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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ANA PAULA MANSANO BAPTISTA A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NA PRESERVAÇÃO DA ÁGUA MARÍLIA 2015

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

ANA PAULA MANSANO BAPTISTA

A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NA

PRESERVAÇÃO DA ÁGUA

MARÍLIA 2015

1

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

ANA PAULA MANSANO BAPTISTA

A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NA

PRESERVAÇÃO DA ÁGUA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza.

MARÍLIA 2015

2

Ana Paula Mansano Baptista

A Efetividade do Direito Ambiental na preservação da água

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de

Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e

Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza.

Aprovada pela Banca Examinadora em 26 de Junho de 2015.

________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza

Orientador

________________________________________ Prof. Dr. Nelson Borges

________________________________________ Prof. Dra. Maria de Fátima Ribeiro

3

DEDICATÓRIA

A Deus, especialmente, pela força nos momentos difíceis;

pela companhia nos momentos de solidão;

pela fé nos momentos de dúvida e incerteza, e por tornar possível

a realização desta Dissertação.

4

AGRADECIMENTOS

Ao professor orientador desta dissertação, Doutor Paulo Roberto Pereira, pela

confiança e pelo ensino das reflexões.

Ao meu irmão Alessandro, pelo simples fato de existir na minha vida.

À minha mãe Nelma, pela dedicação integral.

Ao meu pai Devanir, por ter construído nossa família.

À minha avó Leonilda, pela criação e ensinamentos.

Ao meu esposo Gilson, pela motivação.

5

“Nunca devemos esquecer que nossa

determinação de vencer é mais importante do

que qualquer outra coisa”.

(Abraham Lincoln)

6

RESUMO

Os impactos negativos que o homem causa ao ambiente em que vive são

consequências inerentes à sua própria condição de existência, pois este ser racional

atua na transformação dos recursos disponíveis na natureza em bens que julga

necessários. O abuso desmedido da exploração dos recursos naturais vêm gerando

reflexos indesejáveis cada vez maiores (poluição, escassez, conflitos e outras

catástrofes), tornando a preocupação com o ambiente um sentimento intenso e

jamais antes visto. A água é o elemento natural mais presente em nossas vidas, seja

na sua utilização nos produtos de que os seres vivos necessitam, seja na própria

composição do corpo humano. Este trabalho apresenta reflexão sobre a efetividade

do Direito Ambiental para a preservação deste elemento, direito fundamental e bem

essencial para sobrevivência da vida no planeta. Considera que este tema se

encontra submetido a uma crise que pode ser reconhecida como de grande monta

para o desenvolvimento natural do homem. Compreende, ainda, que os

instrumentos normativos oferecidos pela Ciência do Direito, são indispensáveis, para

salvaguardarem o bem a cuja proteção se destina. Propõe que a gravidade do

problema que aflige a sociedade, comprometendo a existência de vidas humanas e

de outras formas de vida, está a exigir mudança de paradigma, principalmente

quando se trata da participação da sociedade na tutela dos direitos ambientais, em

especial da água. Espera-se que as comunidades se conscientizem do valor da

água como bem público e de seu caráter finito, podendo, assim, manejar melhor o

uso deste recurso natural, garantindo às gerações vindouras a disponibilidade

satisfatória. O método de abordagem empregado na consecução deste estudo é o

positivista. Por ele analisam-se os pilares da efetividade do Direito Ambiental na

proteção da água e na busca de alternativas ao modelo tradicional de gestão

ambiental, bem como de legislação pertinente e garantidora da segurança jurídica. A

partir desse raciocínio, pode-se dizer que o método positivista, fundado em uma

tríade clássica, baseada na observação, experimentação e mensuração, proporciona

a obtenção de elementos necessários à conclusão do estudo proposto, já que possui

relevância ímpar e, embora não tenha o condão de solucionar o problema motivador

desta pesquisa, é imprescindível na busca da sua proteção e preservação.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental. Recursos Hídricos. Sustentabilidade.

7

ABSTRACT

The negative impacts that man because the environment in which they live are

consequences inherent to their condition of existence, because this rational being engaged

in the transformation of the resources available in nature in goods that judges needed these

days. The inordinate abuse of exploitation of natural resources has generated contradictory

reflexes increasing (pollution, water shortages, conflicts and other disasters), making the

concern for the environment an intense feeling and never before seen. Water is the natural

element most present in our lives, whether in their use in products that living beings need,

whether in the very composition of the human body. This study aimed to reflect on the

effectiveness of environmental law for the preservation of water, a fundamental right and

essential good for survival of life on Earth. Considers that this subject is submitted to a crisis

that may be recognized as a major consequence for the natural development of man. I

understand further that the legal instruments offered by the science of law are indispensable

to safeguard the well which protection is intended. It proposes that the severity of the

problem afflicting society, jeopardizing the existence of human life and other life forms, is

demanding paradigm shift, especially when it comes to the participation of society in the

protection of environmental rights, in particular water. As for the active participation of the

community, it is expected that it can raise awareness of the value that has water as a public

good and its finite character, and thus can better manage the use of this natural resource,

ensuring that future generations satisfactory availability, integrating man with nature in

perfect harmony. The approach method employed in achieving this study is the positivist. For

it analyzes the pillars of the effectiveness of environmental law in the protection of water, the

search for alternatives to the traditional model of environmental management, as well as

relevant legislation and guarantor of legal certainty. From this reasoning, it can be said that

the positivist method, based on a classic triad, based on observation, experimentation and

measurement, which are the pillars of positivism as the scientific method in its experimental

form, allowed to obtain elements necessary to complete that the theme proposed, what the

environmental law on water conservation, has unique importance and, although it has the

power to solve the problem of scarcity and water pollution in general is essential in the quest

for protection and preservation of water.

KEYWORDS: Environmental Law. Water Resources. sustainability.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL ................... ............................................ 14

1.1 O AMBIENTE COMO DIREITO ....................................................................... 14

1.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ..................................................................... 16

1.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO AMBIENTE E CONSEQUÊNCIAS ............... 18

1.4 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO AMBIENTE.............................................. 25

1.4.1 Princípios do Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Sadia Qualidade de Vida..................................................................................................................... 26

1.4.2 Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental ............................... 27

1.4.3 Princípio da Consideração da Variável Ambiental no Processo Decisório de Políticas de Desenvolvimento ............................................................................. 27

1.4.4 Princípio da Informação ............................................................................. 28

1.4.5 Princípio da Participação Comunitária ....................................................... 29

1.4.6 Princípio do Usuário-Pagador .................................................................... 32

1.4.7 Princípio do Poluidor-Pagador ................................................................... 33

1.4.8 Princípio do Controle do Poluidor pelo Poder Público ............................... 36

1.4.9 Princípio da Reparação ............................................................................. 37

1.4.10 Princípio da Precaução ............................................................................ 41

1.4.11 Princípio da Prevenção ............................................................................ 42

1.4.12 Princípio da Função Socioambiental da Propriedade .............................. 43

1.4.13 Princípio do Desenvolvimento Sustentável .............................................. 48

1.4.15 Princípio da Cooperação entre os Povos ................................................. 52

1.5 CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL ............................ 53

1.5.1 A Integração da Educação no Processo de Gestão Ambiental ................. 55

2 AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO ......................... .................................................. 56

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO AMBIENTE ............................ 58

9

2.2 TUTELA LEGISLATIVA DO AMBIENTE .......................................................... 61

3 PROTEÇÃO JURÍDICA DAS ÁGUAS ..................... .............................................. 71

3.1 PROTEÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL ................................ 71

3.1.1 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano ........... 72

3.1.2 Conferência das Nações Unidas sobre a Água ......................................... 73

3.1.3 Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento ...... 73

3.1.4 Conferência Internacional sobre Ambiente e Desenvolvimento ................. 74

3.1.5 Declaração Universal dos Direitos da Água ............................................... 75

3.2 PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA NO DIREITO BRASILEIRO ...................... 76

3.2.1 Proteção Constitucional ............................................................................. 77

3.2.2 Proteção Penal .......................................................................................... 78

3.2.3 Proteção Civil ............................................................................................. 79

4 RELAÇÃO AMBIENTE E ECONOMIA ..................... ........................................... 107

4.1 AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ..................................... 110

4.2 O AMBIENTE COMO DIREITO TRANSINDIVIDUAL .................................... 113

4.3 ÁGUA COMO BEM ECONÔMICO ................................................................. 117

4.4 ESCASSEZ DA ÁGUA ................................................................................... 119

4.5 CRISE HÍDRICA ............................................................................................ 122

5 RECURSOS HÍDRICOS ....................................................................................... 124

5.1 GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS ........................................................ 126

5.2 GESTÃO HÍDRICA NO BRASIL .................................................................... 129

5.3 GESTÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS ..................................................... 132

5.4 COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA ......................................................... 135

CONCLUSÃO ......................................... ................................................................ 139

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 142

10

INTRODUÇÃO

A Terra se constitui, principalmente, pela água, haja vista que se encontra em

diversos lugares da natureza, quais sejam nos mares, rios, lagos, lençois

subterrâneos, ar, plantas, animais e tantos outros em que exista vida. Todavia, a

qualidade e quantidade deste elemento, doce ou até mesmo salinizado, estão

ameaçadas, pois existem vários pontos do mundo marcados por evidente escassez

e poluição que aumentam progressivamente. A água deve ser tratada como um

patrimônio humano comum, visto que a saúde humana está intimamente ligada ao

acesso básico e seguro deste elemento da natureza. Por esse motivo o Estado é

compelido a criar medidas necessárias (legislativas, políticas públicas,

investimentos, etc.) para garantir o direito e a proteção da água. Nesse contexto, é

dever do agente político permitir aos particulares e às comunidades exercerem

plenamente seu direito ao acesso e distribuição equitativa da água disponível, bem

como promover a difusão de informação adequada a respeito do uso, a proteção das

fontes e os métodos para redução de desperdício.

Com relação ao método de abordagem empregado na consecução deste

estudo elege-se o positivista. Por ele, analisa-se os pilares da efetividade do direito

na busca pela proteção da água, utilizando para isto, alternativas ao modelo

tradicional de gestão ambiental, bem como de legislação pertinente e garantidora da

segurança jurídica. Ademais, realiza-se o exame de legislação específica sobre o

tema eleito, incluindo-se também normas internacionais como objeto de apreciação,

e realiza-se verificação, estudo e análise das teorias que fundamentam o Direito

Ambiental na proteção da água, a partir também de informações da Internet.

O método escolhido possui como escopo primordial a busca pela descoberta

de normas que regem o fenômeno. O conhecimento das leis específicas permite

prever os comportamentos sociais e gerenciá-los cientificamente. Desta forma, cabe

à ciência descrever os fatos na ordem em que eles se dão, sendo que a observação

dos mesmos gera a compreensão correta e ampla da realidade.

O Positivismo Jurídico de Norberto Bobbio tem estreita relação com o tema

eleito nesta pesquisa, pois, para ele, o problema do nosso tempo não é mais o de

fundamentar os direitos do homem e sim o de dar-lhe proteção. Para se chegar a

este fim surgem, aos poucos, as normas que vêm tutelar os recursos naturais, sendo

o mais importante deles o de viver em um ambiente sem poluição. Um exemplo é a

11

lei nº 9.433, de 08/01/1997 (Política Nacional dos Recursos Hídricos), apontada por

parte da doutrina como “Lei das Águas”, que se apresenta como regulamento de

estrutura ou de competência, isto é, como bem ensina Bobbio, pertence ao grupo

das “normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as

condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta

válidas”.

No decorrer do tempo, mais e mais necessidades vão surgindo e, quase

sempre, só encontram sua ordem e solução quando insertas na racionalização do

Direito, sendo que esta se manifesta, principalmente, na confecção das normas

jurídicas. Consequentemente, uma a uma, as normas vão nascendo e com elas a

base da busca pela proteção das águas, em especial.

Para encontrar amparo no Positivismo Jurídico de Bobbio, as normas acerca

dos recursos hídricos vão brotando da precisão de serem encaradas como fonte

principal do Direito, bem como da sua autoridade exercida perante o ordenamento

jurídico.

A importância da qualidade da água está bem conceituada na lei nº

9.433/1997, que define, dentre seus objetivos, no seu artigo 2º, “assegurar à atual e

às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade

adequados aos respectivos usos”.

A Política Nacional de Recursos Hídricos, também determina, em seu artigo

3º, como uma das diretrizes de ação do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos, “[...] a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação

dos aspectos de quantidade e qualidade e a integração da gestão dos recursos

hídricos com a gestão ambiental”.

Não obstante sua importância, a gestão da qualidade da água no Brasil não

tem, historicamente, merecido o mesmo destaque dado a gestão da quantidade de

água, quer no aspecto legal, quer nos arranjos institucionais em funcionamento no

setor, quer no planejamento e na operacionalização dos sistemas de gestão, razão

pela qual a aplicação imediata dos instrumentos da Política Nacional de Recursos

Hídricos se impõe.

Vislumbrando as dificuldades vividas e situações muito piores, o legislador se

viu compelido a pensar em ferramentas que auxiliassem a Política Nacional de

Recursos Hídricos, valendo-se da expressão “Recursos Hídricos” e não apenas

“Água” para dar sentido mais específico à atuação das políticas a serem aplicadas,

12

haja vista se tratar de elemento natural dotado de valor econômico. No entanto, a

utilização do vocábulo “água” está correta, pois é gênero, enquanto “recurso hídrico”

é espécie. Com efeito, como todo programa governamental para ser implementado

necessita de instrumentos, foram criados alguns deles com o fito de ensejar a

concretização da Política Nacional de Recursos Hídricos (artigo 5º da lei nº

9.433/1997).

O instrumento, denominado Plano de Recursos Hídricos, consubstancia-se

em planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos e seu gerenciamento, devendo ser elaborado em

cada bacia hidrográfica, bem como nas Unidades Federativas, nacionalmente. Na

sequência, o Enquadramento dos Corpos de Água em Classes segundo os Usos

Preponderantes é relevante instrumento regulamentado pela Resolução CONAMA

nº 357/2005. Ato contínuo cita-se outro indispensável instrumento que é a Outorga

dos Direitos de Uso de Recursos Hídricos. Ela tem como objetivo assegurar o

controle quantitativo e qualitativo dos usos de água e o efetivo exercício dos direitos

ao seu acesso. E por último temos o instrumento de Sistema de Informações sobre

Recursos Hídricos, que visa a coleta, o tratamento, o armazenamento e a

recuperação de informações sobre o gênero água e fatores que intervêm em sua

gestão.

Assim, com supedâneo nas informações de que o Brasil deixa a desejar

quando o assunto é gestão da qualidade da água, que o brasileiro consome este

bem finito com desperdício, com a criação da Política Nacional de Recursos

Hídricos, cuja finalidade primordial é o desenvolvimento sustentável (artigo 2º), o

presente estudo se consubstancia numa investigação sobre um instrumento estatal

de intervenção ambiental e econômica, como garantia da efetividade do Direito

Ambiental para proteção da água. A busca por esse tipo de ferramenta se dá pela

perspectiva de escassez da água em vários pontos do globo. Por não ser fato

recente, essa escassez já é objeto de debates por grande parte das nações, bem

como de providências adotadas pela comunidade internacional.

A presente pesquisa traz a lume o problema da escassez em quantidade e/ou

qualidade das águas que deixaram de ser bens gratuitos e passaram a ter valor

econômico. Esse fato corroborou com a adoção de novo padrão de gestão desse

bem que embora possa ser renovável, caso seja racionalmente utilizado, também é

finito, haja vista que pode chegar a uma qualidade totalmente inadequada para

13

qualquer tipo de uso. Trata-se de um novo modelo pela utilização de instrumentos

regulatórios e econômicos, visando à proteção da água, sob a proposta de

valorização econômica e jurídica desse bem natural.

Para se chegar ao objetivo do presente estudo o texto se divide em três

partes. A primeira aponta a evolução do Direito Ambiental e seus princípios

norteadores, na busca pela efetividade da proteção da água. A segunda parte trata

de abordagem legislativa e doutrinária que tem por escopo demonstrar que as

normas básicas já existem, e que o Direito Ambiental evolui no trato da proteção

jurídica deste bem. A terceira parte é dedicada ao estudo da proteção jurídica das

águas tanto no âmbito internacional como nacional. Neste sentido, um estudo de

averiguação do tema nos diversos e mais importantes encontros internacionais

sobre ambiente e, especificamente, sobre a água. É estudada sua evolução histórica

e proteção jurídica no Direito Brasileiro. A Constituição Federal de 1988 é o primeiro

documento a ser analisado. Na sequência, apresenta-se todo o aparato legislativo

infraconstitucional dedicado à proteção dos corpos hídricos do território nacional.

Assim, iniciada na esfera constitucional, a análise da proteção jurídica da água

passa pela esfera penal e se conclui na tutela civil. Nesta última, destaca-se os mais

importantes documentos normativos internos que visam protege-la. Trata dos fatos e

fundamentos técnico-econômico-jurídicos sobre a água e sua gestão por serem

suficientes para justificar a necessidade de aplicação de instrumentos políticos que

combatam a escassez, desperdício e conflitos, bem como demonstrar que existem

ferramentas dentro da gestão hídrica capazes de dar suporte à implementação

daqueles na busca pelo desenvolvimento sustentável e sua proteção. Diante dessas

questões, este estudo tem o objetivo de realizar o diagnóstico da efetividade do

Direito Ambiental na preservação da água, demonstrando que ele tem mecanismos

normativos suficientes e eficazes para sua proteção, basta que, o Estado junto com

a sociedade, se conscientizem da importância da preservação deste bem, para a

garantia de vida digna para as presentes e futuras gerações.

14

1 EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL

Inicialmente cumpre destacar a importância do ambiente como direito de

todos. Sofreu ele, nas últimas décadas, fortes sinais de transição, como se a

natureza estivesse acordando o homem para um novo sentido de vida. A busca pelo

equilíbrio entre os seres humanos e os ecossistemas a que pertencem, de forma a

possibilitar um modo de vida saudável e sustentável para todas as espécies, tornou-

se a preocupação mais presente, um consenso que transcende as diferenças

étnicas, sociais e políticas da sociedade. E tudo corre tão extraordinariamente, que

as mudanças geram novos paradigmas, determinam novos comportamentos e

exigem novos caminhos em relação aos recursos da natureza. O ambiente

transformou-se mundialmente num precioso patrimônio, cuja preservação, proteção

e defesa tornaram-se imperativo para assegurar a saúde, o bem-estar e as

condições de desenvolvimento dos seres humanos. Para a compreensão dessa

transformação, passou-se a analisar a evolução jurídica do Direito Ambiental.

1.1 O AMBIENTE COMO DIREITO

Durante muito tempo predominou a desproteção total, em parte, devido à

concepção individualista do direito de propriedade, que sempre serviu de forte

barreira à proteção ambiental. Hoje, porém, o ambiente ecologicamente equilibrado

é direito fundamental, que exige do Poder Público e da coletividade o dever de

preservá-lo para as presentes e futuras gerações. É o que determinou,

expressamente, por meio do art. 225, caput, da Constituição Federal, de 1988. A

partir deste marco, os já existentes direitos humanos de primeira e segunda geração

foram enriquecidos, porque abordando o comprometimento em proporcionar uma

sadia qualidade de vida, não cuidou somente de preocupar-se com a sobrevivência,

mas de garantir a vida em sua plenitude, com seus desdobramentos nas áreas da

saúde, da liberdade, da segurança, da igualdade de indivíduos e nações. Essa

consagração do direito fundamental ao ambiente sadio equilibrado é de extrema

importância. Em primeiro lugar, como forma de preservar a vida e a dignidade da

pessoa humana, núcleo central dos direitos fundamentais, pois ninguém há de

contestar que o atual quadro de destruição ambiental compromete a possibilidade de

15

uma existência digna para a humanidade e põe em risco a própria vida humana. Em

segundo lugar, a construção de um verdadeiro Estado de Direito democrático, não

pode se concretizar sem o respeito às necessidades essenciais da pessoa humana,

expressas nos direitos fundamentais. De modo que não há que se falar em

democracia, no Brasil, sem que se garanta a preservação de tão relevante direito.

Como bem adverte Norberto Bobbio1 “[...] o problema grave de nosso tempo,

com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de

protegê-los [...] O problema não é mais filosófico, mas jurídico e, num sentido mais

amplo, político.”

E, para efeito da política ambiental, além da educação em todos os setores da

sociedade, é imprescindível o uso de instrumentos legais apropriados para conter a

ganância dos poderosos depredadores da natureza e de todos aqueles que, ainda

não despertaram para a preservação do patrimônio ecológico. Nesse contexto, no

Estado, a evolução político-social firmou-se pelas normas com força coercitiva, maior

ou menor, a depender da reação da sociedade, principalmente quanto às normas

construtoras do Direito Positivo, ao propiciarem o sentido normativo dos fatos,

focados axiologicamente, firmadas como ordem de competência ou de conduta e

suas consequências de adimplemento ou violação (sanção penal) da norma.

Para Miguel Reale2 Direito é fenômeno histórico/cultural multicomplexo,

composto de normas advindas de pressupostos fáticos, às quais Kelsen acresce os

elementos de Moral e Ética: “na relação entre a Moral e o Direito está contida a

relação entre a Justiça e o Direito”. Nesta função da ordem social objetiva-se fixar a

conduta humana em trilha útil à sociedade, sem práticas prejudiciais e até mesmo

sem gerar vantagens ou desvantagens. O Direito para Kelsen3 é “[...] ordem de

conduta humana”, que se rege por “[...] uma ordem fundamental da qual, se retira a

validade de todas as normas pertencentes a essa ordem”.

A ordem jurídica se compõe de normas singulares regulatórias dos atos

humanos em face de outros homens, animais, plantas ou objetos inanimados, em

regulação individual ou coletiva, prevalecendo o interesse da comunidade frente ao

interesse individual. Sendo assim, a norma de direito não surge espontaneamente

da vontade humana, porque condicionada a determinados fatores, como

1 BOBBIO, N. A era dos Direitos. 13. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.25. 2 REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 177-178. 3 KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 23.

16

personalidade, educação e convicção do homem, cabendo ao legislador a

declaração delas, face aos interesses da sociedade e do próprio emissor da norma,

convertendo-as em fatos juridicamente relevantes.

Tal como ocorre no Direito Ambiental, em que o Direito passou a reconhecer

que os bens ambientais merecem especial guarida à luz das práticas humanas

destruidoras do meio em nome do progresso, em detrimento da evolução humana

do planeta, no qual, não raro, a natureza transforma-se em alvo do homem, não o

distinguindo entre predador ou protetor. Estes fatos conduziram o legislador ao

estabelecimento de boas práticas ambientais, descritas, por exemplo, no Código

Florestal de 2012, e ratificadas na lei de Política Nacional do Meio Ambiente de

1981. A ação depredatória ambiental e a omissão do Poder Público e da coletividade

conduziram a um estado de alerta, de alarme de proporção mundial, advindo a

Constituição Federal e seu artigo 225, e uma década depois a lei n. 9.605/1998,

para coibir crimes contra o ambiente, provando que também na seara dos direitos

coletivos existem, conforme Carnelutti4, solidariedade e conflito, prevalecendo o

primeiro porque a necessidade de um somente se satisfaz frente à satisfação da

necessidade de outrem, como o predomínio do interesse coletivo sobre o individual.

Os novos direitos não surgem espontaneamente, mas resultam da eleição, pela

sociedade, dos interesses que merecem regulação: tal se deu com a tutela jurídica

aos bens ambientais, fenômeno imprescindível à continuidade da vida humana na

terra.

1.2 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

Segundo a lei n. 6.938/81, o ambiente pode ser definido como “O conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Como se vê, trata-se de

uma definição extremamente ampla, que possibilita a defesa da flora, da fauna, das

águas, do solo, do subsolo e do ar, realizada de forma praticamente ilimitada. Da

definição apresentada, fica clara a relação entre o ambiente e o direito à vida. Ela é

ampla o suficiente para abarcar todos os interesses de natureza ambiental,

abrangendo o ambiente natural, cultural, do trabalho, urbano ou artificial. Além da

4 CARNELUTTI, F. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 2000, p. 30.

17

definição legal, há conceitos criados pela doutrina. De acordo com José Afonso da

Silva5, define-o como “[...] a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e

culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em toda a suas

formas”. Tais conceitos evidenciam que o direito ao ambiente relaciona-se, em

síntese, ao conjunto de regras e normas destinadas à proteção ambiental, podendo-

se afirmar, ainda, que se encontra dentre aqueles relacionados à proteção da vida

humana e sua dignidade.

Nessa perspectiva, a doutrina tem inserido o ambiente entre os direitos de

fraternidade ou solidariedade, uma vez que sua proteção gera benefícios não

apenas para o indivíduo isoladamente, mas para a sociedade como um todo. Luís

Carlos da Silva de Moraes6 inclui o direito ao ambiente saudável entre os de terceira

geração como aqueles que “[...] mesmo utilizados por todos, não lhes pertencem,

pois nunca os terão por completos, sendo permitido, no máximo, assumir-lhes a

gestão até o limite legal”. Para o referido autor, o ambiente é direito de terceira

geração.

Sob outro aspecto, não obstante várias sejam as formas de se classificá-lo, a

doutrina majoritária costuma subdividi-lo em ambiente natural, cultural, artificial e do

trabalho. O ambiente natural é, portanto, aquele composto pelos seres vivos e físico,

aquele em que se inserem. Para José Afonso da Silva7, o ambiente se constitui pela

interação dos seres vivos e seu meio. A segunda espécie de ambiente é o

denominado ambiente artificial, constituído pelo conjunto de edificações,

equipamentos, rodovias e demais elementos que formam o espaço urbano

construído pelo homem; ou seja, é aquele decorrente da atividade humana, que

transforma o espaço físico, com objetivo de viabilizar as ações sociais. Para José

Afonso da Silva8, tal espécie de ambiente estaria consubstanciada no conjunto de

edificações e equipamentos públicos. O ambiente artificial também se encontra

atrelado à proteção à vida, na medida em que, por meio dele, protege-se

desenvolvimento urbano, abrangendo habitação, saneamento básico e outros

elementos relevantes para sadia qualidade de vida da população.

No que se refere ao ambiente cultural, apesar da doutrina classificá-lo como

espécie autônoma, tem-se que ele é, na verdade, espécie artificial, resultante da 5 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.21

6 MORAIS, L. C. da S. Curso de Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 62.

7 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.25.

8 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.26.

18

atividade humana. Contudo, a ele agrega-se um valor cultural, que o diferencia das

demais espécies de ambiente. O cultural também possui implicações na proteção da

vida, eis que lazer e cultura são meios eficazes para a melhoria da qualidade de vida

da população. Constitui-se pelo patrimônio artístico, arqueológico, histórico,

paisagístico e turístico. Com relação ao ambiente cultural, Roberto Armando Ramos

de Aguiar9, ensina que o capítulo [da Constituição] que trata da cultura também deu

direito à comunidade a fim de auxiliar o poder público na proteção do patrimônio

cultural brasileiro. Segundo o autor, isso pode ocorrer por meio de inventários,

registros, vigilâncias, tombamentos, desapropriação e outras formas de

acautelamento e preservação, prevista no artigo 216, parágrafo 1º da Constituição

Federal.

Há, ainda, autores que incluem uma quarta espécie, denominada ambiente do

trabalho, no qual o empregado exerce sua atividade laboral. Segundo Celso Antônio

Pacheco Fiorillo10, o ambiente do trabalho constitui-se pelo “[...] local no qual as

pessoas desempenham suas atividades laborais”. Tal espécie possui amparo

constitucional no artigo 200, VIII, da Constituição Federal vigente, que estabelece

obrigação do sistema único de saúde e colabora na proteção do ambiente, incluindo

o trabalho.

De qualquer forma, e independente de classificação que se adote, observa-se

que a proteção do ambiente e, consequentemente, também do bem jurídico aqui

discutido, a água, é uma exigência constitucional necessária para o desenvolvimento

da vida com qualidade, porque não há como falar em vida com dignidade, sem

acesso à água. Tanto o ambiente natural, quanto o artificial, cultural e do trabalho

possuem função relevante na proteção do direito à vida da população, razão pela

qual devem ser protegidos pelo Estado e pela sociedade.

1.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO AMBIENTE E CONSEQUÊNCIAS

Em decorrência dos grandes problemas ambientais que eclodiam por todo o

mundo e seguindo a nova orientação traçada pela Declaração de Estocolmo, bem

9 AGUIAR, R. A. R. de. Direito do Meio Ambiente e Participação Popular. São Paulo: Ibama, 2002, p. 44. 10 FIORILLO. C. A. P. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 50.

19

como de outros documentos internacionais, a maioria dos países incluiu em seus

textos medidas protetivas ambientais. Conforme acentua Zulmar Fachin11, “[...] a

partir do final do século XX, o ambiente passou a ser amparado nas Constituições

de muitos países”.

A constituição Espanhola de 1978 dedicou um capítulo específico tratando da

proteção do ambiente. Segundo estabelece o artigo 45 daquela Constituição, todos

têm direito de desfrutar de um ambiente adequado para o desenvolvimento da

pessoa, assim como o dever de conservá-lo. Do mesmo modo, a utilização dos

recursos naturais de forma racional será protegida pelos poderes públicos com o fim

de melhorar a qualidade de vida, defender e restaurar o ambiente. A mesma

Constituição estabeleceu, ainda, que todo aquele que violar o disposto neste item

será responsabilizado pelos danos causados, impondo-se a obrigação de repará-

los12.

No continente sul americano, a Constituição do Uruguai, de 1967, foi uma das

precursoras na sua proteção. Segundo disposto em seu artigo 47, ela constitui-se

como interesse geral. Deste modo, devem os indivíduos abster-se da prática de

qualquer ato que possa causar depredação, destruição ou grave poluição. Contudo,

caso haja qualquer violação a esse direito deverão ser imposta sanções para

transgressores, as quais serão reguladas por meio de lei. Tal constituição

demonstrou preocupação explícita com as reservas de água no planeta, de tal modo

que, por considerá-la como um recurso natural essencial à vida, o acesso à água

potável e aos serviços de saneamento foram classificados como direitos humanos

fundamentais13. Com relação à política nacional de água e saneamento, a

Constituição Uruguaia estabeleceu que esta se fundamentará nos seguintes itens:

a) Ordenação do território e proteção do ambiente e recuperação da natureza; b) Gestão sustentável da solidariedade com as gerações futuras dos recursos hídricos e da preservação do ciclo hidrológico, que são questões de interesse geral. Usuários e sociedade civil devem participar em todos os

11 FACHIN, Z. Curso de Direito Constitucional. Cidade: editora, ano, p.26 12 Artículo 45. 1. Todos tienem el derecho de un meio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservalo. 2. Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidade de la vida y defender y restaurar el meio, apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva. 3. Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso, admistrativas, así como la obligación de reparar el daño causado. 13 Artículo 47. La protección del meio ambiente es de interés general. Las personas deberán abstenerse de cualquer acto que cause derpedación, destrucción e contaminación graves al meio ambiente. La ley regulamentará esta disposición y podrá prever sanciones para los transgressores.

20

níveis de planejamento, gestão e controle dos recursos hídricos, estabelecendo as unidades básicas, tais como bacias hidrográficas. c) Fixação de preferencias para a utilização da água por regiões, bacias hidrográficas ou partes dele, para ser a primeira prioridade o fornecimento de água potável às populações. d) Princípio segundo o qual o fornecimento da água potável e saneamento deverá atender precipuamente as razoes de ordem social em relação às razões de ordem econômica.

A mesma Constituição em seu artigo 47 ainda estabelece que:

As águas superficiais e subterrâneas, com exceção das pluviais, integradas com o ciclo hidrológico, constituem um recurso unitário, subordinado ao interesse geral, fazendo parte do estado de domínio público hídrico. O serviço público de água e saneamento e abastecimento público de água para consumo humano será prestados exclusiva e diretamente por pessoas jurídicas estatais. A lei, por votação de três quintos de todos os membros de cada casa, poderá autorizar o fornecimento de água para outro país, quando este se encontrar desabastecido ou por razões de solidariedade.

Pode-se dizer que tal Constituição foi uma das pioneiras a tratar

especificamente da questão ambiental. Contudo, somente após a conferência de

Estocolmo a proteção ao ambiente tornou-se uma preocupação constante para a

maioria dos países. Neste sentido, merecem destaque as Constituições de Portugal

(de 1976), Argentina (de 1994), Colômbia (de 1991), entre outras. Tais constituições,

conforme se observa, foram promulgadas na segunda metade do século passado,

período em que a questão ambiental já se encontrava presente entre as

preocupações daqueles povos.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66, especifica o

tratamento a ser dado ao ambiente e em respeito à qualidade de vida. Aliás,

segundo José Afonso da Silva, a Constituição Portuguesa foi a primeira das

“formulações corretas ao tema, correlacionando-se com o direito à vida”14. Tal

referência é importante na medida em que o direito à vida passa, então, a ser a

razão pela qual o direito ao ambiente passa a ser tutelado e protegido. Consoante

disposto no citado artigo, todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e

ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo. Porém, a fim de assegurá-lo,

no quadro de um desenvolvimento sustentável, atribuiu-se ao Estado (por meio de

organismo próprio e com o envolvimento e a participação dos cidadãos) os

seguintes deveres:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

14 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.34.

21

b) ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconômico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetônico e da proteção das zonas históricas; f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial; g) Promover a educação ambiental fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida.

A Constituição colombiana, por sua vez, prevê o direito a ambiente saudável,

como prerrogativa todos, devendo o Estado proteger sua diversidade e integridade,

bem como conservar áreas de especial importância ecológica e promover educação

para consecução destes objetivos. Estabelece, ainda, que a lei garantirá a

participação da comunidade nas decisões que lhes digam respeito.15 A mesma

Constituição prevê colaboração entre as Nações, de modo a proteger o ecossistema

nas áreas de fronteira.

A Constituição da Argentina, promulgada em 22 de agosto de 1994, do

mesmo modo, trouxe regras claras em relação à proteção ambiental; estabelecendo

que todos os habitantes têm direito a uma vida saudável e equilibrada, adequada

para o desenvolvimento humano, bem como para as atividades produtivas a fim de

satisfazer necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras. Observe-

se, igualmente, que todos têm o dever de uma vida equilibrada e saudável, ou seja,

em última análise, ao ambiente saudável. O dano ambiental gera, prioritariamente, a

obrigação de recompô-lo, segundo disposto na lei. As autoridades visarão à

proteção deste direito, bem como a utilização racional dos recursos naturais, a

preservação do patrimônio natural e cultural e da biodiversidade, informação e

educação ambiental. Cabe à nação estabelecer normas que conterão pressupostos

mínimos para a proteção das províncias, sem, no entanto, alterar leis locais. Está

proibido o ingresso em território nacional de resíduo potencialmente perigoso ou

15 A constituição da Colômbia, de 1991, possui um capítulo tratando acerca dos direitos coletivos e do meio ambiente (art. 78 a 82).

22

radioativo. Segundo Zlata Drnas de Clément, “O princípio da precaução ambiental se

constituem em uma das pedras angulares do princípio da sustentabilidade”16.

Com base nas informações apresentadas, observa-se que, nas últimas

décadas, a preocupação com a prevenção e proteção ao ambiente, bem como o

desenvolvimento sustentável passaram a fazer parte da maioria dos textos

constitucionais. E no Brasil não foi diferente, o ambiente passou a ter uma tutela

constitucional somente com a Constituição de 1988, em capítulo específico sobre o

tema. Observa-se, porém, que a questão ambiental é tratada em diversas outras

partes do texto constitucional. E, para proteger tal direito, a Constituição Federal

brasileira estabeleceu que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presente e futuras gerações.17

A inserção de tal capítulo trouxe transformações para a questão ambiental em

nosso país, conforme exposto adiante.

Ao tratar dos efeitos da constitucionalização, Virgílio Afonso da Silva, destaca

a unificação da ordem jurídica e a necessidade da sua simplificação18. Para o

referido autor, por meio da unificação, as normas constitucionais se tornariam,

progressivamente, o fundamento comum dos diversos ramos do Direito. Do mesmo

modo, a unificação acabaria relativizando a distinção entre o direito público e o

privado, uma vez que a Constituição passaria a ser a base fundamentadora de todos

os princípios da ordem jurídica. O segundo efeito destacado pelo autor consiste na

denominada simplificação da ordem jurídica, uma vez que a Constituição passa a

ser a “norma de referência” de todo o ordenamento jurídico. Logo, a Constituição

Federal de 1988 fez muito mais que simplesmente atribuir proteção constitucional ao

ambiente. Ao inserir a dignidade da pessoa humana entre os fundamentos de nossa

republica visando assegurar direitos como a vida digna e a saúde, considerando-os

fundamentais, a constituição criou o cenário perfeito para se chegar a uma

conclusão importante: a de que o ambiente, além de ser matéria constitucional, é,

também, um direito fundamental de todos os seres humanos. E, na medida em que

16 CLÉMENT, Z. D. El principio de precaución ambiental: la práctica argentina. p. 97. “O princípio da precaução ambiental se constitui em uma das pedras angulares do princípio do desenvolvimento sustentável”. 17 Artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988. 18 SILVA, V. A. da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares.p. 48-50.

23

o ambiente passa a ser considerado um direito fundamental autônomo, essa

circunstância traz consequências para toda a ordem jurídica.

