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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE A EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO Octávio Torres Costa Rio de Janeiro Março de 2004

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

Octávio Torres Costa

Rio de Janeiro

Março de 2004

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2OCTÁVIO TORRES COSTA

Aluno do Curso de Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior

Matrícula 14390 TURMA 540

EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO

Monografia apresentada como requisito

parcial para obtenção do título de

especialista em Docência do Ensino

Superior

Rio de Janeiro

Março de 2004

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3

“O ritmo de mudança em nossa época é

tão rápido que um indivíduo, ao longo de

sua vida, é levado a enfrentar novas

situações jamais experimentadas. A

pessoa com crenças definitivas, dedicada

a tarefas imutáveis, que era

anteriormente considerada uma dádiva

divina, será um perigo público nos

tempos que virão”.

Alfred North Whitehead

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RESUMO

A globalização trouxe para a educação uma nova visão e a

necessidade de atualizar-se nessa evolução tecnológica e social, que tem por fonte de

informação indispensável, tanto no contexto familiar como na unidade escolar, a

mídia e a Internet. Essa globalização se apresenta como um processo social atuante

na mudança da estrutura política e econômica das sociedades. Em termos

econômicos marca a relação que surge entre as economias no mundo, através do

comércio, dos fluxos financeiros, do intercâmbio de tecnologia e informação e do

movimento de pessoas.

Nesse aspecto, o presente trabalho visa apontar as principais

mudanças nas bases educacionais de modo a atender as novas demandas do mercado

globalizado. Para tanto, a questão da qualidade total no ensino e o posicionamento

das escolas em face ao novo mercado que se apresenta serão analisados como forma

de produção do saber na era da globalização.

Será considerado como modelo de qualidade total o agir de forma

planejada e sistêmica, com o objetivo de implementar um ambiente no qual o

aprimoramento seja contínuo e onde as relações existam de forma a garantir

satisfação mútua. Assim, a educação precisa adotar esse modelo para que seu papel

na formação social seja crítico e consciente, promovendo um projeto de cidadania

coerente com o mundo que hoje se apresenta.

A educação superior na sociedade globalizada tem o compromisso de

preparar um homem autônomo, para viver e participar de uma cultura que não é

apenas local, mas que amplia os espaços, tendo o mundo como sua localidade e o seu

lugar. Nesse sentido, a ampliação da consciência humana na conquista do espaço

cultural mundial depende da capacidade da escola em trabalhar pedagogicamente

essa dimensão.

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5SUMÁRIO

Resumo 04 1.0 - INTRODUÇÃO 06 1.1 Apresentação do problema 06 1.2 Objetivos do estudo 08 1.3 Questões de pesquisa 09 1.4 Definição de termos 09 2.0 – A EDUCAÇÃO E A GESTÃO DA QUALIDADE 10 2.1 – A Difícil Situação da Educação no Brasil 10 2.2 – Educação: Um Problema Econômico 11 2.3 – Investimentos em Educação 12 3.0 – GLOBALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E QUALIDADE 14 3.1 – A Crise do Estado de Bem Estar Social e o Novo Discurso Burguês 14 3.2 – Qualidade: gênese e “socialização” da palavra 17 3.3 – A Proposta da “Escola de Qualidade Total” no Brasil 21 4.0 – INFORMÁTICA E EDUCAÇÃO: NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO DO SABER NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

24

4.1 – Interpretações sobre as Mudanças Tecnológicas 24 4.1.1– Tecnófobos (a visão negativa) 25 4.1.2 – Tecnófilos (a visão positiva) 30 4.2 – Escola e Novas Tecnologias: uma parceria possível? 34 5.0 – A ESCOLA EM FACE A GLOBALIZAÇÃO 42 6.0 – CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES 49 6.1 Conclusão 49 6.2 Recomendações 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

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1.0 INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação do Problema

Ainda neste século XXI, vivenciamos uma sociedade globalizada,

onde impera o neoliberalismo, movimento que surge no final do século passado

como uma saída para a crise estrutural vivida pelo sistema capitalista e como uma

reação contra o Estado de bem-estar social (Welfare States), modelo que admitia

certos direitos sociais, como saúde, transporte, moradia, acesso à educação e que

também exercia atividades protecionistas na economia, como incentivo ao mercado

interno e ao processo de substituição de importações. Seus críticos acreditavam que:

... o novo igualitarismo deste período, promovido pelo Estado de

bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da

concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos.[...] O

remédio, então, era claro : manter um Estado forte, sim, em sua

capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do

dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções

econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema

de qualquer governo. (ANDERSON, 1995, p.10)

Visando construir uma nova ordem mundial, a elite dominante dos

países desenvolvidos adota como política estratégica a globalização da economia e a

reestruturação produtiva a partir dos avanços tecnológicos, como a robótica, a

microeletrônica, entre outras e novas formas de gerenciamento do trabalho, como a

terceirização, a gestão participativa, a flexibilização na produção, etc. O atual

processo de globalização é comandado pelas grandes corporações transnacionais que

procuram abrir novos mercados para aumentar suas taxas de lucro, utilizando, para

isso, a política neoliberal.

Os planos de estabilização monetária e a reforma do Estado são

condições impostas pelas organizações financeiras internacionais para que países em

desenvolvimento como o Brasil, México, Argentina, e outros, venham se inserir na

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7nova ordem mundial, na qual a revolução tecnológica introduziu enormes

transformações nas relações sociais.

Não se trata exatamente de um programa, por mais que algumas

medidas centrais do receituário sejam bem padronizadas. Antes, é

um conjunto de princípios oriundos do pressuposto básico de que

os mecanismos de freio das energias do mercado tendem a produzir

efeitos nefastos sobre a sociedade, deteriorando sua capacidade de

seguir crescendo e tolhendo a iniciativa dos agentes econômicos,

subjugados aos procedimentos monopolísticos que o estado

necessariamente produz. (COSTA, 1995, p. 51)

Sendo assim, o caminho que passa a ser adotado é o de redução da

esfera de influência do estado, por meio da desregulamentação, privatização de

empresas públicas e de terceirização de serviços prestados.

O papel da mídia passa a ser muito importante para a difusão e

aceitação de aspectos neoliberais:

A indústria da informação, além de constituir a grande saída para

a retomada da acumulação capitalista no âmbito mundial,

forneceria a saída política para a crise, auxiliando a produzir

consenso rumo a uma nova "consciência mundial" e à diluição das

fronteiras dos Estados-Nações, pela via de uma cultura

transnacionalizada [...]. O discurso desregulacionista e privatista

também invade o campo cultural, aumentando os espaços de ação

dos grandes grupos, já que não há mão invisível que consiga

equilibrar mercados monopolizados e protegidos por poderosos

interesses políticos.(FREITAS, 1992, p. 31)

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8Com certeza a educação constitui parte importante deste contexto. Nas últimas

décadas, influenciados pelo pensamento dos EUA e da Europa ocidental, a quase

totalidade de nossos economistas assumiu a posição de considerar a educação como

um instrumento do crescimento econômico e da globalização. As técnicas de custo-

benefício foram desenvolvidas e aplicadas, visando determinar qual o menor

investimento necessário na educação para atender as necessidades do neoliberalismo.

Estas modificações nas relações econômicas e sociais demandam

novas exigências no que diz respeito a participação e atuação do

trabalhador no interior da empresa e na sociedade. As relações

entre capital e trabalho assumem características específicas [...] e

a educação é chamada a produzir os comportamentos e

conhecimentos necessários a reprodução destas relações. (DEL

PINO, 1995, p. 123)

Portanto, o problema objeto do estudo é, primeiramente, caracterizar

adequadamente alguns aspectos que envolvem essa discussão, desmistificando

alguns conceitos sócio-políticos comumente utilizados e divulgados em nossa

sociedade. Após, tentaremos demonstrar como se situa a educação neste contexto que

se apresenta atualmente em países como o Brasil.

1.2 Objetivos do estudo

Objetivo Geral

Analisar as mudanças ocorridas na área educacional com o advento da

globalização.

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9 Objetivos Específicos

- Abordar a questão da qualidade total no ensino.

- Analisar a introdução da informática na educação como forma de produção

do saber na era da globalização.

- Verificar o posicionamento das escolas em face ao mercado globalizado.

1.3 Questões de pesquisa

- Quais investimentos devem ser realizados no âmbito educacional numa

perspectiva globalizada?

- Quais as principais transformações advindas da globalização que interferem

na política educacional?

- O que deve ser realizado no contexto da educação de forma a adequá-la à

era globalizada?

1.4 Definição de termos

Globalização å é um processo social que atua no sentido de uma mudança na

estrutura política e econômica das sociedades, ocorrendo em ondas, com avanços e

retrocessos separados por intervalos que podem durar séculos. Em termos

econômicos significa Integração das economias no Mundo, através do comércio, dos

fluxos financeiros, do intercâmbio de tecnologia e informação e do movimento de

pessoas.

Gestão da qualidade å é agir de forma planejada e sistêmica para implantar e

implementar um ambiente no qual o aprimoramento seja contínuo e que em todas as

relações fornecedor/ cliente da organização, sejam elas internas ou externas, exista a

satisfação mútua.

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102.0 - A EDUCAÇÃO E A GESTÃO DA QUALIDADE

Numa economia moderna o fator mais relevante é o capital humano.

Há evidencias de que os países que mais crescem são aqueles que a promovem de

maneira mais eficaz. A educação é um dos componentes mais importantes do capital

humano. Um outro é o treinamento no local de trabalho.

No Brasil, o capital humano é, em sua maioria (65%), formado por

empregados que não concluíram o ensino fundamental. Estes quadros avaliados em

profundidade, revelam o dramático quadro em que se encontram os resultados das

implantações de gestão de qualidade nas empresas. Gestão de qualidade não ensina

gerente a formar juízo próprio do que lêem. Não leva leitores a avaliar com

propriedade e desapaixonadamente uma ata de reunião ou um relatório, nem

tampouco ensina técnicos a compreender um texto. Isto, pura e simplesmente,

significa dizer: saber ler. E isto também que dizer ter uma educação básica. Saber ler

não é apenas decodificar símbolos. É mais, é formar espírito crítico, é formar opinião

própria sobre o que lê, é raciocinar!

2.1 - A Difícil Situação da Educação no Brasil

Sabe-se que o sistema educacional vai mal. Mas, o que pode ser feito

a este respeito? Se a iniciativa privada não se conscientiza de sua responsabilidade

neste processo chamado educação básica, não tem como dar certo o que até a alguns

anos atrás dava certo. E o que mudou neste sentido? Nada, ou quase nada, e é por

isso mesmo que não está dando mais certo.

