo, foi a implantação de conselhos municipais de habitação, cada

município criou um formato, uma legislação e um arranjo diferente entre essa IP e

outras instituições. A seguir, essas experiências são detalhadas.

3.1.2 – Conselhos Municipais de Habitação: um avanço independente

Uma vez não conseguindo avançar a agenda da reforma urbana em nível

nacional, na década de 1990 os atores sociais investiram em pressionar por experiências

locais de participação nos municípios para desenvolver políticas habitacionais. Esse

processo se desencadeou concomitantemente com a criação de outras capacidades

administrativas, principalmente em governos de esquerda. Diadema (SP)24, Belo

Horizonte (MG) e Porto Alegre (RS), por exemplo, criaram conselhos de habitação logo

nos primeiros anos dessa década (CYMBALISTA; MOREIRA, 2002; CYMBALISTA,

2000; NAVARRO; GODINHO, 2002; SERAFIM, 2013). Em Belo Horizonte,

especialmente, mais do que o conselho, em 1994 foi criado o Sistema Municipal de

Habitação, constituído de: uma companhia urbanizadora25, um conselho, um fundo e um

programa de regularização de favelas (SERAFIM, 2013, p. 87). Mas não foi

necessariamente constituindo sistemas que se desenvolveram, em estados e municípios,

essas capacidades administrativas do setor habitacional26 – ainda que quase sempre

houvesse a criação ou reestruturação de uma companhia para produzir habitação

popular27.

Em São Paulo, a Companhia Metropolitana de Habitação (COHAB) é bem mais

antiga, data de 1965, já o Conselho Municipal de Habitação (CMH-SP) surgiu em 2002,

24 Em 1990 foi criado em Diadema (SP) o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FUMAPIS)

e seu respectivo Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social, responsável por sua gestão. 25 A URBEL, empresa municipal que desenvolve projetos habitacionais de interesse social. 26 Arretche (2002b) mostra que, no período, houve uma estratégia do Governo Federal em desfinanciar as

empresas públicas do setor, priorizando a aquisição de imóveis via mercado. Em consequência, para não

falir, essas empresas dependiam tão somente das administrações municipais ou estaduais. 27 Algumas companhias já existiam como legado do BNH, é o caso da COHAB em São Paulo e em

Curitiba.

56

após movimentos de habitação terem pressionado os governos municipais a desenvolver

programas de habitação e mesmo à criação de um conselho (CYMBALISTA;

MOREIRA, 2002). A reivindicação já era intensa em 1979, quando se institui um fundo

municipal para financiar programas habitacionais, o Fundo de Atendimento à População

Moradora de Habitação Subnormal (Funaps). Sua criação tinha o intuito de remover

favelas, mas no processo de formulação da lei, a articulação entre movimentos sociais e

a oposição também possibilitou a urbanização de favelas (BARBOSA, 2015). Ademais,

a legislação que instituía o Funaps criava um conselho do Fundo com cinco membros,

sendo três de indicação do Prefeito28 e dois advindos da participação popular.

Em 1994, esse fundo foi substituído pelo Fundo Municipal de Habitação pela

Lei nº 11.632. Essa alteração, no entanto, colocava o fundo como atribuição da

Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano e aumentava a

participação do governo no Conselho do Fundo para 5 e mais três representantes de

outras associações (universidades, igrejas e sindicatos patronais) (SÃO PAULO, 1994).

Somente em 2003, após a criação do CMH-SP, a jurisdição sobre o Conselho do Fundo

foi revista e passou a ter participação paritária. Além disso, o CMH dividiu

responsabilidade com a Secretaria de Habitação tornando-se responsável pela

supervisão do Fundo (SÃO PAULO, 2003).

Outro exemplo é Porto Alegre, onde o Conselho Municipal de Acesso à Terra e

Habitação (COMATHAB) surgiu em 1993 e foi regulamentado em 1995. O

COMATHAB foi instaurado em decorrência da alteração na Lei Orgânica do Município

(LOM) em 1990, que previa a criação de diversos conselhos gestores de políticas, e da

elaboração do Programa de Regularização Fundiária (LIMA, 2014). A LOM também

criava o Fundo Municipal de Desenvolvimento (FMD), que passou a ser controlado

pelo COMATHAB, após sua criação em 1994. O município já possuía uma autarquia

responsável pela gestão da política habitacional de interesse social, a DEMHAB29. No

arranjo proposto, o COMATHAB é vinculado diretamente à DEMHAB, que após

considerar as medidas propostas pelo conselho, envia-as ao Conselho do Orçamento

Participativo (COP), que decide se chancela ou não as determinações do COMATHAB.

28 Segundo, Cymbalista e Moreira (2002), era um “conselho de notáveis”, do qual participaram

pesquisadores sobre questões urbanas, como Ruth Cardoso e Lúcio Kowarick. 29 Porto Alegre não possui uma Secretaria de Habitação, o COMATAHB está vinculado à DEMHAB.

57

Por fim, além das experiências municipais, Estados e o Distrito Federal também

desenvolveram capacidades administrativas para o setor. No estado do Rio de Janeiro, o

Conselho de Habitação e Saneamento surge em 1995 tendo a função de equalizar a

alocação de recursos federais do FGTS, privilegiando os municípios menores e mais

pobres com baixa capacidade de financiamento. Porém, em 1998, com o impedimento

legal de municípios se endividar além da capacidade de arrecadação, o conselho perdeu

sua função (CYMBALISTA, 2000). No Distrito Federal, o Conselho de Habitação e

Desenvolvimento Urbano surgiu em 1997, com representação paritária. Também foi

criado um fundo, mas que não chegou a ser operado. No Rio Grande do Sul, foi

formulada, em 1999, uma Política de Habitação que promoveu conferências em

diversos municípios e induziu a implantação de conselhos municipais, mas os recursos

estaduais e municipais foram insuficientes para produzir resultados.

Desse modo, apesar da tentativa em criar capacidades administrativas

municipais e estaduais para o setor habitacional, essas experiências não tiveram grandes

resultados na política pública neste momento. Contudo, trouxeram ao debate a

necessidade de regulações e de recursos federais, os quais só viriam a ocorrer a partir de

2005. Também é possível notar que não havia um modelo único para a concepção

desses conselhos e demais capacidades, tanto os arranjos institucionais, como a

obtenção de financiamento, variavam por localidade. Concomitantemente, porém, se

arrastavam no Congresso Nacional as legislações que viriam a estabelecer regulações

top-down para o setor. A seguir é exposto o processo que desencadeou nas regulações e

programas federais que atendiam a demandas para habitação de interesse social, bem

como os impactos sobre os conselhos já estabelecidos.

3.1.3 – O SNHIS e o MCMV: protagonismo e figuração dos conselhos

Em 2005, a criação do Sistema (SNHIS) e do Fundo Nacional de Habitação de

Interesse Social (FNHIS), serviu de indução para a criação de novos conselhos e de

instrumentos de gestão dessa política, como fundos e secretarias municipais. Mas já em

2001, com a formulação do Estatuto das Cidades (EC), e em 2003, com a Conferência

das Cidades e o Conselho das Cidades, a temática da habitação de interesse social

emergia no nível federal, trazendo consigo a necessidade de ampliar os instrumentos de

gestão municipal. Além da produção de habitações de interesse social, o objetivo era: a

descentralização da política de saneamento; a realização de conferências; a

58

regularização fundiária; a instituição de Regiões Metropolitanas; a aplicação do Plano

Diretor Participativo e o planejamento do uso e ocupação do solo.

Posto que a lei federal do Estatuto das Cidades implicava em um aumento de

responsabilidades de gestão aos municípios, era preciso aumentar a capacidade

administrativa municipal na política habitacional. Isto é, poucos municípios possuíam,

durante a década de 1990, sequer uma secretaria de habitação. A gestão de políticas na

área habitacional de interesse popular ocorrera, principalmente, como resposta a

pressões de movimentos sociais, nos grandes centros urbanos. No entanto, a partir dos

anos 2000, leis federais no setor habitacional começam a indicar políticas que os

municípios deveriam desenvolver.

Não obstante, o EC, ao mesmo tempo que regulava e indicava algumas políticas,

era pouco capaz de induzi-las. Segundo, Serafim (2013) “a proposta inicial do Estatuto

da Cidade (EC), (...) previa aplicação de penalidade a prefeitos que não possibilitassem

a participação popular no Plano Diretor” (SERAFIM, 2013, p. 83), porém, a penalidade

foi vetada e a execução das propostas do EC se tornava apenas indicativa, sem ter um

caráter indutivo. O fator de indução aparece em 2005 com a instituição do FNHIS e do

SNHIS destinando repasse de verbas federais a políticas habitacionais de interesse

social, condicionadas ao desenvolvimento de instrumentos de gestão, como conselhos e

fundos municipais.

Um estudo sobre as capacidades administrativas dos municípios, feito pelo

Centro de Estudos da Metrópole (CEM), mostra, a partir de dados da MUNIC, o

progressivo aumento da capacidade administrativa do setor ao longo do tempo

(conselhos, fundos, cadastros, órgãos específicos e consórcios intermunicipais de

habitação):

[...] dados revelam crescente institucionalização das capacidades

administrativas para a gestão da política habitacional nos municípios

brasileiros. [...] [essa trajetória] pode ser explicada tanto por fatores

internos ao município, como a presença de movimentos

reivindicatórios, como pela indução do governo federal. A

aprovação da Lei nº11.124, em junho de 2005, que prevê a aplicação

descentralizada dos recursos do Fundo Nacional de Habitação de

Interesse Social (FNHIS) e atrela o repasse à constituição pelos

munícipios, estados e Distrito Federal desses instrumentos pode ser

um fator explicativo dessa trajetória. (ARRETCHE et al., 2012, p.

40)

59

É nesse contexto que os conselhos municipais de habitação começam a seguir a

tendência de crescimento e universalização encontrada em outros tipos de conselhos,

como os de saúde e educação. Segundo os dados da MUNIC, em 2004, 14% dos

municípios brasileiros tinham um conselho de habitação; em 2005, eram 17,6%, um

aumento de apenas 3,6 pontos percentuais. Após o SNHIS, em 2008, a quantidade de

municípios com conselhos já é 30,7% e houve um crescimento de 11,9 pontos

percentuais, chegando à 42,6% dos municípios com conselhos em 2009. Os dados mais

atualizados são de 2011, quando já eram 58,2% dos municípios do país com conselhos

de habitação.

O estudo do CEM conclui:

[...] o conselho municipal de habitação era um instrumento de gestão

da política habitacional pouco adotado pelos municípios brasileiros

até 2004. Com poucas exceções, os estados apresentavam reduzida

proporção de municípios com conselhos municipais de habitação. O

período entre 2004 e 2009 foi marcado por forte e contínua

expansão da adoção do instrumento pelos municípios brasileiros.

Todos os estados apresentaram crescimento da proporção de

municípios com o conselho (ARRETCHE et al., 2012, p. 59).

Similarmente à expansão dos conselhos, houve a expansão dos fundos

municipais de habitação. Em 2005, eram 15,5% dos municípios que possuíam esse

instrumento, já em 2009 a cifra alcançava 42,8%. Não necessariamente conselhos e

fundos estavam presentes conjuntamente num mesmo município, mas o processo de

expansão tem causa comum: a indução federal criada pelo SNHIS e o FNHIS.

Segundo Cielici Dias (2012), o arranjo do SNHIS, “envolvendo estados,

municípios e instâncias participativas, embute mecanismos de indução vertical de

capacitação administrativa das instâncias subnacionais, ou seja, da União para Estados e

Municípios” (DIAS, 2012, p. 83). Citando outros estudos, o autor expõe que a “indução

vertical tende a ser exitosa a medida que a mobilização de atores seja ampla e efetiva,

não se limitando apenas à mobilização do governo local” (DIAS, 2012, p. 83) e

acrescenta, que o processo será duradouro “somente se as redes de suporte à política

tiverem capacidade de decisão, seja na deliberação em agências decisórias, seja na

obtenção de recursos necessários para a consecução de projetos” (DIAS, 2012, p. 83).

60

A Lei nº11.124 que instituiu o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de

Interesse Social evidencia a indução federal no artigo 12 ao tratar da aplicação do

FNHIS30:

Art. 12. Os recursos do FNHIS serão aplicados de forma

descentralizada, por intermédio dos Estados, Distrito Federal e

Municípios, que deverão:

I – constituir fundo, com dotação orçamentária própria,

destinado a implementar Política de Habitação de Interesse Social e

receber os recursos do FNHIS;

II – constituir conselho que contemple a participação de

entidades públicas e privadas, bem como de segmentos da sociedade

ligados à área de habitação, garantido o princípio democrático de

escolha de seus representantes e a proporção de 1/4 (um quarto) das

vagas aos representantes dos movimentos populares; (BRASIL,

2005)

Contudo, o parágrafo quarto do inciso IV desse artigo faz com que o fator de

indução presente nos incisos I e II possa ser dispensado. O texto diz:

§ 4o O Conselho Gestor do FNHIS poderá dispensar Municípios

específicos do cumprimento dos requisitos de que tratam os incisos I

e II do caput deste artigo, em razão de características territoriais,

econômicas, sociais ou demográficas. (BRASIL, 2005)

Com isso, pode-se concluir que o fator de indução é seletivo, podendo não recair

sobre municípios menores ou mais pobres. Ainda assim, os dados da MUNIC

confirmam que os mecanismos de indução estão atuando, pois há um crescimento mais

acentuado de conselhos e fundos municipais após a promulgação desta Lei. A

peculiaridade que o setor habitacional apresenta é de uma indução que não pode ser

caracterizada como forte, por não atingir todos os municípios, confirmando o argumento

de Gurza Lavalle e Barone (2015):

O salto dos Conselhos de Habitação coincide com o primeiro ano de

operação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, cuja

Lei n. 11.124 foi promulgada em 2005 e definiu os conselhos

30 As aplicações dos recursos do FNHIS são destinadas a ações vinculadas aos programas de habitação de

interesse social que contemplem: aquisição, construção, conclusão, melhoria, reforma, locação social e

arrendamento de unidades habitacionais em áreas urbanas e rurais; produção de lotes urbanizados para

fins habitacionais; urbanização, produção de equipamentos comunitários, regularização fundiária e

urbanística de áreas caracterizadas de interesse social; implantação de saneamento básico, infraestrutura e

equipamentos urbanos, complementares aos programas habitacionais de interesse social; aquisição de

materiais para construção, ampliação e reforma de moradias; recuperação ou produção de imóveis em

áreas encortiçadas ou deterioradas, centrais ou periféricas, para fins habitacionais de interesse social.

(BRASIL, 2005)

61

municipais como parte integrante do sistema (MARICATO, 2006).

A ausência de mecanismos fortes de indução, que condicione a

transferência de recursos federais à criação e funcionamento desse

conjunto de conselhos, é uma das explicações para sua expansão

parcial. (GURZA LAVALLE; BARONE, 2015, p. 61)

Não obstante, é plausível supor que houve intenção por parte da União de

desenvolver tais instrumentos nos municípios. Nesse sentido, é explicita a expansão que

os conselhos tiveram, conforme os dados da MUNIC apresentados revelaram –

inclusive com crescimento em todas as regiões do país. Entre os municípios que

instituíram conselho e fundo nos moldes da Lei 11.124 estão, por exemplo, Fortaleza

(CE) e Guarulhos (SP).

Em dezembro de 2006, Fortaleza institui o Conselho Municipal de Habitação

Popular de Fortaleza (COMHAP) e o Fundo Municipal de Habitação (FMH). De fato, o

FMH já existia desde 2004, vinculado à Fundação de Desenvolvimento Habitacional de

Fortaleza (HABITAFOR), que tem a posição de uma secretaria de habitação do

município, mas as regras desse fundo foram definidas pela lei de 2006. Também no

município, outro fundo com atribuições similares existia, o Fundo de Terras (criado pela

Lei no Municipal no 6.541, de 21 de novembro de 1989). Mas a legislação de 2006

concede um espaço de protagonista para o COMHAP.

Cabe a esse conselho participar do planejamento e do gerenciamento do Fundo

de Terras e do FMH; deliberar sobre o plano de aplicação dos recursos oriundos do

Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e de outros recursos dos governos

federal, estadual, municipal ou repassados por meio de convênios internacionais;

estabelecer as diretrizes e os programas de alocação dos recursos do Fundo; deliberar

sobre a proposta orçamentaria anual da HABITAFOR, incluindo o orçamento do FMH;

deliberar sobre as ações a serem financiadas com recursos do Fundo e fiscalizar a

movimentação dos recursos financeiros consignados para os programas habitacionais;

além de aprovar contas do FMH (FORTALEZA, 2006).

Em outro município, também sob impacto da legislação do SNHIS e do FNHIS,

em maio de 2007, é criado o Conselho Municipal de Habitação (CMH) e o FMH de

Guarulhos. Essa legislação do município substitui o fundo e o conselho estabelecidos

em 1995. Naquela ocasião, o FMH fora instituído junto à Secretaria de Finanças, mas

tinha supervisão do Conselho Municipal de Habitação, que na época contava com

62

apenas um representante de organizações comunitárias, que era indicado pela União das

Sociedades Amigos de Bairro.

Em 2007, a composição mudou radicalmente, estabeleceram-se 7 representantes

do poder público e 7 da sociedade civil, sendo 3 de entidades comunitárias eleitos de

forma direta. As atribuições deste conselho, no que diz respeito ao Fundo Municipal de

Habitação, são: avaliar e dar parecer, anualmente, sobre a proposta orçamentária do

FMH e do plano de metas; dar parecer sobre as contas do FMH, antes do seu envio aos

órgãos de controle interno; dar parecer sobre normas, procedimentos e condições

operacionais; dar parecer sobre o orçamento anual e plurianual do FMH, suas contas e

normas de aplicação; auxiliar o Poder Executivo na definição de: a) normas para gestão

do FMH e das prioridades de execução, b) repasse a terceiros dos recursos sob a

responsabilidade do FMH, c) critérios e formas para transferência dos imóveis

vinculados ao FMH para os beneficiários dos programas habitacionais, d) normas para a

gestão do patrimônio vinculado ao FMH; propor medidas de aprimoramento do

desempenho do FMH, bem como outras formas de seu funcionamento (GUARULHOS,

2007). No entanto, para a função específica de gestão do Fundo Municipal de Habitação

existe uma Comissão Executiva do Conselho, formada a partir dos seus membros.

Desse modo, ao comparar os conselhos dos dois municípios é possível

identificar que, ainda que estejam regidos sob uma mesma legislação, estabelecem

características distintas a essa IP. A legislação de Guarulhos dá margem a uma

interpretação menos vinculante das decisões sobre a política pública do que em

Fortaleza. Isto é, enquanto na capital cearense há menção sobre “deliberar propostas” e

“estabelecer diretrizes”; no município paulista, as atribuições estão em “auxiliar o Poder

Executivo” e “dar parecer”. Na prática, entretanto, os termos podem não

necessariamente impactar no tipo de decisões dos conselhos, mas tal ponto merece

investigação empírica – e que será desenvolvida no próximo capítulo.

Não obstante, os exemplos acima revelam atribuições mais específicas aos

conselhos, do que aqueles existentes antes da legislação federal que instituiu o SNHIS e

o FNHIS. Nesse sentido, os conselhos predecessores tiveram de se adaptar ao novo

sistema.

Este é o caso de Porto Alegre, que em 2009, institui o seu FMHIS. O Fundo

Municipal de Desenvolvimento, que desde 1994 era destinado à política habitacional,

63

foi incorporado ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS). Esse

fundo possui um Conselho Gestor, constituído de forma paritária, com representantes de

governo, entidades de classe e movimento popular, escolhidos pelo COMATHAB. A

presidência permanece sendo do Diretor-Geral do Departamento Municipal de

Habitação – DEMHAB. Ao Conselho Gestor do FMHIS de Porto Alegre compete:

estabelecer diretrizes e fixar critérios para a priorização de linhas de ação, alocação de

recursos do FMHIS e atendimento dos beneficiários dos programas habitacionais;

aprovar orçamentos e planos de aplicação e metas anuais e plurianuais dos recursos do

FMHIS; deliberar sobre as contas do FMHIS; dirimir dúvidas quanto à aplicação das

normas regulamentares aplicáveis ao FMHIS nas matérias de sua competência; aprovar

seu regimento; e propor, discutir e deliberar planos e projetos relativos aos programas

habitacionais (PORTO ALEGRE, 2009, 2010). Mas como será exposto na próxima

seção, há indícios de que essas atribuições sejam limitadas na prática.

O que deve ser destacado desses casos é a instituição de instrumentos de gestão

seguindo modelo proposto pela legislação federal. Um fundo, capaz de financiar

diversos tipos de políticas e programas habitacionais, que é gerido por um conselho,

com ampla representação da sociedade civil, responsável por destinar e priorizar essas

ações financiadas pelo fundo. Com isso, os conselhos municipais de habitação

ganhavam protagonismo na gestão da política habitacional.

No entanto, esse protagonismo dos conselhos e fundos municipais para

desenvolver política habitacional de interesse social nos municípios, acabou por ceder

lugar a outras frentes da política habitacional federal, principalmente a partir de 2009

com o advento do programa federal Minha Casa, Minha Vida (PMCMV)31. Segundo

diferentes autores (DIAS, 2012; PANDOLFI; ESPIRITO SANTO, 2014; SERAFIM,

2013), o montante financeiro que o FNHIS arrecadava não o colocava como a principal

fonte de financiamento de programas habitacionais e, com a vigência do PMCMV, o

FNHIS – e consequentemente o SNHIS – perderam ainda mais centralidade no

desenvolvimento do setor habitacional de interesse social e baixa renda.

Serafim (2013) afirma que:

31 O PMCMV é um programa de financiamento habitacional destinados aos grupos de 0 a 10 salários

mínimos (divididos em três faixas de renda) com subsídios progressivos do governo federal. Segundo

Cielici Dias (2012) e Pandolfi e Espirito Santo (2014), trata-se de uma política baseada no

desenvolvimento econômico de matriz keynesiana, “uma resposta anticíclica para manter o ritmo da

economia brasileira” (DIAS, 2012, p. 88).

64

A proposta do Fundo não foi aprovada exatamente da maneira que

foi idealizada pelos movimentos. Estes propunham que fosse um

fundo contábil, e que concentrasse todos os recursos para habitação

de interesse social, passando pelas definições dos respectivos

conselhos em cada nível de governança. No entanto, foi criado como

fundo orçamentário concorrente com outras formas de repasse de

recursos, que continuaram a operar paralelamente ao Fundo, indo

contra as diretrizes que norteavam a construção de uma política e

um sistema integrados, e as ações para habitação de interesse social

se constituíram de maneira fragmentada. Esta concorrência e

fragmentação entre ações se exacerbou ainda mais com a criação do

Programa Minha Casa Minha Vida, em 2009. (SERAFIM, 2013, p.

154)

Agregando para a compreensão do lugar pouco central do FNHIS no setor

habitacional, Cielici Dias (2012) mostra dados sobre o empenho de recursos no FNHIS

e no FGTS. Segundo o autor:

[...] os recursos empenhados do FNHIS ficaram na casa de R$1

bilhão de reais em 2009, enquanto os recursos do FGTS para a

habitação, por exemplo, se aproximaram dos R$ 16 bilhões. O papel

discreto do SNHIS-FNHIS seria acentuado com o PMCMV, cujos

investimentos não passam por esse sistema. (DIAS, 2012, p. 84)

O diagnóstico dos atores, portanto é que a possibilidade de captar recursos

federais e desenvolver políticas habitacionais por outros meios, fez do SNHIS e do

FNHIS não se constituir como um sistema de fato (SERAFIM, 2013, p. 155)32. Todavia,

nem por isso, os conselhos existentes estariam destinados a morrer. Aliás, o programa

MCMV requer que os municípios estabeleçam os critérios de hierarquização e seleção

dos beneficiários, o que acabava sendo desenvolvido pelos conselhos municipais –

como será verificado no próximo capítulo. Isto é, os conselhos municipais de habitação

podem ter perdido o papel de protagonista que tinham recebido com o SNHIS na

produção de política pública de habitação, mas resta saber no que esse papel de

figuração implica na sua produção decisória e na sua capacidade de afetar a política

pública. Esses pontos serão revelados nos próximos capítulos.

