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 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL I PROF. DANIEL BARREIROS    A Economia Agrária Feudal na Europa ocidental e oriental (sécs. IXXV)

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 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL I PROF. DANIEL BARREIROS 

 

 

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A Economia Agrária Feudal na Europa ocidental e oriental (sécs. IX­XV)

Parte I – A Expansão Agrícola dos Séculos IX­X  

 

1. Objetivo da economia medieval europeia nos séculos IX­XI  

Objetivo da produção é o consumo 

Na economia camponesa, trabalho e excedente tem por função a maior privação de necessidades possível 

Na economia senhorial, propriedade e investimento tem por função o “ócio aristocrático”   

Consumo de alimentos é elemento de hierarquização social (dependentes) 

Para manter o ócio aristocrático (e não o lucro) é preciso administração econômica “racional” (administradores) 

 

2. Geoeconomia na Europa medieval dos séculos IX­XI  

a. Geoeconomia da aldeia camponesa 

Enraizamento geográfico  fertilidade, direitos e baldios 

Mansos como base tributária da economia senhorial (mas não fora dela) 

Definição de manso ­ terra para manter uma família, suficiente para o trabalho de uma charrua (questionável) 

 

b. Geoeconomia da economia senhorial 

Estrutura: mansos camponeses (servis ou livres), manso senhorial, baldios 

Grandes fortunas (principalmente do eclesiásticas) dispunham de inúmeros conjuntos de terras dispersos (vilas)  

  Dispersão causada por doações de terras (leigos para clérigos) e partilhas hereditárias 

 

c. Perfil da ocupação territorial na Europa  

Concentração de população em poucas áreas férteis 

Grandes vazios populacionais em áreas cuja técnica não permite exploração 

Disponibilidade de mão de obra é altamente desigual entre regiões 

Territórios selvagens vs. áreas superpovoadas: miséria dos dois lados 

 

d. Forças produtivas limitam a ocupação do território 

Tecnologia limitava a exploração agrícola a alguns tipos de solos 

Expansão das aldeias era entravada pela tecnologia disponível  

Superpovoamento gerava doença e conflito (controle populacional) 

Desperdício de mão de obra com pouco retorno na agricultura  

   

3. Os transportes como estratégicos na economia senhorial  

Domínios senhoriais dispersos normalmente em muitas vilas distantes entre si 

Senhores utilizavam terras em diferentes regiões e climas para diferentes produtos 

Aristocracia vagava pelos seus domínios dispersos 

Numa própria vila, as terras podem não ser contíguas (cortadas por colinas, pântanos, terras de outros senhores) 

Grande parte das missões impostas aos servos fora do domínio (“noites”) eram missões de transporte 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. Domínio da tecnologia como fator de hierarquização  

Aluguel dos moinhos rendia tanto cereal aos senhores quanto o próprio manso senhorial 

Arados e aivecas permitiam a ocupação de solos considerados “improdutivos” 

Camponeses, contudo, tinham pouco acesso a estes instrumentos (predomínio da enxada) 

Controle da metalurgia (instrumento de dependência) 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. Relações de produção na economia medieval dos séculos IX­X  

a. Escravos (servus) 

  Extração de renda trabalho em mansos servis, ou; 

  Trabalho exclusivo no manso senhorial, sustentado pela renda dos moinhos   

b. Assalariados  

  Ocupações sazonais de expropriados ou de camponeses em busca de rendas 

  Salários monetários ou não 

c. Agricultores em mansos livres (libellari) 

  Prestação de renda espécie (animais ou bens agrícolas) 

  No caso de prestação de renda trabalho, envio de escravos 

 

 

 

 

 

6. O comércio e sua função interna à economia medieval  

a. Para a economia camponesa 

  Mercado per denerata: pequenas dimensões, sem função “interna” ao sistema econômico 

  Produtividade incerta gerava épocas de abundância e outras de fome 

  Viajantes, transportadores, soldados, todos precisam ser alimentados enquanto não trabalham 

   

b. Para a economia senhorial 

  Dificuldade de transportes levava administradores das vilas a, eventualmente, vender o produto 

  Senhores interessados em moedas metálicas, e pagamentos dos foreiros não eram suficientes 

 

7. Nas fronteiras do poder: as aldeias livres  

A economia medieval não se resume à exploração senhorial 

Há aldeias livres, onde camponeses compram e vendem terras, e há razoável mobilidade social 

Aldeias livres podem até ser vizinhas de aldeias integradas à exploração senhorial 

Comunidade aldeã pode compartilhar de espaços explorados e não explorados 

Senhores dispunham de formas de explorar aldeias livres (rendas das igrejas, justiça, proteção, empregos) 

   

Parte II – As Mudanças dos Séculos XI­XIII  

 

1. Aceleração da comutação da renda trabalho em renda dinheiro   

a. Renda trabalho e renda espécie começam a cair em desuso 

b. Extração de renda feudal tende à individualização e à monetarização 

  Manso perde importância como unidade tributária 

c. Monetarização provoca mudanças na exploração dos mansos senhoriais 

  Exploração direta pelos senhores perde espaço; mansos camponeses se expandem 

  Excedente monetário extraído é usado para pagamento de assalariados nos mansos senhoriais em redução 

   

