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0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO AO DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL E A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA DOS DIREITOS HUMANOS Verônica Vaz de Melo Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO AO DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL E A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA DOS DIREITOS HUMANOS

Verônica Vaz de Melo

Belo Horizonte 2008

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Verônica Vaz de Melo

A EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO AO DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL E A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, do Curso de Mestrado em Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, na linha de pesquisa “Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional”, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Público. Área de concentração: Direito Público Orientador: Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães

Belo Horizonte 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Melo, Verônica Vaz de M528e A efetividade da proteção ao direito à diversidade cultural e a perspectiva universalista dos direitos humanos / Verônica Vaz de Melo. Belo Horizonte, 2008. 118f. Orientador: José Luiz Quadros de Magalhães Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Proteção. 2. Multiculturalismo. 3. Direitos humanos. 4. Universalismo. I. Magalhães, José Luiz Quadros de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342.7

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Verônica Vaz de Melo

A efetividade da proteção ao direito à diversidade cultural e a perspectiva universalista dos Direitos Humanos.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, do Curso de

Mestrado em Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, na

linha de pesquisa “Direitos Humanos, Processos de Integração e

Constitucionalização do Direito Internacional”, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito Público.

Dissertação defendida e aprovada, cum laude, com a média final 100 (cem), com

recomendação de publicação, em 01 de dezembro de 2008, pela Banca

Examinadora constituída pelos seguintes Professores:

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães (ORIENTADOR) – PUC MINAS

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Bruno Wanderley Júnior – PUC MINAS

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Arthur José Almeida Diniz – UFMG

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Lucas de Alvarenga Gontijo (SUPLENTE) – PUC MINAS

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Aos meus pais pelo amor e apoio de toda uma vida.

Ao querido Eder pelo carinho e amor incondicional.

Ao professor José Luiz Quadros de Magalhães pelos ensinamentos e atenção.

Ao Professor Jair Eduardo Santana pela amizade e exemplo.

Ao Professor Lucas de Alvarenga Gontijo pelo apoio e incentivo.

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AGRADECIMENTO

O ato de agradecer – e tudo mais na vida – pode se transformar em uma formalidade ou pode significar a expressão

verdadeira de uma intenção. Na esperança de estar trilhando esse segundo caminho a maior parte do tempo, agradeço...

A Deus por todas minhas conquistas. Aos meus pais por terem me guiado e me incentivado nesta trajetória acadêmica. Ao querido Eder por todo amor, incentivo e carinho. Ao Professor José Luiz Quadros de Magalhães pelos ensinamentos e confiança. Ao Professor Jair Eduardo Santana pelo exemplo e sincera amizade. Ao Professor Lucas Alvarenga Gontijo pela apoio e incentivo. Ao apoio institucional da Pós-Graduação em Direito, do Curso de Mestrado em Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Aos demais Professores do Mestrado que contribuíram para o meu crescimento acadêmico e profissional: Bruno Wanderley Júnior, Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva, Leonardo Nemer Caldeira Brant, Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Lusia Ribeiro Pereira e Márcio Antônio de Paiva. Expresso ainda minha gratidão a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho.

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Vivemos em um mundo inteiramente interligado, sem distâncias e dividido por fronteiras formais. Os acontecimentos se fazem sentir automaticamente em todo o globo, provocando reações

imediatas, que mexem profundamente em nossa compreensão sobre a vida, sobre a nossa era e a nossa missão como partes

de uma engrenagem que não pode parar.

Bruno Wanderley Júnior

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RESUMO

A cultura é um fenômeno dinâmico e transformador das diferentes sociedades. Ela proporciona para os seres humanos valores comuns, sentimento de identidade e de pertença ao grupo. A diversidade cultural é necessária para o aprimoramento da espécie humana, sendo relevante para a evolução dos indivíduos, constituindo um importante patrimônio comum da humanidade. Desta forma, a diversidade cultural faz parte dos Direitos Humanos consagrados através de relevantes instrumentos do Direito Internacional como a Carta Internacional dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Esta Carta representa um dos principais documentos internacionais acerca da universalidade dos Direitos Humanos. Diante da importância da variedade cultural, o objetivo deste trabalho é analisar a possibilidade de compatibilização da universalidade dos Direitos Humanos com a realidade multicultural do globo para a efetiva proteção dos Direitos Humanos referentes à diversidade cultural e à construção de uma coexistência harmoniosa entre as variadas sociedades e culturas do globo. Para isso serão analisados, neste trabalho, o significado e a relevância da cultura para os seres humanos; o fenômeno cultural sob a visão do antropólogo norte-americano Clifford James Geertz; os principais instrumentos e instituições internacionais de proteção ao direito à diversidade cultural; a perspectiva universalista dos Direitos Humanos e o direito à diversidade cultural; a questão acerca da universalidade ou ocidentalização dos Direitos Humanos, conforme consagrados na atualidade pelas principais instituições e documentos do Direito Internacional sobre este tema; o universalismo e a efetiva possibilidade de proteção ao direito à diversidade cultural; e, por último, a ideologia da universalidade dos Direitos Humanos sob o ponto de vista doutrinário de José Luiz Quadros de Magalhães e Slavoj Žižek. Palavras-chave: Proteção – Diversidade cultural – Direitos Humanos – Universalismo

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ABSTRACT

Culture is a dynamic and transforming phenomenon of different societies. It provides to human beings shared values, sense of identity and of belonging to the group. Cultural diversity is necessary for the human species improvement, and relevant to the development of individuals as an important common mankind heritage. Thus, cultural diversity is part of human rights enshrined in relevant international law instruments such as the International Bill of Human Rights of the United Nations. This Charter is a major international document about the universality of human rights. Given the importance of cultural variety, the goal of this study is examining the possibility of compatibilization of human rights universality with the multicultural reality of the world for the effective protection of human rights relating to cultural diversity and concerning the construction of an harmonious coexistence between different societies and cultures of the globe. In order to achieve this goal, several aspects are to be analysed in this work: culture significance and relevance to human beings; the cultural phenomenon according to the American anthropologist Clifford James Geertz´s point of view; the main instruments and international institutions to protect the right to cultural diversity; the universal perspective of human rights and the right to cultural diversity; the question about the universality or Westernization of human rights, as enshrined today by major institutions and documents of international law on this subject; universalism and the effective possibility of protecting the right to cultural diversity; and, finally, the ideology of the universality of human rights from the doctrinal point of view of José Luiz Quadros de Magalhães and Slavoj Žižek.

Key-words: Protection – Cultural diversity – Human Rights – Universalism

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LISTA DE ABREVIATURAS

Artigo (art.) Artigos (arts.) Coordenador (Coord.) Edição (Ed.) Júnior (Jr.) Número (nº) Organizador (Org.) Organizador (org.) Página (p.) Senhor (Sr.) Tradução (Trad.) Versus (vs.) Volume (v.) (vol.)

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LISTA DE SIGLAS

Conferência Mundial sobre Políticas Culturais de 1982 (MONDIACULT). Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS). Editora da Universidade de Santa Catarina (EDUSC). Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP). Organização das Nações Unidas (ONU). Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Universidade de Brasília (UnB). Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12 2 CULTURA: significado e relevância para o ser humano 16 2.1 As teorias sobre o conceito de cultura 18 2.1.1 Teorias que consideram a cultura como sistema adaptativo 18 2.1.2 Teorias idealistas de cultura 19 2.2 Práticas culturais diversificadas 20 3 O FENÔMENO CULTURAL SOB A VISÃO DE CLIFFORD JAMES GEERTZ 27 4 OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS E INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS REFERENTES À DIVERSIDADE CULTURAL

33

4.1 A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

33

4.2 O Pós Segunda Guerra Mundial e a Carta Internacional dos Direitos Humanos das Nações Unidas

34

4.3 Primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos – Teerã, 1968 37 4.4 Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos – Viena, 1993 38 4.5 A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e as principais declarações sobre a proteção do direito à diversidade cultural

38

5 A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA DOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL

43

5.1 A doutrina de Immanuel Kant e o universalismo dos Direitos Humanos 46 5.2 A perspectiva universalista de direitos humanos sob a visão de Antônio Augusto Cançado Trindade

49

6 DIREITOS HUMANOS: UNIVERSAIS OU OCIDENTAIS? 54 6.1 O discurso universalista ocidental e o imperialismo do século XIX 56 6.2 Direitos humanos: ocidentais no sentido institucional 61 6.3 A influência ocidental na elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

62

6.4 O debate acerca da universalidade dos Direitos Humanos durante a Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena no ano de 1993

67

6.5 Direitos Humanos: uma concepção das elites ocidentais e ocidentalizadas 71 6.6 Direitos Humanos: universais ou ocidentais? Breve análise desta questão sob o ponto de vista de Boaventura de Souza Santos

73

7 O UNIVERSALISMO E A POSSIBILIDADE DE PROTEÇÃO AO DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL

75

7.1 A efetiva possibilidade de proteção ao direito à diversidade cultural sob visão de Charles Taylor

75

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7.2 A proteção ao direito à diversidade cultural sob a ótica do interculturalismo de Boaventura de Sousa Santos

77

7.2.1 Desigualdade e exclusão 77 7.2.2 O universalismo diferencialista e o universalismo antidiferencialista 78 7.2.3 A política assimilacionista 79 7.2.4 Os Direitos Humanos no cenário da globalização 81 7.2.5 Os quatro processos de globalização 83 7.2.5.1 Processos de globalização hegemônica: localismo globalizado, globalismo localizado

83

7.2.5.2 Processos de globalização contra-hegemônica: cosmopolitismo insurgente subalterno e o patrimônio comum da humanidade

84

7.2.6 Completude ou incompletude cultural? 87 7.2.7 A hermenêutica diatópica 88 7.2.8 Da completude a incompletude cultural 92 7.2.9 Considerações finais sobre a visão interculturalista de Boaventura de Sousa Santos

95

8 A IDEOLOGIA DA UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS ANALISADA SOB A PERSPECTIVA DOUTRINÁRIA DE JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES E SLAVOJ ŽIŽEK

97

9 CONCLUSÃO 102 REFERÊNCIAS 107

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1 INTRODUÇÃO

Um dos grandes feitos da humanidade foi superar suas próprias limitações

físicas e biológicas no processo de aprimoramento do convívio entre os homens e

adaptação no mundo. Isso foi possível em grande parte graças ao fenômeno cultural

que fez com que o homem se diferenciasse dos outros animais.

A cultura pode ser compreendida como um processo dinâmico, variável e

cumulativo, resultante das experiências históricas de cada sociedade, formando um

conjunto de práticas, conhecimentos e significados intersubjetivos, abrangendo

crenças, morais e costumes adquiridos pelos indivíduos como membro de uma

comunidade. As culturas são formadas pelas criações e transformações ocorridas

nos próprios sistemas culturais e também pelas práticas oriundas de outros sistemas

culturais, sendo o resultado da evolução histórica marcada pelas permanentes

influências e mudanças sofridas por cada sociedade. Assim, todas as culturas estão

intimamente relacionadas, se construindo e se modificando através das influências

que exercem e sofrem umas das outras.

Uma das principais características do fenômeno cultural é a promoção de

valores comuns, sentimento de identidade, de pertença ao grupo e reconhecimento

do outro. A cultura determina o comportamento do ser humano e justifica as suas

realizações. A cultura é o elo entre o que os homens são capazes de ser e o que

eles realmente são.

O mundo é um espaço multicultural em permanente transformação. Essa

diversidade está presente na originalidade e na pluralidade de identidades que

caracterizam os grupos e as sociedades que integram a espécie homo sapiens. A

cultura pode proporcionar importantes intercâmbios, inovações e possibilita a

construção da harmonia entre os povos. A diversidade cultural é imprescindível para

o aperfeiçoamento das relações entre os povos, sendo relevante para a evolução

dos indivíduos e desenvolvimento dos sistemas culturais, constituindo um importante

patrimônio comum da humanidade, devendo ser respeitada e reconhecida por todos.

Neste contexto, a proteção do direito à cultura e à diversidade cultural é de

extrema importância tendo em vista que a “cultura [...] não é apenas um ornamento

da existência humana, mas [...] uma condição essencial para ela [...]. Não existe algo

como uma natureza humana independente de cultura.” (GEERTZ, 1973, p.46; 49).

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Dada a relevância do fenômeno cultural para o aprimoramento dos homens,

os direitos culturais são parte integrante dos Direitos Humanos, estando protegidos

por diversas instituições e instrumentos do Direito Internacional como, por exemplo,

na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 no artigo 27 e nos artigos

13 e 15 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de

1966.

Após a Segunda Guerra Mundial, cresceram as preocupações, no âmbito

internacional, acerca da proteção dos Direitos Humanos, sobretudo, em decorrência

das atrocidades causadas pelo nazismo durante a Guerra. Nesta época foi criada a

Organização das Nações Unidas (ONU) e, posteriormente, adotada a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, parte integrante da Carta Internacional dos Direitos

Humanos das Nações Unidas que é composta também pelo Pacto Internacional de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto Internacional de Direitos Civis

e Políticos e por protocolos adicionais a estes dois Pactos.

Embora já existisse, anteriormente à própria criação da Organização das

Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a proteção a

alguns direitos do indivíduo no âmbito internacional, conforme se percebe na

Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776 e na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, só houve um efetivo

progresso nesta esfera no pós Segunda Guerra Mundial, quando a comunidade

internacional se mobilizou para a promoção da universalização dos Direitos

Humanos e para a criação de um efetivo sistema internacional de proteção a tais

direitos.

A Carta Internacional de Direitos Humanos da ONU representa um dos mais

relevantes documentos internacionais sobre o caráter universal dos Direitos

Humanos. Para a tradicional perspectiva universalista, os Direitos Humanos seriam

provenientes da dignidade humana, valor intrínseco à condição humana, sendo

naturalmente universais e perceptíveis por todos os indivíduos através da razão.

Esta visão universalista dos Direitos Humanos possui como um dos seus

principais fundamentos a defesa de valores, julgamentos morais e escolhas

comportamentais aplicáveis de forma absoluta a todos os homens, indistintamente.

Os Direitos Humanos seriam todos aqueles direitos que o indivíduo possui

pelo simples fato de ser humano. Assim, a universalidade desses direitos estaria

baseada no fato desses serem inerentes a todos os seres humanos,

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independentemente da diversidade cultural, constituindo a própria natureza humana,

sendo anteriores ao Estado, as instituições internacionais e a todas as formas de

organização política. Dessa forma, os Direitos Humanos não poderiam ser

suprimidos tanto na esfera nacional quanto na internacional, nem pelos Estados nem

pelas organizações internacionais.

Os principais argumentos da visão universalista dos Direitos Humanos

possuem origem no Iluminismo, tendo grande influência do pensamento de

Immanuel Kant. Os defensores da corrente universalista acreditam que a descrença

nos valores iluministas, especialmente em relação à aplicação da razão como

condição humana, gera a destruição dos processos cognitivos e dificulta a aceitação

da universalidade dos Direitos Humanos.

Com o fortalecimento da política internacional de universalização dos Direitos

Humanos após a Segunda Guerra Mundial, aflorou a questão em torno do fato de

serem os Direitos Humanos, dispostos na Carta Internacional dos Direitos Humanos,

naturalmente universais ou apenas uma perspectiva ocidental.

O problema central em relação a esta situação refere-se ao fato de que se os

Direitos Humanos, consagrados na Carta Internacional de Direitos Humanos, não

forem naturalmente universais, mas sim uma perspectiva histórica e política

ocidental, isso representará, na realidade, uma imposição do sistema cultural

ocidental aos demais sistemas culturais, prejudicando, dessa forma, a própria

argumentação e efetividade desses Direitos Humanos, sobretudo, em relação aos

Direitos Humanos referentes à diversidade cultural.

No presente trabalho serão abordados este tema e a efetiva possibilidade de

compatibilização da universalidade dos Direitos Humanos com a realidade

multicultural do mundo para a proteção dos Direitos Humanos referentes à

diversidade cultural.

Para isso, serão abordados no capítulo 2, o significado e a relevância da

cultura para os seres humanos; no capítulo 3, o fenômeno cultural sob a visão do

antropólogo norte-americano Clifford James Geertz; no capítulo 4, os principais

instrumentos e instituições internacionais de proteção ao direito à diversidade

cultural; no capítulo 5, a perspectiva universalista dos Direitos Humanos e o direito à

diversidade cultural; no capítulo 6, a universalidade ou ocidentalização dos Direitos

Humanos, conforme consagrados na atualidade pelas principais instituições e

documentos do Direito Internacional sobre este tema; no capítulo 7, o universalismo

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e a possibilidade de proteção ao direito à diversidade cultural; e, por último, no

capítulo 8, a ideologia da universalidade dos Direitos Humanos sob a perspectiva

doutrinária de José Luiz Quadros de Magalhães e Slavoj Žižek.

Feitas essas breves considerações e buscando responder aos

questionamentos levantados, inicia-se então a exposição do presente trabalho a

partir do estudo da importância do fenômeno cultural para os homens.

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2 CULTURA: significado e relevância para o ser humano

As diferenças existentes entre os homens [...] não podem ser explicadas em

termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de

romper com suas próprias limitações. [...] Tudo isso porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura.

Roque de Barros Laraia

A palavra cultura deriva do verbo latino colo, cujo particípio futuro é culturus.

Por sua vez, culturus significa “culto dos mortos”, uma das primeiras formas de

manifestações humanas que possibilitou a criação das religiões. O sepultamento dos

mortos é um evento que, de acordo com indícios históricos, já era praticado nos

tempos do Homem de Neanderthal, há mais de oitenta mil anos atrás.

Durante o século XVIII e XIX, o vocábulo germânico Kultur simbolizava todos

os aspectos espirituais de um determinado povo e a palavra Civilization estava

relacionada às conquistas materiais. O antropólogo Edward Taylor, no primeiro

parágrafo de seu livro Primitive Culture, em 1871, criou o termo inglês Culture e

assim o definiu:

é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. (TAYLOR apud LARAIA, 2006, p.25).

Edward Taylor acreditava que a diversidade cultural existente entre os povos

era proveniente do fato destes estarem em desiguais estágios no processo de

evolução. Na escala de civilização, a sociedade européia estaria no topo e as tribos

selvagens ao final, na base.1

Durante a última metade do século XIX, prevaleceu, em relação à origem do

fenômeno cultura, a Teoria do Ponto Crítico do antropólogo americano Alfred

Kroeber. Segundo este autor, o desenvolvimento da capacidade de adquirir cultura

1 Edward Taylor publicou o seu livro numa época em que a Europa assimilava os estudos de Charles Darwin, A origem das espécies. Assim, para melhor compreender os estudos de Edward Taylor, é importante perceber o contexto histórico no qual se encontrava inserido. Para Taylor, todas as culturas deveriam passar por todos os estágios de evolução, do menos ao mais desenvolvido, ou seja, acreditava no desenvolvimento através de uma estreita concepção do evolucionismo unilinear.

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foi uma conquista repentina do ser humano. Assim, num dado momento da história

da “humanização” de um ramo da linha dos primatas ocorreu uma relevante

alteração orgânica que tornou possível que o ser humano se comunicasse,

aprendesse e ensinasse a partir de sentimentos e atitudes diferenciadas. Em

conseqüência dessa alteração orgânica inicial teria surgido o fenômeno da cultura,

cujo desenvolvimento seria completamente independente da ulterior evolução

orgânica do homem. Para melhor explanar sua teoria, Kroeber comparou o

surgimento da cultura com o congelamento da água: a temperatura pode reduzir

grau a grau sem que a água perca fluidez até que, de repente, se solidifica a Oo C.

Em 1917, Alfred Kroeber publicou o artigo O Superorgânico e demonstrou

como a cultura atua sobre os seres humanos. Através deste artigo, Kroeber

desvinculou a idéia de existência de ligação entre a cultura e o aspecto biológico dos

homens. Nesse sentido, Kroeber afirmava que não se podia negar que o homem

dependia da sua estrutura biológica para continuar vivo, independentemente do

sistema cultural ao qual pertencia. Todavia, embora as funções biológicas vitais

fossem comuns a todos os seres humanos, o antropólogo observou que a maneira

de satisfazer tais necessidades biológicas variava de cultura para cultura. Para

Kroeber, era exatamente este fato que tornava o homem um ser predominantemente

cultural, não podendo o comportamento humano ser considerado, desta forma,

biologicamente determinado. Segundo o antropólogo, a herança genética não possui

correlação com o pensamento e com a forma de agir dos indivíduos, pois todos os

atos humanos dependeriam, essencialmente, do processo de aprendizagem.

Pelos estudos de Kroeber, pode-se compreender como o homem, apesar de

suas limitações biológicas, foi capaz de sobreviver e adaptar-se em todas as regiões

da Terra. Isso se deve em grande parte à cultura, ou seja, a todas as possibilidades

de realização humana e a todos os comportamentos aprendidos. De acordo com

Kroeber, citado por Laraia (2006):

a cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. O homem age de acordo com os seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo por que passou [...]. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos [...]. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a Terra em seu habitat. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de

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aprendizagem [...] que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores [...]. (LARAIA, 2006, p.48).

2.1 As teorias sobre o conceito de cultura O antropólogo Roger Keesing, no artigo denominado Theories of Culture

(1974), estudou as principais categorias teóricas sobre o que seja cultura, quais

sejam, teorias que consideram a cultura como sistema adaptativo e teorias idealistas

sobre cultura. Analisaremos a seguir tais categorias.

2.1.1 Teorias que consideram a cultura como sistema adaptativo

Esta idéia de cultura como sistema adaptativo foi defendida, sobretudo, pelo

antropólogo Leslie White. Os principais pontos destas teorias de cultura como

sistemas adaptativos são: primeiro, as culturas formam sistemas, ou seja, “padrões

de comportamento socialmente transmitidos” através dos quais as comunidades se

adaptam à estrutura biológica. Esses sistemas culturais são constituídos por

tecnologias, organização econômica, padrões de agrupamento social, organização

política, crenças e práticas religiosas, dentre outros fatores.

Segundo, as modificações culturais constituem processos de adaptação

assemelháveis à seleção natural.

O homem é um animal e, como todos animais, deve manter uma relação adaptativa com o meio circundante para sobreviver. Embora ele consiga esta adaptação através da cultura, o processo é dirigido pelas mesmas regras de seleção natural que governam a adaptação biológica [...]. (LARAIA, 2006, p.60).

Terceiro, a tecnologia, a economia de subsistência e as noções de

organização social e produção formam a esfera mais adaptativa da cultura em que,

geralmente, iniciam-se as alterações adaptativas.

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Quarto e último, os elementos ideológicos dos sistemas culturais podem ter

diversas implicações adaptativas como, por exemplo, no controle populacional e na

conservação dos ecossistemas.

2.1.2 Teorias idealistas de cultura

As teorias idealistas de cultura podem ser subdivididas em três perspectivas.

De acordo com a primeira perspectiva, a cultura seria um sistema cognitivo, ou seja,

um sistema de conhecimento. Nas palavras de W. Goodenough: “consiste em tudo

aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável

dentro de sua sociedade.” (GOODENOUGH apud LARAIA, 2006, p.61).

Para a segunda perspectiva, a cultura seria formada por sistemas estruturais.

Um dos principais expoentes desta abordagem foi Lévi-Strauss que definiu cultura

como “sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana.” (LÉVI-

STRAUSS apud LARAIA, 2006, p.61). Nos seus trabalhos, Lévi-Strauss analisou

como as estruturas culturais, por exemplo, o mito, a linguagem e a arte, se formam e

se desenvolvem entre as diversas sociedades, formando a cultura.

A terceira e última perspectiva considera que a cultura seja formada por

sistemas simbólicos e tem como principais defensores dois antropólogos norte-

americanos: Clifford James Geertz, cuja visão sobre o fenômeno cultural será mais

bem analisada no capítulo 3, e David Schneider.

Para Geertz (1989) a cultura não deve ser vista como um conjunto de

comportamentos concretos, mas como um complexo de mecanismos de controle,

planos, regras e instruções para dominar o comportamento humano.

Para Geertz, todos os homens são geneticamente aptos para receber um programa, e este programa é o que chamamos de cultura. E esta formulação – que consideramos uma maneira de encarar a unidade da espécie – permitiu a Geertz afirmar que “um dos mais significativos fatos sobre nós pode ser finalmente a constatação de que todos nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos no fim tendo vivido uma só!” Em outras palavras, a criança está apta ao nascer a ser socializada em qualquer cultura existente. Esta amplitude de possibilidades, entretanto, será limitada pelo contexto real e específico onde de fato ela crescer. (LARAIA, 2006, p.62).

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Desta forma, conforme o pensamento de Geertz (1989), todos os seres

humanos quando nascem são capazes de participar de qualquer cultura, ficando, no

entanto, restritos aos liames culturais em que crescer.

Já para David Schneider, conforme descreveu no seu livro American Kinship:

a cultural account, no ano de 1968:

a cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou ‘coisas’ culturais não depende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser categorias culturais. (SCHNEIDER apud LARAIA, 2006, p.63).

Assim, para David Schneider, compreender os diversos sistemas culturais

significa interpretar símbolos, mitos, ritos e seus significados.

Estas são as principais categorias teóricas existentes sobre o conceito de

cultura. É importante ressaltar que tais teorias não se excluem, mas se

complementam.

Os estudos sobre a cultura estão em constante desenvolvimento e são

importantes porque dizem respeito à própria compreensão dos seres humanos.

2.2 Práticas culturais diversificadas A diversidade cultural é uma característica da sociedade humana, sendo

importante para a evolução dos indivíduos e desenvolvimento dos sistemas culturais.

Neste tópico, serão abordadas diversas práticas culturais localizadas em diferentes

tempos e espaços.

Heródoto (484-424 a.C.), filósofo grego, ao descrever os hábitos lícios,

observou que os indíviduos desta comunidade se identificavam pelo nome da mãe e

não pelo nome do pai, como era comum na maioria das outras culturas.

