a efetivação do direito fundamental à cultura e as...

9
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À CULTURA E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS André Luiz de Aguiar Paulino Leite UENP 1. Direito Cultural 1.1 Cultura O pressente trabalho se inicia com uma investigação acerca da origem etimológica do termo “cultura”, bem como do seu conteúdo axiológico. O vocábulo tem seu significado definido pelo dicionário Aurélio como um conjunto formardo por comportamentos, crenças, instituições manifestações artísticas e intelectuais que são transmitidas de forma coletiva e traduzem a identidade de uma sociedade. (FERREIRA, 2009. p. 280) Há registros que indicam que o vocábulo cultura deriva do latim colete, que significa cultivar, que originalmente seria usada para designar o cultivo, a agricultura. O saudoso jus filósofo brasileiro, Mi guel Reale, divide o mundo em “natural” e “cultural”. O conceito de cultura do referido mestre a compreende como conjunto de tudo que o homem constrói no plano material e espiritual. Percebe-se através deste raciocínio, o quanto o termo “cultura” é abrangente, e quão equivocadamente se dá sua utilização em nosso cotidiano. Paradoxalmente, faz parte da cultura leiga, utilizar-se do termo cultura para fazer referência tão somente às artes, ou ao entretenimento, quando na verdade todos os costumes humanos podem ser considerados culturais, uma vez que foram construídos pelos indivíduos. Após estas breves considerações, o estudo analisará a cultura brasileira como o modo de agir e pensar dos brasileiros, ou seja, o conjunto de tudo que o povo brasileiro permanentemente constrói, material e espiritualmente, e o dever que o Estado possui de proteger estes bens jurídicos, elevados à categoria de direito fundamental.

Upload: vutram

Post on 03-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À

CULTURA E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

André Luiz de Aguiar Paulino Leite

UENP

1. Direito Cultural

1.1 Cultura

O pressente trabalho se inicia com uma investigação acerca da origem etimológica

do termo “cultura”, bem como do seu conteúdo axiológico.

O vocábulo tem seu significado definido pelo dicionário Aurélio como um conjunto

formardo por comportamentos, crenças, instituições manifestações artísticas e intelectuais que

são transmitidas de forma coletiva e traduzem a identidade de uma sociedade. (FERREIRA,

2009. p. 280)

Há registros que indicam que o vocábulo cultura deriva do latim colete, que significa

cultivar, que originalmente seria usada para designar o cultivo, a agricultura.

O saudoso jus filósofo brasileiro, Miguel Reale, divide o mundo em “natural” e

“cultural”. O conceito de cultura do referido mestre a compreende como conjunto de tudo que

o homem constrói no plano material e espiritual.

Percebe-se através deste raciocínio, o quanto o termo “cultura” é abrangente, e quão

equivocadamente se dá sua utilização em nosso cotidiano. Paradoxalmente, faz parte da

cultura leiga, utilizar-se do termo cultura para fazer referência tão somente às artes, ou ao

entretenimento, quando na verdade todos os costumes humanos podem ser considerados

culturais, uma vez que foram construídos pelos indivíduos.

Após estas breves considerações, o estudo analisará a cultura brasileira como o modo

de agir e pensar dos brasileiros, ou seja, o conjunto de tudo que o povo brasileiro

permanentemente constrói, material e espiritualmente, e o dever que o Estado possui de

proteger estes bens jurídicos, elevados à categoria de direito fundamental.

1.2 Direito fundamental à cultura

Entende-se por Direitos Fundamentais àqueles valores jurídico-políticos consagrados

pela Constituição de um Estado, que se originam da dignidade inerente a todo ser humano e

que estão ligados às suas potencialidades.

A Constituição brasileira de 1988 criou a garantia a todos do pleno exercício dos

direitos culturais e o acesso às fontes de cultura nacional, obrigando o Estado a apoiar e

incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215 “caput” CF).

O artigo 215 da Constituição Federal foi modificado pela Emenda Constitucional n.°

48 de 2005 e consagrou em seu texto o princípio da cidadania cultural como direito

fundamental.