Antes de prosseguir, no entanto, há de se levantar o que a literatura avaliou

quanto aos efeitos dos conselhos de habitação durante todo o período relatado acima.

Além dos conselhos serem objeto de moderada indução por parte do Governo Federal,

32 Cielici Dias (2012) traz uma análise do contraste entre o modelo do PMCMV e do SNHIS-FNHIS, para

ele, a produção de política pública sem uma face, isto é, sem uma identificação clara com um governo

(como seria o caso de um sistema), corre o risco de se perder na burocracia e não se tornar viável segundo

os interesses dos governantes, ainda que seja relevante para o setor.

65

haveria também outros fatores que poderiam interferir num resultado pouco efetivo

dessas IPs no setor. É o que se apresenta na seguinte seção.

3.2. Avaliando a capacidade dos conselhos afetarem a política de habitação

A literatura que tratou de conselhos municipais de habitação teceu uma série de

afirmações sobre a capacidade deles em afetar a política pública, em diferentes

momentos de estruturação do setor habitacional. Uma vez ilustrado o desenvolvimento

desse setor, é possível identificar com maior precisão questões exploradas pela literatura

de fatores que restringem a efetividade dos conselhos. Por isso, esta seção pretende

recuperar alguns diagnósticos e considerações feitas por estes trabalhos, com a

finalidade de levantar hipóteses acerca da capacidade decisória dos conselhos – testadas

no próximo capítulo. Ademais, as contribuições da literatura também levantam

hipóteses sobre pontos que poderiam afetar o outcome dos conselhos – ou seja, os

efeitos das decisões sobre a política pública –, o que iluminará os caminhos percorridos

na análise do capítulo V.

Isto posto, três são as questões colocadas pela literatura que interferem na

capacidade dos conselhos em afetar a política pública. A primeira delas diz respeito à

interferência entre diferentes instituições políticas. Segundo essa tese, instituições

políticas concorrem entre si. Isto é, tanto camadas institucionais do nível federal ou do

nível municipal – inclusive outras IPs – teriam maior centralidade nas decisões do setor.

Consequentemente, o conselho seria “esvaziado”. A segunda asserção apresenta o

conselho imerso na polity. Os trabalhos vão relatar o alinhamento eleitoral e a relação

dos representantes com partidos políticos, bem como afirmam a dependência do

executivo municipal para aprovar questões capazes de afetar a política pública. A

terceira proposição problematiza o momento da implementação, cuja dependência das

burocracias – auto-interessadas no setor – as colocam como um veto-player sobre a

decisão do conselho.

Desse modo, é possível identificar fatores endógenos e exógenos ao processo de

efetividade dos conselhos. Tanto a primeira como a segunda premissa, trazem fatores

exógenos. Isto é, fatores que podem alterar a capacidade decisória dos conselhos (o

output) e, por conseguinte, limitar os efeitos dos conselhos sobre a política pública. A

terceira, traz um fator endógeno, o qual consiste no processo de implementação política

após uma determinação dos conselhos municipais. Ou seja, mesmo com conselhos

66

atuantes e decidindo, haveria interferências que afetam o outcome por eles esperados na

política habitacional. Assim, a seguir, serão apresentados detalhadamente cada um

desses pontos.

3.2.1 – A interferência entre Instituições Políticas

Conforme a narrativa de evolução do setor, na seção anterior, é possível

perceber algumas superposições de instituições federais que foram interpretadas como

interferências ao funcionamento dos conselhos municipais de habitação. Interferências

positivas, como na criação do SNHIS e do FNHIS, mas também negativas segundo a

capacidade de afetar a política habitacional, como no caso do programa MCMV.

Entretanto, outras instituições também foram apresentadas como interferindo na

capacidade dos conselhos em afetar a política. Paradoxalmente, outras instituições

participativas (IPs) substituíram o local onde demandas habitacionais seriam decidias.

Esse diagnóstico já estava presente no início da década de 2000, ainda antes da

criação do SNHIS e do FNHIS. Nesse período, a literatura apresentava alguns

problemas, mas, em geral, era otimista na capacidade dos conselhos em influenciar a

política habitacional. O livro organizado por Cymbalista (2000) é uma síntese das

apresentações e discussões do seminário nacional Conselhos de Habitação e

Desenvolvimento Urbano, realizado em São Paulo, em 1999. No entanto, um dos pontos

mais interessantes do livro é o relato de experiências malsucedidas. O caso de Porto

Alegre revelaria a peculiaridade de um conflito entre diferentes IPs, qual seja, o

Conselho Municipal de Acesso a Terra e Habitação (COMATHAB) e o Conselho do

Orçamento Participativo do Município. Segundo a publicação:

Os representantes dos setores populares não conseguem trazer para a

pauta do Conselho a discussão das questões de fundo da política

habitacional e acabam prisioneiros do cotidiano, da aprovação

urgente dos processos e da relação com a Caixa Econômica Federal

e seus prazos. A principal deliberação do Conselho acaba sendo a

proposta orçamentária para o ano seguinte, mas mesmo isso já é

votado pelo Conselho do Orçamento Participativo. Essa zona de

sombreamentos recíprocos tem o seguinte resultado: quando as

regiões têm problemas na área da habitação, elas priorizam discuti-

los nos Fóruns de Serviços ou diretamente com o Departamento de

Habitação para realizar a deliberação definitiva no Conselho do

Orçamento Participativo. Este esvaziamento tem feito o

COMATHAB ter problemas até mesmo de quórum para fazer as

reuniões. Assim, uma questão que surge em Porto Alegre é a de que

eventualmente não sejam precisos tantos conselhos quanto os que

hoje existem, cerca de 35. Isso está acima da capacidade dos setores

67

populares organizados e acaba pulverizando a representação.

(CYMBALISTA, 2000, p. 33)

A despeito de considerar que possa haver excesso na quantidade de conselhos, o

excerto afirma que o OP tem características que tornam o COMATHAB secundário

para o interesse setorial. O mesmo diagnóstico terá o recente estudo de Lima (2014)

sobre Porto Alegre, que será abordado com maior detalhe. Antes, vale mostrar que um

diagnóstico similar, do mesmo período, também foi proferido para outro município. Isso

levanta a questão sobre a peculiaridade de Porto Alegre e possibilita aventar essa

hipótese para outros casos.

Em Belo Horizonte, onde também há Orçamento Participativo de Habitação e um

Conselho Municipal de Habitação (CMH), Navarro e Godinho (2002) encontraram algo

semelhante à priorização dos movimentos em atuar no OP, em detrimento da atuação no

conselho. Os autores não relatam um “esvaziamento” do Conselho, ao contrário,

apontam que há participação de técnicos, lideranças governamentais e acadêmicos, além

dos movimentos sociais – apesar desses últimos agirem em segundo plano

(NAVARRO; GODINHO, 2002, p. 72). Porém, sobressai no argumento um aparente

paradoxo que a concorrência entre OP e CMH teriam nas atribuições sobre a Política

Municipal de Habitação.

A síntese das explicações que a literatura elabora para a centralidade do OP no

processo de tomada de decisões está principalmente relacionada ao fato desta IP ter

domínio sobre a parcela discricionária do recurso municipal. No trabalho de Lima

(2014), que analisa três IPs33 na área de habitação em Porto Alegre, isso é evidenciado.

O OP é colocado como instância primária onde as demandas habitacionais são

apresentadas. Conforme a autora:

Segundo as regras e os critérios do OP, no caso de o tema de

habitação ficar entre as três primeiras demandas da cidade nas

assembleias, haverá a previsão de recursos para estes investimentos.

Após os recursos disponíveis terem sido estabelecidos, cabe ao

DEMHAB, juntamente com o Gabinete de Programação

Orçamentária (GPO), definir, segundo as demandas do OP, as obras

e serviços a serem realizados (BAIERLE, 2007). É nesse estágio que

o COMATHAB passa a atuar. (LIMA, 2014, p. 102)

33 O Conselho Municipal de Acesso a Terra e Habitação (COMATHAB), o Conselho Municipal de

Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) e o Conselho do Orçamento Participativo (COP).

68

Desse modo, o COMATHAB teria fraca incidência sobre o controle dos recursos e

sobre a inserção de questões na agenda. Além disso, o trabalho mostra que o conselho

também teria baixa relevância para os outros órgãos, aos quais está submetido:

[...] a gestão pública municipal – independentemente do partido

político à frente do Executivo, bem como dos dirigentes que estão à

frente do DEMHAB – dá pouca importância para a atuação do

conselho, em parte, porque avalia que as demandas da habitação de

caráter social em Porto Alegre ora são mais bem discutidas

diretamente com o público-alvo da política, ora são mais bem

atendidas via OP (Lima, 2014, p. 148).

Portanto, seja por causa da destinação orçamentária, ou por causa da legitimidade

conferida pelo OP, há uma centralidade decisória sobre a política habitacional que

necessariamente passa a ser discutida no conselho do OP, em vez de ser no

COMATHAB. A autora ainda retoma a tese de que isso gera um “esvaziamento” do

COMATHAB, evidenciando o baixo número de reuniões, a falta de quórum e o

resultado de survey com integrantes das três IPs relatando a fraca capacidade do

conselho em intervir no processo decisório do setor. Assim, conclui-se que “o arranjo

institucional onde se dá a disputa pela agenda da política habitacional de caráter social

é, paradoxalmente, sombreada pela prática do OP” (LIMA, 2014, p. 154).

Novamente em Belo Horizonte, o estudo de Bois (2013) retoma a baixa presença de

movimentos sociais no CMH e a preferência por estar no OPH. Segundo a autora, o

OPH poderia definir a destinação da produção de moradia, bem como contava com uma

Comissão de Fiscalização de Obras do Orçamento Participativo (COMFORÇA) capaz

de pressionar a prefeitura. A autora ainda aponta que “para o movimento popular, as

discussões relacionadas à produção habitacional do OPH têm prioridade em relação a

outros assuntos que também dizem respeito à luta por moradia [de competência do

CMH]” (BOIS, 2013, p. 66).

No entanto, a prefeitura tentara, em diversos momentos, centralizar as decisões no

CMH. Nesse sentido o trabalho de Bois, ainda mostra um aumento das pautas do

conselho a partir de 2005. Contudo, esse aumento não representaria maior centralidade

do conselho:

Ainda que haja conflitos latentes dentro do Conselho, ele não se

configura atualmente como um espaço de embate apropriado pelo

movimento popular. Tal afirmação pode ser verificada pela ausência

de debates sobre as ocupações organizadas [...] (BOIS, 2013, p. 99)

69

Soma-se ao baixo interesse dos movimentos em participar do conselho, outra

variável de caráter institucional, já apresentada, o programa MCMV – que alcançaria as

prioridades dos movimentos, à despeito do conselho. Ainda assim, a pesquisa de Bois

não apresenta as decisões do conselho, mas sugere que decisões de definição de política

por meio alocação de recursos seriam poucas. Por fim, seu diagnóstico principal é que

há interferência de outras instituições políticas, que deslocaram as decisões sobre a

política habitacional para fora do conselho.

A ausência de debates dentro do Conselho Municipal de Habitação

permitiu, de certa forma, que o poder real sobre a deliberação da

política habitacional fosse gradativamente deslocado para fora dessa

instância. (BOIS, 2013, p. 108)

Com isso, conclui-se a partir dos casos relatados de Porto Alegre e Belo Horizonte a

interferência de outras instituições políticas como forma de diminuir a efetividade dos

conselhos na política34. Essas instituições podem ser de nível local – principalmente por

meio do OP – ou federal. Desse modo, na análise apresentada no próximo capítulo

sobre a produção decisória dos conselhos, esperar-se-ia encontrar poucas decisões de

definição da política nos conselhos de municípios cujos arranjos institucionais são

similares, isto é, com a existência de OP e no período de vigência do programa MCMV.

Todavia, os dados sobre a produção decisória dos conselhos devem, se não rejeitar tal

hipótese, reescrevê-la com mais precisão reafirmando a peculiaridade para um dos

casos.

3.2.2 – A interferência do sistema político

Parte dos trabalhos sobre conselhos municipais de habitação explicou a

existência e sustentação desses conselhos a partir dos movimentos sociais que os

integravam. O diagnóstico produzido era uma alternância de resultados a depender da

relação entre os integrantes do conselho e a administração municipal. Por um lado,

haveria interferência da administração barrando a efetividade dos conselhos, quando

essa não tinha o mesmo posicionamento ideológico dos movimentos sociais que

estivessem compondo o conselho. Por outro lado, quando houvesse esse alinhamento,

ou um custo alto para romper com o conselho, a administração permitiria o

funcionamento desta IP, mas agindo sobre a autonomia dos movimentos,

34 Pires e Vaz (2011) fazem o diagnóstico oposto. Para eles os municípios com presença conjunta de OP e

conselho teriam melhores resultados em índices de desempenho de políticas públicas.

70

constrangendo-os de inserir políticas na pauta e/ou negociando diretamente com eles.

Desse modo, a influência do sistema político-partidário sobre a efetividade dos

conselhos foi a carta coringa apresentada como explicação para o resultado dessas IPs

em diferentes períodos da vida dos conselhos.

Essa questão foi principalmente levantada por trabalhos que afirmam a

existência de vínculos entre os membros de movimentos participantes dos conselhos e

outros atores do sistema político (ALMEIDA; TATAGIBA, 2012; TATAGIBA;

BLIKSTAD, 2011; TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007a; TATAGIBA, 2004, 2011). Na

análise da criação e primeira gestão do Conselho Municipal de Habitação (CMH) de

São Paulo, Tatagiba (2011) expõe que a administração petista, que atendera a demanda

dos movimentos pela criação dos conselhos e por alguns programas habitacionais,

também teria agido negociando paralelamente com os movimentos. Isto é, apesar do

conselho, as políticas “são resultados que parecem descolados dos canais de

participação” (TATAGIBA, 2011, p. 247). A autora trata a relação entre movimentos e

administração como “dimensões complexas” da combinação da democracia

participativa e representativa:

[...] o que pretendo sugerir é que a presença de governos de esquerda

ao mesmo tempo em que amplia as chances de sucesso dos

movimentos, parece ter como efeito colateral uma maior gravitação

dos movimentos em torno das arenas e estruturas estatais, tendo

como dinâmica propulsora as energias advindas das disputas

eleitorais. Todo esse contexto obviamente impacta as formas de

atuação no interior dos espaços de participação, revelando as

dimensões complexas a partir das quais se combinam democracia

participativa e representativa (TATAGIBA, 2011, p. 248–249).

A análise da autora encontra subsídios empíricos35 da relação entre movimentos

sociais e partidos que compõem a administração municipal, relacionando-os a alguns

resultados sobre os efeitos esperados dos conselhos na política pública. Desse modo, as

redes entre atores sociais e membros da administração municipal seriam importantes

para explicar a formação da agenda e os resultados na política. Os trabalhos ainda

argumentam que essas conexões entre atores da sociedade civil e do governo também

estariam relacionadas à disputa eleitoral. A agenda do conselho e seu consequente

resultado na política, poderiam ser explicados segundo a relação entre a composição

partidária dos representantes do conselho e da administração municipal.

35 Os dados provêm de entrevistas com lideranças de movimentos sociais e com conselheiros.

71

A partir de análise das atas e das resoluções das primeiras duas gestões do CMH

paulistano, Tatagiba e Teixeira (2007a) apresentam que maior parte das resoluções se

referem à elaboração de programas e regras para o funcionamento da política – são

outputs importantes para pensar efeitos na política. No entanto, o impacto na política

habitacional (ou outcome) ainda seria restrito devido à grande dependência do conselho

em relação ao Executivo, que ora pode ignorar o CMH, ora negocia diretamente com os

movimentos.

Segundo o estudo, na primeira gestão do CMH, quando o PT ocupava a

Prefeitura, houve 15 resoluções, dentre as quais estavam aprovações de programas

relevantes no setor, como os programas de Carta de Crédito e Bolsa Aluguel. As autoras

afirmam que nessa gestão havia “um maior compartilhamento de projetos políticos entre

os membros da administração municipal e os representantes dos movimentos populares

e certos setores da sociedade civil no interior do conselho” (TATAGIBA; TEIXEIRA,

2007a, p. 108). Já na seguinte gestão, agora com a Prefeitura ocupada pela aliança

PSDB-DEM, foram apenas duas (2) resoluções:

Na análise da segunda gestão, vimos que o CMH ocupou um lugar

periférico no circuito decisório no que se refere à elaboração das

políticas públicas. Embora tenha sido o espaço de apresentação de

programas e projetos governamentais, não foi um ator que de fato

fosse levado em conta nos complexos processos de produção das

políticas na área habitacional. O conselho acabou atuando no varejo

a partir de uma constante condução estatal que orientou seu ritmo,

sua dinâmica e sua agenda. A não discussão do plano municipal de

habitação evidencia e agrava essa sensação de não lugar do CMH na

rede de produção da política. A ausência de importantes

movimentos da área contribuiu, nessa segunda gestão, para o

esvaziamento do conselho, fortalecendo outros canais e formas de

mediação dos conflitos (TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007a, p. 105).

No excerto acima, ao mesmo tempo em que o conselho é tratado como capaz de

produzir outputs, as decisões mais relevantes poderiam não ocorrer. A análise recorre à

produção da agenda36 e, a partir dela, deduz-se os efeitos (e não-efeitos) na política.

Com isso, uma vez que a agenda pode variar de gestão em gestão, tem-se o diagnóstico

de que o conselho não ocupa um lugar efetivo na produção da política.

Outros artigos vão contribuir para apresentar a existência de vínculos político-

partidários, e sustentar a hipótese de que haveria uma agenda variável que condicionaria

36 Ainda que reconheça não ser capaz de explicar por que alguns temas são mais centrais que outros na

agenda do conselho (TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007a).

72

os efeitos na política. Desse modo, a análise da composição e eleição do CMH, mostra

que na segunda gestão, nenhuma organização ligada a movimentos populares conseguiu

se reeleger: “Temos, portanto, uma segunda gestão que também se caracteriza por um

alinhamento político entre representantes do poder executivo e representantes populares,

só que agora este alinhamento está à direita” (TATAGIBA; BLIKSTAD, 2011).

Entretanto, na gestão seguinte (DEM), alguns movimentos de moradia se elegeram e

houve “um conselho cujos representantes populares se colocam como oposição ao

Executivo” (TATAGIBA; BLIKSTAD, 2011), mas sem ser totalmente de esquerda ou

de direita. Essas composições ou alinhamentos ideológico-partidários explicariam,

segundo as autoras, o tipo de discussão que entrava no conselho.

Além disso, o argumento da interferência do sistema político é complementado

com as evidências de apoio da máquina pública para uma das chapas na eleição da

quarta gestão. Segundo as autoras, este alinhamento eleitoral seria entre vereadores e

chapas na eleição do conselho:

Não encontramos evidências de que o apoio dos partidos (PT ou

coalizão PSDB-DEM-PPS) tenha significado melhor desempenho

para as respectivas chapas em termos de votos. Por outro lado,

vimos que há alguma correlação entre os votos do vereador numa

subprefeitura e os obtidos pela chapa apoiada por ele na mesma

localidade. Assim sendo, os resultados indicam que a interferência

sobre a eleição do CMH acontece através da atuação individual de

alguns parlamentares – que mobilizam seus redutos eleitorais já

consagrados – e não pela incidência das coalizões partidárias em

geral. (TATAGIBA; BLIKSTAD, 2011, p. 210)

Esta passagem oferece uma análise mais detalhada sobre os processos de

interferência do jogo político. Nesse sentido, o artigo ainda esclarece quais seriam os

interesses de alguns atores. De acordo com as pesquisadoras, um grande ganho para os

representantes de movimentos sociais é ter informações, antes da divulgação oficial,

sobre os escassos recursos destinados à construção de habitação popular (TATAGIBA;

BLIKSTAD, 2011). Esse fator, por sua vez, poderia diminuir a relevância do conselho

em termos de efeitos sobre a política, ou mesmo sobre produzir outputs, pois sustenta a

tese de os movimentos sociais agirem paralelamente, numa negociação entre

movimento e governo.

Tal tese é reafirmada por Donaghy (2011, 2013b). Fazendo uma análise do

CMH de São Paulo após dez anos de existência, a autora sustenta que a dinâmica entre

organizações da sociedade civil e governo é altamente dependente do partido político

73

que está na administração37. No momento da análise, o setor privado teria maior

proximidade com o governo (DEM-PSD), o que teria mudado o foco da agenda para

políticas de construção de habitações e urbanização de favelas, em vez de reformas de

edifícios, mutirões ou afins. Isto é, a administração teria mantido o conselho, mas teria

retirado parte do orçamento de seu poder e negociado com alguns conselheiros que

determinadas pautas ocorresse fora do conselho38. No entanto, a autora aponta novos

pontos que entraram na pauta: transferências federais39, como as do Programa Minha

Casa, Minha Vida.

Assim, ainda que corrobore com a tese da interferência do sistema político,

Donaghy afirma que há efetividade do conselho sobre a política habitacional. Em

primeiro lugar, porque seu trabalho apresenta uma correlação entre conselhos

municipais de habitação e programas habitacionais, apontando para um resultado

positivo40. Consequentemente, quando a autora estuda o caso de São Paulo tem esse

resultado em vista. Somando esse resultado à entrada de temas como transferências

federais, a autora minimiza os efeitos do sistema político. Aliás, para ela, a questão é

reformular o que se espera de efetividade em contextos diversos:

I argue that continued commitment [from the administration in

power] also relies on how actors view the effectiveness of the

institution. Presumably, commitment of the administration should

play an important role in explaining the longevity of these

institutions. But […] civil society commitment may be equally

important in ensuring these institutions are used as effective spaces

for policy formation. The relationship between government actors

and civil society changes over time, across administrations, and

through the inevitable highs and lows of housing program

implementation. The question, then, is that given inevitable shifts in

policy makers and their relationship to civil society, what can we

realistically expect for the effectiveness of participatory governance

institutions over time? (DONAGHY, 2013b, p. 144–145)

A autora argumenta que o compromisso da administração é importante para a

efetividade do conselho, mas também o compromisso da sociedade civil em utilizar esta

IP deve ser considerado. Para a autora é inevitável a alternância de governos e de

programas. Então, questiona: o que deveria ser esperado realisticamente da IP ao longo 37 A autora também relata a disputa eleitoral do conselho, em 2011/2012, que foi levada ao Ministério

Público, devido a alegação de que o governo teria corrompido o processo eleitoral para obter vantagens. 38 Como o caso do desenvolvimento do centro da cidade. A administração municipal apostava em um

projeto que se tornaria a bandeira daquela gestão municipal. 39 O critério de priorização de beneficiários passou a ser parte da disputa entre movimentos e governo. 40 No capítulo II tal correlação foi contestada como um método pouco seguro para inferir efeitos das

decisões dos conselhos na política pública, no entanto, este será um dos fundamentos da autora para

afastar a hipótese de que a intervenção do sistema político local afete a efetividade da IP.

74

do tempo? Ela responde, em outra passagem: um conflito permanente entre a

administração e as organizações da sociedade civil para promover as políticas.

Participatory governance institutions do promote positive changes to

pro-poor policies. But maintaining the commitment to participation,

which is more costly and slower than the government alone making

decisions, may be an ongoing struggle for both civil society

organizations and government administrations. (DONAGHY,

2013b, p. 162)

Em suma, no argumento de Donaghy, acima exposto, é esperado que haja

disputas entre governo e conselho para definir a política pública, mas isso não significa

inefetividade da IP. Uma vez que a sociedade civil estivesse comprometida em utilizar

essa instituição, o resultado seria a produção de políticas públicas. Complementarmente,

em outros pontos do trabalho, a autora ainda sugere que haveria possibilidades de ação

do conselho, nas administrações menos dispostas a ceder orçamento para a IP, por um

lado, porque haveria recursos federais não vinculados com o Executivo municipal; por

outro, porque a existência do conselho garantiria ações de transparência e

accountability. Nesse sentido, Donaghy coloca o conselho dentro de um jogo de

interesse tanto do Estado, quanto da Sociedade Civil:

[...] Government officials need to feel that civil society provides

honest information to allow programs to be more responsive to all

citizens’ needs. In turn, the government should be more willing to

cede control over a larger share of resources. Civil society requires

transparency from the government to ensure they are treated as

partners in policy making and program implementation. Now that

CSOs [Civil Society Organizations] have seen the benefits of

transparency, it would be difficult to go back to an environment

lacking information and a public space in which to voice their

demands. Recognition of the importance of transparency continues

to motivate CSOs to make sure the government maintains their

responsibility to operate participatory governance institutions. If

both sides see that the participatory process can have a positive

impact on responding to the needs of citizens and improving the

quality of life for the poor, these institutions have the potential for

great longevity. (DONAGHY, 2013b, p. 163)

Deste modo, os estudos e análises quanto à interferência do sistema político nos

conselhos de habitação trataram do jogo eleitoral – ou a relação entre membros da

administração e sociedade civil. Essa disputa acirrada entre os atores mostrou que o

conselho tem importância. Além disso, as resoluções indicam que o CMH-SP produz

outputs. O principal ponto de contestação dos trabalhos, no que condiz à efetividade, é

que esses outputs poderiam variar, à despeito dos interesses dentro do conselho.