Pergunte-se a um lício quem é, e ele responde dando o seu próprio nome e o de sua mãe, e assim por diante, na linha feminina. Além disso, se uma mulher livre desposa um homem escravo, seus filhos são cidadãos integrais; mas se um homem livre desposa uma mulher estrangeira, ou vive com uma concubina, embora seja ele a primeira pessoa do Estado, os filhos não terão qualquer direito à cidadania. (PELTO, 1967, p.22).

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Tácito (55-120), cidadão romano, ao observar as diferenças de sua cultura em

relação às tribos germânicas afirmou que:

o casamento na Alemanha é austero, não há aspecto de sua moral que mereça maior elogio. São quase únicos, entre os bárbaros, por se satisfazerem com uma mulher para cada. As exceções, que são extremamente raras, constituem-se de homens que recebem ofertas de muitas mulheres devido ao seu posto. Não há questão de paixão sexual. O dote é dado pelo marido à mulher, e não por esta àquele. (PELTO, 1967, p.23).

Michel Eyquem de Montaigne, pensador e escritor humanista do período

renascentista (1533-1592), ao ter conhecimento sobre os costumes antropofágicos

dos Tubinambá, alegou não considerar bárbaros ou selvagens as práticas exercidas

por aquele povo, visto que cada indivíduo considera bárbaro o que não se pratica na

sua cultura e asseverou que:

não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, mas que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos , ou entregá-lo a cães e porcos a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos. (MONTAIGNE apud LARAIA, 2006, p.12).

Outro exemplo interessante relacionado à diversidade cultural refere-se ao

hábito que existia no Japão de os devedores insolventes praticarem o suicídio ritual

(harakiri) na véspera do ano novo como forma de preservar a dignidade de sua

família. Este ato era considerado pela cultura japonesa como demonstração de

honra, coragem e heroísmo.

O homossexualismo, atualmente discriminado em várias culturas ocidentais,

era um comportamento aceito e respeitado por tribos das planícies norte-

americanas: “o homossexual era visto como um ser dotado de propriedades

mágicas, capaz de servir de mediador entre o mundo social e o sobrenatural, e,

portanto, respeitado.” (LARAIA, 2006, p.68).

Na Antiguidade, jovens da Lícia mantinham relações sexuais por moedas de

ouro como forma de conseguir um bom dote para o casamento. Atualmente, na

cultura ocidental, as prostitutas femininas são discriminadas por serem consideradas

mulheres fáceis, indignas para o casamento.

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É importante observar que tais diferenças culturais não se restringem apenas

aos povos e costumes do passado. Atualmente, podemos observar uma variada

gama de diferentes costumes existentes entre as diversas comunidades que povoam

o globo. Assim, por exemplo, o sentido do tráfego na Inglaterra segue a mão

esquerda, ao contrário do Brasil que segue a mão direita.

Os ciganos na Califórnia consideram a obesidade como sinal de virilidade, já

o Estado norte-americano considera a obesidade uma deficiência física. Devido a

esta peculiaridade cultural, muitas vezes estes ciganos se aproveitam desta

diferença de perspectiva cultural para obter do governo norte-americano benefícios

nos programas de assistência social.

Em diversas praias européias, o nudismo é uma prática aceita. Já nas

sociedades árabes, as mulheres devem usar a burca, mostrando apenas parte do

seu rosto em público.

Nos países de orientação islâmica, o adultério é considerado como um grave

atentado à moral, podendo ser punido inclusive com a pena de morte. Ao contrário,

no Ocidente, apesar de o adultério ser considerado como uma prática atentatória à

moral e aos bons costumes, tal ato não é punido de forma tão severa.

Ressalta-se ainda que estas diferenças culturais existem não só entre os

países como também no interior de um mesmo país. No Brasil, por exemplo, em

algumas partes das regiões Norte e Nordeste, ao contrário do Sul e Sudeste, a

gravidez é vista como uma enfermidade e o ato de dar à luz a uma criança é

popularmente conhecido como “descansar”.

Algumas práticas culturais surgem a partir da necessidade do homem em se

adaptar às condições físicas e climáticas de uma determinada região do globo.

Porém, isso não significa que haja um determinismo geográfico, visto que povos

diferentes que vivem numa mesma região geográfica ou de clima semelhante lidam

com isso, geralmente, de formas variadas. Por exemplo, os habitantes dos pólos:

Os esquimós constroem suas casas (iglus) cortando blocos de neve e amontoando-os num formato de colméia. Por dentro, a casa é forrada com peles de animais e com o auxílio do fogo conseguem manter o sue interior suficientemente quente. É possível, então, desvencilhar-se das pesadas roupas, enquanto no exterior da casa a temperatura situa-se a muitos graus abaixo de zero grau centígrado. Quando deseja, o esquimó abandona a casa tendo que carregar apenas o seus pertences e vai construir um novo retiro. Os lapões, por sua vez, vivem em tendas de peles de rena. Quando desejam mudar os seus acampamentos, necessitam realizar um árduo

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trabalho que se inicia pelo desmonte, pela retirada do gelo que se acumulou sobre as peles, pela secagem das mesmas e o seu transporte para o novo sítio. Em compensação, os lapões são excelentes criadores de renas, enquanto tradicionalmente os esquimós limitam-se à caça desses mamíferos. (LARAIA, 2006, p.22).

Outro exemplo está aqui no Brasil, mais precisamente no Parque Nacional do

Xingu: Os xinguanos propriamente ditos (Kamayurá, Kalapalo, Trumai, Waurá etc.) desprezam toda a reserva de proteínas existente nos grandes maníferos, cuja caça lhes é interditada por motivos culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e caça de aves. Os Kayabi, que habitam o Norte do Parque, são excelentes caçadores e preferem justamente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado, o caititu etc. (LARAIA, 2006, p.23).

Desta feita, percebemos que a cultura é um fenômeno dinâmico e variável

que forma um complexo de práticas e significados intersubjetivos com grande

relevância para o aprimoramento do convívio entre os homens. Ela gera para os

grupos de indivíduos valores comuns, sentimento de identidade, reconhecimento do

outro e de pertença ao grupo.

Ainda a respeito do fenômeno cultural, é importante ressaltar que, conforme

observou Heródoto, temos uma tendência a considerar o sistema cultural ao qual

pertencemos superior aos demais sistemas:

[...] Se oferecêssemos aos homens a escolha de todos os costumes do mundo, aqueles que lhes parecessem melhor, eles examinariam a totalidade e acabariam preferindo os seus próprios costumes, tão convencidos estão de que estes são melhores do que todos os outros. (HERÓDOTO apud PELTO, 1967, p.22).

Todavia, isso não é uma realidade. Todos os sistemas culturais possuem

seus aspectos positivos e negativos. Assim, apesar de muitas vezes, termos a

sensação de que nosso sistema cultural é o melhor e, essencialmente,

autopoiético2, perceberemos que isso não ocorre, visto que todas as culturas estão

intimamente relacionadas e que se constroem e se modificam através das

influências que exercem e sofrem umas das outras. O pequeno texto a seguir ilustra

bem este fato.

2 A palavra autopoiese é proveniente do grego: auto significa próprio; poiesis significa criação, ou seja, autopoiese se refere à criação, formação do objeto a partir dele mesmo. Assim, o sistema cultural ser autopoiético significa que o próprio sistema se cria e se transforma, sem a necessidade ou influência de elementos externos.

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ador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano. (LINTON, 1959, p.355-356).

de seus próprios sistemas culturais e também a partir de práticas originárias de

O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito. Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa. Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à America do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conserv

Compreender que as culturas são formadas pelas transformações oriundas

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outros sistemas culturais ajuda a atenuar possíveis choques culturais e possibilita

uma maior interação entre as diversas sociedades.

A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade. (LARAIA, 2006, p.45).

A partir da análise intercultural, percebemos também que, geralmente, os

diversos sistemas culturais explicam um mesmo fenômeno das mais variadas

formas. Isso não significa que devemos julgar qual é o sistema que melhor explica

um dado fenômeno. Até porque tendemos a fazer isso a partir da nossa própria

cultura e experiência, concluindo, quase sempre, que o nosso sistema cultural é o

mais apropriado para explicar o fenômeno. Assim, algumas culturas vão analisar

determinado fato a partir de meios materiais específicos, outras utilizando apenas os

cinco sentidos. No entanto, não há uma regra que possa garantir com exatidão qual

dos sistemas culturais está correto na interpretação do fato. Um exemplo disso são

as várias explicações culturais que existem sobre os fenômenos do surgimento e o

fim da vida.

O homem sempre buscou explicações para fatos tão cruciais como a vida e a morte. [...] Explicar a vida implica a compreensão dos fenômenos da concepção do nascimento. Estas são importantes para a ordem social. Da explicação que o grupo aceita para a reprodução humana resulta o sistema de parentesco, que vai regulamentar todo o comportamento social. Nem sempre as relações de causa e efeito são percebidas da mesma maneira por homens de culturas diferentes. E hoje todos sabem que o homem só pode compreender o mistério da vida quando dispõe de instrumentos que lhe permitam desvendar o mundo do infinitamente pequeno. (LARAIA, 2006, p.89).

Alguns exemplos de sistemas culturais que interpretam de forma diversificada

o fenômeno são:

para os habitantes das ilhas Trobriand, no Pacífico, não existe nenhuma relação entre a cópula e a concepção. Sabem, apenas, que uma jovem não deve mais ser virgem para ser penetrada por um ‘espírito’ de sua linhagem materna, que vai gerar em seu útero uma criança. Esta criança estará ligada por laços de parentesco, apenas, aos parentes da jovem, não existindo em Trobriand nenhuma palavra correspondente a que utilizamos para definir pai. O homem que vive com a mulher será chamado pela criança por um termo que podemos traduzir como ‘companheiro da mãe’.

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Esta idéia de reprodução sexual não impediu que os habitantes de Trobriand notassem a semelhança física que ocorre entre a criança e o ‘companheiro da mãe’. A explicação encontrada foi a de que a criança convive diariamente com aquele homem e dele copia os gestos, o modo de falar, as expressões faciais, dando a ilusão de semelhança. [...] Por outro lado, os índios Jê, do Brasil, correlacionam a relação sexual com a concepção, mas acreditam que só uma cópula é insuficiente para formar um novo ser. É necessário que o homem e a mulher tenham várias relações para que a criança seja totalmente formada e torne-se apta para o nascimento. O recém-nascido pertencerá tanto à família do pai como à da mãe. E se ocorrer que a mulher tenha, em um dado período que antecede ao nascimento, relações sexuais com outros homens, todos estes serão considerados pais da criança e agirão socialmente como tal. (LARAIA, 2006, p.90).

Todas as interpretações formuladas pelas diversas culturas para os

fenômenos da vida são logicamente plausíveis e possuem coerência no âmbito do

próprio sistema cultural.

Os sistemas culturais são o resultado da evolução histórica marcada pelas

permanentes influências e mudanças de cada sociedade, através de um processo

fundamentalmente dinâmico e transformador.

a cultura, portanto, não é uma herança passiva, mas um processo ativo de criação de significados, que não são dados, mas constantemente redefinidos e construídos. Ela tem uma estrutura que direciona e delimita o espectro de novos valores, mas a estrutura é relativamente frouxa e alterável. (PAREKH, 2000, p. 153, tradução nossa).3

3 “Culture thus is not a passive inheritance but an active process of creating meaning, not given but constantly redefined and reconstituted. It does have a structure which directs and delimits the range of new meanings, but the structure is relatively loose and alterable.”

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3 O FENÔMENO CULTURAL SOB A VISÃO DE CLIFFORD JAMES GEERTZ

O antropólogo estadunidense Clifford James Geertz (1989) observou que os

iluministas do século XVIII defendiam a idéia de que a grande diversidade entre os

homens no que diz respeito às crenças e valores, costumes e instituições era,

essencialmente, sem significância para a definição de natureza humana.

Considerava que tais diferenças eram simples acréscimos que sobrepunham e

obscureciam o que era verdadeiramente humano. De acordo com os fundamentos

iluministas, o que compunha, realmente, o ser humano era sua natureza constante,

geral e universal, independente de tempo, lugar e circunstância, de estudos e

profissões, modas passageiras e opiniões temporárias.

Todavia, ao contrário do pensamento iluminista, para Geertz (1989) o que o

homem, realmente, é está diretamente relacionado ao ambiente em que vive e no

que ele próprio acredita ser. De acordo com o antropólogo, são esses fatos que

possibilitaram o desenvolvimento do conceito de cultura e a decadência da idéia

uniforme do homem. Geertz (1989) aponta para o fato de que é terrivelmente difícil

diferenciar o que é natural, universal e constante no homem e o que é convencional

e variável. Ademais, Geertz (1989) defende a idéia de que não há homens não-

modificados pelas culturas, nunca existiram e não o poderiam, levando-se em

consideração a própria realidade do mundo e dos homens.

Segundo Geertz (1989), as tentativas de compreender o ser humano a partir

de seus costumes levaram a uma única estratégia intelectual ampla, a qual ele

denominou de “concepção estratigráfica das relações entre os fatores biológico,

psicológico, social e cultural na vida humana”. De acordo com essa concepção, o ser

humano é formado por “níveis” superpostos. E, quando se analisa o ser humano,

remove-se cada um dos níveis, sendo cada um desses completos e irredutíveis em

si mesmos.

Assim, analisando mais profundamente esses níveis, percebe-se que ao se

retirar as várias formas de cultura, encontram-se as regularidades estruturais e

funcionais da organização social; retirando-se estas encontram-se os fatores

psicológicos; e, retirando-se os fatores psicológicos, encontram-se os fundamentos

biológicos do ser humano.

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Para esta concepção, o homem seria um animal hierarquicamente

estratificado, uma espécie de depósito evolutivo com níveis pré-determinados

(orgânico, psicológico, social e cultural).

No século XVIII, com as influências do Iluminismo, o homem passou a ser

considerado um ser basicamente racional, despido da cultura. No final do século XIX

e início do século XX, esta imagem foi novamente substituída pela imagem do ser

humano composto também pelos elementos culturais. A partir daí, foram

desenvolvidas pesquisas e análises, visando encontrar universais nas culturas por

uniformidades empíricas que, apesar das diversidades de costumes entre os povos

no espaço geográfico e no tempo, podiam ser percebidas em todas as culturas e,

praticamente, da mesma forma. Assim, Geertz (1989) destaca que a noção de um

consensus gentium, ou seja, a concordância de todos os povos em torno de

determinados valores e ideais, já estava presente no pensamento iluminista.

Ressalta que o desenvolvimento desta idéia na antropologia moderna iniciou-se com

a criação de Clark Wissler, nos anos 1920, do “padrão cultural universal”; progrediu

através da apresentação de uma lista de “tipos institucionais universais” no princípio

dos anos de 1940 por Bronislaw Malinowski; e culminou na elaboração de um

conjunto de “denominadores comuns da cultura” por G. P. Murdock durante o

período da Segunda Guerra Mundial.

Sobre este assunto, Geertz (1989) cita Clyde Kluckhohn, considerado por ele

um dos teóricos mais persuasivos do consensus gentium: “alguns aspectos da

cultura assumem suas forças específicas como resultado de acidentes históricos;

outros são modelados por forças que podem ser designadas corretamente como

universais.” (KLUCKHOHN apud GEERTZ, 1989, p.50).

Para que seja possível a concretização do consensus gentium, Geertz (1989)

aponta alguns requisitos que devem ser cumpridos, quais sejam, os universais

propostos devem ser substanciais e não categorias vazias; devem ser

especificamente fundamentados em processos particulares biológicos, psicológicos

ou sociológicos, e não vagamente associados a “realidades subjacentes”; e tais

universais devem ser, sobretudo, convincentemente defendidos como elementos

essenciais ao seres humanos; e as particularidades culturais devem ser vistas como

elementos de importância secundária.

De acordo com Geertz (1989), a abordagem do consensus gentium falha em

todos esses três itens, visto que, em vez de se mover em direção aos elementos

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essenciais à condição humana, a consensus gentium se move para longe deles.

Geertz (1989) assinala, por exemplo, que o primeiro requisito, segundo o qual os

universais propostos devem ser substanciais e não categorias vazias, depende de

dar a tais categorias algo de substancial em termos de conteúdo específico, uma vez

que afirmar que se trata de universais empíricos é afirmar que estes universais têm o

mesmo conteúdo, e isto é impossível diante do fato real inegável de que eles não

possuem. Assim, se o conceito de religião é definido de maneira geral e

indeterminada, então não se pode atribuir a essa orientação um conteúdo altamente

circunstancial, visto que se assim o fosse seria impossível abranger todas as

religiões.

De fato, o que compõe a orientação mais fundamental quanto à realidade entre os astecas arrebatados, que levantavam corações ainda pulsando, retirados vivos dos peitos dos humanos sacrificados em favor dos céus, não é o mesmo que a fundamenta entre os impassíveis Zuñi, ao dançarem em massa suas súplicas aos deuses benevolentes da chuva. (GEERTZ,1989, p.52).

É importante ressaltar que Geertz (1989) não nega que existam

generalizações que podem ser feitas sobre o homem como homem além da que ele

é um animal muito variado. Todavia, na opinião do antropólogo, tais generalizações

não podem ser realizadas através de pesquisas de opinião pública entre os povos

do mundo, visando encontrar um consensus gentium.

Segundo o autor, os universais culturais são criados como soluções

cristalizadas para abarcar as diversas realidades, configurando verdadeiras formas

institucionalizadas que possuem a intenção de serem compatíveis com todos os

diferentes sistemas culturais. Essa análise é construída a partir da combinação feita

entre os universais culturais abstratos e a realidade de cada povo. Culturalmente,

isso se dá em relação aos hábitos alimentares e aos processos de cura, por

exemplo.

O método é olhar as exigências humanas subjacentes, de uma ou outra espécie, e tentar mostrar que esses aspectos da cultura, que são universais, são, para usar novamente a menção de Kluckhohn, “modelados” por essas exigências. (GEERTZ,1989, p.54).

Geertz (1989) conclui que a perspectiva do consensus gentium não produz

universais substanciais nem ligações específicas suficientes entre os fenômenos

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cultural e não-cultural para explicá-los. Para o antropólogo, tais universais não

devem ser considerados como elementos centrais na definição do ser humano:

a noção de que, a menos que um fenômeno cultural seja empiricamente universal, ele não pode refletir o que quer que seja sobre a natureza do homem é tão lógica como a noção de que porque uma anemia celular não é, felizmente, universal, ela nada nos pode dizer sobre os processos genéticos humanos. (GEERTZ,1989, p.56).

Geertz (1989) acredita que todos os homens possuem a inata capacidade de

respostas gerais. Assim, quando não orientado pelos padrões culturais4, o

comportamento dos homens se torna ingovernável, configurado por “atos sem

sentido” e “explosão emocionais”. Dessa forma, os padrões culturais seriam

condição essencial para a existência humana, visto que guiariam o comportamento

humano. Não existe natureza humana independente da cultura. Sem a cultura, os

homens seriam “monstruosidades incontroláveis, com muito poucos instintos úteis,

menos sentimentos reconhecíveis e nenhum intelecto: verdadeiros casos

psiquiátricos.” (GEERTZ,1989, p.62).

Assim, Geertz (1989) conclui que sem os homens não haveria cultura,

todavia, sem cultura não haveria homens, visto que os homens são animais

incompletos e inacabados que se completam através da cultura.

Sobre a formação do atual ser humano através da cultura, Geertz (1989, p.59-

60) examina que:

na perspectiva atual, a evolução do homo sapiens – o homem moderno – a partir de seu ambiente pré-sapiens imediato, surgiu definitivamente há cerca de quatro milhões de anos, com o aparecimento do agora famoso Australopitecíneo [...] e culminou com a emergência do próprio sapiens, há apenas uns duzentos ou trezentos mil anos. [...] Isso significa que a cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer, a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal. [...] O aperfeiçoamento das ferramentas, a adoção da caça organizada e as práticas de reunião, o início da verdadeira organização familiar, a descoberta do fogo e, o mais importante, embora seja ainda muito difícil identificá-la em detalhe, o apoio cada vez maior sobre os sistemas de símbolos significantes (linguagem, arte, mito, ritual) para a orientação, a comunicação e o autocontrole, tudo isso criou para o homem um novo ambiente ao qual ele foi obrigado a adaptar-se. À medida que a cultura [...] acumulou-se e desenvolveu, foi concedida uma vantagem seletiva àqueles indivíduos da população mais capazes de levar vantagem – o caçador mais capaz, o colhedor mais persistente, o melhor ferramenteiro, o líder de mais recursos – até que o que havia sido o Australopiteco proto – humano [...] tornou-se o homo sapiens [...] totalmente humano. [...]

4 Geertz define “padrões culturais” como sistemas organizados de símbolos significantes.

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Submetendo-se ao governo de programas simbolicamente mediados para a produção de artefatos, organizando a vida social ou expressando emoções, o homem determinou, embora inconscientemente, os estágios culminantes do seu próprio destino biológico. Literalmente, embora inadvertidamente, ele próprio se criou.

Através das considerações acima, percebemos que o próprio ser humano,

ainda que inconscientemente, determinou, na sua evolução histórica, o seu “destino

biológico” através da cultura.

Geertz (1989) observa que entre nossas necessidades biológicas e nossas

decisões para suprir tais necessidades existe um vácuo que é preenchido pela

cultura. Pondera ainda que a fronteira entre o que é controlado de forma inata e o

que é controlado culturalmente no ser humano constitui um ponto obscuro,

indefinível.

Assim, alguns fatos são controlados de forma inata, sem necessidade de

interferência cultural como, por exemplo, a respiração humana. Outros fatos são

definidos substancialmente através dos padrões culturais como, por exemplo, rituais

de cura. O comportamento humano é algo complexo definido pela interação entre os

aspectos inatos e os culturais. Geertz (1989) dá como exemplo nossa capacidade de

falar que é inata, todavia, pondera que nossa capacidade de falar inglês é

conseqüência do aspecto cultural que também faz parte da composição do

comportamento humano. Para Geertz (1989, p.62), “nossas idéias, nossos valores,

nossos atos, até mesmo nossas emoções são produtos culturais, na verdade,

produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades e disposições com as

quais nascemos.”. Nas palavras do antropólogo:

o que os homens são, acima de todas as outras coisas, é variado. Quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas. Os padrões culturais envolvidos não são gerais, mas específicos – não apenas o “casamento”, mas um conjunto particular de noções sobre como são os homens e as mulheres, como os esposos devem tratar uns aos outros, ou quem deve casar-se com quem. (GEERTZ,1989, p.64).

Dessa forma, o ser humano não deve ser analisado e definido apenas pelo

seu aspecto inato, racional como fez o Iluminismo, nem só pelo seu comportamento

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real, cultural como tende fazer a ciência social contemporânea, mas sim pela

interação que há entre estes dois aspectos, inato e cultural. Ademais, é importante

ressaltar que a cultura nos modelou não apenas como espécie única (assim como

continua modelando), como também interfere diretamente na formação de cada um

de nós como seres humanos.

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4 OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS E INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS REFERENTES À DIVERSIDADE CULTURAL

4.1 A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776 foi o

primeiro documento político que proclamou a existência de direitos inerentes a todos

os homens, sem distinção. Treze anos após a Revolução Americana, a idéia de

direitos intrínsecos a todos os seres humanos foi reafirmada na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, conforme o artigo 1º desta: “os homens

nascem e permanecem livres e iguais em direitos [...]” (Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, 1789, p.1) 5.

Nos próprios discursos pronunciados durante a Assembléia Nacional

Francesa ficou claro o desenvolvimento, neste período, da idéia de Direitos

Humanos universais, pertencentes à própria natureza humana.

Nos debates da Assembléia Nacional Francesa sobre a redação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), multiplicaram-se as intervenções de deputados nesse sentido. Démeunier afirmou, na sessão de 3 de agosto, que “esses direitos são de todos os tempos e de todas as nações”. Mathieu de Montmorency repetiu, em 8 de agosto: “os direitos do homem em sociedade são eternos, [...] invariáveis como a justiça, eternos como a razão; eles são de todos os tempos e de todos os países”. Pétion, que foi maire de Paris, considerou normal que a Assembléia se dirigisse a toda a humanidade: “não se trata aqui de fazer uma declaração de direitos unicamente para a França, mas para o homem em geral”. (COMPARATO, 2005,p.111).

Apesar de a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América

ter sido o primeiro documento sobre o assunto, foi a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789 que gerou maior repercussão no cenário

internacional.

5 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos_homem_cidad.html. Acesso em 25.03.2008.

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Com as Declarações provenientes das Revoluções Francesa e Americana

iniciou-se a fase de positivação dos Direitos Humanos no âmbito internacional.

4.2 O Pós Segunda Guerra Mundial e a Carta Internacional dos Direitos Humanos das Nações Unidas

Conforme analisado no item anterior, antes mesmo da criação das Nações

Unidas e da adoção da Carta Internacional de Direitos Humanos da ONU, já se

reconheciam determinados direitos como intrínsecos aos seres humanos

universalmente, conforme se verificou na Declaração de Independência dos Estados

Unidos da América de 1776 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

de 1789. Todavia, o progresso a partir de 1945 foi enorme e os Direitos Humanos

tornaram-se assunto relevante na agenda internacional.