Os parágrafos que se seguem ao caput do referido artigo destacam a importância da

proteção às culturas dos povos indígenas, quilombolas e outras etnias que fazem e fizeram

parte da formação da nação brasileira (§ 1.°); a posterior fixação por meio de lei de datas

comemorativas significativas para cada segmento étnico (§ 2.°);

Entender a cidadania cultural significa dimensionar e tomar para si a consciência da

importância que este direito fundamental representa.

A construção da cidadania cultural equivale ao apoderamento da cultura brasileira

pelos indivíduos. Este processo internalizador dos elementos culturais brasileiros incute nos

cidadãos a certeza de “sentirem-se parte”.

O indivíduo que se considera membro da sociedade reconhece isto a partir da

identificação cultural. O “sentir-se parte” é o que move o cidadão no sentido da mudança.

Esta consciência desperta seus impulsos políticos e alimenta sua ânsia por transformar o meio

em que vive.

A importância do fomento Estatal para preservação e desenvolvimento da cultura

brasileira reside no fato de que deixar que o mercado regule a produção cultural é equivalente

a esterilizá-la, vez que inviabiliza a liberdade que estas manifestações requerem. O Poder

Público deve através de políticas públicas voltadas para esta finalidade, viabilizar a

intensificação das manifestações culturais.

2. Políticas públicas e as Organizações Sociais

2.1 Políticas Públicas área cultural

Como já se demonstrou anteriormente, a cultura é um direito fundamental, e deve ser

garantido. Sua efetivação significa o reconhecimento do povo em si mesmo, ou seja,

corresponde a uma questão fundamental para o desenvolvimento do Brasil enquanto estado

Democrático de Direito, tendo em vista que desperta o cidadão para a participação.

De outra perspectiva, cabe à administração pública a tarefa de efetivar esse direito

através de ações concretas.

“A natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é,

a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da

coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir

fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação.”

(MEIRELLES, 2011)

É tarefa do Estado brasileiro proteger, fomentar e financiar a cultura nacional.

Para garantir a efetivação do Direito Cultural o poder público tem o dever de

implementar políticas públicas específicas, como previu o texto constitucional.

Entende-se por políticas públicas a ação planejada estrategicamente pelo governo

objetivando atingir uma finalidade pública, ou seja, direitos fundamentais garantidos em lei.

No que tange às políticas públicas na área cultural, devido à diversidade cultural

brasileira, é uma difícil tarefa para os órgãos públicos o trabalho direto de preservação e

fomento cultural.

Portanto, seria inviável um modelo de política pública cultural que possuísse como

estratégia de ação uma atuação direta em todas as áreas culturais. Isso resultaria na

onerosidade e ineficácia da ação da administração, pois que, como já se demonstrou, a cultura

é um complexo extremamente abrangente de aspectos característicos da sociedade.

Uma aceitável prática para contornar este problema institucional é a oportunização

de parcerias com a sociedade civil organizada atuante na área cultural.

Tal modelo de política pública de cultura já é adotada em diversos países e tem como

principal vantagem o aproveitamento do know-how encontrado nas organizações sociais, bem

como a espontaneidade e independência necessárias à produção cultural.

A parceria entre a Administração Pública e entes de cooperação é uma forma

encontrada pelo Estado de repassar recursos públicos a pessoas jurídicas de direito privado

que tenham atividades específicas de interesse público, para que as mesmas possam prestar

serviços de maneira mais eficiente do que ele próprio prestaria através dos órgão públicos.

2.2 Organizações Sociais da área cultural

O terceiro setor é uma onda crescente na economia mundial pós-moderna. Alguns

estudiosos atribuem este fenômeno social e econômico à incapacidade do Estado em gerir e

suprir todas as necessidades dos indivíduos que o compõem. Em contrapartida a ausência do

objetivo lucro incompatibiliza a atuação do setor privado no cumprimento destas finalidades,

que acabam abraçadas por entidades não governamentais sem fins lucrativos.

