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A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL: nossa experiência no Centro Histórico de Cruzeta/RN Luciano Aciolli Rodrigues dos Santos Licenciado em História Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Francineide Araújo Bacharel em Turismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Nas últimas décadas o ensino de história tem sido alvo de críticas e contundentes reflexões por parte dos profissionais da educação que reclamam para o campo práticas e metodologias educativas que partam de temas e objetos associados ao contexto e realidade social experimentado pelo educando em seu cotidiano. Com o intuito de atender a esta perspectiva, muitos educadores passaram a explorar de diversas maneiras, seja na sala de aula ou no extramuros, as metodologias utilizadas pela Educação Patrimonial que de acordo com Maria de Lurdes Parreira Horta se desenvolve em quatro etapas: a observação, registro, exploração e apropriação com vista na sensibilização do educando para a preservação e valoração do Patrimônio Cultural situado em seu entorno. Em vista disso, pretendemos neste trabalho relatar e refletir sobre a experiência de Educação patrimonial desenvolvida no centro histórico de Cruzeta/RN em 2010 que envolveu alunos do ensino fundamental e médio das escolas públicas municipais enfatizando seus possíveis diálogos com o ensino de história local. Palavras Chave: Ensino de história; Educação Patrimonial; Patrimônio Cultural. 1. INTRODUÇÃO Vozes, ao longo desses dois séculos, procuraram, de início isoladas e depois consistentes, fazer emergir outras possibilidades de se ensinar História”. Elza Nadai Para melhor elucidar o tema deste texto, inicio minhas reflexões trazendo para o cerne da discussão duas premissas importantes destacadas por Selva Guimarães e que aparentimente podem parecer óbvias para os profissionais de ensino de história. A primeira delas é que a história é uma “disciplina fundamentalmente educativa, formativa, emancipadora e libertadora” já que esta “tem como papel central a formação de identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxes individual e coletiva”. A segunda é que exercer a docência em história “é ter consciência de que o debate sobre o significado de ensinar história processa-se, sempre, no interior de lutas políticas e culturais” (FONSECA, 2003. p. 89).

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História e patrimônio

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A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL: nossa experiência no Centro Histórico de Cruzeta/RN

Luciano Aciolli Rodrigues dos Santos Licenciado em História Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Francineide Araújo Bacharel em Turismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected]

Nas últimas décadas o ensino de história tem sido alvo de críticas e contundentes reflexões por parte dos profissionais da educação que reclamam para o campo práticas e metodologias educativas que partam de temas e objetos associados ao contexto e realidade social experimentado pelo educando em seu cotidiano. Com o intuito de atender a esta perspectiva, muitos educadores passaram a explorar de diversas maneiras, seja na sala de aula ou no extramuros, as metodologias utilizadas pela Educação Patrimonial que de acordo com Maria de Lurdes Parreira Horta se desenvolve em quatro etapas: a observação, registro, exploração e apropriação com vista na sensibilização do educando para a preservação e valoração do Patrimônio Cultural situado em seu entorno. Em vista disso, pretendemos neste trabalho relatar e refletir sobre a experiência de Educação patrimonial desenvolvida no centro histórico de Cruzeta/RN em 2010 que envolveu alunos do ensino fundamental e médio das escolas públicas municipais enfatizando seus possíveis diálogos com o ensino de história local.  Palavras Chave: Ensino de história; Educação Patrimonial; Patrimônio Cultural.

1. INTRODUÇÃO

Vozes, ao longo desses dois séculos, procuraram, de início isoladas e depois

consistentes, fazer emergir outras possibilidades de se ensinar História”.

Elza Nadai

Para melhor elucidar o tema deste texto, inicio minhas reflexões trazendo para

o cerne da discussão duas premissas importantes destacadas por Selva Guimarães e que

aparentimente podem parecer óbvias para os profissionais de ensino de história. A

primeira delas é que a história é uma “disciplina fundamentalmente educativa, formativa,

emancipadora e libertadora” já que esta “tem como papel central a formação de

identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxes individual e coletiva”. A

segunda é que exercer a docência em história “é ter consciência de que o debate sobre o

significado de ensinar história processa-se, sempre, no interior de lutas políticas e

culturais” (FONSECA, 2003. p. 89).

As proposições assinaladas acima servem bem para ilustrar o campo de

atuação do ensino de história e suas imbricadas relações com a prática da Educação

Patrimonial. Se o ensino de história pressupõe a constituição de identidades, a

compreensão do passado, a interferência no plano social e pessoal dos indivíduos forjado

na urdidura ideológica de interesses desarmônicos, em que circunstância podemos falar

em Educação Patrimonial como prática de ensino de história local? Para melhor situar o

problema, torna-se necessário expor a que finalidade se propõe o ensino de história local.

Para Circe Bittencuort “a história local tem sido indicada como necessária para o ensino por

possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de convivência – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer -, e igualmente por situar os problemas significativos da história do presente”. [Grifos nossos] (BITTENCOURT, 2009. p. 168)

Entendido, desse modo, como um caminho para se fazer apreender o “entorno

do aluno”, isto é, o meio social em que este está inserido por meio da percepção das

permanências e continuidades do passado no tempo presente, a história local tem como

matéria-prima principal a investigação da memória e as configurações de identidades.

Desse modo, “a questão da memória impõe-se por ser a base da identidade, e é pela

memória que se chega à história local” (Idem, 2009. p. 169).

Mas ao se trabalhar com a história local tem-se que atentar-se para alguns

perigos que isto pode incorrer. Primeiramente a história local não pode contentar-se em

reproduzir simplesmente “a história do poder local e das classes dominantes” que se

limita a fazer conhecer “nomes de personagens políticos de outras épocas, destacando a

vida e obra de antigos prefeitos e demais autoridades” (Ibdem). O segundo risco é que ela

não deve pautar-se na “fragmentação rígida dos espaços e temas estudados, não

possibilitando que os alunos estabeleçam relações entre os vários níveis e dimensões

históricas do tema” inviabilizando a construção de relações entre o contexto local, o

nacional e o global (articulação entre micro e macro história) (FONSECA, 2003. p.154).

Outro perigo é que a história local não pode ser vista apenas como um “espaço reservado

ao estudo dos chamados aspectos políticos” e econômicos que geralmente se utiliza dos

vultos ilustres locais para se dar conta da origem, evolução e progresso do município ou

região. (Idem) E mais ainda que esta não deve ser utilizada como pressuposto fidedigno

para justificar uma “naturalização” e “ideologização” da vida social e política que sirva

“para mascarar a divisão social, a luta de classes e as relações de poder e dominação

que permeiam os grupos sociais” (Ibdem).