Discorrendo a respeito das consequências do reconhecimento do ambiente

como direito humano fundamental, Jorge Alberto de Oliveira Marum, afirma que tal

direito passa a ser irrevogável, eis que passa ela a se constituir como verdadeira

cláusula pétrea do regime constitucional brasileiro19. O mesmo autor ainda destaca a

“integração plena e imediata dos pactos, tratados e convenções internacionais que

versem sobre o tema”, bem como a prevalência da “norma que mais favoreça o

direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado”20.

Ademais, lembre-se de que nem todos os direitos garantidos na Constituição

são considerados direitos fundamentais.

Para que todos tenham vida digna é imprescindível que haja a adequada

utilização e proteção dos recursos naturais existentes em nosso planeta. Do mesmo

modo, proteção à história e cultura dos povos é imprescindível para que as futuras

gerações tenham informações acerca de suas origens e dos problemas vivenciados

no passado, a fim de ter condições de garantir a continuidade da vida no planeta.

A proteção ao ambiente não se encontra prevista apenas naquele capítulo,

mas ao longo de todo o texto constitucional. Assim, vários aspectos merecem ser

destacados. O primeiro deles refere-se à divisão de competência. Segundo

estabelece nossa Constituição “[...] é competência comum da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição

em qualquer das suas formas” (art. 23, VI). O artigo 23 da Constituição Federal

ainda estabelece, em seus incisos VII e XI que todos os entes federados possuem

competência para “[...] preservar as florestas e a fauna e a flora” (inciso VII), bem

como “[...] registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa

e exploração dos recursos hídricos e minerais em seus territórios” (inciso XI). Por

expressa disposição constitucional, compete à União, aos Estados e ao Distrito

Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação

da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, bem como sobre a proteção ao

ambiente, controle da poluição e responsabilidade por dano ao ambiente.21

19 MARUM, J. A. de O. Meio Ambiente e direitos humanos. p. 134. 20 MARUM, J. A. de O. Meio Ambiente e direitos humanos. p. 135. 21 Artigo 24, inciso VI e VIII da Constituição Federal de 1988.

24

No que se refere à titularidade de tal direito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho,

ensina que o direito ao ambiente pode ser visto como direito individual, pois “[...] seu

titular pode ser uma pessoa física”22. Desta forma, nossa Constituição Federal

estabelece que “[...] qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que

vise anular ato lesivo [...] ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”23.

O mesmo autor, contudo, relembra que tal direito também pode ser visto

como um “direito do povo”. Neste aspecto, observa-se que, segundo o artigo 129, III,

da Constituição Federal, uma das funções institucionais do Ministério Público é a

promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio

público e social, do ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Logo, tem-

se que, por expressa disposição constitucional, é considerado um direito difuso ou

coletivo.

Atente-se, ainda, que a defesa do ambiente também se constitui como um

dos princípios gerais da atividade econômica24, de tal forma que sua proteção passa

a funcionar como um limite à ordem econômica, fundada na livre iniciativa. No artigo

174, parágrafo terceiro, a Constituição Federal informa que “O Estado favorecerá a

organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção

ao meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”. Ainda tratando

da atividade econômica, a Constituição proclama que parte dos recursos

arrecadados em decorrência da contribuição de intervenção no domínio econômico,

relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus

derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível serão destinados ao

financiamento de projetos ambientais relacionados com as industrias de petróleo e

gás.25

Com relação à vida rural, observa-se que, um dos requisitos necessários para

que a propriedade cumpra sua função social, é a utilização adequada dos recursos

naturais disponíveis com a possível preservação do ambiente.26

Desse modo, há de se concluir que a sua proteção não se encontra prevista

em um único artigo, mas, sim, ao longo de toda a Constituição, uma vez que,

conforme dito anteriormente, sua proteção visa, em suma, a tutelar o direito à vida

22 FERREIRA FILHO, M. G. Direitos humanos fundamentais . p. 64. 23 Artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal de 1988. 24 MILARÉ, É. Direito do ambiente . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 149. 25 Art. 177, paragrafo 4º, inciso II, alínea b, da Constituição Federal de 1988. 26 Art. 186, II, da Constituição Federal de 1988.

25

das presentes e futuras gerações. Cumpre destacar, mais uma vez que, por força do

disposto no artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, o rol de direitos e

garantias nele elencados é meramente exemplificativo, de tal forma que é possível a

existência de outros, decorrente do regime e dos princípios por ela adotados, ou,

ainda, dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte.

Assim, tanto na esfera nacional quanto na internacional, o ambiente tem sido,

constantemente, objeto de proteção e, felizmente, de tutela legislativa.

Concomitantemente, a sociedade civil tem se organizado e exigido postura mais

comprometidas dos governantes e dos indivíduos a fim de garantir qualidade de

vida.

Para garantir a efetividade do direito ambiental, em especial quando fala-se

em preservação da água, é necessário, uma análise criteriosa dos princípios

norteadores deste direito.

1.4 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO AMBIENTE

Os princípios do Direito Ambiental visam a traçar os meios de proteção do

ambiente, sendo destacada a participação popular nesse processo. De acordo com

Vasconcellos e Benjamin27 os princípios ambientais possuem as seguintes funções

no que concerne à sua compreensão e aplicação:

a) são os princípios que permitem compreender a autonomia do Direito Ambiental em face dos outros ramos do Direito; b) são os princípios que auxiliam no entendimento e na identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental; c) e, finalmente, são os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área.

A elaboração de princípios ambientais deu-se início a partir da Declaração de

Estolcomo em 1972, na Suécia, onde foram estabelecidos 23 princípios

internacionais de proteção ao ambiente28.

27 Apud MIRRA, Á. L. V. Princípios Fundamentais do Direito Ambiental. In: Revista de Direito Ambiental , cidade, ano 1, n. 2, abr./jun. 1996, p. 52. 28 DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e práticas. 5. ed. São Paulo: Global, 1998, p. 12.

26

Tendo em vista o disposto na Constituição Federal, bem como os diversos

tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, torna-se possível extrair

diversos princípios relacionados à tutela do ambiente, os quais passam a ser

apresentados no subitem a seguir.

1.4.1 Princípios do Ambiente Ecologicamente Equilib rado e Sadia Qualidade de Vida

Foi o primeiro princípio previsto na declaração de Estocolmo e proclama que

[...] o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições da vida adequada em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar a vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras29.

Segundo Luís Roberto Gomes, o ambiente ecologicamente equilibrado

traduz-se em desdobramento de proteção do direito à vida, uma vez que: “[...] a

salvaguarda das condições ambientais adequadas à vida dependem logicamente da

proteção dos valores ambientais”.30 Não tem como falar em vida digna, sem

mencionar a proteção do direito à água, uma vez, que é bem fundamental para

garantia da qualidade da vida humana.

Tal princípio foi reafirmado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio

ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Segundo

deliberado naquela oportunidade, “[...] os seres humano estão no centro das

preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável

e produtiva, e harmonia com a natureza”31. E a garantia de acesso à água é

essencial para tutela de tal direito. Para Paulo Affonso Leme Machado, há nessa

hipótese, a existência do princípio do direito à sadia qualidade de vida. Aduz o autor:

“[...] não basta viver ou conservar a vida. É justo buscar e conseguir a ‘qualidade de

vida’”32. Não é possível pensar em vida com qualidade, sem acesso a água, que só

será garantido diante da efetividade do direito pela sua preservação.

29 Princípios extraídos da biblioteca virtual de direitos humanos da Universidade de São Paulo. Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Confere_cupula/texto_1.html.> (tradução livre). 30 GOMES, L. R. Princípios fundamentais de proteção ao meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental , ano 4, n. 16, out./dez. 1999, p. 172. 31 Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992. 32 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. p. 46.

27

Deste modo, o subitem a seguir abordará o princípio da natureza pública da

proteção ambiental, visando a aprofundar a temática desse estudo, que busca

garantir sua efetividade do direito à água.

1.4.2 Princípio da Natureza Pública da Proteção Amb iental

O princípio da natureza pública da proteção ambiental fundamenta-se no fato

de que, em razão do ambiente constituir-se como bem de uso comum do povo, sua

proteção deve ser feita visando o bem-estar da coletividade. Ademais, segundo Lise

Vieira da Costa Tupiassa, “[...] o meio ambiente é um bem que pertence à

coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado”33.

O princípio da natureza pública da proteção ambiental foi expressamente

previsto na Constituição Federal de 1988, estabelecendo que o ambiente constitui-

se como “[...] bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

Tal princípio, assim como outros, a serem vistos oportunamente, fundamenta a

obrigatoriedade da intervenção do Estado, eis que trata de direito relacionado ao

interesse público.

Com relação à proteção do direito à água, o Estado criou diversas normas

que garantem a efetividade deste direito, como a lei 9.433/97 que cria a Política

Nacional de Recursos Hídricos, regulamentando instrumentos de gestão da água,

visando à garantia desta tutela, tema este, que será oportunamente aprofundado

neste trabalho.

1.4.3 Princípio da Consideração da Variável Ambient al no Processo Decisório

de Políticas de Desenvolvimento

O princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de

políticas de desenvolvimento foi previsto pela Declaração do Rio de Janeiro sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento, a qual estabeleceu que “[...] a avaliação do

impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para as

atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o

33 TUPIASSA, L. V. da C. O Direito Ambiental e seus princípios informativos. In: Revista de Direito Ambiental. , ano 8, n. 30, abr./jun. 2003, p. 173.

28

ambiente, e que dependem de uma decisão de autoridade nacional competente”34.

Em decorrência desse princípio, sempre que a Administração Pública tenha que se

posicionar acerca de determinada política de desenvolvimento, deverá analisar o

impacto desta política em relação ao ambiente.

Tal análise, contudo, não se aplica apenas ao setor público, mas, também à

iniciativa privada. A observância desse princípio constitui-se como meio eficaz para

impedir ou, pelo menos, minimizar as lesões causadas ao ambiente, permitindo que

as ações estatais e também particulares se coadunem com o desenvolvimento

ecologicamente sustentável. No que diz respeito à tutela do direito à água, não pode

ser diferente. É importante que a Administração Pública crie políticas de

desenvolvimento que garantem a preservação da água. Para isso, contudo, é

necessário que exista uma política voltada para a gestão ambiental e gestão dos

recursos hídricos. E quando se fala em políticas públicas, está-se, na verdade,

tratando de ações do Estado em prol da coletividade, dentro das quais se encontra a

proteção ambiental.

Conclui-se, muito embora o desenvolvimento seja um objetivo perseguido por

todas as sociedades, deve ele ocorrer levando-se em conta os riscos e danos

causados ao ambiente e à água, os quais devem ser protegido.

1.4.4 Princípio da Informação

O princípio da informação permite que toda pessoa obtenha do Estado

informações relativas ao ambiente. Assim, qualquer interessado pode participar em

questões relativas à sua defesa e/ou proteção. O direito à informação ambiental se

justifica em razão do direito conferido a todos os cidadãos de viver ambiente

ecologicamente equilibrado. Tal direito se encontra previsto na lei nº 6.938, de 31 de

agosto de 1981, que permite a qualquer pessoa legitimamente interessada ter

acesso aos resultados das análises efetuadas pelos órgãos responsáveis pela

proteção e melhoria da qualidade ambiental, bem como das respectivas

fundamentações. O ambiente constitui-se como um direito fundamental, pertencente

a toda sociedade, de tal modo que, devem os cidadãos ter acesso a todas as

informações relacionadas à proteção desse bem jurídico.

34 Princípio 17 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

29

O princípio da informação objetiva fazer com que toda a sociedade tenha

conhecimento acerca da exata situação ambiental, abrangendo tanto sua

preservação quanto sua degradação. O acesso às informações relativas ao

ambiente foi previsto pela Declaração do Rio em seu Princípio 10.

Recorde-se, ainda, que a informação ambiental é um pré-requisito para que

certa comunidade tenha condições de se manifestar acerca de determinado evento

ambiental. Por esta razão, Paulo Affonso Leme Machado35 destaca que a

informação ambiental deve ser transmitida de forma a possibilitar tempo suficiente

para que os interessados possam analisar a matéria a agir em defesa de seus

direitos, procurando a Administração Pública ou mesmo o Judiciário.

1.4.5 Princípio da Participação Comunitária.

A participação da sociedade na proteção ambiental foi prevista na atual

Constituição Federal, ao estabelecer que o dever de defender ou preservar o

ambiente compete tanto ao Poder Público quanto à coletividade. No mesmo sentido

foi à orientação seguida pela Declaração do Rio de Janeiro36, procurando assegurar

a participação de todos os cidadãos interessados nas questões ambientais.

Com base em tal princípio tem-se que é direito da comunidade participar na

formulação e execução de políticas ambientais e na tomada de decisões que tragam

repercussões na área. Desse modo, empreendimentos potencialmente poluentes ou

que possam causar danos ao ambiente deverão ser apresentados previamente às

populações a serem atingidas, possibilitando-lhes a participação no processo

decisório.

A inclusão do princípio da participação comunitária no ordenamento jurídico

vem reforçar o mandamento constitucional segundo o qual se impõe a todos a

defesa e preservação do ambiente, ou seja, estimular a cooperação entre o Estado e

a sociedade, por meio da participação dos diversos grupos sociais existentes, na

busca de soluções para os problemas ambientais.

Para Lise Vieira37, a informação e a educação também se constituem como

pressuposto essencial para que a participação popular na tutela ambiental seja

35 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro . p. 94 36 Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. 37 TUPIASSA, L. V. da C. O direito ambiental e seus princípios informativos. In: Revista de Direito Ambiental , ano 8, n. 30, abr./jun. 2003, p. 174.

30

realizada de maneira eficaz, uma vez que desempenham papel importante para a

conscientização da sociedade. Sem que haja informação e conhecimento torna-se

difícil a implementação da participação popular na defesa ambiental.

A consciência ambiental, especialmente em relação à água, deve estar

presente nos agentes públicos, mas também no âmago de cada pessoa componente

da comunidade humana. Assim, a consciência será mais crítica, à medida que a

pessoa apreende a causalidade autêntica. Quanto mais apurada seja a

compreensão dos fatores que geram a degradação da água, maior será a

consciência ambiental de seu uso; esta consciência somente será possível na

medida em que a comunidade participar das tomadas de decisões do poder público.

Registre-se haver uma consciência crescente no sentido de compreender a

água de maneira integral, o que se dá em distintas perspectivas: a) é elemento vital

para a sobrevivência da biodiversidade e das sociedades; b) é recurso vital para o

desenvolvimento de diversas atividades econômicas; c) é recurso natural que, por

seu caráter limitado, adquire valor econômico; d) é recurso ambiental que a

sociedade deve usar, preservar e conservar.

O crescente agravamento da falta de água tem levado as pessoas a

estabelecer uma nova forma de pensar e agir, inclusive mudando seus hábitos, usos

e costumes. Essa forma de agir visa ao crescimento econômico, respeitando a

capacidade dos recursos do ambiente, sobretudo, dos recursos hídricos.

Conscientização e educação das pessoas, consumidoras em potencial, são

fundamentais. Por exemplo, racionalizar o uso da água não significa,

necessariamente, privar-se dela. Significa, por outro lado, considerar seu uso sem

desperdício prioridade social e ambiental, para que possa estar ao alcance de todos.

Destaque-se, ainda, que este princípio também se encontra relacionado ao

da publicidade dos atos da Administração Pública, eis que, para que haja a

adequada participação do particular na busca de soluções para os problemas

ambientais, deve ele ter acesso a informações (excetuando-se hipóteses em que

razões de segurança nacional a impedirem). O princípio da publicidade, entretanto,

será objeto de análise em item especifico.

A comunidade, por via de instituições, movimentos populares, ONGs. Enfim,

diversos grupos sociais vêm se engajando cada vez mais, em constantes

mobilizações envolvidas com a problemática ambiental e a degradação da água,

devido à paulatina, mas intermitente, tomada de consciência da situação ambiental.

31

A consciência do ambiente como bem comum leva a participação comunitária a

novos rumos, implementando ações para alcançar os resultados almejados para um

desenvolvimento sustentável.

As instituições do Poder Público e os órgãos de representação institucional,

apesar de indispensáveis, não são mais considerados exclusivos e autossuficientes.

A sociedade civil organizada e as organizações não governamentais estão

continuamente atuantes, e a gestão ambiental está sendo compartilhada, de forma

harmônica e integrada. Da mesma forma, os âmbitos federal, estadual e municipal

devem ser complementares, atuando como um sistema único de gestão

participativa.

Educação, consciência e atitudes ambientais, especialmente na proteção da

água, exigem de cada pessoa um compromisso com a resolução desse problema,

considerando um dos mais graves da atualidade. Se o quadro se apresenta grave,

exige atitudes de todos, seja em ações isoladas, ou de pequenos grupos, seja em

parceria público/privada, ou de uma única instituição. Nesse contexto, Maurício

Waldman identifica algumas esferas de atuação democrática38:

Nesta concepção participativa, podemos identificar três esferas de atuação conjunta que são indispensáveis para qualquer ação efetiva de conservação da natureza e de objetivação da cidadania ambiental. A primeira refere-se à administração pública, exercida em três diferentes níveis – o federal, o estadual e o municipal. A segunda corresponde à sociedade, que conta com uma grande diversidade de interlocutores. Na esfera da sociedade, temos a atuação das escolas, das comunidades de bairros, das igrejas, dos sindicatos, dos movimentos urbanos e rurais, das universidades, assim como das empresas, que podem ser de capital privado e ter uma estratégia de atuação de interesse público, nessa incluindo as questões ambientais. A terceira esfera materializa-se em âmbito individual, com o cidadão atuando no espaço da sua casa, do seu bairro, do seu local de emprego e assim por diante.

Como se pode perceber, as esferas da sociedade possíveis de articulação

entre si para o desenvolvimento de projetos na área ambiental estão listadas em três

distintas instâncias: atuação do poder público, dos entes não governamentais e dos

próprios indivíduos. Leva-se em consideração que cada esfera atua em

conformidade com sua capacidade de inter-relacionamento e de poder econômico.

Os meios básicos de participação comunitária ocorrem das seguintes: a) No

processo de criação do Direito Ambiental , que corresponde ao processo

Legislativo, com iniciativa popular na apresentação de projetos de leis

38 WALDMAN, M. apud PINSKY, J.; PINSKY, C. B. (Orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto. 2003, p. 555.

32

complementares ou ordinárias (federais, estaduais ou municipais) por um

determinado número de cidadãos, assim como a realização de referendo, sendo que

ambos são procedimentos previstos na Constituição. Os representantes da

comunidade indicados pelas associações civis, nos conselhos e órgãos de defesa

do ambiente, podem atuar de maneira efetiva na criação do direito tutelar ambiental,

propondo normas, visando à sustentabilidade, como é o caso do CONAMA; b) na

formulação e execução de políticas ambientais , geralmente, em audiência

pública que a comunidade pode atuar na elaboração - discussão do ElA e o RIMA -

e na forma de execução de atividades que repercutem no ambiente. É nesse

aspecto que a participação comunitária tem sido mais deficiente. Em função dessa

realidade, se torna ainda mais importante o Estudo de Impacto Ambiental (ElA) e

seu Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), evitando futuros inconvenientes ou, até

mesmo, acidentes ambientais envolvendo recursos naturais; c) por meio do Poder

Judiciário, assegurando a defesa judicial do ambiente, mediante ação direta de

inconstitucionalidade da lei ou ato normativo (art. 102, I, a, 103 e 125, §2°); Ação

Civil Pública (art. 129, 111, clc §1°); Ação Popula r Constitucional (art. 5°, LXXIII);

Mandado de Segurança Coletivo (art. 5°, LXX); e Man dado de Injunção (art. 5°,

LXXI).

Por fim há que se notar que a participação da sociedade na proteção do

ambiente e preservação da água exige acesso à informação e educação ambiental.

Igualmente, a sociedade pode buscar auxilio junto aos poderes executivo, legislativo

e judiciário, mas, para isso, é necessário, conhecimento e conscientização

ambiental.

1.4.6 Princípio do Usuário-Pagador

O princípio do usuário-pagador deriva do fato de que, em razão dos recursos

ambientais serem escassos, a apropriação deles, por parte de determinada(s)

pessoa(s) – física(s) ou jurídica (s), gera o dever de oferecer à coletividade o direito

a compensação. Isto ocorre porque produção e consumo desses recursos podem

gerar sua degradação ou escassez e a utilização gratuita de tais recursos

ambientais proporciona enriquecimento ilícito para aquele usuário. Segundo o

33

magistério de Paulo de Bessa Antunes39, o fundamento de tal princípio reside no fato

de que a sociedade não pode sustentar o ônus financeiro e ambiental de atividades

que trarão retorno econômico individualizado.

Já para Paulo Affonso Leme Machado40, o princípio do usuário-pagador

significa que o utilizador do recurso deve suportar os custos advindos dessa

utilização. Para ele, tal princípio englobaria o princípio do poluidor-pagador, ou seja,

o princípio do usuário-pagador seria gênero e o princípio do poluidor-pagador,

espécie.

A lei nº 9.433/97, estabeleceu em seu artigo 19, inciso I e II, a cobrança pelo

uso da água, que tem por objetivo reconhecê-la como bem econômico e dar ao

usuário indicação do seu real valor, assim como incentivar racionalização de seu

uso. O princípio do usuário-pagador, levando à crer que todos os usuários,

independente de uso ou não dos recursos hídricos, devem ser cobrados. Tal

cobrança tem aspectos de “preço público” cobrado pelo uso de um “bem público”.

Como se vê, diversos são os princípios apresentados pela doutrina em

decorrência da análise do texto constitucional e dos tratados internacionais inerentes

à matéria. Tais princípios devem ser observados conjuntamente, a fim de

proporcionar a adequada proteção ao ambiente, em benefício de toda sociedade, e

principalmente à tutela do direito à água.

1.4.7 Princípio do Poluidor-Pagador

O princípio do poluidor-pagador defende a escassez de recursos e que, seu

uso em produções e no consumo, prejudica e causa degradação, sendo aliado do

setor jurídico ambiental, pois sua atuação faz com que o poluidor pague por suas

ações, em prevenção e precaução. Este princípio assegura ao poluidor o dever de

arcar com as despesas de prevenção dos danos causados ao ambiente que a sua

atividade possa causar, cabendo-lhe responsabilidade de utilizar instrumentos

necessários à prevenção dos danos. E, em caso de ocorrer o dano ao ambiente, em

decorrência da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela reparação.

Assim, o princípio do poluidor-pagador significa que o utilizador do recurso deve

suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização, tendo como

39 ANTUNES, P. B. Direito Ambiental Brasileiro. p.32. 40 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro. p. 63.

34

objetivo fazer com que os custos ambientais não sejam suportados nem pelo Poder

Público, nem por terceiros, mas pelo próprio poluidor.

Os valores onerosos devem ser calculados de forma a que o ônus do pagante

possa estar dentro de padrões econômicos, respondendo financeiramente por seus

atos contra o ambiente. Este princípio tem como importante função acabar com

ações contra o ambiente, reduzindo o ônus social mediante dois fatores, de acordo

com Gomes41:

1º) força a diminuição da poluição, em consequência, melhora as condições de vida da população, reduzindo os gastos com a reparação e contenção destes danos, diminuindo também os custos dessa poluição para a saúde pública; 2º) os valores cobrados do poluidor passam a ser utilizados pelo Estado para a preservação ambiental, diminuindo o peso das políticas de reparação e contenção de danos ambientais, desonerando em parte os contribuintes que têm arcado com os custos destas políticas públicas. O montante é calculado sem levar em consideração os danos.

Em 1992 foi realizada no Brasil, na cidade do Rio De Janeiro, a Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que contou com

participantes de todo o mundo. Ali se criou a Declaração de Limoges e houve a

elaboração da Carta do Rio sobre desenvolvimento e ambiente. O principal intuito do

Direito Ambiental é proteger o ambiente e fazer com que seus agressores sejam

punidos. E, em conjunto com essas leis, que seja feito um trabalho de

conscientização.

Segundo Édis Milaré42, o princípio do poluidor pagador baseia-se na teoria

segundo a qual os agentes econômicos devem levar em consideração o custo

resultante dos danos ambientais no momento de se elaborar os custos da produção.

Esse princípio foi incorporado ao texto constitucional por meio do artigo 225, § 3°,

que estabeleceu que as condutas e atividades consideradas lesivas ao ambiente

sujeitavam os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados. Note-se, porém, consoante ensina Juliana

Gerent, que tal princípio pode ser visualizado nos artigos 170, VI; 225, §1°, V; §2° e

§3° de Constituição Federal. 43

No campo das leis infraconstitucionais, a lei nº 6.938/81 (Política Nacional de

Meio Ambiente) traz em seu artigo 4º, inciso VII, ao tratar de seus objetivos, “[...]

41 GOMES, L. R. Princípios fundamentais de proteção ao meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental. ano 4, n. 16, out./dez. 1999, p. 47. 42 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 142. 43 GERENT, J. Direito ambiental e a teoria econômica neoclássica: valoração do bem ambiental. In: Revista Jurídica Cesumar. Maringá, p, 284.

35

imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os

danos causados”. Mais à frente, no artigo 14, parágrafo 1º, determina que:

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiro, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá responsabilidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

O Código das Águas, em seu artigo 109, já continha a noção de poluidor-

pagador, determinando que a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas

que não consome, com prejuízo de terceiro. O artigo 110 determina que os trabalhos

para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores que, além da

responder criminalmente, se houver, responderão pelas perdas e danos que

causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos,

ou seja, as responsabilidades civil, penal e administrativa, não se excluíam.

Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro dar amparo legal para efetivação

do caráter econômico do Princípio do Poluidor-pagador, somente é possível sua

manifestação expressa, com o emprego da responsabilidade ambiental objetiva.

No que tange aos objetivos Patrícia Faga Iglecias Lemas44, expõe que:

Tal princípio tem como maior objetivo que as chamadas externalidades ambientais, ou seja, os custos das medidas de proteção ao meio ambiente repercutem nos custos finas de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora.

Não se pretende, como objetivo que faz menção a referida autora, a

permissão da poluição mediante pagamento. Ao contrário; o sistema de cobrança

pelo uso da água, por exemplo, parte do pressuposto de que, quanto menor for a

quantidade de resíduos lançadas nas águas, menos se paga, o que ajuda a mitigar,

com efetividade, os níveis de tratamento adotados. É importante esclarecer que, o

pagamento não dá ao usuário o direito de poluir. Como explica Antonio F. G. Beltrão,

“O pagamento pecuniário e a indenização não legitimam a atividade lesiva ao

ambiente. O enfoque, pois, há de ser sempre a prevenção; entretanto, uma vez

constatado o dano ao ambiente, o poluidor deverá repará-lo.”45:

Desta forma, os poluidores não “compram” o direito de poluir e quanto maior o

rigor da legislação atinente às águas, maior será o investimento em tecnologia que

44 LEMOS, P. F. I. Direito Ambiental: Responsabilidade Civil e Proteção ao Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 59. 45 BELTRÃO, A. F. G. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Método, 2008, p. 48.

36

proporcione o mínimo de desperdício no processo produtivo, em busca do grau

máximo de eficácia e eficiência para a tutela deste bem.

No que tange à responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de

delitos ambientais, os tribunais já se manifestaram no sentido de que tal

responsabilização “[...] advém de uma escolha política, como forma mesmo de

prevenção geral e especial46”.

Maria Alexandra de Sousa Aragão47 afirma que os poluidores devem suportar

também todos os custos das medidas públicas de reposição da qualidade do

ambiente perdida, ou com o auxílio econômico às vítimas, além dos custos

administrativos conexos. Segundo ela, o princípio do poluidor-pagador é um

princípio normativo de caráter econômico, mas que, entretanto, deve ser

considerado regra de bom senso econômico, jurídico e político. No que pertine à

intervenção concretização do Poder Público, torna-se fundamental que este

estabeleça conteúdo, extensão e limites das obrigações dos poluidores.

Uma observação que precisa ficar clara refere-se ao fato de que, segundo o

princípio do poluidor pagador, este deve suportar os custos das medidas de

proteção do ambiente e, também, procurar corrigir e eliminar as fontes poluidoras,

sendo possível afirmar-se que tal princípio possui uma função preventiva, reparatória

e, também, educativa. Assim, uma vez ocorrido o dano, deve o poluidor

responsabilizar-se pela reparação do mesmo. A ideia da cobrança pelo uso da água,

não tem caráter tão somente punitivo, pois, a intenção do legislador foi desestimular

ações poluentes pela adoção de medidas preventivas. E apenar rigorosamente

aqueles que poluírem, com o objetivo de desestimular a geração de poluidores.

1.4.8 Princípio do Controle do Poluidor pelo Poder Público

Ao Estado foi atribuído o dever de proteger o ambiente. Para tanto, deve ele

fiscalizar e orientar os cidadãos quanto aos seus limites para a adequada utilização

do ambiente, a ser feito por meio das políticas administrativas.

46 REsp 610114 / RN. RECURSO ESPECIAL 2003/0210087-0. Relator(a): Ministro GILSON DIPP. Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 17/11/2005 Data da Publicação/Fonte. DJ 19/12/2005 p. 463. 47 ARAGÃO, M. A. de S. O Princípio do Nível Elevado de Proteção e a Renova ção Ecológica do Direito do Ambiente e dos Resíduos p. 185.

37

O princípio do controle do poluidor pelo poder público possibilita a realização

de intervenções estatais visando à manutenção, preservação e restauração dos

recursos ambientais, de modo a possibilitar sua utilização nacional e disponibilidade

permanente. Encontra-se previsto no ordenamento jurídico, por meio do artigo 225,

§ 1°, V, da Constituição Federal, o que é da incumb ência do poder público “[...]

controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

substancias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio

ambiente”. Este princípio se torna de suma importância quando ligado à efetividade

do direito de preservação da água, uma vez que, é necessário políticas públicas

eficazes para combater poluição e degradação dos recursos hídricos.

Aqui, novamente, visualiza-se a presença do interesse publico em relação ao

ambiente e à qualidade de vida, na qual a água é substância fundamental. Incumbe

aos governantes o dever de controlar todos os tipos de poluição ambiental,

utilizando-se do seu poder de polícia, e órgãos e entidades públicas que limitem ou

disciplinem o exercício dos direitos individuais, com o objetivo de assegurar o bem

estar da coletividade. Do mesmo modo, a natureza publica dos bens jurídicos em

discussão justificam a atuação do poder público em defesa do ambiente e proteção

à água.

Destaque-se, ainda, que a fixação dos limites é fundamental para que a

Administração possa exercer o poder de polícia dentro da legalidade: assim, uma

vez estabelecidos tais limites, pode o poder público aplicar, coercitivamente,

medidas necessárias para que se evite, ou se minimize poluição e degradação

ambientais. Deste modo, sempre que houver risco para a preservação do ambiente

e da água, deve ele intervir, de modo a garantir a adequada proteção e utilização de

forma racional, em benefício da sociedade. Ao Estado cabe o papel de disciplinar e

restringir o direito dos indivíduos a fim de possibilitar a proteção efetiva do ambiente

e, consequentemente, garantindo-se a manutenção da vida em sociedade, com

saúde e qualidade.

1.4.9 Princípio da Reparação

O princípio da reparação foi expressamente previsto como 13° da Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de

38

Janeiro em 1992 e decorre diretamente dos princípios da prevenção e do Poluidor-

Pagador.

Neste aspecto, destaca-se a importância da atividade legiferante dos Estados,

em relação à responsabilidade do causador do dano e à indenização das vítimas.

Assim, segundo estabelecido na referida Declaração “[...] os Estados devem

desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e indenização das

vítimas de poluição e outros danos ambientais”. Tal orientação foi adotada pela

Constituição de 1988, a qual estabeleceu que “[...] aquele que explorar recursos

minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado” e “as condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções

penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos

causados”. Com base nesse princípio, aquele que causar lesão a bens ambientais

deve ser responsabilizado por seus atos, reparando ou indenizando os danos

causados.

O princípio da reparação obteve maior efetividade em decorrência da adoção

da teoria da responsabilidade objetiva. Nesse sentido, veja-se:

A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva significou apreciável avança no combate á devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano48.

Ao abordar o princípio da reparação, é necessário discutir sobre a

responsabilidade civil, em matéria ambiental, o que nos remete diretamente aos

princípios da prevenção e precaução, essenciais para evitar a ocorrência de danos

ambientais e sua reparação, principalmente quando se tratar de danos à água, bem

fundamental à existência humana. O modelo clássico de responsabilidade civil, não

gera proteção ambiental efetiva, em especial quando ligada diretamente aos

interesses coletivos e difusos da sociedade, porém, a responsabilidade objetiva

encoraja a proteção ao ambiente quando transmite ao provável poluidor, a

preocupação em investir na prevenção do risco de sua atividade.

48 REsp. 578797 / RS. Recurso Especial 2003/0162662-0. Relator(a): Ministro Luiz Fux. Órgão Julgador: T1 – Primeira Turma. Data do Julgamento: 05/08/2004. Data da Publicação/Fonte: DJ 20/09/2004 p. 196. LEXSTJ vol. 183. 161 RND vol. 60 p. 92.

39

A responsabilidade civil por danos ambientais está baseada no artigo 7,

parágrafo 6º, da Constituição Federal, e no artigo 14, parágrafo 1º, da lei 6.938/81,

não restando dúvidas quanto à sua natureza objetiva, imputada ao causador de

danos ao ambiente. A grande discussão reside na aprovação do tipo da Teoria do

Risco, adotada no Direito Ambiental. O que torna o debate significativo é a

consequência que vai resultar de cada uma das teorias, seja na do risco criado ou

do risco proveito.

A teoria do risco baseia o direito por meio de fundamentos para a

responsabilização civil sem culpa. Desta forma, quando o causador do dano exerce

atividade prevista em lei ou que tenha natureza de produzir risco, havendo nexo de

causalidade entre a atividade e o resultado do dano, a responsabilidade civil é

aplicada objetivamente, sem necessidade de avaliar os elementos subjetivos, como

negligencia, imprudência, imperícia ou dolo.

No Direito Ambiental, surge a teoria do risco da atividade ou da empresa, ou

seja, verificada atividade perigosa ou potencialmente poluidora, cabe o dever de

reparação por parte do agente causador do dano. A lei da Política Nacional do Meio

Ambiente (nº 6.938/81) inseriu como objetivos da política pública, compatibilizar o

desenvolvimento econômico com a preservação da qualidade do ambiente, do

equilíbrio ecológico e preservação dos recursos naturais, com vista à sua utilização

racional e disponibilidade permanente (art. 4º, I e VI).

A preocupação em analisar a responsabilidade civil em relação aos resultados

das atividades humanas, está no fato de que, seus reflexos não surtem efeitos

somente para o presente, mas especialmente perpetuam para as futuras gerações,

como bem cita Canotilho.49

O direito intergeracional, estatuído no artigo 225 da Constituição da República, corrobora a adoção do antropocentrismo alargado. O pacto de preservação do ambiente que deve dar-se entre toda a coletividade e o Estado (responsabilidade compartilhada) não se restringe a benefícios atuais, mas sim, benefícios para as imemoriáveis futuras gerações, proporcionando não uma concepção de preservação utilitarista, haja vista que passa haver um arrefecimento pela idéia de preservação pelo benefício (pois os sujeitos beneficiados são abstratos), senão a reafirmação de uma perspectiva autônoma do meio ambiente.

Nascendo doutrinariamente o conflito sobre qual teoria do risco aplicar. As

teorias mais conhecidas são: teoria do risco criado e teoria do risco integral. Os

49 CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 142.

40

doutrinadores adeptos do risco criado discutem seus problemas, buscando “[...]

entre as diversas causas que podem ter condicionado a verificação do dano, aquela

que, numa perspectiva de normalidade e adequação social, apresente sérias

probabilidades de ter criado um risco socialmente inaceitável, risco esse,

concretizado no resultado danoso”50 Esta teoria permite o uso das excludentes de

responsabilidade. Procura identificar uma causa adequada ao resultado danoso, do

contrário, faltaria o liame causal entre a atividade e o resultado, conforme leciona

Morato Leite51.

Se o dano foi causado somente por força da natureza, como um abalo sísmico, na ocorrência do agente poluidor, dita força maior, nestas condições, faz excluir o nexo causal entre o prejuízo e a ação ou omissão da pessoa a quem se atribuiu a responsabilidade pelo prejuízo. Porém, se, de alguma forma, o agente concorreu para o dano, não poderá excluir-se da responsabilidade, prevalecendo a regra segundo a qual a imprevisibilidade relativa não exclui a responsabilidade do agente.

Procura-se identificar dentre os diversos fatores de risco, aquele que, possa

efetivamente gerar o resultado danoso e assim imputar a responsabilização.

Já para a teoria do risco integral, qualquer que seja o risco que a atividade

possa produzir, verifica-se a presença de uma responsabilização. Não se questiona

o motivo ou a forma da ocorrência do dano, mas sim se ele realmente ocorreu e se

está vinculado ao fato. Não admitindo excludentes de responsabilidade, uma vez,

tendo a atividade causado o dano deverá responder na sua totalidade e havendo

mais de uma causa provável que justifique o resultado danoso, todos serão

responsabilizados.

Distinguindo as teorias do risco, leciona Steigleder52.

[...] de um lado, a teoria do risco integral, mediante a qual todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente internalizado pelo processo produtivo, devendo o responsável reparar quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade; de outro, a teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos os fatores de risco, apenas aquele que, por apresentar periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações lesivas, para fins de imposição de responsabilidade.

