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A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E O DISCURSO DA INTERVENÇÃO SOCIAL (1927-1932) Leonardo Mattos 1 Marcia Morel 2 Antonio Jorge Gonçalves Soares 3 Edivaldo Góis Junior 4 INTRODUÇÃO O presente trabalho teve como objetivo descrever a inserção do debate médico higienista dentro da Associação Brasileira de Educação (ABE), em especial na Secção de Educação Physica e Higiene (SEPH) no período de 1926 a 1937, período no qual funcionou a seção. Nosso problema de pesquisa consistiu na questão: como os médicos se apropriaram do debate da ABE para difundir o discurso higienista e seu projeto de nação por meio da Educação Física? Desse modo, apresentaremos um cenário que permeava a construção de discursos sobre a intervenção estatal nos campos da educação e saúde no âmbito da ABE. Para isto, em termos metodológicos, realizamos uma pesquisa documental que teve como fontes primárias, os documentos da Secção de Educação Physica e Hygiene, coletados no acervo da ABE, localizada no Rio de Janeiro e em jornais da época através da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A seção funcionou de maio de 1926 a junho de 1937 e contou com 76 reuniões. Observamos períodos de escassez ou ausência de reuniões, para citar exemplos, nos anos de 1927 a 1928 foram realizadas 4 reuniões, e em 1931/1932 não foram realizadas reuniões. Tivemos no ano de 1929, o período de maior produtividade contando com 22 reuniões. Os dados foram analisados a partir da perspectiva histórica de Antoine Prost, onde os documentos passam por uma crítica interna, que analisa a coerência do texto e questiona-se sobre sua compatibilidade sobre o que se conhece sobre documentos análogos. (PROST, 2008: 57), havendo a necessidade de confrontar o documento com o lugar e o momento em questão, o que se entende por uma compatibilidade entre data e fatos mencionados. 1 Mestrando em Educação Física da Unicamp. Bolsista FAEPEX-UNICAMP, membro do Laboratório de Pesquisas em Educação do Corpo (LABEC)/UFRJ. 2 Professora Assistente UESC/BA, doutoranda do PPGE/UFRJ, membro do LABEC. 3 Professor Associado da Faculdade de Educação/UFRJ e do PPGE/UFRJ, líder do LABEC. 4 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UNICAMP, membro do LABEC.

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A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E O DISCURSO DA INTERVENÇÃO SOCIAL (1927-1932)

Leonardo Mattos1

Marcia Morel2

Antonio Jorge Gonçalves Soares3

Edivaldo Góis Junior4

INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como objetivo descrever a inserção do debate médico

higienista dentro da Associação Brasileira de Educação (ABE), em especial na Secção de

Educação Physica e Higiene (SEPH) no período de 1926 a 1937, período no qual funcionou a

seção. Nosso problema de pesquisa consistiu na questão: como os médicos se apropriaram do

debate da ABE para difundir o discurso higienista e seu projeto de nação por meio da

Educação Física? Desse modo, apresentaremos um cenário que permeava a construção de

discursos sobre a intervenção estatal nos campos da educação e saúde no âmbito da ABE.

Para isto, em termos metodológicos, realizamos uma pesquisa documental que teve

como fontes primárias, os documentos da Secção de Educação Physica e Hygiene, coletados

no acervo da ABE, localizada no Rio de Janeiro e em jornais da época através da Hemeroteca

Digital da Biblioteca Nacional.

A seção funcionou de maio de 1926 a junho de 1937 e contou com 76 reuniões.

Observamos períodos de escassez ou ausência de reuniões, para citar exemplos, nos anos de

1927 a 1928 foram realizadas 4 reuniões, e em 1931/1932 não foram realizadas reuniões.

Tivemos no ano de 1929, o período de maior produtividade contando com 22 reuniões.

Os dados foram analisados a partir da perspectiva histórica de Antoine Prost, onde os

documentos passam por uma crítica interna, que analisa a coerência do texto e questiona-se

sobre sua compatibilidade sobre o que se conhece sobre documentos análogos. (PROST,

2008: 57), havendo a necessidade de confrontar o documento com o lugar e o momento em

questão, o que se entende por uma compatibilidade entre data e fatos mencionados.