Visto de outro modo, a história local deve vir sempre vinculada “à história do

cotidiano ao fazer das pessoas comuns participantes de uma história aparentemente

desprovida de importância e estabelecer relações entre os grupos sociais de condições

diversas que participaram de entrecruzamentos de histórias, tanto no presente como no

passado”. (BITTENCUORT, 2009. p. 168) É nesta urdidura das relações sociais e das

múltiplas possibilidades de se compreender as experiências do vivido e suas nuanças no

tempo presente onde se inscreve o valor do Patrimônio Cultural e, portanto, lugar comum

dos elementos constituintes do discurso teórico-metodológico utilizados pela Educação

Patrimonial hoje.

A relação mais fecunda e profícua que podemos estabelecer entre ensino de

história e Educação Patrimonial é que esta pode servir como metodologia apropriada para

se chegar à compreensão do passado e instigar no aluno os sentimentos de

pertencimento ao seu lugar a partir da utilização de procedimentos capazes de constituir

relações identitárias entre o educando e a história local através da construção de saberes

a cerca de seu patrimônio cultural. É neste sentido que Oliveira elucida a importância do

patrimônio histórico como “uma produção cultural [que] encerra em si características que

favorecem, facilitam a relação de ensino/aprendizagem por parte de quem o utiliza, por parte daqueles que o usam como fonte documental para a obtenção de conhecimento a respeito de uma determinada época, de determinadas condições socioeconômicas de produção de determinado bem, das relações de poder que demonstram que tal imóvel, por pertencer a uma determinada parcela mais abastada da sociedade, então, foi construído com material de melhor qualidade, pode explicar continuidades e mudanças ocorridas em determinados locais, entre várias outras potencialidades que estes documentos apresentam” (OLIVEIRA, 2008. p. 98).

Mas o que vem a ser mesmo a Educação Patrimonial e qual sua finalidade?

Segundo o Guia Básico de Educação Patrimonial lançado em 1999 pelo Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a Educação patrimonial trata-se de “um processo permanente e sistemático de trabalho educacional

centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural”. (GUIA BÁSICO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, 1999, p.7).

“A Educação Patrimonial, portanto, pretende resgatar a relação de afeto entre a

comunidade e seus patrimônios, estabelecendo entre eles um processo de aproximação,

fazendo com que a comunidade tenha um sentimento de pertencimento em relação a

seus bens patrimoniais, desejando, assim, seu regate e preservação” (PIZANI, apud.

SOARES, 2008. p.32).

Enquanto ação educativa, a Educação Patrimonial se fundamenta em quatro

etapas metodológicas contínuas: a Observação que se baseia em exercícios de

percepção visual e sensorial com o objetivo de identificação do objeto de estudo, sua

função e significado; o Registro que busca desenvolver atividades de registro das

percepções efetuadas por diversas maneiras possíveis (fotografias, desenhos,

entrevistas, vídeos, maquetes e etc.) com a finalidade de fixação do conhecimento

percebido, sua análise crítica e o desenvolvimento da memória e do pensamento intuitivo

e operacional; a Exploração que consiste na análise do problema, no levantamento de

hipóteses, pesquisa em outras fontes (arquivos, bibliotecas, jornais, entrevistas), postura

crítica e etc., e por último a Apropriação que busca desenvolver a capacidade de

autoexpressão, participação criativa e valorização do bem cultural através de recriações,

releituras ou dramatizações deste propiciando um envolvimento afetivo e a internalização

dos saberes apreendidos.

Em vista disto, a apropriação da metodologia da Educação Patrimonial pelo

ensino de história “não busca apenas estimular a conservação física de lugares históricos,

como prédios públicos, monumentos, praças, bens naturais, entre outros, [mas] busca

também resgatar a memória e os valores que levaram a comunidade a reconhecer aquele

personagem, objeto ou prédio histórico como patrimônios de uma coletividade” (PIZANI,

apud. SOARES, 2008. p.32) a medida que esta vai possibilitando caminhos de se

apreender e interpretar o passado, isto é, de tornar a história local inteligível a partir do

conhecimento e da apropriação do patrimônio cultural do lugar. Neste ponto é importante

citar ainda os “lugares de memória” como locais apropriados para se “encontrar os

esquecimentos, os lapsos de memória, não circunstanciais, mas obrigatórios, que

abrigam determinadas posições e, mais uma vez, encobrem variadas disputas”

(OLIVEIRA IN OLIVEIRA E CAIMELLI, 2008. p. 98).

2. O PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL COMO DOCUMENTO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

Como todo profissional de história sabe, “o documento é a base para o

julgamento histórico” (KARNAL E TATSCH, 2004. p.41). Isso é verdade por que se todos

os documentos produzidos por um determinado período histórico fossem destruídos,

nenhum historiador poderia dizer nada sobre ele. O mesmo acontece com uma

civilização que nada deixou de vestígios. Assim, segundo Silva “fonte histórica,

documento, registro, vestígio são todos termos correlatos para definir tudo aquilo

produzido pela humanidade no tempo e no espaço [ou ainda] a herança material e

imaterial deixada pelos antepassados que serve de base para a construção do

conhecimento histórico” (SILVA, 2008. p. 158).

É nesta vasta conceituação de documento onde o patrimônio histórico cultural

se insere. Definido corriqueiramente “como o complexo de monumentos, conjuntos

arquitetônicos, sítios arqueológicos e parques nacionais de determinado país ou região

que possui valor histórico e artístico e compõem um determinado entorno ambiental de

valor patrimonial” (Idem, 2008. p. 324), o patrimônio cultural, como atualmente costuma

ser mais chamado, não se refere apenas a “um conjunto selecionado de objetos históricos, monumentos

representativos da memória nacional, centros históricos, etc., mas também os saberes populares, os artesanatos, as crenças e as tradições, os rituais e festas religiosas, os processos de trabalho e produção, as relações sociais, familiares e com o meio ambiente, as formas de organização econômica, política e tecnológica e, ainda, todos os aspectos que a cultura viva da população pode assumir e criar” (GRUNBERG IN BARRETO, 2008. p.37-38),

ou seja, “não se restringe á produção material humana, mas abrange também a

produção emocional e intelectual. [Isto é] tudo o que permite ao homem conhecer a si

mesmo e ao mundo que o rodeia pode ser chamado de bem cultural” (SILVA, 2008. p.

325).