O mundo mudou e a globalização é um rolo compressor! Nos damos

ao luxo de saber pelos jornais o terrível resultado da avaliação nacional apresentado

pelo MEC e achar que isto não nos diz respeito, pois nossos filhos estão muito bem

colocados em uma escola particular e nossos funcionários sabem ler e escrever.

Estes são dados para pensar: No final de 1995, o MEC desenvolveu

uma pesquisa junto a escolas de ensino fundamental e médio. Os resultados foram

assustadores:

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11• Após a leitura do manual de uma furadeira, 35% dos alunos das séries finais

dos cursos não conseguiram colocá-la para funcionar.

• 30% da mesma série não conseguiram preencher uma guia de depósito

bancário.

• 50% não conseguiram formar uma opinião sobre um texto lido.

• 70% não conseguiram resolver problemas com as quatro operações

fundamentais da matemática.

Como alunos de final do nível médio, ou eles vão tentar ingressar em

faculdades ou se colocarão disponíveis ao mercado de trabalho, ou ainda os dois.

Tem Gestão de Qualidade que possa dar certo com um quadro destes? Será que as

empresas irão suportar a concorrência da globalização? Será que existirá garantia de

emprego para alguém? Com as novas tecnologias, que necessitam de profissionais

capacitados, terão os empresários mão-de-obra eficiente?

A conseqüência, entre outras, é o fantasma do desemprego que deixou

de ser conjuntural e passou a ser estrutural. É certo que desemprego estrutural é, em

parte, conseqüência da automação das empresas, mas também tem a ver com a má

qualificação de mão-de-obra.

2.2 – Educação: Um Problema Econômico

Não é preciso ir longe para se fazer uma avaliação geral. Alguns

dados importantes: Do total de mão-de-obra empregada nas indústrias, 44,8%

fizeram a 4a série do primeiro grau completa, 21,15% fizeram até a 4a série

incompleta, 16,79% fizeram o ensino fundamental completo, 12,14% fizeram o nível

médio incompleto e 4,16% tem o nível superior.

Isto significa que 65,95% das vagas em indústrias são ocupadas por

profissionais com até a 4ª série do ensino fundamental e 28,93 com o nível médio. Os

números do MEC demonstram claramente a falta de preparo de nossos colaboradores

e projetam dificuldades futuras de formação de um quadro empresarial eficiente e

com competência suficiente para fazer frente ao inexorável processo de globalização.

As empresas estão preocupadas com as conseqüências práticas da

baixa escolaridade, dentre as quais destacamos:

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12• Trabalhadores com pouca instrução não conseguem interpretar as ordens

corretamente e nem entender manuais de equipamentos, o que acaba

sobrecarregando a gerência.

• Falta de agilidade pela falta de autonomia na produção, gerando atrasos e

perdas de tempo.

• Agrava-se a situação com a entrada de novos equipamentos e métodos de

gestão, dificultando o aproveitamento do funcionário por falta de nível para

entender todas as técnicas.

2.3 - Investimento em Educação

A competitividade de uma empresa está em sua mão-de-obra,

equipamentos e tecnologia. Estas e outras já são boas razões para que as mesmas

trabalhem rapidamente a educação de seus funcionários, antes mesmo de qualquer

processo de QT.

Mudar este perfil de falência educacional de seus quadros de

funcionários é decisivo para que a empresa se fortaleça e seja mais agressiva no

mercado, pois investir em educação, hoje, não é mais mecenato, apadrinhamento ou

generosidade de alguns empresários, mas necessidade. É estratégia de sobrevivência

em fenômeno chamado globalização. É bom ressaltar que a maioria das empresas

multinacionais está em franco e acelerado processo de investimento na educação

básica e superior de seus funcionários.

Investimos pouco na educação e queremos um desenvolvimento

sustentado! Sonho meu, sonho meu! De acordo com Gary Becker (prêmio Nobel de

economia) países que investiram volume considerado de recursos para educar suas

populações obtiveram maior desenvolvimento econômico.

A média mundial de investimento em educação é de 3 a 5% em

relação ao faturamento bruto; o Brasil fica no patamar vexaminoso de 0,6%. E a

média mundial de horas que um trabalhador passa em sala de aula em relação às

horas trabalhadas é de 7% , contra os minguados 1,22% do Brasil.

Estudo do Departamento de Educação dos EUA mostra que a cada

10% de aumento no investimento na educação feito pelas empresas obtém-se um

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13ganho de 8,6% em produtividade, e se o mesmo incremento for dado ao número de

horas trabalhadas, o aumento da produtividade é de apenas 5,6%. Por outro lado, se

estes mesmos 10% foram aplicados em investimentos tecnológicos, a produtividade

obterá um ganho de apenas 3,4%.

Semelhante ao El Niño, a globalização, este fenômeno produzido pelo

aquecimento do oceano do poder, lança suas nuvens carregadas aos céus, numa

formação poderosa de blocos econômicos de interesses comuns, acirrando a

competição mundial pela eficiência e produtividade, em que o diferencial passa a ser

a informação, o conhecimento, e não apenas a força de trabalho e o capital.

E nós, que somos colocados como um país emergente, ou vamos

formar uma força tarefa para após a tormenta procurar sobreviventes nos escombros

da avalanche global ou agimos com eficácia e precisão, dançando fora dos laços da

ignorância, para termos algum futuro.

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143.0 - GLOBALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E QUALIDADE

Discutir a relação trabalho e educação no contexto da dinâmica atual

do capitalismo é uma tarefa complexa e cheia de ardil, tendo em vista as

transformações pelas quais vem passando os processos produtivos, as relações

sociais de produção, o mundo da informação devido a introdução de novas

tecnologias. Assim, é preciso repensar as clássicas análises sociais, políticas,

econômicas e as teorias educacionais tidas como indiscutíveis.

O neoliberalismo, doutrina que procura explicar a crise da sociedade e

as formas de superá-la (a crise), torna-se ideologia dominante numa época em que a

hegemonia do planeta está em poder dos EUA. Esta ideologia procura, além de tudo,

explicar e justificar a crise do Estado Nacional ocasionado pelo processo de

globalização.

Em seu discurso, atualizado e revisado, o neoliberalismo prega a

reforma do Estado em todos os seus aspectos, pois considera a gestão pública

ineficiente causando as anomalias da sociedade. Nesta ampla reforma a educação

também é um grande alvo; ela é chamada a dar explicações dos seus "insucessos" e

da sociedade, bem como dar sua contribuição para a superação da crise, surgindo

então o discurso em prol da qualidade do Ensino; questão que é o objeto de discussão

deste ensaio e o processo que o engendrou.

3.1 - A crise do Estado de Bem Estar Social e o novo Discurso Burguês

Com ressonância mundial, a crise dos anos 70 tem origem bem

remota. Sua gênese data dos anos 30, ou seja, nas estratégias de superação da crise

ocorrida em 1929. As políticas engendradas pelo Estado de bem estar social e a

social-democracia não conseguiram suprimir o modelo de desenvolvimento social

pautado na concentração crescente de capital e exclusão social. O modelo foi

denominado de fordista ou neofordista de produção e fundamentado na teoria de

Keynes.

As características principais do fordismo ou neofordismo podem ser

assim resumidas:

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15a) uma determinada forma de organização do trabalho fundada em bases tecnológicas

que se pautam por um refinamento do sistema de máquinas de caráter rígido, com

divisão específica do trabalho, um determinado patamar de conhecimento e uma

determinada composição da força-de-trabalho;

b) um determinado regime de acumulação, fundado numa estrutura de relações que

buscou compatibilizar produção em grande escala e consumo de massa num

determinado nível de lucro;

c) e, por fim, um determinado modo de regulação social que compreende a base

ideológica-política de produção de valores, normas, instituições que atuam no plano

do controle das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalista e nas relações

capital-trabalho. (Frigotto, 1993:64/65).

Segundo o autor este modelo sobrevive a um período de 60 anos; até

1930 consistiu no processo de refinamento do sistema de maquinaria: grandes

fábricas, decomposição de tarefas (Tayolorismo); a mão-de-obra pouco qualificada, o

trabalho com gerência científica, separação entre a concepção e a execução do

trabalho; a partir de 1930 o fordismo tem um efetivo desenvolvimento e se

caracteriza por um sistema de máquinas acoplado, aumento intenso do capital morto

e da produtividade, produção em larga escala, consumo de massa. Após a 2ª Guerra

Mundial torna-se um modo social e cultural de vida, ganhando força a idéia do bem-

estar social e os regimes sociais-democratas tornam-se uma das alternativas para

substituir o capitalismo, o socialismo e o comunismo.

Em contrapartida o sistema capitalista adota medidas de planificação

socialista, que coloca em prática objetivando sua recuperação e estabilidade. Neste

sentido,

O Estado de bem-estar social vai desenvolver políticas sociais que

visam a estabilidade no emprego, políticas de rendas com ganhos

de produtividade e de previdência social, incluindo seguro

desemprego, bem como direito à educação, subsídio no transporte,

etc. (Frigotto, 1993:66).

Porém, os limites deste modelo de desenvolvimento logo aparecem;

assim no final dos anos 60 é visível a progressiva saturação do mercado interno de

bens de consumo duráveis, a concorrência intercapitalista, crise fiscal e inflacionária

que provocou a retração dos investimentos. Neste quadro,

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16Desenha-se, então, a crise do Estado de bem-estar social, dos

próprios regimes sociais-democratas e principiam-se a defesa à

volta das "leis naturais do mercado" mediante as políticas

neoliberais, que postulam o Estado mínimo, fim da estabilidade

no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias e dos

gastos, em geral, com as políticas sociais. (Frigotto, 1993:69).

A conseqüência dos efeitos do ajuste neoconservador para enfrentar a

crise que foi a definição do novo modelo de acumulação social, de acordo com o

novo reordenamento social, foi a crescente exclusão social. A propagada noção dos

custos sociais e humanos colocada em prática provoca o aumento da miséria

absoluta, da fome, da violência, doenças endêmicas, o desemprego, subemprego

estrutural que afeta indiscriminadamente os países do norte e sul.

O aprofundamento da crise econômica e a incapacidade do modelo de

desenvolvimento de enfrentá-la, pois a crise manifesta-se então, no momento em que

a ação do Estado já era regulatória, permite o ressurgimento revigorado, do ideário

liberal, agora denominado de neoliberalismo1. Este ideário explica a ascensão

política de Margareth Tatcher e Ronald Reagan, respectivamente na Grã-Bretanha e

nos EUA, na década de 80, dando início às políticas neoliberais que com o passar do

tempo tornam-se um fenômeno político de alcance mundial.