1 Mestrando em Educação Física da Unicamp. Bolsista FAEPEX-UNICAMP, membro do Laboratório de Pesquisas em Educação do Corpo (LABEC)/UFRJ. 2 Professora Assistente UESC/BA, doutoranda do PPGE/UFRJ, membro do LABEC. 3 Professor Associado da Faculdade de Educação/UFRJ e do PPGE/UFRJ, líder do LABEC. 4 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UNICAMP, membro do LABEC.

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O método crítico visa responder de onde vem o documento? Quem é o autor? Como

foi transmitido e conservado? O autor é sincero? Terá razões conscientes ou não,

para deformar o testemunho? Diz a verdade? Sua posição permitir-lhe-ia dispor de

informações fidedignas? Ou implicaria o uso de algum expediente?

Essas duas séries de questões são distintas: a crítica da sinceridade incide sobre as

intenções, confessas ou não, do testemunho, enquanto a crítica da exatidão refere-se

à sua situação objetiva. Um autor de memórias será suspeito de reservar para si o

papel mais favorável e a crítica da sinceridade será particularmente exigente; se

descreve uma ação, ou situação, ocorrida à sua frente, sem ser parte integrante, a

crítica da exatidão irá lhe atribuir mais interesse que se tivesse sido o eco de

terceiros. (PROST, 2008: 59)

Assim encaramos as atas e os artigos de jornal como fonte de depoimentos voluntários

que “são constituídos para a informação de leitores, presentes ou futuros” (PROST, 2008: 59).

É importante ressaltar que na crítica do corpo documental, composto principalmente

por atas, havia um secretário com a função de anotar o que foi debatido em plenária, discutido

e acordado durante as reuniões, muitas vezes o secretário era nomeado antes da reunião, ou

seja, era um participante da SEPH, isto nos leva a pensar que mesmo sendo um documento

original passou por um filtro (interesses, desejos, vontades) na sua redação, o que talvez tenha

mudado um pouco os discursos apresentados nas reuniões, mas vale lembrar que ao final de

todas as reuniões os representantes assinavam as atas o que se supõe que estavam de acordo

com o que foi escrito.

O PROJETO DE SOCIEDADE BRASILEIRA HIGIENISTA NO INÍCIO DO

SÉCULO XX

Podemos dizer que a população brasileira no final da Primeira República vivenciava

um estado de abandono pelas autoridades, “sem condições mínimas de saneamento básico,

sem hospitais públicos, sem remédios e assistência médica, e ainda analfabetos e

despreparados para o trabalho, o povo brasileiro, segundo os higienistas, estava doente”

(GÓIS JUNIOR, 2009: 40) e tomado por teorias higienistas fatalistas que colocavam a raça

brasileira como limitação para o desenvolvimento e tendo como base reinterpretações da

teoria darwinista de seleção natural, “o Brasil era evidentemente composto por raças, então

consideradas inferiores, seria necessário considerar que o país estaria irremediavelmente

condenado a ser dominado por raças superiores” (LEITE, 1998: 183).

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Essas ideias fatalistas só foram superadas por meio de um pensamento higienista

intervencionista que procurava uma explicação social e econômica para o atraso do Brasil e

assim, o pensamento intervencionista defendia ações do governo no âmbito da saúde e da

educação. O povo brasileiro não estava fadado ao fracasso, ao contrário, estava “doente”,

segundo o pensamento intervencionista.

N’um país de doentes e analphabetos. Como o Brasil, a preocupação máxima,

primordial, de governantes conscientes deveria ser a do saneamento physico, moral

e intelectual dos seus habitantes. Não há prosperidade, não pode haver progresso

entre indivíduos ignorantes, e muito menos quando á ignorância se juntam as

moléstias e os vícios, o abatimento physico e intellectual, as lesões de órgãos

essenciais. (PENNA, 1923: 25)

Para o médico sanitarista e presidente da SEPH, Belisário Penna, eram os fatos sociais

os determinantes da situação de debilidade do povo. Observamos que parte dos intelectuais da

época buscavam no desenvolvimento do social o desenvolvimento do Brasil, que passava por

mudanças principalmente no Rio de Janeiro, a então capital federal, na qual o modelo

agroexportador migrava para uma desordenada industrialização, propiciando uma precária

urbanização. Deste modo tornou-se necessário olhar em paralelo para os aspectos sociais e

econômicos do brasileiro. Nos termos do intelectual Alberto Torres:

Ao fator moral da confiança cumpre juntar, contudo, outros, mais importantes, que

devem visar à solução dos nossos mais sérios problemas: a consolidação do caráter

do povo pela educação; a defesa da economia física, pela alimentação e pela

higiene pessoal, doméstica e pública; a defesa da sua economia social, pela política

econômica. (TORRES, 1933: 154)

As críticas que Alberto Torres e Belisario Penna fazem ao governo tornam-se bastante

relevantes para que possamos entender a importância da ABE no cenário político e social

brasileiro da época. A ABE passa a funcionar como uma espécie de canal de expressão onde

os intelectuais do período passam a difundir suas ideias, em meio a um governo ausente no

que diz respeito a políticas públicas.