A doutrina majoritária adere à teoria do risco integral, justificando que a

responsabilidade objetiva por dano ambiental decorre da teoria do risco-proveito, ou

seja, o agente que obtiver lucro com determinada atividade deve arcar com prejuízos

50 CRUZ, apud STEIGLEDER, A. M. Reponsabilidade civil ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p. 91. 51 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003, p.209. 52 CRUZ, apud STEIGLEDER, A. M. Reponsabilidade civil ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004, p.198.

41

que essa causar. Essa teoria se fundamenta em um dos princípios básicos de

proteção ao Direito Ambiental, o princípio do Poluidor-Pagador, com

aprofundamento à frente. Tal princípio traz mudanças significativas para a

responsabilização civil, que passam de responsabilidade privada para a garantia de

proteção de bens difusos, como a água.

A adoção da responsabilidade objetiva demonstra o quanto a preocupação

com o aspecto ambiental tem adquirido importância na atualidade, suscitando

medidas de severa sanção e responsabilização, causada de forma direta ou indireta.

O princípio da reparação estabelece, portanto, que os indivíduos que forem

responsabilizados por ações que causaram degradação ambiental deverão arcar

com responsabilidade e custos da reparação ou da compensação pelo dano

causado. Farias53 salienta que, de certa forma, esse princípio também busca a

prevenção, considerando que ao dispor sobre a possibilidade de responsabilização e

reparação inibe ações que causem danos ao ambiente e a água.

1.4.10 Princípio da Precaução

O princípio da precaução tem como fundamento o fato de que, em razão da

dificuldade em se reconstituir uma área que tenha sofrido um dano ambiental, deve-

se evitar, ao máximo, que o dano chegue a ocorrer. Isso porque, em geral, a grande

maioria dos danos causados ao ambiente, em especial à água, é irreparável. É esta,

aliás, a orientação traçada pela Declaração do Rio, a qual estabelece que “Quando

houver ameaças de danos sérios ou irreversíveis devem ser tomadas medidas

eficazes e economicamente viáveis pra prevenir a degradação ambiental.” (Princípio

15).

Tal princípio tem como objetivo impedir o dano ambiental, e a degradação dos

recursos hídricos, ainda que sua ocorrência futura seja incerta; sua aplicação deriva

do fato de não se saber, ao certo, quais as consequências e reflexos que

determinada conduta poderá gerar ao ambiente, por incerteza ou imprevisibilidade.

Em trabalho específico sobre o tema Ana Gouveia e Freitas Martins54 defende que a

implementação do princípio da precaução gira em torno de sete ideias fundamentais:

53 FARIAS, T. Princípios gerais do direito ambiental. In: Paraíba, ano 5, n. 9, jul./dez. 2006, p. 126. 54 MARTINS, A. G. e F. O princípio da precaução no direito do Ambiente .p. 54-60.

42

1ª) A de que perante a ameaça de danos sérios ao meio ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência. 2ª) A da necessidade acerca da invenção do ônus da prova, cabendo aquele que pretender exercer uma atividade que a Administração julgue potencialmente danosa ao meio ambiente, que demonstre que os riscos a ela associados são aceitáveis. 3ª) In dubio pro ambiente, ou seja: o conflito entre interesses econômicos e interesses ambientais deve ser decidido em prol do ambiente. 4ª) A de que a sujeição ao desenvolvimento deve respeitar os limites de tolerância ambiental, de modo a proteger os sistemas ecológicos. 5ª) A de exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas disponíveis, de modo a possibilitar a redução da poluição e da lesão ao meio ambiente. 6ª) A da preservação de áreas e reservas naturais e a proteção de espécies. 7ª) Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e os riscos potenciais decorrentes de uma determinada atividade.

Sérgio Ribeiro Cavalcante55 ressalta que o princípio da precaução ambiental

na Administração Pública se caracteriza por um sistema de estudos, devendo ser

utilizado para atividades que possam causar significativo impacto adverso ao

ambiente. Para Ana Gouveia de Freitas Martins56 “o princípio da precaução deve ser

assumido como um princípio jurídico-político orientador da política ambiental”,

constituindo-se como um importante argumento para a atuação estatal na hipótese

de inexistência de comprovação científica acerca do potencial de degradação em

relação a determinado empreendimento ou obra. Nestas hipóteses, o princípio da

precaução justifica-se em razão da relevância dos bens jurídicos tutelados, de tal

forma que qualquer ameaça (ainda que não comprovada) em relação a tais bens

deve ser combatida antes que possa vir a causar algum dano, razão pela qual a

atuação estatal, com vistas à proteção do ambiente, há de ser exigida.

Ao lado do princípio da precaução, encontra-se, também, o princípio da

prevenção.

1.4.11 Princípio da Prevenção

A prevenção relaciona-se à ideia da existência de um perigo antevisto e

comprovado, o qual deve ser evitado. Na prevenção o nexo causal entre a conduta e

o dano ambiental encontra-se cientificamente comprovado ou é facilmente 55 CAVALCANTE, S. R. Princípio da Precaução Ambiental: uma diretriz política, constitucional administrativa e jurisdicional nas presunções científicas. p. 87. 56 MARTINS, A. G. e F. O princípio da precaução no direito do Ambiente .p. 93.

43

previsível. Segundo Vicente Gomes da Silva57, tal princípio foi inserido na

Declaração do Rio/92, como o número 15, devendo ser observado pelos Estados, de

acordo com suas capacidades.

Apesar de muitos autores utilizarem expressões como sinônimas, o princípio

da prevenção não se confunde com o princípio da precaução. Com base nesta

característica, Édis Milaré traça o principal fato diferenciador do princípio da

precaução, que se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos58. Para Rodrigo

de Almeida Amoy59, o princípio da prevenção refere-se ao perigo concreto, enquanto

o da precaução refere-se ao perigo abstrato. No princípio da prevenção as

consequências de determinado ato são previamente conhecidas, devendo, portanto,

ser evitadas. Já no princípio da precaução, a proteção decorre do fato de não se

saber quais danos poderão ser causados ao ambiente. A diferença entre tais

princípios também é apontada para Tiago Fensterseifer60, para quem o princípio da

prevenção traria consigo a ideia de conhecimento completo acerca dos efeitos de

determinada intervenção no ambiente, ao passo que, o princípio da precaução

possuiria um universo maior, por procurar atuar na proteção de um bem jurídico

ambiental sobre o qual ainda não se sabe, com exatidão, quais serão as

consequências danosas que podem vir a ocorrer. Porém, não são todos os autores

que fazem essa diferenciação.

A aplicação do princípio da prevenção (bem como do princípio da precaução)

permite que a Administração Pública se antecipe à lesão ambiental e realize

condutas atinentes à prevenção do dano, permitindo uma maior efetividade na

proteção ao ambiente.

1.4.12 Princípio da Função Socioambiental da Propri edade

A Constituição Federal garante o direito à propriedade privada (art. 5°, XXII),

deixando claro, entretanto, que a propriedade deverá atender sua função social (art.

57 SILVA, V. G. da. Legislação ambiental comentada . p. 26. 58 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 142. 59 AMOY, R. de A. A proteção do direito fundamental ao meio ambiente no direito interno e internacional. 60 FENSTERSEIFER, T. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: A dimensão ecológica da dignidade humana. p. 81-82.

44

5°, XXIII). Com base em tal regra, João Lopes Guima rães Junior61, ensina que a

função social da propriedade refere-se ao “[...] dever do proprietário de atender a

finalidade relacionada a interesses protegidos por lei”.

O ambiente possui inequívoca função social, eis que, por meio dele,

possibilita-se uma melhoria na qualidade de vida de toda a população, destacando-

se, ainda que o artigo 170 da Constituição Federal elenca a propriedade privada e

sua função social como princípios da ordem econômica.

Jean Jacques Erenberg62 explicita que, ao contrário do que se poderia

imaginar, a adoção do princípio da função social da propriedade não possui um viés

socialista, de tal forma que sua existência possa ser justificada dentro de um regime

capitalista, no qual a função social da propriedade constitui-se como princípio da

atividade econômica e direito fundamental do ser humano.

Para Saint-Clair Honorato Santos63 o direito de propriedade “[...] não pode

mais ser entendido com um caráter absoluto; deve ter em conta a função social da

propriedade visando ao bem-estar de todos”. Patrícia Faga Iglecias Lemos64 partilha

do mesmo entendimento, esclarecendo que o direito de propriedade evoluiu muito,

“[...] afastando-se da concepção individualista e aproximando-se de uma concepção

social”. Para a citada autora, “[...] essa nova concepção envolve, além do aspecto

social, a proteção do meio ambiente como interesse difuso”.65

Relembre-se ainda que, segundo o disposto no artigo 182 da Constituição

Federal “[...] a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes”. Consoante doutrina de Kiyoshi Harada66, a propriedade privada

encontra-se vinculada à finalidade perseguida por aqueles princípios, isto é, “[...]

assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

61 GUIMARÃES JUNIOR, J. L. Função social da propriedade. In: Revista direito ambiental ., ano 8, n. 29, jan./mar. 2003, p. 124. 62 ERENBERG, J. J. Função social da propriedade urbana . p. 164. 63 SANTOS, S.-C. H. Direito ambiental: Unidade de conservação e limitações administrativas. p. 143. 64 LEMOS, P. F. I. Responsabilidade civil do proprietário diante do be m sócio ambiental. . Tese. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 165. 65 LEMOS, P. F. I. Responsabilidade civil do proprietário diante do be m sócio ambiental. Tese. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 165. 66 HARADA, K. Desapropriação: Doutrina e Prática. p.8.

45

No que tange à propriedade rural Olavo Acyr de Lima Rocha67 relembra

ainda, que o artigo 2º, parágrafo primeiro, da lei 4.504/64, dispõe que a propriedade

desempenhará integralmente sua função social quando simultaneamente:

a) Favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) Mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) Assegura a conservação dos recursos naturais; d) Observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

O artigo 170 da Constituição Federal elenca a propriedade privada e sua

função social como princípios da ordem econômica. Discorrendo acerca da função

social da propriedade rural, o autor destacou entre os requisitos a serem observados

pelo proprietário do imóvel a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e

preservação do ambiente (art. 186, II da CF e art. 9º, II da Lei 8.629, de 25 de

fevereiro de 1993). Deste modo, o proprietário deverá respeitar as características

próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida

adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e

qualidade de vida das comunidades vizinhas68.

Deste modo, a função social somente será cumprida quando houver, entre

outros fatores, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a

preservação ambiental. Feitas tais considerações conclui-se que a propriedade

privada, além de possuir uma função social deve, também, desempenhar uma

função ambiental, o que significa dizer que o direito à propriedade não pode ser

utilizado como justificativa para a realização de danos ao ambiente.

1.4.12.1 Função Socioambiental da Propriedade em Relação ao Uso da Água

Desde as mais antigas sociedades, como egípcia, hebraica, babilônica, entre

outras, o ser humano sempre dispôs de regras concernentes ao uso da água. As

águas há algumas décadas, têm sido motivo de grande preocupação em especial as

destinadas ao consumo humano e ao saneamento ambiental.

Parte-se do pressuposto que é preciso considerar que a Política Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos, a preservação e uso racional dos recursos 67 ROCHA, O. A. de L. A desapropriação no direito agrário. p.82. 68 CUTINHO, N. C. de A. Da desapropriação para fins de reforma agrária enquanto instrumento limitador do direito de propriedade e implementador da função social da propriedade. In: Revista de direito e política, FIQUEIREDO, Guilherme José Purvin e MEDAUAR, Odete (coord.). v. 16, Jan./Abr. 2008, p. 93.

46

ambientais são indissociáveis, pois, a proteção conferida ao ambiente pela

Constituição da República Federativa do Brasil, sua inserção e defesa ao lado da

função social da propriedade como princípios da ordem econômica, induz que pode-

se dizer atualmente que existe a função socioambiental da propriedade privada.

As resoluções do CONAMA nº 302/02 e nº 303/02 delimitaram pela primeira

vez o termo função socioambientais da propriedade. Estas resoluções atinentes às

Áreas de Preservação Permanente estabeleceram novas limitações a direito

fundamental, o direito de propriedade. Para melhor entendimento, o termo

preservação permanente impõe um caráter de rigorosa proteção, acentuando maior

relevância dessas áreas para equilíbrio ecológico do sistema.

Tal função ambiental projeta-se no campo da higidez dos recursos hídricos,

preservação das paisagens naturais, proteção da biodiversidade, preservação da

estabilidade geológica, garantia do fluxo gênico da fauna e da flora, proteção do solo

e promoção do bem-estar da coletividade.

De acordo com o artigo 4° do Código Florestal, lei 12.651 de 2012, são

consideradas áreas de preservação permanente:

Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: II - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; III - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

Para um esclarecimento do que fora colocado deve-se resgatar o que está

elencado no artigo 4º do Código Florestal Brasileiro que fixa as Áreas de

Preservação Permanente e identifica dois grupos: aquelas que são de preservação

permanente devido à sua localização (margens de cursos d`água, topos de morro,

47

áreas de declividade, dentre outras), e aquelas que merecem tal proteção pelo tipo

de vegetação que as recobre (restingas, manguezais, dunas). Nas áreas do primeiro

grupo, estão as destinadas à proteção dos recursos hídricos, fixadas nas alíneas a,

b, e c, referentes às margens de cursos d`água, à vegetação ao redor das lagoas,

lagos ou reservatórios de água naturais ou artificiais e no entorno de nascentes e

olhos d`água.

A fim de tratar das Áreas de Preservação Permanente como instrumento de

proteção das águas, deve-se, inicialmente, destacar as transformações ocorridas no

regime jurídico das referidas APP´s. O Código Florestal Brasileiro passou por

profundas transformações a partir do ano 2000 com a instituição do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC que revogou o artigo

18 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que transformava às Áreas de

Preservação Permanente em reservas ou estações ecológicas e, no ano de 2002,

pelas Resoluções do Conama nº 302 e 303, redefiniram os parâmetros, definições e

limites das APP´s, revogando a Resolução do Conama nº 004/85, que

regulamentava o citado artigo 18 da PNMA, lei nº 6.938/81.

A função ecológica do direito de propriedade opera como fator legitimador da

imposição de restrições ao seu uso, tais como a instituição de áreas de preservação

permanente e de reservas florestais legais.

A utilização racional e adequada dos recursos naturais e a preservação do

ambiente constituem elementos condicionadores da legitimidade do direito de

propriedade, balizando o cumprimento de sua função social. Daí resulta a expressão

função socioambiental, a significar que o direito de propriedade deve ser exercido de

modo a que não sejam malferidos os interesses da coletividade no que tange à

promoção do ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.

O perfil individualista e liberal da propriedade está sendo superado pela

concepção de interesses sociais preponderantes, de sorte que hoje a propriedade

privada possui um conteúdo formado tanto pelo direito subjetivo, assegurado no

Código Civil, como pelos ditames constitucionais de observância da função social

ambiental. Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e na era de

transição para o Estado de Direito Ambiental, a propriedade tende a traduzir um

direito cujo exercício em prol da sociedade apresenta interesse público relevante.

Diante desta superação de paradigma, decorre a necessidade de se

compatibilizarem princípios constitucionais mediante ponderação de valores, sendo

48

que o valor ambiental, por ser de interesse público e difuso, não pode ser suplantado

pelos interesses privados do proprietário. Destes esforços de integração do sistema

jurídico decorre o princípio da função socioambiental da propriedade que, em última

análise, objetiva prevenir a degradação da qualidade ambiental.

Concretizar essa nova visão sobre a propriedade é tarefa em construção,

conforme observado na proteção jurídica das águas, sempre dificultada pelas

constantes tensões entre o anseio pelo uso (tantas vezes nocivo ou abusivo) da

propriedade e a proteção ambiental. Essa proteção jurídica das águas vem ao

encontro do discurso ecumênico de espiritualidade da água que a considera como

possuindo significado social, cultural, medicinal, religioso, além de econômico.

1.4.13 Princípio do Desenvolvimento Sustentável

Na perspectiva de enfrentamento dos principais problemas que assolam o

mundo na contemporaneidade, o desenvolvimento sustentável coloca-se como um

grande desafio para o século XXI, seja no nível teórico, pelas promessas e pela

imprecisão conceitual que ele traz em seu bojo; seja no nível empírico, pelas

escassas experiências de sucesso e pelas dificuldades práticas ainda hoje

vivenciadas.

O desenvolvimento sustentável ou eco desenvolvimento consiste na

conciliação entre o progresso, a preservação do ambiente e a melhoria da qualidade

de vida. Busca satisfazer necessidades presentes, sem comprometer capacidade

das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Seria a utilização dos

recursos naturais sem comprometer sua produção e sem devastar a natureza.

O termo foi utilizado pela primeira vez em 1980 por um organismo privado, a

Aliança Mundial para a Natureza. Em 1987, um informe realizado para a ONU,

definiu o conceito no qual dizia que um desenvolvimento é duradouro quando

responde às necessidades do presente sem ameaçar as capacidades das gerações

futuras.

Por ocasião da Rio 92 foram produzidos três importantes documentos no

âmbito internacional: Agenda 21 (elaborada pelos Chefes de Estado), o Tratado de

Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global

(elaborado pelo Fórum Global, realizado paralelamente por ONGs de todo o mundo)

e a Carta Brasileira de Educação Ambiental (elaborada pela coordenação do MEC).

49

Na Eco-92, cúpula realizada no Rio de Janeiro e na Rio +10, encontro em

Johannesburgo dez anos depois, essa expressão foi o centro das discussões. O

desenvolvimento sustentável foi adotado na Declaração do Rio e na Agenda 21

como meta a ser buscada e respeitada por todos os países.

1.4.14 Princípio do Direito ao Desenvolvimento Sust entável

O desenvolvimento sustentável é definido pela Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento como "[...] aquele que atende às necessidades do

presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as

suas próprias necessidades", significando, também, melhorar a qualidade de vida

humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. A Agenda

21 reclama como indispensáveis "[...] os padrões de consumo sustentáveis", sem o

qual não se erradicará miséria, nem condições necessárias ao ecossistema

planetário, nem direito das gerações futuras.

Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente tem

que ser entendida como parte integrante do processo de desenvolvimento, não

podendo ser considerada de forma isolada. Assim, tem-se que, inicialmente,

perceber a diferença entre crescimento e desenvolvimento: crescimento não conduz

automaticamente à igualdade, nem à justiça social, pois não leva em conta a

qualidade de vida, mas sim, o acúmulo de riquezas; desenvolvimento, entretanto,

não se prende meramente à produção de riquezas, mas à sua distribuição

objetivando melhor qualidade de vida de toda a população e, consequentemente,

levando em consideração, a qualidade ambiental do planeta. A Declaração da

Conferência de Thessalonniki69 diz que:

‘O conceito de sustentabilidade inclui não somente o meio ambiente, mas também a pobreza, a população, a saúde, a segurança alimentar, a democracia, os direitos humanos e a paz’. A sustentabilidade é, em ultima análise, um imperativo moral e ético no qual a diversidade cultural e o conhecimento tradicional precisam ser respeitados.

A erradicação da pobreza está intimamente ligada ao desenvolvimento

sustentável, buscando conciliar crescimento econômico, conservação do ambiente e

justiça social. Entretanto, sem a acolhida dos países desenvolvidos torna-se ainda

mais difícil sua efetivação. Na reunião de Cúpula da Terra, realizada em

69 Declaração Thessalonniki. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/declthessaloniki.pdf>. Acesso: 15 jun. 2015.

50

Johannesburgo, na África do Sul, em 2002, resolveram reafirmar o compromisso da

ECO-92, no qual 0,7% do PIB dos países ricos seriam destinados a ajudar o

desenvolvimento. Além desta, diversas questões foram decididas, mas sem prazo

ou meta específica para seu cumprimento. É perceptível que o conceito de

desenvolvimento sustentável não diz respeito apenas ao impacto da atividade

econômica no ambiente, se refere principalmente às consequências dessa relação

na qualidade de vida e no bem estar da sociedade, tanto presente quanto futura.

O uso sustentável é delimitado pela capacidade de regeneração do recurso.

Os recursos não renováveis (minérios, petróleo, gás e carvão), ao contrário das

plantas, peixes ou solo, que não podem ser usados de forma sustentável, porém,

sua disponibilidade pode ser prolongada por meio da reciclagem, da utilização em

menor escala ou, quando possível, da sua substituição por recursos renováveis.

Como regra: não ultrapassar os limites de impacto ambiental suportados pelos

ecossistemas da Terra, sem chegar a uma perigosa deterioração; modificar

comportamentos pessoais para adotar a ética da vida sustentável; disseminar

informação de modo que as atitudes necessárias sejam amplamente compreendidas

e conscientemente adotadas; permitir que as comunidades cuidem de seu próprio

ambiente, sendo que por meio desse envolvimento possa ser criada uma força

efetiva a favor do ambiente de sua localidade; gerar uma estrutura nacional para a

integração de desenvolvimento e conservação por leis, instituições e políticas-

econômicas e sociais sólidas para poder progredir de forma racional. As leis

ambientais devem salvaguardar direitos humanos, interesses das gerações futuras e

a produtividade e diversidade do planeta terra. Deverão ser proporcionados

programas de pesquisa e controle, mantendo sistemas de monitoração para sua

eficácia; constituir aliança global entre os países, sendo que países de menor renda

devem ser ajudados a se desenvolver de maneira sustentável e a proteger seu

ambiente. Os recursos globais são comuns a todos (atmosfera, oceanos,

ecossistemas coletivos) e devem ser a meta de todos, pois, se não for alcançada,

todos estarão ameaçados.

Segundo José Adercio Leite Sampaio o desenvolvimento sustentável “[...]

consiste no uso racional e equilibrado dos recursos naturais, de forma a atender às

51

necessidades das gerações presentes, sem prejudicar o seu emprego pelas

gerações futuras”70.

No plano internacional, traduz-se, nas palavras de Chris Wold71, no direito dos

Estados-Membros usarem recursos de acordo com suas políticas nacionais. Deste

modo, compete a cada Estado, individualmente, e segundo o poder conferido por

meio de sua soberania, formular e implementar sua política de proteção ao

ambiente. Do mesmo modo, “[...] o direito ao desenvolvimento articula-se como um

direito fundamental que os Estados têm o dever de proteger”72. Tal princípio foi

explicitado por meio dos princípios 3 e 4 da Declaração do Rio de Janeiro/92, in

verbis:

PRINCÍPIO 3 – O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras. PRINCÍPIO 4 – Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir para integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste.

Segundo Paulo Affonso Leme Machado73 tal princípio foi acolhido pela

Constituição Federal ao impor à coletividade e ao poder público o dever de preservar

o ambiente para as presentes e futuras gerações.

Segundo Welber Barral e Gustavo Assed Ferreira74, “[...] desenvolvimento

sustentável é o desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem

comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias

necessidades”. Por fim, Luiz Roberto Gomes75 entende que o princípio do

desenvolvimento sustentável encontra-se consagrado em nossa Constituição

Federal, ao obrigar a coletividade a defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações, por ser essencial à sadia qualidade de vida.

Está evidente que os recursos ambientais não são inesgotáveis. É

inadmissível a prática de atividades econômicas alheias a este fato. Tornou-se

necessário um modelo estatal intervencionista, com finalidade de reequilibrar o

70 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios do Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 47. 71 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios do Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 10. 72 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios do Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.11. 73 MACHADO, P. A. L. Direito Ambiental Brasileiro . p.94 74 BARRAL, W.; FERREIRA, G. A. Direito Ambiental e Desenvolvimento. In: Direito Ambiental e Desenvolvimento . p. 13. 75 GOMES, L. R. Princípios Constitucionais de proteção ao meio ambiente. In: Revista de direito ambiental . p.179.

52

mercado econômico, permitindo desenvolvimento, mas de forma sustentável,

planejada, para que recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos.

A essência deste princípio está na manutenção das bases vitais da produção e

reprodução do homem e de suas atividades, garantindo a utilização racional dos

recursos naturais para que, também, as futuras gerações possam desfrutar dos

mesmos recursos que se tem hoje à disposição. Este princípio não visa a impedir o

desenvolvimento econômico. Na maioria das vezes, a atividade econômica

representa alguma degradação ambiental. O que se busca, entretanto, é que as

atividades sejam desenvolvidas utilizando-se de todos os instrumentos adequados

para a menor degradação possível, atendendo às necessidades do presente, sem

causar riscos às futuras gerações.

1.4.15 Princípio da Cooperação entre os Povos

Desde a Conferência de Estocolmo já se encontrava presente a necessidade

do livre intercâmbio e do mútuo auxilio entre os países, a fim de facilitar a solução

dos problemas ambientais. Com esse intuito, foi formulado o princípio de nº 20,

defendendo o fomento do livre intercâmbio de informações e experiências científicas

entre os países, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais. Do mesmo

modo, defendeu que a tecnologia ambiental deve ser colocada a serviço dos países

em desenvolvimento. Para Édis Milaré, a Declaração sobre o Ambiente Humano foi

o principal documento resultante daquela conferência76.

Hoje, tal princípio encontra-se consagrado no texto constitucional, ao

estabelecer a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como

princípios a serem observados nas relações internacionais. Do mesmo modo, a já

mencionada Declaração do Rio incluiu entre seus princípios que:

Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar sues próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividade sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional (princípio 2).

A inserção nas Constituições dos países possui uma importância fundamental

para possibilitar a defesa do ambiente. Isso porque, em geral, as agressões não se

restringem apenas a um país, podendo trazer graves prejuízos e problemas para as 76 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 22.

53

populações de países vizinhos e, até mesmo, distantes daqueles no qual o dano

tenha ocorrido. A poluição, a diminuição das reservas naturais, o aumento da

temperatura, o desmatamento, entre outros, trazem transtornos à população em

geral, razão pela qual se faz necessária a adoção de medidas que permitam a união

entre países no combate à toda e qualquer agressão ambiental.

Tal princípio visa a permitir o livre intercâmbio de experiências científicas e do

mútuo auxilio tecnológico e financeiro entre países, a fim de facilitar a solução dos

problemas ambientais.

1.5 CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A consciência ecológica está extremamente ligada à preservação do

ambiente que, atualmente, é uma preocupação mundial e nenhum país pode eximir-

se de sua responsabilidade. As agressões são as mais diversas, e estão cada vez

mais constantes. Há necessidade urgente de protegê-lo, sendo que o primeiro passo

é a conscientização do homem por meio do conhecimento.

Os valores de educação ambiental adotados no Brasil têm origem na

ideologia dos encontros internacionais, registrando a integração do Brasil no cenário

externo. Em consonância com o cenário internacional, o Brasil foi sede, em 1992, da

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92),

da qual participaram mais de 180 países. A jornada internacional de Educação

Ambiental, realizada no Fórum Global da Eco-92, reafirma o compromisso crítico da

Educação Ambiental, expresso no “Tratado de Educação Ambiental para as

Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”. O tratado diz que a educação

ambiental não é neutra, mas ideológica; é um ato político baseado em valores para

transformação social. O tratado considera educação ambiental para sustentabilidade

equitativa como “[...] um processo de aprendizagem permanente, baseado no

respeito a todas as formas de vida”. Tal processo afirma valores e ações que

contribuem para transformação humana e social e para preservação ecológica77.

Ao se voltar para cuidados com sustentabilidade hídrica, a Carta de Montreal

sobre Água Potável e Saneamento, publicada em 1990, afirma que a administração

dirigida apenas para os trabalhos estritamente técnicos não é satisfatória nem 77 ANA, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Educação ambiental e Gestão de Recursos Hídricos. Maringá: UEM, 2008, p. 25.

54

suficiente, sendo educação a forma de estimular a participação social nas matérias

pertinentes à água78.

Foi, portanto, neste contexto, que o Brasil publicou a lei da Política Nacional

de Educação Ambiental, nº 9.795/99, regulamentada pelo decreto nº 4.281, de 25 de

junho de 2002, incumbindo ao Poder Público de "[...] promover a educação

ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a

preservação ambiental". Entendendo-se por educação ambiental, a lei nº 9.795/99,

em seu artigo 1º, diz:

Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Seus princípios básicos são: enfoque humanista e participativo; concepção do

ambiente em sua totalidade; pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, na

perspectiva de intermultidisciplinaridade e transdisciplinaridade; vinculação entre

ética, educação, trabalho e práticas sociais; garantia de continuidade e permanência

do processo educativo; abordagem articulada das questões ambientais locais,

regionais, nacionais e globais; reconhecimento e respeito à plural idade e à

diversidade individual e cultural.

A educação ambiental é instrumento de transformação na concepção da

gestão ambiental. Esta situação implica em mudança de paradigma, de hábitos e de

atitudes tornando-se caminho para que o ser humano compreenda, vivencialmente,

que os valores podem e devem ser mudados, gerando a consciência da

necessidade do cuidado, de cidadania e da participação, contribuindo para

preservação do ambiente. Sendo este o caminho para efetividade do Direito e

acesso à água.

A educação ambiental vem conquistando espaço e tem representado um

papel relevante nos últimos anos, principalmente em face da urgência em resolver

graves problemas socioambientais e tem sido apontada como meio de

aprendizagem de como gerenciar e melhorar relações entre sociedade humana e

ambiente, de modo integrado e sustentável.

Várias definições de educação ambiental têm sido elaboradas neste

contexto. A Conferência de Tbilisi (1977) definiu a Educação Ambiental como um

78 COMMETTI, F.D. et.al. O desenvolvimento do direito das águas como um ramo autônomo da ciência jurídica brasileiro. Revista de direito ambiental . 2008, p.67.

55

processo permanente no qual indivíduos e comunidade tomam consciência de seu

ambiente e adquirem conhecimento, valores, habilidades, experiências e

determinação que os tornam aptos a agir - individual e coletivamente -, para resolver

os problemas ambientais.

Embora a educação ambiental seja definida nestes documentos como um

processo dinâmico integrativo, transformador, participativo, abrangente, globalizador,

permanente e contextualizador, há um aspecto que é praticamente escamoteado.

Trata-se de conceber a educação como um instrumento no processo de gestão

ambiental, postulando-se a necessidade de criação de espaços democráticos de

exercício do poder de gestão. Tal concepção presume formas de compartilhamento

das questões ambientais com populações locais envolvidas; das informações

necessárias à compreensão da complexidade dessas questões, bem como criação

de espaços de decisão quanto às políticas públicas a serem adotadas.

1.5.1 A Integração da Educação no Processo de Gestã o Ambiental

Há insustentabilidade na estrutura socioambiental, tanto nas relações entre

pessoas, como nas relações das pessoas com a natureza. Para que estas relações

sejam viáveis, é necessário que haja educação integrada no processo de Gestão

Ambiental que proporcione condições necessárias para produção e aquisição de

conhecimentos e habilidades, e, que desenvolva atitudes, visando à participação

individual e coletiva na administração do uso de recursos hídricos e na concepção e

aplicação das decisões que afetam a qualidade e proteção da água.

A educação, entendida como um dos instrumentos básicos e indispensáveis a

sustentabilidade dos processos de gestão ambiental dos recurso hídricos, traz o foco

para importância de se considerar questões de cidadania a partir do universo

cognitivo, comunicativo e sociopolítico dos sujeitos que dão suporte às ações

implementadas, suas relações intersubjetivas e intergrupais.

A lei de educação ambiental determina que “Os Estados, Distrito Federal e

Municípios, na esfera de sua competência e áreas de sua jurisdição, devem definir

diretrizes, normas e critérios para a educação ambiental dentro das diretrizes da

Política Nacional de Educação Ambiental” (art. 16). Essas entidades federativas

devem implantar por meio de leis estaduais, distritais e municipais, a definição de

programas capazes de proteger recursos hídricos em seus respectivos territórios.

56

Contudo, apenas leis não bastarão. Será necessário vigilância por parte da

sociedade para que, efetivamente, seja possível vivenciar uma educação ambiental

pautada na conservação e preservação.

Para que a educação ambiental possa contribuir nesse processo de proteção

do direito à água, é preciso que o educador ambiental atue como um intérprete. Ao

evidenciar os sentidos culturais e políticos em ação nos processos de interação

sociedade-natureza, o educador seria um intérprete das percepções - que também

são, por sua vez, interpretações sociais e históricas mobilizadoras dos diversos

interesses e intervenções humanas no ambiente. Trata-se de evidenciar os

horizontes de sentido histórico-culturais que configuram relações com o ambiente

para determinada comunidade humana e em tempo especifico.

No que se refere à racionalidade capitalista, esta dimensão aponta para as

repercussões das ideologias do individualismo e do consumismo na formação da

ética pessoal e grupal, incompatíveis com a lógica do cuidar. Reproduzem

estratégias socioeconômicas, tais como competição, negação da cooperação,

individualismo, acumulação de riqueza em detrimento da distribuição igualitária. Do

ponto de vista da produção, está presente nas tensões entre capital e trabalho, entre

público e privado. Aparece sob forma da obsolescência planejada dos produtos-

mercadorias e, no caso do capitalismo globalizado, tenciona relações entre

necessidades coletivas, enquanto bem comum, e interesses privados das empresas

multinacionais. No processo de consumo, manifesta-se na face da descartabilidade,

do desperdício, da geração de necessidades artificiais e dos resíduos não reciclados

que contaminam ambiente, água e degradam qualidade de vida.

2 AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO

A proteção ao ambiente é tema que vem ganhando cada dia mais relevância

no mundo atual. Assim, se no passado não havia preocupação em estabelecer

normas disciplinando sua utilização e proteção, hoje salvaguardas protetoras do

direito ao ambiente encontram-se previstas na maioria das Cartas Constitucionais.

57

José Afonso da Silva79 relembra que “[...] o ambientalismo passou a ser tema

de elevada importância nas Constituições mais recentes”. Contudo, cumpre

esclarecer que, muito embora inserção de capítulo específico sobre ambiente só

tenha ocorrido com a promulgação da Constituição Federal de 1988, sua proteção

possuía amparo constitucional anterior. Tal raciocínio é possível ao atentar para o

fato de que a proteção ao ambiente se constitui em derivação da proteção do direito

à vida, de tal forma que, por este possuir amparo constitucional, a proteção daquele

é possível por via reflexa.

Como bem preleciona Édis Milaré80, com o advento da Constituição de 1988 a

proteção jurídica do ambiente passou a ter identidade própria, deixando de ser um

bem jurídico per accidens, elevando-se aos status de bem jurídico per se. Deste

modo, a criação de proteção jurídica autônoma permitiu amparo mais efetivo, sem

que fosse necessário pleitear sua proteção como derivação do direito à saúde

humana.

Segundo José Afonso da Silva81 “[...] as normas constitucionais assumiram

consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos

fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no

campo da tutela do meio ambiente”.

De qualquer modo, conforme se observará ao longo deste trabalho, é possível

defender proteção ao ambiente por diversos mecanismos: 1) Por ser ele um direito

constitucionalmente protegido e tutelado; 2) Por constituir-se como direito

fundamental; 3) Por derivar do direito à vida, saúde e qualidade de vida; 4) Em razão

da tutela ambiental ser instrumento importante para garantir a efetividade na

preservação da água.

79 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 51. 80

MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 43. 81 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 62.

58

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO AMBIENTE

O ambiente pode ser entendido como elementos naturais, artificiais e culturais

que fazem parte da vida82. De acordo com a Organização das Nações Unidas em,

sua resolução nº 3.717, tem-se:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II–degradação da qualidade ambiental,a alteração adversa das características do meio ambiente.

A expressão meio ambiente foi criada por Saint-Hilaire em 1835 que o definiu

da seguinte forma: “[...] um complexo de relações entre o mundo natural e os seres

vivos que influenciam sua vida e seu comportamento83.” Coimbra84 explica em duas

partes o que vem a ser meio:

A palavra meio nos leva a uma superfície ou volume em que se insere um ponto qualquer; tem, portanto, uma conotação espacial, geométrica; desde que se está ‘dentro’, ou inserido, vale dizer que se está no meio, ainda que as distâncias lineares não sejam perfeitamente regulares. Em nosso caso, ‘estar no meio’ significa estar cercado de outros seres por todos os lados, como que imerso num banho total, embora as distâncias que vão deste ponto aos ‘extremos’ não sejam nem iguais nem definíveis. O contorno desse meio é indefinido. ‘Estar num meio’ significa, na prática, estar dentro dele, por ele envolvido, sem definição de limites. Veja, não é pura especulação: sempre estamos no meio de um conjunto de coisas, como que perdidos nelas ou misturados a elas; ou, às vezes, estamos em meio a uma determinada situação, na qual figuramos como protagonistas. Nas realidades concretas das várias situações, cada ser que está num meio qualquer é, por referência, o centro desse mesmo meio.

Na segunda parte, o autor85 explica o sentido da palavra “ambiente”, dentro

do contexto:

A palavra ambiente é composta de dois vocábulos latinos: a preposição amb(o), ao redor, à volta, e o verbo ire, ir, que se fundem numa aritmética muito simples, amb + ire = ambire. Desta simples operação resulta uma soma importantíssima, 'ir à volta'. Ambiente, pois, é tudo o que vai à volta, o que rodeia determinado ponto ou ser. 'Ambiente' começou como particípio presente do verbo ambire (ambiens, ambientis), passou a ser adjetivo para assumir depois, em casos precisos como o nosso, a gloriosa posição de substantivo, designando uma entidade que vai à volta de um determinado ser, mas que existe em si mesma.