Após a Segunda Guerra Mundial, foi criada a Organização das Nações

Unidas (ONU)6 e adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948

que tinha como um dos principais objetivos promover a universalização da proteção

dos Direitos Humanos, dentre eles o direito à diversidade cultural. Uma das causas

que possibilitou esta grande preocupação em garantir a proteção universal dos 6 A Organização das Nações Unidas foi criada após a ratificação da Carta das Nações Unidas por dois terços dos cinqüenta Estados que participaram da Conferência de São Francisco. A Carta das Nações Unidas entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1945. A Organização das Nações Unidas é um organismo internacional criado com o objetivo de alcançar caráter universal na defesa e manutenção da paz mundial. Para isso, uma das principais finalidades desta organização é a defesa dos Direitos Humanos. Os principais organismos de proteção dos Direitos Humanos e, por conseguinte, de proteção à diversidade cultural, no sistema das Nações Unidas são: a Assembléia Geral que possui como funções precípuas zelar e examinar os objetivos da Organização das Nações Unidas; a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas; o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Corte Internacional de Justiça. Há ainda o Alto Comissariado para os Direitos Humanos criado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993 cuja função principal é promover e proteger o gozo de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas é considerada o principal órgão das Nações Unidas para a promoção da defesa dos Direitos Humanos e conta com uma ampla participação dos Estados-Membros nos processos decisórios, sendo desde 1946 um dos principais fóruns de discussão e negociação acerca da legislação de proteção internacional dos Direitos Humanos como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Diretos Civis e Políticos. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas é um órgão composto por dezoito especialistas independentes e tem como função precípua fiscalizar o cumprimento do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. E, por último, mas não menos importante, há a Corte Internacional de Justiça. Muitos tratados internacionais referentes aos Direitos Humanos contêm disposições que outorgam competência a esta Corte para se pronunciar sobre litígios entre dois ou mais Estados em relação à interpretação ou aplicação de disposições dos referidos tratados de Direitos Humanos.

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Direitos Humanos foram as atrocidades causadas pelo nazismo durante a Segunda

Guerra Mundial.

Após a Segunda Guerra Mundial, sentiu-se a necessidade da criação de mecanismos eficazes para proteger os Direitos Humanos nos diversos Estados. Já não se podia mais admitir o Estado nos moldes liberais clássicos de não-intervenção. O Estado está definitivamente consagrado como administrador da sociedade e convém, então, aproveitar naquele momento, os laços internacionais criados no pós-guerra para que se estabeleça um núcleo fundamental de Direitos Humanos Internacionais. (MAGALHÃES, 2002, p.50).

Apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos não ser um tratado

internacional, ou seja, não ser legalmente dotada de natureza obrigatória, esta

Declaração tornou-se um importante documento sobre os Direitos Humanos.

Tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação, que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nessas condições, costuma-se sustentar que o documento não tem força vinculante. Foi por essa razão, aliás, que a Comissão de Direitos Humanos concebeu-a, originalmente, como uma etapa preliminar à adoção ulterior de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto, como lembrado acima. Esse entendimento, porém, peca por excesso de formalismo. Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. (COMPARATO, 2005, p.223-224).

A adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948

representou a concretização da primeira parte da Carta Internacional dos Direitos

Humanos que é composta por esta Declaração que foi estabelecida pela Resolução

217-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de dezembro de 1948;

pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto

Internacional de Diretos Civis e Políticos, ambos adotados em 16 de dezembro de

1966 pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da resolução 2200-A (XXI);

e por protocolos adicionais a estes dois Pactos.

O Pacto Internacional de Diretos Civis e Políticos exige o cumprimento

imediato dos Direitos Humanos dispostos no seu conteúdo, enquanto o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê a aplicação

progressiva de suas cláusulas de proteção aos Direitos Humanos.

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Inicialmente, o projeto da Carta Internacional dos Direitos Humanos previa a

elaboração de apenas um Pacto. Todavia, dada as pressões do Ocidente,

modificou-se essa idéia original e foram elaborados os dois Pactos.

As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objetivo políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, “até o máximo dos recursos disponíveis” de cada Estado (Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art.2o, alínea 1). Essa divisão do conjunto dos direitos humanos em dois Pactos distintos é, em grande medida, artificial. Temos, assim, que o direito à autodeterminação dos povos é reconhecido, de forma idêntica, no artigo 1o de ambos os Pactos. De qualquer forma, os redatores estavam bem conscientes de que o conjunto dos direitos humanos forma um sistema indivisível, pois o preâmbulo de ambos os pactos é idêntico. A unidade essencial do sistema de direitos humanos foi, aliás, afirmada pela Resolução n.32/120 da Assembléia Geral da ONU, em 1968, e confirmada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, na Declaração de Viena. (COMPARATO, 2005, p.224).

Ressalta-se ainda que estes Pactos não devem ser vistos, apenas, como

complementação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo em vista

que em diversos pontos abrangem determinados direitos humanos de forma mais

específica e precisa que a própria Declaração, trazendo, inclusive, algumas

inovações.

O sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos ainda é

complementado por outros tratados setoriais de proteção e convenções regionais,

além de estar presente nas Constituições nacionais de diversos países.

Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, em operação nos planos global e regional, têm se inspirado em uma fonte comum, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, ponto de irradiação dos esforços em prol da realização do ideal de universalidade dos direitos humanos. Com efeito, referências expressas à Declaração Universal encontram-se significativamente, como já assinalado, nos preâmbulos não só das Convenções de direitos humanos das Nações Unidas, como também nos das Convenções regionais vigentes, - as Convenções Européia (1950) e Americana (1969) sobre Direitos Humanos, a Carta Árabe de Direitos Humanos (1968) e a Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos (1981). (TRINDADE, 2003a, p.28).

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Para Piovesan (2003), a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948

consolidou a perspectiva universalista dos Direitos Humanos e “o processo de

universalização dos direitos humanos permitiu, por sua vez, a formação de um

sistema normativo internacional de proteção destes direitos.” (PIOVESAN, 2003,

p.237).

4.3 Primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos – Teerã, 1968

Após vinte anos da adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos, foi

realizada entre os dias 22 de abril a 13 de maio de 1968, na capital do Irã, a Primeira

Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas com a finalidade de

avaliar a evolução do sistema global de proteção dos Direitos Humanos.

A Conferência Mundial de Teerã contou com a participação de 84 países e a presença de representantes de diversas organizações internacionais assim como organizações não-governamentais (ONGs). A Conferência adotou a célebre Proclamação de Teerã, uma avaliação das duas primeiras décadas de experiência da proteção internacional dos direitos humanos na era das Nações Unidas, além de 29 resoluções sobre questões diversas. (TRINDADE, 2003a, p.77-78).

Todas as resoluções elaboradas durante a Primeira Conferência Mundial de

Direitos Humanos em Teerã reforçaram a idéia já defendida em 1948 na Declaração

Universal dos Direitos Humanos de que os direitos humanos possuem caráter

universal.

Essas resoluções tinham como um dos principais objetivos promover a

proteção dos direitos humanos de forma conjunta, ou seja, sem distinção entre

direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, permitindo, desta

forma, o desenvolvimento da visão global sobre está matéria.

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4.4 Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos – Viena, 1993

A Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos foi realizada em Viena,

entre os dias 14 e 25 de junho de 1993 e teve como mensagem inaugural do

Secretário-Geral das Nações Unidas que:

[...] Os direitos humanos, a serem debatidos em Viena, constituíam “o irredutível humano”, isto é, “a quintessência dos valores” pelos quais afirmávamos a unidade da comunidade humana. Daí a universalidade dos direitos humanos, a partir da qual seriam os resultados desta Conferência julgados no futuro. Os direitos humanos constituíam, a um tempo, um “instrumento de referência” (a “linguagem comum da humanidade”) e um “processo de síntese” (“direitos em movimento”). (Mensagem inaugural do Secretário Geral das Nações Unidas apud TRINDADE, 2003a, p. p.235-236).

Assim como a Conferência de Teerã, a Conferência de Viena discutiu a

questão referente à universalidade dos Direitos Humanos consagrados, sobretudo,

na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

O resultado da Conferência de Viena foi a adoção da Declaração e Programa

de Ação de Viena em 25 de junho de 1993 que reconheceu em seu preâmbulo o

caráter intrínseco dos Direitos Humanos à natureza humana e corroborou, no seu

parágrafo 5º, a universalidade dos Direitos Humanos.

Apesar de a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 ter

expressamente reconhecido a universalidade dos Direitos Humanos, perceberemos

que, durante os debates da Conferência de Viena, conforme analisaremos no item

6.4 deste trabalho, ocorreram grandes divergências quanto a esta questão, não

sendo este até hoje um assunto pacífico no cenário internacional.

4.5 A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e as principais declarações sobre a proteção do direito à diversidade cultural

A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), criada em 1945, é uma das instituições das Nações responsáveis pelo

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aprimoramento mundial na educação, nas ciências, cultura e comunicação. A

UNESCO é a única agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que possui

como uma das suas funções precípuas a promoção da proteção à diversidade

cultural. Este papel da UNESCO é reforçado pelo conteúdo presente na Constituição

desta instituição, adotada em 16 de novembro de 1945, na cidade de Londres.

De acordo com o Relatório do Diretor-Geral da UNESCO de 1947, a

finalidade desta instituição é

assegurar a orquestração de diferentes culturas, não rumo à uniformidade, mas, sim, à unidade na diversidade, para que os seres humanos não se fechem em suas próprias culturas, mas que compartilhem as riquezas de uma única cultura mundial diversificada (Relatório do Diretor-Geral, 1947, p.19)7.

A UNESCO busca não apenas o reconhecimento da diversidade cultural, mas

também o aprimoramento do diálogo intercultural, o respeito pelos direitos culturais,

a promoção do pluralismo, a preservação do patrimônio cultural e a garantia do

direito de todos em participar da vida cultural, conforme expresso no artigo 27 da

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Na Conferência Geral da UNESCO de 1966, foi adotada a Declaração dos

Princípios de Cooperação Cultural Internacional na qual foram consagrados

importantes princípios como o respeito aos valores e dignidade de cada cultura; o

direito de cada povo de desenvolver a própria cultura; e a cooperação cultural como

um direito e um dever de todos os povos e de todas as nações.

No ano de 1982 foi realizada, na Cidade do México, a Conferência Mundial

sobre Políticas Culturais, conhecida como MONDIACULT. Nessa Conferência foram

discutidas questões referentes à proteção a diversidade cultural. A partir dessa

Conferência foi elaborada a Declaração Final da Conferência da UNESCO sobre

Políticas Culturais através da qual a UNESCO definiu o conceito de cultura como:

[...] o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, o modo de vida, a maneira de viver junto, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. (Declaração Final

7 Relatório do Diretor-Geral da UNESCO de 1947. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/05/diversidade_unesco.pdf. Acesso em 20 de março de 2008.

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da Conferência da UNESCO sobre Políticas Culturais, 1982, p. 38, tradução nossa).8

Esse conceito de cultura foi, posteriormente, corroborado pela Comissão

Mundial de Cultura e Desenvolvimento em 1995, pela Conferência

Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento em Estocolmo

no ano de 1998 e pela Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da

UNESCO em 2001.

O MONDIACULT representou um importante passo no processo de

compreensão da importância cultural no universo humano, do respeito à diversidade

e do diálogo intercultual.

Em 2001, foi realizada a 31ª reunião da Conferência Geral da UNESCO, a

primeira reunião desta instituição após os atentados de 11 de setembro no Estados

Unidos da América. Esta reunião representou o fortalecimento pelos membros da

UNESCO de suas convicções sobre a idéia de que o respeito à diversidade cultural

e ao diálogo intercultural configuram importantes instrumentos para o

estabelecimento e manutenção da paz entre os vários povos do globo.

Após a 31ª reunião da Conferência Geral da UNESCO, foi adotada a

Declaração Universal sobre Diversidade Cultural da UNESCO que estabeleceu a

diversidade cultural como “patrimônio comum da humanidade”.

Artigo 1 da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural da UNESCO – A diversidade cultural, patrimônio comum da humanidade: a cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em beneficio das gerações presentes e futuras. (Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, 2001, p.3)9

Após a adoção da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, no dia 02

novembro de 2001, a Assembléia Geral das Nações Unidas estabeleceu, através da

8 Final Report of the World Conference on Cultural Policies. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0005/000525/052505eo.pdf. Acesso em: 25.03.2008. “[...] the set of distinctive spiritual, material, intellectual and emotional features of society or a social group, and that it encompasses, in addition to art and literature, lifestyles, ways of living together, value systems, traditions and beliefs.” 9 Declaração Universal sobre Diversidade Cultural da UNESCO. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf. Acesso em: 25.03.2008.

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Resolução 57/249, o dia 21 de maio como o Dia Mundial da Diversidade Cultural

para o Diálogo e o Desenvolvimento. Este dia representa uma importante

oportunidade para o aprimoramento do diálogo intercultural e do respeito entre as

mais diversas concepções culturais.

Durante os dias 03 a 21 de outubro de 2005, foi realizada, na cidade de Paris,

a 33ª reunião da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para

Educação, a Ciência e a Cultura. Após esta reunião, foi adotada, no dia 20 de

outubro de 2005, a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das

Expressões Culturais. A principal finalidade desta Convenção foi reforçar

normativamente, na esfera internacional, o conteúdo previsto na Declaração

Universal sobre a Diversidade Cultural, adotada em 2001.

A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões

Culturais é vista pela UNESCO como um caminho a ser traçado para se alcançar o

respeito ao pluralismo através do diálogo entre as variadas culturas.

[...] a diversidade cultural é uma característica essencial da humanidade, [...] patrimônio comum da humanidade, a ser valorizado e cultivado em benefício de todos [...] a diversidade cultural cria um mundo rico e variado que aumenta a gama de possibilidades e nutre as capacidades e valores humanos. (Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005, p.2). 10

Conforme prescrito no artigo 1, alguns dos principais objetivos propostos por

essa Convenção são:

proteger e promover a diversidade das expressões culturais; criar condições para que as culturas floresçam e interajam livremente em benefício mútuo; encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâmbios culturais mais amplos e equilibrados no mundo em favor do respeito intercultural e de uma cultura da paz; fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a interação cultural, no espírito de construir pontes entre os povos; promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a conscientização de seu valor nos planos local, nacional e internacional [...]; reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados; reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas que considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seu território; fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um espírito de parceria visando, especialmente, o aprimoramento das capacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de promoverem a diversidade das expressões culturais.

10 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001497/149742por.pdf. Acesso em: 25.03.2008.

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(Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005, p.4).11

Uma importante inovação dessa Convenção foi trazer a definição da

UNESCO para expressões relevantes no estudo da cultura como, por exemplo,

“diversidade cultural”, “proteção” e “interculturalidade”:

"Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. "Proteção" significa a adoção de medidas que visem à preservação, salvaguarda e valorização da diversidade das expressões culturais. "Proteger" significa adotar tais medidas. "Interculturalidade" refere-se à existência e interação eqüitativa de diversas culturas, assim como à possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo. (Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005, p.6).12

Por todo exposto, concluímos que a UNESCO é uma das principais

instituições do cenário internacional no que se refere à promoção e desenvolvimento

do diálogo intercultural e respeito às diferenças culturais, ou seja, na proteção do

direito à diversidade cultural.

11 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001497/149742por.pdf. Acesso em: 25.03.2008. 12 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001497/149742por.pdf. Acesso em: 25.03.2008.

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5 A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA DOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL

A idéia de que todos os homens possuem características e direitos comuns

naturais não é nova na história da humanidade e foi muito bem explicitada por

Friedrich Engels em um trecho da sua obra Anti-Dühring de 1878:

a crença de que todos os homens, pelo simples fato de sê-lo, têm alguma coisa de comum que os torna iguais, na proporção em que exista esse ponto comum, é naturalmente antiqüíssima. [...] Foi preciso que muitos milhares de anos passassem e, de fato, passaram, antes que aquela idéia primitiva da igualdade relativa inspirasse, como um corolário, a idéia da igualdade dentro da sociedade e do Estado e muito mais tempo seria preciso até que esta dedução se impusesse como algo evidente e natural. Nas velhas comunidades naturais, somente se podia falar de igualdade, de fato, entre os membros da mesma coletividade; as mulheres, os escravos, os estrangeiros, ficam excluídos, naturalmente, desta comunidade, e essa exclusão era considerada como perfeitamente natural. Na Grécia e em Roma, as desigualdades entre os homens tinham muito mais força que qualquer forma de igualdade. E se ocorresse a alguém dizer, então, que os gregos e bárbaros, os livres e os escravos, os cidadãos do Estado e os estrangeiros acolhidos sob a sua proteção, os cidadãos romanos e os súditos de Roma (para empregar um termo geral) eram merecedores de um mesmo tratamento político, deveria essa pessoa passar por louca aos olhos dos antigos; no Império Romano, estas desigualdades foram desaparecendo pouco a pouco, com exceção apenas da que separava os escravos dos homens livres, surgindo então entre estes últimos aquele sistema de igualdade baseado no qual se desenvolveu o Direito Romano, a mais perfeita expressão que se conhece de um Direito cimentado sobre a instituição da propriedade privada. Mas, embora subsistisse a distinção entre os homens livres e os escravos, não havia razão para falar dos corolários jurídicos derivados da igualdade de todos os homens; até há pouco tempo, podia-se ainda observar este fenômeno nos Estados escravistas da América do Norte. (ENGELS, 2006, p.362).

De acordo com a tradicional perspectiva universalista, os Direitos Humanos

decorreriam da dignidade humana, enquanto valor intrínseco à condição humana

sendo, portanto, universais. Seriam ainda perceptíveis por todos os indivíduos

através da razão, traço também inerente a todos os seres humanos.

Assim, a visão universalista dos Direitos Humanos possui como substrato

fundamental a crença em valores, julgamentos morais e escolhas comportamentais

aplicáveis de forma absoluta a todos os seres humanos, indistintamente.

Algumas das principais características da concepção universalista

explicitadas pelo pesquisador norte-americano John Searle (1995) são, primeiro,

considerar que a realidade existe independentemente das representações humanas

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mentais e lingüísticas criadas através das crenças e julgamentos, ou seja, a

existência da realidade não depende das representações construídas pelos seres

humanos.

Segundo, entende que a verdade existe independentemente da percepção

humana, não sendo, desta forma, construída a partir de pontos de vista ou

convenções coletivas. O julgamento se aproximaria da verdade à medida que se

aprimorasse a descrição desta.

Terceiro, o conhecimento é objetivo e universal, restringindo-se, desta forma,

ao descobrimento e descrição dos fatos e fenômenos do mundo através da razão.

Alcançar as verdades do mundo consistiria em promover representações precisas

das realidades que, por sua vez, têm existência independente das representações.

O conhecimento da realidade não dependeria de ações ou impressões subjetivas de

observadores específicos. Alcançar as verdades (conhecimentos) do mundo

consistiria, basicamente, em descobrir e bem representar as realidades

independentes.

De acordo com Donnelly (2003), pesquisador e professor norte-americano

que defende a tese universalista, os Direitos Humanos são todos os direitos que o

indivíduo possui pelo simples fato de ser humano.

Se os direitos humanos são os direitos que se têm apenas como ser humano, como são considerados geralmente, então são desfrutados “universalmente” por todos os seres humanos. Além disso, sendo direitos morais preeminentes, regem (ou deveriam reger) as estruturas básicas e as práticas da vida política e, em circunstâncias comuns, têm (ou deveriam ter) prioridade sobre as pretensões morais, legais e políticas concorrentes. Essas dimensões refletem o que podemos chamar de universalidade moral dos direitos humanos. Os direitos humanos são moralmente anteriores e superiores à sociedade e ao Estado. Nas áreas e atividades protegidas pelos direitos humanos, o indivíduo é “soberano”. (DONNELLY, 2006, p.443).

Assim, Donnelly (2003) conclui que:

Eles [Direitos Humanos] também são assegurados universalmente contra todos as demais pessoas e instituições. Sendo os mais elevados direitos morais, eles regulam as estruturas e práticas fundamentais da vida política, e nas circunstâncias ordinárias, eles possuem prioridade sobre as alegações morais, legais e políticas. (DONNELLY, 2003, p.1, tradução nossa).13

13 “They also hold “universally” against all other persons and institutions. As the highest moral rights, they regulate the fundamental structures and practices of political life, and in ordinary circumstances they take priority over other moral, legal and political claims.”

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Na opinião de Comparato (2005), caso fosse admitido, na esfera

internacional, que um Estado pudesse criar direitos humanos, e não apenas

reconhecer a existência destes, seria também possível a supressão ou alteração dos

Direitos Humanos pelo Estado. Isso seria, na opinião do autor, um absurdo, visto

que a possibilidade de criação e supressão dos Direitos Humanos por Estados

levaria à impossibilidade de considerá-los naturalmente inerentes a todos os seres

humanos e, por via de conseqüência, universais.

Conduziria à impossibilidade de se lhes atribuir o caráter de exigências postas por normas universais, sem as quais, como salientou Kant, não há ética racionalmente justificável. Não se trataria, logicamente falando, de atributos inerentes à condição humana, mas unicamente a determinada nacionalidade. (COMPARATO, 2005, p.59).

Em consonância com o pensamento de Donnelly (2003), para Comparato

(2005) os Direitos Humanos consagrados universalmente são indiscutíveis,

inalteráveis e não podem ser suprimidos do plano nacional e internacional, nem

pelos Estados nem pelas organizações internacionais.

[...] Eles [Direitos Humanos] se impõem, pela sua própria natureza, não só aos Poderes Públicos constituídos em cada Estado como a todos os Estados no plano internacional, e até mesmo ao próprio Poder Constituinte, à Organização das Nações Unidas e a todas as organizações regionais de Estados, é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais, por via de novas regras constitucionais ou convenções internacionais. (COMPARATO, 2005, p.59).

Donnelly (2003) ainda acrescenta que os Direitos Humanos são inalienáveis,

ninguém pode deixar de ser humano por pior que seja ou por quão barbaramente

seja tratado.

Por todo exposto, é importante ressaltar que a perspectiva universalista é,

basicamente, fundamentada nos ideais da moralidade cristã e da racionalidade

ocidental, oriundas do período do Renascimento e do Iluminismo.

Assim, alguns dos principais pressupostos da perspectiva universalista dos

Direitos Humanos possuem suas raízes no pensamento Iluminista. Dessa forma,

para melhor compreender a racionalização dos Direitos Humanos, é interessante

ressaltar as principais características provenientes do Iluminismo.

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O Iluminismo surgiu na França durante o século XVII e pregava o predomínio

da razão sobre a visão teocêntrica que preponderava na Europa desde a Idade

Média. Esse movimento representou o apogeu das transformações culturais,

científicas, sociais e políticas iniciadas no século XIV pelo Renascimento. Segundo

os pensadores iluministas, as crenças religiosas e o misticismo impediam o

desenvolvimento da espécie humana. Através da razão, os seres humanos seriam

capazes de se iluminar e alcançar o verdadeiro conhecimento. A razão era, dessa

forma, o principal instrumento para se atingir a sabedoria, permitindo aos homens

compreender melhor a natureza.

O auge deste movimento ocorreu no século XVIII que ficou conhecido como o

Século das Luzes. O Iluminismo influenciou a Revolução Francesa, Americana e a

elaboração da Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Um dos principais filósofos iluministas que influenciou profundamente as

bases de formação da perspectiva universalista foi Immanuel Kant. No próximo

tópico, será analisada a influência do pensamento de Kant na formulação e

desenvolvimento da perspectiva universalista dos Direitos Humanos.

5.1 A doutrina de Immanuel Kant e o universalismo dos Direitos Humanos

O fundamento do conceito ocidental de direitos humanos vincula-se à noção

de natureza humana universal. Como esclarece Panikkar (2000), essa noção surge

a partir da consideração de que há uma natureza humana cognoscível, através da

qual existe uma igualdade entre todos aqueles dotados de razão. Esta idéia possui

uma forte influência da filosofia kantiana como veremos a seguir.

Como primeiro passo para análise da universalidade a partir do princípio

supremo da moralidade kantiana é essencial o delineamento do que significa boa

vontade para Kant (1995). A boa vontade é o bom em si mesmo, sem limitações.

A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é em si mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser, da

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soma de todas as inclinações. [...] ela ficaria brilhando por si mesma como uma jóia, como alguma coisa que em si mesma tem seu pleno valor. (KANT, 1995, p.23).

Portanto, a boa vontade encontra em si mesma o valor supremo,

independente de fatores externos como paixões, desejos e interesses. Não há uma

preocupação com o resultado que advirá de uma “boa vontade”, pois sendo ela boa

em si mesma, não há que se analisar o que poderá advir numa ação resultante, a

atenção se volta para a própria ação. A vontade será boa quando ditada pelos

cânones da razão prática e, por isso, meios e fins serão coincidentes.

A razão prática moral kantiana é a faculdade que temos de agir de acordo

com os princípios14 ou máximas15. Só será moral e aceito como tal a ação cujo

conteúdo da máxima que a exprime possa ser universalmente aceito por todos os

seres racionais.

Na sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes de 1785, Kant

(1995) defendeu a existência de um princípio supremo da moralidade que conduziria

incondicionalmente o agir dos seres humanos através da racionalidade inerente a

todos os homens.

O princípio supremo da moralidade kantiano é denominado imperativo

categórico e foi formulado com base nos juízos puramente racionais, ou seja,

aqueles formulados sem considerar elementos provenientes da experiência16. Por

isso, pode-se dizer que o princípio supremo da moralidade é formal.

Caso o princípio supremo da moralidade contivesse elementos provenientes

da experiência, esse não teria um caráter universal que fosse válido para todos os

seres racionais. Kant (1995) parte do pressuposto de que todos os homens, seres

racionais, possuem, naturalmente, consciência do dever moral. Assim, todos os

seres racionais podem intuir o dever moral pelo imperativo categórico.

Kant (1995) expressa o imperativo categórico, na sua obra Fundamentação

da Metafísica dos Costumes, da seguinte forma “age apenas segundo uma máxima

14 Para Kant “princípio é o conhecimento que dá fundamento a outro conhecimento. É a priori quando seu fundamento é a própria razão. É, nesse sentido, o começo da série do conhecimento.” (SALGADO, 1995, p.195). 15 Kant, em Fundamentação da Metafísica dos Costumes define máxima como “o princípio subjectivo da acção, [...] e é portanto o princípio segundo o qual o sujeito age; a lei, porém, é o princípio objectivo, válido para todo o ser racional, princípio segundo o qual ele deve agir, quer dizer um imperativo.” (KANT, 1995, p.23). 16 Diferentemente do imperativo categórico, os imperativos hipotéticos possuem na formulação elementos da experiência.

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tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” (KANT, 1995,

p.59).