Assim, atualmente estamos presenciando um amplo processo de

redefinição global das esferas social, política, econômica e pessoal; está em jogo uma

reelaboração e redefinição das próprias formas de representação e significação social

e

A construção da política como manipulação do afeto e do

sentimento; a transformação do espaço de discussão política em

estratégias de convencimento publicitário; a celebração da suposta

eficiência e produtividade da iniciativa privada em oposição à

ineficiência e ao desperdício dos serviços públicos: a redefinição

da cidadania pela qual o agente político se transforma em agente

econômico e o cidadão em consumidor, são todos elementos

centrais importantes do projeto neoliberal global. É nesse projeto

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17global que se insere a redefinição da educação em termos de

mercado. (Silva, 1997:14/15).

No Brasil, em termos de doutrina social, o neoliberalismo defende a

idéia de uma organização econômica e social harmoniosa baseada nas decisões do

indivíduo racional livre, qualidade total, modernização da escola, adequação do

ensino à competitividade do mercado internacional, novas vocações, incorporações

das técnicas e linguagens da informática e da comunicação, abertura das

universidades aos financiamentos empresariais, pesquisas práticas é utilitárias,

produtividade, etc... Essas são as palavras de ordem do discurso neoliberal para a

educação. A classe política beneficia-se destas estratégias, pois ela apresenta

mudanças ideológicas em um nível político, social e educacional.

3.2 - Qualidade: gênese e “socialização” da palavra

À época do apogeu do Estado de bem-estar social, a palavra qualidade

era usada para medir o desempenho dos serviços públicos, acreditando-se que mais

custos ou mais recursos, materiais ou humanos por usuário era o mesmo que maior

qualidade. Posteriormente é deslocado do setor de recursos para a eficiência do

processo, assim, qualidade passa a ser, conseguir o máximo resultado com o mínimo

custo. Atualmente esta não é a lógica dos serviços públicos, e sim da produção

empresarial privada.

Na linguagem educacional, dos especialistas, das administrações

educacionais e dos organismos internacionais o conceito passou por inúmeras

mudanças. Inicialmente era identificado com a dotação em recursos humanos e

materiais dos sistemas escolares e suas partes, como: proporção do produto interno

bruto ou do gasto público com a educação, custo por aluno, número de alunos por

professor, duração da formação ou nível salarial dos professores e demais

profissionais ligados à área educacional; período correspondente à época do Estado

de bem-estar.

Atualmente qualidade conceitua os resultados obtidos pelos escolares,

independente da forma de medi-los, como: taxas de retenção, taxas de promoção,

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18egressos dos cursos superiores, comparações internacionais do rendimento escolar,

etc. Porém, a mudança na forma de expressar o conceito de qualidade não elimina as

outras, pois todas convivem e servem a grupos diversos com interesses distintos.

O discurso em defesa da qualidade teve início nos Estados Unidos e

tem história em vários momentos específicos, sendo que o comum a todos os

momentos tem sido a crença dos americanos de que sua hegemonia mundial é

ameaçada por um concorrente externo. Os anos são os seguintes:

1) 1920 - os americanos sentiam-se duplamente ameaçados: de um lado, pelo

crescimento econômico da Alemanha e seu poderio crescente; de outro pelo

movimento operário, representado pela Revolução de Outubro;

2) 1950/1960 - a dupla ameaça tinha o mesmo endereço: URSS e o socialismo; de

um lado, se caracteriza pela visível vitória dos russos no campo tecnológico, com a

colocação em órbita do Sputnik; de outro pela crise do Estado de bem-estar e as suas

conseqüências no Ocidente, fato que foi capitalizado e veiculado pela esquerda.

Neste período o discurso educacional focaliza a eficiência e a igualdade, porém, com

estes fatos fundem-se e é colocada em prática as teorias da estratificação social,

funcionalista, do capital humano e a da modernização.

3) 1980 – é visível a diferença entre o Leste e o Oeste industrializado e se atribui a

disparidade à superioridade da economia de livre mercado sobre a planificação

central; porém, ocorre também a ascensão veloz do Japão, da Zona do Pacífico e da

Alemanha Federal.

Excetuando o alto grau de exploração dos trabalhadores asiáticos, o

desenvolvimento dos outros países se deve à política das empresas, a suas formas de

organização interna, etc., ou seja, ao campo do privado, às exclusivas capacidades do

capital. A educação, pelo contrário, está no campo do público, porém, o discurso

oficial denuncia as altas taxas de evasão, compara-se os resultados entre os países, a

queda do nível, a crise da disciplina, o aumento das matérias optativas e diminuição

das tradicionais. Neste momento nada impede ou obstrui o discurso da qualidade; os

especialistas e autoridades elevam-na ao grau de excelência e a mesma passa a ser o

eixo norteador das políticas educacionais.

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Na realidade, a educação carrega hoje um fardo muito pesado. Em

uma época de escasso ou nenhum crescimento líquido e

desemprego em massa, o discurso oficial responsabiliza a

educação por ambas as coisas. Ao colocar ênfase na centralidade

das reformas educacionais para continuar ou melhorar na

competição internacional, está-se afirmando que se o país não vai

melhor é por culpa de seu sistema educacional. Ao insistir

permanentemente no desgastado problema do "ajuste" entre

educação e emprego, entre o que o sistema escolar produz e o que

o mundo empresarial requer, está-se lançando a mensagem de que

o fenômeno do desemprego é culpa dos indivíduos, os quais não

souberam adquirir a educação adequada ou dos poderes públicos

que não souberam oferecê-la; mas nunca das empresas, embora

sejam essas que tomam as decisões sobre investimentos e emprego

e que organizam os processos de trabalho. (Enguita, 1997:103).

Neste sentido o sistema educacional é a vítima das mazelas da

sociedade; isto ocorre há décadas, sendo que quando o clima é de otimismo muda-se

em educação, o que permite aos demais atingirem seus objetivos e, em clima de

pessimismo, as culpas são todas da escola, quando na verdade a crise é ocasionada

por um conjunto de fatores.

O raciocínio no qual se insere o discurso sobre a qualidade e da

gerência da qualidade total atualmente é o que consiste em transformar questões

políticas e sociais em questões técnicas. Ou seja, os problemas sociais e educacionais

que são questões políticas são tratados como questões técnicas, de eficácia e

ineficácia na gerência e administração de recursos humanos e materiais. Por isso a

carência de recursos de todos os tipos nas instituições educativas públicas que é

enfrentada cotidianamente por administradores, professores e alunos é explicada

como conseqüência de má gestão e desperdício, falta de produtividade e controle de

professores e administradores; por outro lado, as questões educacionais são vistas

como conseqüência dos métodos atrasados e ineficazes de ensino e dos currículos

inadequados. Assim, o discurso neoliberal aponta como solução uma melhor gestão e

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20administração, bem como a reforma de métodos de ensino e conteúdos curriculares

adequados traduzidos na proposta de Gestão da Qualidade Total (GQT).

Cabe aqui ressaltar que a situação das escolas públicas não podem ser

analisadas fora do contexto da população a qual atendem, ou seja, sua clientela está

colocada numa posição subordinada em relação às relações dominantes de poder. A

escola privada é freqüentada por um grupo privilegiado em termos de poder e

recursos com capital cultural inicial.

A qualidade já existe – qualidade de vida, qualidade de educação,

qualidade de saúde. Mas apenas para alguns. Nesse sentido,

qualidade é apenas sinônimo de riqueza e, como riqueza, trata-se

de um conceito relacional. Boa e muita qualidade para uns, pouca

e má qualidade para outros. Por isso, a gerência da qualidade

total na escola privada é redundante – ela já existe; na escola

pública é inócua se não se mexer na estrutura de distribuição de

riqueza e recursos. (Silva, 1997:20).

Os neoliberais, com o discurso da qualidade total, pretendem orientar

a educação institucionalizada para as necessidades da indústria, organizá-la em forma

de mercado e, também reorganizar as escolas e as salas de aula de acordo com

esquemas de organização do processo de trabalho.

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213.3 - A Proposta da "Escola de Qualidade Total" no Brasil

No Brasil a proposta de um programa de "Escola de Qualidade Total"

é defendido por Cosete Ramos (1992), que assume as características dos programas

de "controle de Qualidade Total" colocados em prática em instituições educacionais

dos Estados Unidos. O programa de Cosete Ramos abrange as estratégias de

aplicação do "Método de 14 Pontos" de W. Edwards Deming, muito aceito no mundo

empresarial e são os que se seguem:

1) Filosofia da qualidade;

2) Constância de propósitos;

3) Avaliação do processo;

4) Transações de longo prazo;

5) Melhoria constante;

6) Treinamento em serviço;

7) Liderança;

8) Distanciamento do medo;

9) Eliminação de barreiras;

10) Comunicação produtiva;

11) Abandono das quotas numéricas;

12) Orgulho na execução;

13) Educação e aperfeiçoamento e

14) Ação para a transformação.

Gentili (1997: 124 – 125) apresenta as razões para o surgimento do

discurso da qualidade no Brasil, de caráter político, que levou ao abandono do

processo de democratização e engajamento às idéias conservadoras referentes à

qualidade, às quais uma grande parcela dos intelectuais latino-americanos aderiram.

Sintetizo as razões expostas pelo autor:

1) o fracasso das propostas sociais – democratas colocadas em prática

por governos pós-ditatoriais;

2) cooptação intelectual no final dos anos 80 e início dos 90 "conduziu

a um esmorecimento das pretensões e das demandas democratizadoras antes

defendidas";

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223) falta de alternativas anti – sistêmicas de orientação progressista e

popular que levou uma grande parcela das intelectuais e se desencantarem com a

ação política.

O caso brasileiro não se inclui neste ponto. E assim,

O discurso de qualidade total, das excelências da livre iniciativa,

da "modernização", dos males da administração pública reprime e

desloca o discurso da igualdade/desigualdade, da participação

política numa esfera pública de discussão e decisão tornando

quase impossível pensar numa sociedade e numa comunidade que

transcendam os imperativos do mercado e do capital. Ao redefinir

o significado de termos como "direitos", "cidadania",

"democracia", o neoliberalismo em geral e o neoliberalismo

educacional em particular, estreitam e restringem o campo do

social e do político, obrigando-nos a viver num ambiente habitado

por competitividade, individualismo e darwinismo social. (Silva,

1997: 22).