Visto desta forma, o patrimônio cultural é uma importante lente por onde se

torna exequível vislumbrar as acepções de passado e as apreensões de futuro de um

determinado grupo ou sociedade. Isto é possível porque o patrimônio cultural é composto

por elementos produzidos num determinado contexto sóciocultural como parte integrante

do processo histórico vivenciado pelos grupos e sociedades situados cada qual em seus

espaços e esferas dinâmicas de influxos e afluências ao longo de sua história e que por

um motivo ou outro mereceram ser preservados às gerações seguintes. Assim, ao se

constituir em elementos históricos e geograficamente situados e revestidos de uma “áurea

sacralizante” pelos indivíduos ou grupos sociais que o elegeram, ele acaba por atribuir

sentidos e valores a estes lugares ao mesmo tempo em que os representam e os

definem, moldando-os de características próprias e atribuindo a estes uma identidade

comum ainda que não menos conflitante.

A força desta prerrogativa está no fato de que o patrimônio cultural não possui

valor em si mesmo e sim pode ser compreendido como parte de um processo histórico de

produção cultural movido por interesses múltiplos e divergentes seja em escala nacional

ou local. Como observa Moura, “feito para lembrar ou consagrado a posteriori como tal, interfere na

dialética da memória á medida que dita o que deve ser lembrado, sendo, pois, expressão da memória de um grupo (...) Assim, compreender o processo histórico de produção do patrimônio significa entender como determinados valores se sobrepuseram a outros, entender por que alguns bens foram institucionalizados e outros não (...)” (MOURA, 2009. p. 56).

Este elemento polissêmico do patrimônio é importante para o ensino de história

porque permite a apreensão dos múltiplos valores e significados que cada grupo social ou

indivíduo atribui a este tornando possível a interpretação e a

depreensão da indiosincrasia individual a medida que cada pessoa tece suas relações

próprias e coletivas com estes bens culturais permitindo, com isto, a percepção de

memórias heterogênicas e diferenciadas. Sendo assim, o ensino da história local a partir

do estudo do patrimônio cultural deve acentar-se nas diversas memórias disseminadas

nos mais diferenciados sujeitos sociais para que se possa apreender delas as diversas

versões e olhares que a experiência histórica local se fundamenta e se constitui, não

devendo, sob pena de cair na homogeneidade histórica concebida pela concepção

“oficial” de memória e história e tão cara às gerações de nossos pais, está alicerçada na

visão dominante de apenas um segmento da sociedade ou de determinados indivíduos

que tomaram para si a alcunha de “autênticos repositórios” da memória social1.

Assim como complementa Gonçalves “os patrimônios culturais são estratégias por meio das quais grupos

sociais e indivíduos narram sua memória e sua identidade, buscando para elas um lugar público de reconhecimento, na medida mesmo em que as transformam em ‘patrimônio’. Transformar objetos, estruturas arquitetônicas e estruturas urbanístísticas em patrimônio cultural significa atribuir-lhes uma função de ‘representação’, que funda a memória e a identidade. (...) Os patrimônios são, assim, instrumentos de constituição de subjetividades individuais e coletivas, um recurso à disposição de grupos sociais e seus representantes em sua luta por reconhecimento social e político no espaço público” (GONÇALVES, 2002. p.121-122).

Mas, a mais profícua relação que podemos estabelecer entre o patrimônio, a

memória e a didática da história, é que tanto o patrimônio que insubsiste sem seu

significado para a memória social, quanto a memória que se utiliza do patrimônio para se

                                                            1 Neste sentido a “história ou memória oficial” seria aquela que se impõe como única e verdadeira e que não abre possibilidades de incluir outras versões existentes (a dos anônimos, a dos excluídos, por exemplo), sendo, portanto, aquela história ensinada e (re)produzida no âmbito das instituições públicas locais.

expressar, podem ser utilizados como documentos para o ensino de história. Sobre isto é

que reflete Oliveira (2008) “os monumentos são documentos e, portanto, passíveis de leituras,

assim como os documentos não são portadores da verdade, ou representam a verdade pura e simplesmente. São constructos com uma função bem definida, portadores de uma concepção de memória e de história, muitas vezes criados para se fazerem únicos na identificação de uma memória e uma história oficial. O papel do historiador e do educador como agente revelador dessas operações é fazer aflorar e compreender estas construções, estas memórias e histórias (as vencidas, a dos excluídos, etc), não simplesmente num processo de troca pela memória/história oficial, mas num processo de esclarecimento” (OLIVEIRA IN OLIVEIRA E CAIMELLI, 2008. p. 97).

Desse modo, ao perceber o patrimônio cultural como uma fonte documental por

onde o passado pode se tornar inteligível, tem-se que levar em consideração as

concepções de memória e de história que este encerra, já que nenhum documento

histórico está isento de imparcialidade, ou seja, não possui estatuto de “histórico” em si

mesmo, representando, portanto, as reminiscências de determinado grupo social ou de

indivíduos que se convencionou preservar pela história.

3. AS OFICINAS DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E SEUS DIÁLOGOS COM A HISTÓRIA LOCAL: A EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE CRUZETA/RN

A idéia de realizar oficinas de educação patrimonial como prática

sensibilizadora de ensino para alunos de nível fundamental e médio do município de

Cruzeta partiu de uma observação empírica e de um olhar perscrutador sobre a situação

da consciência histórica e da identidade cultural que grande parte dos alunos da rede

pública de ensino estabeleciam com o próprio lugar onde vivem. Esta visão do local se

edifica quase sempre no sentimento de que o espaço onde habitam não possui “história”

e que, portanto, quase nada restou do seu passado.

O cerne desta visão torna-se bastante preocupante, pois ela mesma sustenta a

idéia de que “se não há história para contar, também não há o que se preservar”. Esta

compreensão do passado demonstra a atitude de indiferença e apatia que muitas

pessoas do local têm se portado diante da sua herança cultural, e de forma mais

acentuada ainda, diante da defesa e preservação do patrimônio cultural cruzetense, já

que os vínculos de afetividade com o local onde vivem são também afetados por estes

sintomas sociais que os fragilizam.

Uma explicação para este problema podemos encontrar na supervalorização

que o ensino formal de história atribui à história nacional e global em detrimento da

história local, quase nunca contemplada no planejamento anual dos conteúdos históricos

das instituições públicas e privadas de ensino fundamental e médio no Brasil. A isso,

soma-se ainda, os escassos projetos de extensão e os irrisórios recursos empregados em

ações pedagógicas que visem desenvolver iniciativas educativas a partir do ensino da

história local e da preservação do patrimônio cultural de cada comunidade. No município

de Cruzeta/RN esta realidade não é diferente, ainda que existam professores que mesmo

se valendo dos parcos recursos disponíveis para viabilizarem suas atividades de extensão

e utilizando-se de todo esforço possível, conseguem obter algum resultado satisfatório

através de suas ações pedagógicas. Mas estas são, porém, mínimas e quase sempre

nunca continuadas.