Enquadram-se neste setor as Organizações Não Governamentais (ONG's), as

Associações, os Sindicatos Profissionais, as Organizações Religiosas, Organizações da

Sociedade Civil sem Fins Lucrativos, Cooperativas entre outros tipos se entidades.

Lato sensu, organizações sociais são qualquer forma de ajustamento de indivíduos

que possuem um objetivo, ou vários, em comum e que se unem para atingi-lo/los.

Em sentido estrito, Organização Social é um título, outorgado pelo poder público às

entidades da sociedade civil organizada sem fins lucrativos. Foram criadas juridicamente pela

lei federal n.º 9.637, de 18 de maio de 1998.

O diploma legal autorizou o Poder Executivo a qualificar como organizações sociais

pessoas jurídicas de direito privado que cumprissem com certos requisitos. As atividades

estatutárias da entidade devem estar direcionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao

desenvolvimento tecnológico, à proteção do meio ambiente, à cultura ou à saúde.

O atual conceito de organização social pode ser extraído do art. 1.º da lei 9637/98,

que segue:

“Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas

de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à

pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio

ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.”

O termo “poderá” explicita que se trata de ato administrativo discricionário, ou seja,

o administrador público tem faculdade de analisar a conveniência e oportunidade para praticar

o ato.

As entidades privadas sem fins lucrativos serão as previstas no código civil pátrio

(art. 16, I), quais sejam: as fundações, sociedades religiosas, cientificas, civis, literárias, etc.

Para pleitear o reconhecimento como Organização Social, basta que atendam os

requisitos elencados no artigo 2.º que basicamente são dois:

I) comprovar registro de seu ato constitutivo preenchendo os itens descritos nas alíneas

do respectivo inciso; e

II) haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como

organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de

atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração

Federal e Reforma do Estado. (L. n. 9637/98, art2.)

Podem pleitear o título de Organização Social, portanto, ONG's, Cooperativas,

Associações, desde que se enquadrem nos requisitos ajustados na legislação pertinente.

Na área cultural a atuação das organizações sociais tem demonstrado relevância o

que levou o Estado a enxergar neste setor uma boa oportunidade de parceria para cumprir sua

função na promoção do interesse público.

3. Convênios nas políticas públicas culturais

A união de indivíduos para superação de obstáculos oferecidos pelo meio é traço

marcante nas sociedades. Essa inegável característica dos seres sociais registra marcas de sua

existência desde a pré-história até os tempos atuais. A cooperação é responsável por

conquistas relevantes ao longo da história.

Uma forma difundida de cooperação entre entes públicos, ou entre entes públicos e

privados, é o convênio.

Convênios, no âmbito da administração pública, consistem em parcerias seladas

entre duas partes com objetivos comuns.

É um instituto largamente utilizado na Administração Pública, tanto entre entes de

mesmo nível, como dois municípios, por exemplo, quanto de níveis diferentes ou entre um

ente público e pessoas jurídicas de direito privado.

A cooperação para atingir um objetivo comum é o mais marcante traço do instituto

do Convênio. Há entre as partes uma convergência de interesses que as fazem pactuarem no

sentido de fixar obrigações que contribuam para o sucesso no alcance do objetivo.

Como já se demonstrou anteriormente, a cultura é um direito fundamental, e deve ser

garantido. Sua efetivação significa o reconhecimento do povo em si mesmo, ou seja,

corresponde a uma questão fundamental para o desenvolvimento do Brasil enquanto estado

Democrático de Direito.

De outra perspectiva, cabe à administração pública a tarefa de efetivar esse direito

através de ações concretas, as políticas públicas.

No âmbito da administração pública federal, tem-se encontrado na celebração de

convênios com organizações sociais uma nova opção de política pública cultural eficaz, que

tem demonstrado resultados através do aumento de produção cultural nacional nos últimos

anos.

Em comparação com outras políticas de incentivo, como a Lei Rouanet, por

exemplo, pode se ter idéia do aumento de alcance da ação Estatal na efetivação dos direitos

culturais que significam as parcerias com organizações sociais.