Dessa forma, através do imperativo categórico kantiano e utilizando a nossa

razão, poderíamos identificar quais ações são moralmente boas e adequadas para

agirmos de acordo. “Se a acção é representada como boa em si, por conseguinte

como necessária numa vontade em si, conforme a razão como princípio dessa

vontade, então o imperativo é categórico.” (KANT, 1995, p.50).

O elemento fundamental da filosofia kantiana no que se refere à moral é a

possibilidade de universalização. O valor moral da ação reside no fato de a vontade

determinante da ação ser independente de qualquer inclinação17.

O imperativo categórico não ordena um meio com relação a um fim e sim

determina, de modo incondicionado, a maneira segundo a qual devemos agir, visto

que o próprio imperativo categórico é o fim da ação. O imperativo categórico é válido

para todos os indivíduos indistintamente “age de tal maneira que uses a

humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e

simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” (KANT, 1995, p.69).

O imperativo é categórico porque ordena incondicionalmente; e ordena

incondicionalmente porque exprime uma universalidade absoluta; e, para exprimir

essa universalidade absoluta tem de ser formal, independente de todo conteúdo, de

todos os valores pessoais, sociais ou culturais.

A razão é o elemento primordial que distingue os homens dos animais e tem

no homem, como função fundamental, a moralidade. Dado que todos os seres

humanos possuem a mesma racionalidade, e por conseqüência, mesma moralidade,

haveria direitos humanos universais que deveriam ser seguidos e respeitados por

todos. As diferentes lógicas provenientes dos diversos sistemas culturais não

justificariam práticas culturais antagônicas a esta racionalidade e moralidade

próprias de todos os seres humanos.

Dessa forma, conclui-se que, a partir dos pressupostos kantianos, seria

possível atingir um determinado padrão de comportamento comum para todas as

sociedades, ou seja, um padrão universal de Direitos Humanos, baseado na

racionalidade inerente a todos seres humanos, segundo a qual todas as culturas 17 Kant (1995), em Fundamentação da Metafísica dos Costumes, define inclinação como “a dependência em que a faculdade de desejar está em face das sensações; a inclinação prova sempre portanto uma necessidade. Chama-se interesse a dependência em que uma vontade contingentemente determinável se encontra em face dos princípios da razão.” (KANT, 1995, p.49).

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deveriam estar de acordo para serem consideradas apropriadas e legítimas no

sistema internacional.

5.2 A perspectiva universalista de direitos humanos sob a visão de Antônio Augusto Cançado Trindade

Em consonância com os ideais da visão universalista dos Direitos Humanos,

para Trindade (2003a), há determinados valores que compõem “padrões mínimos

universais de comportamento e respeito ao próximo” que formam a “consciência

universal” dos indivíduos, servindo de substrato para a vida em sociedade. Tais

padrões tiveram origem, como visto anteriormente neste trabalho, nas Declarações

do século XVII e XVIII e no próprio pensamento Iluminista.

Trindade (2003a) acredita que, apesar de ter havido forte influência ocidental

na formação dos Direitos Humanos, estes possuem, atualmente, caráter

eminentemente universal18, tendo como principal respaldo a Declaração Universal

dos Direitos Humanos de 1948.

A Declaração Universal de 1948 alcançou um determinado grau de universalidade que a tornou aceita por seres humanos de todas as civilizações e culturas, - a ponto de seu elenco de direitos consagrados vir a permear gradualmente as Constituições nacionais, e a ser invocado ante tribunais nacionais, de numerosos países de todo o mundo. A Declaração Universal tornou-se possível, apesar das distintas cosmovisões dos seres humanos e de sua diversidade cultural. A universalidade da Declaração de 1948 erigiu-se, com efeito, no respeito a estas distinções e à diversidade do gênero humano, subjacente à proclamação de direitos inerentes à pessoa humana. (TRINDADE, 2003b, p. 307).

O autor observa ainda que este caráter inequivocamente universal dos

Direitos Humanos foi reforçado nas duas Conferências Mundiais de Direitos

Humanos, a primeira realizada em Teerã no ano de 1968 e a segunda em Viena no

ano de 1993.

Assim como para Donnelly (2003) e Comparato (2005), Trindade (2003b)

defende a idéia de que a universalidade dos direitos humanos se fundamenta no fato

18 Ressalto que este assunto acerca do caráter universal ou ocidental dos Direitos Humanos será discutido de forma mais detalhada no capítulo 6 deste trabalho.

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de tais direitos serem inerentes a todos os seres humanos, independentemente da

diversidade cultural, constituindo a própria natureza humana, sendo anteriores ao

Estado, a toda forma de organização política e à própria unidade do gênero humano.

No dizer de Boutros-Ghali, a “adequação dos direitos à evolução da História” não há de alterar o que é de sua própria essência, sua universalidade. A universalidade, [...], “não se decreta, [...] não é a expressão da dominação ideológica de um grupo de Estados sobre o resto do mundo”; a universalidade é antes “inerente aos direitos humanos.” (TRINDADE, 2003a, p.37).

Dessa forma, para Trindade (2003a), os Direitos Humanos são superiores a

todos os outros e obrigam a todas as pessoas, instituições e governos, prevalecendo

em relação a qualquer argumento político, jurídico, moral, religioso ou cultural.

Ademais, segundo Trindade (2003b), em decorrência da sua universalidade, os

Direitos Humanos geram obrigações erga omnes, tanto na esfera intra como

internacional.

O autor considera que cada cultura possui sua própria maneira de

compreender os direitos humanos e que tal diferença representa um enriquecimento

intercultural. Para Trindade (2003b), a diversidade cultural não é uma barreira para a

concretização da universalidade dos direitos humanos e, desta feita, não é

admissível a utilização, por quem quer que seja, de determinadas tradições culturais

para justificar violações aos Direitos Humanos.

Um dos aspectos dos problemas que ora nos ocupa, da universalidade dos direitos humanos e dos "particularismos" culturais, é de índole distinta. Não há que perder de vista a invocação indevida de "particularismos" culturais para fins políticos. Não raro, em nome destes, tem se cometido abusos contra os direitos humanos, por parte de "elites" políticas manipuladoras que sequer seguem as práticas culturais que invocam. Há que examinar a questão a luz das circunstancias de cada caso concreto; em outras circunstancias, a invocação da cultura pode ser sincera. (TRINDADE, 2003b, p.321-322).

Segundo Trindade (2003b), cada cultura representa as aspirações humanas.

A cultura é uma forma de comunicação de cada indivíduo com a realidade exterior

que o cerca. Nenhum sistema cultural possui a “verdade última”. Assim, deve haver

o respeito intercultural, visto que todas as culturas são importantes para a formação

da compreensão que cada ser humano tem do mundo. A diversidade cultural

enriquece a universalidade dos direitos humanos e deve ser, na perspectiva

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adequada, considerada como elemento essencial e constitutivo da própria

universalidade. Contudo, Trindade (2003b) ressalta que todas as culturas devem

sempre estar de acordo com os valores básicos dos Direitos Humanos universais.

Subsiste, a nosso ver, um mínimo irredutível que corresponde a valores universais, para cujo reconhecimento contribuíram muitas culturas de modos distintos. Os direitos fundamentais inderrogáveis, acompanhados das respectivas garantias e dos princípios gerais do direito, compõem este mínimo universal. As conquistas logradas que levaram ao seu reconhecimento universal não admitem retrocessos. Nada obsta a que as culturas se adaptem para incorporar certos padrões de conduta a ampliar o mínimo universal. Face ao núcleo de direitos fundamentais inderrogáveis não há como invocar "particularismos" regionais ou culturais. (TRINDADE, 2003b, p.383).

Para Trindade (2003b), a universalidade é encontrada a partir das

particularidades do gênero humano e se manifesta através da “consciência

universal”. Assim, nesta perspectiva, os "particularismos" regionais não atingem os

direitos consagrados universalmente, “os inderrogáveis, acrescidos das garantias

fundamentais e das normas atinentes ao padrão mínimo de tratamento humanitário".

(TRINDADE, 2003b, p.349).

Nos últimos anos, vêm-se envidando esforços meritórios no sentido de, a partir da diversidade cultural, buscar um denominador comum mínimo entre as distintas culturas do mundo, para então ampliá-lo mediante um "cross-cultural dialogue", enriquecido pela legitimidade cultural universal dos direitos humanos. Este enfoque da matéria - cujo propósito é o de ampliar e aprofundar o consenso universal sobre os direitos humanos - pressupõe que os indivíduos, assim como as sociedades que integram, compartilham certos interesses e preocupações e valores básicos, desvendando o quadro geral para a conformação de uma cultura comum dos direitos humanos universais. Assim, a busca da universalidade dos direitos humanos requer a identificação e o cultivo de suas "cross-cultural foundations". (TRINDADE, 2003b, p.310).

De acordo com Trindade (2003b), existe um denominador comum entre todas

as culturas que revela o reconhecimento por todas da dignidade humana. Assim, o

respeito pelo próximo é um principio básico e fundamental existente em todas as

culturas, crenças e religiões.

Se cada indivíduo enxergasse o seu próximo como semelhante, tratasse os

demais seres humanos como iguais, com o respeito que ensinam todas as religiões,

não haveria como alegar "particularismos" para confrontar a existência da

universalidade dos direitos humanos.

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Os direitos humanos universais encontram respaldo na espiritualidade de todas as culturas e religiões, estão arraigados no próprio espírito humano; como tais, não constituem a expressão de uma determinada cultura (ocidental ou qualquer outra), mas sim, em nosso entender, da própria consciência jurídica universal. No domínio da proteção dos direitos humanos, todos os avanços mencionados, devidos às manifestações desta consciência jurídica universal, se têm dado em meio à diversidade cultural. As manifestações culturais (ante o mistério da vida e da morte) não constituem obstáculos a prevalência dos direitos humanos, mas muito ao contrário: o substratum cultural das normas de proteção do ser humano em muito contribui para assegurar sua eficácia. Tais manifestações culturais são como pedras sobrepostas com as quais se ergue a universalidade dos direitos humanos. (TRINDADE, 2003b, p.372-373).

Trindade (2003b) acredita que a descrença nos ideais iluministas, sobretudo

em relação à aplicação da razão como condição humana, promove a degeneração

dos processos cognitivos e dificulta a aceitação da universalidade dos Direitos

Humanos.

O autor também defende que os Direitos Humanos universais não devem ser

considerados numa dimensão, essencialmente, estática, mas sim dinâmica, sendo

consagrados de tal forma que as gerações futuras não tenham que enfrentar mais

violações contra tais direitos.

O gênero humano, ou seja, a unidade do gênero humano deve, pois, em nosso entender, ser mais bem apreciada em sua dimensão essencialmente temporal (e não estática), abarcando do mesmo modo também as gerações futuras (que começam a atrair a atenção da doutrina contemporânea do direito internacional). Ninguém ousaria negar o dever que temos, os seres vivos, de contribuir a construir um mundo em que as gerações futuras se vejam livres das violações dos direitos humanos que vitimaram seus predecessores (a garantia de não repetição de violações passadas). (TRINDADE, 2003b, p. 361).

Para que o ideal de respeito aos Direitos Humanos universais seja alcançado,

Trindade (2003b) considera que é fundamental o aprofundamento da solidariedade

existente entre os diversos povos, não só na sua dimensão espacial como também

temporal, tendo sempre como base o pensamento contemporâneo de inerência dos

Direitos Humanos universais a todo ser humano.

O despertar e a evolução da consciência humana têm acompanhado pari passu a evolução da condição humana. Os avanços nesta linha se devem aos esforços das gerações que se sucedem no tempo. É graças à consciência humana que se cultiva e se enriquece o universo dos verdadeiros valores, e que se fomenta a solidariedade humana. (TRINDADE, 2003b, p.497).

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Para Trindade (2003b), a diversidade cultural deve ser preservada

considerando o grande papel que a cultura realiza na vida de cada ser humano, a

cultura auxilia o indivíduo a encontrar um sentido para a própria existência, e, por

conseqüência, aprofunda o sentimento de solidariedade existente entre os homens.

Os direitos culturais, longe de questionarem a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, contribuem para a criação de uma cultura universal dos direitos humanos. Muitos tratados de direitos humanos têm sido ratificados por Estados com as mais diversas culturas, o que reforça sua universalidade. A diversidade cultural jamais obstaculizou a formação de um núcleo universal de direitos fundamentais inderrogáveis, consagrado em muitos tratados de direitos humanos. (TRINDADE, 2003b, p.393).

Segundo Trindade (2003b), a diversidade cultural é fonte do universalismo

dos Direitos Humanos e jamais impossibilitou a defesa contra crimes a esta

diversidade. O sofrimento humano constitui um guia seguro para a percepção e para

o combate às práticas contrárias aos Direitos Humanos universais, ainda que tais

práticas estejam arraigadas a determinados padrões de comportamento culturais.

Assim, para Trindade (2003b), a análise do sofrimento humano é um instrumento

indispensável para distinguir os comportamentos culturais razoáveis dos

inaceitáveis.

Para este autor, a universalidade dos Direitos Humanos se fundamenta na

aceitação por todas as culturas da dignidade do ser humano. Desta forma, a

universalidade nasce da consciência jurídica universal e representa a expressão

plena da unidade e similitude do gênero humano que há em toda diversidade

cultural.

A universalidade dos direitos humanos decorre de sua própria concepção, ou de sua captação pelo espírito humano, como direitos inerentes a todo ser humano, e a serem protegidos em todas e quaisquer circunstâncias. Não se questiona que, para lograr a eficácia dos direitos humanos universais, há que tomar em conta a diversidade cultural. (TRINDADE, 2003b, p.416).

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6 DIREITOS HUMANOS: UNIVERSAIS OU OCIDENTAIS?

Uma das principais críticas à concepção universalista dos Direitos Humanos

está pautada na idéia de que esta última seria, na realidade, não uma perspectiva

universal dos Direitos Humanos, mas sim ocidental. A origem histórica dos direitos

humanos é ocidental. A universalidade dos Direitos Humanos pode ser

compreendida como um traço da cultura ocidental baseada na moralidade cristã.

Todas as culturas tendem a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes, mas apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como universais. Por isso mesmo, a questão da universalidade dos Direitos Humanos trai a universalidade do que questiona pelo modo como o questiona. Por outras palavras, a questão da universalidade é uma questão particular, uma questão específica da cultura ocidental. (SANTOS,1997,p.112).

Para Sharma (2006), isso não representa um novo fenômeno, visto que toda

ideologia ou religião possui seus próprios defensores que, geralmente, gostam de

considerar os sistemas morais da cultura ao qual pertencem como sistemas gerais,

aplicáveis a todas as demais culturas. Em relação à origem histórica ocidental dos

Direitos Humanos:

[...] essa é a história pela qual os europeus, gradualmente, começaram a acreditar em um mito da universalidade humana - a simples idéia de que raça, religião, sexo, nacionalidade, ou estatuto jurídico não justifica um tratamento desigual; ou, de forma mais impositiva, que as necessidades e dores humanas são universalmente as mesmas, e que nós podemos ser obrigados a ajudar aqueles que lhes são alheios, por nascimento ou nacionalidade, raça ou proximidade geográfica. [...] A promessa cristã da universalidade da salvação foi a primeira alegação ética para enfrentar a clássica divisão da humanidade em cidadãos e escravos, e a common law medieval construiu essa idéia da identidade de todos os seres humanos em função dos pressupostos dos sistemas jurídicos europeus. Com a Reforma, a universalidade dos direitos fundada na unidade da cristandade teve de ser repensada para um mundo dividido por beligerantes confessos. A jurisprudência desenvolvida pelos primeiros teóricos modernos naturalistas procurava estabelecer uma lei natural universal para um mundo de acirrados conflitos entre leis e éticas. (SHARMA, 2006, p.20, tradução nossa)19.

19 [...] it is the history by which Europeans gradually came to believe in a myth of human universality – the simple idea that race, religion, sex, citizenship, or legal status do not justify unequal treatment; or, more positively, that human needs and pain are universally the same, and that we may be obliged to help those whom we are unrelated by birth or citizenship, race or geographic proximity. [...] The Christian promise of the universality of salvation was the first ethical claim to confront the classical partition of humanity into citizens and slave, and the medieval common law built this idea of the identity of all human subjects into the basis of European legal systems. With the Reformation, the

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Swidler (1990) concorda que a idéia de direitos humanos, assim como os

ocidentais e algumas sociedades não ocidentais compreendem atualmente, foi

desenvolvida pela civilização ocidental. Contudo, pondera que a universalidade

desses direitos foi, no curso da história, muitas vezes questionada por causa da

própria idéia referente a quem poderia ser considerado ser humano:

Apesar da gloriosa linguagem utilizada nestes documentos ingleses, americanos e franceses de direitos humanos dos séculos dezessete e dezoito, ainda existiam numerosas restrições em relação a quem poderia ser qualificado como humano. Por exemplo, aqueles que não possuíam propriedade nos Estados Unidos da América não eram totalmente qualificados como humano até o segundo quarto do século dezenove e escravos não até o terceiro quarto; mulheres não participaram do importante círculo dos votantes até o século vinte. (SWIDLER, 1990, p.18, tradução nossa).20

Dessa forma, percebe-se que, na sua origem ocidental, os Direitos Humanos

não eram aplicáveis a todos os seres humanos.

Por mais paradoxical que pareça, a origem cristã dessa convicção (direitos humanos universais) foi a causa de algumas de suas degradações, por exemplo, quando isso se transforma numa ideologia, numa doutrina para servir a interesses de um grupo em particular. Todos nascem livres e iguais; todos seres humanos são iguais aos olhos de Deus; todas as pessoas humanas têm os mesmos direitos como qualquer outro. Contudo, para justificar o fato de que aqueles que não foram batizados, o Negro, o escravo, a mulher ou aquele que não tinha os mesmos direitos, foi sustentado que eles não eram totalmente seres humanos, assim como a história cruelmente testemunhou. (PANNIKAR, 2000, p.93, tradução nossa)21.

A atual idéia de universalismo dos Direitos Humanos, criada a partir da

concepção ocidental de racionalidade e moralidade, está intrinsecamente ligada à

human universality premised on the unity of Christendom had to be thought anew for a world divided into warring confessions. The jurisprudence developed by early modern natural theorists sought to provide a universal natural law for a world of sharply conflicting laws and ethics. 20 Despite the glorious language used in these English, American and French human-rights documents of the seventeenth and eighteenth centuries, there were still manifold restrictions on who qualified as human. For example, non-property owners in America did not fully qualify until the second quarter of the nineteenth century and slaves not until the third quarter; women did not make it into the charmed circle of voters until the twentieth century. 21 Paradoxically enough, the Christian origin of this belief has been the cause of some of its degradation, i.e. when it became an ideology, a doctrine to serve the interests of one particular group. Everybody is born free and equal; all human beings are equal in the sight of God; every human person has the same rights as any other. Nonetheless, in order to justify the fact that the unbaptized, or the Negro or slave or female or whoever did not have the same rights, one was compelled to claim that they were not fully human beings, as history cruelly witnesses.

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idéia de superioridade da cultura e religião ocidental. Isso fica bastante claro quando

analisamos, por exemplo, a influência e os impactos da idéia de superioridade

ocidental e o discurso acerca da necessidade de universalização dos fundamentos

da cultura ocidental durante o Imperialismo do século XIX.

6.1 O discurso universalista ocidental e o imperialismo do século XIX

Com a Revolução Industrial e consequente expansão do capitalismo, as

potências industriais da época, quais sejam, Alemanha, França, Inglaterra e Estados

Unidos da América do Norte, iniciaram a expansão imperialista na Ásia e na África,

buscando o livre acesso a mercados, fontes de matérias-primas e áreas de

investimento de capital. Esse processo expansionista ficou conhecido como

Imperialismo22 ou Neocolonialismo.

O Imperialismo contou com a justificativa da missão civilizadora dos

conquistadores como, por exemplo, o “fardo do homem branco”, ou seja, as raças

superiores teriam o dever de civilizar as raças inferiores. Este argumento foi

utilizado, por exemplo, pelos ingleses para entrar na Índia.

Durante a época do Imperialismo, as classes dominantes européias levaram

aos povos da Ásia e África a idéia de que a superioridade da Europa não era só

tecnológica, econômica e militar, mas, sobretudo, moral. Este discurso possibilitou a

ocultação pelos europeus dos reais objetivos do Imperialismo23.

A ação imperialista contou, via de regra, com o amplo apoio das classes

européias. Isso se deu, em parte, pela sensação de superioridade conferida aos

europeus pela dominação imperialista.

22 A palavra Imperialismo é proveniente do latim e significa “ter o poder de mandar”. Imperialismo é a política de um Estado, nação ou povo de impor um controle direto ou indireto sobre outro, sendo a ação de poder contrária à vontade e aos interesses sobre os quais incide. 23 Ao longo do século XX, as idéias referentes à “hierarquia racial” e a “sobrevivência do mais forte” foram utilizadas por Adolf Hitler como um dos fundamentos do nazismo. Assim, tais idéias, oriundas dos períodos Colonial e Neocolonial, produziriam trágicas conseqüências no próprio cerne em que foram criadas, ou seja, na suposta civilização superior européia, gerando preconceitos, perseguições, extermínio e barbárie na própria Europa durante a Segunda Guerra Mundial. É fácil, pois, perceber, a partir do que foi colocado, que Hitler foi uma criação cujas raízes remontam os fundamentos do período colonial.

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[...] a sensação de superioridade que uniu os brancos ocidentais – ricos, classe média e pobres – não se deveu apenas ao fato de todos eles desfrutarem de privilégios de governante, sobretudo quando efetivamente estavam nas colônias. Em Dacar ou Mombaça, o mais modesto funcionário era um amo e era aceito como gentleman por pessoas que nem teriam notado sua existência em Paris ou Londres. (HOBSBAWM, 1998, p.107).

O discurso de superioridade ocidental e a necessidade de universalização da

cultura e crenças cristãs, utilizados pelo colonialismo europeu, causaram, na

realidade, a destruição de boa parte dos sistemas culturais dos povos colonizados.

Isso porque as relações entre as culturas dominantes e as culturas dominadas eram

manipuladas pelos colonizadores de forma a garantir assimilação e transformação

da cultura do colonizado em reprodução fiel da cultura do colonizador; ou separar de

uma forma marcada as duas realidades sócio-culturais, preservando a “pureza” da

cultura colonizadora, evitando qualquer “contaminação”, não se preocupando,

todavia, com a destruição ou modificação da cultura dos povos dominados. Nas

palavras de Chandra Muzaffar (1999, p.6, tradução nossa) 24.

O que é triste é que enquanto a Europa construiu o edifício do individual dentro das suas próprias fronteiras, ela destruía a pessoa humana em outras partes. À medida que os direitos humanos se expandiram entre as pessoas brancas, os impérios europeus infligiram terríveis crimes contra as pessoas de cor habitantes do planeta. A eliminação das populações nativas das Américas e da Australásia e da escravização de milhões de africanos durante o comércio europeu de escravos foram duas das maiores tragédias de direitos humanos da época colonial. Claro que a supressão de milhões de asiáticos, em quase todas as partes do continente durante os longos séculos de domínio colonial foi outra calamidade colossal para os direitos humanos. O colonialismo ocidental na Ásia, Australásia, África e América Latina representam a mais maciça e sistemática violação dos direitos humanos jamais conhecida na história.

O resultado desse processo de dominação foi o desenvolvimento do

sentimento de desprezo dos povos colonizadores em relação aos povos colonizados

que passaram a ser considerados atrasados, bárbaros, inferiores. Isso fica claro no

24 “What is sad that while Europe built the edifice of the individual within its own borders, it destroyed the human person on others shores. As human rights expanded among white people, European empires inflicted horrendous human wrongs upon the coloured inhabitants of the planet. The elimination of the native populations of the Americas and Australasia and the enslavement of millions of Africans during the European slave trade were two of the greatest human rights tragedies of the colonial epoch. Of course the suppression of millions of Asians in almost every part of the continent during the long centuries of colonial domination was another colossal human rights calamity. Western colonialism in Asia, Australasia, Africa and Latin America represents the most massive, systematic violation of human rights ever known in history.”

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texto a seguir transcrito de um panfleto escrito por um nativo da Indochina, área

então sob domínio francês:

aos Vossos olhos, somos selvagens, animais obscuros incapazes de distinguir entre o Bem e o Mal. Não somente vos recusais a tratar-nos em pé de igualdade, como temeis até nossa aproximação, como se fossemos objetos de asco [...]. (PANIKKAR, 1965, p.231).

Dessa forma, os europeus destruíram não apenas as relações de produção

até então existentes, mas, também, o patrimônio espiritual e cultural dos povos

colonizados.

[...] Os invasores europeus passaram por cima de tudo isto, por cima de toda a sabedoria oriental, fundada no domínio do saber metafísico e da beleza, na experiência afetiva e emocional do homem: mudaram os velhos padrões da sociedade, impuseram o trabalho forçado e o racismo, isto é, a exploração do homem pelo homem, base das estruturas coloniais. (CANÊDO, 1986, p.4).

É importante lembrar que os povos colonizados não ficaram inertes à

destruição de suas culturas, diversas vezes estes lutaram para restabelecer as suas

respectivas identidades, exemplo disso foi a Guerra dos Sipaios ocorrida na Índia

entre os anos de 1857 a 1859.

Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se o período de descolonização, ou

seja, o processo de independência das antigas colônias. Isso foi possível,

fundamentalmente, pelas seguintes razões: a destruição de vários países europeus

após a Segunda Guerra Mundial dificultou a preservação das colônias; as políticas e

objetivos da ONU estavam direcionados para a autodeterminação dos povos e, por

isso, tornava-se contraditório manter colônias; e, por último, os movimentos anti-

coloniais ganharam o apoio das potências socialistas URSS e China.

Paradoxalmente, na data em que a Declaração Universal dos Direitos

Humanos foi adotada pelas Nações Unidas, 10 de dezembro de 1948, grande área

do mundo continuava dominada politicamente pelo Ocidente.