Um outro aspecto preocupante deste problema tem sido o contínuo descaso

com o que o poder público tem se portado diante do patrimônio cultural do município, não

se munindo de qualquer instrumento legal que concorra à preservação e promoção de

seus bens culturais, expondo-os, grosso modo, ao desgaste e a depauperação do tempo.

A Lei Orgânica do município de Cruzeta promulgada em março de 1990 chega mesmo a

prescrever como sendo da competência municipal a promoção e a proteção do

“patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico local” e ainda atribui à

Câmara Municipal o estatuto de legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive

aqueles que diz respeito à “proteção de documentos, obras e outros bens de valor

histórico, artístico e cultural, como os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os

sítios arqueológicos do Município” e mais ainda de “impedir a evasão, destruição e

descaracterização de obras de arte e outros bens de valor histórico, artístico e cultural” do

local.

No entanto, a verdade sobre isto, é que nada até hoje foi feito por parte do

poder público local que garanta a observação e execução do que pede a Lei Orgãnica

Municipal no que diz respeito às questões do patrimônio cultural do município, sendo

portanto, negligenciadas pelas autoridades locais que insistem em calar-se diante desta

questão e assitir impacíveis a ininterrupta destruição e descaracterização de nosso

patrimônio histórico e as vezes até tornando-se mentores de sua própria destruição.

Entretando, é nosso dever, enquanto cidadãos cruzetenses conscientizar a população

local para o seu exercício de cidadania que tem na defesa, preservação e apropriação de

seus bens culturais uma baliza fundamental dos direitos do cidadão brasieliro.

Foi sem dúvidas em vista desta finalidade mais abrangente que executamos

entre os dias 13 e 18 de Setembro de 2010 no município de Cruzeta o projeto Patrimônio,

memória e Educação: descobrindo nossos tesouros de identidade cujas as ações

educativas foram realizadas por meio de oficinas de Educação Patrimonial e estudo de

meio voltadas aos adolescentes e jovens estudantes locais.

Como nosso interesse neste texto é mostrar as variadas possibilidades de

diálogo entre as práticas de Educação Patrimonial experienciadas e o ensino de história

local, gostaríamos de começar tecendo esta discussão a partir de algumas colocações a

cerca das concepções de história e memória correntes atualmente no município de

Cruzeta e que tem servido como balizas para a escrita e o ensino de história local.

Inicialmente podemos dizer que o conhecimento histórico se constrói a partir de

uma necessidade insurgente que não deixa de ser em si mesmo um objeto de análise da

história e que vem a atender a demanda de novos interesses individuais e coletivos, seja

ele produto de um desdobramento acionado pelas experiências vividas no bojo das

relações sociais e interpessoais, seja por uma tomada de consciência frente a uma

realidade que se almeja emancipadora e transformante. Assim, ao ser publicado em 1971

o livro “Noções de Geografia e História do Município de Cruzeta” de autoria da professora

Terezinha de Jesus Medeiros Goes e que ainda nos serve de referência particular para o

estudo da história local, grande foi a euforia dos cruzetenses ao receber tão “ilustre obra”,

o que no contexto atual não deixa de ser para muitos cruzetenses “uma obra

ultrapassada”.

Ao compartilhar as concepções de história e geografia de sua época, o livro

Noções de Geografia e História do Município de Cruzeta não pode ser interpretado fora

de seu contexto de produção, isto é, sem atentar-se para a análise dos fatores,

conjunturas e ideologias que possibilitaram a sua escrita e publicação sem incorrer no

mais grave pecado dos historiadores, isto é, no erro do anacronismo histórico. Pois como

elucida Silva “o ato de contar, descrever e analisar o passado depende da sociedade e do

período de cada contador. Tudo na história deve ser pensado em seu tempo, isto é a

historicidade”. (SILVA, 2008. p. 183) Reconhecido ainda como a obra mestra que narra a

“história oficial” do município de Cruzeta, o livro da professora Terezinha Medeiros Goes

representa um importante documento/monumento de nossa história, constituindo-se,

desse modo, uma versão da história local que nos últimos anos tem sido questionada por

outros pesquisadores.

Esta reflexão ajuda a entender aquilo que podemos chamar de um “surto

revisionista” na história do município de Cruzeta/RN, que tem mobilizado nos últimos anos

esforços de professores e alunos da rede pública municipal de ensino na busca da

reconstrução de um passado silenciado pela história oficial, ou seja, das memórias e

vivências daqueles sujeitos históricos “que não se encontram nos livros que enaltecem os

vultos, mas que consideram como produtores de história quem realmente o é: o povo”.

[Grifos nossos] (COSTA & ZEFERINO, 2008. p. 13).

Esta nova “áurea de reconstrução da história local” no município de

Cruzeta/RN pode ser percebida como um desdobramento de um projeto político

ideológico mais amplo vivenciado pela sociedade brasileira a partir dos anos 1980 que se

firma nos ideais de sociedade democrática e plural forjando a tessitura da emergência de

se fazer ouvir “as vozes” daqueles sujeitos sociais que foram marginalizados ou

“silenciados” pela “história vista de cima” fundamentada nos feitos dos “grandes vultos”,

quase sempre pertencentes e identificados a uma elite político-econômica local

dominante.

O resultado disto tem sido a publicação de novos trabalhos demonstrativos de

práticas pedagógicas ou de pesquisas in loco que se insinuam na valorização da memória

social e que buscam lançar “um novo olhar” sobre o entendimento da história local seja

resgatando das “lembranças dos nossos avós” a matéria-prima para a reconstrução desta

história, como a iniciativa do livro Cruzeta, uma cidade repleta de memórias e poesias

elaborado por professores e alunos da Escola Estadual Joaquim José de Medeiros no ano

de 2008. Seja através da apropriação de novas versões e múltiplos olhares “que se

debruçam sobre a gênese de fatos, de sabedorias explícitas e implícitas de cruzetenses

(...) [para retratar] ocorrências plurais e oferecer-nos subsídios valiosos que enriquecem

os nossos saberes sobre a história de um povo de tanto mistério” (MEDEIROS, 2010. p.

09), caso muito particular do livro Coletânea de entrevistas: espelho da história e cultura

cruzetense publicado por professores e alunos da Escola Municipal Cônego Ambrósio

Silva em novembro de 2010.