A educação, a escola é um espaço de luta; espaço este onde se dá a

disputa pela hegemonia da ideologia e, por isso, é um alvo da ofensiva neoliberal,

porque consiste numa das principais conquistas sociais e está envolvida na produção

da memória histórica e dos sujeitos sociais. O abandono do discurso sobre a

democratização e apologia da retórica da qualidade é um exemplo da ofensiva

antidemocrática que os setores neoconservadores colocam em prática contra a escola

pública e contra o direito à educação das minorias oprimidas.

... a qualidade não deve constituir, hoje, uma reivindicação a ser

recuperada por aqueles setores que lutam pela defesa e pela

transformação da educação pública. O significado da qualidade e,

conseqüentemente, a definição dos instrumentos apropriados para

avaliá-la, são espaços de poder e de conflito que não devem ser

abandonados. Então, trata-se de conquistar e impor um novo

sentido aos critérios de qualidade empregados no campo

educacional por (neo) conservadores e (neo) liberais. Devemos

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23sustentar com decisão que não existe um critério universal de

qualidade (ainda que os intelectuais reconvertidos assim o

pretendam. Existem diversos critérios históricos que respondem a

diversos critérios e intencionalidades políticas. Um é o que

pretende impor os setores hegemônicos: o critério de qualidade

como mecanismo de diferenciação e dualização social. Outro, o

que devem conquistar os setores de esquerda: o da qualidade como

fator indissoluvelmente unido a uma democratização radical da

educação e a um fortalecimento progressivo da escola pública.

(Gentili, 1997: 172).

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244.0 – INFORMÁTICA E EDUCAÇÃO: NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO

DO SABER NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

O novo século trouxe profundas mudanças científicas e tecnológicas

cujo imperativo colocou não só questões práticas para nossa vida cotidiana, mas

também, levantou novas problemáticas. Algumas dessas problemáticas estão

relacionadas com novas linguagens tornadas operacionais pela tecnologia. Além

disso, estudiosos contemporâneos afirmam que estas transformações estão criando

uma nova cultura e modificando as formas de produção e apropriação dos saberes.

Refletindo sobre a relação linguagens, comunicação e cibercultura,

emergem algumas perguntas: que novas formas de construção e apropriação de

saberes se anunciam? O que é ser leitor e escritor nesta nova era? Qual o papel da

escola nesse processo?

4.1 - Interpretações sobre as mudanças tecnológicas

Desde o Ion de Platão (livro que trata da techné) até nossos dias, a

importância da técnica se multiplicou infinitamente, pois sua evolução científica

permitiu (ou obrigou) que ela fosse incorporada praticamente em todas as esferas da

cultura, nos corpos humanos e de outros seres vivos, no pensamento e na produção

de objetos técnicos.

São historicamente conhecidos o estranhamento e o desconforto que invenções

técnicas geraram nas pessoas, como por exemplo, o uso da eletricidade, o telefone e

o carro. Antes que uma nova tecnologia seja interiorizada pelas pessoas não é fácil

conseguir compreender de forma clara o movimento dessas mudanças e mais ainda

antever seus efeitos. Hoje temos duas grandes linhas de intelectuais que avaliam o

entrelaçamento entre as tecnologias mais recentes e a produção cultural.

Uma linha de pensamento de fundo niilista está sempre presente

nesses momentos de crises agudas. O problema principal de algumas linhas teóricas e

metodológicas das ciências humanas que fazem a crítica da técnica é que elas

sofreram um forte processo de deslegitimação por não formarem uma ciência

positiva. Isso por que interessa cada vez menos ao saber oficial tratar daquilo que é

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25etéreo, obscuro e complexo, como muitas vezes ocorre com os objetos dessas

ciências. E é assim que geralmente trabalham os críticos da técnica. São na verdade

muitas vezes adversários da racionalidade instrumental e operacional que, tratando

muito mais do que seria certo, indubitável, útil, torna-se cada vez mais ubíqua. Outra

dificuldade dessa linha de pensamento é o seu afastamento do senso comum, já que o

contato constante com as novas tecnologias pelas pessoas leva a um processo de

interiorização que as transformam em entidades constitutivas das práticas culturais

cotidianas.

Uma segunda linha teórica, tenta compreender essa mudança como

uma passagem que vem trazendo mudanças culturais positivas. Mesmo percebendo

que o processo também é de destruição de princípios que já datam de alguns séculos

- o Iluminismo -, ainda parece acreditar que a sociedade humana está a caminhar em

direção a um progresso. Essa linha tende a se afirmar cada vez mais tanto por sua

aproximação do processo inexorável de absorção cultural nas novas tecnologias,

quanto pela deslegitimação e desqualificação dos discursos antagônicos à tecnologia.

4.1.1 - Tecnófobos (a visão negativa)

A argumentação contra as transformações advindas da técnica não é

privilégio do nosso tempo, mas já estava presente no pensamento de grandes

filósofos da Grécia antiga. De certa forma podemos dizer que o pensamento daqueles

personagens da história da filosofia ainda está entre nós. Heidegger foi um dos

primeiros a mostrar nesse século o que representavam as novas técnicas da

informação para a Filosofia.

O pensador alemão percebia claramente que a informática (que nos

seus primeiros momentos chamava-se cibernética) levaria às seguintes

conseqüências: determinação do homem como ser ligado à praxis; a transformação

da linguagem em troca de mensagem; o desaparecimento da necessidade de

questionar a técnica, já que ela irá marcar e irá orientar todas as manifestações do

Planeta.

Segundo Heidegger isso ocorre por que a racionalização técnico-

científica possui uma inegável eficácia. No entanto, ele via com muita preocupação o

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26triunfo dessa racionalidade técnica. Ele se perguntava então qual era a tarefa do

pensamento no fim da filosofia provocado pela técnica?

Ele vai dizer que essa tarefa é um pensamento que fica entre o

racional e o irracional, Na história da filosofia esse é o pensamento que trata do

desvelamento e da presença.

Para trazer a argumentação contra a técnica para o presente,

recuperamos a seguir algumas afirmações do sociólogo francês Jean Baudrillard,

considerado hoje um dos maiores críticos das novas tecnologias, um verdadeiro

iconoclasta do virtual, um profeta do fim dos tempos. Para ele, ao transferir suas

características para as novas máquinas o homem está abrindo mão de si mesmo ou

não acredita nele mesmo. Também abdica de pensar como abdicou do poder. E assim

o homem passa a viver em um mundo que tende ao esvaziamento total da cultura

humana.

"Se os homens criam ou fantasmam máquinas inteligentes é

porque, no íntimo, descrêem da própria inteligência ou porque

sucumbem ao peso de uma inteligência monstruosa e inútil, então

eles a exorcizam em máquinas para poder jogar e rir com elas.

Confiar essa inteligência a máquinas libera-nos de toda a

pretensão ao saber, como confiar o poder a homens políticos nos

dá a possibilidade de rir de qualquer pretensão ao

poder."(Baudrillard, 1992: 59)

A conseqüência da delegação de atributos que determinam o que é o

homem para as máquinas é uma regressão evolutiva que torna todos deficientes

motores e cerebrais. Significa também o fim do pensamento (o que lembra

Heidegger).

"Não é à toa que [as máquinas inteligentes] são chamadas

virtuais: é porque mantêm as idéias num suspense indefinido,

ligado ao termo de um saber exaustivo. O ato de pensar é aí

continuamente adiado. A questão das idéias nem pode ser

colocada, assim como a da liberdade para as gerações futuras:

elas atravessarão a vida como um espaço aéreo, amarradas ao

assento. ... O Homem Virtual, imóvel diante do computador, faz

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27amor pela tela e faz cursos por teleconferências. Torna-se um

deficiente motor, e provavelmente cerebral também. Esse é o preço

para que ele se torne operacional. Como se pode prever que os

óculos ou as lentes de contato serão um dia a prótese integrada de

uma espécie da qual o olhar terá desaparecido, também é de temer

que a inteligência artificial e seus suportes técnicos tornem-se a

prótese de uma espécie da qual as idéias tenham desaparecido."

(Ibid., 1992: 60)

Com relação a conhecida alegação que a rede e a Internet representa

um grande salto para o saber humano, Baudrillard alega que o que existe é apenas

um mundo de simulação de liberdade e descoberta. Na verdade tudo para ele é

preestabelecido. É uma espécie de jogo sem fim e sem finalidade.

"Há no ciberespaço a possibilidade de realmente descobrir alguma

coisa? Internet apenas simula um espaço de liberdade e de

descoberta. Não oferece, em verdade, mais do que um espaço

fragmentado, mas convencional, onde o operador interage com

elementos conhecidos, sites estabelecidos, códigos instituídos.

Nada existe para além desses parâmetros de busca. Toda pergunta

encontra-se atrelada a uma resposta preestabelecida. Encarnamos,

ao mesmo tempo, a interrogação automática e a resposta

automática da máquina." (Ibid.,1997: 148)

Mais do que um jogo, ele considera a Internet como uma nova droga

de domesticação. Além de droga, cada vez mais o computador é uma prótese cujas

falhas tornam-se as falhas do nosso corpo.

"Daí a confortável vertigem dessa interação eletrônica e

informática, como uma droga. Podemos passar aí uma vida inteira,

sem interrupção. A droga mesma nunca é mais do que o exemplo

perfeito da louca interatividade em circuito fechado. Em nome da

domesticação, dizem-nos: o computador não passa de uma

máquina de escrever mais prática e mais complexa. ... O

computador é uma verdadeira prótese. Tenho com ele uma relação

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28não somente interativa, mas tátil e intersensorial. Torno-me um

ectoplasma da tela. Daí, sem dúvida, nessa incubação da imagem

virtual e do cérebro, as falhas que afetam os computadores são

como os lapsos do próprio corpo." ( Ibid., 1997: 148)

Outros grandes problemas da virtualidade são o desaparecimento do

espaço, agora impalpável; de falta de identidade e a alteridade; a falta de referência

às coisas.

"Em contrapartida, o fato de que a identidade seja a da rede, não a

dos indivíduos, e que a prioridade seja dada antes à rede do que

aos seus protagonistas, implica a possibilidade da dissimulação,

do desaparecimento no espaço impalpável do virtual, e de assim

não ser mais localizável, inclusive por si mesmo, o que resolve

todos os problemas de identidade, sem contar os problemas de

alteridade. A atração das máquinas virtuais origina-se, sem

dúvida, menos na sede de informação e de conhecimento, ou

mesmo de encontro, do que no desejo de desaparecimento e na

possibilidade da dissolução numa convivalidade fantasma.

A virtualidade aproxima-se da felicidade somente por eliminar

sub-repticiamente a referência às coisas. Dá tudo, mas sutilmente.