Deve-se ter em mente que as Constituições de vários países, quando estes se tornaram independentes, direta ou indiretamente incorporaram várias provisões da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um fato que testemunha pelo menos a universabilidade, se não sua universalidade. Nos anos desde a sua adoção, as aspirações da Declaração Universal dos Direitos Humanos para a universalidade foram reforçadas pelas aprovações da maioria das nações que não estavam presentes na criação desta

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Declaração. Específicas referências à Declaração foram feitas nas Constituições pós-independência da Argélia, Burundi, Camarões, Chade, Congo, República do Benin (antigo reino africano de Daomé), Guiné Equatorial, Gabão, Guiné, Costa do Marfim, Madagáscar, Mali, Mauritânia, Níger, Ruanda, Senegal, Somália, o Togo e Burkina Faso (antigo Alto Volta). Típico destes francófonos do Oeste da África é o preâmbulo da Constituição de Senegal de 1963: “O povo de Senegal solenemente proclama sua independência e sua aderência aos direitos fundamentais assim como estes estão definidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948.” Todavia, este ponto que foi usado para contrapor a acusação de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é contaminada pelo Colonialismo, poderia também ser alegado para reforçar esta mesma acusação se fosse mantido que essa mesma aceitação generalizada do documento por si só ilustra a persistência da mentalidade colonial. (SHARMA, 2006, p. 195, tradução nossa)25.

Segundo Frantz Fanon (1979), psiquiatra e escritor, a autodeterminação

exigia a recriação da consciência cultural nas ex-colônias para alcançar a verdadeira

independência. No entanto, reconhecia ser difícil o desenvolvimento de uma

consciência nacional genuína, conforme explicitou em sua obra Os Condenados da

Terra de 1961. Isso porque as forças de dominação tinham sido internalizadas pelas

elites locais que mantinham, mesmo após a descolonização, estruturas econômicas

e sociais desiguais, herdadas do colonialismo. Sobre esta questão, Kishore

Madhubani asseverou que:

a coisa mais difícil que aconteceu com a Ásia, não foi de ordem física, mas sim a colonização psicológica. Muitos asiáticos (incluindo, eu receio, muitos dos meus antepassados do sul da Ásia) começaram a acreditar que os asiáticos eram inferiores aos europeus. Somente isso poderia explicar como alguns milhares de britânicos puderam controlar algumas centenas de milhões de pessoas no sul da Ásia. Se eu for autorizada a fazer um contraponto aqui, eu acrescentaria que esta colonização psicológica não foi

25 “It must also be borne in mind that the constitutions of many of these countries, when they became independent, directly or indirectly incorporated many provisions of the Universal Declaration of Human Rights, a fact which testifies to at least its universizability, if not universality. In the years since its adoption, the Declaration’s aspirations to universality has been reinforced by endorsements from most of the nations that were not present at its creation. Specific references to the Declaration were made in the immediate post-independence constitutions of Algeria, Burundi, Cameroon, Chad, Congo, Dahomey, Equatorial Guinea, Gabon, Guinea, Ivory Coast, Madagascar, Mali, Mauritania, Niger, Rwanda, Senegal, Somalia, Togo and Upper Volta (now Burkina Faso). Typical of those in francophone West Africa is the preamble to the 1963 Constitution of Senegal: “The People of Senegal solemnly proclaim their independence and their adherence to fundamental rights as they are defined in the Declaration of the Rights of Man and the Citizen of 1789 and in the Universal Declaration of 10 December 1948. This point, however, which has been used to counter the charge that the Universal Declaration of Human Rights is tainted by colonialism, could also be turned around to reinforce that very charge, if it were to be maintained that such widespread acceptance of the document itself illustrates the persistence of a colonial mentality.”

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completamente erradicada, e muitas sociedades asiáticas ainda estão lutando para se libertar. (MADHUBANI, 2001, p. 22-23, tradução nossa)26.

As heranças do imperialismo foram, principalmente, a persistência das

desigualdades, destruição de sistemas culturais, misérias e dependência das ex-

colônias; a subsistência de conflitos étnicos e culturais sangrentos como, por

exemplo, as lutas entre hindus e muçulmanos na Índia, provenientes da antiga

política inglesa de fortalecer seu controle nas colônias dividindo os colonizados,

política que ficou conhecida como “dividir para reinar”; as guerras civis em várias das

ex-colônias européias na África, resultantes da artificialidade das fronteiras que

foram criadas quando da dominação imperialista que não levaram em consideração

rivalidades étnico-tribais.

Vários elementos dos sistemas culturais dos povos colonizados foram

destruídos durante o Imperialismo; e não há mais como recuperar, integralmente,

tais perdas. As sociedades colonizadas perderam características culturais

importantes e, por via de conseqüência, perderam parte da própria identidade,

tornaram-se vulneráveis à cultura ocidental e ao discurso universalista pregado pelo

Ocidente.

Finalizo este item com o pensamento de Upendra Baxi (2002, p.27, tradução

nossa) 27:

Quando, se algum dia (tendo em conta o modo atual de produção de conhecimentos sobre os direitos humanos) a história original dos direitos humanos for escrita pela perspectiva oprimida não-européia, o futuro dos direitos humanos será mais seguro do que é agora.

26 “The most painful thing that happened to Asia was not the physical but the mental colonization. Many Asians (including, I fear, many of my ancestors from South Asia) began to believe that Asians were inferior to Europeans. Only this could explain how a few thousand British could control a few hundred million people in South Asia. If I am allowed to make a controversial point here, I would add that this mental colonization has not been completely eradicated, and many Asian societies are still struggling to break free.” 27 “When, if ever (given the present mode of production of knowledges about human rights) the originary history of human rights is written from non-Euro-enclosed perspectives, the future of human rights will be more secure than it is now.”

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6.2 Direitos humanos: ocidentais no sentido institucional

Os Direitos Humanos também podem ser considerados ocidentais no sentido

institucional, visto que a Organização das Nações Unidas, principal instituição

internacional para a defesa dos Direitos Humanos, foi criada e é mantida, sobretudo,

pelos países do Ocidente ou ocidentalizados.

A Liga das Nações, que surgiu após a Primeira Guerra Mundial, não incluiu

nenhuma referência geral sobre os direitos humanos, enquanto a Organização das

Nações Unidas (ONU), por meio da Carta das Nações Unidas, possibilitou o primeiro

acordo internacional em que vários países do mundo realizaram um compromisso

para promover os direitos humanos no âmbito internacional e, em 1948, a

Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, considerada um dos documentos mais importantes para a proteção dos

direitos humanos na esfera internacional.

Assim, a influência ocidental deixou marcas claras nos documentos de

direitos humanos não apenas em termos gerais, mas também através da própria

Organização das Nações Unidas. O movimento para a criação de um aparato internacional para a promoção dos direitos humanos foi liderada amplamente pelos norte-americanos. O Departamento de Estado Norte-Americano orquestrou as primeiras propostas para esta constituição. As principais reuniões aconteciam nos Estados Unidos da América. Organizações não governamentais norte–americanas exerceram grande influência durante os estágios de formação da Comissão e de elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos [...]. Até mesmo o próprio objetivo era descrito como uma proposta de uma ‘International Bill of Rights’, linguagem que inegavelmente reflete uma influência americana. Vários escritores referem-se àqueles que elaboraram a proposta original dos documentos de direitos humanos como ‘fundadores’. (RENTELN, 1990, p.31, tradução nossa) 28.

28 “The movement to create a new international apparatus for the promotion of human rights was led largely by Americans. The US Department of State orchestrated the early drafts of a proposed constitution. The crucial meetings took place in the United States. American NGOs were extremely influential during the formative stages of the Commission and the UDHR [...]. Even the goal itself was described as drafting an International Bill of Rights, language that undeniably reflects an American flavour. Many writers refer to those who drafted the original human-rights documents as ‘founders’.”

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6.3 A influência ocidental na elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Um ano antes da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

ou seja, em 1947, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas29

organizava e discutia as propostas para a Declaração Universal de Direitos

Humanos. Por sua vez, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura (UNESCO), visando colaborar com a criação da Declaração,

estudava soluções para as principais divergências existentes em relação à criação

desta.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) recrutou alguns dos melhores intelectuais para compor o Comitê em Bases Teóricas dos Direitos Humanos. Este painel, presidido historiador político de Cambridge E.H. Carr, incluindo o filósofo Richard McKeon da Universidade de Chicago como relator e o filósofo social Jacques Maritain, que foi um dos membros mais ativos. Em janeiro de 1947, com este grupo formado, o diretor da UNESCO, o notável cientista Julian Huxley, tinha enviado o poeta Archibald MacLeish para a reunião [...] da Comissão dos Direitos Humanos para avisar aos membros da comissão sobre seu interesse no trabalho realizado pela Comissão e do seu desejo em ser útil. O grupo de filósofos iniciou o trabalho em março, enviando um questionário para os governos e acadêmicos em torno do mundo – incluindo pessoas notáveis como Mohandas Gandhi, Pierre Teilhard de Chardin, Benedetto Croce, Aldous Huxley, and Salvador de Madariaga – solicitando a opinião desses em relação à Declaração Universal de Direitos Humanos. Neste ínterim, o processo de elaboração da Declaração iniciou. (GLENDON, 2001, p. 51, tradução nossa) 30.

29 A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, responsável pela redação do Projeto da Declaração Universal de Direitos Humanos, era composta por pessoas dos seguintes países: Bielorússia, Estados Unidos, Filipinas, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, França e Panamá. 30 “The UN’s Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) recruited some of the leading thinkers of the day for a Committee on the Theoretical Bases of Human Rights. This blue-ribbon panel, chaired by Cambridge political historian E.H. Carr, included University of Chicago philosopher Richard McKeon as a rapporteur and French social philosopher Jacques Maritain, who became on of its most active members. In January 1947, as this group was coming together, UNESCO’s director, noted scientist Julian Huxley, had sent the poet Archibald MacLeish to the Human Rights Commission’s [...] meeting to apprise the commissioners of UNESCO’s interest in their work and its desire to be as useful as possible. The philosophers’ group began its work in March by sending a questionnaire to statesmen and scholars around the world – including such notables as Mohandas Gandhi, Pierre Teilhard de Chardin, Benedetto Croce, Aldous Huxley, and Salvador de Madariaga – soliciting their views on the idea of a universal declaration of human rights. Meanwhile the drafting process began.”

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Este questionário, distribuído pela UNESCO, continha, entre outros assuntos,

as correlações entre direitos individuais e coletivos em comunidades culturais

diversas e em momentos históricos distintos, como também questões ligadas às

liberdades individuais e às responsabilidades sociais.

Durante o ano de 1947, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas

ainda estava recebendo propostas provenientes de governos e organizações não

governamentais para a elaboração da Declaração Universal de Direitos Humanos de

1948. Nesta ocasião, o Conselho Executivo da Associação Americana de

Antropologia manifestou-se contra a elaboração de uma “declaração de direitos

apenas em termos de valores prevalecentes nos países da Europa Ocidental e nos

Estados Unidos da América do Norte” (SHARMA, 2006, introdução IX, tradução

nossa) 31. O Comitê da UNESCO sobre os Fundamentos Teóricos dos Direitos

Humanos ofereceu esperança afirmando que

[...] até mesmo as pessoas que parecem estar defendendo posições teóricas diferentes podem concordar que determinadas coisas são tão terríveis na prática que ninguém irá publicamente aprová-las e que certas coisas são tão boas na prática, que ninguém irá publicamente se opor a elas. (Pronunciamento do Comitê da UNESCO sobre os Fundamentos Teóricos dos Direitos Humanos apud SHARMA, 2006, introdução IX, tradução nossa)32.

Sobre este assunto, Renteln (1990) chama atenção para a questão referente

aos conflitos de valores culturais que influenciaram as negociações para a criação

da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

alguns exemplos de choques culturais serão suficientes para demonstrar a questão. Os estados árabes, sem sucesso, desafiaram o direito de mudar de religião, a norma que era contrária aos princípios do Alcorão. Os soviéticos se opuseram à preponderância das liberdades civis ocidentais. Aqueles familiarizados com os debates eram forçados a concluir: deliberações da Comissão e as suas propostas revelaram profundas diferenças ideológicas sobre o que constitui direitos universais. (RENTELN, 1990, p. 21, tradução nossa)33.

31 “statement of rights only in terms of the values prevalent in the countries of Western Europe and America”. 32 “[…] even people who seem to be far apart in theory can agree that certain things are so terrible in practice that no one will publicly approve them and that certain things are so good in practice that no one will publicy oppose them.” 33 “A few examples of the cultural clashes will suffice to make the point. Arab states unsuccessfully challenged the right to change religion, a norm that was contrary to the tenets in the Koran. The Soviets were opposed to the preponderance of Western civil liberties. Those acquainted with the debates are forced to conclude: Deliberations by the Commission and its drafting committee revealed profound ideological differences over what constituted universal rights.”

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O Conselho Executivo da Associação Americana de Antropologia ponderou

ainda que:

padrões e valores são relativos à cultura da qual derivam, de forma que qualquer tentativa de formular postulados que brotem de crenças e códigos morais de uma cultura deve, nesta perspectiva, diminuir a aplicabilidade de qualquer Declaração de Direitos Humanos à humanidade como um todo. (American Anthropological Association. Statement on human rights. American Anthropologist, v. 49, n. 4, p. 539-543, out./dez., 1947 apud STEINER, H; ALSTON, P., 2000, p.372-373, tradução nossa).34

Mas foi a posição ocidental que prevaleceu em relação à idéia de

universalidade dos Direitos Humanos presente no texto da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, aprovada pela Resolução n. 217-A (III) da Assembléia Geral das

Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.

Assim, foi e ainda continua sendo questionada a falta de unanimidade na

aprovação do texto final da Declaração Universal dos Direitos Humanos, visto que

dos cinqüenta e oito Estados membros das Nações Unidas, quarenta e oito votaram

a favor da adoção da Declaração, nenhum Estado membro votou contra, oito se

abstiveram e dois ficaram ausentes nesta oportunidade. Os países que se

abstiveram foram a Bielorússia, Checoslováquia, União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas, Polônia, Ucrânia, África do Sul, Iugoslávia e Arábia Saudita.

Alguns países asiáticos e Estados-membros da Organização da Conferência

Islâmica não concordavam com a idéia de universalidade dos pressupostos contidos

na Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma vez que consideravam serem

tais pressupostos um reflexo da cultura e dos valores ocidentais, não levando em

consideração as particularidades de cada comunidade cultural.

Dessa forma, a Delegação da Arábia Saudita questionou a legitimidade de se

considerar universal, por exemplo, o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos35, tendo em vista que tal artigo se demonstra antagônico com práticas

34 “Standards and values are relative to the culture from which they derive so that any attempt to formulate postulates that grow out of the beliefs or moral codes of one culture must to that extent detract from the applicability of any declarations of Human Rights to mankind as a whole.” 35 Artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. §1. O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos nubentes.

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culturais de diversos povos não ocidentais. As Delegações do Afeganistão, Iraque,

Paquistão, Arábia Saudita e Síria se demonstraram contrárias ao artigo 18 da

Declaração Universal dos Direitos Humanos36 sob o argumento que este contraria,

explicitamente, os princípios morais e religiosos de tais comunidades. Nos países

mulçumanos, por exemplo, há várias limitações em relação ao casamento de

mulheres muçulmanas com indivíduos de outras religiões, por sua vez, de acordo

com o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, isto é

absolutamente possível.

Em relação ao artigo 19 da Declaração da Declaração Universal dos Direitos

Humanos37, o Egito apresentou-se como contrário a este, sob o argumento de que o

conteúdo de tal artigo, ainda que indiretamente, incentiva a conversão religiosa,

prática não aceita por diversas comunidades não ocidentais.38

Ademais, foi bastante limitado o número de comunidades culturais que,

efetivamente, participaram da elaboração e da aprovação da Declaração Universal

de Direitos Humanos de 1948 se comparado com o número de sistemas culturais e

países existentes no planeta, o que dificulta o reconhecimento legítimo de forma

universal deste documento.

A pressão ocidental também continuou a se manifestar quando a Declaração

Universal dos Direitos Humanos alcançou a fase de ser expressa através dos

Pactos.

Primeiramente, as Nações Unidas decidiram incorporar todos os direitos num

único Pacto. Essa era a posição, oficialmente, adotada na 5a sessão da Assembléia

Geral das Nações Unidas. Porém, como dito no capítulo 4, em resposta às pressões

ocidentais, a Assembléia concluiu que era preferível, após todas as discussões,

elaborar dois pactos separados que se completariam concorrentemente.

§2. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. 36 Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. 37 Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. 38 Hundred and Eighty-third Plenary Meeting, Mr. Raafat (Egypt), item 119, p. 912, 10.12.1948. Disponível em: http://www.un.org/Depts/dhl/landmark/pdf/a-pv183.pdf. Acesso em: 20.01.2008.

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Alguns foram contra a decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas de

elaborar dois instrumentos distintos. O ponto essencial daqueles que realizaram esta

crítica é que tais direitos não são conceitualmente distintos para ficarem em Pactos

apartados. Por exemplo, o direito de associar-se poderia ser caracterizado tanto

como político quanto como econômico. Todavia, conforme ficou claro, a real razão

para que o Ocidente desejasse a elaboração de dois Pactos devia-se ao fato de que,

dessa maneira, o Ocidente poderia evitar o cumprimento de determinados direitos

econômicos que prejudicassem seus interesses, não assinando o segundo Pacto.

A grande maioria das nações assinou os dois Pactos baseados na

Declaração Universal dos Direitos Humanos, 144 países assinaram o Pacto

Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e 142 o Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais até o ano de 2000.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos seria, de alguma forma, um

documento diferente se, durante sua elaboração, a diversidade cultural tivesse sido

discutida amplamente, tanto pelas comunidades ocidentais como pelas não

ocidentais, de forma conjunta. Fica claro que diversos pontos importantes das

culturas não ocidentais foram, simplesmente, postos de lado pelos responsáveis

pela elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não estando, dessa

forma, presentes no conteúdo da mesma:

[...] exemplos de direitos que não são soletrados em caracteres universais, como os direitos de morte presentes no Islã; ou [...] a reverência Budista pela natureza; ou até mesmo direitos que contradizem as noções capitalistas (e do Ocidente) no que diz respeito ao direito de propriedade, como o direito das comunidades culturais em relação aos domínios de seus ancestrais. (DIOKNO apud SHARMA, 2006, p. 256, tradução nossa)39.

39 “[…] examples of rights which are not spelled out in universal charters, such as the rights accorded by Islam to the dead; or […] the Buddhist reverence for nature; or even rights which contradict capitalist (and Western) notions of property, such as the right of cultural communities to their ancestral dominion.”

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6.4 O debate acerca da universalidade dos Direitos Humanos durante a Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena no ano de 1993

Neste tópico, abordarei o debate em torno da universalidade dos Direitos

Humanos realizado entre Delegações de diversos países durante a Segunda

Conferência Mundial de Direitos Humanos ocorrida em junho de 1993 na cidade de

Viena, também conhecida como Conferência de Viena de 1993.

Assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a concepção

universal e indivisível dos Direitos Humanos está expressamente presente no texto

da Declaração de Viena de 1993, elaborado a partir dos debates travados durante a

Conferência Mundial de Direitos de Viena. De acordo com o parágrafo 5º da

Declaração de Viena:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a ênfase. As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosas devem ser consideradas, mas é obrigação dos Estados, independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

Apesar de ter prevalecido no texto da Declaração de Viena o caráter universal

dos Direitos Humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos,

nota-se, a partir da análise do diálogo entre as diversas Delegações dos países

participantes, um claro impasse acerca desta universalidade.

Um dos diálogos que melhor exemplifica o impasse em torno da

universalidade dos Direitos Humanos aconteceu entre as Delegações da China e de

Portugal. De acordo com a Delegação da China:

o conceito de direitos humanos é produto do desenvolvimento histórico. Encontra-se intimamente ligado a condições sociais, políticas e econômicas específicas, e à história, cultura e valores específicos, de um determinado país. Diferentes estágios de desenvolvimento histórico contam com diferentes requisitos de direitos humanos. Países com distintos estágios de desenvolvimento ou com distintas tradições históricas e backgrounds culturais também têm um entendimento e uma prática distintos de direitos humanos [...] a ninguém é dado colocar seus próprios direitos e interesses acima dos do Estado e da sociedade, e a ninguém é permitido prejudicar os dos demais e do público em geral. É este um princípio universal de todas as

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sociedades civilizadas (Delegação da China apud TRINDADE, 2003a, p.278-279).

Conforme a manifestação da Delegação chinesa percebe-se que, para o

governo chinês, não há Direitos Humanos naturais, inerentes a todos os homens

pelo simples fato de estes serem seres humanos. Os Direitos Humanos são políticos

e históricos. Desta feita, o governo chinês não considera os Direitos Humanos como

algo a priori e superior ao Estado. Esta manifestação da Delegação chinesa ocorreu

no dia 15 de junho de 1993 e, em 16 de junho de 1993, a Delegação de Portugal

manifestou-se de forma contrária à opinião chinesa.

De acordo com a Delegação de Portugal:

os direitos humanos abarcam não só os “direitos positivos, concedidos pelos Estados aos seus cidadãos”, mas também os direitos ancorados na natureza humana e que preexistem, na sua essência, aos Estados e aos Governos. [...] Na origem da organização das nossas sociedades está o homem, com determinados direitos inalienáveis e imprescritíveis. [...] Seria presunção nossa e um claro abuso pensar que, em vez de reconhecer e garantir, a comunidade dos Estados concede ou cria os direitos do homem. Daqui deriva que o Estado [...] deve respeitar os direitos e a dignidade dos seus cidadãos e que não pode, em nome de alegados interesses coletivos – econômicos, de segurança ou outros – ultrapassar a fronteira que lhe é imposta pela própria anterioridade dos direitos do homem e sua primazia relativamente a quaisquer fins ou funções do Estado. (Delegação de Portugal apud TRINDADE, 2003a, p. 279-280).

A Delegação de Portugal afirmou ainda que:

[...] Uma outra conseqüência desta concepção é o princípio da universalidade. Importa relembrar que, qualquer que seja o contexto geográfico, étnico, histórico ou econômico-social em que cada um de nós se insere, a cada homem assiste um conjunto inderrogável de direitos fundamentais. Não podemos admitir que, consoante o nascimento, o sexo, a raça, a religião, se estabeleçam diferenças em termos de dignidade dos cidadãos. Foi isto que vieram consagrar a Declaração Universal dos Direitos do Homem e os Pactos e acordos que se lhe seguiram. [...] É óbvio que este princípio de universalidade é compatível com a diversidade cultural, religiosa, ideológica e que a própria variedade de crenças, de idéias e de opiniões dos homens é uma riqueza a defender e têm um valor próprio que importa respeitar. Mas argumentar com esta diversidade para limitar os direitos individuais, como infelizmente se registra aqui e além, não é permissível, nem em termos da lógica, nem em termos de moral. (Delegação de Portugal apud TRINDADE, 2003a, p. 279-280).

Estas divergências concernentes à universalidade dos Direitos Humanos não

ficaram adstritas às Delegações da China e de Portugal. A Delegação de Cingapura,

por exemplo, em consonância com a Delegação da China afirmou que:

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os direitos humanos [...] não existiam in abstracto, mas variavam de cultura a cultura, por serem produto das “experiências históricas” de cada povo. Os direitos, em sua maioria, no entender da Delegação de Cingapura, ainda eram “essencialmente conceitos contestados”, e as normas internacionais refletiam “uma configuração histórica específica de interesses e poder”; tanto é assim que, 45 anos depois da adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos, continuavam os debates sobre o sentido de muitos de seus artigos, em toda parte, inclusive dentro do próprio mundo ocidental. (Delegação de Cingapura apud TRINDADE, 2003a, p. 279-280).

Já a Delegação da República Dominicana se pronunciou favoravelmente à

questão universalidade dos Direitos Humanos e afirmou considerar:

inaceitável que, a quase meio século da aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos, ainda tenhamos que propugnar pelo caráter universal de tais direitos [...]. A coletividade das nações, que propugna por essa universalidade de todos os direitos humanos, reclama, ademais, que a promoção, proteção e defesa desses direitos se realize ao amparo das regras do direito das gentes, sem proeminências por motivos econômicos, políticos, étnicos ou de qualquer outra consideração [...]. A ratificação do caráter universal dos direitos humanos é um imperativo em nossos dias. (Delegação da República Dominicana apud TRINDADE, 2003a, p. 281-282).

Outras Delegações como a Delegação do Chile e a Delegação Iraniana,

também apoiaram a perspectiva universal dos Direitos Humanos, sob o argumento

de serem tais direitos da própria natureza do ser humano, inerentes a este.

A Delegação iraniana, a seu turno, ressaltou que os direitos humanos, “enraizados na natureza dos seres humanos”, são assim universais, independentemente de quaisquer condições, e “emanam da totalidade da pessoa humana”. Os direitos humanos, “divinos por natureza”, para os fins de sua codificação, promoção e proteção “não deveriam ser considerados o domínio privado de um único segmento da comunidade internacional.” (TRINDADE, 2003a, p. 281-283).

A Delegação da Arábia Saudita, com base na Declaração do Cairo sobre

Direitos Humanos no Islã, adotada pela Organização da Conferência Islâmica em 04

de agosto de 1990, observou que:

enquanto os princípios e objetivos em que se baseiam os direitos humanos são de natureza universal, sua aplicação requer consideração da diversidade das sociedades, tomando em conta seus vários backgrounds históricos, culturais e religiosos e seus interesses jurídicos. (Delegação da Arábia Saudita apud TRINDADE, 2003a, p. 284-285).

A Delegação do Japão afirmou que:

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os direitos humanos são valores universais comuns a toda a humanidade. [...] É dever de todos os Estados, qualquer que seja sua tradição cultural, independentemente também de seu sistema político ou econômico, proteger e promover estes valores. (Delegação do Japão apud TRINDADE, 2003a, p. 287).