As questões levantadas acima nos servem para apontar outra orientação que

talvez possa parecer implícita, isto é, a função a que se atribui a história. Percebida como

indissociada da memória, a função social da história nas obras citadas acima é situar as

experiências de vidas dos sujeitos sociais nos mais variados contextos e épocas em que

estes viveram, valorizando o ato de lembrar o passado como elemento instituinte da

história. Para Silva (2008) a função da História quanto ciência dos Homens no tempo,

para se utilizar da definição do historiador Marc Bloch, “é fornecer explicações para as

sociedades humanas, sobre suas origens e as transformações pelas quais estas passam.

Essas explicações, por mais diversas que sejam, são feitas sempre sobre uma base

comum, o tempo, a temporalidade” (p. 183-184).

A função que se presta a história, tal como a entende Silva e a importância da

memória como elemento instituinte do vivido, visão de história mais difundida no

município de Cruzeta, nos são válidos para demonstrar os possíveis diálogos que

podemos estabelecer entre as práticas de Educação Patrimonial e o ensino da história

local a partir da utilização do Patrimônio Cultural como meio de se compreender o

passado. Para melhor ilustrar estas possibilidades é que tomaremos como exemplo a

experiência vivenciada no Centro Histórico de Cruzeta durante as oficinas de Educação

patrimonial.

Planejadas para serem executadas em quatro momentos distintos, as oficinas

de Educação Patrimonial foram realizadas em uma semana de atividades. O primeiro

momento foi vivenciado com a realização de palestras, alem de outras atividades lúdicas,

que envolveram temas voltados às questões da cultura, da identidade, do patrimônio

cultural no âmbito local e nacional, das políticas de preservação e conservação deste no

Brasil e da metodologia da Educação patrimonial que fundamentaram todo o instrumental

teórico utilizado durante as oficinas para a aplicação em campo das atividades de

pesquisa e estudo. Já o segundo momento foi executado com a aplicação da metodologia

da Educação Patrimonial e a realização da pesquisa e registro do Patrimônio Cultural no

Centro Histórico de Cruzeta, ocasião que será mais explorada neste texto. A etapa

seguinte foi vivenciada pelos participantes por meio da socialização e apresentação dos

resultados das pesquisas realizadas na experiência passada e, por último, tivemos a

realização de uma viajem de estudo (city tuor) por alguns lugares importantes para a

compreensão da história e cultura da região do Seridó potiguar, momento em que foram

visitados o Parque multitemático da Mina Brejuí e o museu que este integra, ambos

localizados na cidade de Currais Novos e ainda o Museu do Sertanejo e a Igreja Barroca

do Rosário, situados no município de Acari. Mas é em sobremaneira a segunda etapa

destas atividades que nos interessa neste texto.

Partindo da análise feita por Horta (1999) que considera os Centros históricos

como lugares importantes para se estudar e entender a história local “porque ajudam a

estabelecer e compreender as relações fundamentais entre o presente, o passado, e as

mudanças ocorridas nos modos de vida das pessoas que neles viveram, assim como nas

próprias cidades” (p. 26), durante a execução do projeto educativo foi realizado de

antemão um mapeamento prévio das principais evidências materiais e históricas

possíveis de serem constatadas no Centro Histórico de Cruzeta, isto é, monumentos,

edificações e construções que conservavam ainda integralmente ou parte de sua

arquitetura original e logo em seguida elaborado um mapa demarcando as áreas do

entorno circunscrito. Além destes elementos, também foram identificadas evidências da

cultura imaterial que se manifestam no cotidiano ou nas ocasiões festivas e/ou de lazer da

população local que possui o Centro Histórico como cenário principal de sua ocorrência.

Ainda para facilitar o trabalho em campo dos alunos participantes do projeto, foram

elaborados e distribuídos materiais de apoio que serviram como instrumentos didáticos de

pesquisa.

Assim, seguindo uma sistemática própria, foram constituídos dois grandes

grupos de 20 pesquisadores perfazendo o total de 40 ao todo, e estes, por sua vez,

subdivididos em dois menores compostos por 10 alunos cada qual. Para melhor estruturar

os trabalhos a serem realizadas passamos a atribuir nomes e tarefas a cada um deles.

Desse modo, o Grupo denominado A se dividiria em duas zonas e pesquisaria as

evidências da cultura imaterial identificadas no Centro Histórico e, do mesmo modo

ocorreria ao Grupo B, que teria o conjunto subdivido em duas zonas, mas que pesquisaria

o Sítio Histórico como um todo.

Também é Horta quem nos fornece uma melhor definição de Sítio ou

Monumento Histórico, apresentando-os como “fragmentos do cenário do passado,

elementos de uma paisagem que sofreu modificação ao longo do tempo, e funcionam

como chaves para a reconstituição das sucessivas camadas da ocupação humana e dos

remanescentes que chegaram até nós” (1999. p.17). O estudo e apropriada exploração

destes remanescentes materiais nos revela um precioso meio de se compreender o

passado a partir do contato direto, da observação e de sua análise crítica. Neste ponto é

importante elucidar as orientações propostas pela metodologia da Educação Patrimonial

no que aludi às suas etapas e recursos empregados. Destarte, para servir de orientação

didática para o estudo de campo realizado durante as visitas ao Centro Histórico de

Cruzeta, foram confeccionadas três fichas básicas de apoio, quais sejam:

• a Ficha de Identificação do Edifício com o objetivo de orientar o

pesquisador na fixação de informações a cerca de antigos edifícios e

construções no que diz respeito as suas características gerais, tais como,

usos, estado de conservação, ocupação, primeiros moradores, período de

construção, importância para a comunidade e diagnóstico geral do imóvel;

• a Ficha de Identificação do Sítio Histórico com a finalidade de

instruir a cerca da descrição geral do Centro Histórico pesquisado em

observação aos aspectos como localização, paisagem natural, meio ambiente,

marcos edificados, características físicas, funções, usos e significados do

local atualmente (Para que foi construído? Para que serve? E qual(s) o seu

significado(s) para a comunidade?), além de fatores como a história e o perfil

socioeconômico de seus habitantes;

• e por último, a Ficha Explorando o Sítio Histórico com o intuito

de instigar as percepções e análises críticas dos alunos pesquisadores sobre

a história do Sítio Histórico pesquisado propondo questões como a descrição

dos antigos habitantes da área (personagens da história mais conhecidos e

também os “anônimos”), suas formas de trabalho, ocupações,

comportamentos e origens para responder a questão “quem viveu aqui?”,

assim também como outros questionamentos que buscavam explorar as

razões históricas que contribuíram para a ocupação do lugar (“Por que

escolheram viver neste lugar?”), os diferentes usos deste espaço pela

população local (“Para que foi usado este local?”), seus aspectos físicos no

passado (“Como era este lugar no passado?”), a vida cotidiana de seus

habitantes em outras épocas (“Como era viver aqui no passado?”), as

transformações sofridas em decorrência de seu processo histórico e etc.