Ao mesmo tempo, tudo esconde. O sujeito realiza-se perfeitamente

aí, mas quando está perfeitamente realizado, torna-se, de modo

automático, objeto; instala-se o pânico." ( Ibid.,1997: 149)

O terceiro autor que apresentamos é o cientista político francês Lucian

Sfez, cujo livro de crítica da tecnologia analisa mais o aspecto da comunicação. A

linha de Sfez é muito próxima de Baudrillard, mas ele é muito mais consistente, com

estudos sobre o tema. Baudrillard trabalha mais com o jogo da linguagem e retórica.

Em seus argumentos ele usa as metáforas de Frankenstein e Creatura para expor sua

crítica à ameaça representada pela tecnologia. A tecnologia é muito mais do que a

técnica. Esta abandonou sua posição de instrumento para se tornar logos, ou seja, um

discurso sobre o mundo (techné + logos) que pretende dominar a sociedade e avaliar

com seu parâmetro técnico todas as atividades. Com isso, de sujeito o homem passa a

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29objeto das máquinas. Para ele a característica principal da tecnologia é o tautismo

(tautologia + autismo).

"Frankeistein, um Frankenstein tecnológico nos ameaça. Pelo

menos, nós o cremos. Fazem-nos crer nisso. Passamos a viver num

mundo de máquinas de transportar, de fabricar, de pensar,

Frankenstein, nosso duplo, aquele que criamos, assume sua

autonomia e em seguida o poder. Evidência intuitiva

imediatamente compensada por outra crença: graças à

comunicação, podemos agora estabelecer um melhor contato com

as nações, os grupos, os indivíduos, até com nós mesmos, já que as

máquinas de pensar nos esclarecem acerca do nosso próprio

espírito." ...

"Frankentein é uma metáfora, e o "tautismo" é seu conceito.

Metáfora e conceito que correspondem a uma terceira atitude: a

constatação tecnológica prevalece. Ela rege a visão de mundo. O

sujeito só existe através do objeto técnico que lhe atribui seus

limites e determina suas qualidades. A tecnologia é discurso da

essência. Ela diz tudo sobre o homem e seu vir-a-ser." ...

"Num universo em que tudo se comunica, sem que se saiba a

origem da emissão, sem que se possa determinar quem fala, o

mundo técnico ou nós mesmos, nesse universo sem hierarquias,

salvo emaranhadas, em que a base é o cume, a comunicação morre

por excesso de comunicação e se acaba numa interminável agonia

de espirais. E a isso que dou o nome de "tautismo", neologismo

que une autismo e tautologia, embora evocando a totalidade, o

totalitarismo." (Sfez, 1994:19,32,33)

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304.1.2 - Tecnófilos (a visão positiva)

Walter Ong, professor norte americano de estudos humanísicos, recuperou

várias pesquisas sobre o processo de interiorização da escrita entre os gregos, para

estudar as diferenças entre as culturas orais e as culturas escritas. Ele relembra que

nos textos de Platão foram apresentados vários argumentos contra a escrita, que se

sedimentava naquele momento da história grega. Platão escreve o que sai na boca de

Sócrates, personagem que não deixou nenhum escrito conhecido. O problema

principal dos argumentos de Platão contra a escrita é que ele teve que usá-la para

estabelecê-los. Ong observa que os argumentos contra a escrita por Platão são os

mesmos usados hoje contra os computadores:

"A maioria das pessoas fica surpresa, e muitas ficam angustiadas,

ao saber que, fundamentalmente, as mesmas objeções feitas em

geral aos computadores hoje foram feitas por Platão no Fedro e na

sétima Carta em relação a escrita. Primeiro, a escrita, diz Platão

através de Sócrates, no Fedro, é inumana, pois pretende

estabelecer fora da mente o que na realidade só pode estar na

mente. É uma coisa, um produto manufaturado. O mesmo, é claro,

é dito dos computadores. Em segundo lugar, objeta o Sócrates de

Platão, a escrita destrói a memória. Aqueles que usam a escrita se

tornarão desmemoriados e se apoiarão apenas em um recurso

externo para aquilo de que carecem internamente. A escrita

enfraquece a mente. Atualmente, os pais, assim como outras

pessoas, temem que as calculadoras de bolso forneçam um recurso

externo para o que deveria ser o recurso interno de tabuadas

memorizadas. As calculadoras enfraquecem a mente, aliviam a

mente, aliviam-na do trabalho que a mantém forte. Em terceiro

lugar, um texto escrito é basicamente inerte. Se pedirmos a um

indivíduo para explicar esta ou aquela afirmação, podemos obter

uma explicação; se o fizermos a um texto, não obteremos nada,

exceto as mesmas , muitas vezes tolas, palavras às quais fizemos a

pergunta inicialmente. Na crítica moderna ao computador, faz-se a

mesma objeção: "Lixo entra, lixo sai". Em quarto lugar, em

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31compasso com a mentalidade agonística das culturas orais, o

Sócrates de Platão também defende contra a escrita que a palavra

escrita não pode se defender contra a palavra natural falada: o

discurso e o pensamento reais sempre existem em um contexto de

toma-lá-dá-cá entre indivíduos reais. Fora dele, a escrita é

passiva, fora de contexto, em um mundo irreal. Como os

computadores." (Ong, 1998:94)

A passagem da cultura oral para a cultura escrita foi bem estudada

neste século (Milman Parry; Eric Havelock) e permitiu identificar na Grécia Clássica

um momento de interiorizacão da escrita. Ong considera que faz parte da escrita os

mais variados instrumentos utilizados nos registros, como também as transformações

que ela causou e causa na consciência humana. Para ele estas transformações foram e

são condicionantes para o desenvolvimento dos potenciais humanos mais elevados.

Ele define a escrita como uma tecnologia.

"Platão estava pensando na escrita como uma tecnologia eterna,

hostil, como muitas pessoas atualmente fazem com relação ao

computador. Em virtude de termos hoje interiorizado a escrita,

absorvendo-a tão completamente em nós mesmos, de uma forma

que a era de Platão ainda não fizera, julgamos difícil considerá-la

uma tecnologia como aceitamos fazer com o computador. No

entanto, a escrita (e especialmente a alfabética) é uma tecnologia,

exige o uso de ferramentas e de outros equipamentos: estiletes,

pincéis e canetas, superfícies cuidadosamente preparadas, pele de

animais, tiras de madeira, assim como tintas e tudo mais. A escrita

é de certo modo a mais drástica das três tecnologias. Ela iniciou o

que a impressão e os computadores apenas continuam, a redução

do som dinâmico a um espaço mudo, o afastamento da palavra em

relação ao presente vivo, único lugar que as palavras podem

existir." ( Ibid.,1998:97)

Page 32: A EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO Octávio Torres … TORRES COSTA.pdf · 2 OCTÁVIO TORRES COSTA Aluno do Curso de Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior Matrícula 14390

32Ao contrário de autores que citamos anteriormente, Ong vê as

tecnologias não apenas como aparatos auxiliares externos, mas transformações que

atingem o interior da consciência, desenvolvendo-a.

"Dizer que a escrita é artificial não é condená-la, mas elogiá-la.

Como em outras criações artificiais e, na verdade, mais do que

qualquer outra, ela é inestimável e de fato fundamental para a

realização de potenciais humanos mais elevados, interiores. As

tecnologias não constituem meros auxílios exteriores, mas, sim,

transformações interiores da consciência, e mais ainda quando

afetas à palavra. Tais transformações podem ser enaltecedoras. A

escrita aumenta a consciência. A alienação de um meio natural

pode ser boa para nós e, na verdade, é em muitos aspectos

fundamental para a vida humana plena. Para viver e compreender

plenamente, necessitamos não apenas de proximidade, mas

também de distância. Essa escrita alimenta a consciência como

nenhuma outra ferramenta." (Ong, 1998:98)

O filósofo francês Pierre Lévy desenvolveu a articulação de Walter

Ong de forma ainda mais radical, chamando os recursos cognitivos de tecnologia

intelectual. Ao contrário dos autores pessimistas citados, ele é tão otimista com as

transformações tecnológicas, que escreveu um obra utópica onde defende que está

surgindo um novo espaço sociológico onde poderá se realizar uma nova cultura e a

verdadeira democracia. Os sujeitos deste espaço "do saber" (Ciberespaço) formam

também uma inteligência coletiva (Cibercultura).

"O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de

comunicação que surge da interconexão mundial dos

computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura

material da comunicação digital, mas também o universo oceânico

de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que

navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo

"cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e

intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e

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33de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do

ciberespaço. (LévyA, 1999:17)

Para Lévy o espaço do saber é a essência da produtividade semiótica.

Antes de chegar ao espaço do saber existiram três outras semióticas correspondentes

ao que ele chama de quatros espaços sociológicos: A Terra, O Território, A

Mercadoria e o Saber. A origem dessa topologia pode ser localizada no Anti-Édipo

de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Para Lévy, na semiótica da terra não há separação

entre o signo e o ser. Na semiótica do território (depois da invenção da escrita) os

signos passam a representar as coisas, a tornar presente os ausentes.

"A semiótica do Território distinguia a coisa de sua representação.

No Espaço das mercadorias, ou midiático, já não existe coisa,

referente, original. A moeda continua a circular, na ausência do

padrão-ouro. A melodia ouvida no rádio ou gravada no disco

jamais foi cantada como a ouço: trata-se apenas de um efeito de

estúdio, só existe na esfera do espetáculo. A imprensa e a televisão

criam o acontecimento, produzem a realidade midiática, evoluem

em seu próprio espaço em vez de nos enviar os sinais das próprias

coisas. A referência só remete à midiasfera. A grande loja do

signo, ou o Espetáculo, torna-se uma espécie de super-realidade

pela qual toda fala, ou toda imagem, deve passar, caso pretenda

ter alguma eficácia. A passagem nos circuitos midiáticos destrona

a representação: "Visto na TV".(LévyB, 1999:144)

A semiótica do saber é condicionada à concretização do Ciberespaço.

O Ciberespaço é a infraestrutura que permite o que Lévy chama de Inteligência

Coletiva: "É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente

valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das

competências.”

Várias das críticas aos novos sistemas de comunicação são avaliadas

por Pierre Lévy na última parte do livro Cibercultura. Ele responde às questões sobre

exclusão, diversidade de línguas e culturas, caos e excesso de informação, ruptura

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34com valores da modernidade. Como exemplo apresentamos uma passagem contra o

argumento da exclusão.

"Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não

havia iletrados antes da invenção da escrita. A impressão e a

televisão introduziram a divisão entre aqueles que publicam ou

estão na mídia e os outros. Como já observei, estima-se que apenas

pouco mais de 20% dos seres humanos possui um telefone.

Nenhum desses fatos constitui um argumento sério contra a escrita,

a impressão, a televisão ou o telefone. O fato de que haja

analfabetos ou pessoas sem telefone não nos leva a condenar a

escrita ou as telecomunicações - pelo contrário, somos estimulados

a desenvolver a educação primária e a estender as redes

telefônicas. Deveria ocorrer o mesmo com o ciberespaço." (LévyA,

1999:237)

4.2 Escola e novas tecnologias : uma parceria possível?

O saber fluxo, o trabalho-transação de conhecimentos, as novas

tecnologias de inteligência individual e coletiva modificam

profundamente os dados do problema de educação e de formação.

(Pierre Lévy, 1999)

Sabemos que o espaço escolar é na atualidade excessivamente

baseado na cultura oral e no texto impresso (Sancho:1998), de modo que incorporar

ao seu cotidiano outras linguagens como a linguagem plástica, a gestual, a televisiva,

a cinestésica, a teatral, a musical, a das novas tecnologias, e outras, tem sido um

desafio. É como se a escola não olhasse para o seu entorno e "desconhecesse" que

vivemos em um universo de linguagens. Linguagens que nos constituem enquanto

sujeitos históricos imersos na cultura do nosso tempo. Um tempo marcado pelas

novas formas de comunicação e acesso a uma vasta gama de informações de forma

rápida, múltipla, em rede, alterando a nossa relação com o próprio tempo e espaço.

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35É impossível ignorarmos a produção cultural moderna, com todos

os avanços tecnológicos existentes. Seja pelas qualidades positivas

que possui e que oferecem inúmeras possibilidades pedagógicas

interessantes. Seja pela necessidade de lutar-se pela sua

democratização, estabelecendo com ela uma relação mais crítica,

que se reverta em maior qualidade de vida e de bens culturais para

a população. Manter-se distante da produção cultural

contemporânea seria um erro, já que não há como subestimar sua

concreta existência em nossas vidas. (Pinto, 1996)

Torna-se urgente que a escola incorpore ao seu fazer pedagógico as

diferentes linguagens que estão postas no mundo, pois quanto mais abre para o aluno

a possibilidade do acesso a essas linguagens, mais o seu universo cultural se

ampliará. Quanto mais amplo for o seu entendimento do real, menos ameaçado ficará

diante dos desafios provocados pelas novas formas de comunicação.

A vida das crianças, neste final de século, está marcada, cada vez

mais, pela leitura de imagens e palavras que têm como suporte a mídia eletrônica

(televisão, vídeo, cinema, computador, etc), provocando novas maneiras de ser leitor

e escritor e novas formas de estar, compreender e interferir neste mundo marcado

pela cultura tecnológica. O mundo nos convida a realizar um tipo de leitura e de

escrita que se torna impossível no suporte do papel. Bignotto (1998) nos diz:

O leitor pode saltar de um trecho para outro de uma obra, por

meio do recurso do hipertexto, sem necessariamente seguir a

ordem determinada pelo autor; pode pular páginas, fazer aparecer

notas (ou o seu desaparecimento) no mesmo plano do texto

principal. Quebra-se a noção de princípio e fim que a

materialidade do livro impresso sugere. Pode ler trechos de várias

fontes, quase que simultaneamente; abrir diferentes obras, em uma

mesma tela (...) criando a possibilidade de "navegar" por diversos

textos e fragmentos de textos, escolhendo os rumos da leitura.

(Bignotto, 1998: 08)

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36Com relação à produção escrita, aquele que escreve, pode escrever e

reescrever um texto a partir de qualquer ponto: do fim para o começo, do meio para o

fim, do meio para o início do texto ou criar um novo começo, etc, etc. A linearidade

da escrita, tão marcada pelo suporte do papel, se altera completamente. Pode-se,

rapidamente, alterar o tamanho e estilo das letras, sombrear, colorir, sublinhar

trechos ou todo o texto, rearranjar parágrafos ou mesmo escrever sem digitar,

bastando apenas falar para que o computador, que disponha de reconhecimento de

voz, vá registrando o que é falado. As possibilidades se apresentam como viáveis...

Quem sabe, gerações futuras, tendo a tecnologia da informática como mediadora,

registrem sua história sem precisar escrever com a mão uma única letra?

Porém, no interior da escola, hegemonicamente, as crianças

continuam sendo ensinadas a aprender a ler e a escrever por um processo mecânico

que tem o treino, a repetição e a memorização como eixos norteadores. Com todas as

informações a que têm acesso fora da escola, através dos mais variados meios de

comunicação, as crianças aprendem que só podem escrever o que foi "ensinado" pela

professora e terminam por produzir uma escrita "escolarizada", impossível de ser

encontrada fora do espaço escolar.

Ferrés (1998), na discussão que realiza sobre "pedagogia com os

meios audiovisuais" nos traz informações de que nas sociedades ocidentais, assistir

à televisão tornou-se a terceira atividade à qual os adultos dedicam mais tempo,

depois de trabalhar e de dormir, e a segunda à qual as crianças dedicam mais

tempo, depois de dormir. ( Ferrés,1998:150)

Podemos afirmar, concordando com Ferrés, que os alunos têm saído

das salas de aulas sem estar preparados para realizar, de uma maneira reflexiva e

crítica, aquela atividade à qual dedicam a maioria do seu tempo (Ibid., 1998).

Muitas escolas têm utilizado a televisão e o vídeo como um modo de

ocupar o tempo, na substituição de professores ou como um "adereço" novo às aulas.

Perde-se a oportunidade de se garantir, na escola, espaços para que os alunos e

professores aprendam a apreciar, analisar e criticar as imagens e informações a que

têm acesso através do uso das linguagens das tecnologias, ampliando as suas

competências comunicativas, conforme vem denunciando Umberto Eco.

Torna-se relevante trazer para essa discussão o que nos diz Barthes, na

reflexão que realiza sobre a imagem:

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37(...) toda imagem é polissêmica e pressupõe, subjacentes a seus

significantes, uma "cadeia flutuante" de significados, podendo o

leitor escolher alguns e ignorar outros. A polissemia leva a uma

interrogação sobre o sentido(...) (Barthes, 1990:32)

A "interrogação sobre o sentido" pressupõe a incorporação de um

diálogo polifônico e polissêmico, do confronto das diferentes leituras realizadas a

partir de um "mesmo" texto/contexto, do reconhecimento da diferença à prática

pedagógica realizada, cotidianamente, na escola. No processo de troca das diferentes

formas de ler, dizer, fazer, compreender, aprender e ensinar que circulam entre os

alunos e professores é que a singularidade dos sujeitos vai se constituindo. Sujeitos

que avançam na construção e apropriação de novos saberes a partir da troca, da

relação e da interação com os outros e com o mundo, no espaço da

intersubjetividade. O papel do outro na construção do conhecimento é da maior

relevância, pois o que o outro diz ou deixa de dizer é constitutivo do conhecimento

(Vygotsky, 1989).

Não se trata apenas de utilizar a qualquer custo as tecnologias. Várias

escolas já as utilizam sem alteração significativa da relação ensino/aprendizagem que

baseada na transmissão de conhecimentos, permanece linear e impositiva, apesar do

advento da tecnologia.

(...) Cabe à escola preparar cidadãos para a "leitura" e "escrita"

dos elementos que constituem a linguagem audiovisual, não só

numa perspectiva técnica, como também em seu aspecto ético de

divulgação de mensagens. É preciso educar para uma interação

crítica com a mídia audiovisual, onde desmistifique-se e se

relativize sua estética ilusionistas (...) (Pinto, 1996:10)

É necessário saber selecionar o que usar, como usar e para que usar,

principalmente quando se utiliza o computador, face a escassez de bons softwares

educativos disponíveis. Cysneiros (1999) nos diz ser muito fácil utilizar o que chama

de inovações conservadoras, colocando-se no computador conteúdos com didáticas

pobres e até mesmo erros de conteúdos. Incorporar ao dia a dia da escola as

linguagens da tecnologia é muito mais do que alterar apenas os recursos utilizados.

Page 38: A EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO Octávio Torres … TORRES COSTA.pdf · 2 OCTÁVIO TORRES COSTA Aluno do Curso de Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior Matrícula 14390

38Lévy, novamente, nos ajuda a compreender que:

se faz urgente o acompanhamento consciente de uma mudança de

civilização que coloca profundamente em discussão as formas

institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas

educacionais tradicionais e notadamente os papéis de professor e

de aluno. O que está em discussão na cibercultura, tanto no plano

das baixas dos custos quanto do acesso de todos à educação não é

tanto a passagem do "presencial" à "distância", nem do escrito e

do oral tradicionais à "multimídia". É, sim, a transição entre a

educação e uma formação estritamente institucionalizada (a

escola, a universidade) e uma situação de intercâmbio

generalizado dos saberes, de instrução da sociedade por si mesma,

de reconhecimento autogerido, móvel e contextual das

competências.(Lévy,1999)

O mundo do ciberespaço nos aponta para novos atores na produção e

no tratamento dos conhecimentos, além de novas formas de apropriação dos saberes.

O papel daquele que ensina, denominado por Lévy (1999) de "ensinante" não pode

mais ser uma "difusão dos conhecimentos" doravante assegurada mais eficazmente

por outros meios. Com a Internet, por exemplo, indivíduos e grupos podem navegar

no oceano da informação e de conhecimentos disponíveis em rede. Com o CD-ROM,

as bases de dados multimídias interativos on-line pode-se ter acesso, de modo rápido

e atraente, a vastos conjuntos de informação, estando fora ou dentro da escola.

O convite é desafiador face ao paradigma que ainda nortea o processo

ensino-aprendizagem em nossas escolas: o professor é colocado na posição daquele

que "possui" o conhecimento e sua tarefa é "transmiti-lo" aos alunos. Embora já faça

parte do discurso escolar de que não se aprende apenas na escola, a prática

pedagógica revela a crença presente no interior das instituições escolares de que o

estatuto do conhecimento passa pela escolaridade.