Integrando as duas palavras, tem-se: 82 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 88. 83 MEIRA, J. de C. Direito ambiental. 2003, p. 6. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/141/Direito_Ambiental.pdf?sequence=1>. Acesso: 22 mar. 2015. 84 COIMBRA, Á. O outro lado do meio ambiente : uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 23-24. 85 COIMBRA, Á. O outro lado do meio ambiente : uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 33-44.

59

Temos, assim, o ambiente como uma entidade real substantiva que se relaciona com um ser ou conjunto de seres por ela envolvidos. Veja lá, não é bonito entender as palavras e penetrar no recinto íntimo do seu significado? Afinal, inteligência, pela etimologia, significa a capacidade de ler dentro das coisas. Há outra consideração: as palavras são sinais do que pensamos, do que está “escondido” em nossa mente; e são, também, símbolos de grandes e inexploradas realidades! Então, estamos entendidos: nosso ambiente é tudo o que vai à nossa volta e nos arrodeia. O verbo ir – um dos componentes desta realidade – traduz ação, o que é próprio e exclusivo dos verbos, como sabemos pela velha e esquecida gramática; isto imprime ao conceito de ambiente dinamismo e movimento, que se traduzem tanto na influência do ambiente sobre o ser que ele envolve quanto na resposta adequada do ser envolvido, produzindo-se uma interação de ambos: ações-reações, estímulos respostas86.

Inclui-se o ser humano como elemento do ambiente, em que sua

sobrevivência não se determina somente pelas condições físicas do ambiente, mas

também por suas relações com outros seres vivos. Assim, entende-se que a

definição de ambiente não se resume à ecologia e sim à integração do ser humano

dotado de consciência de suas responsabilidades87.

O Direito Ambiental surgiu com o objetivo de proteger o ambiente das

condições de risco, pondo em prática sistemas de prevenção e de reparação

estabelecendo normas para evitar condutas nocivas das atividades cotidianas do ser

humano88. A legislação ambiental brasileira foi contemplada na Carta Magna em

1988, mas antes houve dispositivos legais de proteção ambiental. Em 1965 surge a

lei nº 4.771, de 15 de setembro, instituindo o Código Florestal, prevendo disposições

de uso do solo, de recuperação da cobertura vegetal e das áreas de prevenção

permanente89. Em 28 de fevereiro de 1967, surgiu o decreto-lei nº 221, o Código de

Pesca, estabelecendo proibições à pesca e regulamentando lançamentos de

efluentes e resíduos líquidos ou sólidos às águas90.

Com a Constituição Federal de 1988, foi elaborado um capítulo dedicado ao

ambiente, demonstrando a importância de se tutelar esse bem fundamental à

preservação da vida, conforme artigo 225:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao

86 COIMBRA, Á. O outro lado do meio ambiente : uma incursão humanista na questão ambiental. Campinas: Millennium, 2002, p. 25-26. 87 NALINI, J. R. Ética ambiental . Campinas: Millennium, 2001, p. 26. 88 SAMPAIO, F. J. M. Responsabilidade civil e reparação de danos ao meio ambiente . 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 12. 89 FUENTES, L. F. D. S. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua reparação . 1999. Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 44. 90 FUENTES, L. F. D. S. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua reparação . 1999. Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 45.

60

Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações91.

Azevedo92 fornece sua opinião acerca do referido artigo:

Ao consagrar a proteção ambiental, o artigo 225 da Constituição Federal obriga o intérprete a opções valorativas sobre o exercício dos direitos individuais cotejados com a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que aqueles não se sobreponham a esta.

Em 1992 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e desenvolvimento que formulou princípios para proteção ambiental,

visando sempre à sua tutela e preservação. Finalmente, devido a importância da

tutela para preservação da água, em 1997, a lei nº 9.433 instituiu a Política Nacional

de Recursos Hídricos, em que a Bacia hidrográfica é posta como espaço geográfico

de referência. Em 12 de fevereiro de 1998, foi elaborada a Lei de Crimes Ambientais

elencando sanções penais e administrativas para condutas prejudiciais ao ambiente

em especial à conservação e proteção da água93.

No ano 2000, criou-se a compensação ambiental e constituiu o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação – SNUC com a lei 9.985/00 regulamentando

a atividade empresarial como dever de preservar o meio ambiente, visando a

efetividade do direito de preservação deste bem94. No seu artigo 36 tem-se:

Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o dispositivo neste artigo e no regulamento desta lei.

Os dispositivos da Lei de Compensação Ambiental foram regulamentados

pelo decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, em que somente atividades

capazes de afetar florestas e outros ecossistemas poderiam vir a ter licenciamento

condicionado95. Em 2009, foi estabelecida a lei nº 12.187/09 sobre Política Nacional

quanto às mudanças do clima, estimulando manutenção e promoção de padrões

91 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil . 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 92 AZEVEDO, P. F. de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 118. 93 FUENTES, L. F. D. S. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua reparação . 1999.Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 46. 94 MELO, A. A. M. de. Compensação ambiental. 2006. Dissertação. Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima/MG, p. 21. 95 MELO, A. A. M. de. Compensação ambiental. 2006. Dissertação. Faculdade de Direito Milton Campos. Nova Lima/MG, p. 21.

61

sustentáveis de produção e consumo, uma vez que mudanças climáticas estão

diretamente ligadas aos aspectos gerais da água e seu ciclo hidrológico.

Por fim, no ano de 2010 entra em vigor a lei nº 12.305/10, que aborda a

Política Nacional de Resíduos Sólidos, reforçando o estímulo das compras e

produções sustentáveis, tendo como prioridade a aquisição de produtos recicláveis e

reciclados e bens com padrões ambientalmente sustentáveis96.

A evolução do Direito Ambiental ocorre em busca da efetividade de sua

proteção, uma vez que a crescente preocupação social com questões ambientais

levou a comunidade internacional a elaboração de normas de proteção ao ambiente.

A conscientização de que os recursos naturais renováveis e não renováveis

são limitados, clamou por intervenção legislativa, capaz de tutelá-lo efetivamente. A

reconstrução passou a impor ao desenvolvimento econômico racional utilização dos

recursos naturais e fez com que os processos industriais passassem a internalizar

externalidades ambientais. A esta nova proposta de desenvolvimento econômico

surge à ideia de sustentabilidade como forma de evitar a degradação do ambiente.

Para direcionar esta atividade normativa, diversos princípios surgiram tanto em

âmbito internacional, como no plano nacional, com objetivo de auxiliar na

interpretação de conceitos legislativos e sanarem lacunas.

Por tratar-se de um tema ainda em evolução, a aplicação dos princípios do

Direito Ambiental para solução de conflitos e elaboração de políticas públicas tem

especial relevância. Como parte do rol dos direitos fundamentais, Direito Ambiental

ainda concorre com diversos outros direitos igualmente fundamentais e

constitucionalmente garantidos. A ponderação, no caso concreto, como recurso à

razoabilidade e à proporcionalidade, torna-se instrumento indispensável.

2.2 TUTELA LEGISLATIVA DO AMBIENTE

O ordenamento jurídico brasileiro tem buscado a proteção do ambiente por

meio da Constituição Federal e de leis infraconstitucional, de forma que se tornou

vanguardista no estabelecimento de legislação protetiva ambiental consistente,

96 COUTO, H. L. G. do; COUTO, M. C. M. V. O marco regulamentável das compras públicas sustentáveis. Jus Navigandi . 2011. Teresina, p. 2. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18726/o-marco-regulatório-das-compras-publicas-sustentaveis>. Acesso: 23 mar. 2015.

62

demostrando importância e vulnerabilidade do ambiente e necessidade de vetar

delitos ambientais. Nesse sentido veio a lume a Constituição Federal, e mais tarde a

lei. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes contra o ambiente.

Além da proteção de bens jurídicos na seara individual, passou, com a

destacada lei, também a proteger bens de natureza coletiva, em que os sujeitos de

direito, não dispõem do bens tutelados, encontram-se todos em igual posição,

inclusive pessoas físicas ou jurídicas de Direito Público ou Privado. Esta nova

qualidade de direitos, não individuais mas coletivos, em nada altera o caráter penal

centrado no indivíduo, com o que não se admite a restrição da tutela penal a

“interesse puramente individuais”.

[...] aceitando antes a plena legitimidade da existência de bens jurídicos transpessoais, coletivos, comunitários ou sociais. É, em meio juízo, no aprofundamento e esclarecimento do estatuto desta classe de bens jurídicos – cujo reconhecimento, de resto, não afetará a natureza em ultima instancia ‘antropocêntrica’ da tutela penal – que reside, no futuro próximo, a tarefa primária da doutrina que continue a fazer radicar a função exclusiva do direito penal na tutela subsidiária de bens jurídicos.97

Outro caráter inovador daquela lei é a abordagem de aspectos civis e

administrativos, como a reparabilidade do dano, punição de funcionário que

contribua à prática delituosa ambiental e imposição de severas multas

administrativas. O dispositivo é importante legislação ambiental, uniforme graduada

e com claro apontamento dos delitos que coíbe.

Em se tratando de proteção jurídico-penal, a lei específica voltada ao combate

dos crimes ambientais, permite extinção da punibilidade face à reparação ou

recuperação do dano ambiental, comprovando assertiva de Luiz Regis Prado quanto

ao afastamento das normas frente a seu grave caráter coercitivo, quando outro ramo

do direito dirime a questão, porque mais importante que a segregação ou sanção

penal é a reparabilidade do dano ambiental.98 Nota-se ainda, que a lei premia a pena

alternativa de prestação de serviço à comunidade:

[...] a lei penal ambiental teve o escopo de privilegiar a busca de opção que, ao mesmo tempo em que exigem do condenado o dispêndio de atividade, a manutenção ou conservação de determinadas áreas, o custeio de medidas para manter ou recuperar áreas sujeitas à proteção ambiental, ou mesmo o proíbem de se ver beneficiado por contratação com órgãos públicos ou recebimento de subvenções públicas, podendo chegar ao extremo de suspender suas atividades ou encerrá-las definitivamente, fazendo que sobre ele exista um gravame, produzem benefícios à sociedade como um todo. Estão representados pelos serviços prestados pela recuperação,

97 DIAS, J. de F. Questões Fundamentais do Direito Penal Revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 74. 98 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 27-28.

63

conservação e manutenção de recursos naturais ou áreas preservadas, vedação de obtenção de vantagens do Poder Público ou, mesmo que de maneira inapeláveis, não mais possa vir a ocasionar malefícios ao meio ambiente.99

Luiz Regis Prado atrela essas disposições ambientais ao mandamus

constitucional que premia liberdade, segurança, bem estar, direitos sociais, com o

que a ordem constitucional:

[...] implica a necessidade de proteção do bens jurídicos-penais, de ordem supra individuais, coletivos ou difusos, ligados, quase sempre, às necessidades básicas de seus membros, cujos bens são peculiares à própria natureza do Estado de Direito, materialmente considerado, que só pode ser concebido enquanto Estado-coletividade, no qual o Estado-individuo constitui apenas um órgão, jamais um ente exponencial.100

Neste diapasão, mais importante é a tentativa de clara delimitação do conteúdo

substancial deste “bem jurídico coletivo ou difuso” do que discutir seu conceito ou

existência, pontos já firmados no texto constitucional, reservando-se esforços para a

“fixação de critérios específicos que permitam individualiza-lo, de forma clara e

objetiva, sem violar nenhum dos princípios fundamentais”.101 Esclarece ainda o autor

que:

Embora o bem jurídico-penal seja autônomo, não se nega sua relativa natureza antropomórfica na relação ambiente-homem (teoria personalista relativa) que lhe é inerente, significando que o ambiente não é dado absoluto, mas sim referido, afeto ao homem, como seu espaço vital de realização individual e coletiva, o que justifica e legitima a intervenção penal para a proteção de determinados valores constitucionais.102

O tratamento único da lei à matéria, aglutinou vários elementos que compõem

o ambiente, em favor de harmonização das normas incriminadoras e de suas

respectivas penas, suprindo lacunas resultante do anterior enfoque setorial e isolado

da legislação ambiental, firmando a lei n. 9.605/1998, ao lado da criminalidade

tradicional, juntamente com a ideia do injusto penal ambiental, fruto de sensibilidade

social emergente, bem como compondo elementos ambientais.103

No campo administrativo, a referida lei trata da punição a funcionários

públicos que pratiquem ilicitudes, no que tange a licenciamentos ou autorizações

ambientais, bem como pune com severas multas administrativas determinadas

condutas tipificadas como delitos em desfavor do macro ou microambiente e, ainda,

estabelece como penas restritivas de direito a pessoa jurídica, as típicas figuras 99 MARTINS, J. H. S. Penas Alternativas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p.120. 100 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 27-28. 101 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 28. 102 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente .p. 28. 103 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente .p. 32-33.

64

jurídico-administrativas da suspensão parcial ou total de atividades, interdição

temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e ainda proibição de obter

subsidio, subvenção, doação ou contratação pelo Poder Público.

Observa-se que esse pensamento não é uma característica pátria; o mundo

como um todo está preocupado com danos ambientais, senão vejamos:

Impõe reconhecer que, havendo um perigo de dano grave ou irreversível, pela falta de certeza absoluta não se poderá postergar a adoção de medidas eficazes em razão dos seus custos para impedir a degradação do meio ambiente. Os referidos custos deverão ser implementados por toda indústria ou qualquer exploração do ambiente, bem como em toda cadeia produtiva.104

Com o Direito Administrativo a proteção ambiental “mantem uma relação

privilegiada”105, embora as diretivas daquele clássico ramo do direito não se

prestem, por si mesmas, ao abrigo da efetiva proteção do ambiente. Em se tratando

de matéria constitucional entre os direitos e garantias fundamentais (art. 5º, CF/88)

encontra-se a inviolabilidade do direito à vida do começo ao fim106, sendo protegidos

e essenciais, ou seja, constitucionalmente indispensável à sadia qualidade de vida

(art. 225, CF/88)107.

A tutela jurídica da sadia qualidade de vida se efetiva pela proteção jurídica

aos bens ambientais, imposta por isso a legislação infraconstitucional, como

proteção fundamental de eficácia plena e aplicação imediata108 e ainda, universal, ou

seja, ninguém pode ser excluído de respeitar e ver respeitado os bens ambientais.

O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado firma-se como direito

fundamental porque o rol dos direitos fundamentais não se encontra vedado no

artigo 5º, da Constituição Federal, mas se espraia por toda a Carta, conforme ordem

do artigo 5º, parágrafo segundo, da Constituição Federal. Isso quer dizer que o rol

dos direitos fundamentais descritos no artigo 5º da CF, não é um rol taxativo, apenas

exemplificativo. Da mesma forma deve se entender que o direito à vida está

entrelaçado ao direito ao ambiente, uma vez que os seres humanos fazem parte

deste.

O direito à conservação e preservação dos bens ambientais, corolário do

direito fundamental à vida com dignidade, é imprescindível, irrenunciável e

104 FRANZA, J. A. Tratado de Derectio Ambiental: Doctrina Legislacion e jurisprudência. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas, 2005, p. 333. 105 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 59. 106 BOBBIO, N. A Era dos Direitos. 13. ed. Rio de Janeiro: Campo, 1992, p. 228-230. 107 PRADO, L. R. Crimes Contra o Ambiente . p. 25-27. 108 Art.5º, parágrafo primeiro, da CF/88.

65

inalienável, de valor indisponível como direito personalíssimo pela sua natureza,

exercível e exigível a qualquer tempo109, no qual todos tem o dever de assegurar a

inalterabilidade harmônica do habitat ou esforçar-se para restituir a sua harmonia e

estabilidade de direito.

Ressalte-se que na seara ambiental não há hipótese de colisão entre direitos

fundamentais ou resolução dela pelo princípio da ponderação, porque o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado como fator essencial à sadia qualidade

de vida, se atrela ao direito fundamental da vida com dignidade. Além disso, as

normas infraconstitucionais não têm condão de violar preceitos da Carta, sob pena

de inconstitucionalidade; as leis menores não podem ferir preceitos magnos

protetivos do ambiente e dos bens ambientais. Esta característica, também especial

do bem ambiental, se acoberta da proteção constitucional como vital componente da

sadia qualidade de vida digna110, não é olvidada de apontamento entre os atributos

da natureza jurídica desse bem.

Na esfera constitucional o direito/dever de proteção do ambiente ocupa

posição relevante no texto constitucional brasileiro de 1988, que foi o primeiro a

tratar o ambiente como bem jurídico autônomo e dar-lhe contornos de direito

fundamental, seguindo tendência das constituições modernas. O ambiente passa ser

um dos principais valores que orientam a constituição do que se pode denominá-la

de “constituição ecológica”111.

Isto porque, como problema comunitário ou público, a defesa do ambiente é,

de certo modo, recente, e remonta à crise do Estado Social ou providencia (décadas

de 60 e 70) que, aliada à crise do petróleo, levou os Estados a tomarem posição

referente ao esgotamento dos recursos naturais e aos limites do crescimento

econômico. É certo que os movimentos ambientalistas da década de 70 vão

defender o modelo radical de proteção, uma nova “ideologia” de vida que seria uma

panaceia para todos os problemas da humanidade; nasce, nessa época, os

chamados “partidos verdes”. Somente nas décadas de 80 e 90 é que se deu a

consolidação da consciência ecológica, deixando de ser “a bandeira de

109 ALONSO JR., H. Direito Fundamental ao Meio Ambiente e Ações Coleti vas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 55. 110 PINHO, R. C. R. Teoria Geral da Constituição de Direitos Fundamenta is. 3. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p.76. 111 ROTHENBURG, W. C. A Constituição Ecológica. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T. da; SOARES, I. V. P. (orgs.). Desafio do Direito Ambiental no Século XXI: Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 814.

66

agrupamentos radicais para passar a constituir patrimônio comum de todas as forças

politicas”.112

O direito, como ciência dinâmica não ficou alheio às mudanças políticas e

éticas com relação ao ambiente. Assim foi que, na década de 60, a Suécia propõe a

ONU a realização de uma conferência internacional a fim de discutir os problemas

decorrentes do desenvolvimento econômico e do crescimento demográfico,

realizada em junho de 1972, a conferência sobre Meio Ambiente Humano, com a

participação de 113 países, 250 (250 inscritos) organizações não governamentais e

organismos da organização das Nações Unidas113.

Grande divisor de águas no Direito Ambiental sendo o start para seu

reconhecimento, como direito fundamental. A Conferência de Estocolmo, tinha 26

(26 inscritos) princípios, dentre os quais se destaca o primeiro:

[...] o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem estar, incumbindo à todos o dever solene de proteger e de melhorar o ambiente para gerações presente e futuras.

A realização da conferência de Estocolmo foi fundamental para a criação de um

novo direito, preocupado, de acordo com Edison Ricardo Saleme

[...] com a manutenção da vida no planeta e outros aspectos de relevante importância relegados, até então, em segundo plano sob o ponto de vista governamental’ o objetivo primordial da conferência era ‘criar mecanismos, por meio do direito positivo ou não, que pudessem auxiliar os Estados na defesa do ambiente’. 114

Países do chamado “terceiro mundo” liderados pelo Brasil, se insurgiram

contra decisões tomadas em Estocolmo. As alegações se fundavam no fato dos

países desenvolvidos terem-se utilizados, indiscriminadamente, dos seus recursos

naturais para aceleração da economia e, naquele momento, imporem restrições aos

países pobres que só serviram para retardar seu crescimento econômico. As frases

de comando da insurgência terceiro-mundista eram: “a maior poluição é a pobreza”

e “a industrialização suja é melhor que a pobreza limpa”.115

Como não poderia deixar de ser várias críticas acerbadas se fizeram,

intencionalmente, à posição do Brasil em Estocolmo. Como resposta a essas

críticas, instituiu-se, no Brasil, em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente 112 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: Do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 89. 113 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140. 114 SALEME, E. R. A afirmação do Direito Ambiental Internacional. In: Revista de Direitos Difusos. ano VII, v. 38, jul./ago. 2006, p.26. 115 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140 e ss.

67

(SEMA) com objetivo de dar diretrizes relativas à preservação do ambiente e à

racionalização do uso dos recursos naturais116.

Somente na década de 80, porém, é que houve proteção jurídica mais efetiva

ao ambiente no Brasil, seguindo ditames traçados pela conferência de Estocolmo.

Passa o ambiente à bem jurídico protegido, sendo a lei n. 6.938/81, instituidora da

política nacional do ambiente, um marco dessa legislação. Édis Milaré destaca os

principais méritos dessa lei:

[...] trazer para o mundo do direito o conceito de meio ambiente como objetivo especifico de proteção em seus múltiplos aspectos; constituir um sistema nacional de meio ambiente (Sisnama) [...] e, estabelecer a obrigação do poluidor de reparar os danos causados e de acordo com o princípio da responsabilidade objetiva (ou sem culpa) em ação movida pelo Ministério Público.117

A Constituição Federal de 1988, “eminentemente ambientalista”118, já que

assumiu o tratamento da matéria em termos “amplos e modernos”119, veio coroar a

disciplina da tutela do ambiente no Brasil. Claramente inspirada nas constituições da

Grécia (1975), de Portugal (1976), e da Espanha (1978)120, diferentemente das

constituições anteriores que davam tratamento assistemáticos121 ao tema, tratou

especialmente da questão ambiental. Dependendo da topografia e da formulação as

normas constitucionais referentes ao tema “[...] podem aparecer como fundamentos

ou objetivos do Estado e da sociedade, como direitos e deveres fundamentais, como

princípios setoriais ou como topos específicos”122.

Merece destaque o capítulo reservado para o ambiente (capítulo VI, do título

III), consubstanciado no artigo 225, intrinsicamente, ligado ao conteúdo axiológico

basilar da Constituição Federal que traz, na esteira das constituições

contemporâneas, marcante conteúdo humanístico, voltado à dignidade da pessoa

humana e a qualidade de vida como “dado vital” indispensável para seu

desenvolvimento.123 Neste sentido Luiz Regis Prado destaca que:

Há desse modo, uma correlação estreita entre esse dispositivo e, por exemplo, os valores da dignidade e da liberdade, da igualdade e da justiça

116 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 140 e ss. 117 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 141. 118 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. 119 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. 120 PRADO, Luiz Regis. A tutela constitucional do ambiente no Brasil. In: Revista dos Tribunais . ano 81, v. 675, p. 82-88, Jan. 1992, p. 84. 121 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. 122 ROTHENBURG, W. C. A Constituição Ecológica. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T. da; SOARES, I. V. P. (orgs.). Desafio do Direito Ambiental no Século XXI: Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 46. 123 PRADO, L. R. Direito Penal do Ambiente. p. 76-77.

68

(preambulo artigos primeiro e quinto CF); bem como os objetivos de ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos [...]’ (art. 3º, CF); e, ainda, ‘os direitos individuais e coletivos como direito À vida, a função social da propriedade e a ação popular’ (art. 5º, caput, e inciso XXIIII e LXXIII, CF).124

O caput deste artigo traz importantes inovações125 à ordem jurídica

constitucional. Observa-se de plano, a criação de um direito constitucional

fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, considerado difuso. O bem

objeto deste direito, o ambiente, é considerado bem de uso comum do povo, ou seja,

pertencente à toda coletividade. É suscetível de utilização por qualquer pessoa

normalmente, de modo gratuito e sem necessidade de permissão especial. Desta

forma, o ambiente, como valor a ser assegurado e protegido, deve sê-lo para todos,

para fruição coletiva. O caráter de bem de uso comum do povo revela que a

consecução desse direito fundamental está interligada a sua realização social.126

A qualidade de vida encontra-se, de acordo com o artigo 225, dissociada do

meio ambiente equilibrado, ou seja, sem respeito a ele não se pode pensar em

qualidade de vida. Neste sentido os ensinamentos de Luiz Regis Prado para quem:

“[...] não se pode falar em qualidade de vida humana sem uma adequada

conservação do ambiente. Ou seja: a própria existência da espécie humana

depende desta proteção”127

Tem-se, também, como consequência da elevação do Direito Ambiental à

categoria de direito fundamental, a imposição ao Poder Público da obrigação de

preservar e proteger o ambiente. Tal obrigação trata de um dever constitucional,

geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, de zelar pela

defesa e preservação do ambiente, consubstanciado no parágrafo primeiro do artigo

225, em uma série de comandos para o legislador ordinário e para o administrador.

Foi pela obediência aos comandos constitucionais que o direito ao ambiente se

tornou elemento da vida real. Os instrumentos constitucionais são as ferramentas

com as quais os direitos se materializarão128.

A ação do poder público nesta área não é discricionária, mas vinculada. Sai

da área de conveniência e oportunidade para se ingressar num campo estritamente

124 PRADO, L. R. Direito Penal do Ambiente. p. 77. 125 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 87. 126 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: Do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 87. 127 PRADO, L. R. Direito Penal do Ambiente. p. 78. 128 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 72.

69

delimitado, o da imposição. Não pode o poder público deixar de zelar e proteger o

ambiente, a pretexto de que não está entre as suas prioridades públicas; ele não

atua porque quer, mas porque está compelido pela norma maior. O controle judicial

dos atos administrativos relativos a questões ambientais não pode se dirigir apenas

à avaliação da legalidade do ato impugnado, da conformação do ato à lei, mas

também e precipuamente à sua conformação e pertinência com os objetivos

propostos pela Constituição Federal.129

A força impositiva dos direitos fundamentais além de revelar uma

defectividade constitucional oponível ao legislador, também vincula o administrador,

indicando as diretrizes de uma postura democrática fundada nos direitos

fundamentais que deve balizar sua relação com a coletividade, ainda quando estiver

no exercício de poderes discricionários.

Outra inovação destacada por Èdis Milaré130, é que o cidadão deixa de ser

mero titular (passivo) de direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, mas passa

também a ter titularidade de um dever: o de “defendê-lo e preservá-lo”. Relação

jurídica denominada pela doutrina de “função”, e que se cristaliza no direito/dever

caracterizador do Direito Ambiental.

A maior inovação, entretanto, talvez seja a característica de direito

intergeracional consagrado pela primeira vez no sistema jurídico brasileiro por meio

da Constituição Federal de 1988131. Os titulares do bem jurídico ambiente não são

apenas os cidadãos do país, mas, por igual, aqueles que ainda não existem – as

futuras gerações. Pela primeira vez, a norma constitucional brasileira concede a

titularidade de um direito a sujeitos que estão por vir. Mesmo que a lei civil disponha

que a personalidade civil somente é adquirida a partir do nascimento com vida,

resguardados os direitos do nascituro, percebe-se que a aquisição do direito ao

ambiente ecologicamente equilibrado é muito anterior, pois não se pode mensurar a

amplitude do termo “gerações” dado pela Constituição Federal, denotando o sentido

de que o ambiente deve ser preservado para todos aqueles que habitam e que ainda

habitarão o planeta.

Esta característica de intergeracionalidade dá à tutela ao ambiente, contornos

totalmente diferenciados. Determinadas atitudes devem ser tomadas a fim de

129 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 127. 130 MILARÉ, É. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.189. 131 DERANI, C. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 272.

70

defender o ambiente para uma geração, mas para que se preserve indefinidamente

o planeta terra, o comportamento humano e as ações estatais devem ser outras.

Trata-se de um compromisso com as gerações vindouras, uma conciliação entre

presente e futuro.

Além do artigo 225, a Constituição Federal trata do ambiente em toda a sua

extensão, razão pela qual ela foi denominada de “Constituição Verde”. Somente

para exemplificar: artigo 5º, LXXIII, que confere legitimação a qualquer cidadão para

propor Ação Popular; artigo 20, II, que considera, entre os bens da União, as terras

devolutas indispensáveis à preservação do ambiente; artigo 23, que reconhece a

competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Municípios para “proteger

as paisagens naturais notáveis e o meio ambiente”, “combater a poluição em

qualquer de suas formas” e “para preservar as florestas, fauna e flora”, artigo 24, VI,

VII e VIII, dá competência à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar

sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos

recursos naturais, proteção ao ambiente e controle de poluição. Como também dos

artigos 91, parágrafo primeiro, inciso III, 129, III, 173, 174, 200, VIII, 216, V, 220,

213, que trazem referências ao ambiente.

Após o exposto, será dada maior atenção à proteção jurídica das águas, tema

central deste trabalho.

71

3 PROTEÇÃO JURÍDICA DAS ÁGUAS

O objetivo deste capítulo é identificar a proteção que o Direito tem dado à

água. Embora esta proteção tenha se desenvolvido somente na metade do século

XX, podem ser encontradas normas jurídicas que protegeram a água desde os

tempos remotos.

O Código de Hamurabi, escrito pelo rei da Babilônia, por volta do ano 1700

a.C., continha dispositivos elaborados com objetivo de proteger as águas. Segundo

o Código, se alguém roubasse do campo uma roda de água, deveria dar ao

proprietário cinco siclos (art. 259). Contudo, se o roubo recaísse sobre um balde

para tirar água ou um arado, o autor do ato deveria dar ao proprietário três siclos

(art. 260).

O Código de Manu, publicado na Índia, em data não definida precisamente,

também continha dispositivos que protegia as águas. Ao tipificar o crime de furto,

estabeleceu: “Aquele que tira a corda ou um balde de um poço e o que o destrói

uma fonte pública devem ser condenados à multa de um masha de ouro e a

restabelecer as coisa ao seu primitivo estado” (art. 316). Tratava, ainda, como crime

o furto de água (art. 323). E o furto de cestas de bambu utilizadas para tirar água

(art. 324).

Observa-se que tanto o código de Manu quanto de Hamurabi, não estão

preocupados especificamente com questões ambientais (que são preocupações do

século XX). Contudo não se pode ignorar que tais documentos estabeleceram

alguma proteção jurídicas sobre as águas. Entretanto, no decorrer do século XX, as

águas passaram a receber significativa atenção dos legisladores, havendo uma teia

normativa para protegê-la. Essa proteção jurídica pode ser identificada em três

dimensões: no Direito Internacional e no Direito Brasileiro.

3.1 PROTEÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL

Embora possam ser encontradas normas jurídicas que protegeram a água

desde os primórdios, a proteção do direito em relação à agua se desenvolveu

apenas a partir da segunda metade do século XX. Sem dúvida, esse século marcou

72

o início das preocupações com as diversas formas de degradação do ambiente. De

modo especifico, após a segunda guerra mundial, reuniões, encontros, conferências,

assembleias passaram a fazer parte da vida dos organismos internacionais e dos

países.

A água, especificamente, como componente do ambiente, foi objeto de

preocupações dos povos, manifestada em diversos encontros realizados em

diferentes momentos históricos. Entre as mais importantes, podem ser mencionadas:

a) a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano; b) a

Conferência das Nações Unidas sobre Água; c) a Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento; d) a Conferência Internacional sobre o

Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Em cada um desses encontros foi emitido um

documento jurídico importante para proteção da água. Acrescenta-se a tais

encontros a Declaração Universal dos Direitos da Água, publicada pela ONU

(Organização das Nações Unidas).

3.1.1 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Am biente Humano

A conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada

entre os dias 5 e 16 de junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia, foi o primeiro

encontro de dimensão internacional sobre o ambiente. Já àquela época, a

preocupação com a água foi expressa. Partindo da necessidade de inspirar e guiar

os povos do mundo rumo à preservação e a melhoria do ambiente, a Declaração

revelou preocupação com

Os recursos naturais da terra, incluindo o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e, especialmente, amostras (partes) representativas do ecossistemas naturais, os quais, devem ser preservados, em beneficio das gerações presente e futuras, mediante a um cuidadoso planejamento e ordenação, segundo as conveniências.” (Princípio 2).

Registra-se que a declaração impôs aos países signatários o dever de adotar

todas as medidas possíveis para impedir a poluição dos mares por substâncias que

possam pôr em perigo a saúde do homem, prejudicar os recursos vivos e a vida

marinha, bem como causar danos às possibilidades recreativas ou interferir com

outros usos legítimos do mar (Princípio 7).

Além dos 26 Princípios, a Declaração sobre Meio Ambiente Humano inclui em

sua redação Recomendações. Sobre essa segunda parte do documento vale

73

destacar a preocupação dispensada para com os serviços de abastecimento de

água e de esgoto, que devem ser implementados mediante programa de governo e

com a ajuda da OMS (Recomendação 9). Observa-se que essa é uma norma

impositiva, à qual os Estados ficaram vinculados.

3.1.2 Conferência das Nações Unidas sobre a Água

Em 1977, na cidade de Mar Del Plata, na Argentina, a ONU (Organização das

Nações Unidas) realizou a primeira conferência mundial sobre a água. O tema

central da conferência foi a gestão e o uso dos recursos hídricos. Estabelecer meios

para evitar uma crise de água e reforçar uma cooperação estre países para

resolução dos problemas vinculados aos recursos hídricos eram os principais

objetivos do encontro. Ao final da reunião foi publicado um documento intitulado

Plano de Ação de Mar Del Plata, e anunciada a Década Internacional de

Abastecimento de Água Potável e Saneamento (Internacional Drinkinh Water Supply

and Sanitation Decade).

O Plano de Ação continha Recomendações e Resoluções. Em seu Anexo “A”,

o documento tratou da gestão integrada do recurso água e manejo de dejeto; gestão

racional de produtos químicos; saúde ambiental das crianças. Em cada um desses

temas, o Plano assumiu compromissos expressos a serem realizados a curto e

médio prazos. Na sessão “B” do Plano de Ação fala-se em eficiência na utilização

dos recurso hídricos e no uso equitativo deste líquido limitado. Ademais, o

documento aposta em estudos de novas tecnologias para o não desperdício de

água. Registra-se também o apoio para a criação de sistemas de prevenção à

contaminação das águas.

3.1.3 Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento

A cidade do Rio de Janeiro foi a sede da Conferência das Nações Unidas

para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada entre os dias 3 e 14 de junho de

1992. Nesse encontro, também conhecido como Eco-92, foram aprovados alguns

documentos de significativa relevância para o ambiente. Incluem-se nos

compromissos adotados pela Eco-92, as Convenções sobre Mudança Climática e

74

Biodiversidade, a Declaração sobre Floresta e o Plano de Ação de evento chamado

de Agenda 21.

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento expressou

reiteradamente sua preocupação com desenvolvimento sustentável, o que implica

reconhecer necessidade da água como condição para tal desenvolvimento, assim

qualificado, possa efetivamente existir e ser usufruído por coletividade de pessoas.

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, seus participantes firmaram uma pluralidade de compromissos

para o futuro, os quais foram consubstanciados na “Agenda 21”. Tal documento, de

significativa abrangência, reservou o capítulo 18 para formalizar suas preocupações:

“Proteção de Qualidade e do Abastecimento dos Recursos Hídricos: aplicação de

critérios integradores no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos”.

A “Agenda 21” arquitetou diversos programas protecionistas: a)

Desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hídrico; b) avaliação dos recursos

hídricos; c) proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos

ecossistemas aquáticos; d) abastecimento de água potável e saneamento; e) água e

desenvolvimento urbano sustentável; f) água para proteção sustentável de alimentos

e desenvolvimento rural sustentável; g) impactos da mudança do clima sobre os

recursos hídricos (Capítulo 18, Introdução). No que tange especificamente à

proteção, a “Agenda 21”, em seu capítulo 18, propõe a atuação institucional em

todas as esferas governamentais, bem como a participação da comunidade.

A implementação de programas de abastecimento de água é uma

responsabilidade nacional. Em graus variados, a responsabilidade pela

implementação de projetos e pelo funcionamento dos sistemas deve ser delegada a

todos os níveis administrativos, até às comunidades, junto as agências e organismos

das Nações Unidas e outras instituições que prestam apoio externo aos programas

nacionais, todos devem desenvolver mecanismos e procedimentos para colaborar

em todos os níveis. Tal compromisso é particularmente importante para aproveitar

ao máximo as abordagens baseadas na comunidade e na própria capacidade desta

como instrumento para obter a sustentabilidade.

3.1.4 Conferência Internacional sobre Ambiente e De senvolvimento

75

A conferência Internacional sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento foi

realizada em Joanesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 4 de

setembro de 2002. O encontro teve como objetivo, inter alia, a avaliação de metas

da Eco-92, abordando a Agenda 21 e as dificuldades de sua implementação.

A Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, aprovada

no encontro, também revelou preocupação com a proteção da água. Embora o tema

central da Cúpula Mundial tenha sido adversidade biológica, mudanças climáticas

globais e desenvolvimento sustentável, o tema água foi incluído na discussão diante

da proposta do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan132. Na mesma linha de

preocupação, advertiu que países em desenvolvimento são mais vulneráveis e que

milhões de pessoas continuam sendo privadas de uma vida digna, em razão, de

diversas causas, entre as quais a poluição do ar e das águas, tanto salgadas quanto

doces (Princípio 13). Ao final do encontro, decidiu-se reforçar as Metas do Milênio de

reduzir pela metade a quantidade de pessoas que a ela não tem acesso e ao

saneamento básico até 2015.

3.1.5 Declaração Universal dos Direitos da Água

A Organização das Nações Unidas publicou, em 22 de março de 1992, a

Declaração Universal dos Direitos da Água. O documento é destinado a todos: cada

continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é

plenamente responsável, aos olhos de todos, pela sua conservação e preservação,

pois esta faz parte do patrimônio do Planeta (art. 1).

A Declaração Universal dos Direitos da Água a reconhece como seiva do

planeta, condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela

não se poderia conceber como são: atmosfera, clima, vegetação, cultura ou

agricultura (art. 2). Nesse sentido, pode-se afirmar que ela é condição de existência

de outros fenômenos (aspectos) da natureza e, também, da existência da vida

humana.