“[...] a República provocou uma espécie de ameaça à unidade nacional, pela tensa

combinação de dois fatores singulares: por um lado, a forte ação política das

oligarquias regionais sempre a desconfiar/almejar o poder central; por outro, a

baixa institucionalidade, ou seja, a fragilidade (quando não ausência) de canais de

expressão e de participação capazes de agregar e fazer representar necessidades

plurais conflitantes, presente na sociedade. Nesse cenário, diferentes grupos da elite

intelectual e política, mobilizados por variados interesses e identidades,

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constituíram, então, seus lugares de produção e circulação cultural – seus lugares

de sociabilidade.” (LINHALES, 2009: 80)

É neste cenário de defesa de uma regeneração da raça e cuidar do povo doente que a

Educação Física através da Higiene passa a ganhar espaço, pois apoiada na ciência, vai

trabalhar diretamente com as questões da educação do corpo (SOARES, 1994). Com base na

ciência e guiada pela medicina sanitária, a Educação Física e a Higiene tiveram por finalidade

não somente tratar do corpo físico, mas também do corpo moral. Para Fernando de Azevedo:

[...] de fator de elemento social e elemento capaz de derivar para atividade

higiênica e moralizadora, esta mocidade, que por outra forma, quando não se

viciasse no alcoolismo, acabaria por se degenerar nas atmosferas viciadas dos

cafés, das casas de jogo ou tantas vezes da própria habitação. (AZEVEDO, 1960: 208)

Aos higienistas cabia: decifrar, analisar, prescrever, controlar e diagnosticar e assim, a

medicina criou técnicas, constituiu instituições e fabricou tecnologias combatendo “as

moléstias e os vícios, o abatimento physico e intellectual”, legitimando toda a ordem médica.

Logo “tratar-se ia, portanto, nesta lógica, de lapidar uns e completar os demais de modo que

se atingisse o modelo de homem civilizado que se pretendia impor” (GONDRA, 2003: 27). É

neste discurso que todos os lugares (casas, hospitais, cemitérios, escolas, etc.) são moldados

para servirem de pontos estratégicos para que as políticas higiênicas pudessem estar presentes,

“essa é a época dos grandes projetos de saneamento que invadem dos lares às igrejas, dos

portos às escolas [...] Buscam a disciplina no uso de lugares públicos [...]” (SCHWARCZ,

2005: 207).

AS ESTRATÉGIAS HIGIENISTAS

Como vimos, a baixa institucionalidade e a quase ausência do governo potencializou o

surgimento de canais de expressão, como a ABE, onde diferentes grupos da elite intelectual e

política, mobilizados por variados interesses e identidades passam a pensar e atuar na

sociedade. A ABE torna-se um local ideal para a socialização e legitimação do saber médico.

No seu primeiro ano de funcionamento a SEPH teve como presidente o médico

Faustino Esponsel, mas foi com o diretor da seção o médico Belisário Penna que percebemos

esforços para socializar o conhecimento médico através da seção, lançando a ideia de

promover conferências populares (ACTAS DA SECÇÃO DE EDUCAÇÃO PHYSICA E

HYGIENE. 8ª reunião, 20/07/1927). Os anúncios eram feitos nos jornais, como o Correio da

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Manhã e Jornal do Brasil. Existiam dois tipos de chamadas, uma para as conferências e outra

para as reuniões internas da seção. Idealizado na mesma 8ª reunião o então presidente da

SEPH, o médico sanitarista Gustavo Lessa, na 10ª reunião solicitou que se organizasse “as

bases de um programa de hygiene e educação physica para ser adoptado em todo Brasil” e

“um curso de aperfeiçoamento da hygiene, destinado aos professores primários” (ACTAS DA

SECÇÃO DE EDUCAÇÃO PHYSICA E HYGIENE. 10ª reunião, 14/12/1928) com o

objetivo de “aumentar o calibre de conhecimentos dos professores” segundo o que nos mostra

o Jornal do Brasil de 02/02/1929, o curso contará com 28 lições, duas vezes por semana.