Sua competência (a do ensinante) deve se deslocar para o lado da

provocação do aprender e do pensar. O "ensinante" se torna um

animador da inteligência coletiva dos grupos que tem sob seu

encargo. Sua atividade centrar-se-á sobre o acompanhamento e a

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39gestão das aprendizagens: incitação ao intercâmbio dos saberes,

mediação relacional e simbólica, pilotagem personalizada dos

percursos de aprendizagem, etc. (Ibid.,1999)

Torna-se importante destacar que nas discussões que realiza, Lévy

(1999) ressalta, também, o papel dos poderes públicos em garantir a cada um uma

formação elementar de qualidade; acesso aberto e gratuito à midiatecas, a centros

de orientação, a pontos de entrada no ciberespaço, etc. Instigados por Lévy, nos

perguntamos: o que tem sido feito em nosso país pelos poderes públicos e diante das

opções realizadas, quais as conseqüências para a escola?

Cysneiros (1999), com o seu artigo" Informática na Educação

Brasileira", disponibilizado na Internet, contribuiu para que tomássemos

conhecimento da atual política do MEC em "informatizar" as escolas públicas do

país, através do projeto PROINFO. As críticas tecidas por ele ao programa

confirmam o que temos presenciado no interior das escolas, enquanto profissionais e

pesquisadores.

Através do PROINFO, 100 mil computadores chegarão às escolas

públicas, enquanto 25 mil professores serão treinados, no espaço de dois anos. Ao

contrário de políticas passadas e bastante conhecidas nossas, como o vídeo escola, a

ênfase será dada à formação de recursos humanos e não, apenas, na colocação de

equipamentos nas escolas.

Não dá para negar que 100 mil computadores é um número razoável. Mas, como nos

diz Cysneiros(1999):

Serão beneficiadas cerca de seis mil escolas, que representam

apenas 13,4% do universo de 44,8 mil estabelecimentos, que

receberão 15 ou 20 computadores, muito pouco para 800 ou mais

alunos por escola. (Cysneiros, 1999: 03)

O autor nos aponta ainda que a falta de articulação deste programa

com os demais programas de tecnologia educativa do MEC (o vídeo escola, por

exemplo), a desconsideração das significativas diferenças regionais existentes em

nosso país (estados como S.Paulo e Rio Grande do Sul já usam computadores nas

escolas há algum tempo enquanto outros estados/e ou municípios têm escolas que

sequer dispõem de energia elétrica) e das escolas de formação de professores (em

Page 40: A EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO Octávio Torres … TORRES COSTA.pdf · 2 OCTÁVIO TORRES COSTA Aluno do Curso de Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior Matrícula 14390

40nível de 2º grau ou universidade) que não foram contempladas com o Programa,

revelando-nos falhas desta política.

Conhecendo a histórica descontinuidade das políticas públicas em

nosso país e a falta de manutenção dos prédios e mobiliários escolares, nos

perguntamos: como se dará a manutenção dos computadores? (em muitas escolas a

televisão e o vídeo não funcionam mais). Como atualizar programas que se tornam

obsoletos em um tempo bastante curto?

Conforme já foi colocado, muitas escolas já utilizam em seu cotidiano

o computador. Algumas tentam garantir que os alunos interajam com as diferentes

linguagens que as novas tecnologias possibilitam, provocando novas formas de

aprender, de conhecer, de pensar. O projeto "da escola virtual" que está sendo

desenvolvido em uma escola da rede particular de ensino do estado do Rio de

Janeiro, caminha nesta direção.

A idéia principal é modificar a estrutura fechada da sala de aula. Os alunos

são instigados a pesquisar, buscar informações que ampliem e resignifiquem as

discussões realizadas com os colegas e professores, utilizando o recurso da Internet e

um software próprio para aplicações de ensino à distância. Alunos passam a perceber

que podem lidar com o espaço e o tempo de outra forma, visitando lugares não mais

existentes e/ou distantes. Podem "conhecer", por exemplo, o Egito antigo e visitar

bibliotecas de outros países, sem sair da escola. Utilizam o computador como mais

um instrumento capaz de ampliar os interlocutores com os quais podem interagir no

instigante processo de apropriação de saberes socialmente construídos. Uma

ferramenta capaz de gerar conhecimento.

É papel da escola formar indivíduos- crianças e professores - que

saibam usar crítica e criativamente o computador-tecnologia

social e histórica como o cinema, a fotografia, a pena, a impressão

e a escrita. É papel da escola democratizar o acesso a mais um

instrumento de criação (humana). (Nogueira, 1998:124)

Reafirmamos o desafio para o qual a escola se defronta nesse final de

século e acreditamos que se de fato a incorporação, ao cotidiano escolar, das

linguagens da tecnologia que se apresentam hoje como possíveis, não ocorressem

apenas como mais um "instrumento pedagógico", um meio facilitador de ensinar e

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41aprender, quem sabe "empurraria" nossas escolas para, de fato, repensar e re-

significar o processo de construção e apropriação dos saberes?

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425.0 - A ESCOLA EM FACE A GLOBALIZAÇÃO

Já faz parte do senso comum a noção de que a globalização é um

processo crescente de mudanças que tende a unificar os mercados, as finanças, a

informação, a comunicação, os valores culturais, superando barreiras naturais e

limites geográficos.

No entanto, a leitura de obras e artigos escritos com o propósito de estudar as raízes,

bem como discutir os efeitos desse fenômeno, nos levam a perceber duas tendências

entre os intelectuais: uma que procura identificar o processo de globalização com a

idéia de rompimento de todas as fronteiras e de uma nova ordem mundial com

relações independentes e oportunidades iguais para todos os países; e outra que

estabelece relações entre a globalização e o processo de concentração do poder

econômico e financeiro, aumentando as disparidades de renda entre o Norte e o Sul,

bem como entre globalização e universalização de valores, com a imposição de

modelos culturais por parte das nações dominantes.

Por acreditar que ela é um fato real e que exerce forte influência sobre

a história da humanidade, penso que não pode ser tratada como um fenômeno a ser

exorcizado (o que, na prática, significaria ser evitado, o que já não é possível), e nem

ser aceita nas condições em que nos é apresentada. A questão é saber se há

possibilidade de uma inserção não subordinada e com maior poder de barganha por

parte das nações subdesenvolvidas.

A escola, tida como lugar essencial de universalização do saber, de

preparação para pessoas adequadas à sociedade moderna, está sendo posta em

questão. Surgem novas tecnologias que produzem novos conhecimentos e ampliam

sua espetacular difusão.

"Não é fortuito que, nesse contexto, o Banco Mundial tenha se

tornado um agente privilegiado na área educacional e venha

induzindo reformas que mudam os objetivos, a organização e as

relações ensino-aprendizagem nos sistemas educativos. (...) suas

propostas adquirem um viés de modelo universal (há um

conhecimento pronto sobre a educação, pacotes para aplicar,

assessorias adrede preparadas), mesmo que alguns documentos

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43reconheçam a necessidade de políticas diferentes para cada país"

(WANDERLEY, p.6).

As condições exigidas pelos programas de "qualidade total"

ultrapassam o âmbito da produção e atingem todas as esferas da sociedade.

Requerem-se novas formas de qualificação, de requalificação que exercem efeitos

sobre a desqualificação. Nesse sentido, o Banco Mundial vai defender reformas

educacionais que concentrem o processo de ensino-aprendizagem em disciplinas

básicas como ciências, matemática e línguas, e que procurem adaptar os currículos a

um ensino profissionalizante.

A simplificação das grades curriculares com o intuito de se incorporar

matérias profissionalizantes é a expressão mais clara daquilo que MARTIN e

SCHUMANN, ao recuperar as explicações de Barber, chamaram de "concorrência

entre difícil e fácil, lento e rápido, complexo e simples" (p.27). Essa é, na verdade,

uma proposta educacional inspirada no modelo de ensino norte-americano: "Disney,

McDonald's e MTV apelam a tudo que é fácil, rápido e simples".

É claro que não poderíamos cair no erro de desconsiderar ou de

simplesmente negar o caráter democrático da sociedade norte-americana e de seu

sistema de ensino, mas, como escreve LASCH,

"falar de pluralismo e diversidade não tranqüiliza quando os

jovens não parecem estar aprendendo a ler e escrever", quando

"muitos jovens estão moralmente confusos. Eles se ressentem com

as exigências éticas da 'sociedade' como se elas estivessem

infringindo os limites de sua liberdade pessoal."(p.208).

Seria esse o modelo de ensino almejado por nós? E mais: seria esse o

modelo de democracia almejado por nós?

"Pessoas comuns, ao que parece - especialmente se pertencerem

ao grupo étnico ou raça errada - não podem ler e compreender os

clássicos, se forem mesmo capazes de ler alguma coisa. Portanto, é

preciso reestruturar os currículos para enfatizar filmes, fotografias

e livros que não exija muito do leitor - tudo em nome da cultura

democratizante" (LASCH, p. 213).

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44De fato, "estamos confusos quanto ao significado da democracia (...).

A palavra acabou simplesmente servindo para descrever um estado terapêutico"

(LASCH, p. 15).

A crescente preocupação entre os educadores em se utilizar dos

modernos meios de comunicação de massa em sala de aula, ainda que de forma

crítica, deve ser reavaliada frente a essas reflexões. Não há dúvida de que hoje

lidamos com gerações muito mais visuais e que esse fato deve ser levado em

consideração no processo de ensino-aprendizagem. Porém, não estaríamos dando

uma importância exagerada à utilização das imagens e, com isso, comprometendo a

conquista de uma verdadeira educação democrática? As imagens, quando muito,

tocam, sensibilizam o ser humano em relação aos problemas que afligem a

humanidade. Mas é o debate político e filosófico, a intensa troca de idéias e opiniões

que caracterizam uma sociedade democrática e, portanto, um ensino democratizante.

"A visão é espectadora; a audição é participante" (LASCH, p.200).

"Vivemos desta maneira ao abrigo dos signos e na recusa do real.

Segurança miraculosa: ao contemplarmos as imagens do mundo,

quem distinguirá esta breve irrupção da realidade do prazer

profundo de nela não participar. A imagem, o signo, a mensagem,

tudo o que 'consumimos', é a própria tranqüilidade selada pela

distância ao mundo e que ilude, mais do que compromete, a alusão

violenta ao real" (BAUDRILLARD, p.15).

Segundo Frei Betto:

"uma das características da pós-modernidade é a redução da

cultura a mero entretenimento, com a exacerbação dos sentidos,

em detrimento da razão e do espírito. Para estimular o

consumismo, utilizam-se como isca recursos capazes de nos fazer

sentir mais e pensar menos. Isso vale para a publicidade, para

certos programas televisivos e até para rituais religiosos" (Folha

de S. Paulo de 4/4/1999).

Com a educação, acredito não ser diferente. Hoje nos preocupamos

em tornar o ambiente escolar um espaço muito mais prazeroso do que reflexivo;

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45"estes meios eletrônicos que fizeram irromper as massas populares na esfera pública

foram deslocando o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo"

(CANCLINI, p. 26), embora muitas vezes nem nos demos conta disso.