75

Entretanto, conforme apresentou o trabalho de Donaghy, é de se esperar um

conflito entre os atores sobre a agenda do conselho. A efetividade não pode ser

mensurada antes da apresentação de outputs. A análise que enfoca a produção da

agenda, avalia contrafactuais de possíveis decisões do conselho e não os efeitos que

essas decisões têm sobre a política. Ou seja, questionar a formação da agenda e a

composição do conselho não é pertinente ao problema da efetividade. Mais do que

avaliar se os programas são compatíveis com o interesse da sociedade civil representada

no conselho, efetividade é considerar o conselho como meio para produzir política

pública.

Portanto, depreende-se para essa pesquisa que a interferência do sistema político

só pode ser considerada se houver inatividade ou destituição do conselho em

decorrência das alterações político-partidárias. Se um grupo político ascender ao poder e

impedir que o conselho produza qualquer tipo de decisão, então haverá interferência no

efeito dessa IP na política pública. A interferência que as disputas políticas podem ter

sobre a composição do conselho e sobre a sua agenda foge das explicações de

efetividade aqui propostas.

3.2.3 – A interferência da burocracia

A interferência da burocracia é um ponto tocado muito superficialmente nos

estudos sobre conselhos de habitação. Não obstante, diversos autores parecem supor que

essa interferência possa existir, ainda que apenas alguns deles tenham sido explícitos

nessa alegação (LIMA, 2014; ROLNIK, 2009; SOLÍS, 2016). Para a presente pesquisa,

que visa seguir a decisão, esse ponto merece destaque.

Quando se utiliza o termo efetividade, há, implicitamente, uma avaliação sobre a

capacidade do objeto em incidir em algo. Nesse sentido, segundo Arretche (2002a), é

preciso ir além da verificação de concordância entre os objetivos e os resultados de

algo. Para fazer uma avaliação menos ingênua, segundo a autora, é preciso aceitar que

“[...] os implementadores é que fazem a política e a fazem segundo suas próprias

referências. Nestas circunstâncias, cabe investigar a autonomia decisória dos

implementadores, suas condições de trabalho e suas disposições em relação à política

sob avaliação” (ARRETCHE, 2002a, p. sem número). A consideração da autora sobre a

autonomia dos implementadores pode encontrar referências em textos clássicos da

ciência política. Lipsky (1980), por exemplo, apresenta a importância dos burocratas de

76

nível de rua41 na implementação das políticas. Barach e Baratz (1963), iluminaram os

efeitos de não-decisões42, que por sua vez também poderiam ocorrer nas burocracias.

Enfim, as análises quanto ao poder discricionário das diferentes burocracias colocam-

nas como um relevante ator no ciclo de políticas públicas (HAM; HILL, 1993).

No caso da habitação, o interesse não é necessariamente no burocrata de nível

de rua, mas sim nas agências e empresas estatais que tem a função de implementar as

políticas de habitação de interesse social. O problema levantado quanto a essas agências

– e não só as de habitação, mas também das diversas políticas do urbano – é o padrão

de insulamento burocrático (NUNES, 1997), visto como um modo das elites

modernizantes suplantar o sistema político partidário. O efeito desse insulamento nas

políticas municipais seria, entre outros, a formação de redes que responderiam a

interesses dos atores mais próximos a elas, como o setor empresarial (MARQUES;

BICHIR, 2003; MARQUES, 2006).

Solís (2016) trata essa questão como um legado político que dá margem aos

interesses de atores que ocupam postos decisórios na governança das políticas43. Nas

políticas urbanas, foco de seu trabalho, São Paulo seria um exemplo dos municípios

brasileiros que teriam um legado elitista de governança. Porém, nos últimos anos do

século XXI, sofreu uma mudança gradual com a interação de novas coalizões de regime

de governança. Segundo o autor, as IPs teriam incorporado aos grupos tradicionais,

novos grupos interessados no setor de política pública.

En São Paulo, esta interacción propició el cambio gradual de una

trayectoria tradicionalmente elitista, gracias a la gradual

incorporación de nuevas coaliciones al régimen de gobernanza que

cuentan hoy con suficiente capacidad para definir – junto con los

grupos tradicionales – el rumbo de la política pública. (SOLÍS,

2016, p. 305)

41 Burocratas de nível de rua são aqueles profissionais do Estado que implementam as políticas em sua

última instância, atendendo diretamente os cidadãos, como: policiais, motoristas de ônibus, professores,

etc. 42 Não-decisões ocorrem quando algo sobre o qual é preciso ser decidido é ignorado. As burocracias, por

exemplo, poderiam ignorar a implementação de uma resolução do conselho. Isso seria uma não-decisão

em implementar tal determinação. 43 Pode-se interpretar o legado político como a construção histórica de instituições, que delimitam os

espaços dos agentes, que por sua vez são capazes de influenciar a política: “[...] los agentes son quienes

en última instancia deciden cómo aprovechar sus recursos para incrustarse em espacios de acceso e

influencia política, el marco institucional delimita el espacio en donde este comportamiento estratégico

puede ser desplegado” (SOLÍS, 2016, p. 309).

77

Ainda assim, o autor reconhece que alguns legados políticos seguem presentes e

exercem influência sobre as IPs. Isto é os grupos da elite profissional presentes na

burocracia poderiam ter atuações mais significativas em determinados períodos,

contudo a existência desses espaços de participação permitiria maior legitimidade e

eficácia das decisões tomadas.

El análisis realizado en esta tesis muestra que, al menos en el caso

de São Paulo, la inclusión del mayor número posible de intereses en

estas instancias de participación (y no su marginación) puede ser el

mejor camino para dotarlas de legitimidad y de eficacia. (SOLÍS,

2016, p. 324)

Diferentemente de Solis (2016), Rolnik (2009) apresenta o setor de políticas

urbanas como tendo uma burocracia forte capaz de controlar o processo de decisão e

implementação das políticas, independentemente das IPs. O estudo da urbanista Raquel

Rolnik aborda de maneira geral o desenvolvimento das políticas urbanas no país. A

autora traça interpretações sobre o sistema político setorial visando à autonomia dos

atores em proporem uma agenda de reformas. No período analisado, o país já tinha

criado o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e o número de conselhos

municipais crescia devido a esse fator de indução federal. Contudo, para a autora o

cenário não é positivo, haveria desordem no sistema e a burocratização como estratégia

de interesses particulares (ROLNIK, 2009, p. 39). Isto é, seja o sistema político federal

ou municipal, participativo ou não, seriam incapazes de produzir mudanças no setor, por

causa da força das burocracias.

[...] na área de desenvolvimento urbano, pouca autonomia real têm

as arenas decisórias locais sobre estes investimentos – sejam elas

participativas ou não –, uma vez que a área de desenvolvimento

urbano do Estado brasileiro permanece estruturada em burocracias

altamente setorializadas e centralizadas que funcionam através de

processos decisórios bastante penetrados pelos interesses de atores

econômicos e políticos que deles dependem para sobreviver.

(ROLNIK, 2009, p. 46)

O trabalho alega que as burocracias setoriais, que “detém o controle sobre o

encaminhamento dos processos decisórios na implementação de projetos e de

programas” (ROLNIK, 2009, p. 38), teriam conexões com setores empresariais e

garantiriam “a destinação de áreas da cidade para seus mercados e protegendo a

rentabilidade de seus investimentos” (ROLNIK, 2009, p. 38). Ou seja, as burocracias,

com seu poder discricionário, seriam capazes de alterar o conteúdo das decisões e,

juntamente com o sistema político, capazes bloquear “a implementação de uma agenda

78

de reformas na direção de cidades pactuadas e planejadas democraticamente em uma

esfera pública” (ROLNIK, 2009, p. 46).

O cenário negativo também é encontrado em Lima (2014), em sua pesquisa a

burocracia se mostrou uma barreira também no processo decisório das IPs. A autora,

iguala a posição da burocracia municipal (DEMHAB) com a do OP, em Porto Alegre,

como um dos fatores de esvaziamento do conselho (COMATHAB). A DEMHAB não

forneceria os dados sobre execução orçamentária e, sendo ela a gestora do fundo, isso

significa, que o COMATHAB não tinha informações sobre esse instrumento de gestão

(LIMA, 2014, p. 103). Além disso, a autora acrescenta a falta de informações sobre os

programas municipais:

Para além dos sombreamentos com o Conselho Gestor do FMHIS,

CMDUA e COP, o COMATHAB também enfrenta limitações em

sua atuação no Executivo municipal, principalmente no que se refere

às funções do órgão em que está vinculado, o DEMHAB. Segundo

Nalim (2007) o DEMHAB não democratiza as informações relativas

à execução de programas habitacionais na cidade, dificultando o

papel do COMATHAB no processo decisório da área (LIMA, 2014,

p. 104–105).

A pesquisa ainda traz o dado de que para 75% dos representantes do Estado no

conselho a DEMHAB é a instância mais significativa para a tomada de decisões

relacionadas à habitação popular no município de Porto Alegre. Porém, esta deveria ser

função do COMATHAB.

Assim, os trabalhos acima expostos deixam claro a relevância em se verificar o

papel que a burocracia local tem na implementação das decisões dos conselhos. Se o

Brasil ainda é legatário de uma estrutura administrativa tomada por elites locais que

salvaguardam seus próprios interesses, é possível esperar que as burocracias interfiram

na produção de decisões e, mais ainda, em sua implementação. Nesse sentido, a partir

das abordagens supracitadas, as burocracias teriam o poder de veto player sobre os

conselhos. Se confirmada essa tese, restará ainda saber em que circunstâncias e de que

modo esse poder é utilizado para barrar as decisões dos conselhos. Os próximos

capítulos, ao analisar a produção decisória e ao traçar o processo de implementação

dessas decisões, devem apresentar indicações nesse sentido.

79

3.3 – Sintetizando as hipóteses sobre a efetividade dos conselhos municipais de

habitação

Este capítulo mostrou a evolução que o setor habitacional de interesse social

teve nas últimas décadas, bem como salientou fatores que poderiam interferir na

efetividade dos conselhos municipais de habitação em afetar a política setorial durante

esse período. Foi possível reconhecer um período, durante a década de 1990, de

experimentação independente, em que os municípios desenvolviam conselhos e outras

capacidades administrativas na área de habitação popular. Entretanto, o aumento dessas

capacidades é mais recente, datando da década de 2000, principalmente após a criação

do SNHIS e do FNHIS, em 2005. Com a estruturação de um sistema nacional e recursos

de um fundo específico para o setor, os conselhos aparentemente ganhavam

protagonismo na política habitacional. No entanto, a entrada do programa MCMV no

setor, trazendo muito mais recursos, bem como a flexibilidade compreendida na lei do

SNHIS e do FNHIS, parece ofuscar a conveniência dessa IP para os municípios.

Essa trajetória do setor mostrou a superposição de camadas institucionais,

municipais e federais. Com isso, a literatura apresentou diagnósticos quanto a

efetividade dos conselhos. As diversas instituições políticas que atuam no setor

poderiam concorrer entre si limitando a capacidade dos conselhos em afetar a política.

Além disso, nos casos em que os conselhos fossem capazes de produzir outputs, eles

poderiam sofrer a interferência do sistema político-partidário, seja na formação do

conselho ou na elaboração da pauta. Outrossim, ainda que essa IP tomasse decisões com

alto poder de incidência nos conselhos, a burocracia executora dessas decisões seria

formada por elites auto-interessadas que poderiam atuar como veto-players dessas

decisões.

Entretanto, para validar o alcance dessas interferências sobre a efetividade dos

conselhos na política, essas proposições necessitam maior verificação empírica. Por

isso, para avançar na análise do processo que leva à efetividade do conselho na política

pública de habitação, será preciso, primeiramente, identificar os outputs, depois seguir

as decisões à sua implementação e, ao longo desse caminho, avaliar a sustentação de

hipóteses abstraídas a partir dessas interferências. Desse modo, é possível especificar

quatro hipóteses:

80

Em municípios onde há outras instituições participativas, como OP,

esperara-se encontrar nenhuma ou poucas decisões de definição da

política, pois já há outra instituição onde essas decisões serão tomadas.

No período de vigência do programa MCMV, ou seja, a partir de 2009,

também é esperado uma queda na produção decisória dos conselhos, uma

vez que a maior parte dos recursos do setor provém desse programa e os

conselhos podem ter se tornado irrelevantes.

Os conselhos não devem ter uma produção constante no tempo, haja

vista que a alternância administrativa provinda do sistema político pode

desativar ou destituir o conselho.

As – então provavelmente poucas – decisões com capacidade de incidir

na política, devem ser barradas pelos órgãos burocráticos

implementadores, visto que são legatárias do interesse das elites e podem

atuar discricionariamente na política, seguindo apenas os seus interesses.

Estas hipóteses serão perseguidas nos dois próximos capítulos. As três primeiras,

por discorrerem sobre a produção decisória dos conselhos, já serão objeto de

investigação no próximo capítulo. A última, por diagnosticar barreiras na fase da

implementação, será apurada no capítulo V.

81

IV – CONSELHOS E DECISÕES

Diferentemente do tipo de conselho institucionalizado há mais tempo, como os

de Saúde e Assistência Social, nos conselhos de tipo C2, como os de habitação, o

padrão decisório deve ter outras características. Espera-se que a produção desses

conselhos seja menor e mais dispersa, segundo os resultados apresentados por Gurza

Lavalle, Voigt e Serafim (2014). Projetando uma metodologia semelhante à dos autores

do referido estudo, o presente capítulo apresenta e compara a produção decisória de

cinco conselhos municipais de habitação. São eles: i) Conselho Municipal de Acesso à

Terra e à Habitação, em Porto Alegre (COMATHAB), ii) Conselho Municipal de

Habitação, em Belo Horizonte (CMH-BH), iii) Conselho Municipal de Habitação, em

São Paulo (CMH-SP), iv) Conselho Municipal de Habitação Popular, em Fortaleza

(COMHAP), v) Conselho Municipal de Habitação, em Guarulhos (CMH-GRU).

A escolha desses conselhos tem por princípio estabelecer conexão com o debate

acadêmico sobre fatores que afetam a efetividade dos conselhos e considerando a

evolução do setor, conforme apresentado no capítulo anterior. O método de escolha dos

casos caracterizam um estudo de casos diversos (diverse case) (SEAWRIGHT;

GERRING, 2008). Essa seleção, muito mais do que espelhar a representação dos

conselhos municipais de habitação no país, destina-se a apresentar uma diversidade de

casos e, principalmente, a variação de outputs produzidos por eles.

Desse modo, o método de casos diversos, por selecionar os casos da amostra

segundo sua diversidade, assume uma representatividade mais forte do que qualquer

outra amostra de N pequeno (SEAWRIGHT; GERRING, 2008, p. 301), que tende a

selecionar pela variável dependente. Isto é, enquanto alguns estudos tenderiam a buscar

conselhos com alta produção decisória a fim de explicar esses outputs, ou então,

analisar o contrafactual entre um conselho com alta produção e outro com quase

nenhuma, a presente seleção de casos não parte da variação dos padrões de decisão dos

conselhos. Os critérios utilizados provêm dos cenários de desenvolvimento do setor e

das hipóteses que foram encontradas sobre a efetividade dos conselhos no setor

habitacional – expostos no capítulo anterior.

Então, a fim de identificar os outputs dos conselhos municipais de habitação, a

amostra é composta por uma parte dos conselhos com maior tempo de vida e,

82

substantivamente, tratados pela literatura. A saber: COMATHAB, CMH-BH e CMH-

SP. Outra parte da amostra é composta por conselhos mais recentes, criados ou

recriados a partir do estabelecimento do SNHIS e do FNHIS. Qual sejam: COMHAP e

CMH-GRU.

Ademais, é oportuno destacar que, a despeito da diversidade proposta, todos os

conselhos estão em cidades grandes, com problemas habitacionais relevantes e alto

déficit habitacional. Da mesma forma, todos os municípios têm um PIB alto e acima da

média dos municípios brasileiros, sendo Guarulhos o menor da amostra (ver Tabela 1).

Com isso, pretende-se evitar comparações espúrias a respeito da produção decisória dos

conselhos, ainda que se objetive um estudo de diverse cases.

Tabela 1 – PIB dos municípios da amostra e respectiva posição no ranking

nacional

Município PIB (1000 R$)

Posição no ranking

nacional de PIB

municipal

São Paulo 570 706 192 1º

Belo Horizonte 81 426 708 4º

Porto Alegre 57 379 337 8º

Fortaleza 49 745 920 12º

Guarulhos 49 392 842 13º

Fonte: IBGE/2013

O período de análise começa em 2005, ano de criação dos principais fatores de

indução federal (SNHIS e FNHIS), e termina em 201144. Esse período corresponde a

mais de um mandato do Executivo municipal, o que favorece a análise sobre a hipótese

de interferência do sistema político, cuja alternância poderia provocar desativação ou

destituição do conselho. Além disso, a série temporal incorpora o surgimento e a

implantação do programa MCMV, a partir de 200945, o que permite verificar a hipótese

de queda no número de decisões após a vigência desse programa. Por fim, vale destacar,

que a composição da amostra contempla, com exceção de São Paulo, municípios que

possuíam alguma outra IP capaz de decidir temas sobre habitação ativa nesse período –

o que contribui à análise da hipótese de concorrência entre IPs.

44 O COMHAP de Fortaleza só é criado em 2007 e o CMH-GRU só entra na análise a partir da sua

reformulação, em 2008. 45 As implicações do SNHIS, do FNHIS e do programa MCMV foram tratadas no capítulo anterior.

83

Com isso, será possível apresentar nesse capítulo a descrição da produção

decisória dos conselhos municipais de habitação, delimitando seus tipos e a capacidade

de incidência na política. Igualmente, será evidenciada a variação dessa produção entre

os conselhos da amostra, o que eles têm em comum e, ainda, suas peculiaridades. Desse

modo, pretende-se examinar os possíveis indícios de relações causais que levariam

conselhos a produzir ou não efeitos na política pública. Ademais, uma vez testadas as

hipóteses apresentadas no capítulo anterior, a descrição da produção decisória permitirá

desenvolver uma análise mais detalhada os mecanismos que efetivam essas decisões –

no próximo capítulo.

Assim sendo, a seguinte seção expõe a obtenção dos dados que amparam a

análise das decisões dos conselhos de habitação da amostra, bem como inicia a análise

descritiva do número de decisões. A segunda seção faz a análise temporal dessas

decisões. Na terceira, são apresentados os tipos de decisões, aprofundando-se em seu

conteúdo e revelando semelhanças e peculiaridades de cada conselho da amostra. A

quarta seção analisa esses tipos de decisão dos conselhos de forma comparada, com o

objetivo de atestar a capacidade que esses conselhos têm em incidir na política. Por fim,

a última seção traça uma síntese dos outputs dos conselhos, avalia as hipóteses

propostas e recoloca a necessidade de se evidenciar os outcomes dessas decisões,

definindo as variáveis mais oportunas para a prossecução da análise.

4.1 – Coletando dados sobre a produção decisória dos conselhos

A produção decisória dos conselhos foi verificada a partir dos atos publicados

nos diários oficiais dos municípios (DOMs), no período estudado. A exceção é do

Conselho Municipal de Habitação de São Paulo, cujos dados foram obtidos por meio do

site do CMH-SP. Nele estão publicadas todas as resoluções do conselho desde sua

criação. Para evitar discrepâncias de comparação, os dados do site foram conferidos

aleatoriamente com uma busca no DOM. O resultado foi positivo, mais de 95% das

resoluções presentes no site haviam sido publicadas. Apenas uma resolução (que foi

classificada no banco) e uma portaria da Secretaria Municipal de Habitação não foram

84

encontrados no DOM, o que garante alguma confiança naquilo que o DOM publica de

resoluções46.

Os dados provenientes dos DOMs foram importados do banco de dados da

pesquisa, em desenvolvimento, Political Inequality and Extra-parliamentary

Representation, do Centro de Estudos da Metropole (CEM). Nesses DOMs, que

estavam digitalizados, foram buscadas as palavras: conselho, participação, orçamento

participativo, governança participativa, e conferência. Os atos encontrados compuseram

um banco de dados, do qual esta pesquisa importa apenas os atos emitidos pelos

conselhos municipais de habitação desses municípios.

Com isso, um novo banco de dados foi produzido, agora somente com os dados

emitidos pelos conselhos de habitação dos municípios de Guarulhos, Porto Alegre, Belo

Horizonte e Fortaleza, ao qual foram adicionadas as resoluções do Conselho Municipal

de Habitação de São Paulo. Assim, o banco contém 178 linhas com atos administrativos

emitidos pelos conselhos de habitação dos respectivos municípios. Relembrando que a

exceção é São Paulo, cujos dados provém apenas de resoluções do conselho, isto é, não

incluem comunicados, atas, ou outros atos administrativos. No entanto, tal característica

não deve prejudicar as análises, haja vista que as resoluções são o principal meio de

apresentar as decisões tomadas pelos conselhos que podem afetar a política47 – o que, de

fato, é o interesse dessa pesquisa.

Desse modo, temos a seguinte disposição aproximada dos dados (ver Tabela 2):

41% dos atos administrativos dos conselhos são resoluções; 26% são comunicados;

17% convocatórias, 6% atas e 7% somando editais, editais de convocação e portarias.

46 Contudo, não se pode ignorar o fato dos DOMs serem extremamente diferentes nos municípios. Para

garantir confiabilidade na comparação dos DOMs, foi pedido informação para os secretários executivos

dos conselhos ou membros da Secretaria. Em Belo Horizonte, foi confirmada a publicação de todas as

resoluções do período analisado e de todas as atas, a partir de 2011 (devido a Lei de Acesso à

Informação). Além disso, as resoluções são numeradas, o que dá garantias de que todas as do período

foram encontradas. Já em Guarulhos, há o protocolo de se publicar todas as resoluções, comunicados e

editais no DOM. Em Fortaleza e em Porto Alegre, não se obteve resposta. 47 De acordo com os manuais de direito administrativo, enquanto “decreto” é o meio pelo qual o chefe do

Executivo veicula atos administrativos, órgãos colegiados expedem suas determinações por meio de

“resoluções” ou “portarias”.

85

Tabela 2 – Atos Administrativos publicados entre 2005 e 2011 pelos conselhos de

habitação

Tipos de Atos Administrativos (A.A.)

Número de A.A. publicados

Percentual publicado

Ata 10 5,62%

Comunicado 47 26,40%

Convocatória 31 17,42%

EDITAL 8 4,49%

EDITAL DE CONVOCAÇÃO 2 1,12%

PORTARIA 2 1,12%

RESOLUÇÃO 73 41,01%

Retificação 2 1,12%

SI/NA 3 1,69%

Total Geral 178 100,00% Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

Legenda: SI/NA: Sem Informação/Não Aplicável

Os atos “Convocatória” e “Comunicado”, referem-se a convocações para

participar de reuniões e comunicados sobre suas datas e pautas. Como não é possível

abstrair desses atos decisões eles serão retirados da análise. O mesmo será feito com

atas, retificações e SI/NA. Para verificar decisões o mais relevante é verificar

resoluções, portarias e editais48.

Ao fazer isso, mais da metade dos atos será retira da análise. Contudo, além de

não ser relevante ao objetivo da pesquisa, como o Gráfico 1 revela, estes atos estão

principalmente localizados no DOM de Belo Horizonte. Isso suscita dizer que é uma

peculiaridade desse município. Provavelmente, enquanto em Belo Horizonte os

conselheiros são convocados por meio dos Diários Oficiais do Município, nas outras

municipalidades esse processo deve ocorrer de outra forma, como cartas ou e-mail, por

exemplo49.