Apesar de a maioria das Delegações terem se apresentado favoráveis à idéia

de universalidade dos Direitos Humanos, não há, atualmente, um consenso em torno

desta questão. No próximo tópico, a apreciação em torno deste tema será

aprofundada tendo como objeto o fato de a universalidade dos Direitos Humanos ter

sido discutida durante a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

basicamente, pelas elites políticas do planeta, conforme também ocorreu, como visto

neste tópico, durante a Conferência de Viena.

Assim, apesar de a universalidade estar presente tanto no texto da

Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração de Viena de 1993, este

assunto continuou polêmico. Durante os anos 1990, o então Primeiro Ministro de

Singapura declarou: “os valores asiáticos são universais. Os valores europeus são

valores europeus.” (SHARMA, 2006, introdução X, tradução nossa).40

Durante um simpósio na Universidade de Harvard para a celebração dos 50

anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1998. O professor de

Direito da Universidade de Buffalo, Makau Mutua, descreveu a Declaração como

[...] uma tentativa arrogante de se universalizar um determinado conjunto de idéias e de impô-las a três quartos da população mundial, a maioria dos quais não estavam representados na criação desta Declaração. Nascido no Quênia, Mutua disse, que 'muçulmanos, hindus, africanos, não-judáico-cristãos, feministas, críticos teóricos e outros acadêmicos de uma linha de pensamento alternativa expuseram as influências e exclusividade da Declaração’. (GLENDON, 2001, p.224, tradução nossa).41

Todavia, é notório que, após a Conferência de Viena, aumentaram as

ratificações dos tratados de Direitos Humanos pelos governos dos países que

aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos e participaram da

Conferência de Viena. Porém, na prática, percebe-se que isso não significa

exatamente a aceitação por estes países dos pressupostos dos Direitos Humanos 40 “Asian values are universal values. European values are European values.” 41 “[…] an arrogant attempt to universalize a particular set of ideas and to impose them upon three-quarters of the world´s population, most of whom were not represented at its creation. Kenya-born Mutua said, ‘Muslims, Hindus, Africans, non-Judeo-Christians, feminists, critical theorists and other scholars of an inquiring bent of mind have exposed the Declaration’s bias and exclusivity.”

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presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos Pactos de 1966 e na

Declaração de Viena, visto que inúmeras violações a tais direitos humanos

continuam a ocorrer diariamente, sem que os governos adotem providências para

coibir tais práticas. Isso demonstra, muitas vezes, não propriamente a aceitação da

universalidade dos direitos humanos, mas sim a adesão politicamente oportuna

pelos governos a um discurso abstrato da agenda internacional.

6.5 Direitos Humanos: uma concepção das elites ocidentais e ocidentalizadas

Os Direitos Humanos podem ser considerados ocidentais no sentido de que

foram formulados por uma elite ocidental, sendo aceitos pelas elites ocidentalizadas

no resto do mundo.

O projeto da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinado por um

comitê composto por Eleanor Roosevelt, presidente da comissão; P.C. Chang como

vice-presidente, representando a China e, como relator, Charles Malik,

representando o Líbano. É interessante perceber que, apesar das aparentes

diferenças nacionais, Chang é doutorado pela Columbia University, enquanto Malik

graduou-se na Harvard University. Em outras palavras, eles pertencem à elite

ocidentalizada. Isso também se aplica as elites ocidentalizadas que se encontram

nestes países. Desta forma, Renteln (1990) observa que há razões consideráveis

para acreditar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos possui uma forte

marca ocidental.

Os Direitos Humanos também podem ser considerados ocidentais, tendo em

vista o fato de que as propostas apresentadas da Declaração Universal dos Direitos

Humanos vieram de países ocidentais. Quando a Comissão de Direitos Humanos

iniciou seus trabalhos, havia dezoito propostas a serem consideradas e todas essas

propostas eram provenientes de democracias ocidentais.

Renteln (1990) observa ainda que todos os membros da Comissão que

esboçou a Declaração Universal dos Direitos Humanos são ocidentais ou foram

educados no Ocidente. Todavia, Renteln (1990) admite e conclui que isso não

significa que todas as perspectivas não ocidentais foram simplesmente ignoradas

durante a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os membros

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da Comissão que não eram ocidentais, mas que foram educados no Ocidente,

possuíam influências também das suas próprias tradições culturais. Dessa forma,

não há como afirmar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos possua,

apenas, traços elitistas ocidentais.

Renteln (1990) pondera ainda que a questão referente ao fato de as

sociedades não ocidentais adotarem ou não os direitos humanos ainda deve ser

mais pesquisada e estudada, uma vez que a literatura sobre o tema é ainda

insatisfatória. Vários escritores simplesmente declaram a existência ou ausência de

direitos humanos nas suas tradições, mas fornece pouca documentação para

sustentar as afirmações que fazem. Ademais, tendo em vista que a grande maioria

desses escritores foi educada na Europa ou nos Estados Unidos da América, eles

tendem a citar fontes do Iluminismo.

Infelizmente, um estudo deste tipo pode demonstrar, na melhor das hipóteses, unicamente o que as elites acreditam. Até isto, talvez não seja possível. Quase todos os países colocam os direitos humanos nas suas constituições, não necessariamente porque as elites acreditam nestes direitos, mas porque os direitos humanos são um modismo. Embora, possa-se ser capaz de averiguar as intenções das suposições presentes nos projetos constitucionais, há poucas chances de determinar quais e como são os reais códigos morais daquela sociedade específica. (RENTELN, 1990, p.92, tradução nossa)42.

Assim, permanecerão duas dúvidas em relação às elites em geral: estarão

elas representando genuinamente os cidadãos das suas respectivas comunidades

assim como afirmam? As elites, ocidentalizadas ou não, representam realmente os

valores morais da sociedade a qual pertencem? Segundo Renteln (1990), na prática,

percebemos que as elites representam, muitas vezes, apenas interesses políticos

diversos da vontade e cultura popular ou representam apenas culturas minoritárias,

no entanto, o que se deve, realmente, buscar em relação à questão de

universalidade dos Direitos Humanos é a harmonia desses com os valores genuínos

de cada cultura, valores estes que, por meio de traços convergentes constituem os

fundamentos dos Direitos Humanos.

42 “Unfortunately, a study of this kind can demonstrate at best only what the elites believe. Even that may not be possible. Almost all countries put human rights in their constitutions, not necessarily because the elites believe in them, but because human rights are fashionable. Although one may be able to ascertain the assumptions of the drafters of the constitutions there is little chance of determining what the traditional moral codes are like.”

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6.6 Direitos Humanos: universais ou ocidentais? Breve análise desta questão sob o ponto de vista de Boaventura de Souza Santos

Primeiramente, gostaria de esclarecer que a perspectiva de Santos (2006)

acerca do universalismo dos direitos humanos frente o multiculturalismo real e a

efetiva possibilidade de proteção do direito à diversidade cultural será abordada de

forma mais profunda e analítica no próximo capítulo.

Em relação à questão específica de serem os Direitos Humanos universais,

ou apenas uma idéia fundamentalmente ocidental, Santos (2006) esclarece que a

origem ocidental dos Direitos Humanos não é incompatível com a universalidade de

tais direitos caso aconteça de, em determinado período histórico, todas as

comunidades culturais considerarem espontaneamente estes direitos como padrões

ideais morais e políticos. Nas palavras de Santos (2006, p.442), “a energia

mobilizadora que pode ser gerada para tornar concreta e efetiva a vigência dos

direitos humanos depende em parte da identificação cultural com os pressupostos

que os fundamentam enquanto reivindicação ética”.

Em relação à possibilidade de serem os Direitos Humanos universais no

sentido de serem transculturais, ou seja, parte de uma cultura global, Santos (2006)

acredita não ser possível. De acordo com este autor, o único evento transcultural é a

relatividade de todas as culturas.

A relatividade cultural (não o relativismo) exprime também a incompletude e a diversidade cultural. Significa que todas as culturas tendem a definir como universal os valores que consideram fundamentais. O que é mais elevado ou importante é também o mais abrangentemente válido. Deste modo, a questão especifica sobre as condições de universalidade numa dada cultura é em si mesma, não-universal. A questão da universalidade dos direitos humanos é uma questão cultural do Ocidente. Logo, os direitos humanos são universais apenas quando olhados de um ponto de vista ocidental. Por isso mesmo, a questão da universalidade dos direitos humanos trai a universalidade do que questiona ao questioná-lo. (SANTOS, 2006, p.442).

Para Santos (2006), a percepção ocidental de universalidade dos Direitos

Humanos é, na verdade, uma tentativa de solucionar a questão referente à real

incompletude de todas as culturas. Segundo este autor, diferentes valores

fundamentais em culturas diversas podem levar a percepção de preocupações

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semelhantes que, por uma adequada tradução intercultural, ficam mutuamente

inteligíveis.

Santos (2006) observa que, “a questão da universalidade nega a

universalidade do que questiona, independentemente da resposta que lhe for dada.”

(SANTOS, 2006, p.443). O autor ainda alega que, provavelmente, seja por isso que

outras interpretações e argumentos estejam sendo utilizados, atualmente, na defesa

da perspectiva universalista dos Direitos Humanos. Santos (2006) dá como exemplo

os autores que afirmam serem os Direitos Humanos universais por serem parte

integrante de todos os seres humanos, ou seja, são direitos inerentes à própria

natureza humana, independentemente de serem reconhecidos e legitimados pelas

diversas comunidades culturais.

Esta linha de pensamento evita a questão, “deslocando” o seu objeto. Uma vez que os seres humanos não detêm direitos humanos por serem seres – a maioria dos seres não detêm direitos – mas porque são humanos, é a questão não respondida da universalidade da natureza – existe um conceito cultural invariante de natureza humana? – que torna possível a resposta fictícia à questão da universalidade dos direitos humanos. (SANTOS, 2006, p.443).

Dessa forma, Santos (2006) acredita que a concepção preponderante,

atualmente, em relação à universalidade dos Direitos Humanos é, na realidade, uma

perspectiva ocidental.

O conceito de direitos humanos assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres. (SANTOS, 2006, p.444).

De acordo com Santos (2006), a universalidade dos Direitos Humanos só

será alcançada, verdadeiramente, pelo diálogo intercultural por meio da

hermenêutica diatópica, conforme será analisado no próximo capítulo.

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7 O UNIVERSALISMO E A EFETIVA POSSIBILIDADE DE PROTEÇÃO AO DIREITO À DIVERSIDADE CULTURAL 7.1 A efetiva possibilidade de proteção ao direito à diversidade cultural sob visão de Charles Taylor

O filósofo político norte-americano Charles Taylor (1999), em sua análise

sobre a questão da universalização dos Direitos Humanos face à diversidade

cultural, propôs como solução a possibilidade de se alcançar um consenso

intercultural genuíno e voluntário, por meio da elaboração de normas internacionais

de Direitos Humanos aplicáveis a todas as culturas. O fundamento de tais normas

poderia variar de acordo com as peculiaridades e valores de cada cultura.

Assim, embora diferentes culturas possuam visões incompatíveis acerca de

questões ligadas, por exemplo, à religião, à filosofia, à dignidade humana e à moral,

seria plausível alcançar um acordo sobre certas normas a serem reconhecidas e

asseguradas por todos os sistemas culturais, aceitando, mutuamente, as diferenças

quanto aos fundamentos legitimadores destas normas. Essa concordância quanto a

estas normas internacionais representariam a universalização dos direitos humanos.

De acordo com a proposta de Taylor (1999) para a universalização dos

Direitos Humanos, o consenso genuíno e voluntário entre os povos se realizaria

através da concordância quanto a determinados aspectos gerais dos Direitos

Humanos, independentemente das divergências existentes entre as diversas

concepções filosóficas, morais e religiosas fundamentadoras de tais consensos. E, à

medida que o consenso intercultural se aprofundasse, ocorreria um processo de

aprendizagem mútua, em que seria possível a criação de uma maior identidade

entre as diversas concepções culturais – filosóficas, formando-se uma base sólida

de respeito e compreensão intercultural. O desenvolvimento dessa compreensão

evitaria que as normas internacionais acerca dos Direitos Humanos, acordadas entre

as diversas culturas, se tornassem frágeis.

Para Taylor (1999), o desrespeito e hostilidade em relação às justificativas

dos diversos sistemas culturais para as normas universais de Direitos Humanos

devem ser evitados; pois, se as partes comprometidas com o consenso universal

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ridicularizam e inferiorizam os fundamentos filosóficos das outras culturas, isso fará

com que os demais respondam com a mesma hostilidade acerca dos fundamentos

filosóficos da cultura hostilizadora o que, por via de conseqüência, poderá resultar

na rejeição recíproca e viciosa das construções interculturais e impedirá a criação de

um consenso universal acerca das normas internacionais de Direitos Humanos.

Assim, conforme observa o próprio Taylor (1999, p.143) 43 “o consenso requer [...]

que nós compreendamos melhor cada um de nós nas nossas diferenças, que nós

aprendamos a reconhecer o que é bom e admirável em nossas diferentes tradições

espirituais.”

Desta feita, percebemos que para alcançar um consenso universal acerca das

normas internacionais de direitos humanos, deveremos primar pelo aprofundamento

do reconhecimento, respeito mútuo e compreensão entre as diversas comunidades

culturais.

Para Taylor (1994), não é possível elaborar uma concepção de Direitos

Humanos legítimos que seja indiferente às particularidades de cada sistema cultural.

Isso porque, conforme o entendimento deste autor, os seres humanos não podem

ser separados de suas concepções culturais. E, em face ao pluralismo cultural, não

há outra solução “senão abdicar das respostas únicas, verdadeiras e definitivas”.

(CITTADINO, 2000, p.98).

A proposta de Taylor (1999) não visa ultrapassar os particularismos históricos,

sociais e culturais de cada povo, o que este autor propõe é um consenso universal

sobre algumas normas de direitos humanos, fundamentadas nas distintas visões

filosóficas de cada cultura.

Similarmente ao entendimento de Taylor (1999), a pesquisadora e filósofa

norte-americana Carol C. Gould (2001) entende que a melhor forma de se

compatibilizar os ideais de universalização dos direitos humanos com a diversidade

cultural do mundo é a promoção de diálogos interculturais. Por meio de tais diálogos,

Gould (2001) acredita ser possível formular normas e princípios comuns aplicáveis a

todas as culturas. Essas normas e princípios seriam provenientes de valores comuns

existentes nas várias sociedades e deveriam ser respeitados por todos. Dessa

forma, haveria a real possibilidade de respeito às práticas culturais que não se

assemelham à nossa própria.

43 “consensus requires (…) that we come better to understand each other in our differences, that we learn to recognize what is great and admirable in our different spiritual traditions”.

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Segundo esta autora, a concepção de normas, valores ou obrigações

universais como emergentes de uma interação de culturas, ou melhor, de pessoas

de diferentes culturas, tem muita força. E se, realmente, ocorrer na prática essa

interação, será possível alegar a viabilidade da criação de normas universais

legítimas, em consonância com todas as culturas e não apenas privilegiando um

determinado sistema cultural. Nas palavras de Gould (2001), “contrariando a idéia de

que é simplesmente uma concepção ocidental, a noção contemporânea dos direitos

humanos é distintamente pluricultural” (GOULD, 2001, p.77, tradução nossa).44

Como veremos no próximo tópico, Santos (2006) também acredita que o

diálogo intercultural seja a melhor forma de se promover o respeito, interação e

enriquecimento cultural entre os povos.

7.2 A proteção ao direito à diversidade cultural sob a ótica do interculturalismo de Boaventura de Sousa Santos

7.2.1 Desigualdade e exclusão

De acordo com Santos (2006) existem dois sistemas de “pertença

hierarquizada” que são a desigualdade e a exclusão. A desigualdade constitui um

sistema hierárquico de integração social, ou seja, o indivíduo que está na base da

pirâmide também está integrado ao sistema e sua presença é fundamental para o

funcionamento do mesmo. Dessa forma, no sistema de desigualdade, a pertença

ocorre através da integração subordinada do indivíduo.

Já no sistema de exclusão, a pertença acontece pela própria exclusão do

indivíduo. Diferentemente do sistema de desigualdade, o sistema de exclusão pauta-

se num sistema hierárquico em que predomina o princípio da segregação, ou seja, a

pertença do indivíduo no sistema se dá pela forma como este é excluído.

A exclusão da normalidade é traduzida em regras jurídicas que vincam, elas próprias, a exclusão. Na base da exclusão está uma pertença que se

44 “Contrary to the idea that it is simply a Western conception, the contemporary notion of the human rights is distinctively pluricultural.”

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afirma pela não-pertença, um modo específico de dominar a dissidência. Assenta num discurso de fronteiras e limites que justificam grandes fraturas, grandes rejeições e segregações. (SANTOS, 2006, p.281).

Estes sistemas de hierarquização social são considerados “tipos ideais”,

tendo em vista que, na prática, os grupos sociais participam concomitantemente dos

dois sistemas por de combinações complexas.

Outra diferença essencial apontada pelo autor em relação a estes sistemas

de hierarquização social é que a desigualdade retrata, primordialmente, o fenômeno

sócio-econômico, enquanto a exclusão aborda sobretudo o fenômeno cultural e

social.

7.2.2 O universalismo diferencialista e o universalismo antidiferencialista

O mecanismo ideológico de administração da desigualdade e da exclusão é o

universalismo. Santos (2006) observa que o universalismo pode assumir duas

formas contraditórias. A primeira é o universalismo diferencialista, segundo o qual o

fenômeno da universalização ocorre através da absolutização das diferenças, ou

seja, em consonância com a lógica do relativismo segundo a qual não é plausível a

comparação das diferenças entre os sistemas culturais por absoluta falta de critérios

transculturais.

O universalismo diferencialista funciona pela intensificação abstrata de várias

diferenças e/ou identidades, independentemente dos fluxos de desigualdade entre

tais diferenças e/ou identidades.

A segunda forma é o universalismo antidiferencialista que atua através da

descaracterização das diferenças e identidades. Isso ocorre pela absolutização de

uma diferença ou identidade e desprezo das demais. Dessa forma, pode-se

reproduzir e/ou intensificar as hierarquias existentes entre a diferença ou identidade

absolutizada em relação às demais. Assim, na sua justificação, o universalismo

antidiferencialista resulta na absolutização de uma determinada diferença ou

identidade. Essa diferença ou identidade que constitui o menor denominador comum

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torna-se o critério supostamente universal de negação das diferenças45. Santos

(2006) cita como exemplo, durante o período do colonialismo, o privilégio absoluto

conferido à identidade cristã que possibilitou a formação, naquele contexto, de um

universalismo antidiferencialista.

Enquanto o universalismo diferencialista aceita a desigualdade e a exclusão

pelo excesso de semelhança, o universalismo antidiferencialista admite a

desigualdade e a exclusão pelo excesso de diferença.

7.2.3 A política assimilacionista

O assimilacionismo consiste, basicamente, no reconhecimento específico de

uma determinada identidade de indivíduos autônomos e formalmente iguais sob a

forma de universalismo antidiferencialista. Um exemplo, conforme observa Santos

(2006), é a expansão européia em que, pelas justificativas teológicas, reconheceu-

se exclusividade a identidade religiosa cristã, considerada então como igualmente

acessível a todos.

Segundo Santos (2006), o assimilacionismo constituiu um dos pilares da

política do Estado moderno europeu em relação às colônias, configurando uma das

principais formas de intervenção política utilizadas para solucionar à “questão

indígena”, ou seja, ao afastar o diferencialismo, a política assimilacionista integra

uma ideologia colonial, em que o progresso, sinônimo de civilização, despreza as

diferenças históricas, e determina aos “indígenas primitivos” a aceitação dos valores

culturais europeus – ocidentais, considerados valores “superiores” e única forma

destes povos primitivos alcançar a evolução, superando o atraso cultural.

Assim, durante o período colonial, o sistema de dominação europeu possuía

um caráter dúplice, visto que ao mesmo tempo em que criou e intensificou a

desigualdade e a exclusão nas colônias, também administrava nas sociedades 45 Ao contrário da absolutização das diferenças, Santos (2006, p.283) descreve que “a negação das diferenças opera segundo a norma da homogeneização que só permite comparações simples, unidimensionais (por exemplo, entre cidadãos), impedindo comparações mais densas ou contextuais (por exemplo, diferenças culturais), pela negação dos termos de comparação”. Sobre este assunto, Santos (2006) esclarece que tanto a absolutização quanto à negação das diferenças admitem a utilização de critérios abstratos de normalização fundamentados em diferenças que possuem força para negar todas as outras diferenças ou para considerá-las incomparáveis e, conseqüentemente, inassimiláveis.

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metropolitanas um discurso de coesão social fundamentada em princípios de

cidadania e igualdade formal. Santos (2006) ressalta que a excessiva intensificação

da desigualdade e da exclusão poderia tornar impossível a própria exploração

colonial. Dessa forma, o próprio sistema colonial controlava os níveis e a

abrangência de desigualdade e exclusão, com o objetivo primordial de manter a

viabilidade do sistema colonial.

Há várias formas de exclusão, e estas devem ser diferenciadas para que seja

possível perceber a distinção entre as formas de exclusão, objeto de assimilação e

as formas de exclusão objeto de segregação, expulsão ou extermínio.

Essa distinção é feita segundo critérios através dos quais o Estado tenta validar socialmente as diferenças entre o louco ou criminoso perigoso e o não perigoso; entre o bom e o mau imigrante; entre o povo indígena bárbaro e o assimilável; entre o opositor e o comunista ou, mais recentemente, o terrorista; entre o desviante sexual tolerável e o intolerável; entre o muçulmano fundamentalista e o não fundamentalista etc. Enfim, critérios que distinguem entre os civilizáveis e os incivilizáveis; entre as exclusões demonizadas e as apenas estigmatizadas; entre aquelas em relação às quais é total a “mixofobia” e aquelas em que se admite hibridização a partir da cultura dominante; entre as que se constituem inimigos absolutos ou apenas relativos. (SANTOS, 2006, p.285).

Para Santos (2006), a política assimilacionista é excludente ainda de maneira

mais profunda, considerando-se que o universalismo antidiferencialista que a

fundamenta é muito menos universal e antidiferencialista do que se percebe

inicialmente. O autor esclarece que o que é entendido como universalismo é, na

verdade, uma especificidade, um particularismo, a diferença de um grupo social, de

uma classe ou uma etnia que impõe sua diferença ou identidade, muitas vezes, pela

violência e, com isso, se universaliza.

Comparando a realidade descrita acima com a realidade contemporânea,

Santos (2006) nota que as políticas culturais, educativas, de saúde e outras

realizadas pelos Estados atuais são utilizadas para naturalizar determinadas

diferenças e identidades como universais e, conseqüentemente, tornar o ato de

violência imposto num primeiro momento em uma situação legítima, em consonância

com os princípios de consenso social e internacional. Dessa forma, todas as

expressões de identidade cultural que foram excluídas são vistas como forma de

neo-colonialismo, tribalismo, racismo etc. Há uma inversão no entendimento da

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realidade, em que se camufla o processo de dominação de uma determinada

cultura, diferença e/ou identidade.

Santos (2006) esclarece que não são todas as diferenças que são

inferiorizadoras. Todavia, sempre que nos encontramos diante de diferenças não

inferiorizadoras, a política de igualdade que as despreza ou desconsidera,

transforma-se, contraditoriamente, numa política de desigualdade. Isso ocorre

porque uma política de igualdade que nega as diferenças não inferiorizadoras

constitui, na realidade, uma política discriminatória. Ressalta-se ainda, como

analisado anteriormente, que a discriminação pode ocorrer tanto pela absolutização

da diferenças quanto pela negação dessas mesmas diferenças.

Assim, Santos (2006) pondera que a grande questão é achar o equilíbrio

entre a igualdade e a diferença, visto que não há identidade sem a diferença e, por

sua vez, a existência da diferença implica necessariamente haver certa

homogeneidade.

O multiculturalismo progressista pressupõe que o princípio da igualdade seja prosseguido de par com o princípio do reconhecimento da diferença. A hermenêutica diatópica pressupõe a aceitação do seguinte imperativo transcultural: temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. (SANTOS, 2006, p.462).

7.2.4 Os Direitos Humanos no cenário da globalização

Os Direitos Humanos são considerados, atualmente, um dos principais pilares

da política internacional. Desde a década de 1990, a globalização46 neoliberal

começou a ser questionada por movimentos sociais e por algumas organizações não

governamentais. Este fenômeno deu origem a uma globalização contra-hegemônica

em que se desenvolveram novas concepções de Direitos Humanos. Esta 46 Santos (2006, p.437-438) observa, em relação ao fenômeno da globalização, que “aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de fato, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenômenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações. Em rigor, este termo só deveria ser usado no plural. Enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedores e vencidos. Daí, a definição de globalização por mim proposta: a globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival.”.

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globalização contra-hegemônica representou o surgimento de uma importante opção

face à globalização neoliberal que preponderava até então.

De acordo com a globalização neoliberal norte-cêntrica, o Sul é considerado

uma esfera problemática em relação ao respeito que se deve ter aos princípios

básicos dos Direitos Humanos. Por outro lado, o Norte é visto como modelo desse

respeito e, por isso mesmo, também é responsável por ajudar o Sul a aprimorar o

respeito pelos Direitos Humanos.

Com o advento da globalização contra-hegemônica, o Sul passou a

problematizar, através de fundamentos fortes e plausíveis, os pressupostos da

globalização hegemônica. Demonstrou ainda que as maiores atrocidades e

violações aos Direitos Humanos defendidos veementemente pelo Norte tiveram

origem e ganharam força a partir da criação e manutenção do sistema de dominação

do Norte sobre o Sul.

Dessa forma, devido às marcantes contradições existentes entre essas duas

concepções somadas às graves violações aos Direitos Humanos acontecendo em

escala global, a conceituação e os limites dos Direitos Humanos tornaram-se temas

bastante complexos. As controvérsias acerca dos Direitos Humanos aprofundam-se

cada dia mais em conseqüência do próprio desenvolvimento da globalização

hegemônica, da globalização contra-hegemônica e do enfrentamento entre essas

duas concepções. Neste panorama, foi possível perceber que, muitas vezes, as

políticas de Direitos Humanos não passam de políticas culturais.