A utilização do material didático de apoio é um instrumento pedagógico

imprescindível no estudo de campo, pois ajuda os estudantes pesquisadores na

construção de seus conhecimentos, uma vez que serve como guia para suas reflexões ao

estimular a análise crítica sobre o meio, sendo utilizado também como forma de

acompanhar o processo de ensino-aprendizagem do aluno, ainda que em alguns casos,

não substitua a presença orientadora do professor. Neste contexto, mesmo munidos do

material de apoio e do embasamento teórico absorvido no primeiro momento das oficinas,

os grupos de pesquisadores foram supervisionados por dois guias de campo durante os

passeios de estudo ao Centro Histórico de Cruzeta que acompanharam de perto todo o

processo de construção do conhecimento. Mas para melhor problematizar nossa

experiência de Educação Patrimonial e Ensino de História Local tendo como cenário e

objeto de estudo o Centro Histórico de Cruzeta, iniciaremos, pois, a discussão,

relacionando algumas narrativas a cerca da história do sítio pesquisado e suas possíveis

utilidades para a prática do ensino de história.

O Centro Histórico de Cruzeta está repleto de memórias e narrativas

envolvendo principalmente os modos como a população local se apropriou de seus bens

culturais ao longo do tempo resignificando-os a cada geração. Nenhum adolescente que

se interessou em saber de seus avós como aconteciam os namoros na cidade

antigamente estará ignorante da importância que possuía o Mercado Público Municipal

construído no início da década de 1930 para esta prática social, além, é claro, de sua

utilidade primordial como centro comercial do local. Ou aqueles mais curiosos ainda não

deixarão de saber que a Escola Estadual Otávio Lamartine construída em 1935 para

servir de primeira instituição de ensino formalizado às crianças do crescente povoado

(Cruzeta passaria à Vila em 1937 e à categoria de Cidade em 1953) serviu também de

sala de cinema para a exibição de filmes na década de 1960, de palco para

apresentações de peças teatrais, ou de salão para os bailes e festas sociais até a década

de 1970. Além destes exemplos outros poderiam ser citados aqui, como o do Açude

Público de Cruzeta construído em 1929 no perímetro sul do centro da cidade com o

objetivo de amenizar as problemáticas da seca no semi-árido nordestino, mas que nos

fins da década de 1960 e no decorrer da de 1970 foi utilizado como cenário principal da

festa “Manhã de Sol” onde a "beira” de suas margens era “transformada em praia” e

recebia além de banhistas e desportistas da população local (as “manhãs de sol” eram

freqüentemente comemoradas com competições de “remo, nado ou salto”), outra pessoas

provenientes das cidades circunvizinhas (GOES, 1971. p. 68-69).

Tendo em vista estas narrativas já construídas e difundidas oralmente na

comunidade, nosso trabalho de visita ao Centro Histórico de Cruzeta buscou desenvolver

por meio da observação visual e sensorial do meio pesquisado, exercício que abrange a

primeira etapa da Metodologia da Educação Patrimonial, estimular nos alunos uma

“percepção histórica” destas memórias a partir do olhar do historiador sobre os fatos

culturais observados, isto é, a visão que percebe as manifestações do Patrimônio Cultural

como resultado de um processo histórico mais abrangente (visão macro da história) em

observação a seus diversos ritmos de duração e aquela que busca enfocar seus aspectos

mais particulares em decorrência da dinâmica do lugar (visão micro da história), mas que,

de modo geral, sem deixar de estabelecer relações sempre quando possíveis entre o

local, o nacional e o global. Desse modo, observar as configurações atuais do Centro

Histórico de Cruzeta, seus elementos constitutivos, seus aspectos físicos e simbólicos,

seus usos e significados a partir do olhar do historiador, é perceber que este possui uma

historicidade à medida que se insere numa dinâmica cultural que ultrapassa gerações e

épocas, que interrelaciona-se com outros espaços e temporalidades, ainda que suas

representações se renovem sempre na contemporaneidade.

Com esta orientação partimos da idéia de que a composição inicial do núcleo

urbano de Cruzeta formado fundamentalmente a partir da construção do Açude Público

em 1929, a edificação da Capela de Nossa Senhora dos Remédios em 1921, além de

outras escassas construções para uso residencial e posteriormente comercial erguidas

neste período, ou seja, as “sementes de civilidade” para se dar início a construção de uma

cidade, não surgiram por um acaso, mas sim, só pode ser historicamente entendido se

situado na tessitura de uma conjuntura histórica mais ampla que extrapola a lógica da

dinâmica local, não sendo por tanto produto apenas da ação de alguns indivíduos, que

por motivo ou outro, agiram voluntariamente sobre esta circunstância. Assim, entender as

circunstâncias históricas que contribuíram para a construção do Centro Histórico de

Cruzeta é situá-lo no passado que nos permite responder a questão por quê se escolheu

este local para se fundar um núcleo urbano no meio do sertão seridoense potiguar nos

alvores do século XX.

A resposta mais pertinente para esta indagação seria aquela que se detivesse

a explicá-la a partir dos fatores socioculturais, políticos e econômicos possíveis de serem

observados na trama histórica, o que dentro do contexto estudado poderíamos

descortinar neste período uma região cuja elite político-econômica local buscava afirmar

nos valores de civilidade e progresso representados pela vida racional nas cidades e pelo

desenvolvimento do comércio e da indústria circulantes no meio político e intelectual

nacional o caminho mais curto para se chegar à modernidade, aqui entendido em

oposição a um “sentimento de ruptura com o passado” de atraso, de dificuldades e de

estigmas provocados pelas adversidades da natureza e da sociedade que vinham

“castigando” as populações locais desde tempos precedentes.