Curso de Hygiene- Com o intuito de propagar nas escolas primárias do DF o que de mais moderno se está praticando nos E. Unidos para a Educação sanitária pela escola. A SEPH da ABE organizou um curso de aperfeiçoamento em hygiene para professores primários. Esse curso que tem feição nitidamente prática está ao encargo de especialistas notáveis que, em pequenas conferências acompanhadas sempre que necessário de abundante material, trarão ao professorado carioca o melhor do seu saber. (JORNAL DO BRASIL, 11/04/1929)

A programação tanto nas atas quanto no jornal não é idêntica e sofre pequenas

alterações na ordem dos dias de cada lição, no jornal consta o nome dos professores que

apresentaram as lições, onde muitos fazem parte do quadro da ABE, “essas ações eram sempre

coordenadas por médicos atuantes tanto na ABE como em outras entidades e redes de

sociabilidade que priorizavam a educação higiênica e sanitária”. (LINHALES, 2006: 152)

Podemos destacar como lições: Alcoolismo - Hygiene Individual: asseio corporal, vestuário e

vida ao ar livre – Hereditariedade e eugenia – Hygiene mental: maus hábitos nos escolares e

preescolares e sua prophylaxia – Fundamentos physiologicos da educação physica nas

escolas – A correcta atitude physica dos escolares – Methodologia dos jogos – Methodologia

dos Exercicios – Jogos Rythmicos – Hygiene do edifício e do material escolar – A função do

médico escolar – O papel da saúde publica na vida de uma cidade (10ª reunião, 14/12/1928,

ACTAS DA SECÇÃO DE EDUCAÇÃO PHYSICA E HYGIENE; JORNAL DO BRASIL,

11/04/1929.). Com estas iniciativas, percebe-se a intenção de instruir e armar o professorado

para que pudesse atuar já desde a infância produzindo já nas crianças a ideia de self-

government (Linhales, 2006).

Campanhas instrutivas para higienizar o povo e cursos de aperfeiçoamento em higiene, destinados às professoras primárias, constituíram prioridades entre 1925 e 1928. Essas ações eram sempre coordenadas por médicos atuantes tanto na ABE

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como em outras entidades e redes de sociabilidade que priorizavam a educação higiênica e sanitária. (LINHALES, 2006: 152) Em 26 de novembro de 1928, o Dr. Gustavo Lessa assumiu a presidência da SEPH e, desde então, passou a concentrar esforços na organização de cursos de aperfeiçoamento para o professorado primário. No início de 1929, o curso de Higiene Geral estava sob coordenação do próprio Dr. Lessa. ( LINHALES, 2006: 173)

Em 23/05/1929, o jornal Correio da Manhã noticiava que a SEPH iria realizar outro

curso, desta vez, voltado apenas para a educação física que teve como tutora a professora

norte-americana Helen Paulinson, da Associação Cristã Feminina com o seguinte conteúdo:

tácticas de marcha; gyminastica; jogos; danças regionaes. Este curso estava habilitado

apenas para professoras tanto da escola pública quanto primária. As estratégias pareciam

estar bem articuladas com o objetivo de socializar o saber médico utilizando a educação física

como estratégia higienista, na 18ª reunião é discutido que, o ensino da educação física não se

adapta ao ensino primário e secundário sendo necessário reorganizar a educação física (18ª

reunião, 17/04/1929, ACTAS DA SECÇÃO DE EDUCAÇÃO PHYSICA E HYGIENE), o

que parecia estar se concretizando, pois dois dias antes o jornal Correio da Manhã noticiava

que o professor Ambrosio Torres a pedido da SEPH realizaria uma conferência onde iria

expor as bases de em methodo ecléctico de educação physica nacional. Os intelectuais

higienistas passaram a reconhecer a necessidade de se remodelar o ensino da Educação Física

tornava-se necessário modificá-la, para que ela atendesse os pressupostos higiênicos

atendendo assim as necessidades da sociedade.