48 Editais, ao mesmo tempo que podem apenas convocar pessoas ou entidades, também podem

estabelecer critérios para a participação desses atores em uma política, por isso foram mantidos na

análise. 49 O município também publica as atas das reuniões por meio do DOM.

86

Gráfico 1 – Quantidade de atos publicados nos DOMs de cada município

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

O Gráfico 1 também revela a variação de atos emitidos pelos conselhos e da

produção decisória deles (atos selecionados)50. Enquanto no conselho de São Paulo há

40 decisões publicadas, em Fortaleza o conselho só publicou uma. Outro conselho com

baixa produção decisória é o de Porto Alegre, apenas com 4 decisões. Os CMHs de

Guarulhos e Belo Horizonte têm uma produção decisória similar e acima da média (17

decisões).

Desse modo, tem-se um total de 85 decisões. Naturalmente, não é possível dizer

que seja um número alto de decisões para um período de sete anos – porém nem todos

os conselhos existiam ao longo desse período51. Entretanto, essa quantidade de decisões

está de acordo com o esperado, segundo o trabalho de Gurza Lavalle, Voigt e Serafim

(2014), acima citado. Conforme será apresentado na próxima seção, em média os

conselhos produziram cerca três decisões por ano (2,75), o que parece indicar que são

conselhos pouco ativos. No entanto, o baixo número de decisões, porém, não

necessariamente deve significar baixa capacidade de afetar a política pública. Para isso

será preciso uma análise mais aprofundada sobre essas decisões.

50 Doravante, quando for utilizado os termos “decisório”, “decisão” ou “decisões”, serão considerados

apenas esses atos (resoluções, portarias e editais). 51 O COMHAP, de Fortaleza, só é criado em 2007 e o CMH de Guarulhos, em 2008.

Atos selecionados

Todos os atos

BH Fortaleza Guarulhos PortoAlegre

SP

22

1

184

40

109

1

217

40

87

Os achados quanto ao número de decisões também podem oferecer indícios

sobre as hipóteses levantadas segundo as explicações da literatura. Se por um lado, a

baixa produção decisória do conselho de Porto Alegre pode ser explicada pelas

interferências relatadas por Lima (2014), principalmente a de concorrência com o OP.

Por outro lado, a produção dos CMHs de Belo Horizonte e Guarulhos é relevante e

derruba a possível generalização de que os municípios que possuem OP tendem a ter

conselhos menos produtivos. Isso pode ter ocorrido em um período determinado da

história do CMH-BH – considerando o trabalho de Navarro e Godinho (2002) –, mas é

possível verificar que essa produção não é tão baixa como em Porto Alegre. Ou seja,

não parece plausível sustentar uma interpretação de que a mera existência do OP no

município causaria menor produção decisória dos conselhos. De qualquer modo, esse

ponto será retomado à frente com outros dados.

A baixa produção dos conselhos aparenta ter outras causas além da concorrência

com outras IPs. Porém, antes de buscar as causas, será importante saber a periodicidade

dessa produção decisória, bem como verificar se há conexões dessa produção com o

estabelecimento do SNHIS, do programa MCMV e, mesmo, das eleições municipais. É

o que será apresentado na seção seguinte.

4.2 – As decisões dos conselhos municipais de habitação: uma análise temporal

Se comparado aos achados de Gurza Lavalle, Voigt e Serafim (2014) para

conselhos de tipo 1, os conselhos municipais de habitação da amostra têm uma

produção muito baixa. Na Tabela 3 é possível verificar a média da produção de decisões

por conselhos existentes por ano.

Tabela 3 – Média de decisões dos conselhos existentes por ano

Ano Nº de

Conselhos Existentes

Decisões Média

Decisões/Conselhos Existentes

2005 3 2 0,666667

2006 3 10 3,333333

2007 4 14 3,5

2008 5 10 2

2009 5 13 2,6

2010 5 13 2,6

2011 5 23 4,6

Totais 85 2,757143 Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

88

Na tipologia proposta no trabalho dos autores essa baixa produção decisória já

era esperada e pode ser consequência da incipiente institucionalização dos sistemas que

são fatores de indução federal para a criação e manutenção dos conselhos. No caso da

habitação, o SNHIS foi criado em 2005, mas, conforme foi apresentado no capítulo

anterior, sua relevância em termos de capacidade de efeito no setor podia ser

questionada ao permitir exceções. Além disso, ainda podia ser mais irrelevante, a partir

de 2009, após a criação do programa MCMV que injetava dinheiro na produção de

habitação diretamente às construtoras, sem necessidade de ter um conselho municipal de

habitação para afetar a política desse setor (DIAS, 2012; SERAFIM, 2013).

A partir disso, buscando identificar efeitos advindos desses fatores de indução

federal, foi traçado o Gráfico 2, que analisa a produção de decisões dos conselhos ao

longo dos sete anos que compõem a amostra. Nele é possível ver que há uma tendência

de aumento ao longo do período analisado. Há um salto de duas para dez decisões entre

2005 e 2006, com a criação do SNHIS. Aliás, com a criação dos conselhos em Fortaleza

(2007) e em Guarulhos (2008) a produção não diminui para menos de dez decisões ao

ano até o fim do período.

Gráfico 2 – Número de decisões por ano

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

0

5

10

15

20

25

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

89

No entanto, contrariamente ao esperado com a criação do programa MCMV, o

número de decisões dos conselhos não diminui, mas sim aumenta de 13 em 2009 para

23 em 2011. Além disso, é possível adiantar que nesse período, com exceção do

COMHAP (em Fortaleza), uma resolução de cada conselho se referia a critérios de

seleção dos beneficiados do programa MCMV. Isto é, por mais que se tenham

aumentado os recursos e políticas no setor sem serem direcionados ao SNHIS e aos

conselhos, essas IPs continuaram tomando suas decisões. Portanto, não parece ter

havido enfraquecimento dos conselhos.

Também não é possível afirmar que as eleições municipais influenciaram a

quantidade de decisões produzidas pelos conselhos. As eleições municipais foram em

2008, para exercício nos anos de 2009 a 2012. Ao observar o agregado das decisões dos

conselhos, percebe-se uma sutil queda apenas em 2008 – o ano eleitoral –, mas não no

ano de 2009, quando um novo exercício do Executivo ocorre – conforme hipotetizado a

partir da literatura. Ademais, quando se observa o número de decisões por conselhos

neste mesmo período (Gráfico 3) é difícil estabelecer alguma relação nesse sentido.

Apenas em São Paulo houve uma queda no ano de 2009 e que se recupera no ano

seguinte.

O sistema político-partidário também não parece ser o principal fator de

desativação ou dissolução dos conselhos. O único conselho da amostra que ficou inativo

por mais de dois anos foi o COMHAP, em Fortaleza52. Nesse município, contudo, a

administração municipal que instituiu o conselho em 2006 foi reeleita em 2009, ou seja,

não houve alternância administrativa53. Nos casos onde essa alternância existiu54, qual

seja, São Paulo55, Porto Alegre56 e Belo Horizonte57, não parece ter havido implicações

diretamente ligadas a mudança de partidos ou administrações na produção decisória.

52 Nenhum conselho da amostra foi dissolvido no período analisado. O COMHAP, em Fortaleza, esteve

inativo entre 2009 e 2015. Voltou a atuar em junho de 2016. 53 Luizianne Lins (PT) esteve a cargo da Prefeitura Municipal de Fortaleza durante todo o período de

análise 54 Em Guarulhos, houve alternância de Prefeitos, mas sendo ambos do mesmo partido (PT) – o anterior

não poderia mais se reeleger. Nesse caso, como não houve mudança partidária, o município não foi

considerado. 55 Em São Paulo, alternância se deu entre Prefeitos que estiveram na mesma coligação. José Serra (PSDB)

se elegeu em 2005, foi substituído pelo vice, Gilberto Kassab (filiado até então ao PFL/DEM). Em 2008,

Kassab se elege como Prefeito (assume pelo DEM até fundar o PSD). 56 Em Porto Alegre também houve alternância entre prefeitos e partido, mas que estiveram numa mesma

coligação eleitoral. José Fogaça (então, PPS) assume em 2005, é reeleito em 2008 (estando filiado ao

PMDB), mas, em 2010, o vice José Fortunatti (PDT) assume. 57 Em Belo Horizonte, se reelege, em 2005, Fernando Pimentel (PT). Em 2009, assume Marcio Lacerda

(PSB) – sua administração é aliada ao partido de seu antecessor até 2012.

90

Além disso, partidos com diferentes perfis ideológicos estavam à frente dessas

Prefeituras e não foi possível identificar comportamentos distintos nos conselhos.

Portanto, rejeita-se a hipótese de que seria o sistema político-partidário causa de

dissolução e desativação dos conselhos municipais de habitação.

Gráfico 3 – Número de decisões por ano por conselho

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

Contudo, as hipóteses de que o OP, ou outras IPs locais, concorreria com o

conselho minguando o número de decisões de definição da política, até agora, só foi

parcialmente verificada. Identificou-se que ocorreram decisões em municípios com OP,

resta saber de que tipo. Ademais, o fato de ainda não se ter identificado sobre o que os

conselhos estão decidindo, sequer viabiliza testar a hipótese de que as burocracias

teriam interesse em barrar o processo decisório dos conselhos.

Portanto, para esse fim, será adotada uma tipologia de decisões que possibilita

afirmar qual o conteúdo geral das decisões durante o período e verificar a pertinência

das demais hipóteses. Por conseguinte, poder-se-á indagar se há algum tipo de decisão

exclusivo de um conselho, bem como trazer informações mais detalhadas quanto à

possível incidência dessas decisões na política setorial. Então, primeiramente, a próxima

1 1

4

1

3

1

11

1

2

7

2

7

1 1

2

9

8

7

3

8

5

0

2

4

6

8

10

12

2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1

BH

Fortaleza

Guarulhos

Porto Alegre

SP

91

seção pretende contribuir para estabelecer a base da análise sobre efetividade dos

conselhos: revelar as decisões.

4.3 – As decisões dos conselhos municipais de habitação: uma análise dos tipos

A tipologia de decisões adotada segue a que foi discutida e implementada na

pesquisa Political Inequality and Extra-parliamentary Representation, do Centro de

Estudos da Metrópole (CEM). As decisões do CMH-SP foram classificadas a partir das

mesmas diretrizes de tipologia e subtipologia aplicadas aos conselhos presentes no

banco supracitado. Os tipos de decisão são:

[DEF] Definição geral da política: Atos que definem a política

mediante o estabelecimento de diretrizes, definição de critérios ou

regulações com caráter geral e de natureza vinculante, além de atos que

aprovam orçamentos gerais, de secretarias, ou programas.

[FISC] Fiscalização da Política e Transparência do Governo: Atos

que fiscalizam, sancionam ou desaprovam a política já executada. Têm

função de prestação de contas e transparência, referentes a organizações

da sociedade civil, ao executivo, às entidades privadas ou a

equipamentos da administração pública, e ao próprio conselho (atos em

que o conselho é accountable).

[GEST] Gestão Administrativa: Atos de natureza administrativa que

implicam a implementação da política, uma vez já definida e regulada.

Inclui também atos imediatamente anteriores à implementação da

política, mas que não definem nem regulam a política ou critérios de sua

execução, tratando apenas do modo como ela será implementada ou

viabilizando sua implementação.

[AUTO] Autorregulação e Autogestão: Inclui decisões tomadas pelo

conselho em relação a si mesmo. Atos que dizem respeito ao

funcionamento interno do conselho.

[IP] Gestão e Regulação de outras Instâncias que envolvem

Participação: Atos que se destinam a instâncias setoriais que envolvem

participação, como conferências e outras instâncias sob autoridade do

conselho (Conselhos Tutelares, Conselhos Gestores do Fundo, etc.).

[99] Outros: Atos administrativos cujo teor não permite encaixá-los em

quaisquer tipos acima, mas que se apresentam com frequência

insuficiente para que lhes seja atribuída uma categoria específica.

Dada a tipologia acima exposta, cada ato foi lido e classificado. Com isso,

revela-se que (ver Gráfico 4) cerca de 45% das decisões dos conselhos são de definição

geral da política (DEF); 22%, referem-se a autogestão e autorregulação (AUTO); 16%,

92

fiscalização e transparência (FISC); 13%, são sobre gestão (GEST) e; 2%, regulam

outras instâncias de participação (IP).

Gráfico 4 – Tipos de decisão (% do total)

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

Vale destacar que decisões do tipo DEF e GEST indicam uma proporção

considerável de atos voltados para a incidência na política pública. Desse modo, pode-se

inferir que as chances de os conselhos municipais de habitação incidirem na política

setorial existem. Mais que isso, a principal atuação deles no setor é na definição geral

das políticas. Este ponto será retomado mais a frente. Por ora, cumpre especificar o que

foi encontrado em cada tipo de decisão:

4.3.1 – Decisões do tipo AUTO

Após definição geral da política, este é o tipo mais comum. A categoria de

decisões de autogestão e autorregulação aglutina decisões referentes à gestão da

atividade interna do conselho. Encontrou-se nos conselhos decisões como a criação e a

operação de grupos de trabalho ou comissões internas, além de editais de convocação de

representantes da sociedade civil. Com essas características foram 11 decisões

distribuídas nos CMHs de São Paulo e Belo Horizonte.

99AUTO

DEFFISC

GESTIP

1,18%

22,35%

44,71%

16,47%

12,94%

2,35%

93

Nesse tipo também foi encontrada uma decisão referente à composição da

diretoria do conselho, no caso, eleições para a presidência do COMATHAB, em Porto

Alegre. Além disso, foi incluído nesse tipo a decisão de aprovação do regimento interno

do CMH-GRU. Igualmente, foram classificadas cinco decisões sobre a gestão e

regulação eleitoral do CMH-BH e uma, sobre o mesmo tema, produzida pelo

COMATHAB.

4.3.2 – Decisões de tipo FISC e IP

A característica de accountability dos conselhos (FISC) se faz relevante, é a

terceira mais comum. Porém, as decisões de fiscalização do conselho são 14 atos de

transparência sobre um mesmo tema: aprovação das contas do Fundo Municipal de

Habitação. Essas decisões ocorrem principalmente no CMH-SP – que aprova as contas

semestralmente -, mas também há uma decisão do CMH-GRU, que aprova as contas do

fundo anualmente.

Outro tipo de decisão bem específico é o de regulação de atividades de outras

instâncias de participação (IP). Entre elas, estão duas decisões do CMH-BH que

definem o regimento das Conferências Municipais de Habitação do município.

4.3.3 – Decisões do tipo GEST

Não devem ser ignoradas as atribuições de gestão do conselho que também

permitem manter a hipótese de que os conselhos afetam a política pública. Na categoria

de gestão (GEST) foi classificado uma decisão que se refere ao registro de entidades da

sociedade civil para participar de programas da Prefeitura de Belo Horizonte e uma

decisão sobre aprovação de obras do poder Executivo paulistano. Porém, as decisões de

gestão que têm maior frequência (cinco decisões), referem-se à gestão de programas e

convênios com entidades não estatais, fundamentalmente, alocando recursos do fundo

para determinadas entidades conforme estabelecem os programas municipais. Essas

decisões ocorreram nos CMHs de São Paulo e de Guarulhos.

Também no CMH-SP aparece uma decisão que faz gestão de programas ou

projetos do poder público. No caso, a decisão teve grande repercussão, pois se tratava

do repasse de um edifício que, inicialmente, seria destinado à moradia de interesse

94

social para outra secretaria municipal, que o demoliria. Segundo essa resolução, o

Edifício São Vito seria repassado à Secretaria de Obras e Infraestrutura com direito à

reembolso ao Fundo Municipal de Habitação para a produção de moradias na região

central da cidade. Esta é uma decisão de gestão que mostra o impacto que o conselho

pode ter na política pública – e será objeto da análise no próximo capítulo.

Por fim, classificou-se nesse tipo duas decisões com finalidades práticas

específicas: uma decisão criava um certificado de condições de habitabilidade (CMH-

SP) e a outra, autorizava o uso do fundo para pagar despesas cartoriais de regulação

fundiária (CMH-GRU).

4.3.4 – Decisões de tipo DEF

A categoria mais frequente nos conselhos de habitação da amostra é de definição

geral das políticas. São 32 decisões. Uma grande parte dessas decisões diz respeito à

regulação da política e gestão orçamentária, mais especificamente aquelas que aprovam

planos municipais e definem critérios para parcerias com entidades da sociedade civil;

aquelas que definem o acesso de beneficiários a programas e, também, as normas sobre

o uso do solo urbano. Outra parte, tem característica de aprovar projetos e programas.

Esse grupo de decisões que define critérios para a política é bastante comum.

Com exceção de Fortaleza, todos os municípios tiveram decisões com essas

características. Esse é o caso da única decisão DEF do COMATHAB, em Porto Alegre.

No caso, o município estabelecia os critérios de seleção dos beneficiários para o

programa Minha Casa, Minha Vida. Essa mesma decisão foi tomada em 2010 pelos

CMHs de Guarulhos e São Paulo e em 2011 pelo de Belo Horizonte.

Outras decisões DEF relevantes e comuns em mais de um conselho são: i)

definição de critérios e grupos prioritários para seleção de beneficiários em outros

programas municipais de cada localidade; ii) regulamentações sobre o uso de recursos

dos fundos municipais e recursos federais; iii) definição de normas para transferências

de unidades habitacionais adquiridas no âmbito de programas municipais de habitação

e; iv) definição de critérios para a regularização de terras ou imóveis.

Há ainda algumas peculiaridades que demonstram capacidade de incidência dos

conselhos no setor. Em Belo Horizonte, o CMH ainda definiu normas que estabelecem

95

as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Já no conselho de São Paulo, é possível

encontrar decisões que dizem respeito a remuneração da agência de produção

habitacional do município (COHAB).

Por fim, ainda há um grupo de decisões que aprovam programas e projetos do

poder público. Nesse último grupo estão principalmente decisões do CMH paulistano,

como: a aprovação dos programas Recuperação de Crédito, Parceria Social e Carta de

Crédito Municipal e a aprovação do projeto de aquisição de prédios na região central.

Além desse conselho, o COMHAP, de Fortaleza, também tomou uma decisão que tem

característica semelhante; no caso, aprovando o convênio entre a secretaria municipal de

Fortaleza na área de habitação (HABITAFOR) e a Caixa Econômica Federal, para o

programa Pró-Moradia. Essa foi a única decisão DEF desse conselho.

Assim, todas características de decisões de definição de política (DEF) (sejam

elas gerais, ou mais específicas; comuns a todos os conselhos ou peculiares; definindo

critérios ou aprovando programas) permitem avançar no diagnóstico da potencialidade

que os conselhos municipais de habitação podem ter em afetar a política setorial – ainda

que parcialmente. Ou seja, o que se tem destacado nesses achados empíricos parece

contrariar as considerações de interferências colocadas pela literatura. Todavia, isso

ficará mais claro na próxima seção que analisará o grau de incidência dos conselhos

municipais de habitação na política.

4.4 – As decisões dos conselhos municipais de habitação: a incidência na política

Nas seções precedentes foi possível encontrar indícios de que os conselhos

municipais de habitação podem tomar decisões que afetam a política pública. Contudo,

é pertinente saber se esses tipos de decisão foram regulares durante o período e como se

distribuem por conselho. Além disso, é oportuno verificar se essas decisões com

potencial impacto na política têm sido a principal atribuição dos conselhos ao longo do

período. Tais informações trarão diagnósticos mais precisos sobre o funcionamento dos

conselhos e permitirão avaliar as hipóteses sobre sua efetividade com maior

fundamentação empírica.

Desse modo, para auxiliar na compreensão da produção decisória dos conselhos,

é possível traçar a evolução de cada tipo de decisão ao longo dos anos (Gráfico 5).

Assim, é relevante notar que a publicação de decisões, cujo conteúdo é de definição

96

geral da política tem grande variação no período, com forte elevação a partir de 200958.

As decisões referentes à autogestão e autorregulação, por sua vez são constantes no

período, com leve aumento no ano de criação dos conselhos (COMHAP, 2007, e CMH-

GRU, 2008), mas continuam presentes até 2011. A fiscalização também é constante a

partir de 2007, bem como atos de gestão, sempre presentes a partir de 2008.

Gráfico 5 – Tipos de decisão por ano

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

A presença contínua dessas decisões sugere de modo mais claro que os

conselhos têm efeito na política. O caso esporádico é de gestão e regulação de outras

instâncias de participação (IP). Isso se deve a regulação no município de Belo Horizonte

da Conferência Municipal de Habitação. Como as conferências são eventuais, não é de

se esperar que decisões sobre elas ocorram constantemente59.

Retomando a variação das decisões sobre definição geral da política e de gestão

– aquelas que incidem na política – é conveniente verificar a produção anual por

conselho. Desse modo, o Gráfico 6 apresenta que a presença desses dois tipos de

decisão está concentrada no CMH de São Paulo, com 20 decisões de definição geral da

política e 4 de gestão ao longo do período. Com produção intermediária sobre definição,

58 Mais uma vez a hipótese de queda na produção decisória por causa do MCMV, não se sustenta. 59 Sem dúvida vale questionar por que os outros municípios não fizeram conferências no período de sete

anos analisado, porém esse não é o foco do presente trabalho.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1

99 AUTO DEF FISC GEST IP

97

estão os CMHs de Guarulhos (9) e Belo Horizonte (8). Sobre gestão, Guarulhos tomou

5 decisões, enquanto Belo Horizonte, apenas uma. Já o COMATHAB (Porto Alegre) e

o COMHAP (Fortaleza) têm apenas uma decisão do tipo DEF no período e nenhuma de

gestão60.

Depreende-se do gráfico, ainda, que ao menos por um ano (2005) todos

conselhos da amostra não tomaram decisões desses tipos. Além disso, não há uma

frequência de publicações de decisões tipo DEF, podendo haver períodos com alta

produção desse tipo de decisão – como no ano de 2006, quando o CMH-SP publicou 8

decisões desse tipo – e períodos sem publicações – no caso do CMH-SP em 2005 e

2009. Contudo, todos os conselhos da amostra publicaram ao menos uma decisão de

definição geral da política no período analisado.

Gráfico 6 – Decisões tipo DEF e GEST, por ano, por município.

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

Para indagar se conselhos de habitação são potencialmente capazes de incidir na

política pública, mais relevante do que apresentar o número de decisões tipo DEF e

GEST por ano é mostrar com que frequência essas decisões são tomadas. Desse modo,

60 Com a distribuição de decisões que definem a política não é possível rejeitar a hipótese de que outras

instituições participativas, como o OP, concorrem com o conselho e diminuem sua produção decisória.

Contudo, essa provável concorrência não deve ser confundida com baixa efetividade dos conselhos, pois

essas IPs podem decidir poucas coisas, mas com alto impacto na política, como por exemplo a

determinação de ZEIS em Belo Horizonte que, de certa forma, regula o desenvolvimento da cidade.

BH

Guarulhos

SP

0

2

4

6

8

DEF GEST DEF DEF GEST DEF GEST DEF GEST DEF GEST

2006 2007 2008 2009 2010 2011

BH Fortaleza Guarulhos Porto Alegre SP

98

voltando ao Gráfico 4, é possível obter que, em todo o período, são 57,65% de decisões

capazes de incidir na política pública (44,71% de decisões tipo DEF somado a 12,94%,

GEST).

Já o Gráfico 7 faz essa análise por ano e mostra que em 2005 nenhuma decisão

dos conselhos incidiu na política. Por sua vez, em 2006, logo após o estabelecimento do

SNHIS, 90% das decisões podem ter incidido na política. Em 2007 e 2008, no entanto, a

porcentagem dessas decisões caem para menos da metade. Mas, a partir de 2009 – e,

mais uma vez, mesmo com o programa MCMV – os conselhos voltaram a produzir

decisões com capacidade de incidência na política acima de 50%, oscilando em menor

grau em torno da média para todo o período. Assim, pode-se dizer que a incidência na

política em quatro dos sete anos da amostra foi a principal atribuição dos conselhos.