Assim, atualmente, no século XXI, Santos (2006) considera que os Direitos

Humanos podem ser interpretados como simbolizando o regresso cultural e

religioso, visto que tanto a cultura como a religião são fenômenos intrinsicamente

ligados a diferenças, particularismos e fronteiras. Para Santos (2006), a concepção

ainda hegemônica de Direitos Humanos na contemporaneidade é a ditada pelo

Norte que, como dito anteriormente, prega e impõe seus próprios valores como

sendo universais. Santos (2006, p.437) então questiona, “como poderão os direitos

humanos ser uma política simultaneamente cultural e global?”. É o que será

analisado mais à frente neste capítulo.

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7.2.5 Os quatro processos de globalização

Diante das concepções de globalização hegemônica e contra-hegemônica,

Santos (2006) distingue quatro processos de globalização que determinam dois

modos de produção globalizados. Os primeiros dois processos a serem analisados

referem-se à globalização hegemônica e são conhecidos como localismo

globalizado, globalismo localizado.

7.2.5.1 Processos de globalização hegemônica: localismo globalizado, globalismo localizado

O localismo globalizado é o processo pelo qual um dado fenômeno, entidade,

condição ou conceito local é globalizado de forma bem sucedida. Dessa forma,

neste processo de produção de globalização o que se globaliza é o vitorioso de uma

disputa pela apropriação ou valorização de determinados elementos, o

reconhecimento supremo de determinada diferença cultural, racial, sexual, étnica,

religiosa ou regional. Esta conquista representa a capacidade de definir as

condições de integração, competição, negociação, inclusão e exclusão.

Já o segundo processo é denominado globalismo localizado e baseia-se no

impacto característico que incide nas condições locais das práticas e fundamentos

transnacionais que surgem dos localismos globalizados. Assim, com a imposição

das condições transnacionais, as situações locais são desintegradas,

marginalizadas, desestruturadas e, ocasionalmente, reestruturadas sob a forma de

inclusão subalterna.

Conforme assenta Santos (2006), a divisão internacional da produção da

globalização resume-se, atualmente, à constatação de que enquanto os países

centrais especializam-se em localismos globalizados, os países periféricos detêm-se

as várias opções de globalismos localizados ao mesmo tempo em que, em dadas

circunstâncias, promovem resistência a tais processos. Assim, o mundo é composto

pelo fluxo das relações entre globalismos localizados, localismos globalizados e das

resistências que surgem a esses processos.

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Enquanto entre os séculos XVI e XVIII a modernidade se assumiu como um projeto simultaneamente universal e ocidental, do século XIX em diante, reconceitualizou-se como universal, de um ponto de vista supostamente universal. Os direitos humanos universais ocidentais tornaram-se então direitos humanos universais. A partir daí, desenvolveu-se uma relação totalizadora entre vitimizadores e vítimas – a zona de contato colonial – que embora desigual nos seus efeitos, brutalizou ambos, forçando-os a partilhar uma cultura comum de dominação caracterizada, como referi acima, pela produção sistêmica de versões rarefeitas e empobrecidas das diferentes culturas presentes na zona de contato. (SANTOS, 2006, p.463).

Assim, Santos (2006, p.463) conclui que:

Na forma como têm sido convencionalmente entendidas, as políticas de direitos humanos baseiam-se na supressão massiva de direitos constitutivos, originários. Na forma como têm sido predominantemente concebidos, os direitos humanos são um localismo globalizado. Trata-se de uma espécie de esperanto, de uma língua franca que dificilmente se poderá tornar na linguagem cotidiana da dignidade humana nas diferentes regiões culturais do globo.

7.2.5.2 Processos de globalização contra-hegemônica: cosmopolitismo insurgente subalterno e o patrimônio comum da humanidade

Essas resistências formam o segundo modo de produção da globalização que

é a globalização contra-hegemônica, composta por dois processos de globalização,

quais sejam, o cosmopolitismo insurgente subalterno e o patrimônio comum da

humanidade.

O cosmopolitismo subalterno insurgente representa a oposição

transnacionalmente organizada contra os localismos globalizados e os globalismos

localizados. É composto por um número bastante variado de iniciativas, movimentos

e organizações que participam da resistência contra a exclusão e a discriminação,

criadas pela globalização neoliberal, através de articulações transnacionais. Estas

atividades de oposição são compostas, por exemplo, de redes transnacionais de

organizações antidiscriminação e pelos atos de defesa aos direitos interculturais.

Na modernidade ocidental, a idéia de cosmopolitismo está associada com idéias de universalismo desenraizado, individualismo, cidadania mundial e negação de fronteiras territoriais ou culturais. Estas idéias têm uma longa

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tradição no Ocidente. Esta tradição ideológica, que no passado esteve ao serviço da expansão européia, colonialismo e imperialismo, gera hoje, no desenvolvimento do mesmo processo histórico, os localismos globalizados e os globalismos localizados. O cosmopolitismo subalterno e insurgente refere-se à aspiração por parte dos grupos oprimidos de organizarem a sua resistência e consolidarem as suas coligações à mesma escala em que a opressão crescentemente ocorre, ou seja, à escala global. (SANTOS, 2006, p.439).

Assim, o cosmopolitismo subalterno insurgente não tem como conseqüência à

uniformização ou homogeneização cultural e não se fundamenta em uma “teoria

geral de emancipação social” que provoque a neutralização das diferenças e

identidades culturais.

Considerando-se o princípio da igualdade e o princípio do reconhecimento da

diferença, o cosmopolitismo insurgente pode ser considerado como uma

manifestação global que apareceu como conseqüência das articulações e

coligações transnacionais decorrentes das resistências locais pela dignidade,

inclusão e auto-determinação.

O outro processo de globalização contra-hegemônica é o patrimônio comum

da humanidade que se fundamenta no surgimento das oposições transnacionais por

valores ou recurso que, pela sua natureza, “são tão globais como o próprio planeta”

(SANTOS, 2006, p. 441). Assim, o patrimônio comum da humanidade pode ser

compreendido como o reconhecimento de determinados valores ou recursos como

essenciais à sustentabilidade da vida humana no planeta. Como dito no capítulo 4, a

própria UNESCO corroborou a idéia de ser o direito à diversidade cultural patrimônio

comum da humanidade, conforme explicitado na Declaração Universal sobre a

Diversidade Cultural de 2001.

Santos (2006) observa que a complexidade dos direitos humanos se deve ao

fato de que estes podem ser concebidos e praticados tanto como localismo

globalizado quanto como cosmopolitismo subalterno insurgente, ou seja, tanto pela

globalização hegemônica quanto pela globalização contra-hegemônica.

Enquanto os Direitos Humanos forem considerados de forma universal

abstrata, esses direitos serão vistos e aplicados, preponderantemente, através de

localismo globalizado e, assim, representarão uma verdadeira globalização

hegemônica pelo Ocidente. Na opinião de Santos (2006), para que tais direitos

atuem como cosmopolitismo subalterno insurgente, ou seja, como globalização

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contra-hegemônica, os direitos humanos terão de ser reconhecidos como

interculturais.

Concebidos como direitos universais, como tem sucedido, os direitos humanos tenderão sempre a ser um instrumento do “choque de civilizações” tal como o concebe Samuel Huntington (1993,1997), ou seja, como arma do Ocidente contra o resto do mundo (“the West against the rest”), como cosmopolitismo do Ocidente imperial prevalecendo contra quaisquer concepções alternativas de dignidade humana. Por esta via a sua abrangência global obtida à custa da sua legitimidade local. Pelo contrário, o multiculturalismo emancipatório [...] é a pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, os dois atributos de uma política contra-hegemônica de direitos humanos no nosso tempo. (SANTOS, 2006, p.441-442).

De acordo com Santos (2006), os traços da concepção ocidental podem ser

facilmente percebidos e distinguidos dos traços de outras culturas. Todavia, os

traços da concepção cultural ocidental, através da perspectiva universalista,

tornaram-se uma das principais características dos Direitos Humanos na atualidade.

Segundo o autor, isso pode ser notado quando da elaboração da Declaração

Universal de 1948, em que não houve a participação efetiva da maioria dos povos

do globo.

Conforme explicita Santos (2006), quando analisamos a história dos Direitos

Humanos no período pós Segunda Guerra Mundial, notamos que as políticas de

direitos humanos estiveram, via de regra, em favor dos interesses econômicos

geopolíticos dos Estados capitalistas hegemônicos.

Um discurso generoso e sedutor sobre os direitos humanos coexistiu com atrocidade de critérios. Escrevendo em 1981 sobre a manipulação da temática dos direitos humanos nos EUA pelos meios de comunicação social, Richard Falk denuncia a dualidade entre uma “política de invisibilidade” e uma “política de supervisibilidade”. Como exemplos da política de invisibilidade, Falk menciona a ocultação total durante anos das notícias sobre o trágico genocídio do povo maubere em Timor-leste (que ceifou mais que 300 mil vidas) e a situação dos cerca de cem milhões de “intocáveis” (dalits) na Índia. Como exemplos da política de supervisibilidade, Falk menciona a exuberância com que os atropelos pós-revolucionários dos direitos humanos no Irã e no Vietnam foram relatados nos EUA. E Falk conclui: “os pólos de invisibilidade e de supervisibilidade estão intimamente correlacionados com os imperativos da política externa norte-americana”. A verdade é que o mesmo pode dizer-se dos países da União Européia, sendo o exemplo mais gritante justamente o silêncio mantido sobre o genocídio do povo maubere, ocultado aos europeus durante uma década, para facilitar a continuação do próspero comércio com a Indonésia. (SANTOS, 2006, p.444).

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Em relação ao universalismo cultural, Santos (2006) considera que mesmo

que todas as culturas compartilhem preocupações e valores cuja legitimidade

dependa do contexto, o universalismo cultural, enquanto corrente filosófica, é

incorreto. O autor é favorável a diálogos interculturais em relação a preocupações

compartilhadas e expressas por meio de linguagens diversas a partir de universos

culturais diferentes. Ademais, ressalta que

na medida em que o debate desencadeado pelos direitos humanos evoluir para um diálogo competitivo entre culturas diferentes sobre os princípios de dignidade humana, é imperioso que tal competição induza a formação de coligações transnacionais que lutem por valores ou exigências máximos, e não por valores ou exigências mínimos. (SANTOS, 2006, p.446).

7.2.6 Completude ou incompletude cultural?

Como bem observa Santos (2006), todas as culturas são incompletas e

complexas nos seus fundamentos e concepções. Esta incompletude é conseqüência

da própria pluralidade de culturas, visto que se houvesse uma cultura realmente

completa, esta seria a única.

De acordo com Santos (2006), essa idéia de completude está na base de um

sentimento do qual parece sofrer todas as culturas. E, esta também é a razão pela

qual a incompletude cultural é percebida de forma mais clara quando se analisa uma

cultura pelo lado de fora, ou seja, a partir da perspectiva de outra cultura. Aprimorar

a consciência de incompletude cultural é um dos elementos fundamentais para a

formação de uma concepção verdadeiramente emancipadora e multicultural de

direitos humanos.

Nenhuma cultura é monolítica, todas as culturas possuem perspectivas

diferentes de determinados valores humanos, algumas de forma mais ampla que as

demais, e outras com um maior grau de reciprocidade. Todavia, é importante que se

construa e se aprofunde o diálogo intercultural, tornando possível a formação de

uma concepção de Direitos Humanos que, ao invés de se fundamentar em falsos

universalismos, se estabeleça como uma concepção inteligível e legitima para as

diversas culturas.

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7.2.7 A hermenêutica diatópica

Num diálogo intercultural, a troca que há entre as diversas concepções

culturais acerca de valores e conhecimentos demonstra os traços mais importantes

de diferentes culturas, ou seja, explicita os universos de distintos sentidos, muitas

vezes, incomensuráveis. Esses universos de sentido constituem o que Santos

(2006) chama de topoi47 fortes.

Estes topoi fortes de uma determinada cultura são muito vulneráveis e

problemáticos quando empregados numa cultura diferente. Assim quando um topoi

forte de uma dada cultura é utilizado em outra, na melhor das hipóteses, o que pode

acontecer é, ao invés de este topoi ser considerado fundamento de argumentação,

ele ser considerado um mero argumento. De acordo com Santos (2006), analisar e

verdadeiramente compreender um dado sistema cultural a partir dos topoi de outra

cultura é muito difícil, contudo, não é impossível. Para realizar tal propósito, Santos

(2006) desenvolveu a hermenêutica diatópica.

As controvérsias acerca dos Direitos Humanos não devem ser restringidas,

apenas, à esfera intelectual, configurando-se, na realidade, “uma prática que resulta

de uma entrega moral, afetiva e emocional ancorada na incondicionalidade do

inconformismo e da exigência de ação.” (SANTOS, 2006, p.448).

Santos (2006) observa que essa entrega só acontece quando há uma

identificação profunda dos pressupostos culturais inseridos na personalidade e nas

maneiras básicas de socialização. A hermenêutica diatópica é o instrumento

necessário para a concretização e aprofundamento do diálogo intercultural e se

fundamenta na idéia de que os topoi de uma determinada cultura, por mais forte que

sejam, são tão incompletos quanto à própria cultura da qual fazem parte. Nota-se,

todavia, que esta incompletude não é perceptível a partir do interior da própria

cultura, visto que a noção de totalidade induz a que se analise a parte pelo todo.

A finalidade da hermenêutica diatópica não é alcançar a completude, visto

que isso seria impossível. A meta da hermenêutica diatópica é expandir ao máximo

47 Segundo Santos (2006, p.447) “os topoi são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dadas a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos.”

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a consciência de incompletude mútua das culturas por meio do diálogo que estas

realizam entre si. Nisto está caráter o diatópico do diálogo intercultural proposto por

Santos (2006).

Durante o diálogo intercultural, Santos (2006) vislumbra que, comumente, os

participantes sentem a necessidade de esclarecer ou justificar idéias e ações

consideradas comuns no seio da sua cultura. Isso é necessário porque várias

características de nossa cultura não fazem parte dos demais sistemas culturais com

os quais dialogamos.

Analisando diversas culturas, Santos (2006) observou que:

A hermenêutica diatópica mostra-nos que a fraqueza fundamental da cultural ocidental consiste em estabelecer dicotomias demasiado rígidas entre o indivíduo e a sociedade, tornando-se assim vulnerável ao individualismo possessivo, ao narcisismo, à alienação e à anomia. De igual modo, a fraqueza fundamental das culturas hindu e islâmica deve-se ao fato de nenhuma delas reconhecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual irredutível, a qual só pode ser adequadamente considerada numa sociedade não hierarquicamente organizada. (SANTOS, 2006, p.447).

Assim, através da hermenêutica diatópica e do diálogo intercultural é possível

percebermos e aprimorarmos os aspectos frágeis do sistema cultural do qual

fazemos parte. Dessa forma, o diálogo intercultural promove não só a possibilidade

de questionamentos e reivindicações em relação aos Direitos Humanos, como

também viabiliza a revisão e modificação espontânea dos elementos e práticas

culturais.

Ao envolverem-se em revisões recíprocas, as tradições atuam como culturas hóspedes e culturas anfitriãs. Estes são os passos necessários ao exercício complexo da tradução intercultural ou da hermenêutica diatópica. O resultado é a reivindicação de uma concepção híbrida da dignidade humana e, por isso também uma concepção mestiça dos direitos humanos. Aqui reside a alternativa a uma teoria geral de aplicação pretensamente universal, a qual não é mais que uma versão peculiar de universalismo que concebe como particularismo tudo o que não coincide com ele. (SANTOS, 2006, p.447).

Pela sua própria natureza, a hermenêutica diatópica é uma proposta de

colaboração intercultural e não pode ser realizada a partir dos pressupostos de uma

única cultura. Conforme assevera Santos (2006), para a efetiva concretização do

diálogo intercultural, através da hermenêutica diatópica, é necessário não só uma

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forma de conhecimento diferente, mas um processo diferenciado na construção do

próprio conhecimento.

A hermenêutica diatópica requer a construção de conhecimentos de maneira

coletiva, participativa, interativa e intersubjetiva. Contudo, deve-se ter consciência de

que a construção do conhecimento é um caminho tortuoso, havendo “áreas

sombrias, zonas de incompreensão ou ininteligibilidade irremediáveis, as quais, para

evitar a paralisia ou faccionalismo, devem ser relativizadas em nome de interesses

comuns” (SANTOS, 2006, p.454). Sobre esta questão Santos (2006) cita o

pensamento de Tariq Ramadan:

o Ocidente não é monolítico nem diabólico, e os seus fenomenais recursos em termos de direitos, conhecimento, cultura e civilização são demasiado importantes para serem simplesmente minimizados ou rejeitados. [Todavia] ser um cidadão ocidental e muçulmano e preservar estas verdades significa, quase sistematicamente, correr o risco de ser olhado como alguém que não está bem “integrado”. Assim, permanece a suspeita sobre a verdadeira lealdade destas pessoas. Tudo se processa como se a nossa “integração” tivesse que ser comprada com o nosso silêncio. Este tipo de chantagem intelectual deve ser recusado. (RAMADAN apud SANTOS, 2006, p.454).

De acordo com Santos (2006), considerando-se a profunda relação histórica

com o colonialismo, a submissão dos direitos humanos à hermenêutica diatópica

pode ser considerada como um desafio de tradução intercultural. O autor observa

que a real possibilidade de aprendizagem do Norte com o Sul é somente o início,

havendo ainda o risco de o Sul representar, na realidade, um ponto de partida

equivocado. Isso porque, ao longo da história, o Sul muitas vezes “desaprendeu”

com o Norte. Um exemplo disso foi o imperialismo que brutalizou tanto os

dominados quanto os dominadores.

Ali Shariati comenta que:

eu senti tanto ódio para com os grandes monumentos da civilização que ao longo da história foram glorificados sobre os ossos dos meus antepassados! Os meus antepassados também construíram a grande muralha [sic] da China. Os que não podiam suportar as cargas foram esmagados debaixo de pedras pesadas e enterrados com elas nas muralhas. Foi assim que foram construídos todos os grandes monumentos das civilizações – à custa da carne e do sangue dos meus antepassados (SHARIATI apud SANTOS, 2006, p.455).

Santos (2006) considera que o mesmo poderia ser dito em relação aos

Direitos Humanos, considerando-os como o grande monumento do Ocidente: “a

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formulação asséptica e a-histórica que se auto-concederam oculta o lado negro das

suas origens, desde os genocídios da expansão européia, até ao Thermidor e o

Holocausto”. (SANTOS, 2006, p.454).

Um dos objetivos de Santos (2006) é tornar claro, através da análise da

hermenêutica diatópica, que o reconhecimento do enfraquecimento cultural

recíproco, ou seja, empobrecimento cultural tanto da vítima quanto do opressor,

configura uma das condições para o começo e aprimoramento do diálogo

intercultural.

Segundo o autor, as culturas sempre foram interculturais e as trocas e

interpenetrações entre os sistemas culturais sempre ocorreram de forma assimétrica

e quase sempre de maneira adversa ao diálogo cosmopolita.

Para Santos (2006), somente a percepção da densidade e complexidade da

história torna possível agir independentemente dela; e a análise ponderada das

relações existentes entre dominado e dominador evita considerações

diferenciadoras restritivas entre as culturas.

Santos (2006) considera que também pode haver o argumento de que apenas

culturas completas teriam condições plenas de participar de diálogos interculturais,

sem sofrerem o risco de se descaracterizarem ou de desaparecerem diante de

culturas tidas como mais poderosas.

Um exemplo do argumento apresentado acima está na idéia de que apenas

uma cultura poderosa e historicamente auto-declarada vencedora, como é a cultura

ocidental, teria condições de se assumir como incompleta, sem sofrer o risco de ser

descaracterizada ou desaparecer. Dessa forma, Santos (2006) nota que a idéia de

incompletude cultural seria um poderoso mecanismo de hegemonia cultural e, assim,

tornar-se-ia um perigo para as culturas subordinadas.

Santos (2006) admite que esse argumento possui grande força, sobretudo,

em relação às culturas não-ocidentais que viveram atrocidades decorrentes do

contato e convívio que tiveram com o Ocidente, resultando, em alguns casos na

extinção cultural. Esta é a situação de povos indígenas das Américas, da Austrália,

da Nova Zelândia, da Índia etc. Tais sistemas culturais passaram por um drástico

processo de descaracterização decorrente da dominação pelo Ocidente. Assim, a

proposta de adesão à idéia de incompletude cultural, como pressuposto da

hermenêutica diatópica, é algo difícil de ser aceito por estes povos, por mais puras

que sejam as intenções.

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Santos (2006) observa que o ponto conflitante da argumentação apresentada

acima é que ela leva a dois resultados alternativos plausíveis no que se refere ao

diálogo intercultural, quais sejam, o fechamento cultural ou a conquista cultural. No

atual momento histórico de desenvolvimento e intensificação das atividades culturais

transnacionais, o fechamento cultural oculta os inevitáveis e incontroláveis

processos de desestruturação, contaminação e hibridação cultural.

Esses processos se fundamentam em relações de poder e em trocas culturais

assimétricas, em que o fechamento cultural representaria uma das formas da

conquista cultural. Assim, a questão gira em torno de verificar se a conquista cultural

pode ser substituída por diálogos interculturais fundamentados em condições

acordadas pelas partes. Santos (2006) conclui este tema analisando o dilema da

incompletude cultural da seguinte forma:

se uma cultura se considera inabalavelmente completa não tem nenhum interesse em envolver-se em diálogos interculturais; se, pelo contrário, admite, como hipótese, a incompletude que outras culturas lhe atribuem e aceita o diálogo, perde confiança cultural, torna-se vulnerável e corre o risco de ser objeto de conquista. Por definição, não há saídas fáceis para este dilema mas também não penso que ele seja insuperável. Tendo em mente que o fechamento cultural é uma estratégia auto-destrutiva, não vejo outra saída senão elevar as exigências do diálogo intercultural até um nível suficientemente alto para minimizar a possibilidade de conquista cultural, mas não tão alto que destrua a própria possibilidade do diálogo - caso em que se reverteria ao fechamento cultural e, a partir dele, à conquista cultural. (SANTOS, 2006, p.456).

7.2.8 Da completude à incompletude cultural

Como foi analisado anteriormente, a completude cultural é a primeira idéia

que cada cultura tem de si própria e, para ser possível o diálogo intercultural, é

fundamental que as culturas participantes se conscientizem da própria incompletude.

Assim, a completude cultural é elemento perceptível no instante anterior ao

início do diálogo intercultural. Conforme esclarece Santos (2006), o início do diálogo

intercultural se dá no instante da frustração ou do descontentamento com a cultura

da qual fazemos parte:

um sentimento, por vezes difuso, de que a nossa cultura não fornece respostas satisfatórias para todas as nossas questões, perplexidades ou

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aspirações. Este sentimento suscita a curiosidade por outras culturas e suas respostas, uma curiosidade quase sempre assente em conhecimentos muito vagos dessas culturas. (SANTOS, 2006, p.459-460).

Santos (2006) ressalta que o instante da frustração ou do descontentamento

com a própria cultura abrange uma pré-compreensão da existência e da provável

importância das demais culturas. A partir da pré-compreensão surge a consciência

da incompletude cultural e, assim, o impulso necessário para o estabelecimento e

aprimoramento do diálogo intercultural através dos fundamentos da hermenêutica

diatópica.

A finalidade principal da hermenêutica diatópica é exatamente incentivar a

reflexão de cada um em relação à sua própria cultura para que cada um de nós

possa perceber quão incompleta é a nossa própria cultura e todas as demais. A

partir da noção desta incompletude teríamos condição de desenvolver o diálogo

intercultural.

É muito neste espírito que Makau Mutua, depois de argumentar que “os esforços persistentes para universalizar um corpus essencialmente europeu de direitos humanos através de cruzadas ocidentais não pode ter êxito”, afirma: “as críticas ao corpus dos direitos humanos por parte de africanos, asiáticos, muçulmanos, hindus e por um vasto conjunto de pensadores críticos de todo o mundo são a única via através da qual os direitos humanos poderão ser redimidos e verdadeiramente universalizados.” (SANTOS, 2006, p.460).

Santos (2006) esclarece que todas as culturas possuem grande diversidade

interna. Assim, para o diálogo intercultural, deve ser utilizada a versão de uma dada

cultura que representa o círculo de reciprocidade mais abrangente, ou seja, a faceta

cultural que mais possibilite o reconhecimento das demais culturas.

O autor ainda observa que o momento do diálogo intercultural não pode ser

definido por somente uma das partes. É direito de cada cultura escolher o instante

que considera mais propício para participar do diálogo intercultural. Por causa da

falsa idéia de completude que cada cultura possui de si, muitas vezes, desconsidera

as idéias em relação à completude que as outras culturas possuem sobre si

próprias. Assim, quando uma dada cultura se considera apta para o diálogo

intercultural, tende a achar que todas as demais comunidades culturais também

estão.

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É este precisamente o caso da cultura ocidental que durante séculos não teve qualquer disponibilidade para diálogos interculturais mutuamente acordados e que agora, ao ser atravessada por uma consciência difusa de incompletude, tende a crer que todas as outras culturas estão igualmente disponíveis para reconhecer a sua incompletude e, mais do que isso, ansiosas para se envolverem em diálogos interculturais com o Ocidente. (SANTOS, 2006, p.460).

Ao contrário da definição do momento para se iniciar o diálogo intercultural,

em que deve haver uma convergência das vontades das comunidades culturais

participantes, o instante para finalizar ou suspender o diálogo intercultural deve ser

decidido unilateralmente por cada cultura participante. Ademais,

uma dada comunidade cultural pode necessitar de uma pausa antes de avançar para uma nova fase do diálogo, ou pode chegar à conclusão de que o diálogo a vulnerabiliza para além do que é tolerável e que, por isso, deve pôr-lhe fim. A reversibilidade do diálogo é crucial para impedir que ele se perverta e transforme em conquista cultural ou em fechamento cultural recíproco. (SANTOS, 2006, p.460).