Sobre a Declaração, assim como os demais documentos resultantes das

conferências internacionais abordadas, verifica-se o caráter interpretativo para o

132 RIBEIRO, W. C. Geografia política da água. São Paulo: Annablume, 2008, p. 106.

76

assunto a ela relacionado. Quer-se dizer que as convenções e os encontros globais,

geralmente, produzem tratados internacionais dotados de cunho não vinculativos.

Verifica-se, então, que para fazer valer o direito de proteção, as declarações

internacionais deveriam ser de caráter compulsório, e não apenas interpretativas.

Para validar esses documentos, todos os Estados, signatários de encontros

internacionais, deveriam seguir as orientações do evento como se uma autêntica

legislação internacional fosse.

3.2 PROTEÇÃO JURÍDICA DA ÁGUA NO DIREITO BRASILEIRO

A constituição de 1824 não continha normas relativas à proteção da água.

Contudo determinava a elaboração de um código Civil e Criminal, “fundado nas

sólidas bases da Justiça e Equidade” (art. 179, inciso XVIII). O Código Penal de

1890 previu o crime de corrupção ou conspurcação de água: “Corromper ou

conspurcar a água potável de uso comum ou particular, tornando-a impossível de

beber ou nociva à saúde. Pena: prisão celular de 1 (um) ano a 3 (três) anos” (art.

160).

A constituição de 1891, a primeira da República, não continha normas

protegendo-a. Contudo, atribuiu ao Congresso Nacional competência privativa para

legislar sobre a navegação dos rios que banhem mais de um Estado ou se

estendam a territórios estrangeiros (art. 6).

O Código Civil, publicado pela lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916, mas

revogado em 2002, continha dispositivos relativos à água (art. 563-568). Previa que

o proprietário de fonte não captada, satisfeita as necessidades do seu consumo, não

podia impedir seu curso natural pelos prédios localizados nas partes inferiores (art.

565). Por outro lado, em relação às águas pluviais que correm em lugares públicos e

às dos rios, assegurava a utilização por qualquer proprietário dos terrenos por onde

elas passassem (art. 566).

Em 24 de julho de 1934, foi editado pelo Governo Provisório de Getúlio

Vargas o Decreto n. 24.642, instituindo o Código de Águas. Trata-se do documento

jurídico-normativo mais antigo, editado no Brasil, com o objetivo específico de

protege-las. Referido decreto, mas tarde, foi modificado pelo decreto-lei n. 852, de

11 de novembro de 1938. Já o Decreto-lei n. 2.676, de 4 de outubro de 1940, dispôs

77

sobre a aplicação de penalidades por infração a artigos do Código de Águas. Em 25

de outubro de 1941, foi editado o decreto-lei n. 3.763, com o propósito de consolidar

as disposições legais sobre águas e energia elétrica.

A Constituição de 1934 previu serem de domínio da União os lagos e

qualquer outras correntes localizadas em terrenos de seu domínio, ou que banhem

mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam para

território estrangeiro, bem como ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças (art.

20, incisos II e III).

Por outro lado, atribuiu à União competência privativa para legislar sobre

águas e energia elétrica (art. 5, inciso, XIX alínea, “j”). Regulou, ainda, seu

aproveitamento industrial e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada,

mediante autorização ou concessão federal, na forma da lei (art. 119). O tema

esteve presente nas Constituições subsequentes. Constituição de 1937 (arts. 16,

inciso XIV, 143 e 144); Constituição de 1946 (arts. 5, inciso XV, alínea “I”, 152 e

153); Constituição de 1967 (arts. 8, inciso XVII, alínea, “I” e 168).

3.2.1 Proteção Constitucional

A Constituição de 1988, ao proteger o ambiente como direito fundamental,

estabeleceu ampla proteção às águas. Essa proteção constitucional é

significativamente importante, pois ela passou a ser protegida no plano mais elevado

do ordenamento jurídico. Conforme lição de Luiz David Araujo,

Não se pode pensar a existência de uma tutela do patrimônio “água” sem um análise do texto constitucional. A análise do bem em discussão deve ter presente o enquadramento legislativo, quer superior, quer ordinário, em que se insere. Não seria possível, portanto, o tratamento da questão da água, sob o enfoque da tutela processual, da tutela penal, da tutela civil, sem o enquadramento necessário pelo estudo dos valores constitucionais. E, no caso brasileiro, a análise da Constituição Federal de 1.988 é requisito necessário para tal estudo.133

A Constituição de 1988 colocou-a sob a proteção dos membros do pacto

federativo (art. 225). Nesse sentido, pertencem à União o mar territorial (art. 20,

inciso VI), os potenciais de energia hidráulica (art. 20, inciso VIII) e:

[...] os lagos, rios e qualquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou

133

ARAUJO, L. A. D. A Função Social da Água. In: ARAUJO, L. A. D. (Coord.). A Tutela da Água e Algumas implicações nos Direitos Fundamentais. Bauru: ITE, 2010, p. 23.

78

se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais (art. 20, inciso III).

Por outro lado, pertencem aos Estados as ilhas fluviais e lacustres não

pertencentes à União (art. 26, inciso I e II) e as águas superficiais ou subterrâneas,

fluentes, emergentes e em deposito, salvo, quanto a estas, se decorrerem de obras

da União (art. 26, inciso I). No que tange à competência material, cabe à União

instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios

urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transporte urbano (art. 21, inciso,

XIX e XX). A competência legislativa é privativa da União legislar sobre águas e

energia (art. 22, inciso IV).

A Constituição de 1988 estabeleceu competência material comum (União,

Estado, Distrito Federal e Municípios) para proteger o ambiente (art. 23, inciso VI) e

competência legislativa concorrente (União, Estado e Distrito Federal) para legislar

sobre conservação da natureza, defesa dos recursos naturais, proteção do ambiente

e controle de poluição (art. 24, inciso VIII). Assegurou, ainda, meios processuais que

podem ser utilizados para proteção judicial das águas, tais como a Ação Popular

(art. 5º, inciso LXXIII), a Ação Civil Pública (art. 129 inciso III), o Mandado de

Segurança Individual (art. 5, inciso LXIX) e o Mandado de Segurança Coletivo (art.

5º, inciso LXX).

3.2.2 Proteção Penal

O decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que instituiu o Código

Penal, estabeleceu a proteção jurídico-penal da água no capítulo “Dos crimes Contra

a Administração Pública”. Ali foram tipificadas algumas condutas violadoras do bem

jurídico água potável. O artigo 270, do Código Penal, trata do crime de

“envenenamento de água potável ou de substancia alimentícia ou medicinal”.

Segundo esse dispositivo legal, constitui crime, punido com pena de reclusão de 10

(dez) a 15 (quinze) anos, “Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou

substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo”. Está sujeito à mesma

pena quem entrega a consumo ou tem em depósito, para o fim de ser distribuída,

água ou substância envenenada (art. 270, parágrafo primeiro). Se o crime foi

culposo a pena será de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

79

O Código Penal trata, ainda do crime de “corrupção ou poluição de água

potável”. Segundo o artigo 271, será punido com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5

(cinco) anos, quem “Corromper ou poluir água potável, de uso comum de particular,

tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde”. Se o crime for culposo, a

pena será de detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.

A lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, estabeleceu sanções penais e

administrativas para condutas e atividades lesivas ao ambiente. Essa lei, conhecida

como a lei de crimes ambientais ou Lei de Natureza, permite que a sociedade

brasileira, os órgãos ambientais e o Ministério Público possam contar com um

instrumento de garantia e eficácia na punição aos infratores ambientais. Dispõe:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A pena será de reclusão, de 1(um) a 5 (cinco) anos, se o crime causar

poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de

água de uma comunidade (art. 54, parágrafo segundo). Contudo a Lei possibilita a

não aplicação da penas, desde que o infrator recupere o dano, ou, de outra forma,

pague sua dívida à sociedade. É possível substituir penas de prisão de até 04

(quatro) anos por penas alternativas, como a prestação de serviço à comunidade.

A lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989, previu a possibilidade da prisão

temporária para a hipótese de “[...] envenenamento de água potável ou substancia

alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art.

285)” (art. 1, inciso III, alínea “J”).

3.2.3 Proteção Civil

No âmbito civil, pode-se identificar ampla proteção jurídica à água. Os

principais documentos jurídicos-normativos são: a) Código das Águas; b) Código

Civil de 2002; c) Lei das Águas; d) Lei de Criação de ANA; e) Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente.

80

3.2.3.1 Código de Águas

O Código de Águas entrou em vigor com a publicação do decreto nº 24.643,

de 10 e julho de 1934, editado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas. É o texto

normativo mais antigo, publicado no Brasil, com o objetivo especifico de proteger as

águas (este decreto foi modificado pelo decreto-lei n. 852, de 11 de novembro de

1938). Ele tem 204 artigos que compõem três livros:

Livro I: “Águas em Geral e suas propriedades”. Título I: “Águas Álveo e Margens”. Título II: Águas Públicas em Relação aos seus Proprietários”. Título III: “Desapropriação”. Livro II: “Aproveitamento das Águas”. Título I: “Água comuns de Todos”. Título II: “Aproveitamento das Águas Públicas”. Título III: “Aproveitamento das Águas Comuns e das Particulares”. Título IV: “Águas subterrâneas”. Título V: “Águas Pluviais”. Título VI: “Águas nocivas”. Título VII: “Servidão Legal de Aqueduto”. Livro III: “Força Hidráulicas – Regulamentação da Industria Hidrelétrica”: - Título I: “Energia Hidráulica e seus Aproveitamento e Propriedades das Quedas D’água. Título II: “Concessões, Autorizações, Fiscalizações e Penalidades”. Título III: “Competência dos Estados para autorizar ou conceder o aproveitamento industrial das quedas d’água”. Título IV: “Disposições Gerais e Transitórias”.

A norma estabelece que o uso comum das águas pode ser gratuito ou

retribuído, de acordo com leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que

pertencerem. A preocupação com os recursos hídricos e a consequente criação do

Código de Águas surgiram com o desenvolvimento industrial brasileiro. A nova

norma tinha por escopo dotar o país de legislação adequada, de acordo com as

tendências da época, que permitisse ao poder público controlar e incentivar o

aproveitamento industrial das águas.

Também visava ao potencial hidroenergético e assegurava o uso gratuito de

qualquer corrente ou nascente para as primeiras necessidades da vida, de forma a

permitir a todos o uso de quaisquer águas públicas, conformando-se com os

regulamentos administrativos. Eduardo Salles Pimenta ensina que134:

Com o desenvolvimento industrial na década de 30, principiou a preocupação com o meio ambiente, com a promulgação do Código de Águas – Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934; e nas décadas seguintes foram criados os diversos órgãos públicos para tal fim ambientalista: Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS); Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS); Patrulha Costeira e o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).

134

ARAÚJO, G. F. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4.

81

Por sua vez, Édis Milaré dispõe que o Código de Águas135:

Foi o primeiro diploma legal que possibilitou ao Poder Público disciplinar o aproveitamento industrial das águas e, de modo especial, o aproveitamento e exploração da energia hidráulica. Foi editado na forma de decreto, e não de lei, por ser ato do então Governo provisório decorrente da Revolução de 1930.

Vislumbra-se um desassossego que fez emergir a vontade de tutelar um bem

que não só era imprescindível à sobrevivência humana, mas que também

despontava como acelerador de desenvolvimento da economia. O legislador, ao

construir o Código de 1934, teve o cuidado de dividir as águas em públicas ou

particulares, além de evidenciar formas gerais de uso. Oportuna é a explicação de

João Alberto Alves Amorim136:

Segundo aquela lei, as águas podiam ser públicas ou particulares. Aquelas, comuns, tais como o mar territorial (incluindo aqui golfos, baías, enseadas e portos), correntes, canais, lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis, as correntes destas águas, fontes e reservatórios públicos, as nascentes quando fossem de tal modo que, por si só, constituíssem o caput fluminis e os braços de quaisquer correntes públicas, desde que os mesmos influíssem em navegabilidade e flutuabilidade; ou dominicais. Comuns eram ainda consideradas as águas não navegáveis ou flutuáveis e que assim não se tornassem. Particulares eram todas as águas e nascentes situadas em terrenos que também o fossem, quando as mesmas não estivessem classificadas entre as águas comuns de todos, águas públicas ou simplesmente comuns. Estabelecia também uma relação de propriedade para as águas públicas. Distribuindo-as entre a União, os Estados e os Municípios (art. 29), estabelecendo também a possibilidade de desapropriação dos Estados e Municípios, fossem de usos comum ou patrimoniais, bem como das particulares e comuns, mediante necessidade ou utilidade pública (art. 32). Assegurava ainda o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água, para as primeiras necessidades da vida, se houvesse caminho público que a tornasse acessível, estabelecendo esta servidão condicionada à dificuldade de acesso. Permitia também a todos usar de quaisquer águas públicas, desde que em acordo com os regulamentos administrativos. Proibia a derivação de águas públicas para aplicação na agricultura, na indústria e na higiene, sem a existência de concessão administrativa, de modo a concentrar nas mãos do Poder Público o controle não só do saneamento, mas também da vazão e do consumo das águas. Em termos de águas subterrâneas, garantia a apropriação pelo dono, por poços ou galerias, das águas que existissem debaixo de seus prédios, contanto que tal apropriação não prejudicasse o aproveitamento existente nem derivasse ou desviasse o curso natural das águas públicas de uso comum ou particular. E, ainda, vedava construções capazes de poluir ou inutilizar para uso ordinário a água do poço ou nascente alheia, a elas preexistente.

Inobstante os preceitos esculpidos no Código de Águas terem sido pioneiros no

Brasil, por sua ampla abordagem, até então inexistente no cenário brasileiro,

135

MILARÉ, É. Direito do ambiente: Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 463. 136

AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 293-294.

82

algumas de suas previsões não foram tratadas com a devida seriedade. Uma delas

foi a criação de legislação especial que discutisse sobre a seca da região nordeste.

Embora houvesse previsão de confecção de norma que dispusesse sobre a região

mais carente do país, em consonância com o artigo 5º, que classificava todas as

águas destas zonas como públicas, afetando o uso comum, não vigorou

regulamento que atendesse a necessidade mais que evidente. A propósito desta

colocação, veja o comentário de Cid Tomanik Pompeu137:

Sendo o Brasil país úmido, o Código de Águas previu legislação especial para as zonas periodicamente assoladas pelas secas (art. 5º), mas, com exceção de disposições sobre águas subterrâneas, constantes do Plano Diretor do Desenvolvimento do Nordeste, para os anos 1966 a 1968, tais normas nunca foram editadas.

Apesar da importância e da disciplina jurídica que dava e dá à questão das

águas doces, o Código de Águas é, na verdade, norma de caráter particular

específica em seu tema, mas órfã no amparo unificador de uma política nacional que

abarcasse o mote dos recursos hídricos.

Com relação à cobrança pelo uso da água, que somente foi lançada em 1997

com a PNRH (Política Nacional de Recursos Hídricos), o Código de Águas já fazia

alusão a algo que se assemelhava ao Princípio do Poluidor-Pagador. Expressiva a

colocação de Cid Tomanik Pompeu138:

Adotando, na década de 30, medidas próximas ao atual princípio do poluidor- pagador, o Código de Águas declarava a ninguém ser lícito conspurcar as águas que não consumida, com prejuízo de terceiros, sendo os trabalhos para a salubridade das águas executados à custa do infrator, o qual, além da responsabilidade criminal, se houvesse, responderia pelas perdas e danos que causasse e pelas multas previstas nos regulamentos administrativos. Mediante expressa autorização administrativa, e se os interesses relevantes da agricultura ou da indústria o exigissem, as águas poderiam ser inquinadas, mas os agricultores ou industriais deveriam providenciar para que elas se purificassem, por qualquer processo, ou seguissem o seu esgoto natural. Pelo favor concedido, deveriam indenizar os poderes públicos, as corporações ou os particulares lesados (arts. 109-112).

Calha observar também as considerações de Maria Luiza Machado

Granziera139:

É digno de nota que o Código de Águas, já em 1934, declarou em seus arts. 109 e 110, que a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que consome, em prejuízo de terceiros, sendo os trabalhos para a salubridade das águas executados à custa dos infratores, os quais além da

137

POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 46. 138

POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 237. 139

GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 206.

83

responsabilidade criminal, se houver, respondem pelas perdas e danos que causarem e pelas multas previstas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos. O Código de Águas já previa a responsabilidade civil, administrativa e criminal pelo dano ambiental, no tocante à água, o que foi incorporado à Lei nº 6.938/81 e à CF/1988, em seu art. 225, § 3º.

Portanto, o legislador já vislumbrava, desde a década de 30, a necessidade de

se criar instrumentos que viessem a contribuir para combate ao desperdício e

degradação dos recursos hídricos.

3.2.3.2 Lei da Política Nacional do Meio Ambiente

A Política Nacional do Meio Ambiente foi instituída pela lei nº 6.938, de 31 de

agosto de 1981. Ela define recursos ambientais como sendo, atmosfera, águas

interiores, superficiais e subterrâneas, estuários, mar territorial, solo, subsolo,

elementos da biosfera, fauna e flora. Por outro lado, estabelece como um dos

princípios a “racionalização do uso do solo, da água e do ar” (art. 2, inciso II).

A Política Nacional de Recursos Hídricos consolidou a valorização da água no

setor produtivo brasileiro e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos. Dispôs Édis Milaré140:

Sob a nova ordem constitucional, a Lei 9.433, de 08.01.1997, que regulamentou o art. 21, XIX, da Carta Magna, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, o que significou um avanço em termos de gestão ambiental. Essa lei visa a reunir em um único sistema órgãos federais, estaduais e municipais, a fim de estabelecer a utilização racional dos recursos hídricos e assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água. Novidade trazida por essa lei, respaldada no art. 22, concerne à cobrança pelo uso da água, para fins de subsidiar a preservação e a infra- estrutura da bacia hidrográfica. Hoje, pagamos apenas pelos serviços de distribuição de água; não porém, pelo consumo ou uso do recurso água, como prescreve a lei.

Além disso, estabeleceu-se um novo conjunto de normas acerca das águas

doces, que revogou parcialmente o Código de Águas de 1934. A respeito disto, o

doutrinador Cid Tomanik Pompeu assevera141:

A Lei aprovada introduziu alterações no Código de Águas. Este, p.ex., fixava em 30 anos o prazo máximo, tanto para as concessões como para as autorizações, que foi por ela fixado em 35, renovável (art. 16, da Lei 9.433/1997). A disposição do Código no sentido de que ficaria sem efeito a concessão se, durante 3 anos consecutivos, se deixasse de fazer uso privativo das águas (art. 43, § 3º), foi revogada pela lei, segundo a qual “a

140

MILARÉ, É. Direito do ambiente: Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 221-222. 141 POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 228-229.

84

outorga de direito de uso de recursos hídricos pode ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado”, na ausência de uso por 3 anos consecutivos (art. 15, II, da Lei 9.433/1997). Enquanto o Código era taxativo no sentido de que ficaria sem efeito a concessão, o novo diploma faculta a suspensão e a deixa a critério da Administração outorgante. Pelo Código, em qualquer hipótese, teria preferência a derivação para o abastecimento das populações (art. 36, § 1º, in fine, do Código). A nova lei estatui que, em situações de escassez, os usos prioritários são o consumo humano e a dessedentação de animais (art. 1º, III, da Lei 9.433/1997). O texto do Código era mais amplo e objetivo, pois interdependia de juízo a respeito da situação de escassez.

De acordo com João Alberto Alves Amorim, a lei nº 9.433/1997 “[...] reorganiza

o setor de planejamento e gestão de recursos hídricos em âmbito nacional, com

base em quatro princípios básicos”. Por oportuno, veja os princípios elencados pelo

autor142:

1. adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, o que permite com mais facilidade o confronto entre disponibilidade e demanda, essenciais para o estabelecimento do balanço hídrico; 2. múltiplos usos dos recursos hídricos, que coloca todas as categorias usuárias em igualdade de condições em termos de acesso; 3. reconhecimento da água como bem finito e vulnerável, dotado de valor econômico. Por este princípio, ou, melhor, pela adoção deste perspectiva, a Lei nº 9.433/97 procura induzir o uso racional da água, com a utilização de instrumento econômico, o estabelecimento de um preço da água, o que servirá de base, inclusive, para a viabilização de um dos instrumentos por ela estabelecidos, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; e 4. definição de gestão descentralizada e participativa, cuja filosofia é a de que tudo o quanto puder ser decidido em níveis hierárquicos mais baixos de governo não será resolvido por níveis mais altos dessa hierarquia e de que a tomada de decisões deve englobar a participação dos usuários, da sociedade civil organizada, de organizações não-governamentais e de outros agentes interessados.

Tais princípios estão em plena harmonia com os escopos insertos na lei em

comento. Os objetivos foram resumidos em três sintéticas premissas a saber: 1ª)

Assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em

padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; 2ª) A utilização racional e

integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte hidroviário, com vistas ao

desenvolvimento sustentável; 3ª) A preservação e a defesa contra eventos

hidrológicos críticos, de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos

recursos naturais. Sobre os objetivos elencados, João Alberto Alves Amorim143, em

142 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 318-319. 143 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 340.

85

acentuada crítica aos preceitos da Política Nacional de Recursos Hídricos que, na

sua opinião, destoam da realidade brasileira, comenta que:

Tais objetivos são de alcance satisfatório duvidoso se comparados com a realidade atual da gestão empreendida pelos titulares do domínio sobre as águas e com a mens legis que jaz sob o texto de seus artigos, que priorizam a utilização da água aos setores produtivos, dando um tratamento muito tímido, e em várias disposições inexistente, quanto à prioridade destes recursos à manutenção da vida humana. Em situação leva à conclusão de que o Estado brasileiro continua a dar tratamento jurídico infraconstitucional à água doce muito mais como recurso – como um catalisador para o desenvolvimento econômico de alguns setores de sua sociedade – do que para a manutenção da qualidade de vida e da própria vida de seus habitantes – em que pesem as belas palavras grafadas nos textos da legislação federal sobre gestão hidrológica, que pouca ou nenhuma relação guardam com a realidade social e hidrologia do país. Tanto é que, como mencionado, o país ocupa o primeiro lugar em riqueza hídrica e apenas o 26º lugar em distribuição social desta riqueza.

Como instrumentos para a efetivação dos objetivos da gestão das águas, a lei

nº 9.433/1997 estabeleceu: a) Os planos de recursos hídricos (plano diretor da bacia

e alocação das águas entre os grandes setores usuários); b) o enquadramento dos

corpos d’água em classes segundo os usos preponderantes da água; c) a outorga

de direitos de uso de recursos hídricos; d) a cobrança pelo uso da água; e) a

compensação a Municípios (vetado); f) sistemas de informações sobre recursos

hídricos (fiscalização e monitoramento).

Em outras palavras, os instrumentos da política em pauta podem ser

classificados em duas finalidades básicas: os de planejamento (plano, classificação,

enquadramento e sistema de informação), como forma de orientar o uso das águas,

organizando situações de conflito, e de controle (outorga e cobrança, como

instrumento indireto), com o intuito de evitar o dano. Ademais, vale ressaltar que a

norma em tela leva à discussão sobre a questão da autonomia dos Estados. Cid

Tomanik Pompeu144 comenta:

Em razão da autonomia dos Estados, no tocante à sua organização, à lei federal somente cabe dispor sobre a estrutura dos organismos da União. Por esse motivo, os Comitês estaduais podem seguir a composição e a competência estabelecidas nas leis dos respectivos Estados. Como as disposições da lei federal, em termos de organização administrativa, a estes não se aplicam, nem ao Distrito Federal, são inconstitucionais suas determinações referentes aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e, se procura alcançá-los, também aos Comitês Estaduais.

Não obstante a legislação federal tenha criado a cobrança pela utilização das

águas de domínio da União e incluindo-a entre os instrumentos da Política Nacional

144 POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.121.

86

de Recurso Hídricos, a deliberação a respeito, relativamente às águas do seu

domínio, é da respectiva Unidade Federativa. Esta é autônoma, organiza-se e rege-

se pelas Constituições e leis que abraçar, observados os princípios da lei federal,

sendo-lhe reservadas as competências por aquela não vedada.

Trata-se de importante lei ambiental que tem como objetivo a preservação,

melhoria e recuperação da qualidade, numa proposta de assegurar, no país,

condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses relativos à

segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Observa Vladimir

Passos de Freitas que a lei 6.938:

Foi o primeiro passo na proteção ambiental, criando o Sistema Nacional de Meio Ambiente, prevendo a ação integrada das pessoas jurídicas de direito, consagrando a responsabilidade objetiva pelo dano ambiental e atribuindo ao Ministério público legitimidade para ingressar em Juízo na defesa dos direitos da sociedade145.

A lei define que o poluidor é obrigado a indenizar danos ambientais que

causar, independente da culpa. Para o cumprimento destas especificações, destaca

instrumentos de defesa ambiental, determinando que as condutas e atividades

consideradas lesivas ao ambiente passam a ser punidas civil, administrativa e

criminalmente.

Vale destacar que, constatada a degradação ambiental, o poluidor, além de

ser obrigado a promover sua recuperação responde com o pagamento de multas

pecuniárias e com processos criminais. Embora essa lei tenha sido editada com

objetivo de criar política de caráter nacional para o ambiente em geral, estabeleceu

proteção à água.

3.2.3.3 A Importância dos Instrumentos da Política Nacional De Recursos Hídricos

para Proteção Jurídica das Águas

O artigo 5º da lei nº 9.433/1997 define os instrumentos da Política Nacional de

Recursos Hídricos da seguinte forma: a) Os planos de recursos hídricos; b) a

outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; c) a cobrança pelo uso de recursos

hídricos; d) o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos

145 FREITAS, V. P. Águas: aspectos jurídicos e ambientais. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 168.

87

preponderantes da água; e) a compensação a Municípios; f) o sistema de

informações sobre recursos hídricos.

A análise a seguir será em relação aos instrumentos da Política Nacional de

Recursos Hídricos, suas principais características e respectivas relevâncias na

efetividade da proteção da água.

3.2.3.4 Os Planos de Recursos Hídricos

Os Planos de Recursos Hídricos, pela importância que encerram para o

modelo de gestão das águas adotado, foi o primeiro instrumento citado pela lei nº

9.433/1997 e, conforme dispõe o artigo 6º, “[...] são planos diretores que visam a

fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos

e o gerenciamento dos recursos hídricos”.

Em âmbito federal, o Plano Nacional de Recursos Hídricos foi aprovado pelo

Conselho Nacional de Recursos Hídricos no dia 30/01/2006 e determina ações para

o uso racional da água no Brasil até 2020. Sobre esta ferramenta, João Alberto

Alves Amorim146 explica que:

Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos, que buscam fundamentar e orientar a implementação da PNRH e o gerenciamento dos recursos hídricos. Este instrumento deve ser utilizado nas escalas federal, estadual e por bacia, e seu conteúdo mínimo deve englobar: o diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; análise de alternativas de crescimento demográfico, da evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação de solo; balanço entre disponibilidades e demandas futuras de recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas; prioridades para a outorga de direito de uso de recursos hídricos; diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso de recursos hídricos e propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção de recursos hídricos.

Neste diapasão, especialmente em bacias hidrográficas, por nelas já existir a

escassez hídrica, todos os instrumentos devem ser planejados em conjunto,

iniciando essas considerações já nos cálculos da disponibilidade hídrica e das

vazões características. Tal instrumento permite a construção do consenso no âmbito

146 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 323-324.

88

da bacia. Na verdade, a ferramenta enseja a construção de ajuste no nível de sua

aplicação. Sobre os Planos de Recursos Hídricos no contexto das bacias

hidrográficas, Cid Tomanik Pompeu147 ensina que:

Os Planos de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas, elaborados pelas Agências de Água, supervisionados e aprovados pelos respectivos Comitês de Bacia, devem seguir o disposto na Lei 9.433/1997, observados os critérios gerais estabelecidos em Resolução do CNRH. Inexistindo Agência e não havendo delegação, os Planos “podem ser elaborados pelas entidades ou órgãos gestores de recursos hídricos, de acordo com a dominialidade das águas, sob supervisão e aprovação dos respectivos Comitês de Bacias”, devendo levar em consideração os planos, programas, projetos e demais estudos relacionados a recursos hídricos, existentes na área de abrangência das respectivas bacias.

Por sua vez, Maria Luiza Machado Granziera148 aduz:

Aos Comitês de Bacia Hidrográfica cabe aprovar os planos de bacia hidrográfica. Essa atribuição, como garantia da efetividade do processo de elaboração do plano, está diretamente relacionada com o sistema de decisão que tiver sido adotado por parte de cada comitê, em sua instalação. Em outras palavras, é necessário que o sistema decisório do Comitê seja de tal forma estabelecido que necessariamente seja exarada uma decisão, por maioria, ou por outro critério que possa representar o desejo predominante de seus integrantes. Esse é um ponto de extrema importância, à medida que deve ser assegurado um ato final relativo à aprovação do plano, de modo que se evite uma solução de continuidade nesse processo – seja ele qual for. [...] A primeira questão a colocar refere-se à extensão geográfica do plano, que deve acompanhar o âmbito de atuação do Comitê que o aprovará. O art. 8º da Lei nº 9.433/97 determina que os Planos de Bacia Hidrográfica serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o país. No que se refere às bacias hidrográficas, por força do disposto no art. 37, entende-se que o conteúdo do plano deve ater-se a uma região determinada, no que toca aos limites da bacia hidrográfica e em consonância com a área de atuação do respectivo comitê. O plano deve fixar, também, metas de racionalização de uso, assim como de qualidade e quantidade dos recursos.

Para cada plano elaborado, em razão das peculiaridades de cada região,

devem ser seguidas premissas de aperfeiçoamentos e inovações metodológicas na

coordenação e execução dos trabalhos de forma a garantir, em processo articulado

e participativo, resultados satisfatórios. Pertinentes são as considerações da

Agência Nacional de Águas acerca da necessidade de adoção de metodologias

próprias que resultam nos seguintes desafios para a elaboração e atualização de

tais Planos no Brasil149:

• A definição do foco e de modelos de gestão diferenciados em função da diversidade e complexidade da bacia/região e de seus problemas prioritários;

147

POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 237. 148 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 142-143. 149 Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2009. Brasília: ANA, 2009, p. 190.

89

• A elaboração de previsões e cenários racionais em função das indefinições do quadro macroeconômico e do conjunto de “ações externas” com rebatimento direto sobre os recursos hídricos, tais como ações de reflorestamento, controle de erosão e poluentes, preservação de áreas de recarga de aquíferos, etc; • A estruturação dos diversos níveis de gestão (federal, regional, estadual, bacia, municipal), o aprimoramento dos mecanismos de articulação intersetoriais e o estimulo a ação em cooperação por parte dos setores e instituições envolvidas; • A disponibilidade de recursos tanto financeiros, em quantidade suficiente para seu desenvolvimento, quanto técnicos (capacitação e infraestrutura técnica); • A garantia de participação efetiva com representatividade de todas as partes interessadas e a partir do desenvolvimento de meios de comunicação com não especialistas; e • A definição clara da autoridade legal para o acompanhamento e a implementação e atualização do plano, de forma a se evitar um vácuo pós-plano, em que não existe a figura do “dono do plano” responsável por articular e viabilizar as ações programadas.

Destarte, para que o plano efetivamente desempenhe seus escopos, deve-se

resgatar o conceito de planejamento como um procedimento diligente em que a

constante percepção, interação e concretização das oportunidades e da

consolidação do instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos por meio de

negociações político-institucionais e gestão participativa instituam a sua mais

relevante estratégia de implementação, acompanhamento, monitoramento e revisão.

Ressalte-se também que os estudos referentes aos Planos devem ser

divulgados e apresentados no formato de consultas públicas convocadas pelo

Comitê de Bacia ou, na ausência deste, pela instituição ou órgão gestor. Acresça-se

ainda que a participação da sociedade nas fases da elaboração do Plano deverá se

dar por consultas públicas, encontros técnicos e oficinas de trabalho, objetivando

possibilitar discussão das alternativas de solução dos problemas e enrijecer o

intercâmbio entre equipe técnica, usuários de água, órgãos de governos e sociedade

civil, de forma a incorporar aportes. É o que preconiza Édis Milaré150:

A gestão hídrica depende de planejamento institucionalizado, não podendo o uso das águas ser condicionado apenas a planos setoriais e, o que é pior, à decisão de cada caso concreto, sem vinculação com o planejamento do uso dos recursos hídricos da bacia. O Plano visa, entre outras coisas, a evitar ou a coibir casuísmos.

Do exposto, percebe-se a natureza jurídica integrada dos instrumentos da

Política Nacional de Recursos Hídricos, permitindo o condicionamento mútuo e

interação que vão colidir numa dinâmica e complexidade do micro e macrossistema

150 MILARÉ, É. Direito do ambiente: Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 478.

90

jurídico que os envolvem de forma a promover a gestão das águas. Por derradeiro,

destaque-se que os dados gerados nos Planos em cotejo devem ser

necessariamente, incorporados aos Sistemas de Informações de Recursos Hídricos.

3.2.3.5 Outorga do Direito de Uso dos Recursos Hídricos

A Agência Nacional de Águas151 define a outorga de direito do uso de recursos

hídricos como “[...] o ato administrativo mediante o qual o poder público outorgante

faculta ao outorgado o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos

termos e nas condições expressas no respectivo ato administrativo”. A outorga tanto

é ato administrativo como objeto da discricionariedade da Administração Pública.

Isso quer dizer que ele é regido pelos critérios de oportunidade e conveniência,

empreendidos pela Administração, utilizando-se do princípio do interesse público

sobre o privado.

Depreende-se que tal instrumento, via de atos administrativos legais (exemplo:

Resolução), concede ao empreendedor o direito de utilizar um volume específico de

água em seu processo produtivo dentro de um prazo de validade definido. Como o

bem natural em comento pode ser utilizado de diversas formas, mister se faz que o

Estado, por intermédio da outorga, realize sua distribuição observando quantidade e

qualidade adequadas aos usos atuais e futuros com finalidade de evitar impactos

ambientais negativos nas águas.

No que toca à competência administrativa para conceder a outorga dos

recursos hídricos há de se enfatizar o fato de que consiste em exercício do poder de

polícia administrativa; compete ao detentor do domínio hídrico a concessão ou

autorização da utilização do bem, com observância dos critérios legais ou

regulamentares que regem o assunto. Neste diapasão, o artigo 14 da Política

Nacional de Recursos Hídricos dispõe que a “[...] outorga efetivar-se-á por ato da

autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito

Federal”.

Assim, a competência exercida sobre rios de domínio da União é da Agência

Nacional de Águas, criada especialmente para tal atribuição. No tocante às águas de

domínio estadual ou do Distrito Federal a competência é do órgão incumbido legal e

151

Disponível em <http://www.ana.gov.br/gestaoRecHidricos/Outorga/default2.asp> Acesso: 15 jun. 2015.

91

regimentalmente, nos moldes das normas estaduais. Ao apontar o caráter

imprescindível de integração entre os responsáveis pelas outorgas, a Agência

Nacional de Águas assevera que152:

A integração entre as autoridades outorgantes estaduais e a ANA é de grande importância com a finalidade de apoio técnico, troca de informações, compatibilização de decisões, compartilhamento de análises, discussão de problemas nas bacias e a realização de estudos conjuntos para determinação de marcos regulatórios. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos terá tanto mais sucesso quanto mais capacitados e nivelados forem seus integrantes, notadamente aqueles referentes às autoridades.

Demais disso, a competência administrativa acerca do tema é tão robusta que

a jurisprudência tem se inclinado a entender que as questões relativas ao mérito do

ato de outorga não devem ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário. Veja o

que dispõe julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal da Primeira Região:

[...] 3. A impetrante requer, em primeiro lugar, seja concedido o seu pedido todo, qual seja, o aumento do volume de captação de água de 4,0 m³/s para 4,8 m³/s, o que já foi analisado pela Administração Pública, quando concedeu o aumento para 4,3 m³/s, sendo que a apreciação do mérito é impossível, tendo em vista a impossibilidade do Judiciário de se imiscuir na esfera administrativa, competente para análise de mérito do pedido.” (TRF 1ª Região, Quinta Turma, Apelação em MS nº 199801000067005, Dês. Rel. Selene Maria de Almeida, Decisão de 02.04.2008)

É importante apontar que o direito de uso da água não significa que o usuário

seja proprietário da mesma ou que ocorra alienação desse recurso. A outorga

poderá ser suspensa, parcial ou totalmente, em casos de escassez ou de não

cumprimento pelo outorgado dos termos previstos na regulamentação e por eventual

necessidade de se atender ao princípio do interesse público sobre o particular, nos

termos dos artigos 15 e 49 da lei nº 9.433/1997. Interessante ressaltar a importância

da Agência Nacional de Águas neste contexto153:

Por meio de outorga, a ANA estabelece limitações e legitima uma relação jurídica que favorece uma fiscalização mais ampla, tornando mais fácil a identificação e punição do responsável por eventual degradação ambiental. Essa mesma fiscalização encontra fundamento no fato de os recursos hídricos serem de domínio público. Com a outorga, o Estado transfere tão somente o uso da água, conservando sua titularidade. Não há alienação, posto que bem inalienável. Assim sendo, a exploração pelo outorgado deverá atender ao interesse público, sob pena de suspensão do direito. [...] Em tempo, a despeito do controle interno realizado pela ANA, caberá ainda ação civil pública ou mesmo ação popular caso a outorga não atenda os requisitos legais, tendo aptidão para lesar o meio ambiente.