Gráfico 7 – Incidência na Política por Ano (IPA).

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

Com isso, pode parecer relevante verificar essa incidência para cada conselho

(Tabela 4). Porém, tal feito pode trazer falsas impressões. A amostra conta com

conselhos em diferentes tempos de vida e com uma quantidade de decisões discrepante

uns dos outros. Não é seguro afirmar que um conselho como o COMHAP (de

Fortaleza), com poucos anos de vida e com apenas uma decisão publicada –

oportunamente de definição geral da política – é extremamente incisivo na política.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

99

Igualmente, é preciso cuidado ao afirmar que o CMH-BH, que tem produzido decisões

na área de habitação do município nos últimos 20 anos, tem baixa incidência na política.

Tabela 4 – Incidência na Política por Conselho (IPC)

Conselho Número de decisões DEF e GEST Total de decisões IPC

CMH-BH 9 22 0,41

COMHAP 1 1 1

CMH-GRU 14 18 0,78

COMATHAB 1 4 0,25

CMH-SP 24 40 0,6

Total 49 85 0,57

Fonte: Dados do CEM e Resoluções do CMH-SP. Elaboração própria.

Assim, mais do que avaliar qual conselho apresenta resultado melhor, o que se

propõe ao abordar essa incidência na política é uma visão do agregado dos conselhos

municipais de habitação para indicar que há capacidade potencial de incidência deles na

política setorial. Isto é, os conselhos de habitação têm como principal função tomar

decisões que incidem na política pública – comprometendo hipóteses do primeiro

momento da literatura que sustentam uma baixa presença de decisões desse tipo e

sugerem maior frequência de produção de decisões de autorregulação e fiscalização.

Contudo, indagar se essas decisões realmente incidem na política – alterando-a – requer

uma análise mais detalhada de como essas decisões se desdobram, ou seja, como esses

outputs se tornam outcomes – análise desenvolvida no próximo capítulo. Antes disso, a

seção seguinte recapitula os achados quanto às decisões dos conselhos e reescreve as

hipóteses que foram infirmadas.

4.5 – Outputs dos conselhos municipais de habitação: sintetizando os achados

O presente capítulo apresentou as decisões que os conselhos municipais de

habitação produziram no período de 2005 a 2011. A amostra com cinco conselhos de

grandes municípios brasileiros foi capaz de mostrar que há variação tanto na quantidade

de decisões emitidas, registradas nos Diários Oficiais dos Municípios, como nos tipos

de decisão. Em geral – e como esperado –, o número de decisões não é elevado como

em conselhos municipais de setores de políticas públicas estruturados a mais tempo.

100

Resumindo os achados específicos para cada conselho, tem-se que:

O CMH de São Paulo é o conselho com maior produção decisória e

também, com distribuição temporal dessas decisões mais estável. O

conselho, além de ser o maior “decisor” de definições gerais da política,

ainda tem a peculiaridade de ter a maior parte das decisões de

fiscalização, em referência ao fundo municipal.

As peculiaridades do CMH de Belo Horizonte, um dos mais antigos da

amostra, são: possuir decisões de definição na política esparsas no

tempo, ser o único com decisões que tratam de conferencias municipais

do setor, bem como também ser o único com decisões sobre a

demarcação de ZEIS.

Em Guarulhos, o CMH é mais novo e se apresenta bastante produtivo

desde o primeiro ano, mas sem ocupar posição de destaque em relação ao

número total de decisões. Como especificidade, é o conselho com a

maior produção de decisões de gestão.

O COMATHAB, em Porto Alegre, e o COMHAP, em Fortaleza,

produziram apenas uma decisão cada sobre definição de política.

Além das peculiaridades dos conselhos, foi possível detectar decisões comuns a

vários deles. A análise dos tipos de decisões mostrou que definição geral da política é a

principal resolução dos conselhos municipais de habitação, tendo todos eles produzido

ao menos uma decisão no período. Cabe ressaltar, entretanto, que decisões relativas à

autogestão e autorregulação dos conselhos foram o único tipo presente em todos os anos

da série. Ademais, quando se analisa a proporção de decisões com possibilidade de

incidir na política sobre as demais decisões é encontrado alto potencial de incidência no

ano de 2006 e potencial incidência estável na política a partir de 2009.

Além disso, foi possível ver que o número de decisões tem tendência de

crescimento ao longo dos anos, a partir de 2006, e que o programa MCMV não

diminuiu a produção decisória dos conselhos. Ao contrário, como foi detalhado na

terceira seção, o programa MCMV incluiu novas atribuições ao script de atuação dos

conselhos. Consequentemente, rejeita-se a hipótese, levantada no capítulo anterior, de

que haveria queda da produção decisória dos conselhos durante a vigência do MCMV.

101

No entanto, a superposição do programa à política habitacional pode trazer

outras implicações. Ainda não está claro até que ponto os conselhos incidem sobre o

programa MCMV, sabe-se que eles definem critérios de seleção de beneficiários,

porém, o que isso significa em termos de efeitos na política pública? Isto é, encontrou-

se que o programa MCMV não interferiu negativamente no output dos conselhos, mas é

conveniente saber se não houve interferências no outcome. Ou seja, até que ponto as

decisões dos conselhos sobre esse programa repercutiram em efeitos na política?

Também derivada da interferência de outras instituições políticas, estava a

hipótese sobre a baixa produtividade de conselhos de municípios com outras IPs,

diagnosticando uma concorrência entre elas. Os achados aqui apresentados não

permitiram rejeitar essa hipótese. Entretanto, obteve-se mais informações que permitem

reescrever tal suposição. Não se rejeita a hipótese, pois, nessa amostra, apenas São

Paulo não tinha outra IP capaz de destinar recursos e definir políticas de habitação, os

demais municípios possuem OP. O CMH de São Paulo é o caso com maior número de

decisões de definição geral da política (20), em segundo lugar está o CMH de

Guarulhos, com menos da metade (9). Porém, a variação entre os conselhos com OP

também é muito grande. Soma-se a isso, o fato de haver outras decisões que incidem na

política e, quando estas são consideradas, a variação entre o CMH-SP e o CMH-GRU,

por exemplo, fica menor.

Logo, apenas a presença do OP não parece explicar porque no conselho de

Guarulhos há 14 decisões que incidem na política e nos conselhos de Fortaleza e Porto

Alegre apenas uma. Outras variáveis devem estar agindo nesses casos61. Em Porto

Alegre, por exemplo, Lima (2014) trouxe também a interferência da burocracia

municipal (DEMHAB), ao não fornecer acesso aos dados sobre execução orçamentária.

Essa pode ser uma explicação específica para o caso porto-alegrense, ademais, mostra

que outros fatores podem estar associados à baixa produção de alguns conselhos62.

O caso do CMH-BH relatado por Bois (2013), por exemplo, é oposto. A autora

afirma que o poder real de deliberação do conselho fora gradativamente deslocado para

o OP. No entanto, o CMH-BH produziu 9 decisões que incidem na política, sendo 6

somente no ano de 2011. Uma possível explicação para a divergência entre o

61 Pode-se ressaltar, por exemplo, que o papel político que o OP desempenha em Porto Alegre é diferente

daquele que veio a ter em maior parte dos municípios brasileiros. 62 Nota-se que, a despeito das interferências peculiares à Porto Alegre, elas não paralisam completamente

o conselho. O COMATHAB teve decisões de autogestão e de definição na política, ao longo do período.

102

diagnóstico da autora e os dados sobre a produção decisória, seja o método de inferência

acerca da efetividade. A autora apenas verifica os temas discutidos nas reuniões – e não

a produção decisória - e, a partir disso, faz considerações a respeito da efetividade.

Com uma análise da produção decisória, contudo, é possível verificar que os outputs

não estão abaixo da média de produção dos conselhos, nem mesmo que os temas de

decisão sejam majoritariamente de outra natureza63.

Desse modo, a hipótese de interferência de outra IP na produção decisória dos

conselhos ainda merece análises com outros conselhos e municípios, mas há fortes

indícios para acreditar que não seja o principal fator que causa baixa produção decisória,

muito menos que tenha implicações semelhantes ou unívocas sobre a efetividade dos

conselhos.

A terceira hipótese, colocada no capítulo anterior, dizia respeito à interferência

do sistema político-partidário. Como foi explicado naquela ocasião, não caberia no

desenho desta pesquisa traçar considerações acerca da formulação de agenda e da

representação no conselho64. Dessa forma, a hipótese que foi possível retirar dessa

interferência, supunha dissolução ou desativação dos conselhos em caso de alternância

na administração municipal.

Por conseguinte, a análise temporal da produção decisória permitiu rejeitar tal

hipótese. O único conselho dissolvido no período estava em um município onde não

houve alternância administrativa, ao contrário, era o mesmo governo que havia criado o

conselho. Entretanto, há que se reconhecer que o número de casos e o tipo de

alternância no executivo dos municípios contemplados (na maior parte deles a

alternância se deu entre aliados partidários), não fortalecem tal análise. Ainda assim,

essa limitação não impede que se rejeite a hipótese, pelo menos se reformulada como

interferência dos prefeitos vencedores das eleições no nível de atividade decisória dos

conselhos. Isso porque foi seguro verificar que os conselhos produziram decisões a

despeito do partido e, se o sistema-político interfere na efetividade dos conselhos,

aparentemente não é impedindo que eles tomem decisões.

63 As únicas peculiaridades, como mencionado, são decisões sobre a Conferência Municipal de Habitação

e uma sobre ZEIS, que pode ser considerado como maior “poder de deliberação” sobre a política. 64 Mas, se fosse possível presumir a interferência na agenda por meio dos tipos de decisão, a amostra

mostraria que cada conselho se comportou de maneira distinta ao longo do período e, ainda assim,

decisões de definição da política estiveram presentes em quase todo o período (exceto em 2005).

103

Assim, as três primeiras hipóteses do capítulo anterior foram testadas. Nenhuma

demonstrou ser perfeitamente condizente com os dados sobre a produção decisória dos

conselhos sobre interferências à efetividade dos conselhos. Não obstante, expõem dois

pontos que merecem maior atenção. O primeiro aponta para a sobreposição institucional

que pode ainda interferir na efetividade dos conselhos ao longo do processo entre o

output e o outcome O segundo, remete à quarta hipótese, também inserida entre o output

e o outcome, a interferência da burocracia.

Essa possível interferência da burocracia é uma questão oportuna de se verificar,

pois ― haja vista que este capítulo conclui que os conselhos municipais de habitação

têm capacidade potencial de afetar a política pública ― ao produzir outputs

especificamente orientados para a incidência na política, é preciso desvendar se essas

decisões são implementadas. Nesse sentido, as decisões comuns a quase todos os

conselhos são de definição de critérios para seleção de beneficiários de programas

habitacionais, cuja implementação recai principalmente sobre os órgãos burocráticos.

Outrossim, são as decisões de gestão da política que são claramente mediadas pela

burocracia.

Desse modo, o processo de implementação das decisões com potencial

incidência na política será verificado no próximo capítulo. Tanto, decisões de definição

geral da política que elaborem critérios de programas, quanto às que aprovam projetos

específicos – e que devem ser tocados pela burocracia – serão analisadas. Desvendar os

mecanismos que fazem uma decisão ser implementada será o objetivo da análise no

capítulo que segue.

104

V – EFETIVIDADE DECISÓRIA

Este capítulo analisa a efetividade da produção decisória dos conselhos

municipais de habitação. Mais do que inferir se a decisão é efetiva ou não, o intuito é

verificar como e em que circunstâncias uma decisão desses conselhos afeta a política

pública. Desse modo, as próximas seções visam seguir o processo entre uma decisão

dos conselhos municipais de habitação e a sua implementação, traçando o fluxo de cada

processo para identificar mecanismos causais que induzem um resultado na política

pública.

Para desenvolver tal análise esta pesquisa se orienta pelas diretrizes do método

process-tracing, importando dele instrumentos de análise capazes de apresentar

mecanismos causais, mas sem aplicar propriamente este método. Aliás, existem três

tipos de process-tracing (BEACH; PEDERSEN, 2013): um que testa uma hipótese

causal entre as variáveis X e Y, outro que busca explicar os processos causais que

ocorrem entre X e Y (isto é, não há hipótese de como X causa Y, a ser testada, mas sim

para ser construída), e o terceiro tipo busca uma explicação minimamente suficiente

sobre os processos que causam, a partir de X, um outcome. Como foi apresentado nos

capítulos anteriores, não há, para os conselhos de habitação, proposições explícitas de

índole explicativa sobre as causas que levam decisões (a variável X) afetarem políticas

públicas (variável Y). Na verdade, as explicações traçadas diziam respeito às possíveis

interferências que impediriam a existências de X e, de modo pouco específico, de um

outcome (Y). Logo, para desvendar o processo que permite ou impede as decisões de

gerarem resultado sobre as políticas, este trabalho deve seguir os outputs dos conselhos

(as decisões), para explicar como ocorre o outcome (um efeito na política pública).

Segundo Beach e Pedersen, “we should not draw the line between explaining

outcome and theory-building process tracing too sharply. The difference between them

is more a matter of degree rather than a difference in kind” (BEACH; PEDERSEN,

2013, p. 220). O nível da explicação de outcome é mais profundo e não traz mecanismos

generalizáveis, a priori, porém muitas vezes apontam mecanismos sistemáticos que

poderão construir uma explicação mais ampla dos casos. Como pouco se sabe dos

mecanismos entre a decisão de um conselho gestor e a implementação de uma política,

é mais seguro definir essa análise apenas como voltada para a explicação do resultado

do caso estudado. Entretanto, também se vislumbra a possibilidade de sugerir hipóteses

105

tesáveis sobre eventuais mecanismos causais. Por isso, as análises apresentadas neste

capítulo não se incluem totalmente na abordagem do process-tracing, mas têm nesse

método sua orientação.

Assim, a primeira seção traça um panorama mais preciso quanto ao uso do

process-tracing e a forma em que as diretrizes provenientes desse método serão

desenvolvidas nesta pesquisa, e, por conseguinte, será justificada a escolha dos casos.

Posto isto, a segunda seção traça o processo entre decisões específicas que envolvem a

definição do gasto de recursos financeiros e seus efeitos na política. Já a terceira seção,

faz uma análise sistemática dos processos de decisão de um mesmo tipo em diferentes

conselhos: os critérios de seleção de beneficiários do programa federal Minha Casa,

Minha Vida (MCMV).

Por fim, a última seção considera as análises anteriores e explicita os

mecanismos encontrados. Os achados possibilitam um diálogo com a literatura,

sustentando hipóteses, como a interferência institucional, e avaliando arranjos onde há

maiores e menores possibilidades de os conselhos afetarem a política pública. Com isso,

espera-se trazer uma melhor compreensão sobre a efetividade dos conselhos municipais

de habitação no Brasil.

5.1 – Orientando-se por process-tracing: uma nota metodológica

O process-tracing que explica o outcome é um método que faz uso de diversas

técnicas de pesquisa visando apresentar um conjunto de evidências. Esse conjunto

permite comprovar a existência de um determinado resultado. Tais evidências podem

ser: padrões de mecanismos pré-identificados pela literatura; sequencias temporais que

colocam um evento A antes de um evento B; há também a evidência “traço”, que prova

a sua existência por si só (isto é, um evento que explique como e por que a variável X

causa Y naquele contexto); e, por fim, há evidências que provêm de outros materiais

empíricos (como entrevistas, documentos, normas, entre outros) contando como a

relação causal acontece.

Então, a partir das evidências é traçado um caminho indutivo sobre o fenômeno

estudado:

The inductive path is often used when we are studying a little-

studied phenomenon. This path […] starting from the empirical

106

level. Here the analyst can proceed in a manner more analogous

with historical methodology or classic detective work (Roberts,

1996), for example working backwards from the outcome by sifting

through the evidence in an attempt to uncover a plausible sufficient

causal mechanism that produced the outcome. (BEACH;

PEDERSEN, 2013, p. 21)

A partir de um conjunto de evidências relacionadas e sequenciadas é possível

encontrar uma cadeia causal. É nesse fluxo de relações que serão identificados os

mecanismos, o principal objetivo do proess-tracing. Porém, para construir uma

explicação de mecanismos causal plausível é indispensável uma composição narrativa

que assegure confiabilidade e precisão. O pesquisador deve apresentar dados suficientes

e os expor de forma transparente, fazendo as ressalvas necessárias, bem como deve

mostrar claramente os fatos que comprovam a relação entre os fatores que constituem

esse mecanismo65. Beach e Pederson, afirmam que o pesquisador deve avaliar a cada

momento da pesquisa se os dados coletados são suficientes, se o residual de incerteza é

aceitável e se dados adicionais deveriam ser coletados para encontrar suficiente

evidência do mecanismo causal (2013:124). Por isso, a explicação se encerra quando se

julga que as explicações encontradas foram capazes de contar os aspectos mais

importantes que levaram ao outcome. Isto é, quando os mecanismos de um processo

causal se tornam claros.

Contudo, as relações causais podem ser tão complexas que contar todos os

pormenores do processo causal requer, quase sempre, um estudo de caso. No entanto,

para o desenho de pesquisa proposto nesta dissertação, era fundamental percorrer um

caminho que esclarecesse o processo entre decisão e implementação de mais de uma

decisão dos conselhos municipais de habitação. Seguir diferentes decisões significa

apresentar os processos ocultos nos diagnósticos de efetividade da literatura.

Evidenciando, portanto, como as decisões desencadeiam um processo de ações capazes

– ou incapazes – de afetar a política pública.

Desse modo, a abordagem metodológica do process-tracing informa, mediante

seus preceitos, as escolhas metodológicas desta dissertação, mas não se propõe sua

aplicação pura. O principal objetivo nas análises que seguem será encontrar os

mecanismos que conectam ou impeçam a conexão entre as decisões e seus efeitos na

65 Disso segue a metáfora da investigação criminal, isto é, uma recomposição cronológica dos fatos e das

motivações que asseguram a presunção de um crime.

107

política. Portanto, trazer análises que evidencie os processos que mediam entre o output

e o outcome de forma clara e precisa é a principal apropriação que se faz desse método.

Então, ao buscar observações que permita inferir se a evidência encontrada é

parte de um mecanismo causal, a recomendação é fazer uma triangulação entre fontes

(primária, secundária ou terciária) para formar uma evidência, ou mesmo, de diferentes

tipos de evidências para conseguir reconstruir o processo causal. A triangulação reduz o

risco de a análise ser enviesada por um erro sistemático. Compreender o que constitui

evidência e o quão provável essa evidência se encontra na cadeia causal, valida a

análise. Por isso, serão utilizados relatos de membros da administração pública,

legislações, atas de reuniões, dados do orçamento municipal, bem como a leitura dos

processos a partir de outros autores.

Seguindo esses preceitos e as diretrizes desse método, será possível encontrar

evidências que desvendem o processo causal entre decisão e implementação. Tendo

esses achados, buscar-se-á verificar a existência de mecanismos, os quais podem

estimular a decisão afetar a política pública, ou frear esse impacto.

Com esse fim, foram selecionados dois grupos de decisões a partir dos achados

do capítulo IV. O primeiro grupo se refere a uma decisão de gestão e uma de definição

geral da política sobre um mesmo tema e que envolvem recursos do FMH de São Paulo.

Ambas as resoluções ocorreram no mesmo dia e versam sobre o mesmo tema. O

segundo grupo de decisões tem uma característica transversal entre os conselhos. Isto é,

apesar de serem decisões que ocorreram em períodos diferentes e em municípios

diferentes, o tema delas é o mesmo: os critérios de seleção de beneficiários do programa

MCMV.

Esses dois grupos de decisões podem representar importante efeitos dos

conselhos sobre as políticas públicas locais de habitação. Ao encontrar os outcomes,

será possível identificar os mecanismos que intermediaram a relação. Dessa forma os

casos selecionados têm objetivos claros em afetar a política pública. O caso das decisões

do CMH-SP diz respeito a uma longa disputa entre atores sociais e políticos sobre

habitação na área central da cidade. Já as decisões referentes ao programa MCMV,

representam a possibilidade de direcionar o foco de um programa federal dotado de

altos recursos financeiros.

108

Assim, a análise desse capítulo se orienta pelas diretrizes metodológicas dessa

proposta, no entanto, não é propriamente uma análise de process-tracing. Entretanto, no

primeiro caso há maior aproximação a esse método, pois serão apresentadas com maior

detalhe como o processo ocorreu. Já no segundo, será uma análise sistemática e

diacrônica das decisões sobre critérios do MCMV nos conselhos de habitação de Belo

Horizonte, Guarulhos, Porto Alegre e São Paulo.

5.2 – CMH-SP: Recursos financeiros para prover habitação na região central

Esta seção visa seguir o processo que ocorre entre a tomada de decisão do CMH-

SP – especificamente, as resoluções nº 34 e nº35 – e a sua implementação – observada

por meio da execução do que foi resolvido66. A Resolução CMH nº 34 de 17 de junho

de 2008 decidia:

I-Aprovar o repasse do Edifício São Vito à Secretaria de Infra-

Estrutura Urbana e Obras -SIURB -, com o respectivo reembolso do

valor equivalente para a aquisição de imóveis exclusivamente na

região central e assim viabilizar habitação social, atendendo aos

movimentos de moradia do centro.

A Resolução CMH nº 35, de mesma data, complementa:

I-Autorizar a utilização de recursos do FMH até o limite

orçamentário disponível em rubrica específica para aquisição de

imóveis na região central, exclusivamente, ou em associação com

outras fontes, desde que os mesmos sejam passíveis de adaptação

para uso residencial de interesse social.

Antes de avançar no que sucedeu à decisão do conselho, é interessante se voltar

para o que ocorreu anteriormente a ela e contextualizar com as discussões que a

geraram.

5.2.1 – O processo de decisão no conselho67

O edifico São Vito, objeto da resolução nº 34, era um empreendimento

habitacional localizado na avenida do Estado, próximo ao Mercado Municipal de São

66 Isto é, não se pretende aprofundar na analise quanto à qualidade da implementação da resolução, se o

problema ao qual ela tratava foi resolvido, ou se houve efeitos significativos na política por meio dessa

implementação. O que se pretende, primordialmente, é identificar se essa resolução foi executada

conforme resolvida pelo conselho. 67 As evidências apresentadas neste tópico estão baseadas na leitura das atas das reuniões do CMH-SP.

109

Paulo (Mercado Cantareira), na região central da cidade. Com 27 andares e 624

apartamentos, foi construído em 1955, por uma construtora provada, no contexto de

rápido crescimento populacional que a cidade sofria. A localização e o tamanho

pequeno dos apartamentos atraíram muitos moradores de baixa renda. Ao longo do

tempo, o condomínio se endividou e se degradou, tornando-se símbolo de decadência da

região central da cidade. Com isso, parte da imprensa e políticos defendiam a implosão

do edifício. O primeiro prefeito a propor tal ação foi Jânio Quadros, em1987. Contudo,

foi em 2003 que a Prefeitura decidiu agir. Na época a prefeita era Marta Suplicy (PT) –

que dentre outras propostas na área habitacional, também se comprometera com os

movimentos sociais de criar o Conselho Municipal de Habitação. Por sua vez, a

proposta da administração municipal era recuperar o edifício – e recebia apoio dos

movimentos sociais.

Entretanto, primeiramente seria preciso desapropriar o edifício, em seguida,

fazer reformas estruturais (e as adicionais), por fim, vender ou locar as unidades. O

processo de desapropriação se iniciou no ano seguinte, em 2004, mas se estendeu até

2010. Durante esse período, a cidade mudou de prefeito e partido por duas vezes e os

custos estimados de todas as fases do processo eram constantemente atualizados. A

proposta, por conseguinte, era modificada em cada momento. Em 2005, desistiu-se da

reforma e se adotou a demolição. Depois, em 2006, o projeto de demolição também foi

abandonado. Até voltar à pauta em 2008, durante a administração Gilberto Kassab

(DEM), para ser decidido no Conselho Municipal de Habitação.

Na reunião de 19 de março de 2008, o CMH de São Paulo discutia a solicitação

de voto 003/2008, sobre a constituição de uma Comissão Especial para avaliar a

retomada da construção do empreendimento habitacional São Vito. Segundo o

conselheiro Luis Kohara, do Centro de Direitos Humanos Gaspar Garcia (CDH Gaspar

Garcia), essa comissão seria importante para avaliar a viabilidade técnica de demolir o

edifício – uma alteração do projeto inicial, proposto pela administração pública. Outros

conselheiros endossaram a necessidade de ouvir a Companhia Municipal de Habitação

(COHAB) e a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) sobre o assunto.