Esta busca pelo progresso do interior do país, isto é, os chamados sertões

brasileiros, representa o desejo ou o esforço das elites político-econômicas nacionais em

“atualizar” ou aproximar o Brasil ao ritmo de desenvolvimento vivenciados neste período

pelas nações européias ou pelos Estados Unidos, num momento em que os espaços

territoriais conhecidos por sertões passaram a ser vistos como um fator de impedimento

para a modernidade da nação. A problemática das secas no semiárido nordestino era um

destes fatores que mais citavam preocupações nos meios políticos. A construção do

Açude Público de Cruzeta foi um desdobramento desta circunstancia histórica inicial, o

que não impediu que as elites locais não utilizassem deste benefício para assegurar seus

privilégios e domínios na região. Não se pode ensinar uma história da Cidade de Cruzeta

do início de sua fundação até os fins de 1970 sem referir-se a importância que a

cotonicultura na sua produção e experimento das fibras e sementes do chamado “algodão

mocó” representou para o próprio desenvolvimento da cidade. Para cá vieram muitos

homens e famílias de outras localidades da região e até de outros Estados circunvizinhos

trabalharem na construção do açude, nas usinas de beneficiamento ou nos campos

cultiváveis do algodão mocó que passaram a construir residências próximas ás

imediações do Açude Público dando continuidade ao processo de edificação do centro

histórico da cidade. É importante esclarecer neste ponto que isto não diminui a

importância das ações deliberadas por outros indivíduos que agindo no meio das

circunstâncias mais gerais, também foram movidos por outros motivos adversos a

desempenharem suas funções dentro deste processo histórico, exemplo bastante

conhecido na cidade da figura de Joaquim José de Medeiros, que ao doar as terras

recebidas por herança para o assentamento do povoado que passou a se chamar

Cruzeta, veio, então, a ser reconhecido pela comunidade como o seu fundador.

O perigo em atribuir a um indivíduo ou a um grupo circunscrito de pessoas as

honras de fundadores de uma cidade se incidi sobre a interpretação reducionista da

realidade que desconsidera como importante o trabalho e as ações de indivíduos de

outros grupos ou matizes sociais, levando a crer que estes não fizeram história e por tanto

não merecem ter suas memórias preservadas às futuras gerações. A verdade é que

ninguém funda uma cidade sozinho. Cada sujeito histórico dentro da lógica de seu meio

social e cultural, desempenha as funções que lhes são próprias. Se levarmos em

consideração esta reflexão sobre a história oficial do município de Cruzeta poder-se-ia

dirigir-lhe um questionamento: em que lugar desta história ficou reservado o espaço

daqueles homens que labutaram de sol a sol durante quase 20 anos para construir nosso

principal reservatório de água, o açude público, acontecimento histórico dos mais

importantes para o surgimento do povoado? Certamente estes não mereceram “menções

honrosas” ainda que obtivesse algum reconhecimento como chegou a relatar Terezinha

de Medeiros Góes em seu livro: “de igual importância nos princípios do nosso povoado foi

a colaboração dos homens humildes, incógnitos, que em centenas aqui alojados, sob os

ardores de um sol causticante, com seus rostos banhados de suor, construíram os

alicerces desta cidade que os homens mais esclarecidos do passado edificaram (...)”

[Grifos nossos](GOES, 1971. p. 55). Para estes homens “incógnitos” a nossa história

oficial lhes reservou o silêncio.

As reflexões tecidas acima servem para orientar o leque de possibilidades que

o uso do Patrimônio Cultural como documento histórico abre para se ensinar a história

local. Tomando ainda como exemplo nossa experiência de Educação Patrimonial no

Centro Histórico de Cruzeta, buscamos explorar uma abordagem da história que

estimulasse nos alunos a percepção das permanências e descontinuidades em suas

variações temporais a partir da análise e exploração do Patrimônio Histórico identificado.

Portanto, entendido que o Centro Histórico de Cruzeta foi construído para atender as

necessidades da vida em sociedade consolidando a qualidade humana da sociabilidade

dentro de uma circunstância histórica mais abrangente, não poderíamos deixar de

problematizar que seus usos e apropriações nem sempre foram os mesmos ao longo do

processo histórico local.

Ao buscarmos explorar mais a fundo este enfoque teórico podemos

estabelecer diante das fontes históricas disponíveis (fotografias antigas e relatos de

memórias) pelo menos três recortes temporais (marcos políticos) para explicar os

diferentes usos e significados que as populações locais fizeram deste espaço. O primeiro

deles corresponde ao período de Povoado (1921 a 1937), momento em que um pequeno

núcleo urbano é formado em torno da Capela de Nossa Senhora dos Remédios (1921),

do Mercado Público Municipal (1931), do grupo Escolar Otávio Lamartine (1935) e nas

margens do Açude Público (1929), mas que ainda se confunde com a própria paisagem

rural dispersa nos arrabaldes.

O segundo recorte temporal pode ser feito no período em que o povoado passa

a categoria de Vila (1937 a 1953) onde o Centro Histórico incorpora outras feições

externas como a instalação do sistema de iluminação elétrica em 1939 que só duraria até

o ano de 1943 (GOES, 1971. p. 60), a pavimentação das ruas principais com plano de

arborização. Mas, contudo, mantêm as características duma comunidade tipicamente

rural, mesmo que já em processo de urbanização. O ambiente predominante da

sociabilidade local ainda continua sendo a zona rural, espaço mais habitado e disputado

pelas populações locais.

O terceiro recorte pode ser situado na passagem de Vila para a categoria de

cidade (1953 aos dias atuais), em que o Sítio Histórico passa a representar o “coração da

cidade” e o centro da sociabilidade com a instalação das entidades de utilidade pública (a

construção da Prefeitura e da Câmara Municipal é desta época), do Posto de Saúde

(1958), do Grêmio Lítero Esportivo Cruzetense (1959) responsável em promover as festas

sociais, da instalação da energia de Paulo Afonso (1966), momento em que as ruas

principais perdem sua arborização, do serviço de abastecimento d’água na cidade (1969),

da construção da Praça João de Góes (1969), da instalação do prédio dos Correios e

Telégrafos (1969), dentre outros benefícios.

Sobre a vida na cidade registrou Terezinha Góes em 1971: “há progresso

cultural. O povo começa a interessar-se pelas técnicas, inventos e conquistas do homem

moderno. (...) A pacatez é característica do nosso povo. Poucos crimes tem-se registrado

aqui e esses poucos, em sua maioria, foram praticados por estranhos” (GOES, 1971. p.

71) Embora estes três recortes possam ser situados com uma certa facilidade, posto que

são aqueles estabelecidos pela história oficial do município, também dentro deste último é

possível situar outros. Se observarmos que até meados da década de 1970, Cruzeta

ainda permanecia uma cidade com fortes características rurais que se revelava no seu

maior contingente populacional vivendo ainda no campo e na dependência da população

urbana pela produção econômica campesina, iremos admitir que o centro urbano que

agora incorpora a representação da cidade com todos os seus benefícios públicos e suas

facilidades de vida e como lugar comum da fonte de renda e do trabalho só será forjado

nas representações sociais a partir da década de 1980, onde se observa um rápido

deslocamento duma significativa parcela da população rural para os espaços citadinos e o

crescimento acelerado da construção civil e do setor terciário da economia. Esta variante

pode ser explicada tendo em vista as mudanças provocadas pela decadência da

cotonicultura na região que vinha desde anos anteriores perdendo espaço no mercado

nacional para a região sudeste levando à falência às fazendas de lavoura do algodão.