Esta estratégia cria condições para a produção cultural sem tirar a autonomia dos

agentes envolvidos neste processo, ao mesmo tempo em que a protege da exclusão.

Estar fora do eixo das grandes metrópoles, em ambiente desinteressante para grandes

patrocinadores é um dos fatores desfavoráveis anulado pela política pública de cooperação via

convênios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho enxerga no direito fundamental à cultura uma importante

ferramenta para a construção da cidadania.

Acreditando que o cidadão se reconhece como parte quando está culturalmente

inserido, busca levantar o debate sobre como o Poder Público pode avanças na elaboração de

políticas públicas na área cultural através do fomento a Organizações Sociais.

É nítida a vantagem para a sociedade do investimento na produção cultural, e os

avanços que esta área tem experimentado nos últimos anos após iniciativas de parceria com o

Terceiro Setor.

A democratização da produção cultural ainda engatinha, a exclusão do interior do

país em relação a produção artística e o monopólio dos bens culturais ainda é uma realidade.

Através do aprofundamento nestas questões acredita-se que cria-se e difundi-se a

noção do direito fundamental a cultura e amplia-se a base para lutar por este direito social

fundamental.

Há no Brasil a crescente popularização dos convênios. O instituto tem servido como

instrumento de cooperação entre organismos para a efetivação de direitos.

No caso do direito fundamental à cultura observa-se a cooperação entre o poder

público e o terceiro setor.

Inserida nas políticas públicas atuais como ação estratégica, a celebração destes

convênios leva em conta a especialidade que os organismos não governamentais detêm e os

recursos financeiros administrados pelo Estado. A união destes fatores resulta em efetivo

fomento á produção cultural brasileira.

BIBLIOGRAFIA:

ALVES, Fernando de Brito. Cidadania e direitos civis. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.

877, 27 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7629>. Acesso em: 5 set.

2011.

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo, Trad. Sérgio Beth, 10.ª edição. Editora

Universidade de Brasília. Brasília, 1997.

BONFIM, Eduardo - Revista Princípios. EDIÇÃO 70, AGO/SET/OUT, 2003, PÁGINAS 78,

79.

BREGA FILHO, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988, 1ª edição.

Editora Juarez de Oliveira. São Paulo-SP, 2002.

CAMBI, Eduardo; KLOCK, Andrea B.; BRITO, Fernando de Azevêdo Alves. Direitos

Fundamentais Revisitados. Editora Juruá. São Paulo, 2010.

CARVALHO, Alysson (org.) Políticas Públicas. Editora UFMG Belo Horizonte, Proex, 2002.

COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro setor: um estudo comparado entre Brasil e

Estados Unidos. 3ª EDIÇÃO. Editora SENAC. São Paulo. 2000.

DURÃO, Pedro – Convênios & Consórcios Públicos: Gestão, teoria, prática. Editora Juruá.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Míni Dicionário Aurélio 7.ª edição. Editora

Positivo. Curitiba, Julho de 2009.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. 9.ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2008.

IHERING, Rudolf Von. "A Luta Pelo Direito"- 1ª edição, 2002 – Bíblia da Humanidade

Civilizada "Laveleye", com tradução de Mário de Méroe.

MEIRELLES, Hely Lopes: Direito Administrativo. Editora Malheiros. 37.ª edição. São Paulo,

2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira / MALHEIROS. 28.ª edição. São Paulo, 2011.

REALE, Miguel – Noções preliminares de Direito. 27.ª edição reajustada. Editora Saraiva.

São Paulo, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros. São

Paulo, 1992.

VANNUCCHI, Aldo. Cultura brasileira. 4ª edição. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2006.

VIEIRA, Liszt, Cidadania e Globalização. 8.ª edição. Editora Record. Rio de Janeiro, 2005.

VIOLIN, Tarso Cabral. Peculiaridades dos convênios administrativos firmados com as

entidades do terceiro setor. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 833, 14 out. 2005. Disponível

em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/7421>. Acesso em: 31 ago. 2011.