Santos (2006) observa que não há nada que não possa ser posteriormente

alterado no processo da hermenêutica diatópica. É exatamente a viabilidade de

reversão que oferece ao diálogo intercultural a característica de ser um processo de

negociação aberto e político, que se aprimora a partir de concordâncias e

discordâncias de acordo com os preceitos estabelecidos mutuamente pelas

comunidades culturais participantes. Na falta ou insuficiência de explicitação desses

preceitos, o diálogo intercultural pode se transformar numa maneira de ocultar trocas

culturais assimétricas.

Segundo Santos (2006), uma determinada comunidade cultural que resolve

participar de um diálogo intercultural não o faz aleatoriamente, ou seja, com outra

comunidade cultural qualquer ou para debater qualquer tema. Antes do início do

diálogo, as comunidades culturais escolhem com quais outras comunidades desejam

travar o diálogo intercultural e quais temas serão debatidos. Assim, é condição da

hermenêutica diatópica que os participantes e os temas do diálogo sejam escolhidos

de comum acordo, não sendo unilateralmente impostos.

O específico processo histórico, cultural e político pelo qual a alteridade de uma dada cultura se torna particularmente significante para uma outra cultura num dado momento varia muito, já que resulta de convergências únicas de uma grande multiplicidade de fatores. (SANTOS, 2006, p.462).

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Santos (2006) observa que, em relação aos temas a serem discutidos, é difícil

haver convergência. Isso ocorre não apenas devido ao fato de a traducibilidade

intercultural dos temas ser complexa, como também devido ao fato de haver em

todas as culturas temas especificamente importantes, considerados “sagrados”, e

que não são, por isso, incluídos no diálogo com as demais comunidades culturais.

Dessa forma, a hermenêutica diatópica deve ter como foco principal temas

referentes a preocupações, perplexidades e desconfortos com estruturas

semelhantes, não obstante sejam estabelecidos através de diversas linguagens e

por conceitos “virtualmente incomensuráveis”.

De acordo com Santos (2006), os requisitos para a realização e

desenvolvimento do multiculturalismo progressista modificam-se no transcorrer do

tempo, de acordo com o espaço, em consonância com as culturas que participam e

as relações de poder existentes em cada situação. Ademais, as culturas envolvidas,

devem aceitar e seguir as orientações e imperativos transculturais livremente

acordados entre si.

7.2.9 Considerações finais sobre a visão interculturalista de Boaventura de

Sousa Santos

Diante de todo exposto, conclui-se que o diálogo intercultural através da

hermenêutica diatópica é elemento essencial para se construir uma concepção

realmente universal de Direitos Humanos, aceita por todas as culturas,

diferentemente da concepção ocidental liberal, até então preponderante.

A construção de uma concepção convergente acerca dos Direitos Humanos

possibilitará que as comunidades culturais passem a ter uma maior compreensão

em relação à própria e demais culturas, criando um maior respeito em relação aos

direitos culturais e à diversidade cultural. Ademais, possibilitará o enriquecimento e

revisão cultural por todas as comunidades do globo que tiverem interesse em

participar desse processo.

Quando questionado sobre a dificuldade de implementação do seu projeto,

Santos (2006) responde que “certamente é tão utópico quanto o respeito universal

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pela dignidade humana. E nem por isso este último deixa de ser uma exigência

séria.”

Assim, apesar de todas as dificuldades práticas para a realização do diálogo

intercultural através da hermenêutica diatópica, esta representa um importante

projeto para se alcançar o respeito intercultural e, por conseqüência, a efetiva

proteção à diversdade cultural.

Para finalizar este capítulo, gostaria de citar as palavras do professor

Leonardo Boff (2003):

O imperialismo ocidental é a nossa doença, porque continuamos a achar que somos os melhores. Mas também, a duras penas, criamos um antídoto que é a autocrítica. Demo-nos conta do mal que fizemos aos povos e a nós mesmos. Afinal, somos uma cultura e uma religião entre outras. A cura reside no diálogo incansável, na abertura aos outros, na troca que nos enriquece e nos faz humildes. (BOFF, 2003, p.1)48

48 O imperialismo de Bush. Disponível em: http://leonardoboff.com/site/vista/2003/abril04.htm. Acesso em: 22.04.2008.

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8 A IDEOLOGIA DA UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS ANALISADA SOB A PERSPECTIVA DOUTRINÁRIA DE JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES E SLAVOJ ŽIŽEK

A realidade do mundo é convencional. Cada ser humano, comunidade

cultural, governos, organizações, grupos etc. participam ativamente da construção

desta realidade. O conhecimento nada tem de objetivo ou definitivo, estando sempre

em constante criação e transformação conforme as relações de poder e com as

alterações históricas.

Neste contexto, as relações interculturais podem ser entendidas como uma

disputa para preservar ou conquistar o domínio sobre os conceitos, representações,

significações, símbolos e valores.

Considerando o ser humano como um ser político e histórico, surge a questão

em torno da idéia de se, realmente, os Direitos Humanos são direitos inerentes à

condição humana e, dessa forma, assegurados universalmente.

Vislumbra-se, atualmente, a partir do discurso, principalmente, ocidental de

naturalização dos Direitos Humanos, a imposição dos fundamentos da visão

ocidental em relação a tais direitos. Isso fica claro a partir da observação feita por

Renteln (1990):

Outra situação bastante difundida é a de que as normas da DUDH tornaram-se obrigatórias, como parte do direito internacional, dos princípios legais das então denominadas nações civilizadas. Isso torna as normas aplicáveis a todas as nações, independentemente de terem ou não consentimento expresso. (RENTELN, 1990, p.18, tradução nossa)49.

Segundo Magalhães (2007), há no mundo diversas formas de dominação,

tendo poder aquelas pessoas ou grupos que detêm conhecimento sobre os

processos de formação e modificação do significado dos significantes (símbolos).

Magalhães (2007) observa que faz parte da construção e modificação da realidade

as interpretações feitas pelos seres humanos, sendo estes seres políticos. Assim, “é

impossível não interpretar e interpretar significa atribuir sentido, o que por sua vez

49 “Another widespread position is that the norms of the UDHR have become binding as part of customary international law, legal principles of the so-called civilized nations. This makes the standards applicable to all nations, whether or not they have expressed consent.”

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significa jogar toda uma carga de valores, de pré-compreensões que pertencem a

uma cultura específica, e mesmo a pessoas específicas” (MAGALHÃES, 2007, p.1).

Dessa forma, em consonância com o pensamento de Magalhães (2007), têm

poder e domínio sobre a criação e transformação da realidade aqueles que são

capazes de transformar os significados em idéias naturais, através da manipulação

dos símbolos. Com isso, essas idéias se tornam apolíticas e indiscutíveis,

inviabilizando a interpretação diferenciada, a discussão e a transformação das

mesmas. Este processo de naturalização representa um mecanismo de controle

poderoso, visto que inviabiliza o próprio questionamento dos significados impostos.

Representa um mecanismo de criação de certezas e, por conseqüência, de

apoliticização.

Tudo já foi posto. (...) Basta repetir o roteiro previamente escrito e repetido pela maioria. Tem poder quem é capaz de construir o senso comum. Tem poder quem é capaz de construir certezas e logo preconceitos. Se eu tenho certeza, não há discussão. O preconceito surge da simplificação e da certeza. (MAGALHÃES, 2007, p.1).

E acrescenta Magalhães (2007, p.1):

Quanto mais certezas as pessoas tiverem, quanto mais preconceituosas forem as pessoas, mais facilmente elas serão manipuladas por quem detém o poder de criar estas verdades. A certeza é inimiga da liberdade de pensamento. Quem detém o poder de construir os significado das palavras como liberdade, igualdade...detém o poder de criar os preconceitos e de representar a realidade a seu modo, tem a possibilidade de dominar e de manter a dominação.

Como se nota, a recriação da idéia de Direitos Humanos como sendo direitos

inerentes a todos e de forma universal possibilita, exatamente, este processo de

naturalização e consequente dominação em relação ao próprio significado de

Direitos Humanos. Por trás desta idéia aparentemente ingênua e boa, pode existir

uma forma de imposição de um determinado grupo ou sistema cultural em relação

aos demais. No caso em questão, seria uma imposição da cultura ocidental em

relação às demais, tendo em vista a própria história dos Direitos Humanos e a forma

como foram elaborados os principais instrumentos internacionais onde estão

especificados os direitos humanos considerados universais, conforme analisado

neste trabalho.

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[...] A luta pela hegemonia ideológico-política é por conseqüência a luta pela apropriação dos termos espontaneamente experimentados como apolíticos, como que transcendendo as clivagens políticas. Uma expressão que ideologicamente o poder insiste em mostrar como apolítica é a expressão “Direitos Humanos”. Os direitos humanos são históricos e logo políticos. A naturalização dos Direitos Humanos sempre foi um perigo, pois coloca na boca do poder quem pode dizer o que é natural e o que é natureza humana. Se os direitos humanos não são históricos, mas são direitos naturais, quem é capaz de dizer o que é natural humano em termos de direitos? Se afirmamos os direitos humanos como históricos, estamos reconhecendo que nós somos autores da história e logo, o conteúdo destes direitos são construídos pelas lutas sociais, pelo diálogo aberto no qual todos possam fazer parte [...]. Quem diz o que é natural? Deus? Os sábios? Os filósofos? A natureza? (ŽIŽEK apud MAGALHÃES, 2008, p.1).

De acordo com Žižek (1992), este processo de naturalização dos Direitos

Humanos seria, na realidade, uma ideologia defendida, principalmente, pela cultura

ocidental e visaria, conforme, observou o professor Henry Steiner (2000), Diretor do

Programa de Direitos Humanos da Harvard Law School, à implementação dos

direitos humanos “universais” pela alteração de determinados padrões culturais

incompatíveis com tais direitos. Nas palavras de Žižek (1992, p.59):

a definição mais elementar da ideologia é, provavelmente, a de Marx, o célebre “disso eles não sabem, mas o fazem”. Atribui-se à ideologia, portanto, uma certa ingenuidade constitutiva: a ideologia desconhece suas condições, suas pressuposições efetivas, e seu próprio conceito implica uma distância entre o que efetivamente se faz e a “falsa consciência” que se tem disso. Essa “consciência ingênua” pode ser submetida ao método crítico-ideológico, que supostamente a leva à reflexão sobre suas condições efetivas, sobre a realidade social de que ela faz parte.

A ideologia consiste num discurso com aparência ingênua que gera uma

“falsa consciência” daqueles que agem de acordo com ela. Todavia, por trás das

ideologias existem interesses não revelados e, para enxergamos tais interesses e

termos uma visão mais crítica da realidade, Žižek (1992) propõe a realização de uma

análise crítico-ideológica, cujo objetivo final é detectar estes interesses escondidos.

Em relação à ideologia que prega que a naturalização dos Direitos Humanos,

negando seu caráter político e histórico, Žižek (1992, p.59) afirma que: “por trás da

universalidade aparente, a particularidade de um interesse que destaca a falsidade

da universalidade em questão: o universal, na verdade, está preso ao particular, é

determinado por uma constelação histórica concreta”.

Conforme analisa Žižek (1992) a partir da obra Kritik der zynischen Vernunft

(Crítica da razão cínica) do alemão Peter Sloterdijk, muitas vezes, as pessoas têm

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consciência dos interesses e das conseqüências que existem por trás dos discursos

ideológicos. Todavia, por conveniência ou para realizar determinados interesses,

essas pessoas continuam agindo de acordo com os pressupostos ideológicos.

Peter Sloterdijk defende a tese de que a ideologia funciona cada vez mais de maneira cínica, que torna ineficaz esse método crítico-ideológico: a fórmula da “razão cínica” seria “eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas mesmo assim o fazem”. A razão cínica já não é ingênua, é paradoxo de uma “falsa consciência esclarecida”: estamos perfeitamente cônscios da falsidade, da particularidade por trás da universalidade ideológica, mas, ainda assim, não renunciamos a essa universalidade. O cinismo é justamente a resposta da cultura vigente à subversão cínica: reconhecemos o interesse particular por trás da máscara ideológica, mas mesmo assim conservamos a máscara. O cinismo não é uma postura de imoralidade direta, mas, antes, a própria moral colocada a serviço da imoralidade: a “sabedoria” cínica consiste em apreender a probidade como a mais rematada forma de desonestidade, a moral como a forma suprema da devassidão e a verdade como a forma mais eficaz da mentira [...]. (ŽIŽEK, 1992, p.59-60).

Dessa forma, faz-se necessário, não apenas perceber o particularismo

existente por trás da ideologia de universalidade e naturalização dos Direitos

Humanos, como também desconstruir a “razão cínica” 50 através do respeito e do

diálogo intercultural, evitando, dessa maneira, que os preceitos culturais de uma

determinada comunidade prevaleçam em detrimento das demais. Ressalta-se ainda

que o diálogo intercultural possibilita a construção, em comum acordo entre as

comunidades culturais, dos pressupostos para a elaboração de Direitos Humanos

universalizáveis.

Universalizáveis porque os Direitos Humanos não são naturalmente

universais, mas as diversas comunidades culturais podem formulá-los em conjunto,

através do diálogo intercultural, tornando tais direitos universais, ou seja,

legitimamente reconhecidos e aceitos pelas diversas comunidades culturais do

globo, ocidentais ou não.

Universalizar não é tornar práticas sociais e culturais em idéias homogêneas,

criando um pensamento único. Refere-se, na realidade, a possibilitar que, através do

diálogo intercultural, se alcance o respeito a princípios comuns por todos os povos.

50 A “razão cínica” consiste em ter consciência do particularismo existente por trás da ideologia de universalidade e continuar agindo de acordo com essa ideologia, sem se importar com as conseqüências maléficas que podem ser produzidas pelas ações realizadas em consonância com o discurso ideológico.

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Estes princípios seriam direitos fundamentais que cada povo deveria respeitar ao

expressar suas tradições e crenças.

Assim, apesar de ser uma árdua tarefa, através do respeito mútuo e do

diálogo intercultural simétrico, evitar-se-ia a ocidentalização dos Direitos Humanos

por ideologias e pela razão cínica, não ocorrendo mais a imposição do sistema moral

e cultura por aqueles que detêm o poder às demais comunidades.

A ocidentalização dos direitos humanos representa, na verdade, uma nova

forma de dominação pelo Ocidente. Seria uma maneira de o Ocidente afirmar a sua

superioridade em detrimento das demais culturas.

Os direitos humanos, para que sejam reconhecidos e aceitos como

legitimamente universais, não devem ser construídos a partir do pensamento,

predominantemente, ocidental como ocorreu durante as discussões e preparações

da Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizada pela ONU; mas sim

através do diálogo e concordância entre todos os sistemas culturais.

Conforme observa Nietzsche (2001), talvez não seja desejável que todos os

sistemas culturais possuam os mesmos padrões morais e comportamentais.

[...] A antiga moral, notadamente a de Kant, exige do individuo ações que se deseja serem de todos os homens: o que é algo belo e ingênuo; como se cada qual soubesse, sem dificuldades, que procedimento beneficiaria toda a humanidade, e portanto que seriam desejáveis [...]. Talvez uma futura visão geral das necessidades da humanidade mostre que não é absolutamente desejável que todos os homens ajam do mesmo modo. (NIETZSCHE, 2001, p.34).

O que é desejável é a interação e desenvolvimento dos diversos sistemas

culturais através do respeito e diálogo simétrico entre as várias culturas, com o

estabelecimento de Direitos Humanos legitimamente universais, construídos a partir

da história, política e experiência de cada povo e em consonância com as diferenças

culturais, elementos essenciais para o enriquecimento da realidade humana.

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9 CONCLUSÃO

A cultura e a própria diversidade cultural são fenômenos fundamentais no

desenvolvimento dos seres humanos e são elementos importantes na formação da

identidade dos indivíduos, sendo imprescindíveis para a configuração e

aprimoramento da vida em sociedade. Assim, o direito à cultura e o respeito à

diversidade cultural são importantes Direitos Humanos, verdadeiros patrimônios

comuns da humanidade, consagrados pelos mais relevantes instrumentos do Direito

Internacional, dentre eles a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações

Unidas e, posterior, adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos em

1948, fortaleceu-se a idéia em torno da universalidade dos Direitos Humanos e

surgiu, então, a questão sobre se os Direitos Humanos seriam naturalmente

universais, conforme defendido pela perspectiva universalista e presente em

relevantes documentos do Direito Internacional, ou se tais direitos seriam, na

realidade, ocidentais.

A perspectiva universalista possui como fundamento a idéia de que os

Direitos Humanos seriam naturalmente universais devido ao fato de serem inerentes

e perceptíveis por todos os seres humanos através da razão. Assim, conforme

defendido por Trindade (2003a), Donnelly (2003) e Comparato (2005) dentre outros

autores, os Direitos Humanos seriam todos os direitos que o indivíduo possui pelo

simples fato de ser humano. Dessa forma, seriam direitos indiscutíveis, apolíticos e,

por via de conseqüência, não poderiam ser modificados, criados ou suprimidos pelos

Estados e organizações internacionais.

Segundo observado no decorrer deste trabalho, os Direitos Humanos podem

ser considerados ocidentais tendo em vista sua origem histórica, visto que esta é

ocidental. Assim, a universalidade dos Direitos Humanos seria, na verdade, um traço

da cultura ocidental fundamentada na moralidade cristã.

Os Direitos Humanos também podem ser considerados ocidentais no sentido

institucional, visto que as Nações Unidas, principal instituição internacional de defesa

dos Direitos Humanos, foi criada e é mantida, sobretudo, pelos países do Ocidente e

países ocidentalizados.

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Ademais, conclui-se que durante a elaboração da Declaração Universal dos

Direitos Humanos houve, majoritariamente, participação de países ocidentais ou

com forte influência da cultura ocidental. Assim, os Direitos Humanos consagrados

neste instrumento do Direito Internacional podem ser considerados ocidentais no

sentido de que foram formulados preponderantemente por uma elite ocidental,

sendo aceitos no resto do mundo através das elites ocidentalizadas.

Os Direitos Humanos consagrados na Carta Internacional de Direitos

Humanos resguardam, preponderantemente, valores ocidentais em detrimento dos

valores das demais culturas. Assim, conclui-se que os Direitos Humanos presentes

em tais documentos não são naturalmente universais, mas sim são direitos com

conotação política e histórica que revelam e resguardam valores caros à cultura

ocidental.

Conforme o pensamento de Santos (2006), a origem e influência ocidental

nos Direitos Humanos não seriam conflitantes com a universalidade de tais direitos

se num dado período histórico os demais sistemas culturais considerassem, de

forma espontânea, estes direitos como padrões morais ideais. Porém, na atualidade,

a universalidade dos Direitos Humanos, conforme descrito nos principais

documentos internacionais a este respeito, seria uma questão cultural do Ocidente,

ou seja, os Direitos Humanos seriam vistos como universais, apenas, quando

observados a partir do ponto de vista ocidental, não sendo assim considerados por

diversas outras culturas.

Dessa forma, os Direitos Humanos, consagrados nos principais documentos

internacionais, conforme analisado neste trabalho, não são universais, mas sim uma

perspectiva histórica e política, preponderantemente, ocidental. Isso representa certa

imposição dos valores presentes no sistema cultural ocidental aos demais sistemas,

o que prejudica o respeito e efetividade dos Direitos Humanos, sobretudo, em

relação àqueles referentes à diversidade cultural.

Esta utilização da universalidade dos Direitos Humanos em alguns momentos

da história da civilização ocidental para justificar processos de dominação de

determinados povos em relação a outros conforme ocorreu, por exemplo, durante o

Imperialismo do século XIX, deve ser considerada como manipulações patológicas

dos fundamentos universalistas.

A universalidade dos Direitos Humanos concernentes à diversidade cultural é

possível e benéfica à própria concretização de tais direitos, desde que esta não seja

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uma universalidade imposta, preponderantemente, por uma cultura em relação às

demais através de discursos e ideologias que defendam os Direitos Humanos como

algo natural e inerente aos seres humanos. Os seres humanos são seres

eminentemente políticos e influenciados pela história. Assim, os Direitos Humanos

são uma construção política e histórica e não uma formação natural de direitos

inerentes a todos de forma universal.

A idéia de naturalização dos Direitos Humanos é perigosa, visto que

possibilita a apolitização dos Direitos Humanos, ou seja, torna tais direitos

indiscutíveis. Isso faz com que haja uma imposição do que seja a natureza humana

por aquelas culturas que detêm o poder em detrimento das demais.

Dessa forma, faz-se necessário, não apenas perceber o particularismo

existente por trás da ideologia de universalidade e naturalização dos Direitos

Humanos, como também desconstruir a “razão cínica” por meio do respeito e do

diálogo intercultural, evitando, dessa maneira, que os preceitos culturais de uma

determinada comunidade prevaleçam em relação às demais. O diálogo intercultural

possibilita a construção, em comum acordo entre as comunidades culturais, dos

fundamentos para a elaboração de Direitos Humanos politicamente universais.

Universalizar não é tornar práticas sociais e culturais em idéias homogêneas,

criando um pensamento único. Refere-se, na realidade, em possibilitar que, através

do diálogo intercultural, se alcance o respeito a princípios comuns a todos os povos.

Estes princípios seriam direitos fundamentais que cada povo deveria respeitar ao

expressar suas tradições e crenças.

A cultura é uma importante maneira de comunicação de cada indivíduo e

sociedade com a realidade. Todas as culturas são importantes para a formação da

de cada ser humano, sendo que a diversidade cultural enriquece a universalidade

dos Direitos Humanos.

Através do diálogo intercultural, conforme proposto por Taylor (1994), Gould

(2001) e principalmente Santos (2006), seria possível compatibilizar a universalidade

dos Direitos Humanos com a realidade multicultural do mundo para a efetiva

proteção dos Direitos Humanos referentes à cultura e à diversidade cultural. Assim,

seria possível formular normas e princípios internacionais de proteção à diversidade

cultural provenientes de valores comuns acordados e aplicáveis a todas as

sociedades.

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Assim, seria possível que o consenso intercultural se aprofundasse,

ocorrendo um processo de aprendizagem mútua entre as diversas culturas, em que

seria possível a criação de uma maior identidade entre as diversas concepções

culturais, construindo assim uma base sólida de respeito e compreensão

interculturais, evitando que as normas internacionais acerca dos Direitos Humanos,

acordadas entre as diversas culturas, se tornassem frágeis. Dessa forma, haveria a

real possibilidade de respeito às práticas culturais que não se assemelham a nossa

própria.

Todas as culturas são incompletas e complexas na sua estrutura e

sistemática. Esta incompletude é decorrência da própria pluralidade cultural, visto

que caso exisitisse cultura realmente completa, esta seria a única. Aprimorar a

consciência de incompletude cultural é um dos elementos fundamentais para o

sucesso de diálogo intercultural. Por esse diálogo é possível se estabelecer uma

concepção inteligível e legítima de Direitos Humanos para os diversos sistemas

culturais. O diálogo intercultural gera não só a possibilidade de questionamentos e

reivindicações em relação aos Direitos Humanos, como também viabiliza a revisão e

modificação de tradições culturais.

Conforme observado no decorrer deste trabalho, para a realização e sucesso

do diálogo intercultural, de forma equilibrada e simétrica entre os participantes, este

deve ocorrer em consonância com os pressupostos da hermenêutica diatópica

proposta por Boaventura de Sousa Santos. A hermenêutica diatópica se baseia,

principalmente, na idéia de que os fundamentos de uma determinada cultura, por

mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto à própria cultura da qual fazem

parte. A finalidade da hermenêutica diatópica é expandir ao máximo a consciência

de incompletude mútua das culturas por meio do diálogo que estas realizam entre si,

possibilitando o aprimoramento dos aspectos frágeis de cada sistema cultural.

A hermenêutica diatópica necessita que a realização do diálogo intercultural e

da construção de conhecimentos sobre os Direitos Humanos se dê de forma

participativa, espontânea, interativa e intersubjetiva. Todavia, deve-se ter

consciência de que este é um caminho promissor e difícil.

A finalidade principal da hermenêutica diatópica é exatamente incentivar a

reflexão de cada um em relação a sua própria cultura para que cada um de nós

possa perceber quão incompleta é a nossa própria cultura e todas as demais. A

partir da noção desta incompletude teríamos condição de desenvolver o diálogo

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intercultural, aprimoraríamos os nossos sistemas culturais e estabeleceríamos, de

forma espontânea e coletiva, Direitos Humanos legitimamente históricos, políticos e

universais.

O respeito à diversidade cultural e o diálogo intercultural são elementos

essenciais para o desenvolvimento humano, visto que possibilita que cada um de

nós escolha e construa a própria identidade.

A cultura, diferentemente das tradições, não é um complexo rígido de valores

e práticas, recria-se permanentemente à medida que os indivíduos se adaptam às

alterações da realidade e agregam idéias novas aos seus sistemas culturais.

Os Direitos Humanos por serem uma construção histórica e política

demonstram a opção valorativa, preponderante, em determinado momento histórico.

Assim, os consensos atingidos através do diálogo intercultural pelos variados

sistemas culturais jamais será imutável. Assim, deve-se buscar a realização de

diálogos interculturais de forma contínua e permanente ao longo da história.

A construção coletiva e participativa dos Direitos Humanos através do diálogo

intercultural representa uma maneira efetiva de se proteger a diversidade cultural,

visto que possibilita o reconhecimento mútuo, respeito e aprimoramento das várias

culturas.

Que a atualidade marque a história da humanidade como o período em que

houve grande aprimoramento nas relações interculturais através do diálogo e do

respeito. Ao invés de um cemitério de importantes culturas, represente o nascimento

do universalismo político e mutável dos Direitos Humanos, construído em conjunto

pelas diversas sociedades, de forma espontânea e equilibrada.

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REFERÊNCIAS

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