Logo, o corpo nesta nova sociedade com ideais higienistas intervencionistas, passa a

ser visto como um objeto de gestão social, ou seja, o corpo, individual e singular torna-se

objeto público e assim a educação do corpo definitivamente passa a compor o quadro de

preocupações públicas (SOARES, 2009). Visto como um importante meio de educar, adestrar,

controlar e até mesmo ser fortalecido para que pudesse lutar contra todas as intempéries,

inclusive o descaso que as autoridades impunham sobre o povo. Com o objetivo de rumar ao

progresso, os médicos passam a investir no corpo em prol da moral, do civismo, da

reorganização de gestos e da disciplinarização da vontade através da educação física

(SOARES, 1994).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pesquisa identificamos que os médicos higienistas de caráter

intervencionista que circulavam pela SEPH se propuseram a socializar o saber médico, a

partir do curso de higiene, curso de educação física, das conferências e reuniões da própria

SEPH, o que tornava a prática higiênica e sanitarista uma forma de atuar coletivamente sobre

a nação (SCHWARCZ, 2005), para que o projeto higienista pudesse dar certo tornava-se

necessário esta socialização e dessa forma, nada deveria escapar aos “olhos da higiene”, tudo

deveria ser inspecionado e esmiuçado pois, os médicos não estariam presentes em todas as

instâncias da sociedade. E de falto qual o papel da educação física para o movimento

higienista e principalmente para os atores da ABE?

Auxiliado pelo momento que vivia o Brasil, e apoiada pela ciência as ideias higienistas

interferiram desde as vestimentas até a arquitetura da cidade, procurando maneiras de

controlar, regular e aperfeiçoar este corpo até então moribundo “sem alma” propondo novas

formas de utilização da Educação Física e reconstituindo-a a partir do saber médico, mas do

que isso acreditamos que para os higienistas o que mais interessava era modificar as atitudes

do atores sociais, das pessoas que efetivamente estariam atuando junto as crianças, que eram

vistas como os mais capazes a mudar o Brasil pois, estes estariam sendo criados sob os

“auspícios da higiene”.

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Fernando. Da Educação Física - O que ela é, o que tem sido e o que deve ser.

3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1960.

GÓIS JUNIOR, Edivaldo. Modernismo, Raça e Corpo: Fernando de Azevedo e a Questão

da Saúde no Brasil (1920- 1930). Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v 30, n. 2, p. 39-56, jan.

2009.

GÓIS JUNIOR, Edivaldo; SIMÕES, José Luis. História da Educação Física no Brasil.

Recife: Universitária, 2011.

GONDRA, José Gonçalves. Homo Hygienicus: Educação, Higiene e a Reinvenção do

Homem. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n.59, p. 25-38, abril 2003.

LEITE, Dante Moreira. O Caráter Nacional Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1998.

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LINHALES, Meily Assbú. A Escola e o Esporte, uma Hístória de Práticas Culturais. São

Paulo: Cortez, 2009.

PROST, Antoine. Doze Lições sobre História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

PENNA, Belisário. Saneamento do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Ribeiro dos Santos, 1923.

SCHWARCZ, Lilian Maria. O Espetáculo das Raças: Cientistas, instituições e questão

racial no Brasil – 1870/1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

SKIDMORE, Thomas. Uma História do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

SOARES, Carmen Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas, SP:

Autores Associados, 1994.

SOARES, Carmen Lúcia. Da Arte e da Ciência de Movimentar-se: Primeiros momentos

da ginástica no Brasil. In: Del Priore, M; Melo.V. A. de. (orgs) História do Esporte no

Brasil.

TORRES, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro: Introducção a um programa de

Organização Nacional. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1933.

Fontes

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Atas da Seção de Educação Physica e Hygiene. 10ª reunião, 14/12/1928.

Atas da Seção de Educação Physica e Hygiene. 18ª reunião, 17/04/1929.

Correio da Manhã, 23 de maio de 1929, p. 05.

Correio da Manhã, 14 de julho de 1929, p. 05.

Correio da Manhã, 15 de agosto de 1933, p. 08.

Correio da Manhã, 03 de setembro de 1933, p 07.

Correio da Manhã, 17 de outubro de 1934, p. 11.

Correio da Manhã, 16 de fevereiro de 1935, p. 05.

Jornal do Brasil, 27 de dezembro de 1928, p. 17.

Jornal do Brasil, 02 de fevereiro de 1929, p. 04.

Jornal do Brasil, 15 de março de 1929, p. 14.

Jornal do Brasil, 11 de abril de 1929, p. 19.

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Jornal do Brasil, 30 de agosto de 1929, p. 10.

Jornal do Brasil, 16 de maio de 1929, p. 14.