152 Diagnóstico de Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos e Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos. Caderno de Recursos Hídricos 4. Brasília, ANA, 2007, p. 73. 153 NÓBREGA, G. P. de. Princípio da precaução na outorga do direito de uso de água. In: Revista de Administração Pública e Política. Brasília, ano XII, n. 135, set. 2009, p.25.

92

Por sua vez, Frederico Augusto Di Trindade Amado comenta154:

Poderá ser suspensa a outorga, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente, caso: o outorgado descumpra os seus condicionantes; deixe de utilizá-la por três anos consecutivos; haja situação de calamidade pública; ocorra necessidade de prevenir ou reprimir grave degradação ambiental; haja necessidade de atendimento de uso prioritário, inexistindo fontes alternativas; para a manutenção de navegabilidade de corpo de água. Ou seja, o ato de outorga não passa a integrar o patrimônio do beneficiário, sendo ato precário passível de revogação nas hipóteses acima listadas, razão pela qual ostenta a natureza de autorização administrativa, conquanto tenha prazo que limite a sua precariedade, desnaturando, em parte, o seu regime jurídico, pois a revogação apenas poderá se dar nas hipóteses previstas acima.

Todavia, desde que dentro das delimitações impostas pelas normas

pertinentes, o outorgado possui suas prerrogativas. É o que leciona João Alberto

Alves Amorim155:

Se a outorga não confere titularidade ao outorgado, lhe concede o direito de acesso, a qual só pode sofrer restrições nas hipóteses de calamidade, necessidade de se manter as características de navegabilidade do corpo hídrico e necessidade de atender a usos prioritários de interesse coletivo, quando não houver fonte alternativa, ou prevenir ou reverter grave degradação ambiental. Obviamente, todas as hipóteses devem ser reconhecidas prévia e oficialmente pelo Estado, o qual é, imagina-se, o único agente competente para impor as eventuais restrições ao direito de acesso, podendo ainda o outorgado que sofrê-las pleitear o amparo do Poder Judiciário para defesa a lesão ou ameaça de lesão a esse direito.

No Brasil, por via do artigo 12 da lei nº 9.433/1997, está estabelecido que estão

sujeitos à outorga pelo poder público os direitos dos seguintes usos de recursos

hídricos: I) Derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo d'água

para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo

produtivo; II) Extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou

insumo de processo produtivo; III) Lançamento em corpo de água de esgotos e

demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição,

transporte ou disposição final; IV) Uso de recursos hídricos com fins de

aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V) outros usos que alterem o regime, a

quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d’água.

De acordo com a Agência Nacional de Águas156:

Desde a sua criação, em dezembro de 2000, a ANA emitiu 5.216 outorgas de direito de uso de recursos hídricos, incluídas 78 outorgas preventivas e as renovações, sendo que um quarto, ou 1.282, foram emitidas em 2008, superando em 96% a média dos últimos oito anos, que equivale a 650

154 AMADO, F. A. Di T. A. Direito Ambiental Sistematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 132. 155 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 328. 156 Relatório de Atividades 2008. 2009, p. 65.

93

autorizações. As finalidades outorgadas são variadas. Como nos anos anteriores, em 2008 as outorgas concedidas para irrigação lideram o ranking: foram 619, cerca de 50% do total do ano. Na sequência, aparecem os seguintes usos: indústria, mineração, aquicultura, abastecimento público, entre outros.

Neste contexto, em plena observância às premissas da apropriada gestão

ambiental, a outorga se faz instrumento de grande valia, pois é necessário ao

gerenciamento dos recursos hídricos, já que permite o controle quantitativo e

qualitativo dos usos da água, possibilitando distribuição mais justa e equilibrada.

No entanto, o sujeito beneficiado tem seu direito à outorga concedida, limitado

às condicionantes estabelecidas pelos Planos de Recursos Hídricos, sendo que, de

acordo com Vladimir Passos de Freitas157, “[...] a outorga de direito de uso de

recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por

prazo determinado, e far-se-á por prazo não excedente há 35 anos, renovável”. Por

pertinente, tragam-se a lume as considerações de Frederico Augusto Di Trindade

Amado acerca do prazo não excedente de 35 anos158:

A outorga do uso da água terá prazo de até 35 anos, renovável, devendo ser onerosa. Se a água for bem da União, competirá à Agência Nacional de Águas – ANA (autarquia em regime especial que atua como agente normativo e regulador, criada pela Lei 9.984/2000, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente) outorgar o seu uso, mediante autorização, cabendo delegação aos Estados e ao Distrito Federal. Caso a água seja estadual ou distrital, a estes caberá exercer essa competência.

Ademais, a outorga gera a possibilidade de garantir o efetivo exercício dos

direitos de acesso aos recursos hídricos por parte dos usuários interessados,

funcionando como instrumento de controle e de melhoria na oferta do bem finito em

questão. O valor pago pelo outorgado é de mero cunho administrativo para ensejar a

autorização para o uso do recurso natural. Ao contrário da cobrança pela água, não

apresenta uma natureza de contraprestação remuneratória pelo fornecimento e

disponibilização do bem econômico.

Note-se ainda que, nos moldes do artigo 12, § 1º, da Política Nacional de

Recursos Hídricos, independem de outorga, de acordo com o deliberado em

regulamento: uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de

tacanhos núcleos populacionais, espalhados no meio rural; derivações, captações e

lançamentos considerados insignificantes; e acumulações de volumes de água

consideradas insignificantes.

157 FREITAS, V. P. de. Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 74. 158 AMADO, F. A. Di T. A. Direito Ambiental Sistematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 132.

94

Acerca do uso insignificante da água para fins de dispensa de outorga,

Frederico Augusto Di Trindade Amado comenta159:

Excepcionalmente, independe de outorga o uso da água para acumulação de volumes, derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes, assim, como o uso para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais rurais. Andou bem o legislador ao não definir genericamente na Lei 9.433/1997 o que é considerado como uso insignificante da água para fins de dispensa de outorga, uma vez que essa análise deve ser casuística. Nessa trilha, caberá ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou ao Conselho Estadual, a depender da titularidade das águas, definir a quantidade considerada insignificante, mediante proposta do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica (art. 38, inciso V, da Lei 9.433/1997).

Outro ponto imprescindível de ser comentado é o de que a outorga tem que

andar articulada com a cobrança, pois estes instrumentos da Política Nacional de

Recursos Hídricos estão profundamente ligados. Dispõe a Agência Nacional de

Águas acerca da dependência entre tais ferramentas160:

Outro instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos é a cobrança pelo uso das águas, que visa o incentivo à racionalização do seu uso, seu reconhecimento como bem econômico e indicação ao usuário do seu real valor, bem como a obtenção de recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Sua relação com a outorga acontece a partir do momento em que a lei determina que os usos de recursos hídricos a serem cobrados são aqueles sujeitos à outorga. Além disso, os valores a serem fixados para sua cobrança são diretamente relacionados com parâmetros constantes das outorgas. No caso de derivações, captações e extrações de água, devem ser observados, para seu cálculo, o volume retirado e o seu regime de variação. Para lançamento de efluentes, além do volume lançado e do seu regime de variação, devem ser consideradas, ainda, as características físico-químicas, biológicas e de toxicidade do efluente.

Além disso, para se conferir a outorga de maneira eficiente e com segurança é

preciso que exista um bom sistema de informação hidrológica, por meio de

monitoramento, coleta de dados de vazão, de chuva, de sedimentos e dos

parâmetros de qualidade da água, bem como, a análise e tratamento desses dados.

Diz Clarissa Ferreira Macedo D’Isep acerca do assunto161:

A outorga para o uso da água tem em si a natureza jurídica declaratória de direito de uso hídrico, assim como assecuratória da reserva hídrica. A outorga encontra na cobrança hídrica a regulamentação da remuneração do uso outorgado (autorizado), daí a natureza jurídica de cláusula remuneratória. A contrário sensu, a cobrança hídrica tem nos limites descritivos do uso hídrico, formalizado na outorga, os contornos para sua concreção e mecanização mediante o preço hídrico. Daí ser cláusula objeto.

159 AMADO, F. A. Di T. A. Direito Ambiental Sistematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 133. 160 Diagnóstico de Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos e Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos. Caderno de Recursos Hídricos 4. Brasília, ANA, 2007, p. 20. 161 D’ISEP, C. F. M. Água Juridicamente Sustentável. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.20

95

Por fim, enaltecida a relevância da outorga do uso da água, importante também

se ater ao fato de que cobrar do usuário pelo nível de degradação ambiental, por ele

gerado em um determinado curso de água, em virtude do nível de poluição dos

efluentes nele lançados, é medida que deverá ser tomada por todas as bacias

hidrográficas futuramente.

3.2.3.6 O Enquadramento dos Corpos de Água em Classes, segundo os Usos

Preponderantes

No que toca ao enquadramento dos corpos de água, salienta-se que este

instrumento visa, conforme dispõe o artigo 9º da lei nº 9.433/1997, a “[...] assegurar

às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem

destinadas”, bem como “diminuir os custos de combate à poluição das águas,

mediante ações preventivas permanentes”. O enquadramento hoje vigente foi feito

pela Resolução CONAMA nº 357. Sobre o assunto, Maria Luiza Machado Granziera

explica162:

A Resolução CNRH nº 12, de 20-7-00, em seu art. 1º, I, conceitua o enquadramento como ‘estabelecimento de nível de qualidade apresentado por um segmento de corpo d’água ao longo do tempo’. O enquadramento é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, indicado na Lei nº 9.433/97, art. 5º, II. O enquadramento, em cada corpo hídrico ou em trechos dele, fixa os níveis de qualidade, os usos e, consequentemente, sua finalidade preponderante. Visa assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes (LEI Nº 9.433/97, ART. 92).

Por sua vez, Édis Milaré163 dispõe que o enquadramento dos corpos de água

em classes é “[...] instrumento fortalecedor da integração da gestão de recursos

hídricos com a gestão ambiental, diretriz fundamental para a implementação da

Política Nacional de Recursos Hídricos”. Este instrumento da Política Nacional de

Recursos Hídricos não deve, necessariamente, estar abalizado no seu estado atual,

mas sim em níveis de qualidade que deve possuir para atender às necessidades da

comunidade, ou seja, um corpo hídrico que apresenta certa degradação na

162 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 146. 163 MILARÉ, É. Direito do ambiente : Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 479.

96

qualidade de suas águas pode vislumbrar uma evolução gradativa e alcançar uma

situação futura apropriada, comandada pelos enquadramentos em classes.

Com relação à importância de deliberações locais, a Agência Nacional de

Águas dispõe164:

O enquadramento dos corpos d’água representa um papel central no novo contexto de gestão de qualidade da água do País, por se tratar de um instrumento de planejamento que possui interfaces com os demais aspectos da gestão dos recursos hídricos e a gestão ambiental. A decisão sobre o enquadramento dos corpos de água é de caráter local, ou seja, deve ser tomada no âmbito do SINGREH da Bacia Hidrográfica. A razão para isso é que o enquadramento precisa representar a expectativa da comunidade sobre a qualidade da água e, além disso, definir o nível de investimento necessário para que o objetivo de qualidade da água seja cumprido. A comunidade precisa estar ciente de que os objetivos de qualidade de muita excelência requerem pesados investimentos financeiros. Para ampliação e efetivação dos enquadramentos, um conjunto de ações deve ser realizado, principalmente com relação à capacidade técnica e aperfeiçoamento das legislações. Estas ações deverão ser articuladas ao longo dos próximos anos para que ocorra uma efetiva implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos.

Demais disso, considerando os diversos cenários de desenvolvimento da

região, é de se esperar que a prática da cobrança enseje crescimento constante de

arrecadação e que, com a prática da gestão da água, novas fontes de financiamento

à racionalização do uso dos recursos hídricos sejam auferidas para a bacia. É de se

esperar também uma crescente capacidade de investimento na bacia hidrográfica,

de modo a afrontar baixos investimentos previstos para o futuro imediato.

Assim, é conveniente que a proteção jurídica das águas sejam guiadas por

metas de qualidade dos recursos hídricos que, paulatinamente, se aproximam do

enquadramento desejado.

3.2.3.7 O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos

O último instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos é o sistema de

informações sobre recursos hídricos, que visa à coleta, tratamento, armazenamento

e recuperação de informações sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes

em sua gestão. Trata-se de um cadastro público de informações, ao qual tem

acesso toda a sociedade.

O sistema de informações sobre recursos hídricos, nos termos do artigo 25 da

lei nº 9.433/1997, “[...] é um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e 164 Panorama do Enquadramento dos Corpos d’Água e Panorama da Qualidade das Águas Subterrâneas no Brasil. 2007, p. 51.

97

recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua

gestão”.

Os princípios básicos para seu funcionamento, estampados no artigo 26, são:

a) Descentralização da obtenção e produção de dados e informações; b)

coordenação unificada do sistema; c) acesso aos dados e informações garantido a

toda a sociedade. Com relação aos objetivos, o artigo 27 cita: a) Reunir, dar

consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e

quantitativa dos recursos hídricos no Brasil; b) atualizar permanentemente

informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos em todo território

nacional; c) fornecer subsídios para a elaboração dos planos de recursos hídricos.

Ocorre que as informações hidrológicas são necessárias não apenas para

subsidiar os trabalhos dos comitês de bacia e dos órgãos que compõem os sistemas

de recursos hídricos, também contribuem muito para o desenvolvimento dos setores

da energia, da agricultura, do transporte hidroviário e da economia. Assim,

vislumbra-se que existe uma dependência recíproca entre sistemas de informações

e proteção jurídica da água.

3.2.3.8 Resolução CONAMA Nº 357, de 17/03/2005

Os padrões mínimos de desempenho ambiental, para lançamento de efluentes,

são estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 357, que substitui a Resolução nº

20, de 18/06/1986, com o mesmo propósito, e dispõe sobre classificação dos corpos

d’água e diretrizes ambientais para seu enquadramento, bem como estabelecendo

condições e padrões de lançamento de efluentes165.

Aliás, cumpre ressaltar que a Resolução nº 357 está fincada na lei nº

9.433/1997 e nos princípios estabelecidos pela lei nº 6.938/1981 e coloca a água

como o centro das preocupações que envolvem o desenvolvimento sustentável.

A respeito do enquadramento dos corpos d’água, João Alberto Alves Amorim

ensina166:

165 Compete ao CONAMA, nos termos do artigo 8º, inciso VII, da lei nº 6.938/1981 (PNMA), “estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos”. 166 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 31-32.

98

O enquadramento dos corpos d’água, estabelecido pela Resolução nº 357 expressa metas finais obrigatórias a serem alcançadas, bem como enquadra os corpos d’água e as condições e padrões de lançamento de efluentes de acordo com as regras da Convenção de Estocolmo, sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POP). É aquela Resolução a regra jurídica brasileira donde afloram os contornos técnicos-jurídicos que servem discrimine para a classificação das águas e corpos hídricos, como também para a aplicação das metas e princípios das Políticas Nacionais de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente.

Édis Milaré, ao dispor sobre a gestão da qualidade das águas, aduz167:

A Resolução CONAMA 357/2005 classifica as águas doces, salobras e salinas do território nacional, definindo os padrões de qualidade de cada uma dessas classes, segundo os usos preponderantes que se lhes quer dar. O enquadramento dos corpos de água nessas classes é feito não necessariamente no seu estado atual, mas sim nos níveis de qualidade que deveriam ter para garantir os usos a que se pretende destiná- los, o que exige um controle de metas visando a atingir, de modo gradual, os objetivos do enquadramento. Essa orientação da Resolução reflete bem claramente o quadro de poluição de grande parte das águas em território nacional e a necessidade de, aos poucos, levá- las a atingir uma qualidade desejável.

Por oportuno, Maria Luiza Machado Granziera destaca168:

Feitas as considerações iniciais sobre o tema, cumpre verificar o fundamento da classificação das águas. Para que classificar as águas? Os ‘considerando’ da Resolução oferecem as seguintes respostas: 1. A água integra as preocupações do desenvolvimento sustentável, baseado nos princípios da função ecológica da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, do usuário-pagador e da integração, bem como no reconhecimento de valor intrínseco à natureza; 2. A Constituição Federal e a Lei nº 6.938/81 visam controlar o lançamento no meio ambiente de poluentes, proibindo o lançamento em níveis nocivos ou perigosos para o seres humanos e outras formas de vida; 3. A classificação das águas doces, salobras e salinas é essencial à defesa de seus níveis de qualidade, avaliados por condições e padrões específicos, de modo a assegurar seus usos preponderantes; 4. A saúde e o bem-estar humano, bem como o equilíbrio ecológico aquático, não devem ser afetados pela deterioração da qualidade das águas; 5. A necessidade de se criar instrumentos para avaliar a evolução da qualidade das águas, em relação às classes estabelecidas no enquadramento, de forma a facilitar a fixação e o controle de metas visando atingir gradativamente os objetivos propostos; 6. A necessidade de se reformular a classificação existente, para melhor distribuir os usos das águas, melhor especificar as condições e padrões de qualidade requeridos, sem prejuízo de posterior aperfeiçoamento; e 7. O controle da poluição está diretamente relacionado com a proteção da saúde, garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a melhoria da qualidade de vida, levando em conta os usos prioritários e classes de qualidade ambiental exigidos para determinado corpo de água. A importância do enquadramento refere-se, também, ao fato de ser o mesmo, indiretamente, um mecanismo de controle do uso e ocupação do solo localizado na bacia hidrográfica. De fato, se um trecho de rio tem o

167 MILARÉ, É. Direito do ambiente : Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 469. 168 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 147-148.

99

enquadramento de Classe 1, fica restrita a implantação de empreendimentos cujos usos sejam incompatíveis com aqueles indicados para essa categoria, como por exemplo a indústria que lança resíduos industriais em corpos hídricos, a menos que esteja dentro dos padrões estabelecidos para o lançamento, o que é discutido no processo administrativo de licenciamento ambiental da mesma.

Por conseguinte, citam-se alguns conceitos elencados por João Alberto Alves

Amorim imprescindíveis à compreensão do inserto na Resolução nº 357. São

eles169:

- água doce é a água com salinidade inferior a 0,05%; - água salobra é a água com salinidade entre 0,05% e 30% - água salina é a água com salinidade superior a 30%; - ambiente lêntico é o ambiente que se refere à água parada, com movimento lento ou estagnado; - ambiente lótico é o ambiente relativo a águas continentais moventes; - carga poluidora é a quantidade determinado poluente transportado ou lançado em um corpo d’água receptor expressa em unidade de massa por tempo; - classe de qualidade é o conjunto de condições e padrões de qualidade de água necessários ao atendimento dos usos preponderantes, atuais ou futuros; - classificação é a qualidade das águas doces, salobras ou salinas em função dos usos preponderantes (sistemas de classes de qualidade), atuais e futuros; - condições de qualidade é a qualidade apresentada por um segmento de corpo d’água, num determinado momento, em termos dos usos possíveis com segurança adequada, frente às classes de qualidade; - condições de lançamento são as condições e padrões de emissão adotados para o controle de lançamento de efluentes no corpo receptor; - corpo receptor é o corpo hídrico superficial que recebe o lançamento de um efluente; - enquadramento é o estabelecimento da meta ou objetivo de qualidade de água (classe) a ser, obrigatoriamente, alcançado ou mantido em um segmento de corpo d’água, de acordo com os usos preponderantes pretendidos ao longo do tempo; - padrão é o valor limite adotado como requisito normativo de um parâmetro de qualidade de água ou efluente; - tributário (ou curso d’água afluente) é o corpo d’água que flui para um rio maior ou para um lago ou reservatório; - vazão de referência é a vazão do corpo hídrico utilizada como base para o processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo das águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGRH); - zona de mistura é a região do corpo receptor onde ocorre a diluição inicial de um efluente; - virtualmente ausentes são os resíduos ou contaminantes que não são perceptíveis pela visão, olfato ou paladar.

A Resolução nº 357, além de estabelecer os conceitos jurídicos mencionados,

também dá a classificação dos corpos hídricos brasileiros, conforme suas

respectivas classes de uso. A norma em tela estabelece em seus anexos limites

169 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009, p. 32-34.

100

individuais para cada substância em cada uma dessas classes. A ressalva reside no

artigo 13, ao dispor que “[...] nas águas de classe especial deverão ser mantidas as

condições naturais do corpo d’água”. Além disso, os parâmetros determinados para

lançamento de efluentes, seja para água doce, salgada ou salobra, vão se tornando

menos restritivos à medida que se avança das classes de número mais baixo para

os mais altos, ao passo que também seu uso vai se tornando mais restritivo. Desta

forma, em primeiro lugar, mister se faz identificar em que classe de rio se está

operando para saber quais os parâmetros de lançamento.

A Resolução CONAMA nº 357, ao substituir a de nº 20, tornou vários

parâmetros mais restritivos. Registra-se que, nos termos dos artigos 4º a 6º da

Resolução, o enquadramento das águas federais nas classes cabe à União e das

estaduais aos Estados. Em âmbito federal, o enquadramento deve ser feito pelo

Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ouvidas as entidades públicas ou privadas

interessadas; o das águas estaduais, pelos órgãos estaduais competentes, ouvidas

igualmente as entidades públicas e/ou privadas interessadas.

Nos termos do artigo 42, enquanto não houver aprovação dos enquadramentos

propostos, as águas doces serão classificadas como classe 2, e as salinas e

salobras, como classe 1, exceto se as condições de qualidade atuais forem

melhores, o que determinará a aplicação da classe mais rigorosa correspondente.

Não obstante, inexiste prazo estabelecido para que se concluam os

enquadramentos dos corpos d’água pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e

pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. Entretanto, nos termos do artigo

46, criou-se para o responsável, por fontes de potencial ou efetivamente poluidoras

de águas doces, a obrigação de apresentar ao órgão ambiental competente, até o

dia 31 de março de cada ano, a declaração de carga poluidora, referente ao ano civil

anterior, subscrita pelo administrador principal da empresa e pelo responsável

técnico devidamente habilitado, acompanhada da respectiva Anotação de

Responsabilidade Técnica (ART).

Com relação ao lançamento de efluentes, Antônio F. G. Beltrão explica que170:

A Resolução CONAMA 357/2005 também disciplina o lançamento de efluentes, vedando terminantemente o lançamento de quaisquer efluentes, direta ou indiretamente, nos corpos de água sem o devido tratamento. Para tal lançamento, portanto, fazem-se imprescindíveis o devido tratamento e o atendimento às condições e parâmetros indicados pela Resolução CONAMA 357/2005 (art. 24, caput). Observe-se que, ao contrário dos

170 BELTRÃO, A. F. G. Direito Ambiental . 2. ed. São Paulo: Método. 2009, p. 125-126.

101

padrões de qualidade, que variam conforme a classe em que se encontram, os padrões de lançamento de efluentes não são específicos de classe alguma, sendo aplicáveis para águas de todas as classes, exceto aquelas classificadas como especial, em que não é permitido lançamento algum (art. 32 da Resolução CONAMA 357/2005). Outrossim, tais padrões de lançamento, ou emissão, são relativos, ou seja, não podem resultar em alterações no corpo de água em desacordo com as metas obrigatórias progressivas, intermediárias e finais do seu enquadramento (art. 28 da Resolução CONAMA 357/2005). O órgão ambiental competente poderá ‘exigir a melhor tecnologia disponível para o tratamento dos efluentes, compatível com as condições do respectivo curso de água superficial, mediante fundamentação técnica’ (art. 24, II, da Resolução CONAMA 357/2005).

Complementando as considerações do autor, há de se ressaltar que, nos

termos do artigo 26, parágrafo 3º, o empreendedor deve informar ao órgão

competente quais são as substâncias que poderão estar contidas no seu efluente,

sob pena de nulidade da licença expedida. Além disso, para não comprometer as

metas progressivas obrigatórias, intermediárias e final, estabelecidas pelo

enquadramento para o corpo d’água, cabe aos entes federal, estadual e municipal o

estabelecimento de carga poluidora máxima para o lançamento das substâncias

passíveis de estarem presentes ou serem formadas nos processos produtivos,

listadas ou não no artigo 34.

Também é pertinente citar que, em relação à outorga de direito de uso das

águas, a Resolução em cotejo tem papel decisório na concessão deste. Dispõe a

Agência Nacional de Águas acerca do tema171:

Essa Resolução tem relação direta com a outorga para lançamento de efluentes. A análise de um pedido de outorga com essa finalidade deve considerar o padrão de qualidade a ser mantido no corpo de água, função dos parâmetros para sua classe de enquadramento, segundo a Resolução CONAMA nº 357/2005.

Por fim, saliente-se que, mesmo genericamente, a Resolução nº 357

estabeleceu que o descumprimento de seus dispositivos enseja aos infratores a

aplicação de sanções previstas pela lei nº 9.605, de 12.02.1998 (lei dos Crimes

Ambientais), incumbindo aos órgãos ambientais e gestores de recursos hídricos a

fiscalização de sua execução, nos moldes dos artigos 45, § 1º, e 48.

171Diagnóstico de Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos e Fiscalização dos Usos de Recursos Hídricos. Caderno de Recursos Hídricos 4. Brasília, ANA, 2007, p. 26.

102

3.2.3.9 Código Civil de 2002

O novo Código Civil Brasileiro, instituído pela lei n. 10.406, de 10 de janeiro

de 2002, deu à água tratamento mais amplo e mais adequado, em relação ao

Código Civil de 1916. A matéria está inserida na Parte Especial do Código, Livro III

(Direito das Coisas), Título III (Da propriedade), Capítulo V (Dos direitos de

vizinhança), Seção V (Das Águas), no total de nove artigos (1.288 a 1.296).

O possuidor de imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às

primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. Se poluir

outras águas, devera recuperá-las. Não sendo possível a recuperação ou o desvio

do curso artificial das águas, deverá ressarcir os danos (art. 1.291). Segundo Maria

Helena Diniz,

A norma jurídica se atém, obviamente, à conformação do solo e a lei da gravidade, segundo a qual as águas, sejam elas pluviais ou nascentes correm naturalmente de cima para baixo. Logo, por ser este fato uma lei da natureza, o proprietário do prédio inferior terá, obrigatoriamente, que receber água procedente do prédio superior, incluindo-se nesse ônus as águas advindas de derretimento da neve ou gelo, excluindo-se, é claro, as águas extraídas de poços, piscinas ou reservatórios, as oriundas de fábricas ou usinas, as elevadas artificialmente e as que caem dos tetos das casas172.

O Código estabelece que o proprietário de nascente de água, ou de solo onde

caem águas pluviais, uma vez satisfeita as necessidades de seu consumo, não

poderá impedir que as águas remanescentes cheguem até os prédios inferiores (art.

1.290). Com essa norma, procura garantir a qualquer pessoa localizada em prédio

em posição inferior, o direito de acesso à água para satisfazer suas necessidade

vitais. Assim, fica estabelecido que toda a água é insuscetível de apropriação

privada e deve permanecer disponível para qualquer uso humano.

O Código prevê, ainda, a utilização de aqueduto destinado a captar águas e

conduzi-las de um lugar para outro, atendendo às necessidades básicas das

pessoas. A construção de aqueduto, porém, não impedirá que os proprietários

cerquem seus imóveis e construam sobre eles, podendo eles, inclusive, usar das

águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida (art. 1295).

172 DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 278.

103

3.2.3.10 Lei de Águas

A lei n. 9.433, publicada em 8 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional

de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos, regulamentou a norma do art. 21, inciso XIX, da Constituição Federal. Essa

Lei tem quatro Títulos: “Da Política Nacional de Recursos Hídricos” (Título I) e “Do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos” (Título II), “Das Infrações

e Penalidades”, (Título III); “Das Disposições Gerais e Transitórias”; (Capítulo IV).

A política Nacional de Recursos Hídricos foi elaborada com base nos

seguintes fundamentos: a) Água é um bem de domínio público; b) a água é um

recurso natural limitado, dotado de valor econômico; c) em situações de escassez, o

uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de

animais; d) a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplos

das águas; e) a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da

Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos; f) a gestão dos recursos hídricos deve ser

descentralizadas e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das

comunidades (art. 1º).

Os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos são: a) Assegurar à

atual e as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de

qualidade adequados aos respectivos usos; b) a utilização racional e integrada dos

recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviáiro, com vistas ao desenvolvimento

sustentável; c) a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de

origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais (art. 2º).

Diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos: a) Gestão

sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e

qualidade; b) adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas,

bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do Pais;

c) integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; d) articulação

do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com o

planejamentos regional, estadual e nacional; e) articulação da gestão de recursos

hídricos com a do uso do solo; f) integração da gestão das bacias hidrográficas com

a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras (art. 3º).

104

A lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 2007, elegeu os instrumentos da Politica

Nacional de Recursos Hídricos: a) Planos de Recursos Hídricos; b) enquadramento

dos corpos de água em classes, segundo os usos predominantes da água; c)

outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; d) cobrança pelo uso de recursos

hídricos; e) Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (art. 5º).

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recurso Hídricos foi criado pela lei

n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e alterado pela lei n. 9.984, de 17 de julho de

2000. Seus objetivos são: a) Coordenar a gestão integrada das águas; b) arbitrar

administrativamente conflitos relacionados com os recursos hídricos; c) implementar

a Política Nacional de Recursos Hídricos; d) planejar, regular e controlar uso,

preservação e recuperação dos recursos hídricos; e) promover cobrança pelo uso de

recursos hídricos (art. 32).

Passaram a ser partes integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos, após a edição da lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000, que criou a

Agência Nacional de Águas os seguintes órgãos: a) o Conselho Nacional de

Recursos Hídricos; b) a Agência Nacional de Águas; c) os Conselhos de Recursos

Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; d) os Comitês de Bacia Hidrográficas; e)

os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais

cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; f) as Agências

de Água (art. 33).

A Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, atribuiu ao Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos competência para: a) Promover a articulação

do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional,

estaduais e dos setores usuários; b) arbitrar, em última instância administrativa, os

conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; c) deliberar

sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões

extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implementados; d) deliberar sobre

as questões que lhe tenha sido encaminhada pelos Conselhos Estaduais de

Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica; e) analisar propostas de

alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de

Recursos Hídricos; f) estabelecer diretrizes complementares para implementação da

Política Nacional de Recursos Hídricos, aplica de seus instrumentos e atuação do

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; g) aprovar propostas de

instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a

105

elaboração de seus regimentos; h) acompanhar a execução e aprovar o Plano

Nacional de Recursos hídricos e determinar as providencias necessárias ao

cumprimento de suas metas; i) estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos

de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso (art. 35).

Registra-se que a Lei n. 9.433, preocupou-se em garantir a eficácia das

normas de utilização dos recursos hídricos superficiais e subterrâneo, nesse sentido,

definiu infrações e estabeleceu sanções, em seus artigos 49 e 50.

3.2.3.11 Agência Nacional de Águas

A lei 9.984, de 17 de julho de 2000, criou a Agência Nacional de Águas

(ANA). Esta agência, com sede no Distrito Federal, é uma autarquia de regime

especial, dotada de autonomia administrativa e financeira. As autarquias constituem

uma forma descentralizada de ação estatal mediante dirigentes nomeados pelo

próprio Estado, sujeitos a controle e tutela. Vinculada ao Ministério do Meio

Ambiente, a ANA tem por finalidade implementar, nos limites de sua esfera de

atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), integrando a

coordenação dos Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos hídricos.

Cabe à Agência Nacional de Águas, dentre outras, as seguintes atribuições:

a) Supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do

cumprimento da legislação federal pertinentes aos recursos hídricos; b) disciplinar

em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a

avaliação dos instrumentos do Politica Nacional de Recursos Hídricos; c) fiscalizar

os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da união; d) estimular e

apoiar as iniciativas voltadas para a criação de Comitês de Bacia Hidrográficas; e)

implementar, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo

uso de recursos hídricos de domínio da União; f) promover a elaboração de estudos

pra subsidiar a aplicação de recursos financeiros da União em obras e serviços de

regularização de cursos de água, de alocação e distribuição de água, e de controle

da poluição hídrica, em consonância com o estabelecido nos planos de recursos

hídricos; g) definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por

agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplos dos recursos

hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hídricos das respectivas

bacias hidrográficas; h) promover a coordenação das atividades desenvolvidas no

106

âmbito da rede hidrometeorológica nacional, em articulação com órgãos e entidades

públicas ou privadas que a integram, ou que dela sejam usuárias; i) regular e

fiscalizar, quando envolverem corpos d’água de domínio da União, a prestação de

serviços públicos de irrigação, se em regime de concessão, e adução de água bruta,

cabendo-lhe, inclusive, a disciplina, em caráter normativo, da prestação desse

serviço, bem como a fixação de padrões de eficiência e o estabelecimento de tarifa,

quando cabíveis, e a gestão e auditagem de todos os aspectos dos respectivos

contratos de concessão, quando existentes (art. 4º).

Observa-se que é da competência da ANA aplicar o instrumento de cobrança

pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União, arrecadar e aplicar receitas

auferidas.

Celso Maran de Oliveira173 complementa o exposto ao dizer que o valor

produto no ato de cobrança, deve ser mantido em conta única do Tesouro Nacional,

enquanto não destinada às respectivas programações. Essas receitas passam por

um processo de triagem em que são verificadas as prioridades de aplicação,

definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos em articulação com os

Comitês de Bacia Hidrográfica (art. 21, parágrafo quarto).

Assim, o modelo de gestão de recursos hídricos passa a envolver um

processo de compartilhamento de ação entre Estado, Sociedade e Mercado.

Costa174 acerca desta questão opina:

gestão compartilhada significa qualificar as instituições e organização original com suas atribuições precípuas (regulatória e de planejamento), criando dispositivos adicionais para uma gestão conjugada, pautada por um patamar mais avançado de articulação intergovernamental e intersetorial e pela incorporação de interesses e agentes particulares (empreendedores e sociedade civil organizada), parceiros potenciais de objetivos pactuados.

Chega-se ao entendimento de que atribuir valor econômico à água é

necessário para que haja uma conscientização de que os recursos hídricos devem

ser usados com racionalidade, evitando desperdícios.

173 OLIVEIRA, C. M. Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e as alternativas para o formato jurídico das agências no Brasil. In: Revista de Direito Ambiental . ano 12, n. 46, abr./jun. 2007, p. 44. 174 COSTA, F. J. L. Estratégias de gerenciamento dos recursos Hídricos no Brasil: áreas de cooperação com o banco Mundial. Série Água Brasil 1. Brasília: WORLD BANK, 2003, p. 21.

107

4 RELAÇÃO AMBIENTE E ECONOMIA

Desde a primeira revolução industrial até os dias atuais, observa-se que as

inovações tecnológicas, a diversidade do parque industrial, o aumento generalizado

dos investimentos, somados às políticas que valorizam o consumismo, têm trazidos

sérios impactos ambientais.

Anos após anos, a produção de bens vem aumentado, o que contrasta com o

conhecimento de que o espaço é finito, aumentado, dessa forma, emissões de CO2

e o aquecimento do planeta. Atualmente diversos pensadores estão discutindo

formas de interagir desenvolvimento econômico com preservação do ambiente, mais

do que artigos escritos é necessário modificar a forma de pensamento dos

governantes bem como consumismo dos indivíduos.

Diante dessa dualidade, qual seja prover o desenvolvimento visando a

respeitar o ambiente, surge o conceito de sustentabilidade, que busca uma

economia para melhoria do bem-estar humano e equidade social, ao mesmo tempo

em que gera valor para a Natureza, reduzindo significativamente impactos e riscos

sociais e ambientais e demanda sobre recursos escassos do ecossistema e da

sociedade, em especial recursos hídricos.

Uma economia sustentável se caracteriza pelo foco dos investimentos em

atividades que, visando a tais resultados, aproveitam e potencializam o capital

natural, social e humano, considerando em suas decisões limites do planeta e

interesses sustentáveis da sociedade.

Inúmeras empresas têm se empenhado em desenvolver novas tecnologias e

produto com baixo impacto ambiental, a fim de integrarem, estrategicamente, o

mercado sustentável, que está em ascensão. Entretanto, no mundo inteiro, as

desigualdades sociais seguem sendo o grande fator limitante da melhoria do bem-

estar, dificultando o desfrute dos avanços econômicos e tecnológicos alcançados

nos últimos anos. Estas são evidências de que o modelo da exploração ilimitada dos

recursos do planeta, além de não responder às necessidades atuais da humanidade,

projeta uma realidade sombria para as futuras gerações.

A criação de instrumentos capazes de identificar e reconhecer empresas que

trabalham pela sustentabilidade vem produzindo alguns resultados, mas convencer

os empreendedores e investidores a aderirem voluntariamente a esses padrões não

tem sido suficiente. As boas práticas precisam ser transformadas em regras e

108

consolidadas como padrão geral por meio das regulamentações públicas e

autorregulação de mercado.

Nesse sentido, observa-se que a responsabilidade social é um caminho

válido, mas precisa ser articulado com políticas públicas para consolidar a mudança.

Com a indução de políticas públicas, as organizações já comprometidas com uma

parcela das mudanças necessárias ajudariam no engajamento do conjunto do

mercado nas ações estruturais que provocariam alterações relevantes nos perfis da

produção, do consumo e da distribuição da renda.