Para LIPOVETSKY "a publicidade não tem a força (...) de aniquilar

a reflexão, a busca da verdade, a comparação e a interrogação pessoal" pois "ela só

tem poder no tempo efêmero da moda" (p.196), admitir que ela é "uma peça no

avanço do Estado social democrático" (p.197) seria um tanto demais, já que "a

publicidade quer menos convencer do que fazer sorrir, surpreender, divertir" (p.187).

Nesse sentido, ao invés de "despertar uma tomada de consciência dos cidadãos

diante dos grandes problemas do momento" (p.194), ela estaria contribuindo para o

esvaziamento do debate político à medida que transforma tudo em espetáculo e

objeto de consumo.

Essa face da sociedade contemporânea é bastante perceptível no

exercício da sala de aula. Os debates são cada vez menos atraentes para as novas

gerações que não assumem mais nenhum tipo de compromisso com a coletividade.

Ao invés disso, tratam assuntos sérios com humor e transformam as mais graves

tragédias humanas em motivo de brincadeira.

Talvez isso seja expressão daquilo que LASCH chamou de

"preocupação com a sobrevivência psíquica. Perdeu-se a

confiança no futuro. Face à escalada armamentista, à expansão da

criminalidade e do terrorismo, à deterioração do meio ambiente e

à perspectiva de um prolongado declínio econômico, as pessoas

passaram a preparar-se para o pior, (...) executando uma espécie

de recuo emocional frente aos compromissos a longo prazo"

(p.9/10).

Não sei se esses jovens teriam a consciência disso, mas parece ser

verdade que essa exagerada valorização de tudo que é lúdico, e que encontra

ressonância no meio publicitário, não passa de um forte sentimento de insegurança

em relação ao amanhã.

Embora extremamente prejudicial à democracia, não se restaria outra

alternativa às novas gerações diante de uma sociedade tão competitiva e de um

mercado de trabalho cada vez mais exigente e, ao mesmo tempo, mais restrito. O

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46sentimento de impotência foi transformado pela publicidade em irreverência e

descaso, o que criou uma condição mais cômoda para o ser humano num mundo cada

vez mais hostil; tão cômoda que será difícil para ele reconquistar a sua condição de

sujeito histórico.

Assim, os avanços técnicos nas telecomunicações, que geram o

potencial de democratização da comunicação, cada vez mais globalizados e

concentrados, não apenas informam sobre os acontecimentos, mas também

contribuem para determinar o seu curso. Globaliza-se a cultura do capital, que é, por

natureza, centralizadora, homogeneizadora e massificadora, e que reduz o sentido da

vida humana a acumular e a consumir.

Para CANCLINI,

"há duas maneiras de interpretar o descontentamento

contemporâneo provocado pela globalização. Alguns autores pós-

modernos se concentram nos setores em que o problema não é

tanto a falta, mas o fato de o que possuem tornar-se a cada

instante obsoleto e fugaz. (...) Uma visão mais integral, porém,

deve dirigir o olhar aos grupos em que se multiplicam as

carências. (...) nesses vastos 'subúrbios' que são os centros

históricos das grandes cidades, há poucas razões para se ficar

contente enquanto o que chega de toda a parte se oferece e se

espalha para que alguns possuam e imediatamente esqueçam".

(p.18/19)

Sendo a educação algo essencialmente ligado à vida societária,

repensá-la é repensar as relações sociais e as ações individuais e coletivas. A

educação deve procurar desenvolver uma práxis ecossocial que tenha como

paradigma não o crescimento econômico e o consumo ilimitado, mas a disposição de

limitar a acumulação e o consumo de bens materiais ao suficiente - seja pelo respeito

aos limites da natureza, seja pela consciência de que quanto mais excessivos forem

os bens materiais dos indivíduos e nações, menor sua capacidade de

desenvolvimento mental, ético e espiritual.

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47Deve aproveitar os avanços da informática para desenvolver sistemas

de informação e comunicação participativos, ao alcance das comunidades e

articulados horizontalmente em todos os sentidos.

"A informatização das empresas, a criação da rede telemática, ou

a 'introdução' dos computadores nas escolas podem muito bem

prestar-se a debates de orientação, dar margem a múltiplos

conflitos e negociações onde técnica, política e projetos culturais

misturam-se de forma inextrincável" (Lévy, p.8).

Deve-se ressaltar que a luta pela humanização do mundo não se

resume apenas à ação para transformar exteriormente as estruturas e as instituições,

mas envolve simultaneamente o desafio da transformação cultural e ética de nós

próprios: dos valores, comportamentos, atitudes, aspirações e modos de relação de

cada um de nós consigo mesmo, com a natureza e com a sociedade.

Os educadores devem se transformar em educadores de si próprios e

dos outros, adequando as instituições educativas ao projeto maior que é transformar

cada pessoa, comunidade e povo em sujeito de sua própria história e do seu próprio

desenvolvimento.

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486-0 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

6.1 Conclusão

O modelo de política educacional adotado no Brasil ainda é aquele da

década de 70, que exclui a educação de qualquer iniciativa de transformação nos

parâmetros das sociedades globalizadas. A nossa educação formal enfraquece as

atitudes que promovem a autonomia, contrariando os valores da modernidade

reflexiva e abstendo-se de qualquer iniciativa de concepção de liberdade e decisão

livre.

A educação deve ser repensada segundo as exigências do mundo

atual, que são colocadas segundo os princípios da modernidade reflexiva. Isto

significa que, nesse contexto, a educação precisa assumir seu verdadeiro papel na

formação da consciência crítica, disseminando a autonomia como valor central na

defesa de um projeto de cidadania moderno que promova a liberdade do homem.

Somente tendo como princípio norteador a autonomia, a escola “(...)

permitirá que os poderes humanos de organização e reorganização criativa da

experiência, sejam operativos no contexto educacional (...)” (DOLL, 1977). Esse

sistema aberto permitirá que professores, alunos, coordenadores e diretores

estabeleçam uma comunicação dialógica, propícia à criação de estruturas

metodológicas mais flexíveis para reinventar sempre que for preciso. A confirmação

desse contexto só poderá ser dada numa escola autônoma, onde as relações

pedagógicas são humanizadas.

A educação na sociedade globalizada tem o compromisso de preparar

um homem autônomo, para viver e participar de uma cultura que não é apenas local,

mas que amplia os espaços, tendo o mundo como sua localidade e o seu lugar. Nesse

sentido, a ampliação da consciência humana na conquista do espaço cultural mundial

depende da capacidade da escola em trabalhar pedagogicamente essa dimensão.

Transformar a escola nessa nova direção depende de uma política do

Estado em assumir a educação numa perspectiva moderna, que, no nosso entender,

não se pode dar pelo viés conservador do pensamento neoliberal. Com isso, vale

dizer que a produção do saber escolar não pode restringir-se apenas ao conhecimento

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49instrumental, o qual tem sido utilizado na competitividade do mercado e repassado

pela qualidade total. Na verdade, o conhecimento na era da globalização tem sido

utilizado na prática mais para inovar as condições de lucro do que para humanizar as

condições de trabalho e promover a autonomia do indivíduo.

Nesse sentido, requer-se do indivíduo apenas o domínio do

conhecimento técnico-instrumental; portanto, é imperativo que a escola trabalhe

também a dimensão ética-política através das Ciências Humanas. Uma educação para

a autonomia deve buscar desenvolver o "homem omnilateral" (GRAMSCI), ou seja,

o homem em sua totalidade, e, para isso, não privilegia esta ou aquela dimensão, mas

trabalha relacionalmente as dimensões técnica e política.

Como se pode perceber, o conhecimento além do instrumental é a

problemática crucial das inovações modernas. Qualquer atividade, na sociedade

atual, requer qualidades intelectuais, estéticas, conduta moral, concepção ampliada

de mundo, domínio instrumental de línguas, habilidades de comunicação e

capacidades de gerar novos modos de pensar. Nesse sentido, vale ressaltar o

pensamento gramsciano que afirma que a força de trabalho não se pode pautar

apenas na concentração do esforço muscular do homem, porque a atividade humana

resulta principalmente do esforço intelectual.

Assim, uma educação para a autonomia tem que atender às

necessidades de saberes em cada setor da vida cotidiana e dar conta da totalidade

histórica vivida.

6.2 Recomendações

- Promover uma reforma do ensino, partindo da valorização do professor, tanto no

aspecto remuneratório quanto na sua qualificação. Sem professores preparados para o

exercício da autonomia, torna-se impossível viabilizar um projeto pedagógico no

qual o conhecimento produzido na escola possibilite ao indivíduo sua inserção

técnico-política nas transformações em curso.

- Desenvolver um projeto educacional de qualidade principalmente nas regiões mais

pobres, onde o analfabetismo, a mão-de-obra desqualificada e o alto nível de

desemprego definem o lugar onde deveremos estar na escala da globalidade mundial.

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50- Formular uma política nacional de educação, levando-se em consideração dois

pontos fundamentais: primeiro, que a situação peculiar das nações pobres exige do

Estado uma posição de investimentos; trata-se, portanto, de desprivatizar e converter

em "público" toda a função da educação; segundo, que a escola e principalmente os

professores devem ser instrumentalizados para lidarem com um conhecimento

voltado para a construção da autonomia (da escola, dos professores, dos alunos, da

sociedade).

Essa é a prioridade para que o sistema educacional não sirva apenas

para atender às exigências das inovações, mas também para apresentar alternativas às

ameaças, amenizando assim as graves conseqüências que sempre acompanharam as

ondas de mudanças na História.

O desencontro do nosso modelo de formação educacional com as

mudanças que ora se processam poderá muito em breve constituir-se num obstáculo

à chegada do país ao nível básico necessário para a sua integração no processo de

globalização. As nações pobres têm que repensar suas estratégias com urgência,

envolvendo a participação do Estado e demais áreas de responsabilidades do poder

local estatal e privado, no sentido de estabelecer programas culturais e educativos

que abracem a multiplicidade de possibilidades colocadas pelo mundo globalizado.

A ausência de políticas sociais do Estado e de seu compromisso com a

educação deixa os países mais pobres à margem do processo de globalização em

curso. Se esse processo comporta ameaças e possibilidades, essa situação favorece

mais um contexto de ameaças e, com isso, pontos de vista dogmáticos com relação

ao mundo globalizado. Também torna mais complexa a atitude de canalização das

possibilidades a nosso favor. Constitui-se, assim, desafio para o Estado, a Escola, e a

Sociedade no contexto atual.

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