Os representantes da SEHAB acatam a proposta, mas já adiantam o alto custo da

opção inicial que era reformar todo o edifício. Além disso, outros argumentos são

colocados, como: o aumento do custo inicial conforme outros exemplos de edifícios

reformados; a inviabilidade de recuperar o investimento se vender a unidade como

110

habitação de interesse social; e a responsabilidade em gerenciar o imóvel com mais de

600 apartamentos, no programa de Locação Social68.

Mas o representante dos sindicatos dos arquitetos, Nabil Bonduki, advertiu:

É um assunto que merece uma discussão profunda, pública,

até para implodi-lo e demoli-lo. Se for essa a decisão, tem que estar

respaldada por um processo público de discussão. R$80.000,00

vamos avaliar se é isso mesmo, que seja, existe muita habitação

popular, em 2001 esse valor estava aproximadamente R$60.000,00,

mais o terreno, eu não acho que esse preço deve ser um preço de

habitação, mas estou dizendo que existem muitos exemplos de

habitação em grande escala, implantar o Cingapura não foi uma

coisa de pequena escala que custou isso, sem a vantagem da

localização e aí vamos tratar de uma outra questão que também é

bastante importante que diz respeito à questão do Centro, porque o

São Vito é um exemplo de “N” prédios que vão estar nessa mesma

situação, não é um caso isolado, acho que aponta a necessidade de

se aprofundar o debate, tem que ter uma discussão mais ampla e

acho que justifica criar esse grupo, é necessário para qualquer

decisão que venha a ser tomada, existem centenas de prédios nessa

condição, tem aqui na Rua Paim, na Av. São João, tem uma série de

edifícios que tem unidades pequenas, que foram produzidos nos

anos 50 e que vão apresentando gradativamente grau de

obsolescência e é de interesse público fazer com que isso seja

reincorporado com qualidade no ambiente da cidade.

(PREFEITURA DO MUICÍPIO DE SÃO PAULO; SECRETARIA

MUNICIPAL DE HABITAÇÃO, 2008a, p. 4–5)

A discussão, então, segue baseada em três pontos: um que questiona a

viabilidade financeira para a reforma do edifício; outro que problematiza o custo final

da unidade; por fim, um que vislumbra a importância de produzir habitação de interesse

social na região central da cidade. Colocado os posicionamentos dos inscritos, vota-se a

necessidade de apresentar os dados técnicos da reforma e do custo final da unidade

numa Comissão.

Na seguinte reunião do CMH-SP, ocorrida em 17 de junho de 2008, a

proposição de voto era a “autorização para repasse do Edifício São Vito à EMURB69

com respectivo reembolso ao Fundo Municipal de Habitação [FMH] dos valores

despendidos, que deverão ser destinados à aquisição de imóveis no centro”. Isto é,

votava-se a proposta de demolição do edifício, que seria feita pela EMURB, e, em

contrapartida, ressarciria o FMH para viabilizar a política habitacional na região central

pretendida por parte dos conselheiros. Porém, na proposição de voto redigida pelo

68 Nesse programa a Prefeitura administra a locação das unidades a valor abaixo do mercado

possibilitando moradia a pessoas de baixa renda. 69 Empresa Municipal de Urbanização, ligada à Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB),

responsável pelas desapropriações e obras comandadas pela Prefeitura.

111

conselheiro Walter Abrahão Filho, Diretor Comercial e Social da COHAB, havia claro

posicionamento em adquirir imóveis na região central como meio de atender a “diversas

frentes” para aproveitamento de áreas ociosas. Essa proposta estava de acordo com o

posicionamento dos conselheiros advindos de movimentos sociais. Inclusive, por eles

foi proposto uma emenda para destinar aquisição desses imóveis no centro ao

atendimento de demandas dos movimentos sociais do centro – que foi aprovada,

conforme consta no corpo da resolução (acima).

Com isso, a apresentação dos dados na Comissão criada, já havia diminuído a

discussão em torno das questões técnicas de reforma e os custos da unidade final. A

principal discussão que ficara fora a da produção de habitação na região central. Antes

mesmo dessa votação entrar em pauta, a discussão colocara em lados opostos a opinião

do representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos representantes do

CDH Gaspar Garcia e a liderança, na época, do Fórum de Cortiços e Sem-Teto do

Centro (FSTC) sobre fazer locação social na região central, como vemos no seguinte

excerto da ata:

Sr Demóstenes [OAB], fez a seguinte ponderação: “Eu

acho um mau negócio, não vejo com bons olhos a ocupação desses

imóveis por pessoas de baixa renda. Se eles fossem vendidos no

mercado arrecadaria valores que poderiam ser investidos na periferia

principalmente para atingir o objetivo que realmente é a produção de

imóveis para baixa renda”. Sr. Luiz [CDH Gaspar Garcia] ponderou

que a questão dos custos deve, de fato, ser discutida, mas a política

de fixação da população de baixa renda no centro é importantíssima.

“Eu acho que com a política de sempre mandar para periferia, a

gente criou todo o caos urbano que a gente sabe que é São Paulo”.

Sr. Sidney [FSTC] ressalta que o custo de vida de quem mora na

periferia e trabalha no centro é muito maior do que daquele que, a

partir do locação social, puderam se instalar mais próximo do seu

local de trabalho. (PREFEITURA DO MUICÍPIO DE SÃO

PAULO; SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO, 2008b,

p. 3)

O tema de fazer habitação de baixa renda para a região central será

constantemente discutido durante essa reunião, mas quando a solicitação de voto sobre

o São Vito entra na pauta, ela não prossegue. O Secretário de Habitação Adjunto, ainda

se antecipa e expõe a solicitação que havia feito à EMURB para desapropriação de 8

imóveis no centro. Com isso, a resolução nº 34, quanto ao repasse do Edifício São Vito,

foi aprovada sem maiores questionamentos. Em seguida, é posto em pauta a solicitação

de voto, feita pelo representante da COHAB, que autoriza a utilização dos recursos do

FMH para aquisição de imóveis na região central. No momento dessa solicitação

112

também não houve novas colocações e ela foi aprovada por unanimidade (Resolução

nº35).

Desse modo, a leitura das atas revela duas considerações importantes para seguir

na análise dos processos pós-decisão. A primeira, permite ver que houve interesse

mútuo sobre o tema, ou seja, tanto dos conselheiros representantes da Sociedade Civil,

como daqueles que representam a administração municipal. Outra consideração é que, a

despeito das discussões terem se esgotado no momento de votação das propostas, há um

claro posicionamento do conselho em destinar, em ambas as resoluções, recursos para a

produção de habitação de interesse social na região central. Com isso, avaliar a

efetividade dessas decisões pode considerar o efeito esperado que elas tenham na

política pública. Entretanto, o principal exercício desta análise será verificar o processo

que essas decisões seguiram para, então, buscar os mecanismos causais que levaram ao

resultado. Sendo assim, serão expostos abaixo os processos ocorridos após a decisão do

conselho.

5.2.2 – Os processos após a decisão: implementando uma decisão de gestão70

Ambas as resoluções tinham um item II que informava a entrada em vigor da

resolução no próprio dia 17 de junho daquele ano. Por sua vez, elas só foram publicadas

no Diário Oficial do Município na data de 19 de agosto de 2008, aproximadamente dois

meses depois. Esse fato, entretanto, não deveria ser um obstáculo à execução das

decisões por parte da SEHAB, uma vez que a publicação no DOM é apenas um ato de

publicização e a determinação de vigência da própria lei é preponderante71.

Ainda assim, o processo somente teve andamento a partir de novembro daquele

ano. Para o reembolso ao FMH, era preciso abrir um crédito adicional suplementar, que

se deu com o Decreto nº 50.283, de 28 de novembro de 2008. Neste decreto era

suplementado R$9.050.000,00, sendo que o valor de R$4.050.000,00 era para aquisição

de imóveis dentro da política Ação Centro BID – Moradia na Área Central72. O passo

seguinte, seria a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) solicitar os recursos,

70 Agradeço a Jorge Assali e Fábio Pereira, da Secretaria Municipal de Gestão, bem como, à professora

Úrsula Dias Peres, da EACH-USP, pela ajuda na obtenção de informações que possibilitaram essa seção. 71 Informação obtida na Secretaria Municipal de Gestão. 72 A Ação Centro BID corresponde a um programa de recuperação do centro da cidade iniciado em 2003,

a partir do compromisso de empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de 167,4

milhões de dólares para reverter o processo de degradação do centro. Uma das ações desse programa é a

aquisição de imóveis para produção de moradia na região.

113

correspondentes a essa transação, despachando notas de reserva, empenho e liquidação.

Tais processos ocorreram no dia 8 de dezembro de 2008, quando houve a entrada do

montante respectivo ao valor do imóvel na conta do Fundo Municipal de Habitação. É

possível encontrar no DOM do dia 11 desse mês a publicação da Divisão Técnica,

Econômica e Financeira – SEHAB-1 relatando o processo (2008 0.001.195-0)73:

À vista das informações constantes do presente, em especial, as

manifestações de fls. 23/24, que acolho, AUTORIZO que se

proceda a liberação dos recursos solicitados, para fins de aplicação

no FMH-AÇÃO CENTRO BID - MORADIA NA ÁREA

CENTRAL - AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS, concernente ao

exercício de 2008, para viabilizar o atendimento do Edifício São

Vito, conforme deliberação do Conselho Municipal de Habitação,

nos termos do artigo 3º, 8º e 11º da Lei nº 11.632/94; artigo 2º e 3º

do Decreto 49.129/08, Instrução Normativa - SEHAB.G nº 01/98 e

Lei 14.658/07. Em decorrência, emitam-se as Notas de Reserva,

Empenho e Liquidação no valor de R$ 4.050.000,00 (quatro milhões

e cinquenta mil reais) referente ao mês de dezembro de 2008,

onerando a dotação 91.10.16.482.0317.1.260.44.90.61.00.00, a favor

de CIA METROPOLITANA DE HABITAÇÃO - COHAB,

devidamente inscrita no CNPJ sob nº 60.850.575/0001-25. (Grifos

do original)

Com esta publicação é possível identificar o repasse de um pouco mais de 4

milhões de reais referente ao Edifício de São Vito à COHAB (operadora do FMH), mas

a confirmação desse repasse para o FMH também pode ser verificada em outra

resolução do conselho. A resolução CMH nº41 de 16 de junho de 2009, que aprova a

prestação de contas dos recursos do FMH relativas ao período de 1 de julho à 31 de

dezembro de 2008, traz o quadro demonstrativo financeiro, onde é possível encontrar a

dotação orçamentária dos repasse da Prefeitura ao FMH. No subitem Ação-Centro BID

– Aquisição de Imóveis, é possível encontrar o valor suplementado de R$ 4.050.000,00,

exatamente o valor referido na publicação da SEHAB.

Os fatos acima relados permitem assegurar que a Resolução nº 34 do CMH-SP

foi efetivada. Isto é, houve o repasse do edifício, consequentemente, houve a entrada do

montante nas contas do FMH e o referido valor foi destinado à aquisição de imóveis na

região central, por meio da política Ação Centro BID - Moradia na Área Central.

73 Ao consultar o número de processo no SIMPROC (Sistema Municipal de Processos), consta que é uma

operação de crédito externo de repasse de verba ao FMH. Também é possível saber que a decisão após

esse processo não foi publicada no DOM. O processo foi encerrado dia 9 de janeiro de 2009.

114

Resta ainda verificar se houve o atendimento da demanda dos movimentos de

moradia do centro. Mas tal ponto será melhor esclarecido ao prosseguir a análise quanto

à Resolução CMH nº35, que autoriza a compra de imóveis na região central.

5.2.3 – Os processos após a decisão de definição de novos projetos

Para seguir essa determinação é importante destacar que a aquisição de imóveis

para moradia na região central pode vir de diferentes dotações orçamentárias, como a

política de Mutirões e de Projetos e Ações de Apoio Habitacional, ambas com

destinações à aquisição de imóveis. Contudo, o empenho desses recursos pode ocorrer

também em outras regiões da cidade, de modo que a única garantia de aquisição de

imóveis na região central, nesse período, vem da referida política Ação Centro BID –

Moradia na Área Central. Portanto, o foco da análise que segue será sobre essa política.

Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2008, o valor destinado à aquisição de

imóveis pelo FMH era orçado inicialmente em R$ 12.122.000,00, dos quais R$

1.600.000,00 eram do programa Ação Centro-BID Morar no Centro. Com a

suplementação correspondente ao repasse do Edifício São Vito, somado ao

congelamento de uma parte dos recursos, o montante total liquidado – isto é, gasto – foi

R$ 4.850.000,00. No entanto, a destinação desse recurso não significa, necessariamente,

que houve a compra de imóveis na região central utilizando exatamente essa cifra. É o

que se verifica a partir de investigação mais detalhada sobre as contas do FMH.

A conta do FMH onde as transferências para a Ação Centro BID entram é a

Conta Liberação. Nela são somadas todas as arrecadações oriundas de repasses, esse

montante, depois é transferido para a Conta Investimentos. Desse modo, os R$

4.850.000,00 da Ação Centro BID foram somados aos demais repasses da Prefeitura,

para outros projetos e programas, totalizando quase 28 milhões de reais (Ver Anexo).

Dessa forma, o gasto em aquisição de imóveis aparece agregado, aproximadamente 17

milhões de reais. Ou seja, a partir desse momento não se sabe quanto realmente foi

destinado a cada programa, muito menos em que região da cidade.

Com isso, não há mais possibilidade de seguir estritamente o recurso financeiro.

Pode-se, no entanto, verificar informações acerca da compra e reforma de edifícios na

região central nos anos seguintes. De fato, houve aquisição de imóveis destinados à

moradia popular na região central. O programa municipal Renova Centro, por exemplo,

115

mapeou os imóveis passíveis de transformação em habitação de interesse social. Esse

programa se propunha adquirir e reformar 53 edifícios na região central74. Tais metas

não foram atingidas, sequer chegaram perto de sê-las, porém alguns projetos foram

empreendidos.

Em 2010, por exemplo, um edifício já havia sido adquirido75, num processo de

desapropriação que se iniciara em 2008. No entanto, o imóvel foi ocupado por um

movimento de moradia. O grupo reivindicava os critérios utilizados para alocação dos

futuros moradores desse edifício76, bem como a demora no processo de reforma de

outros empreendimentos. Após processo judicial de reintegração de posse em 2011, as

obras para reforma do edifício foram iniciadas em março de 2012 e concluídas em

dezembro de 201477. Conforme o boletim informativo da SEHAB publicado em 12 de

dezembro de 2014, o processo que utilizou R$ 11.150.000,00, obteve parte dos recursos

do FMH, correspondentemente R$ 1.480.000,00.

Com isso, pode-se traçar conclusões acerca dos efeitos da resolução do conselho.

A decisão, inserida na Resolução nº35, dizia: “(...) utilizar recursos do FMH (...) para

aquisição de imóveis na região central, exclusivamente, (...) desde que os mesmos sejam

passíveis de adaptação para uso residencial de interesse social”. Então, é possível

considerar que, com os dados obtidos, ao menos em parte essa decisão foi efetivada.

Isto é, houve imóveis adquiridos com recursos do FMH no centro destinado à produção

habitacional.

Os valores e a prioridade dada a essa política, contudo, não é o foco deste

estudo. Cabe apenas admitir a constante reivindicação no período, feita por movimentos

sociais e vereadores, sobre a baixa produção habitacional na região78. As causas dessa

baixa produção passam ao largo da explicação sobre a efetividade dos conselhos. Na

análise aqui desenvolvida, entretanto, é possível acreditar que há efeitos, que vinculam a

operação do setor, a partir das decisões dos conselhos.

74 Para desenvolvê-lo, os recursos poderiam provir de diversas fontes públicas ou privadas, inclusive do

FMH. 75 Antigo Hotel Cineasta, no subdistrito da República. 76 O antigo hotel seria reformado e destinado somente à artistas idosos de baixa renda. 77 Com o nome de Edifício Palacete dos Artistas, o imóvel atende a demanda de 50 apartamentos à

artistas com idade acima de 60 anos e renda familiar de um a três salários mínimos. 78 Não houve nem no Plano Plurianual (PPA) nem no Programa de Metas da Prefeitura, uma destinação

exclusiva de aquisição de imóveis na região central, mas sim a produção de habitação de interesse social

na cidade que atendesse a determinado número de demandantes.

116

Não se trata em considerar que as decisões dos conselhos tenham efeitos

imediatos na política pública. Ao contrário, é possível perceber que as decisões seguidas

afetaram de modo pontual e pouco expressivo o setor diante dos seus problemas. No

entanto, o conselho pode tomar decisões que delimitam recursos para um uso específico

– e neste caso cumprimento da medida têm efeitos a longo prazo. Ademais, o aporte do

uso dos recursos do FMH pode ser fundamental para a consolidação de projetos

custosos, independentemente do efeito desse projeto na política setorial em geral.

Portanto, em decisões do tipo que definem a política, os outcomes tendem a ser

relevantes, haja vista que envolvem recursos, mesmo que residuais no âmbito da

política pública municipal. Desse modo, e conforme foi verificado na decisão sobre

gestão, o conselho não é ignorado pelas burocracias, as mesmas sabem que dependem

dessa IP para aprovar medidas polêmicas, da mesma forma em que precisam considerar

as definições do conselho quanto ao uso dos recursos do fundo.

Todavia, não parece haver um lugar central que determine as decisões. É

possível identificar fatores capazes de promover com maior celeridade que as decisões

dos conselhos resultem em maiores efeitos sobre a política. Este é o caso das

destinações nas leis orçamentárias (PPA e LOA, principalmente) e no Programa de

Metas. Se nelas constarem um aporte localizado de recursos conforme as determinações

do conselho, é de se esperar efeitos mais aparentes. Isto é, no caso em questão, de

moradia na região central, havia uma destinação na LOA para a entrada dos recursos,

com este fim, mas, a não consolidação em metas específicas para a produção

habitacional nessa região, permitiram que os resultados fossem pontuais.

Tal constatação ainda sugere que o grau de efeito das decisões decorre de

decisões tomadas em múltiplos locais. O conselho tem a característica de tomar

decisões com incidência na política, mas o tempo e a profundidade dessa decisão

dependem também da harmonia entre destinações orçamentárias e metas administrativas

e da gestão que a burocracia fará dos problemas irrompidos durante o processo de

implementação.

Então, para melhor explicitar o caso analisado, a Figura 1 apresenta o longo

processo que liga ambas as decisões do conselho e seu resultado. Nesse processo foi

fundamental para obter o respectivo resultado um mecanismo legal que autorizasse o

uso dos recursos para aquisição de imóveis (representada pela LOA), bem como o

117

mecanismo de transformar um imóvel em habitação de interesse social (principalmente

sob responsabilidade da COHAB, mas com interferências de processos jurídicos de

desapropriação e reintegração de posse).

Figura 1 – O processo entre decisões de gestão e de definição de novos projetos e a

implementação dessas decisões

Fonte: Resoluções CMH-SP: nº 34 e nº 35, de 2008 e nº 41, de 2009; Processo nº 2008 0.001.195-0, do Arquivo da Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura de São Paulo; Lei Orgânica Anual de 2008

do Município de São Paulo; Notícias de Habitação, Assessoria de Imprensa SEHAB, 2014.

Elaboração própria.

5.3 – Decisões de critérios dos conselhos na seleção dos beneficiários do PMCMV

Nesta seção serão seguidas as decisões de critérios que os diferentes conselhos

definiram para um mesmo tema. O tema comum em quase todos eles, exceto Fortaleza,

foi o dos critérios de seleção e priorização dos beneficiários do programa federal Minha

Casa, Minha Vida – Faixa 1 (MCMV). Por se tratar de uma normatização – isto é, um

conjunto de normas vinculantes que compõem a legislação de um programa – é

esperado que tal decisão seja cumprida na maior parte dos casos79. Desse modo, desde o

início dessa análise será priorizado evidenciar quais são os componentes dos processos

79 Se há situações excepcionais, quando os beneficiários não correspondem aos critérios estabelecidos,

pode-se recorrer a uma ação judicial.

Resolução nº34 CMHSEHAB transfere o

imóvelFMH recebe o

recurso

Resolução nº35 CMH

LOA empenha e destina o recurso

para imóvel na região central

Empenho no FMH é liquidado

Desapropriação e adiquisição de

imóvel pela COHAB

Ocupação do imóvel e reintegração de

posse

COHAB faz reforma e entrega um edifício

118

que conectam a definição dos conselhos sobre os beneficiários até a respectiva

destinação dos imóveis. Com isso será possível verificar a discricionariedade dos

conselhos municipais na definição dos critérios desse programa.

O programa MCMV – Recursos FAR80 (Faixa 1) foi criado em 2009 e começou

a operar em 2010. Após esse início a legislação que o regulamentava foi sendo alterada

(houve uma nova portaria em 2011 e outra em 2013). Cabe ressaltar que desde a

Portaria nº 140, de abril de 2010, era responsabilidade dos municípios a função de

realizar o cadastramento das famílias interessadas, o sorteio dos beneficiários e um

acompanhamento técnico social dessas pessoas, além disso havia a possibilidade de

critérios adicionais de seleção das famílias beneficiárias, que ficaram como atribuição

dos conselhos municipais. Nessa legislação era limitado aos municípios a atribuição de

até três critérios adicionais, sendo estes de territorialidade ou de vulnerabilidade social.

No excerto da Portaria de 2010, abaixo, segue a determinação para os critérios

nacionais e locais:

4.1 Critérios nacionais

a) Famílias residentes ou que tenham sido desabrigadas de áreas de

risco ou insalubres; e

b) Famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar.

[...]

4.2 Critérios locais

De forma a complementar os critérios nacionais, DF, estados e

municípios poderão estabelecer até 3 (três) critérios.

4.2.1 O ente público não poderá definir critérios que priorizem o

atendimento de candidatos inscritos em data anterior à publicação da

Medida Provisória no 459, de 25 de março de 2009, nem deixar de

considerar as inscrições coletadas pela CAIXA até a publicação

desta portaria.

4.2.2 O ente público poderá definir critérios de territorialidade ou de

vulnerabilidade social, priorizando candidatos:

a) que habitam ou trabalham próximos à região do empreendimento,

de forma a evitar deslocamentos intra-urbanos extensos e

desnecessários; ou

b) que se encontrem em situação de rua e recebam acompanhamento

sócio assistencial do DF, estados e municípios, bem como de

instituições privadas sem fins lucrativos, que trabalhem em parceria

com o poder público. (Redação dada pela Portaria nº 414, de 18 de

agosto de 2010)

4.2.3 Os critérios locais deverão ser aprovados nos conselhos locais

de habitação ou, nos casos em que o município não possua conselho

de habitação constituído, os critérios deverão ser submetidos à

apreciação do Conselho de Assistência Social.

[...] (BRASIL; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010)

80 Fundo de Arrendamento Residencial (FAR): fundo federal destinado ao financiamento habitacional.

119

Após a definição dos critérios locais pelos conselhos, a determinação do

Ministério das Cidades sugere o seguinte fluxo de processos, para prosseguir na

execução da faixa 1 do programa: i) tendo o município já cadastrado os interessados, ii)

o órgão técnico ou secretaria define a lista de cadastro dos beneficiários; em seguida, iii)

essa lista é encaminhada à Caixa Econômica Federal (CEF)81, que ratifica a

correspondência dos beneficiários segundo os critérios estabelecidos concedendo o

subsídio; e, finalmente, iv) as entidades82 ou empresas construtoras entregam os imóveis

aos beneficiários. Conforme a Figura 2, a seguir:

Figura 2 – O processo de definição de critérios locais do programam MCMV,

segundo a Portaria nº140/2010 do Ministério das Cidades

Fonte: Portaria nº 140/2010 do Ministério das Cidades. Elaboração própria.