Uma economia sustentável procura assegurar uma relação amigável entre os

processos produtivos da sociedade e os processos naturais, promovendo a

conservação, a recuperação e o uso sustentável dos ecossistemas e tratando como

ativos financeiros de interesse público os serviços que eles prestam à vida.

Esta economia deve caracterizar-se pela existência de investimentos públicos

e privados, regras, instituições, tecnologias, políticas públicas, programas

governamentais e práticas de mercado voltadas para: melhoria permanente dos

processos produtivos; aumento da eco eficiência e redução do consumo dos

recursos naturais; redução das emissões de gases de efeito estufa; transformação

de resíduos de um processo em insumo de outros; internalização dos custos das

externalidades nos preços dos produtos; proteção dos mananciais, uso eficiente da

água e universalização do saneamento básico; aumento da eficiência energética e

ampliação das fontes limpas e renováveis nas matrizes energéticas e de transporte;

melhoria da mobilidade e da eficiência dos modais de transporte; recuperação e

preservação dos ecossistemas; mitigação dos efeitos da mudança do clima.

A economia precisa ser também inclusiva, ou seja, investimentos públicos e

privados, instituições, tecnologias e programas devem estar voltados também para o

atendimento das necessidades e direitos de todos os seres humanos, sem o que

não será possível construir ambientes sociais saudáveis para nenhuma atividade

produtiva. A economia deve, portanto, promover o desenvolvimento equilibrado entre

capitais financeiro, humano, social e natural.

Faz parte desse propósito a distribuição equitativa da riqueza e das

oportunidades para geração de renda e acesso a bens e serviços públicos,

assegurando condições de vida digna para toda população, erradicando a pobreza e

reduzindo as desigualdades sociais. Tudo isso requer ampliação da participação da

base da pirâmide no processo produtivo e no mercado de bens e serviços e a

109

melhora na qualificação da força de trabalho e das relações trabalhistas, para que os

direitos humanos sejam uma realidade para todo o conjunto da sociedade brasileira.

É fundamental que sejam trabalhados também valores éticos e de

integridade, ao falar em economia sustentável. O desenvolvimento de valores éticos,

cultura da transparência e mecanismos de combate à corrupção são indispensáveis

para atingir objetivos desta economia.

Nesta economia, a visão de sustentabilidade se completa pelo compromisso

de não sobrepor interesses privados aos interesses públicos e de manter esses

padrões em quaisquer investimentos, estabelecendo relações éticas,

independentemente do nível das exigências locais.

A economia sustentável e responsável que se impõe ao mundo em razão dos

desafios ambientais, sociais e éticos deve orientar-se pelos fatores estratégicos:

valores e inovação. É necessário desenvolver valores que darão suporte a atitudes

que abram novos campos de visão, de produção de conhecimento e de

comportamentos sustentáveis.

Além disso, necessita-se estimular maior investimento em pesquisa e

desenvolvimento de novas tecnologias, processos e relações mercantis e de

produção, estimulando ciclos de inovação, na busca de sistemas sustentáveis de

produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

O desafio imposto é como induzir inovações tecnológicas, visando à produção

de tecnologia mais limpa a fim de se obter sustentabilidade ambiental, ou seja, em

que os recursos naturais possam servir para gerações atuais e futuras, e que níveis

de poluição sejam reduzidos mesmo com aumento da produção.

Após anos de debates verifica-se que o problema não é o crescimento

econômico que está no seu limite, mas sim o padrão tecnológico adotado pelos

países; crescimento econômico baseado em padrão tecnológico intensivo no uso de

matérias-primas e energia esbarrará na infinidade dos recursos naturais. Com isso, a

grande dificuldade em associar crescimento econômico e preservação do ambiente

está no fato de: quanto maior a escala de produção, maior será poluição do ar e

utilização dos recursos ambientais.

110

4.1 AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Sob perspectiva histórica, elementos ambientais sempre foram vistos como

inesgotáveis, ante a falsa premissa de que tais recursos se mostrariam renováveis e

encontradiços em grandes quantidades na natureza. A valoração de um

determinado objeto natural, em tempo remoto, somente era verificada pela utilidade

imediata proporcionada ao homem. O valor de uma floresta era dado pela

quantidade de madeira que pudesse oferecer para a construção de casa, cercas e

demais utensílios, mas sem qualquer conotação ambiental, propriamente dita.

Seguindo essa concepção utilitarista, o Direito Civil clássico levou em consideração,

para a identificação de um bem jurídico, a possibilidade de individualização do objeto

estudado, bem como serventia prestada ao titular do direito (proprietário)175.

Até mesmo entre autores atuais, é possível encontrar a ideia de “bem jurídico”

com algo, necessariamente, ligado ao aspecto patrimonial e comercializável. Neste

diapasão, leciona Fábio Ulhoa Coelho, ao proceder a diferenciação conceitual entre

“bem” e “coisa”, elencada a mensuração pecuniária de seu valor, como critério

diferenciador176.

Além da expressividade econômica, Carlos Roberto Gonçalves reserva, para

o conceito de bens, a possibilidade de “apropriação”, quando conclui: “Bens,

portanto, são coisas materiais, concretas, úteis ao homem e de expressão

econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial,

economicamente, apreciáveis”177.

Compartilhando do mesmo entendimento, Clóvis Beviláqua acaba por

distinguir duas categorias básicas de bens, a saber: bens econômicos, formadores

do patrimônio de uma pessoa; e bens não econômicos, vistos como “irradiações da

personalidade, que, por não serem suscetíveis de medida de valor, não fazem parte

do nosso patrimônio”178.

Vale destacar o caso da escassez da água potável. Há cerca de poucas

décadas, os líderes mundiais se deram conta de que 97% da água existente no

175 SANTOS, J. M. de C. Código Civil Brasileiro Interpretado. Artigos 43-113, 13. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988, v.II. 176 COELHO, F. U. p. 266. 177 GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 239. 178 BEVILAQUA, C. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Bevilaqua. 11. ed. atual. por Achilles Bevilaqua e Isaias Bebilaqua. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1956, v. I, p. 215.

111

planeta encontravam-se nos mares; 2% em geleiras e somente menos de 1%

disponível para consumo humano179.

Devido aos altos índices de poluição ocasionados pela supressão da mata

ciliar no entorno de rios e mananciais e, principalmente, pelo despejo de resíduos

produção180, “[...] no ano de 2025, até quatro bilhões de pessoas, ou a metade da

população mundial, poderiam viver sob condições de severo estresse de água,

especialmente na África, no Oriente Médio e na Ásia do Sul”181. Diante de tais

perspectivas, tem sido grande a procura por novos recursos hídricos, seja na

exploração de aquíferos ou mesmo em processo de purificação da água.

Movidos, por fatores de ordem econômica, os ordenamentos jurídicos de

diversos países optaram pela incorporação do ambiente como bem jurídico passível

de tutela pelo Direito182, na tentativa desesperada de frear o processo de destruição

do planeta, impulsionado por seus próprios habitantes.

Além de dotarem seus ordenamentos de mecanismo para o combate da

poluição, representantes de alguns países desenvolvidos passaram a unir esforços,

na tentativa de mobilizar o restante da comunidade global a participar da empreitada

assumida. Por trás da atitude retratada, mais do que o aparente espírito fraternal,

camufla-se a real consciência acerca da natureza transfronteiriça do dano ambiental.

Afinal, derramamento de petróleo na costa marítima ou emissão de gases poluentes,

provocados pela fragilidade das leis ambientais de determinado país, não serão

contidos pelo maior rigor legal do ente estatal vizinho, cuja população e território,

inevitavelmente, sofrerão efeitos da poluição.

Várias convenções e tratados internacionais foram firmados, na tentativa de

controlar efeitos e conter a crise ambiental instaurada, merecendo maior destaque,

contudo, a Convenção Internacional sobre Meio Ambiente, promovida pela

Organização das Nações Unidas – ONU, em Estocolmo (Suécia), em 1972,

envolvendo a participação de 113 países e 250 organizações não-governamentais,

devido à repercussão oriunda do estabelecimento de princípios, como o do direito

179 BIANCHI, A. N. Desafio Institucionais no setor de água: uma breve análise. In: VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL e 8º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO AMBIENTAL, 2003. Anais , 2003, p. 232. 180 CARNEIRO, R. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 73. 181 CARNEIRO, R. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 73. 182 COSTA NETO, N. D. de C. p. 11.

112

fundamental do homem ao ambiente de qualidade183. No evento foram discutidos

grandes males, derivados da atividade produtiva desenvolvida pelo homem, que

podem comprometer a vida na Terra, estabelecendo, ainda, metas a serem atingidas

para assegurar, de forma sustentável, o convívio do homem com a natureza.

A magnitude alcançada pelo referido encontro serviu de inspiração para

reformulação legislativa de diversos países, mesmo daqueles que não participaram

do evento. Com isso, normas de proteção ambiental foram ganhando espaço em

estado do mundo inteiro, de forma gradativa, objetivando a adoção de medidas

preventivas ao dano, bem como o controle do chamado “passivo ambiental”. Mesmo

os países que permaneceram isentos de transformações legislativas na década que

sucedeu a convenção da ONU, passaram a adotar novas interpretações de suas

leis, de forma a compatibilizá-las com a nova ordem internacional. Como relata

Vladimir Passas de Freitas:

Duas situações surgiram da nova ótica sobre o tema. Alguns Estados não alteraram o texto constitucional, mas passaram a interpretá-lo com atenção ao aspecto ambiental. Assim, por exemplo, um dispositivo que protegia a saúde passou a justificar intepretação da lei sob uma visão de proteção ao meio ambiente. O raciocínio era simples, mas consciente. A saúde das pessoas depende, diretamente, de um saudável ambiente. Isto se passou em inúmeros países184.

Não obstante os avanços previstos em tratados internacionais, pois os

mesmos carecem de coercibilidade, por constituírem-se em normas programáticas,

cujo cumprimento deverá ficar a cargo de cada país subscritor da avença, mediante

recepção185 do comando normativo em seus respectivos ordenamentos. No Brasil,

mesmo cabendo ao Presidente da República a celebração de tratados, convenções

e atos internacionais186, constitui competência exclusiva do Congresso Nacional187,

dirimir sobre aplicação dos efeitos do tratado dentro do território brasileiro. Apenas

mera assinatura do tratado pelo representante do Estado, chancela uma

concordância “precária” e “provisória”, indicando, a autenticidade das intenções do

país aderente ao acordo188.

183 Princípio 1, da respectiva Declaração (ANTUNES, Paulo de Bessa, p.26, nota 50) não entendi e não encontrei na nota 50) 184 FREITAS, V. P. de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas A mbientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 26. 185 REZEK, J. F. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 77-79. 186 CF, art. 84, inc. VIII. 187 CF, art. 49, inc. I. 188 PIOVESAN, F. p. 47.

113

Ademais, impedidos por barreiras culturais e, principalmente, econômicas

mesmo os pais signatários da Convenção de Estocolmo, escudando-se no direito

absoluto de propriedade, nos moldes firmados pelo Código Napoleônico de 1804,

mostraram-se relutantes em incorporar dentre suas normativas internas, leis

dispondo sobre proteção ambiental.

A regra acima demonstrou ser ainda mais acentuada no Brasil, pois a

exploração irracional dos recursos naturais existentes sempre foi vista como

sinônimo de riqueza e progresso social, considerando a diversidade e quantidade de

produtos existentes no solo pátrio, bem como o incentivo do governo brasileiro,

encampando metas como: “desenvolvimento a qualquer custo”189, “cinquenta anos

em cinco”, etc. trata-se, pois, do chamado “paradigma antropocêntrico-utilitarista”,

por meio do qual “o conceito de dano e as estruturas de imputação existentes

passam por uma hipervalorizarão do pensamento racional e pela hipertrofia da

propriedade privada e do individualismo, em detrimento do coletivo”190. Fruto do

liberalismo iniciado após a Segunda Guerra Mundial, o país fazia uso do princípio do

“direito ao desenvolvimento”191, pelo qual os Estados justificam utilização de seus

recursos naturais, segundo suas conveniências internas.

Desta forma, primando pela melhor compreensão da formação do bem

jurídico ambiental no ordenamento brasileiro, passa-se a demonstrar, de maneira

sucinta, a evolução de valores ambientais no país, tomando-se por base os diversos

contornos apresentados pelo direito de propriedade.

4.2 O AMBIENTE COMO DIREITO TRANSINDIVIDUAL

O ambiente é interesse que, transcendendo o individuo, diz respeito à

coletividade e ao Poder Público, como expressa a palavra “todos” do artigo 225, da

Constituição Federal. Assim posto, é proteção transindividual, indo além do caráter

privado ou público, firmado como interesse ou direito de todas as gentes, portanto

meta, trans ou supraindividual.

189 CARNEIRO, R. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 38. 190 STEIGLEDER, A. M. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 29. 191 SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. Princípios de Direitos Ambientais: na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

114

Este caráter supraindividual do direito ou interesse ambiental aponta para a

natureza indivisível do bem ambiental, tanto na composição do macroambiente

quanto na indicação bem a bem (compondo o microambiente), pois, em qualquer

das hipóteses, o bem ambiental não se reparte entre todas as gentes, embora seja o

macroambiente, de fruição de todos. Além disso, a titularidade de todos à fruição de

um meio equilibrado (composto de macro e microambiente), conduz ainda à

indeterminação dos sujeitos titulares dessa fruição.

Perceptível que a relação jurídica ambiental é inovadora frente o direito

clássico, porque tradicionalmente a relação jurídica apresenta um liame

concretamente definido entre os sujeitos de direito e o objeto tutelado, enquanto na

relação jurídica ambiental, os sujeitos da fruição são indeterminados e o objeto pode

ser imaterial (o macroambiente) ou material (os bens ambientais que compõem este

macroambiente).

Nesta medida, os sujeitos indeterminados, detentores do direito a um

ambiente ecologicamente equilibrado, relacionam-se com o objeto do direito (o

macroambiente ou os bens que o compõem) pela circunstância fática de que fazem

parte do mundo natural192·, da vida do planeta, detendo neste, a mais importante

das vidas neste dado momento histórico. De toda sorte, o nexo ou liame de

causalidade da relação jurídica ambiental é, pois, a própria vida.

Retomando o assunto, em uma conceituação minimalista, o artigo 3º, inciso I,

da lei da Política Nacional do Meio Ambiente (lei n.6.938/81), descreve o meio

ambiente como “[...] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

formas”.

Tem-se, entretanto, que tal conceito não mais se coaduna com a visão atual

sobre a matéria, principalmente, após a edição da Constituição Federal de 1988, que

por meio de seu artigo 225, caput, elencou o ambiente como “bem de uso comum do

povo essencial à sadia qualidade de vida” – menção que deu ensejo ao

aparecimento de várias diversificações do termo, então ampliado193, como por

exemplo, o meio ambiente do trabalho, o cultural, o social e outros conceitos que,

192 MIRALÉ, E. Direito do Ambiente: Doutrina, prática, jurisprudência e glossário. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 90. 193 MILARÉ, É. Direito do Ambiente : Gestão Ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 64.

115

originalmente, encontra-se desprovidos de tutela jurídica ambiental, haja vista não

estarem mencionados na Lei n. 6.938/81194.

Segundo José Afonso da Silva, “[...] o meio ambiente é, assim, a integração

do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”195. Trata-se em

verdade, de um desdobramento da função social com vista a assegurar a

sobrevivência da coletividade. Utilizando das palavras de Vladimir Passos de

Freitas, “[...] a saúde das pessoas depende, diretamente, de um saudável

ambiente”196.

Tomando-se a singular multidimensionalidade alcançada pelo Direito

Ambiental, este desvencilhou dos clássicos ramos jurídicos, como o Direito Civil ou

Direito Penal, elencado o “bem ambiental” como espécie próprio do estudo, podendo

este ser conceituado com ou um “valor difuso e imaterial, que serve de objeto

mediato às relações jurídicas de natureza ambiental”197. Não significa dizer que, com

o aparecimento deste “macrobem”, cuja formação do todo e sua finalidade

destacam-se pela importância social proporcionada, se tenha esquecido dos bens

jurídicos singulares “microbem”, os quais também se acham passíveis de tutela

jurisdicional, inclusive de índole coletiva. Trata-se, em verdade, de um

posicionamento holístico, que busca, aprimorar o relacionamento existente entre o

homem e o meio no qual ele está inserido198.

Rui carvalho Piva firma a natureza jurídica do bem ambiental como difusa,

embora reconheça que o conceito de bem ambiental mereça um “acabamento

doutrinário”, mas “quanto à sua natureza jurídica, bem difuso que é, não há

dúvida”199. É, pois o bem ambiental, de interesse difuso, frente à

transindividualidade, indivisibilidade, titularidade indeterminada e circunstâncias

fáticas que atrela os sujeitos de direito à fruição de um ambiente ecologicamente

equilibrado (art. 8º, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor).200

194 ANTUNES, P. de B. Direito ambiental . 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 46-47. 195 SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 20. 196 FREITAS, V. P. de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas A mbientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 26. 197 PIVA, R. C. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.152. 198 LEITE, J. R. M. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 85. 199 PIVA, R. C. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.143. 200 CDC, Art. 8º. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores.

116

O caráter difuso compõe a natureza jurídica do bem ambiental porque

extrapola “a orbita dos grupos institucionalizados, pelo fato de que a indeterminação

dos sujeitos concernentes não permite sua “captação” ou “atribuição” em termos de

exclusividade”, rechaçada, pois a tradicional imanência entre o objeto jurídico e uma

titularidade determinada. O bem ambiental reveste-se deste caráter de fluidez por

“referir-se a uma série indeterminada de sujeitos”201.

Como também, nexo de causalidade entre sujeitos indeterminados e objeto

juridicamente tutelado (bens ambientais) é fático, representado pelas contingencias

da vida, tais como o fato de habitarem certa região, de consumirem certo produto,

“[...] de viverem numa certa comunidade, por comungarem pretensões semelhantes,

por serem afetados pelo mesmo evento originário de obra humana ou de natureza

etc.”202. O interesse difuso que se atrela ao bem ambiental o faz ainda de “intensa

litigiosidade interna e da mutabilidade no tempo e no espaço”203.

O bem ambiental, compreendido aqui o macro ambiente e cada qual dos bens

ambientais em si mesmo, considerados como componentes de microambiente, têm

natureza difusa; isto porque, especificamente, a tutela jurídica do bem ambiental

transcende o mero interesse individual, abrangendo a coletividade como interesse

de meta, supra ou transindividual. E mais, em vista do benefício da tutela jurídica do

bem ambiental, seja macro ou microbem: enquanto microbem a titularidade do bem

ambiental é privada ou pública, cuja circunstancia deve ser respeitada também por

todos; enquanto macrobem, por imaterial é apropriável por quem quer que seja. O

bem ambiental não se divide entre todos que têm direito à sua mediata ou imediata

fruição, porque todos são usufrutuários, beneficiários do gozo de um meio

ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.

O nexo de causalidade entre os sujeitos da relação jurídica ambiental é a

circunstância fática da convivência dos seres na planta, transmudada em interesse

jurídico pelo valor axiológico que contemporaneamente ao bem ambiental se agrega;

seja macro ou microambiente, e ainda, pela intensa litigiosidade interna e

mutabilidade no tempo e no espaço que caracterizam os direitos difusos, se

comparam com o bem ambiental, pois, não raro, na seara ambiental se embate a 201 MANCUSO, R. de C. Interesse Difuso: Conceitos e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 97. 202 MANCUSO, R. de C. Interesse Difuso: Conceitos e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 95. 203 MANCUSO, R. de C. Interesse Difuso: Conceitos e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.101.

117

força do capital; a expressão econômica prima pelo ganho financeiro, por exemplo,

na extração de madeira de floresta natural; os defensores do ambiente, por exemplo,

na tentativa de preservação ou não degradação desta mesma floresta.

4.3 ÁGUA COMO BEM ECONÔMICO

Em 1977, ocorreu a primeira convenção sobre água das Nações Unidas e nela

foi iniciado o debate sobre a degradação dos recursos hídricos e a consequente

possibilidade de escassez. Desde então, o assunto tornou-se recorrente e isso

acontece, principalmente, pela perpetuação do modelo de acumulação capitalista,

no qual a produção e o consumo tendem a apresentar crescimento indiscriminado e

a satisfação das necessidades presentes conduz a um uso descontrolado e

degradador da água.

Esse uso é a principal causa da diminuição da disponibilidade efetiva de água

doce para o consumo humano. E, entre as principais formas de mau uso e

degradação, pode-se citar a retirada excessiva e seu consequente desperdício;

poluição e contaminação; desmatamento; e urbanização.

É o conjunto desses fatores que determina a escassez e faz da segurança

hídrica um dos problemas centrais para a continuidade do modo de produção

capitalista. Assim, considerando que, em relação à água, o que varia é sua

qualidade, aumentos na demanda conduzem a custos mais elevados, pois se torna

cada vez mais difícil captar água doce na quantidade e qualidade necessária ao

consumo humano, após adequação de suas características físicas, químicas e

biológicas. Isso faz com que se perceba que é preciso adaptar a demanda e a oferta

desse recurso, pois se verifica que a água é um bem que se apresenta em

quantidade limitada e a custos crescentes.

Dessa forma, para que se possa promover uma gestão eficiente desse recurso,

em primeiro lugar é preciso entender que, em tese a água é considerada como um

bem comum ao qual todos tem acesso, ou seja, de modo geral, é entendida como

um patrimônio comum, um recurso de toda Nação que dele dispõe. No entanto, face

aos problemas causados aos recursos hídricos, por essa forma de abordagem, a

cada dia torna-se mais evidente a necessidade de entender a água como um bem

118

econômico, cuja gestão deverá orientar-se por princípios de eficiência econômica,

satisfazendo a procura sob uma ótica de sustentabilidade.

Prova disso é que o princípio 4, da Declaração de Dublin, da Conferência

Internacional da Água e do Ambiente, ocorrida em 1992, declara que “[...] a água

tem valor econômico em todos os seus usos, devendo ser reconhecida como um

bem econômico”. Sobre o assunto Neutzling204 afirma já existir tendência para se

entender a água enquanto bem econômico, em que já desponta um processo de

petrolinização da água e que considera a sociedade como um conjunto de

transações interindividuais de troca de bens e de serviços mediante os quais cada

indivíduo tenta satisfazer as próprias necessidades de modo a otimizar a sua

utilidade individual, minimizando custos e maximizando benefícios.

Nesse contexto, o parâmetro de definição do valor dos bens (recursos e

serviços materiais e imateriais) é representado pelo capital financeiro. O valor de um

bem é determinado pela sua contribuição à criação de um. Segundo essa tendência,

o mercado representa o mecanismo ideal de escolha dos bens e dos serviços a

valorizar e a utilizar. A empresa e o investimento privado são vistos como o sujeito e

o motor principal da criação da riqueza e consequentemente do desenvolvimento

econômico e social de um país.

A água, então, deve ser tratada como uma mercadoria que se vende e se

compra em função do preço de mercado. O mercado da água deve ser o mais livre e

aberto possível. A água pertenceria a quem investisse, a quem arca com os custos

para assegurar a captação, a depuração, a distribuição, a manutenção, a proteção e

a reciclagem. Segundo essa tendência, a água da chuva, a água dos rios e dos

lagos, a água das faldas são, in natura, bens comuns. A partir do momento em que

existe uma intervenção humana e, consequentemente, um custo para transformar

estas águas em água potável ou em água para irrigação, ela deixa de ser bem

comum para se tornar bem econômico, objeto de trocas e de apropriação privada.

Considerando, que todos os problemas da água se originam do fato de

apresentar, de modo geral, custo zero (por ser um bem comum), esse determina que

cada consumidor individual pouco de preocupe em estabelecer limites em seu

consumo e termine por abusar do recurso. Então, entender a água como bem

econômico significa lhe estabelecer valor econômico de modo que passe a

204

NEUTZLING. I. (org.). Água: bem público universal. São Leopoldo: UNISINOS, 2004. p. 143.

119

apresentar preço de mercado, que atenda aos princípios do Poluidor-Pagador e de

disposição para pagar, que correspondem ao mesmo que fazer opção entre

benefícios presentes e custos futuros.

Percebe-se claramente que o mundo jurídico busca uma explicação para uso

dos recursos naturais que condissesse com o modo de produção capitalista e com

sua forma de acumulação de capital, uma vez que, os recursos naturais, eram e

ainda são, entendidos como bens comuns por força de um capital financeiro que se

reproduz em detrimento do ambiente e do bem- estar futuro.

Note-se que embora esse ainda seja o comportamento vigente, da maioria da

sociedade, essa já vem empreendendo uma nova forma de olhar a natureza, na qual

esse comportamento depredador e inconsistente tende a se transformar num

comportamento de uso sustentável dos recursos naturais, cujo corpo teórico foi e

está sendo desenvolvido e aprimorado pela teoria econômica. Como consequência

dessa nova visão, surge a economia ecológica que busca valorar a água e mostra

que essa é uma necessidade imediata que permitirá, ao homem, ser capaz de optar

pela melhor forma de produção, em que os recursos hídricos tenham seu devido

valor e onde seja possível atingir o bem-estar social com utilização sustentável e

mensurável dos recursos naturais, em que a valoração será capaz de assegurar o

uso presente sem inviabilizar o suprimento de água para as futuras gerações.

A água, passa a ser um recurso estratégico e social. E, em assim sendo, numa

perspectiva de curto a médio prazo, será entendida como um bem econômico e seu

valor, frente a escassez, tende a seguir uma rota de crescimento constante. Nesse

contexto, a gestão da água passa a ser fundamental, em termos nacionais, para

aqueles países que detiverem grandes reservas do recurso, pois a exploração

deverá ocorrer de acordo com critérios de racionalidade econômica e equilíbrio

financeiro, para se evitar que gerações futuras não tenham acesso à água, ao

mesmo tempo em que promove o uso sustentável do recurso.

4.4 ESCASSEZ DA ÁGUA

A quantidade e qualidade dos recursos hídricos, em condições naturais,

dependem do clima e das características físicas e biológicas dos ecossistemas que

a compõe. A interação contínua e constante entre a litosfera, a biosfera e a

120

atmosfera, acabam definindo um equilíbrio dinâmico para o ciclo da água, o qual

estabelece, em última análise, as características e as vazões das águas.

Esse equilíbrio depende, entre outros das quantidades e distribuição das

precipitações; do balanço de energia (a quantidade da água que é perdida por via da

evapotranspiração, da energia solar disponível, da natureza da vegetação e das

características do solo); da natureza e dimensão das formações geológicas (controla

o armazenamento da água no solo, no subsolo e determina o fluxo de base dos

afluentes e do canal principal); e, da vegetação natural que cobre a área (controla o

balanço de energia, a infiltração da água, a evapotranspiração e a vazão final).

Dessa forma, qualquer modificação nos componentes do clima ou da paisagem

alterará a quantidade, a qualidade e o tempo de resistência da água nos

ecossistemas e, por sua vez, o fluxo da água e suas características.

Assim, há que se conservar e preservar a água existente no planeta, pois do

total, apenas uma pequena parcela é doce e, dele, só 0,3% se encontra em lugares

de fácil acesso, sob a forma de rios, lagos e na atmosfera. A restante, de modo

geral, é, in natura, imprópria ao consumo humano ou se encontra em lugares de

difícil acesso, o que inviabiliza sua utilização ou encarece sua extração. Mesmo

apresentando apenas uma ínfima parcela doce e de fácil acesso, se a água fosse

coerentemente utilizada e seu ciclo natural fosse respeitado, por sua capacidade de

regeneração e reposição, não perderia qualidade e se encontraria disponível para

consumo, sem necessidade de preocupação.

O homem, por seu entendimento da água enquanto bem de propriedade

comum, vem tornando-a imprópria e escassa diminuindo sua disponibilidade ao

longo do tempo. Essa queda de disponibilidade é causada, principalmente, pelo fato

dos recursos hídricos serem um dos motores do desenvolvimento econômico de

quase todos os países, sobretudo na agricultura e na indústria. Dessa forma, o que

desequilibra a relação entre oferta de água, na natureza, e demanda mundial é o

aumento do consumo, pois, de toda água doce disponível 70% é destinada a

agricultura, 22% vai para a indústria e, apenas, 8% é destinada ao uso individual

(clubes, residências, hospitais, escritórios, outros).

De acordo com Tundisi205, em se mantendo essa rota de crescimento e

conforme relatório da Unesco206, órgão responsável pelo Programa Mundial de

205 TUNDISI, J. G. Água no século XXI: enfrentado a escassez. São Carlos: Rima, 2003. p. 248.

121

Avaliação Hídrica, admite-se que: − 1/3 da população mundial habita áreas com

estresse hídrico; − 1,3 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável e 2 bilhões

não têm acesso a saneamento adequado; E projeta-se: − que em 2025, 2/3 da

população humana estarão vivendo em regiões com estresse de água. Em muitos

países em desenvolvimento a pouca disponibilidade de água afetará o crescimento e

a economia local e regional; − que até 2050, quando 9,3 bilhões de pessoas devem

habitar a Terra, entre 2 bilhões e 7 bilhões de pessoas não terão acesso a água de

qualidade, seja em casa, seja em comunidade. A diferença entre estes extremos

depende das medidas adotadas pelos governos.

Estas projeções levam a crer que, se esta trajetória se mantiver, o mundo pode

chegar a um colapso em que o estresse hídrico, que hoje se restringe a apenas uma

pequena parcela dos continentes, se estenda para outros pontos do planeta,

fazendo com que a água deixe de ser considerada, unicamente, como um recurso

natural e passe a ser entendida, cada vez mais, como um bem econômico essencial

à vida, capaz de promover uma nova ordem mundial estabelecida a partir da posse

deste recurso.

Essa escassez, ao se espraiar para outros países, pode ser “pomo de

discórdia”, pois se existem guerras por causa de petróleo, em breve, o foco da

disputa será a água, dessa forma, desperdiçá-la, hoje, é ignorar o problema e

desprezar o futuro; preservá-la é construir um novo sustentáculo de crescimento e

desenvolvimento.

Para desacelerar esse processo é preciso aprender a gerenciar a atividade

humana e essa passa pelo aprendizado de se usar racionalmente a água e

perpassa, inclusive, pela minimização de efluentes líquidos, de emissores

atmosféricos e de resíduos sólidos. O que determina que ao se tornar escassa e ao

se promover o uso racional a água não mais será considerada como um bem

comum e passará a ser considerada como um bem econômico, de alto valor e com

mercado garantido. Dessa forma, os países que detiverem esses recursos tendem a

ganhar mercado e estabelecer nichos, por possuírem um recurso do qual todos

carecem e necessitam.

206 Relatório sobre o desenvolvimento da água no mundo. Organização da Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Disponível em: <http.www.unesco.org.br>. Acesso em 15 jun. 2015.

122

4.5 CRISE HÍDRICA

De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), apesar da existência da

hidrosfera, como os cientistas chamam o sistema formado pelas águas, 97,5% do

líquido de sua composição é salgado. Apenas 2,5% deste total é água doce e

desses, somente 0,3% vai para os rios e lagos, ficando disponível para uso207. O

restante está em geleiras, icebergs e em subsolos muito profundos, ou seja, o que

pode ser potencialmente consumido é uma pequena fração.

Sabe-se que o Brasil, é uma “superpotência” em termos de potencial hídrico.

Nosso país possui quase 20% de toda água doce superficial da Terra. No entanto,

este potencial não é bem distribuído no território nacional. As regiões Norte e

Centro-Oeste detêm 89% do potencial hídrico superficial do pais, onde estão

concentradas 15,5% da população brasileira que necessitam de 9,2% da demanda

hídrica do pais. Ao contrário, nas regiões mais populosas o potencial hídrico é de

apenas 11%, concentrados 85,5% dos habitantes brasileiros que precisam de 90,8%

da água superficial do país. As regiões com grandes ofertas de água geralmente

subutilizam os recursos hídricos que, se melhor aproveitados, possibilitariam atender

demandas sociais e contribuir para desenvolvimento regional.

Por outro lado, as regiões industrializadas devem estar atentas para sua maior

vulnerabilidade de degradação das águas, uma vez que o uso industrial, entre os

principais problemas de uso da água é o que provoca maiores problemas de

contaminação. Segundo alguns especialistas, a crise da água no século XXI é muito

mais de gerenciamento do que de escassez; para outros, é o resultado de um

conjunto de problemas ambientais, intensificados com outros problemas ligados à

economia e ao desenvolvimento social.

O agravamento e a complexidade da crise da água surgem de problemas reais

de disponibilidade e aumento da demanda, e de um processo de má gestão e de

respostas à crise, com atitudes mediáticas que não conseguem antecipar os

problemas.

Tundisi, eleva a necessidade de uma abordagem “sistêmica, integrada e

preditiva na gestão das águas, com descentralização para a bacia hidrográfica”208.

207 Disponível em <http://www.ana.gov.br/GestaoRecHidricos/InfoHidrologicas/mapasSIH/1-AAguaNoBrasilEN oMundo.pdf> Acesso em 03 jun. 2015. 208 TUNDISI, J. G. Recursos Hídricos. In: Revista Interdisciplinar dos Centros e Núcleos da Unicamp. São Paulo.

123

Desta forma, segundo esse autor, uma base de dados sólidas, transformada em

instrumento de gestão pode ser a solução mais eficaz de encarar o problema da

escassez de água.

124

5 RECURSOS HÍDRICOS

Os recursos hídricos superficiais gerados no Brasil, de acordo com Tucci,

Hispanhol e Cordeiro Netto209, representam 50% do total dos recursos da América

do Sul e 11% dos recursos mundiais, totalizando 168.870m 3/s. Estão presentes em

todo o Brasil e são agregados em três grandes bacias e dois complexos de bacias

hidrográficas (Bacia Hidrográfica é a área ocupada por um rio principal e todos os

seus tributários, cujos limites constituem as vertentes, que por sua vez limitam outras

bacias). As três bacias são: Bacia do Rio Amazonas, Bacia do Rio Tocantins e Bacia

do Rio São Francisco, e os dois complexos de Bacias são: Bacia do Prata e Bacia

do Atlântico. O Complexo da Bacia do Prata é constituído de três bacias: Paraguai,

Paraná e Uruguai, e o Complexo Atlântico é subdividido nos seguintes complexos:

Atlântico Norte/Nordeste, Atlântico Leste/Sudeste (Agencia Nacional de Águas).

Embora o país seja detentor de um vasto estoque de água, essa se distribuiu de

maneira desigual. A região Norte é a que detêm maior parcela desse recurso

(68,5%), seguida pela Centro-Oeste (15,7%), Sul (6,5%), Sudeste (6%) e Nordeste

(3,3%). Embora a região Norte seja a que apresenta maior concentração de água,

em seus limites, é a segunda menor região em relação à população. Já a região

Sudeste concentra 42,65% da população e responde por apenas 6% dos recursos

hídricos brasileiros. E, em situação análoga a da região Sudeste encontra-se a

região Nordeste que concentra 28,91% da população e responde por, somente,

3,3% da água existente no Brasil (Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do

Meio Ambiente).

Ressalte-se que embora as águas disponíveis se encontrem distribuídas, nas

regiões, se forem consideradas as bacias hidrográficas brasileiras é possível

verificar que dentre elas, a bacia Amazônica é a de maior potencial, pois: sozinha,

gera 8% dos recursos mundiais e 36,6 % dos recursos da América do Sul, o que

representa, no geral, 71,1% do total de recursos hídricos gerados no Brasil.

Tal fato mostra a relevância da Bacia Amazônica para o país e para o mundo,

pois esta escoa por praticamente todo o território brasileiro, representando 81,1% do

total nacional. No entanto, se for considerado o poder de influência de referida bacia 209

TUCCI, C. E. M.; HESPANHOL, I.; CORDEIRO NETTO, O. Relatório Nacional sobre o gerenciamento da água no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Água, 2000. Disponível em <http://www.ana.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2015.

125

sobre o volume total que escoa a partir do Brasil, os percentuais de participação se

elevam para 77% do total da América do Sul e 17% dos recursos mundiais210. No

entanto, a desigualdade brasileira existente, no tocante a disponibilidade dos

recursos hídricos, aliada com o desmatamento, o lançamento de esgotos em rios e

córregos, a expansão desordenada dos centros urbanos e a gestão inadequada dos

ecossistemas aquáticos, terminam por gerar problemas que conduzem à escassez

do recurso.

Além disso, há que se citar ainda que o desperdício, no Brasil, é grande, pois

40% de toda água tratada é desperdiçada; em média, o consumo brasileiro é de 200

litros/dia, enquanto a UNESCO admite que uma pessoa necessita de 40 litros/dia.

Isso prova que o mau uso da água, em todo o Brasil, influencia sua qualidade e

quantidade, problema esse que tende a se agravar, frente à falta de uma efetiva

gestão no país, onde a inexistência de articulação entre os órgãos competentes

perpetua esse comportamento

Conforme Campanili211, embora o país disponha de uma legislação

considerada avançada para os recursos hídricos, ainda são poucos os resultados

práticos de sua aplicação, tendo em vista que a agricultura, responsável por 59% de

toda água consumida no país, utiliza, efetivamente, apenas, 40% da água na

irrigação, o restante é desperdiçado, porque se aplica água em excesso, fora do

período de necessidade da planta, em horários de maior evaporação do dia, pelo

uso de técnicas de irrigação inadequadas ou, ainda, pela falta de manutenção

nesses sistemas de irrigação.