Em vista disto, o patrimônio cultural não deve ser percebido como um “registro”

estanque de uma época. Ao se constituir num bem patrimonial transferível, isto é, numa

herança cultural que se repassa de geração a geração, ele se reveste de uma natureza

dinâmica e mutável que se inscreve sempre no tempo presente, ou seja, incorpora as

funções, usos, representações e sentidos que cada geração confere a ele ao longo dos

tempos. Assim, para entender o conjunto de significados e funções que se atribui ao

Centro Histórico de Cruzeta em seus matizes contemporâneas, torna-se imprescindível

conhecer a história local, pois todo fato cultural, entendido por Santos (1987) “como uma

dimensão do processo social, da vida de uma sociedade” (p. 37) é também uma

construção histórica, ou seja, se revela no tempo e no espaço possíveis de serem

identificados.

Foi com base nestas reflexões que as visitas aos chamados “lugares de

memórias” do município de Cruzeta, entre estes o Mercado Público Municipal, a Igreja

Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, a casa do Fundador da Cidade, o Açude Público

e a Escola Estadual Otávio Lamartine, para citar apenas os mais consagrados situados

nas imediações do centro Histórico pesquisado, buscou a partir do registro e exploração

destes bens, estabelecer uma conexão com os conhecimentos em construção sobre a

história local, perpetrando nos alunos pesquisadores o estímulo em descobrir outras

fontes, bens culturais e documentos que pudessem enriquecer seus conhecimentos a

cerca da história do sítio pesquisado. Para isto é que velhas fotografias antigas sobre o

centro urbano, relatos e informações obtidos a partir de entrevistas com os moradores

locais, pesquisas em livros e jornais foram utilizados como meio de se investigar e

compreender a história local.

A percepção do Centro Histórico de Cruzeta como um fato em constante

mutação presente nos registros de vários alunos pesquisadores revela um dado

importante para avaliarmos a compreensão da história apreendida por estes durante as

oficinas de Educação Patrimonial. A relação que estes estabelecem entre

presente/passado a partir do dado analisado e o esforço em situar os fatos na “lógica do

tempo” é uma informação valiosa que demonstra o nível de “imaginação histórica”

alcançado pelo educando. Um dos alunos pesquisadores do projeto registrou em seu

caderno de campo (ficha de acompanhamento) suas impressões sobre o sítio

pesquisado: “as ruas principais do centro não eram calçadas como hoje em dia, as casas

possuíam modelos antigos que hoje estão sendo reformadas e se tornando cada vez mais

modernas, restando apenas poucas delas. Não existia saneamento básico e as pessoas

sofriam muito com as muriçocas. Só a partir de 54 é que passou a existir o calçamento

nas outras ruas”. Em vista disto, ao ser apropriado pelo processo educacional, o

patrimônio histórico cultural identificado nos remanescentes do passado deve ser utilizado

na busca pela compreensão e avaliação do modo de vida e dos problemas enfrentados

pelas populações que nos antecederam esforçando-nos para entender as soluções

encontradas para estes mesmos problemas ao longo dos tempos e suas permanências

nos dias de hoje.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Construir um saber histórico local a partir do Centro Histórico de Cruzeta foi

uma experiência enriquecedora que permitiu a muitos estudantes locais compreender as

transformações históricas pelas quais vivenciaram os diversos sujeitos sociais na urdidura

da história e suas permanências no tempo presente. Da fundação do povoado de Cruzeta

em 1921 ao ano de execução do projeto (2008) já se passaram quase 90 anos de história

em que o sítio pesquisado veio se definindo como o verdadeiro “coração da cidade”

embora que suas funções e significados nos tempos de Vila (1937 a 1953) tenham se

diferenciados em muitos aspectos das dos últimos tempos onde este está voltado mais às

práticas comerciais e festivas e menos do lazer e da sociabilidade cotidiana. Em seu

caderno de campo um estudante pesquisador do projeto registrou sobre isto: “é no centro

histórico onde fica a praça da Igreja que antes era local de encontros de familiares,

jovens, amigos, vizinhos e pessoas da comunidade mas que hoje devido a construção da

praça de eventos [Praça Dr. Sílvio Bezerra de Melo localizada numa área externa do

núcleo histórico principal] lá se tornou mais local de encontros amorosos por ser mais

reservado. Não é mais como era antes”.

No entanto, para ensinar a história local a partir do Centro histórico de Cruzeta

foi necessário explorar uma abordagem da história que estivesse ao alcance dos níveis

cognoscíveis dos alunos envolvidos no projeto, já que estes eram provenientes de séries

intermediárias do nível Fundamental e Médio de ensino, e, por tanto, detentores de graus

diferenciados de aprendizagens, valendo-nos, pois, dos conhecimentos prévios dos

educandos e de suas experiências históricas vividas para introduzi-los no entrelaçamento

de novos significados e esquemas próprios das abordagens históricas, respeitando,

sempre quando possíveis, as consideração espontâneas formuladas por intermédios de

tais experiências, já que como nos orienta Bittencuort (2009) “a constituição de ‘conceitos

científicos’ ocorre de maneira articulada aos ‘conceitos espontâneos” (p.191)”.

Por fim, o desenvolvimento do projeto de Educação patrimonial e seus diálogos

com a história local serviram para que os alunos envolvidos adquirissem um novo olhar

sobre a sua comunidade e através deste pudessem visualizar no meio onde vivem os

traços deixados por aqueles que no passado construíram e edificaram nossa cidade num

contínuo processo de recriação à medida que cada geração ascendente buscou

apropriar-se de seu patrimônio cultural a partir de seus conhecimentos acumulados e de

suas experiências no tempo presente para tecer o nosso amanhã, forjando através da

história as nossas

“identidades culturais”. Assim

“as pegadas daqueles que construíram o cotidiano do tempo que se passou são novamente repisadas pelos que fazem as trilhas do hoje, mas estas pegadas dos seres humanos do presente são marcadas pelos condicionamentos de seu tempo e os sonhos de um amanhã; são construções e reconstruções das ações humanas engendradas pela relação que o ontem, o hoje e o amanhã proporcionaram e nos fazem viver o presente, construindo o dia seguinte”. (RÊGO, Apud. MAGALHÃES JUNIOR, 2003. p. 33).

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