Partindo da identificação do processo proposto inicialmente pelo Ministério das

Cidades, o plano de análise dessa seção, mais do que verificar a exata aplicação das

regras definidas pelo conselho, será uma tentativa de demonstrar a capacidade que os

conselhos possuem, ao decidir esses critérios do programa MCMV, em obter de efeitos

na política. Isto é, será analisado o grau de discricionariedade que os conselhos possuem

81 Agente operador do programa. 82 As entidades organizadoras também podem estabelecer critérios próprios.

Conselhos

•Decisão de critérios locais de seleção de beneficiários

Departamento/ Secretaria

•Criação da lista de beneficiários

•Estabelece relação beneficiario por empreendimento

CEF•Aprovação dos beneficiários

•Aprovação dos empreendimentos

Entidades e construtoras

•Destinação dos imóveis aos beneficiários

120

na política ao definir critérios locais, bem como, de que modo as alterações na

legislação federal do programa acabaram por interferir no poder de vinculação das

decisões que os conselhos municipais tinham sobre a questão.

5.3.1 – Porto Alegre: terceirizando a decisão ao OP

O Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação (COMATHAB), de Porto

Alegre, tomou a decisão quanto aos critérios de seleção dos beneficiários do MCMV em

outubro de 2010 por meio da Portaria 320. Nela, o conselho definia como prioridade as

demandas provindas do Orçamento Participativo (OP). Também incluía pessoas com

necessidades especiais e, por fim, fazia menção à adequação dessas prioridades aos

critérios federais do programa, que na época eram apenas dois: a) famílias residentes ou

que tenham sido desabrigadas de áreas de risco ou insalubres; b) famílias com mulheres

responsáveis pela unidade familiar.

Já é possível adiantar que, em comparação com as decisões dos outros

conselhos, o COMATHAB toma uma decisão menos específica e concede maior

discricionariedade na escolha dos beneficiários para o OP. Ao construir o fluxo da

seleção dos beneficiários do programa, partindo do COMATHAB, tem-se o OP

definindo outros critérios, juntamente com a lista de cadastro de beneficiários e a

relação dessas pessoas por empreendimento. Essas decisões são passadas ao

Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB)83 que as torna públicas em seu site

e, em seguida, encaminha à Caixa Econômica Federal (CEF), que segue o processo

conforme a regra federal (ver Figura 3).

83 Autarquia municipal destinada à produção habitacional.

121

Figura 3 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em Porto Alegre

Fonte: Portaria 320/2010 do COMATHAB. Elaboração própria.

Em todas as partes desse processo poderiam haver interferências nos critérios

definidos pelo conselho. No entanto, como o conselho de Porto Alegre definiu apenas

dois critérios, sendo um deles “terceirizar” ao OP a seleção dos beneficiários, torna-se

difícil avaliar interferências nessa decisão. Do mesmo modo, a companhia de habitação

do município, DEMHAB, tem poucos atributos nesse processo.

A lista de selecionados, divulgada pela DEMHAB no site da Prefeitura

Municipal, confirma que as escolhas foram feitas pelo OP segundo as regiões do

município. Contudo, não foi possível encontrar dados que comprovem a seleção do

segundo critério estabelecido pelo COMATHAB: pessoas com necessidades especiais.

Entretanto, esse ponto não deve ser problema, uma vez que na alteração da legislação

em dezembro de 201184, foi estabelecido mais um critério nacional para o programa: “c)

famílias de que façam parte pessoas com deficiência” (BRASIL; MINISTÉRIO DAS

CIDADES, 2011).

Assim, o COMATHAB mostra-se tomando decisões apenas protocolares, que,

repassada ao OP a atribuição de definir critérios de beneficiários do programa MCMV.

84 As alterações nas normas federais do programa serão tratadas com maior detalhe em um tópico

específico dessa seção.

COMATHAB •Decide que OP seleciona a demanda

OP•Define lista de beneficiários

•Estabelece a relação entre beneficiários por região

DEMHAB•Publicação de

informações

CEF•Aprovação dos beneficiários

•Aprovação dos empreendimentos

Entidades e construtoras

•Destinação dos imóveis aos beneficiários

122

Caso o OP não tomasse outras determinações, os critérios seriam apenas os presentes

nas instruções do programa federal.

5.3.2 – Guarulhos: partindo da burocracia

Em Guarulhos, o Conselho Municipal de Habitação (CMH-GRU) adotou uma

decisão sobre o programa MCMV, em 30 de julho de 2010. Neste município as decisões

do conselho foram específicas sobre a prioridade de determinados grupos para o acesso

às habitações pelo MCMV, como pode-se depreender do excerto abaixo:

Resolução Nº 01/2010-CMH:1°. Para fins e hierarquização e seleção

da demanda para o Programa Minha Casa Minha Vida, serão

observados os critérios nacionais estabelecidos na Portaria Nº

140/2010 do Ministério das Cidades, como sendo: a) Famílias

residentes ou que tenham sido desabrigadas de áreas de risco ou

insalubres; b) Famílias com mulheres responsáveis pela unidade

familiar; 2º. Critérios Locais, por ordem de prioridade, observada a

sequência dos critérios nacionais são: c) Mulheres em situação de

violência doméstica e abrigamento; d) Famílias residentes em áreas

de proteção e/ou preservação ambiental; e) População de rua e

egressos do sistema prisional.

O CMH-GRU não só definiu esses critérios gerais de priorização, como também

criou duas resoluções em janeiro de 2011 versando sobre novas prioridades ainda mais

específicas:

Resolução nº 05/2010: Artigo1º – fica assegurado as famílias

residentes nas áreas limítrofes à várzea do rio Tiete, no bairro da

Vila Any, devidamente cadastradas pela defesa civil do município

de Guarulhos e, às famílias residentes na avenida Guarulhos, na área

denominada de Favela da Fiat, devidamente cadastradas pela

Secretaria de Habitação de Guarulhos, em risco físico que

necessitem de realocação, prioridade no atendimento junto ao

programa Minha Casa Minha Vida, na faixa de renda familiar até 03

(três) salários mínimos, dispensada a aplicação dos critérios de

hierarquização e seleção, nos termos da portaria nº 140/2010 do

Ministério das Cidades e da resolução nº 01/2010 do Conselho

Municipal de Habitação. Artigo 2º – o presente atendimento fica

limitado a50% (cinquenta por cento) das unidades habitacionais

produzidas no município. Artigo 3º – a presente resolução entrou em

vigor na data de sua aprovação pelo Conselho Municipal de

Habitação.

Resolução nº 06/2010: Artigo1º – fica assegurado as famílias

residentes nas áreas descritas nos procedimentos administrativos da

municipalidade nº 46.424/2007, 46.425/2007, 46.426/2007,

46.427/2007, 46.429/2007, 46.434/2007, 46.436/2007, 46.437/2007,

46.438/2007, 46.439/2007, 46.440/2007, 48.843/2007, 52.517/2007

e 47.797/2007, em risco físico que necessitem de realocação,

prioridade no atendimento junto ao programa Minha Casa Minha

Vida, na faixa de renda familiar até 03 (três) salários mínimos,

123

dispensada a aplicação dos critérios de hierarquização e seleção, nos

termos da portaria nº140/2010 do Ministério das Cidades e da

Resolução nº01/2010 do Conselho Municipal de Habitação. Artigo

2º – o presente atendimento fica limitado a 50% (cinquenta por

cento) das unidades habitacionais produzidas no município. Artigo

3º – a presente resolução entrou em vigor na data de sua aprovação

pelo Conselho Municipal de Habitação.

Como é possível perceber a atuação desse conselho é maior do que a de Porto

Alegre. Além disso, o CMH-GRU parte de pré-cadastros de Secretarias e outros órgãos

municipais para estipular essas prioridades. Desse modo, a seleção dos beneficiários já é

em parte (50%, conforme as resoluções acima) previamente moldada pelo conselho,

pois indica exatamente a localidade ou os processos de quem deve ser selecionado.

Porém, nesse arranjo a Secretaria de Habitação e outros órgãos municipais têm,

capacidade de intervenção na política. Já o OP, não possui nenhuma. Ainda assim, ao

estabelecer bairros e famílias que serão atendidas, o conselho tem maior espaço para

afetar a política pública. Aliás, o CMH-GRU usa a prerrogativa de suspender os

critérios nacionais – que consta em cláusula específica da Portaria nº 140 do Ministério

das Cidades – assegurando-lhe afetar a política pública segundo seus interesses.

Assim, o conselho aparece em dois momentos no fluxo de processos de seleção

dos beneficiários do programa (Figura 4):

124

Figura 4 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em Guarulhos

Fonte: Resoluções CMH-GRU: nº 1, nº 5 e nº6, de 2010. Elaboração própria.

5.3.3 – São Paulo: referindo-se às próprias decisões

No município de São Paulo, em 14 de setembro de 2010, o Conselho Municipal

de Habitação (CMH-SP) desenvolveu uma resolução sobre o programa MCMV. Os

critérios estabelecidos, assim como em Guarulhos, são bem delimitados:

I) Na seleção da demanda do Programa Minha Casa Minha Vida

com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial no município

de São Paulo, sejam considerados os critérios municipais que se

seguem:

1. Famílias com ônus excessivo com aluguel (mais de 30%

da renda familiar) ou com renda per capita inferior a meio Salário

Mínimo Nacional vigente na data da seleção e que não residam em

área de risco;

2. Famílias monoparentais masculinas;

3. Famílias com maior classificação segundo os critérios de

Portaria Municipal, a ser publicada, em número correspondente à

quantidade de unidades habitacionais disponíveis, acrescida de 20%

(vinte por cento).

II) A Portaria Municipal, citada no terceiro critério municipal,

respeitará as diretrizes para seleção da demanda estabelecidas pela

Resolução CMH nº 17, de 22 de fevereiro de 2006, nos aspectos que

não se sobreponham ou conflitem com as diretrizes federais para

indicação de demanda para unidades habitacionais construídas

através do Programa Minha Casa Minha Vida.

CMH-GRU

•Decide três critéris de seleção específicos

Secretaria e Defesa Cvil

•Define listas de cadastrados

CMH-GRU •A partir dos cadastros define prioridades

Secretaria de Habitação

•Define 50% da lista de beneficiários

•Estabelece relação beneficiário e empreendimento

CEF

•Aprovação dos beneficiários

•Aprovação dos empreendimentos

Entidades e construtoras

•Destinação dos imóveis aos beneficiários

125

Os três critérios fixados pelo MCMV também não foram os únicos adotados no

caso de São Paulo. A Portaria Municipal à qual essa resolução se refere85, além de

estabelecer uma pontuação para gerar uma fila cadastral e especificar quem não será

atendido, respeita as diretrizes de outra resolução do conselho, mais antiga e que

estipula uma série de critérios de prioridade, entre eles os especificados abaixo:

Resolução CMH nº17, de 22 de fevereiro de 2006

[...]

4. Atendimento prioritário de famílias: a. residentes em área de

risco, sob intervenção do poder público ou incluídas em programas

de atendimento habitacional provisório, desde que a situação seja

devidamente comprovada pelos órgãos competentes; b. residentes

ou cujos proponentes principais comprovem, devidamente,

trabalhar, no momento da seleção, em local mais próximo da

unidade habitacional disponível; c. com pessoa com deficiência e

mobilidade reduzida; d. com maior vulnerabilidade sócio-econômica

representada pela maior relação entre o total de membros da família

em idade não ativa (até 14 anos ou mais de 60 anos) e o total de

membros da família em idade ativa (15 a 59 anos); e. com

pretendente principal mais idoso, respeitada a legislação vigente; f.

que possuam cadastro anterior SEHAB/COHAB com data do

cadastramento mais antiga; g. morem na cidade de São Paulo há

mais de quatro (04) anos, comprovadamente.

Desse modo, o CMH-SP consegue, em sua determinação sobre critérios e

priorizações, direcionar os possíveis efeitos desse programa. A Secretaria e a

Companhia Municipal de Habitação (respectivamente, SEHAB e COHAB) ficaram com

a atribuição de fazer o cadastramento, sobre o qual tais órgãos já tinham know-how. A

COHAB também ficou com tarefa de criar a relação entre beneficiários e

empreendimento86. Como se pode notar na Figura 5, o fluxo de decisões sobre os

beneficiários do programa, em São Paulo, segue mais próximo ao esperado pelo

Ministério das Cidades na legislação de 2010.

85 Portaria 439/10– SEHAB, de 18 de novembro de 2010- Define critérios para elegibilidade e seleção dos

beneficiários para Programas Habitacionais da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo,

executados com recursos municipais orçamentários ou do Fundo Municipal de Habitação, exclusivamente

ou em parceria com outros órgãos e entidades públicos ou privados 86 A partir de atas de reuniões do CMH-SP foi possível verificar o interesse dos conselheiros em ter maior

controle sobre a destinação dos empreendimentos do MCMV. Contudo, apesar de alguns desses

empreendimentos serem parcialmente financiados pela Prefeitura (em conjunto com construtoras e o

Governo Federal), eles não estão atrelados ao FMH e, por isso, não estão sob a jurisdição do CMH, como

o representante da área de finanças da Prefeitura esclarece: “(...) o Conselho Municipal não tem poderes

deliberativos sobre imóveis da COHAB, ele só pode decidir sobre imóveis do Fundo Municipal de

Habitação” (Ata da 1ª Reunião Ordinária do Conselho Municipal de Habitação, ocorrida em 29 de janeiro

de 2010).

126

Figura 5 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em São Paulo

Fonte: Resoluções CMH-SP: nº 17, de 2006, e nº 48, de 2010; Portaria nº439/10, da SEHAB.

Elaboração própria.

Não há garantias de que a série de critérios estabelecidos pelo CMH-SP sejam

seguidas pela SEHAB/COHAB. Porém, nas listas de beneficiários divulgada pelo site

de transparência a programas de habitação do município de São Paulo87 há, após o nome

de cada beneficiário, a legislação dos critérios envolvidos no processo. Tal fator pode

ser considerado um indício de que a decisão do conselho tenha sido executada.

5.3.4 – Belo Horizonte: OP e Política Municipal de Habitação no cerne

Em Belo Horizonte, encontra-se uma característica próxima a Porto Alegre,

onde o conselho “terceiriza” a decisão de critérios para o OP, porém isso ocorre de

forma parcial. Na data de 28 de dezembro de 2011, o Conselho Municipal de Belo

Horizonte (CMH-BH) tomou a seguinte decisão sobre os critérios para o programa

MCMV:

Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura - CMH.

RESOLUÇÃO Nº XXIII DO CONSELHO MUNICIPAL DE

HABITAÇÃO. [...] Art. 1º - Os critérios municipais de

hierarquização das famílias para o Programa Minha Casa, Minha

87 HABISP (www.habisp.inf.br/).

CMHSP•Decide muitos critéris de

seleção específicos

Secretaria e COHAB

•Define listas de cadastrados

COHAB•Define a lista de beneficiários

•Estabelece relação beneficiário e empreendimento

CEF•Aprovação dos beneficiários

•Aprovação dos empreendimentos

Entidades e construtoras

•Destinação dos imóveis aos beneficiários

127

Vida são: I - Famílias beneficiárias da Política Municipal de

Habitação, conforme definições da Resolução nº II do Conselho

Municipal de Habitação, da Lei Municipal nº 9.814, de janeiro de

2010 e suas alterações previstas na Lei Municipal nº 10.102, de

janeiro de 2011; II - Atendimento às famílias participantes dos

núcleos de moradia que conquistaram benefícios nos Fóruns do

Orçamento Participativo da Habitação 2001/2002, 2003/2006,

2007/2008, 2009/2010 e outros que vierem a acontecer; III -

Famílias residentes em Belo Horizonte há, pelo menos, dois anos,

antes da data do preenchimento do formulário para levantamento da

demanda do Programa Minha Casa, Minha Vida e reconhecidas pelo

Conselho Municipal de Habitação. Art. 2º - Esta resolução entra em

vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em

contrário.

Isto é, em Belo Horizonte eram consideradas tanto as prioridades do Orçamento

Participativo de Habitação quanto as diretrizes estabelecidas por uma resolução do

CMH-BH que definiu a Política Municipal de Habitação (PMH). Essa característica

privilegiava ao mesmo tempo as atribuições do conselho como do OP.

Desse modo, o CMH-BH teria uma capacidade de decisão de médio alcance,

haja vista que o OP também exerce um papel relevante na determinação dos possíveis

beneficiários. Contudo, se comparado ao caso de Porto Alegre, o CMH-BH está numa

posição que lhe permite gerar maiores efeitos na política.

O fluxo de decisões sobre os beneficiários do programa MCMV parte do

conselho e da Política Municipal de Habitação, por ele desenvolvida. Em seguida, junta-

se a decisões do OP e segue para a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo

Horizonte (URBEL) que realiza o sorteio dos beneficiários e repassa para a CEF,

conforme ilustra a Figura 6, a seguir.

128

Figura 6 – O processo de seleção dos beneficiários do MCMV, em Belo

Horizonte

Fonte: Resolução CMH-BH nº 23, de 2011. Elaboração própria.

No entanto, essa resolução sobre os critérios do programa MCMV foi revogada

em 20 de dezembro de 2012, quando outra resolução do conselho foi tomada,

determinando novos critérios. O motivo dessa revogação é uma mudança na legislação

nacional do programa MCMV - a qual será analisada no próximo tópico. A nova

resolução do CMH-BH é vaga quanto aos critérios. Consequentemente, dá maior

autonomia para a URBEL, retirando os critérios municipais estabelecidos na PMH pelo

conselho:

[..]

§ 2° - De forma a complementar os critérios nacionais, os critérios

adicionais a serem utilizados pelo Município de Belo Horizonte para

seleção dos candidatos são:

a) Famílias participantes das entidades de moradia devidamente

cadastradas na Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo

Horizonte;

b) Famílias indicadas pelas entidades de moradia para atendimento

aos benefícios conquistados por meio dos Fóruns do Orçamento

Participativo da Habitação;

c) Famílias residentes em Belo Horizonte há, pelo menos, dois anos

antes da data do preenchimento do formulário para levantamento da

demanda do Programa Minha Casa, Minha Vida ou aquelas

reconhecidas pelo Conselho Municipal de Habitação.

CMH-BH•Decidiu critérios

especificos na PMH

OP•Acrescenta critérios

e demanda por região

URBEL

•Define listas de cadastrados e de beneficiários

•Faz o sorteio da relação entre beneficiário e empreendimento

CEF•Aprovação dos beneficiários

•Aprovação dos empreendimentos

Entidades e construtoras

•Destinação dos imóveis aos beneficiários

129

Também não se pode afirmar que OP tenha sido beneficiado nessa mudança.

Apesar de o inciso b) permanecer igual ao II da resolução XXIII (revogada), as

mudanças na legislação do Ministério das Cidades diminuíram a discricionariedade das

instituições participativas municipais, como um todo. Isso, é detalhado a seguir.

5.3.5 – Alterações na legislação nacional do PMCMV e os impactos nos municípios

O Programa Minha Casa, Minha Vida – Recursos FAR (Faixa 1) teve três

Portarias que dispunham sobre os parâmetros de priorização e processo de seleção de

beneficiários do programa, a primeira é de abril de 2010 (Portaria nº 140); a segunda, de

dezembro de 2011 (Portaria nº 610) e a terceira, dezembro de 2013 (Portaria nº 595). No

corte temporal de decisões que este trabalho definiu apenas uma Portaria embasava as

decisões, a de nº140. Mas como foi apresentado anteriormente, as referidas Portarias

alteraram as decisões tomadas pelos conselhos.

Com o objetivo de encontrar mecanismos que mostrem como as decisões dos

conselhos, referentes a critérios do MCMV, produzem efeitos, faz-se necessário

compreender como as mudanças do Ministério das Cidades interferem nas decisões dos

conselhos e no curso dos processos que ocorreram em cada município, acima expostos.

Essa análise permitirá ver a restrição à discricionariedade88 dos conselhos sobre esse

programa federal.

A legislação de 2010 apenas indicava o papel cabível à União, aos municípios e

aos estados na definição de critérios de hierarquização e seleção de candidatos,

conforme apresentado no início desta seção. A Portaria de 2011 é mais exigente em

vários aspectos, entre eles, - além de incluir mais um critério nacional, apresentado no

tópico de Porto Alegre89 - o ítem 4.2 acrescenta que as entidades organizadoras90

poderão estabelecer mais três critérios. Isso em si não é uma mudança, pois antes essas

entidades já podiam estabelecer critérios próprios. Contudo, a nova Portaria estabelece

uma série de diferenças no processo de execução do programa a partir do fundo que

88 A discricionariedade local presente no caso da política habitacional brasileira é objeto de estudo de

Gurza Lavalle, Guicheney e Rodrigues (manuscrito), analisando particularmente o caso do programa

MCMV. No texto os autores abordam como o governo central permite a discricionariedade dos níveis

estadual e local a depender da política pública. 89 “c) famílias de que façam parte pessoas com deficiência”. 90 Entidades são as associações e movimentos sociais que produziam unidades habitacionais pelo

MCMV-Entidades e os entregavam à beneficiários ligados a essas entidades, mas que fossem

estabelecidos pelas listas das secretarias, dentro dos critérios nacionais e locais.

130

subsidia o empreendimento: FAR91 ou FDS92. Essa diferenciação permite maior

discricionariedade às entidades.

Uma evidência disso é a distinção na forma de indicação dos candidatos. No

caso das entidades, que recebem do FDS, serão elas, e não mais os municípios –

especialmente os conselhos municipais –, responsáveis por indicar a demanda93,

conforme o item 3.1.3 abaixo:

3.1.3 No caso das operações realizadas com os recursos transferidos

ao Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, a indicação dos

candidatos selecionados será de responsabilidade da entidade

organizadora proponente (BRASIL; MINISTÉRIO DAS CIDADES,

2011)

Com isso, a entidade organizadora não precisaria recorrer aos critérios locais

definidos pelo conselho ou pelo OP. Ademais, quando analisado o conjunto das normas

dessa Portaria é possível verificar diversas possibilidades de dispensa dos critérios

locais. Ainda no item 3, em especial o já existente subitem 3.3, há a dispensa aos

critérios de seleção de famílias desabrigadas ou provenientes de áreas de risco94.

Segundo Bois (2013), esse subitem, na prática, impede que os critérios adicionais

definidos pelos conselhos sejam utilizados no programa MCMV, apenas adquirem

relevância em casos extraordinários. A autora, que analisa o CMH-BH, sugere que a

Portaria de 2011 permitiria muitas exceções aos critérios locais, o que inviabilizaria as

IPs municipais de afetarem a política, ou seja, a legislação permitiria em vários casos a

possibilidade de “furar a fila” organizada pelos municípios:

[...] tanto inviabiliza a utilização dos recursos do MCMV dentro do

OPH [Orçamento Participativo de Habitação], como desconsidera

que Belo Horizonte possui uma fila de beneficiários em potencial do

Programa, que fora organizada pelos núcleos de habitação. (BOIS,

2013, p. 78)

Em geral, as alterações na Portaria do Ministério das Cidades refletem – ou

consolidam, se já existente – a intenção de centralizar as decisões do programa nos

órgãos federais (Ministério das Cidades e Caixa). A motivação para isso não é objeto

desse estudo, mas pode ser tanto uma necessidade operacional – em um programa que

91 Fundo de Arrendamento Residencial. 92 Fundo de Desenvolvimento Social (mencionado apenas nessa nova legislação). 93 Inclusive o prazo de publicação dos critérios é diferente para cada tipo, segundo o item 4.2.9 da referida

Portaria. 94 Também há dispensas no processo de seleção, como estabelece o item 5.5, decorrentes de intervenções

da Secretaria Nacional de Defesa Civil e de famílias afetadas por obras do PAC.

131

atende municípios com capacidades administrativas diferentes – quanto interesses da

burocracia nacional, ou do próprio executivo do Governo Federal. O fato é que os

critérios adicionais dos municípios – estabelecidos pelos conselhos – cada vez mais

decidiam menos sobre o programa MCMV.