O setor privado e comercial consome 22% da água tratada, no entanto, em

torno de 15 % desse total é perdida devido aos sistemas de abastecimento de água,

a vazamentos nas canalizações, assim como dentro das casas. O setor industrial,

embora seja o que menos consome água, responde por 19% do total consumido.

Isso prova que a abundância do recurso, aliada à grande dimensão do país,

favorece o desenvolvimento de uma consciência de inesgotabilidade, isto é, a um

consumo distante dos princípios de sustentabilidade e sem preocupação com a

210 TUCCI, C. E. M.; HESPANHOL, I.; CORDEIRO NETTO, O. Relatório Nacional sobre o gerenciamento da água no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Água, 2000. Disponível em <http://www.ana.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2015. 211 CAMPANILI, M. No Brasil, há déficit em meio à abundância. São Paulo: Agencia Estado, Caderno Ciência, 2003. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/ext/ciencia/agua/aguanobrasil>. Acesso em 15 jun. 2015.

126

escassez, onde a oferta gratuita de água (vez que a cobrança existente só cobre os

custos de administração do recurso e não seu valor econômico) e a crença de sua

capacidade ilimitada de recuperação, frente às ações exploratórias, contribui para

essa postura descomprometida com a proteção e o equilíbrio ecológico, ou seja,

requer dizer que a qualidade da água brasileira encontra-se ameaçada, pelo mau

uso do recurso, problema que tende a se agravar caso não venha a ser considerada

como alternativa estratégica de crescimento regional.

Para que essa imensa riqueza seja administrada é preciso estabelecer e

intensificar um modelo de gestão dos recursos hídricos que considere a água como

um bem econômico que a cada dia torna-se mais valorado.

5.1 GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

A questão da gestão de recursos hídricos mobiliza a cada ano mais cientistas,

organizações não governamentais e sociedade civil organizada, explicitando a

preocupação com manutenção de recurso que, apesar de renovável, tem sofrido

diminuições sucessivas de sua potabilidade/qualidade diante do crescimento

populacional e das atividades econômicas. Constitui, portanto, matéria de interesse

internacional, transcendendo as barreiras entre os hemisférios Norte e Sul.

Do total de 265.400 trilhões de toneladas de águas do planeta, somente 0,5% representa água doce explorável sob o ponto de vista tecnológico e econômico. É necessário ainda subtrair aquela parcela de água doce que se encontra em locais de difícil acesso ou aquela já muito poluída, restando assim, para utilização direta, apenas 0,003% da água do planeta212

Sendo a água um dos recursos naturais mais intensamente utilizados torna-se

nítida a necessidade de administrá-la, garantindo seus requisitos de qualidade e

uma oferta que atenda à demanda dos polos industriais, dos grandes centros

urbanos, zonas de irrigação, bem como necessidades metabólicas do homem e de

outros seres vivos. Menciona Braga213 que:

A água cobre cerca de 70% da superfície da Terra sendo um recurso natural renovável por meio do ciclo hidrológico, sendo indispensável a todos os organismos vivos sua disponibilidade constitui-se um dos fatores mais importantes no modelamento do ecossistema. É fundamental que este recurso esteja presente não somente em quantidade, mas também em qualidade, estas condições físico-químicas adequadas ao consumo.

212 BRAGA, B. Introdução à Engenharia Ambiental . Prentice Hall, 2002, p. 80. 213 BRAGA, B. Introdução à Engenharia Ambiental . Prentice Hall, 2002, p. 73.

127

A qualidade da água, por sua vez, está diretamente dependente de sua

quantidade, haja vista os gradientes necessários à dissolução, diluição e transporte

de uma gama de substâncias benéficas ou maléficas à vida, tratando-se de relação

de proporção entre quantidade e qualidade.

Os riscos de estiagem, escassez e mesmo as cheias potencializam mais

ainda os riscos de poluição dos mananciais. Quanto a isso, a Organização Mundial

da Saúde estima que 25 milhões de pessoas no mundo morrem a cada ano por

doenças transmitidas pela água, tais como cólera e diarreias, sendo os países em

“desenvolvimento” o alvo das maiores preocupações, pois neles 70% da população

rural e 25% da população urbana não dispõem de adequado abastecimento de água

potável214. A qualidade da água tem uma relação intrínseca com a gestão da bacia

hidrográfica, em que as formas de uso do solo serão os parâmetros para definir seu

grau de impacto na área da bacia hidrográfica.

O Brasil, como país em “desenvolvimento”, há um dilema de qual modelo

adotar: um lento, porém responsável (ecologicamente correto); ou um ligado ao

perverso capital, descompromissado com o desenvolvimento humano e econômico

da sociedade em geral. Este dilema é notoriamente mais enfrentado pelos

organismos responsáveis pelo ordenamento e gestão do território, que são os

Executivos dos três escalões da Federação, e são quem definem os instrumentos

legais para a gestão ambiental.

O gestor público muitas vezes vê-se comprometido não com o interesse

social (sua obrigação precípua), aliando-se ao poder econômico quase sempre

indiferente à sua responsabilidade, o que deve ser fiscalizado e combatido pelos

outros ramos do poder público (Legislativo e Judiciário). Nestes termos é colocada a

ideia “desenvolvimentista” do progresso do município, ou do Estado, ou mesmo da

União, fazendo-se concessões inconsequentes aos investidores privados (às vezes

internacionais), além de vista grossa às suas irregularidades.

Vale relembrar que os estudos relacionados à análise ambiental têm sempre

como referencial uma determinda sociedade e sua relação com o contexto espacial

em que vive e desenvolve suas atividades, pode ser um país, estado, município,

lugarejo, bacia hidrográfica, etc. Desse modo os estudos ambientais apresentam

214 CIMA, Comissão internacional para preparação da conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável. O desafio do desenvolvimento sustentável. Brasília, Imprensa oficial, 1991, p. 184.

128

uma preocupação holística de relacionar a complexidade social, cultural e

econômica de uma sociedade com o processo de apropriação e ocupação do

ambiente em que vivem215. O ambiente corresponde, dentro desta lógica

brevemente apresentada, ao conjunto de recursos naturais disponível à apropriação

dos grupos sociais.

Assim sendo, a complexidade a ser decifrada pela análise ambiental pode ser

mais intensa a partir do vículo social, cultural e econômico da sociedade com o

ambiente; logicamente que as conficurações naturais do ambiente pode ser um

agravante a mais. Isso pode ser exemplificado pelos inúmeros casos de ocupações

em planícies de inundação, que são áreas de alta fragilidade ambiental, uma vez

que essas superfícies pouco elevadas acima do nível médio das águas, são

frequentemente inundadas por ocasião das cheias216, desta forma, apresentam

todos os velhos problemas de ocupação no contexto fisiográfico das bacias

hidrográficas e questões mais diretamente relacionadas aos recursos hídricos.

A gestão dos recursos hídricos busca a condução harmoniosa dos processos

dinâmicos e interativos que ocorrem entre os diversos componentes dos ambientes

aquáticos e antrópicos, determinados pelo padrão de desenvolvimento almejado

pela sociedade e envolve, necessariamente, quatro requisitos fundamentais, a

saber: política, planejamento, gerenciamento e monitoramento.

A política dos recursos hídricos consubstancia-se num conjunto de preceitos

doutrinários que harmonizam os anseios sociais, ensejando regulamentação no uso,

controle, proteção e conservação das águas. O planejamento é a idealização

externada em estudo prospectivo que tem por escopo a adequação do uso, controle

e proteção das águas junto aos anseios sociais. E o gerenciamento é o conjunto de

ações que visa à regulamentação do uso, controle, proteção e conservação das

águas, a fim de avaliar a conformidade da situação corrente com os preceitos

doutrinários estabelecidos pela política dos recursos hídricos. Por fim, o

monitoramento é de fundamental necessidade, pois todo processo de gestão,

independentemente de seu nível de abrangência, deve acompanhar,

sistematicamente, as características atuais da situação do problema (diagnósticos),

tendo em vista os cenários alternativos mais próximos da situação desejada possível

215 ROSS, J. L. S. Geomorfologia ambiental. In: CUNHA, S. B. da C; GUERRA, A. J. (org.). Geomorfologia do Brasil . 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrande Brasil, 2006. p. 351. 216 GUERRA, A. T. Novo dicionário geológico-geomorfológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrande Brasil, 2005, p. 352.

129

(prognósticos) em função dos instrumentos de gestão das águas utilizados em uma

dada realidade.

5.2 GESTÃO HÍDRICA NO BRASIL

A história da gestão das águas no Brasil começou na bacia do rio Paraíba do

Sul e foi se alastrando vagarosamente, sendo que os trabalhos realizados pela

sociedade organizada, dos diversos setores de usuários, Comitês de Bacia e suas

respectivas Agências de Água, começaram a dar inequívocos e importantes frutos.

Não obstante a existência do Código de Águas (1934), não foi possível

congregar meios para combater desperdício, a escassez e poluição das águas,

resolver conflitos de uso, bem como promover meios de gestão descentralizada e

participativa.

Na década de 70 e, especialmente, 80, algumas frentes compostas de

brasileiros começaram a perceber ameaças a que estavam sujeitos, caso não

mudassem de comportamento quanto ao uso da água. Percebendo o alerta mundial

sinalizado pela comunidade científica em diversas conferências, congressos e

eventos internacionais, foram formadas comissões interministeriais, além da

realização de diversos congressos e simpósios de associações técnicas e científicas

brasileiras, com o escopo de encontrar meios de aprimorar o sistema de

gerenciamento de recursos hídricos e minimizar os riscos de comprometimento de

sua quantidade e qualidade, pois sua fragilidade já era percebida.

Na década de 90 surgiu a PNRH (Política Nacional de Recursos Hídricos), com

a publicação da Lei nº 9.433/1997, instituindo que a gestão hidrológica brasileira

deveria continuamente visar aos usos múltiplos das águas. Em outras palavras,

qualquer medida de gestão adotada deveria objetivar sempre que o aproveitamento

dos corpos hídricos fosse feito concomitantemente, pelos diversos setores

produtivos e, ainda, para o consumo, todos em igualdade de condições em termos

de acesso.

Para tanto, a gestão deveria ser descentralizada, com a participação do Poder

Público, dos usuários, da comunidade e das entidades civis. A legislação

mencionada ainda impõe uma gestão sistêmica, intimamente ligada aos aspectos de

quantidade e qualidade, bem como a sua adequação às diversidades físicas,

130

bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país

e sua integração com a gestão ambiental.

Se em condições normais, seguir tais diretrizes não é tarefa fácil, muito mais

árdua se revela em um país de dimensões continentais, abundância hídrica e

problemas administrativos estruturais e institucionais como o Brasil. É necessário

ressaltar que o desafio da gestão no Brasil é tarefa de grande vulto, pois se trata de

um país continental cujos passivos ambientais são colossais, a Administração

Pública, em geral, é ineficiente, faltam recursos humanos e extremamente escassos

são os financeiros, realmente disponibilizados.

Inobstante estas dificuldades, cabe frisar que as potenciais riquezas naturais

brasileiras estimulam o enfrentamento desses empecilhos. Ocorre que, com uma

área de aproximadamente 8.512.000 km2 e mais de 192 milhões de habitantes, o

Brasil é, atualmente, o 5º país do mundo em extensão territorial e população,

ocupando posição elevada perante a maioria das nações quanto à disponibilidade

hídrica de suas bacias, estimada em aproximadamente 12% das reservas mundiais

de água doce. Frisa-se o posicionamento de João Alberto Alves Amorim a respeito

das grandes dimensões do Brasil, bem como da disponibilidade hídrica217:

O Brasil possui a mais extensa malha hidrográfica do planeta, 55.457 km2 de rios – o que corresponde a 1,66% da superfície do planeta – com uma vazão anual média de 160.000 m3/s. A precipitação média anual no país é de 1.783 mm/ano, e seu potencial hidrológico corresponde a 12% de toda a água doce existente no planeta (53% de toda a água doce superficial da América do Sul) para utilização imediata. Este montante equivale a aproximadamente 8.233 km3/ano (se considerarmos influência da vazão total da bacia amazônica) e de 5.418 km3/ano, se considerarmos valores apenas da Amazônia brasileira. Estes valores colocam o país em primeiro lugar mundial em riqueza hídrica, à frente, respectivamente, de Rússia Estados Unidos da América, Canadá e China. Contudo, em termos de acesso e distribuição per capita a situação altera-se drasticamente, caindo o país para a 26ª posição (48.314 m3/hab./ano), atrás de países com riqueza e potenciais hidrológicos muito mais modestos, como Guiana Francesa (3º), Suriname (6º), Gabão (9º), Bolívia (16º), Chile (20º) e Costa do Marfim (22º). Isto quer dizer que os problemas hidrológicos e a falta de abastecimento perene ou sazonal em algumas regiões do país não são fruto da inexistência ou indisponibilidade de água doce, mas sim de má gestão e de questões envolvendo interesses políticos e econômicos. Mesmo sendo o país mais rico em disponibilidade de água doce, o Brasil ainda possui aproximadamente 20% de sua população sem acesso à água potável, e uma parcela ainda maior submetida ao consumo de água com baixos padrões de potabilidade e com tarifação elevada.

217 AMORIM, J. A. A. Direito das Águas: O Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro. São Paulo: Lex, 2009. p. 276-277.

131

Ocorre que as políticas públicas aplicadas no Brasil falharam ao não usar a

água como fator de ordenamento da ocupação do solo, o que implicaria distribuir a

população pelos Estados e Municípios de forma equilibrada com a disponibilidade

dos recursos hídricos e compatível com as características do solo. Aliás, este é um

dos grandes desafios da PNRH, instituída para garantir às próximas gerações água

em quantidade e qualidade necessárias ao bem-estar da população. Mari Elizabete

Bernardini Seiffert alerta para a situação hídrica brasileira:218

O Brasil, por suas dimensões continentais e diversidade geográfica, apresenta situações bastante distintas quanto à disponibilidade hídrica intra e inter-regional. O país é afetado tanto pela escassez hídrica quanto pela degradação dos recursos causada pela poluição de origem doméstica, industrial e agrícola. Assim, como os demais países em desenvolvimento, o Brasil apresenta baixa cobertura de serviços de saneamento e sistemas de abastecimento com altas taxas de perdas físicas. Ainda existem nas cidades, vilas e pequenos povoados 40 milhões de pessoas sem abastecimento de água e 80% do esgoto coletado não é tratado. Calcula-se que, para cada metro cúbico de água captado nos rios, apenas metade chega ao consumidor.

Infelizmente, a agressão aos recursos hídricos por parte de diversos tipos de

usuários chegou a um estado alarmante. Para se ter ideia da dimensão da

degradação das águas brasileiras, Plauto Faraco de Azevedo reuniu o que se

denominou tragédias219:

Basta abrir os jornais, cujo relato de fatos recorrentes e recentes é impressionante. Dentre tantos, o vazamento de 1,5 bilhão de litros de lixo tóxico dos reservatórios da empresa Cataguases Papel, que atingiu severamente o rio Pomba, Minas Gerais, e envenenou o rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro; os sucessivos e graves derramamentos de substâncias nocivas ao ambiente, na Baía de Guanabara; o drama vivido pelo Município de Pirapora do Bom Jesus, onde blocos de espuma de até quatro metros de altura invadiram casas e praças, interrompendo o trânsito da cidade, também vitimada pelo gás sulfídrico, proveniente da poluição do rio Tietê, determinante de dores de cabeça e ânsia de vômito em seus habitantes. Estas “são tragédias anunciadas, como a ficção de Gabriel García Marquez, que não são combatidas diante da falta de ação dos governantes”, permitindo-se que se pergunte quando ocorrerá à próxima.

Diante dos exemplos citados fica evidente a necessidade de se buscar e

executar uma gestão de águas de forma, acima de tudo, a proteger os mananciais

brasileiros, sob pena de se perder o maior e mais importante patrimônio natural de

que o homem dispõe.

218 SEIFFERT, M. E. B. Gestão Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental. São Paulo: Atlas, 2007. p. 133. 219 AZEVEDO, P. F. de. Ecocivilização: Ambiente e Direito no limiar da vida. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 92.

132

5.3 GESTÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Primeiramente, cabe esclarecer o que é uma bacia hidrográfica. Trata-se de

uma área de captação natural de água de precipitação, que faz convergir o

escoamento para um único ponto de saída.

Ela se compõe de um conjugado de superfícies vertentes e de uma rede de

drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar em um leito único

no seu exutório220. É o local em que se realizam balanços de entrada natural da

chuva e saída de água na foz, permitindo que sejam tracejadas bacias e sub-bacias,

cuja interconexão se dá pelos sistemas hídricos. Conceito de Cid Tomanik

Pompeu221:

Bacia hidrográfica pode ser conceituada como ‘área geográfica dotada de determinada inclinação em virtude da qual todas as águas se dirigem, direta ou indiretamente, a um corpo central de água’, ou, mais simplesmente, ‘área de drenagem de um curso de água do lago’.

Em adição, as considerações de Mari Elizabete Bernardini Seiffert222:

A unidade básica utilizada como referência para a gestão de recursos hídricos é a bacia hidrográfica, a qual se constitui em uma área drenada, parcial ou totalmente, por um ou vários cursos d’água. Apresenta uma estrutura de espinha de peixe onde vários rios tributários ou afluentes despejam suas águas em um rio principal e a água circula dos pontos mais elevados do terreno para pontos mais baixos. Uma bacia hidrográfica é separada da outra pelo divisor de águas, ponto mais elevado das bacias, onde também se encontram as nascentes dos rios.

Todas as áreas urbanas, industriais, agrícolas ou de preservação fazem parte

de alguma bacia hidrográfica. Pode-se dizer que, no seu exutório estarão

concebidos todos os métodos que fazem parte do seu sistema. O que ali ocorre é

consequência das formas de ocupação do território e do emprego das águas que

para ali convergem.

A política de gerenciar as águas por bacias hidrográficas com a participação

dos usuários veio a ter destaque na França, a partir de 1964. O modelo francês, com

alterações decorrentes das respectivas peculiaridades, foi seguido por outros

países, inclusive pelo Brasil. A gestão da água baseada no recorte territorial das

220 Exutório é o ponto de um curso de água onde se dá todo o escoamento superficial gerado no interior da bacia hidrográfica banhada por este curso. 221 POMPEU, C. T. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 342-343. 222 SEIFFERT, M. E. B. Gestão Ambiental: Instrumentos, Esferas de Ação e Educação Ambiental. São Paulo: Atlas, 2007, p. 131.

133

bacias hidrográficas ganhou força no início da década de 90, por ocasião da

publicação dos Princípios de Dublin, avençados na reunião preparatória à Rio 92.

O Princípio nº 01 aduz que a gestão das águas, para ser efetiva, deve ser

integrada e considerar todos os aspectos, físicos, sociais e econômicos. Para que

essa integração tenha o foco adequado, sugere-se que a gestão esteja baseada nas

bacias hidrográficas. Todavia, em 1977, a Conferência de Mar Del Plata (Argentina),

a primeira organizada pelas Nações Unidas sobre o tema água, já recomendava aos

Estados membros que fossem criadas entidades para administrar bacias

hidrográficas, a fim de permitir melhor planejamento integrado dos recursos hídricos.

A lei nº 9.433/1997, que deu ao Brasil a nova política de recursos hídricos e

organizou o sistema de gestão, consolidou a gestão por bacias hidrográficas. O

artigo 1º, inciso V, dispõe que bacia hidrográfica “[...] é a unidade territorial para

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, posicionamento adotado nas leis

estaduais sobre política e gerenciamento de recursos hídricos”. Sobre o

gerenciamento das bacias hidrográficas, Maria Luiza Machado Granziera explica

que223:

Envolve, além de objetivos, diretrizes e instrumentos. Antes que qualquer plano de gestão possa ser desenvolvido, os objetivos devem ser objeto de acordo: quais usos serão protegidos, quais índices de qualidade serão buscados, quais compromissos devem ser acertados entre os usos conflitantes. Uma vez que os objetivos são conhecidos, é necessário buscar um caminho para realizá-los.

Hoje, no Brasil, os recursos hídricos têm sua gestão organizada por bacias

hidrográficas em todo o território nacional, em corpos hídricos de titularidade da

União ou dos Estados. Em outras palavras, a bacia hidrográfica se tornou a unidade

de gestão da Política Nacional de Recursos Hídricos. As Unidades Federativas

brasileiras, no âmbito dos seus territórios, procederam a divisões hidrográficas para

fins de gestão empregando diferentes critérios.

A título de exemplo cita-se o Estado de São Paulo que está dividido em 22

unidades de gestão hidrográficas; o Estado do Paraná, em 15; e o Estado de Minas

Gerais, em 36. Tais divisões foram realizadas de maneira a conformar as

223 GRANZIERA, M. L. M. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 117.

134

necessidades de gestão dos recursos hídricos com a configuração física e

características locais. O Brasil está dividido em 12 bacias hidrográficas, a saber:

- Região Hidrográfica do Amazonas, constituída pela bacia hidrográfica do rio Amazonas situada no território nacional e também, pelas bacias hidrográficas dos rios existentes na ilha de Marajó, além das bacias hidrográficas dos rios situados no Estado do Amapá, que deságuam no Atlântico Norte. - Região Hidrográfica do Uruguai, constituída pelo rio Uruguai e por seus afluentes, deságua no estuário do rio da Prata. - Região Hidrográfica do Tocantins/Araguaia, constituída pela bacia hidrográfica do rio Tocantins até a sua foz no oceano Atlântico. - Região Hidrográfica Atlântico Nordeste Ocidental, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico – trecho Nordeste, estando limitada a Oeste pela Região Hidrográfica do Tocantins/Araguaia, exclusive, e a Leste pela região hidrográfica do Parnaíba. - Região Hidrográfica do Rio Parnaíba, é constituída pela bacia hidrográfica do rio Parnaíba. - Região Hidrográfica Atlântico Nordeste Oriental, constituída pelas bacias hidrográficas dos que deságuam no Atlântico – trecho Nordeste, estando limitada a Oeste pela região hidrográfica do rio Paranaíba e ao sul pela região hidrográfica do rio São Francisco. - Região Hidrográfica do Rio São Francisco, constituída pela bacia hidrográfica do rio São Francisco. - Região Hidrográfica Atlântico Leste, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico – trecho Leste, estando limitada ao Norte e a Oeste pela região hidrográfica do rio São Francisco e ao sul pelas bacias hidrográficas dos rios Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus, inclusive. - Região Hidrográfica Atlântico Sudeste, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico – trecho Sudeste, estando limitada ao Norte pela bacia hidrográfica do rio Doce, inclusive, a Oeste pelas regiões hidrográficas do São Francisco e do Paraná e ao Sul pela bacia hidrográfica do rio Ribeira, inclusive. - Região Hidrográfica do Paraná, constituída pela bacia hidrográfica do Paraná situada no território nacional; - Região Hidrográfica do Uruguai, constituída pela bacia hidrográfica do rio Uruguai situada no território nacional, estando limitada ao norte pela região hidrográfica do Paraná, a Oeste pela Argentina e ao sul pelo Uruguai. - Região Hidrográfica Atlântico Sul, constituída pelas bacias hidrográficas dos rios que deságuam no Atlântico, trecho Sul, estando limitada ao Norte pelas bacias hidrográficas dos rios Ipiranguinha, Iririaia-Mirim, Candapuí, Serra Negra, Tabagaça e Cachoeira, inclusive a Oeste pelas regiões hidrográficas do Paraná e do Uruguai e ao Sul pelo Uruguai. - Região Hidrográfica do Paraguai, constituída pela bacia hidrográfica do rio Paraguai, situada no território nacional.

No mais, as dificuldades podem e devem ser combatidas. O Brasil avançou

muito na aplicação dos instrumentos de gestão. Os mecanismos de gerência e

controle são atrativos e apresentam bom efeito durante os períodos iniciais do

processo de gestão da bacia. Contudo, na medida em que os problemas a serem

atacados tornam-se mais complexos, os instrumentos baseados somente nos

conceitos de comando e controle tendem a se esgotar e a gestão precisa apoiar-se

em instrumentos de aplicação mais difícil, como são os mecanismos econômicos,

em outros mais caros, como os sistemas de informação.

135

Insta ainda chamar a atenção para uma gestão sustentável dos recursos

hídricos que precisa de um conjunto mínimo de instrumentos principais: base de

dados e informações socialmente acessíveis, definição clara dos direitos de uso,

controle dos impactos sobre sistemas hídricos e processo de tomada de decisão.

Somente por via da aplicação adequada destes instrumentos é que o direito se

tornará efetivamente eficaz na proteção jurídica da água.

5.4 COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA

A competitividade exercida pelos usuários de água na bacia hidrográfica

acentua-se na medida em que se diminui a disponibilidade hídrica per capita. A

maneira de dar sustentabilidade e equidade a essa competição foi definida pela lei

nº 9.433/1997 e pela via da instância de decisão local que são os comitês de bacia

hidrográfica. Para proceder à gestão dessa competição é preciso criar um conjunto

de regras para a alocação da água, o que é a essência do sistema de

gerenciamento hídrico. Nos moldes do relatório de Aproveitamento do Potencial

Hidráulico para Geração de Energia no Brasil, da Agência Nacional de Águas224,

[...] a alocação das águas de uma bacia é um componente do plano de recursos hídricos que objetiva a garantia de fornecimento de água aos atuais e futuros usuários de recursos hídricos, respeitando-se as necessidades ambientais em termos de vazões mínimas a serem mantidas nos rios. Depois de definida a alocação de água, a autorização ao acesso a cada usuário ocorre por meio do instrumento da outorga.

Em outras palavras, a alocação de água é o grande pacto de repartição de

água na bacia hidrográfica que fornece diretrizes para implementação de diversos

instrumentos de gestão, em particular, a outorga. Nesse processo, são adotados a

abordagem sistêmica e o princípio de gestão participativa e integrada, tendo como

unidade de planejamento a bacia hidrográfica.

Trata-se de instrumento de responsabilidade central do comitê e sua

quantificação faz parte do processo da solução dos conflitos pela água na própria

bacia, uma vez que é o primeiro grande acordo de distribuição de água na bacia

hidrográfica, fornecendo diretrizes gerais para a outorga e para a definição de regras

operativas de reservatórios. No entanto, para que tal conjunto de regras seja

224 Disponibilidade e Demandas de Recursos Hídricos no Brasil. Caderno de Recursos Hídricos 2 . Brasília: ANA, 2007, p. 152.

136

instituído, são necessários instrumentos de gestão que as institucionalizam e criação

da instância de decisão local.

Pela lei nº 9.433/1997, essa instância de decisão foi batizada de comitê de

bacia hidrográfica e a deliberação é trazida para o nível local. Aliás, em relação ao

caráter sistêmico do conceito de bacia hidrográfica, a norma deixou que as bacias,

na forma de unidades de gestão, fossem definidas caso a caso, dando a

possibilidade de conformá-las de acordo com a escala e as características da

problemática local. Desta forma, pode-se afirmar que os comitês de bacia

hidrográfica são órgãos colegiados onde são debatidas as questões referentes à

gestão das águas. Com relação à abrangência do comitê de bacia, destaca-se o

estabelecido no artigo 37 da lei nº 9.433/1997:

I – a totalidade de uma bacia hidrográfica; II – a sub-bacia hidrográfica do tributário do curso d’água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou; III – grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.

Vislumbra-se um caráter propositalmente flexível na sua abrangência,

decorrente da preocupação do legislador em possibilitar o acomodamento de várias

formas de bacias hidrográficas, bem como a articulação política possível nas

diversas regiões do país.

As competências do comitê estão definidas no artigo 38 da lei nº 9.433/1997 e

cada uma delas exterioriza um caráter político. As principais atividades inerentes aos

comitês são: a) Promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos

da bacia; b) articular a atuação das entidades que trabalham com este tema; c)

arbitrar, em primeira instância, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; d)

aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; e)

estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os

valores a serem cobrados; f) estabelecer critérios e promover o rateio do custo das

obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.

Assim, a atuação do comitê apresenta-se como um dos princípios orientadores

à implantação de um processo decisório participativo, a fim de assegurar benefícios

para toda a coletividade, em que os diferentes usuários em geral apresentam

interesses conflitantes quanto ao uso dessa água. Nesse caso, busca-se avaliar sua

quantidade e qualidade disponível e necessidades características dos diversos

usuários, de modo a garantir seu uso racional.

137

No que toca à sua estrutura, o artigo 39, da lei nº 9.433/1997, expõe que os

comitês são formados por representantes da União, Estados, Distrito Federal,

Municípios, usuários e entidades civis de recursos hídricos com atuação

comprovada na bacia.

Nos moldes do § 1º do dispositivo em comento, a participação dos poderes

executivo federal, estadual, distrital e municipal não poderá exceder à metade do

total dos membros do Comitê, e o § 4º é taxativo ao estabelecer que a participação

da União nos comitês de bacia hidrográfica, com área de atuação restrita às dos rios

sob domínio estadual, dar-se-á na forma estabelecida nos respectivos regimentos.

Entende-se que os comitês, objetos do artigo 39, são os estaduais, que

poderão, quando da elaboração de seus regimentos, prever a participação da União.

Trata-se, pois, de norma que permite à União participar de comitês estaduais. A lei

nº 9.433/1997 conjeturou comitês de bacia de ordem federal, tendo em vista que a

União não legisla sobre a organização dos Estados ou em nome do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Há, seguramente, dificuldades em se lidar com o recorte geográfico desses

comitês, uma vez que recursos hídricos exigem gestão compartilhada com a

administração pública, órgãos de saneamento, instituições ligadas à atividade

agrícola, gestão ambiental e outros; a cada um desses setores corresponde uma

divisão administrativa certamente distinta da bacia hidrográfica.

Ademais, deve-se observar que, embora a ideia de gestão por este colegiado

seja um avanço nas questões hídricas, em razão de deliberações que podem decidir

de forma sóbria e planejada em relação aos rumos a serem dados aos recursos

hídricos, as reuniões dos integrantes dos comitês também podem se transformar em

assembleias dotadas de burocracia, em plena dissonância com a finalidade a que se

propõem, e contaminadas por desacordos políticos que impeçam a tomada de

decisões de cunho eminentemente técnico.

Assim, a participação ativa dos usuários, sociedade civil e Municípios, nos

comitês, é a condição sine qua non capaz de garantir comprometimento de cada um

e contribuir para tomada de decisões técnicas e sóbrias, haja vista que a presença

destes integrantes enriquece o diagnóstico e planejamento por serem os sujeitos

passivos dos resultados das deliberações. Registra-se que o comitê deve promover

cursos de capacitação que proporcionem aos seus integrantes, que não têm

138

formação técnica, uma visão metodológica acerca dos recursos hídricos para que

suas contribuições sejam ainda mais proveitosas em razão da qualificação.

Embora seja difícil vislumbrar este tipo de execução no cenário brasileiro, as

decisões qualificadas e eficientes dependem tanto de capacitação, quanto de bons

sistemas de informação que tragam os dados reais das características geográficas,

sociais, econômicas e ambientais dos Municípios contemplados naquela bacia

hidrográfica. Quanto mais rigorosa for a legislação atinente às águas, maior será a

busca por novas tecnologias que assegurem um mínimo de desperdício no

consumo, até alcançar o grau máximo de eficácia e eficiência.

139

CONCLUSÃO

Verifica-se no presente trabalho, que o cenário da crise hídrica foi gerado e é

mantido por várias causas: má distribuição, desperdício e poluição das águas, bem

como pelo acelerado crescimento populacional e pela falta de saneamento básico.

Essas causas devem ser combatidas pelo Poder Público e pela sociedade em geral.

A poluição do planeta tem crescido em ritmo assustador. E a escala

populacional continua, advertindo para existência de problemas futuros. Um deles

situa-se no campo do consumo de água. O Direito protege a água. Os Códigos de

Hamurabi e Manu, embora não preocupados especificamente com aspectos do

ambiente, contêm normas jurídicas protetoras da água.

Os recursos naturais, em especial a água, passaram a fazer parte da agenda

política internacional, a partir da segunda metade do século XX. Foram as

Conferências entre Nações intercontinentais que colocaram a água na pauta das

discussões. Entre os principais eventos que trataram da água estão a Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, a Conferência das Nações

Unidas sobre Água, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (ECO-92) e a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento.

No Direito brasileiro, construiu-se ampla teia normativa destinada a proteger a

água. Nesse sentido, pode-se identificar a proteção jurídica das águas no Direito

Constitucional, no Direito Civil e no Direito Penal.

O primeiro documento jurídico-normativo a proteger a água no Brasil foi o

Código de Águas publicado em 1934. Entre as leis mais recentes, podem ser

destacadas a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, o Código Civil de 2002, a

Lei de Águas e a Lei da Agência Nacional de Água.

Reconhece-se que o Direito, tanto no âmbito internacional quando no âmbito

interno, em vários dos seus campos (constitucional, penal e civil), já oferece ampla

proteção à água. Contudo, impõe-se reconhecer, também, que somente a proteção

jurídica não é suficiente, sendo necessário ir além do Direito.

Um dos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente prescreve sobre a

conservação, proteção e defesa do ambiente natural, assim como recuperar e

melhorar o ambiente antrópico artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades

140

regionais e locais, em harmonia com o desenvolvimento econômico e social, visando

a assegurar a qualidade ambiental propícia à vida.

A participação popular, tanto por meio da sociedade civil organizada quanto

pela participação direta dos cidadãos nos processos decisórios de governo, significa

descentralização das ações da gestão dos recursos hídricos e constituição de um

campo de debate entre diferentes setores sociais sobre recursos e orientações das

políticas públicas. Assim, é que se vem buscando implementação de experiências

de gestão das bacias hidrográficas, concretizadas por práticas diferenciadas,

assentadas na construção social de processos concretos.

No decorrer do estudo foi possível abordar as principais características do

elemento água, sejam elas de ordem social, jurídica, econômica ou técnica, bem

como o modo de gestão dos recursos hídricos, com objetivo de tornar eficaz normas

que garantem direito à água, ocasionando, assim, geração de respostas às

principais dúvidas provocadas pela ausência de informações e publicização

suficientes deste instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos.

Diante da realização de conferências e tratados internacionais gerados pela

necessidade de resguardo do ambiente, o desenvolvimento sustentável tornou-se a

bandeira a ser içada pelas nações. A ideia de que a água deve ser considerada

como bem indispensável para manter necessidades básicas, de que suprimento e

acesso no futuro devem considerar a expectativa de vida atual e das futuras

gerações e de que deve haver manutenção da segurança do suprimento que enseje

condições para usos múltiplos, já não podem ser ignoradas sob pena de privar o

jovem de hoje de ambiente saudável amanhã.

Desta forma, há algumas décadas, em todo o globo, o raciocínio científico e

as tendências políticas vêm considerando a água (superficial e subterrânea) como

bem ambiental de primeira importância, sendo que vários governos e grande número

de agências internacionais realçam a primazia da mesma, como parte do conjunto

dos recursos naturais estratégicos.

Evidências existentes e experiências em muitos países indicam que

organizações de controle para a governança desses recursos dependem de preceito

central articulado, com um conjunto de sistemas regionais descentralizados para que

seja possível acompanhar o estado da qualidade e quantidade de água numa

determinada bacia hidrográfica. Por estes motivos, no Brasil foi promulgada a lei nº

9.433/1997, conhecida como Política Nacional de Recursos Hídricos, que organizou

141

o setor de planejamento e gestão das águas, em âmbito nacional, introduzindo

instrumentos de políticas e princípios básicos praticados atualmente em quase todos

os países que avançaram na gestão de recursos hídricos.

Em função da condição de escassez em quantidade e ou qualidade, a água

deixa de ser um bem livre e passa a ter valor econômico. Esse fato contribuiu com

adoção de novo paradigma de gestão hídrica, que compreende utilização de

instrumentos regulatórios e econômicos, para garantir efetividade do direito

ambiental na proteção da água.

O desenvolvimento sustentável exige mudanças urgentes na sociedade de

forma a proteger o ambiente pelo uso racional dos recursos hídricos. É preciso que

seja garantida uma boa qualidade de vida, em que pessoas possam contar com

melhores oportunidades econômicas e sociais, porém com limitações e respeito ao

ambiente, e em especial à água.

O princípio Usuário Pagador assegura ao poluidor o dever de arcar com

despesas de prevenção dos danos causados ao ambiente que sua atividade possa

causar, cabendo-lhe responsabilidade de utilizar instrumentos necessários à

prevenção dos danos. E, em caso de ocorrer dano ao ambiente em decorrência da

atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela reparação. Este é um

princípio ainda em desenvolvimento, porém, enquanto não houver choque de

informação que convença na plenitude o usuário dos perigos advindos da falta de

água, dificilmente a conduta humana mudará, principalmente em países em que a

disponibilidade ainda é satisfatória e a cultura do desperdício se faz presente em

todas as classes sociais.

Conclui-se diante dos assuntos abordados neste trabalho que respeito ao

ambiente é questão de vontade política e de conscientização da humanidade de

que, se a natureza continuar sendo usada de forma indiscriminada e irresponsável,

um dia esse planeta não terá mais vida.

Ao fim deste estudo, que o Direito Ambiental, tem normas jurídicas eficientes

e capazes de garantir proteção das águas. No entanto, é necessária conscientização

da população na aplicabilidade e participação da gestão dos recursos hídricos, como

forma de dar efetividade ao direito que está posto.

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