A portaria de 2013 acrescenta, por exemplo, outras situações onde os critérios –

inclusive nacionais – são permeáveis:

3.4 Nos casos de indicação de famílias provenientes das situações

descritas abaixo, ficam dispensadas da aplicabilidade dos critérios

de priorização de que trata o item 4 e processo de seleção de que

trata o item 5 desta Portaria:

a) atendimento à demanda habitacional proveniente de situação de

emergência ou estado de calamidade pública, reconhecidos por

Portaria da Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da

Integração Nacional, em operações realizadas com os recursos

advindos da integralização de cotas no FAR ou da transferência de

recursos ao FDS, sendo as famílias beneficiadas aquelas que foram

desabrigadas em razão do desastre natural; e

b) operações realizadas com os recursos advindos da integralização

de cotas no FAR, vinculadas a intervenções no âmbito do Programa

de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo as famílias

beneficiadas aquelas residentes nas respectivas áreas de intervenção,

que tiverem que ser realocadas ou reassentadas. (BRASIL;

MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013)

Enfim, não há mais um único fluxo de decisões sobre o Programa MCMV

(Faixa 1), mas no mínimo três. Com isso, a possibilidade de as decisões dos conselhos

municipais afetarem a política pública diminuem, uma vez que a parcela de recursos

sobre as quais suas decisões incidem foi reduzida – não por corte de verbas, mas por um

conjunto de exclusões que desvinculam os critérios locais. Desse modo, os fluxos de

decisão, em comum, partem das regras da portaria do Ministério das Cidades, seguem

critérios nacionais ou locais, voltam-se à centralização da CEF e são encaminhados às

empresas construtoras ou entidades (Ver Figura 7).

132

Figura 7 – O processo de definição de critérios locais do programam MCMV, segundo

as Portarias nº610/2011 e 595/2013, do Ministério das Cidades

Fonte: Portarias nº 610/2011 e nº 595/2013, do Ministério das Cidades. Elaboração própria.

Essas alterações federais levaram a novas resoluções dos conselhos municipais

nos anos subsequentes95. Entretanto, se o exemplo do CMH-BH – já apresentado –

mostra uma nova resolução com critérios menos específicos, após ela, em julho de

2013, outra resolução incluiu um novo critério mais específico96. De modo semelhante,

a resolução do CMH-SP, de outubro de 2014, elenca dentro dos critérios de

vulnerabilidade e precariedade habitacional diversas dimensões de prioridade e métodos

de aferição por meio de órgãos burocráticos municipais.

Tal fato pode revelar que, por mais que as Portarias tenham diminuído o poder

discricionário das instituições municipais, não as tornou totalmente irrelevantes, pois os

conselhos ainda criam decisões de critérios e estabelecem participação da burocracia

municipal. Voltando-se a questão dessa pesquisa, pode-se concluir que os efeitos das

decisões dos conselhos de habitação sobre critérios de seleção de beneficiários, no

âmbito do Programa MCMV, é residual, ou seja, uma parcela muito pequena dessas

95 Ao menos no CMH-BH e no CMH-SP. 96 “c) famílias indicadas pelos núcleos/entidades de moradias cadastrados na Urbel, que moram de favor

ou de aluguel e que estejam registradas há mais de três anos no núcleo/entidade, contados da data de

publicação desta resolução”.

Finalização

Agente operador

Relação beneficiários

Critérios

Subdivisão das Portarias nº610/11 e 595/13

Nível FederalPrograma MCMV -Faixa 1

FAR

CMH + nacional

Secretarias e departamentos

municipais

FDS

Entidades+ nacional

Entidades

CEF

EntidadesConstrutoras

Exceções: FDS e FAR

Nacional

Secretarias municipais e nacionais

133

decisões afeta a política habitacional. No entanto, mesmo que residual, ainda pode

afetar a política e, por isso, é de interesse dos atores.

5.4 – A efetividade dos conselhos municipais de habitação: considerações sobre os

mecanismos de implementação

Este capítulo teve o objetivo de identificar, os prováveis mecanismos causais

que levam um tipo de decisão afetar a política pública. As decisões analisadas

correspondem a decisões capazes de incidir na política pública, bem como, ao principal

tipo de produção decisória dos conselhos. Desse modo, foram examinadas duas decisões

do CMH-SP relacionadas a um mesmo tema: uma decisão referente à gestão e outra,

referente a definição de novos projetos. Da mesma forma, também foram exploradas

decisões dos conselhos de habitação dos municípios de Porto Alegre, Guarulhos, São

Paulo e Belo Horizonte sobre a definição de critérios dos beneficiários do programa

MCMV, o que permite identificar mecanismos presentes em mais de um conselho.

O conjunto dessas análises puderam contribuir para retratar os processos que

levam uma decisão do conselho afetar a política pública. Entretanto, tem a limitação de

não apresentar todos os mecanismos possivelmente existentes nos processos entre a

decisão do conselho e sua implementação. Ainda assim, foi possível identificar de que

forma e sob que circunstâncias determinadas decisões dos conselhos municipais de

habitação foram capazes de afetar a política pública do setor. As análises mostraram que

os efeitos das decisões dos conselhos são pontuais, podendo definir uma parcela dos

critérios do programam MCMV, bem como podendo aprovar ou direcionar como uma

parte dos recursos do setor deve ser investida. Ademias, também foi possível encontrar

circunstâncias em que os conselhos podem ter maiores atribuições e, outras, em que eles

atuam de maneira discreta, seja por interferência de determinações federais, seja por

arranjos estabelecidos pelos próprios conselhos, que minimizam sua capacidade de

definição sobre a política (o caso de Porto Alegre).

Com isso, foi possível perceber que a efetividade dos conselhos municipais de

habitação pode variar segundo a especificidade dos mecanismos e o arranjo entre eles

no processo de implementação da decisão. Assim, os mecanismos encontrados neste

trabalho foram de três tipos. Dois deles são específicos para cada tipo de política

134

analisado e, o terceiro, se refere apenas ao andamento do processo na fase de

implementação.

Para decisões que envolvem destinação de recursos municipais, identificou-se

um mecanismo de ordem legal-orçamentário, que condiciona uma determinação do

conselho à concordância com a legislação orçamentária municipal, permitindo que a

decisão do conselho possa ser realizada. Essa concordância deve ser, principalmente, na

descrição da destinação dos recursos, caso contrário, muito dificilmente produzirá

efeitos conforme a determinação do conselho. Isto é, uma decisão dos conselhos sobre

novos projetos ou programas precisa estar em consonância com as destinações

especificadas nas legislações que regem o orçamento municipal.

Isso significa que há outras arenas de disputa da qual o conselho depende. Isto é,

previamente à aprovação de novos projetos habitacionais, seja via conselhos ou

diretamente pelo executivo, há uma disputa pela destinação dos recursos, que pode

ocorrer na formulação do Programa de Metas, do PPA ou da LOA (ou mesmo no OP,

em outros municípios). Nestas outras arenas o alinhamento político-partidário pode ser

um fator a exercer influência sobre seus resultados. Mas vale destacar que a alocação de

recursos não é imediata para o setor habitacional – seja qual for o alinhamento político.

Em geral, os municípios têm 50% de seus recursos financeiros já destinados para

saúde e educação, outra grande quantidade de recursos é utilizada em pagamento de

folha salarial e dívidas, de fato, pouco resta para os outros setores de política97 como

habitação. Sendo assim, mesmo que disponha recursos e poder sobre o fundo municipal

de habitação, o conselho está imerso na disputa orçamentária pela aplicação dessas

receitas, é necessário que a legislação autorize o uso desse recurso. O resultado nessas

duas arenas (no conselho e na arena que faz a destinação orçamentária) constituem um

dispositivo fundamental para a implementação das decisões que versem exclusivamente

de questões locais. Portanto, o mecanismo identificado diz respeito à consonância entre

as resoluções do conselho e das determinações legais. Somente então, havendo a

confluência entre elas, haverá chances para que tais decisões causem efeitos na política.

97 Segundo Arretche: “Independentemente de suas preferências ideológicas, e, mesmo, das preferências

ideológicas do eleitorado local, prefeitos estão constrangidos a empregar suas receitas de acordo com

normas previstas pela legislação federal. Dado que os orçamentos são fixos, os efeitos desta regulação

afetam não apenas os patamares de gasto nas políticas reguladas, mas também os recursos disponíveis

para as políticas não reguladas” (ARRETCHE, 2010, p. 612).

135

Já para as decisões que definem critérios e regras gerais sobre a política, a

discricionariedade dos conselhos locais, ora permitida, ora restringida pelas instituições

federais, é um mecanismo essencial que possibilita aos conselhos decidir implicações

sobre quem serão os beneficiários da política. Tais critérios, em programas municipais,

costumam ser compartilhados entre burocracias municipais e o conselho, possibilitando-

o afetar a política. Contudo, quando envolve um programa federal, a discricionariedade

atribuída ao conselho pode aumentar ou diminuir os efeitos que suas decisões terão na

política.

Conforme afirma Arretche (2010, 2013), o governo central brasileiro é forte e os

municípios não têm autoridade exclusiva em nenhum tipo de política (ARRETCHE,

2013, p. 144). No caso aqui analisado, essa afirmação se refere a um programa

fundamental para o setor e executado nos municípios, o programa MCMV. A

característica de determinação do nível federal, mais do que criar uma legislação, incide

sobre a política de habitação local. As alterações do Ministério das Cidades mostraram-

se ora mais permissivas à discricionariedade dos conselhos municipais, ora menos.

Pode-se perceber, ainda, que nos últimos anos não parece ter havido consenso, por parte

do governo central, sobre qual deveria ser o grau de efeito das decisões dos conselhos

municipais de habitação na política setorial. Atualmente, esses efeitos locais aparecem

de forma muito residual.

Finalmente o terceiro mecanismo age sobre a execução de uma decisão. Trata-se

da gestão dos problemas surgidos ao longo do processo de implementação pela

burocracia. A implementação de uma política é um processo quase sempre longo e que

acaba agregando novos atores com interesses conflitantes ao longo de cada etapa98. A

aplicação das determinações dos conselhos consiste em driblar ou superar os novos

conflitos. Esse mecanismo revela-se um fator capaz acelerar ou frear um processo, mas

não parece capaz de impedi-lo99.

Dessa forma, destaca-se que os mecanismos podem operar segundo

determinações de âmbito federal ou local. O grau de efeito das decisões dos conselhos,

portanto, pode variar ao longo do tempo. Não obstante, os conselhos municipais de

98 No caso do CMH-SP, foi evidenciado um atraso na reforma de um edifício destinado à habitação

popular por conta da ocupação de um movimento social ao prédio. A burocracia responsável teve de

esperar o processo de reintegração de posse para seguir implementando a política. 99 Conforme apresentado na análise das decisões do CMH-SP, após as decisões terem sido resolvidas pelo

conselho, as burocracias não parecem barrar o processo de implementação. Isto é, as decisões não são

ignoradas pelas burocracias.

136

habitação podem ser um caminho para incrementar o desenho da política pública

(estabelecendo critérios ou destinando uma parcela de recursos a projetos de interesse

dos conselheiros, por exemplo). Porém, é preciso considera-los como um local onde

apenas parte da política habitacional passa, tendo um papel restrito e pontual.

Conquanto, uma vez podendo decidir e afetar políticas – ainda que de forma

residual – eles ganham importância para os atores sociais e estatais. Isto é, os conselhos

são instrumento de gestão e legitimação de medidas tomadas pelos órgãos

administrativos, do mesmo modo que são um caminho acessível à sociedade civil para

incluir parte de suas demandas numa política pública. Conforme o trabalho de Tatagiba

e Teixeira (2016), os atores buscam resultados incrementais em “brechas e janelas de

oportunidade” na produção da política de habitação popular. Nesse sentido, os

conselhos municipais de habitação demonstram produzir efeitos.

137

VI – CONCLUSÃO

Esse trabalho teve por objetivo identificar de que modo e sob que circunstâncias

os conselhos municipais de habitação afetam a política pública setorial. Essa questão se

insere dentro de uma agenda de pesquisa sobre a efetividade das Instituições

Participativas no Brasil (IP). O problema, inicialmente proposto com fins práticos pelo

IPEA, esteve sustentado por – e também promoveu – uma gama de pesquisas

acadêmicas. No âmbito das IPs, conferências e Orçamentos Participativo (OP) foram

objeto de estudo, mas os conselhos gestores de políticas públicas têm sido os mais

estudados.

Esta dissertação apresentou a literatura sobre conselhos gestores no Brasil

dividindo-a em três momentos segundo a abordagem que faziam sobre efeitos.

Inicialmente, os trabalhos desejavam encontrar efeitos de democratização e inclusão de

atores sociais; em seguida, objetivava-se a intervenção autônoma dessas instituições na

política. Finalmente, com a agenda de efetividade das instituições participativas o

intuito era identificar como essas IPs afetavam a democracia e a política pública. O

presente estudo seguiu a linha de análise da efetividade segundo seus impactos na

política pública.

Uma vez apresentada a agenda de pesquisa em que se insere esta dissertação,

tornou-se necessário buscar um modo para operacionalizá-la. Com isso, dois modos de

análise que analisam os efeitos das IPs na política pública foram apreciados. O primeiro,

compara pares contrafactuais entre municípios e indicadores sociais. O segundo, visa a

encontrar uma cadeia causal entre aquilo que o conselho de fato produz – ou seja,

decisões – e uma alteração na política pública. Optou-se pelo segundo modo, haja vista

que os pressupostos metodológicos dessa abordagem mostraram menor risco de incorrer

em histerisis.

Desse modo, esta pesquisa partiu das decisões que os conselhos produzem. O

trabalho ainda se utilizou de uma tipologia – proposta pela literatura – de conselhos e de

suas decisões para seguir o processo que leva os conselhos a afetarem a política pública.

Alicerçado nessas contribuições analíticas, esta dissertação se limitou a avaliar os

conselhos municipais de habitação. Tais conselhos ocupam uma posição intermediária

138

na indução federal e em difusão nos municípios brasileiros, se comparados aos outros

tipos de conselhos.

A partir disso, foi narrada a evolução do setor de habitação de interesse social,

sua relação com os atores sociais e as regulamentações em nível federal. Viu-se que a

difusão média desses conselhos pelo país, não é uma mera fatalidade, mas a própria

legislação que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e

o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) é um importante fator

explicativo para essa posição. Na lei que instituiu o SNHIS e o FNHIS, ao mesmo

tempo em que o repasse de verbas do setor é condicionado à municípios que possuem

um conselho e um fundo municipal de habitação, há um parágrafo que cria exceção para

municípios em razão de características territoriais, econômicas, sociais ou demográficas.

Somado a isso, outra legislação parecia provocar maior inércia nos conselhos

municipais de habitação: o programa federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Esse

programa injetou uma grande quantidade de recursos para o setor, entretanto, não estava

inserido no SNHIS.

Observadas tais características do setor, foi possível levantar a partir da literatura

um conjunto de possíveis interferências que causariam baixa efetividade dos conselhos

nas políticas. Diferentes estudos, principalmente baseados em um único caso,

apresentaram fatores endógenos e exógenos aos conselhos. Os três conjuntos de

interferências, propiciaram a elaboração de quatro hipóteses. A primeira interferência se

refere à concorrência de outras instituições políticas, como o OP, o que gerou a hipótese

de que os conselhos teriam baixa produtividade decisória, principalmente de decisões

sobre definição de políticas, quando os municípios contassem com outras IPs que

pudessem incidir sobre o mesmo setor. Outra hipótese, que também parte da

concorrência de outras instituições políticas, trata da criação do programa federal

MCMV, que, ao oferecer muitos recursos ao setor sem a necessidade de estar no

SNHIS, levaria à queda da produção decisória dos conselhos.

A segunda interferência remete ao sistema político partidário, em que as

administrações municipais, partidos políticos e conselheiros teriam alinhamento

estratégico para colocar ou retirar questões a serem decidias nos conselhos. Indicou-se

como hipótese que a produção decisória seria inconstante, uma vez que alternâncias no

executivo municipal poderiam causar dissolução ou desativação do conselho.

Finalmente, a terceira interferência seria burocrática, da qual se retira a hipótese que,

139

após a decisão do conselho acerca de algo que afeta a política pública, as burocracias

teriam poder e interesse em barra-la.

Entretanto, o capítulo IV respondeu a parte dessas hipóteses com dados de

decisões que cinco conselhos municipais de habitação100 produziram ao longo de sete

anos, entre 2005 e 2011 (período composto da formação do SNHIS e do FNHS, bem

como da criação do programa MCMV). Constatou-se que a produção decisória desses

conselhos é baixa, se comparados aos conselhos de tipo mais presentes e estruturados

(C1). Contudo, foi possível verificar que as instituições políticas municipais não

parecem interferir significativamente na produção de decisões dos conselhos, exceto no

caso de Porto Alegre. Ademais, não houve ruptura da produção decisória relacionadas a

alternância no executivo municipal.

Ao considerar instituições políticas em nível federal, de fato, o SNHIS e o

FNHIS foram catalizadores de decisões. Não obstante, ao contrário dos efeitos

esperados com o programa MCMV – diminuir o número de decisões –, houve aumento

do número de decisões no período de sua vigência, inclusive com uma série de

resoluções versando sobre este programa.

Outrossim, foi possível verificar que a maior parte das decisões dos conselhos

visam a incidir na política. A propósito, o tipo mais comum de decisões dos conselhos é

sobre a definição geral da política habitacional, seja direcionando recursos a programas

ou projetos municipais, seja estabelecendo critérios e diretrizes às políticas que atuam

no município (podendo ou não vir do nível nacional e atuando sobre a administração e

às burocracias municipais). Assim, é possível verificar que os conselhos municipais de

habitação produzem pouco e há grande variação entre a produção dos conselhos. No

entanto, o tipo de decisão comum em todos os conselhos mostra que há potencialidade

em afetar a política pública.

Entretanto, nessa conclusão, vale refletir a respeito da variação dos resultados da

amostra e suas implicações. Os dados revelaram que o conselho municipal de habitação

de São Paulo tem o maior número de decisões, os conselhos de Belo Horizonte e

Guarulhos têm uma produção intermediária e os de Porto Alegre e Fortaleza quase não

100 Os conselhos analisados durante o trabalho foram: o Conselho Municipal de Habitação, em Belo

Horizonte (CMH-BH); o Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação, em Porto Alegre

(COMATHAB); o Conselho Municipal de Habitação, em São Paulo (CMH-SP); o Conselho Municipal

de Habitação, em Guarulhos (CMH-GRU); e o Conselho Municipal de Habitação Popular, em Fortaleza

(COMHAP).

140

tomam decisões. Cabe notar que em Fortaleza o conselho esteve inativo por quase todo

o período de análise. Em Porto Alegre, a literatura secundária mostrou que havia

concorrência com outras IPs. Já em Belo Horizonte, numa posição intermediária, a

literatura apresentava possíveis concorrências com o OP, apesar do grande número de

reuniões. Mesmo assim, suas decisões tratam de definir critérios e diretrizes da política

municipal. Para Guarulhos, não houve o que explicasse o número e o tipo de decisões.

Com isso, expõe-se uma limitação desta pesquisa. Ao não revelar o que os

conselhos fazem além da produção decisória, o baixo número de decisões com a alta

disputa por uma cadeira no conselho relatada pela literatura e o alto número de reuniões

em alguns conselhos, parecem apontar um paradoxo quanto a esta IP. Isto é, o que os

conselheiros fariam além de tomar decisões? Esse ponto, por não ser o objetivo deste

trabalho, ainda carece de informações e poderá revelar novos efeitos dessa IP. Contudo,

o foco era compreender o que ligava a decisão dos conselhos à implementação das

políticas, foi nesse sentido que se obteve os próximos resultados.

Conhecido o padrão decisório dos conselhos municipais de habitação,

finalmente se tornou possível revelar de que modo e sob que circunstâncias as decisões

poderiam afetar a política. Para isso, desenvolveu-se uma análise orientada a partir do

método process-tracing, que permite identificar mecanismos causais em um processo

especifico entre uma variável e um resultado. Desse modo, optou-se por identificar

mecanismos de duas formas. A primeira seguiu o processo de duas decisões de um

mesmo conselho que incidem na política pública, referente à recursos municipais. A

segunda, traçou uma análise sistemática e diacrônica sobre decisões de diversos

conselhos que estabelecem critérios para o programa federal MCMV.

Então, foi evidenciado que para decisões envolvendo destinação de recursos

municipais, há um mecanismo de confluência entre a legislação orçamentária e as

decisões do conselho. Isto é, há um dispositivo de ordem legal-orçamentário cuja

concordância entre as decisões de arenas que regem o orçamento municipal e a

determinação do conselho permite a realização dessas decisões. Sem essa concordância

estrita, torna-se difícil que recursos sejam realmente aplicados conforme os conselhos

determinam.

Já para as decisões que definem critérios sobre a política, a discricionariedade

dos conselhos locais opera como um mecanismo que possibilita aos conselhos decidir

141

implicações sobre programas federais. Se não é permitida a discricionariedade aos

conselhos municipais de habitação, suas decisões quanto critérios não chegam a afetar

significativamente a política setorial. Ou seja, os conselhos decidem sobre critérios de

um programa federal, mas essas decisões só vão produzir efeitos na política quando o

desenho do programa federal abre espaço para que suas decisões possam ir além de uma

ratificação de critérios nacionais. Identificou-se, no caso do programa MCMV o oposto,

a cada nova Portaria do Ministério das Cidades, um grupo de critérios nacionais mais

específicos e de exceções à discricionariedade dos conselhos tornavam as decisões dos

conselhos municipais mais óbvias e com pouco efeito na política.

Além disso, foi desvendado um mecanismo que age sobre o andamento do

processo de implementação de uma decisão. Operado por meio da burocracia

(secretarias e empresas municipais de habitação), a gestão dos problemas surgidos

durante a execução da decisão é um mecanismo capaz acelerar ou frear um processo.

Contudo, vale destacar, esse dispositivo não se mostrou capaz ou motivado a impedir

que uma decisão fosse implementada. A gestão da burocracia apenas parece atuar no

processo como catalisador ou freio entre a decisão e seu efeito na política.

Com isso, foi possível considerar que os conselhos municipais de habitação são

parte integrante da gestão municipal. Uma instituição que produz efeitos residuais, mas

que podem ser significativos para o setor. Mesmo que o seu grau de inserção possa ser

alterado ao longo do tempo, nem todos os mecanismos devem se tornar inoperantes.

Conforme foi evidenciado, no caso do programa MCMV, o Ministério das Cidades

alterou portarias e, com isso, reduziu o espaço de atuação dos conselhos municipais,

mas manteve a participação dos conselhos locais.

Isto é, o fato dos conselhos municipais terem seus outcomes enfraquecidos pelo

governo central no caso do programa MCMV, não significou que os conselhos

deixassem de produzir outputs e afetar, ainda que discretamente a política habitacional.

Essas IPs reformularam as decisões objetivando incidir na política, mesmo que de forma

restrita. Pode-se interpretar essa ação como uma tentativa de legitimar algumas

alterações afetando, ainda que pontualmente, o setor, bem como uma sinalização ao

nível federal da necessidade de produzir efeitos localizados, que uma determinação

centralizada da política não consegue alcançar.

142

Independentemente da interpretação, essa dissertação mostrou sob quais

condições esses conselhos afetam a política pública habitacional. Assim, a despeito do

modo como esses mecanismos vão operar, é de se esperar que esses conselhos

prossigam com, ao menos, uma efetividade restrita na política pública. A presença de

efeitos decorrentes desses conselhos deve persistir haja vista que tanto atores sociais,

quanto governamentais, recorrem a essa IP. Sob as circunstâncias apresentadas, esses

conselhos podem provocar mudanças incrementais na política.

Portanto, é possível admitir que a efetividade dos conselhos municipais de

habitação varia pelo modo como decisões que incidem na política tem consonância

jurídica e social, na utilização de recursos municipais, e capacidade gerencial das

burocracias envolvidas. Esses mecanismos devem resultar em sucesso às decisões dos

conselhos uma vez que estejam sob a circunstância de um arcabouço político que

possibilite poder discricionário aos conselhos. Por conseguinte, conclui-se que a

composição harmônica desses mecanismos pode contribuir com explicações sobre a

efetividade dos conselhos municipais de habitação.

Ademais, os mecanismos encontrados nessa dissertação poderão auxiliar estudos

interessados em conselhos municipais de outros setores de políticas. Os mecanismos de

discricionariedade local, capacidade de gestão burocrática e concordância jurídico-

orçamentária não parecem estar presentes apenas no caso dos conselhos do setor de

habitação. Identificar esses mecanismos e a atuação deles em outros tipos de conselhos

permitirá maiores avanços no conhecimento sobre a efetividade das IPs no Brasil.

143

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