2. Progressiva mobilização da riqueza e ascensão do poder financeiro­mercantil 

a. Expansão do consumo suntuário e da demanda por moeda pela classe senhorial 

b. Expansão do endividamento monetário da classe senhorial  

  Demanda por moeda supera a oferta através da extração de excedente feudal 

  Endividamento perante credores urbanos 

b. Expansão do poder dos financistas urbanos 

  Dividas penhoradas transferiam terras para financistas urbanos 

  “Novos ricos” urbanos compravam terras e direitos senhoriais  

3. Efeitos da economia monetária sobre o campesinato  

a. Aumento da demanda por moeda promove aviltamento e desvalorização 

  Preços em geral (da terra em particular) mostram sintomas de elevação 

b. Por um lado, comutação para pagamento de renda dinheiro naquele contexto inflacionário, era favorável 

  Bens e trabalho prestados eram convertidos em valor monetário, e fixados em contrato 

  Contratos eram normalmente hereditários, expressos em preços nominais e não reajustáveis 

  Inflação, assim, diminuía progressivamente o valor real das prestações 

 

c. Por outro, demanda monetária dos senhores levava camponeses ao endividamento 

  Senhores demandavam prestações monetárias, e nem sempre camponeses tinham sucesso comercial 

  Camponeses buscavam empréstimos entre financistas urbanos 

  Camponeses fragmentavam seus mansos, vendendo ou alugando seus direitos em troca de moeda 

  Podiam também firmar contratos de crédito, com serviço de dívida em produtos agrícolas 

  Financistas obtinham bens agrícolas independentes da sazonalidade de mercado 

  Chegaram a substituir os camponeses no fornecimento de alimentos para cidades 

4. Os problemas gerados pela expansão da propriedade eclesiástica  

a. Dois séculos de doações transferências para a Igreja, feitas por nobres e camponeses 

  Como o clero podia administrar novas terras? 

  Concedendo “feudos” a senhores laicos 

 

b. Clero regular não compartilhava da “economia de consumo” 

Monges não se deslocavam entre diferentes vilas para consumir seus produtos 

Regime alimentar pressupunha regra estrita 

Administração das vilas espalhadas pelo território através de administradores autônomos (firmarius) 

5. Empobrecimento geral da classe senhorial laica 

a. Expansão da “pequena nobreza” (senhores laicos com terras de dimensões camponesas) 

b. Pequena nobreza tenta compensar perdas através do arroteamento 

  Expansão da área plantada sobre bosques e florestas comuns 

  Expansão da área plantada sobre terras de baixíssima fertilidade 

  Conflito com o campesinato, que tinha direitos garantidos sobre as terras comuns 

6. Aprofundamento da desigualdade na classe senhorial 

a. Surgem “Grandes Senhores” nos séculos XI­XIII 

  Senhores completamente desinteressados pelos assuntos da produção econômica 

  Estabelecem relações de vassalagem com senhores empobrecidos 

  Esses vassalos ficam responsáveis pelos assuntos produtivos 

  Em troca de terras, prestam juramento de lealdade política e militar 

7. Colapso do poder público, expansão do poder privado 

a. Consequência tardia do longo processo de dissolução do legado carolíngio 

b. Poder político real pulverizado em torno dos grandes senhores 

c. Grandes senhores se apropriam do poder de ban (“poder banal”) 

  Fronteiras entre direito público e privado se diluem 

  Poder de estabelecer a paz, a guerra e a justiça 

  Poder tributário, em troca de “proteção” 

d. Fronteira entre mansos livres e mansos servis é diluída 

  Direitos públicos dos libellari são progressivamente violados 

  Diferenças entre servus e libellari são diminuídas  

e. Aldeias livres e cidades obrigadas a comprar sua liberdade perante grandes senhores 

  Cartas de franquia 

  Franquias restabeleciam fronteira entre o público e o privado 

  Em muitos casos, grandes senhores financiavam a compra da carta, renovando dependência de outro modo 

8. Vantagens econômicas do exercício do poder banal 

a. Administração da justiça rendia mais que qualquer atividade produtiva 

  1/3 de qualquer indenização paga a terceiros 

  Multas de valores variados, decorrentes de vários tipos de infração 

  Taxas sobre casamentos, compensando perda de jovem recrutável 

  Taxas policiais, de colheita, de passagem, de transporte, de comércio, etc. 

 

9. Aprofundamento da desigualdade na classe camponesa  

a. Surgimento de uma “aristocracia camponesa” 

  Ascensão socioeconômica de famílias responsáveis pela administração em nome dos poderes banais 

  Administradores dos moinhos, igrejas, etc.   

  Em duas ou três gerações alcançavam riqueza compatível com pequena nobreza 

  Alguns conseguiam romper laços com seus senhores, adquirindo poderes banais de pequeno porte 

   

Parte III – A Crise do Século XIV  

 

1. Causas imediatas da crise do século XIV   

a. Alterações climáticas  

  Chuvas torrenciais, com ponto extremo em 1315­1317 

  Início da “Pequena Era Glacial” e fim do “Ótimo Climático Medieval” 

  Cultura dos cereais se torna impossível na Islândia, por exemplo 

b. Expansão demográfica dos séculos anteriores, feita sobre terras novamente inférteis 

c. Início da formação dos Estados Modernos: guerras, tributos e pilhagens 

d. Epidemias e a Peste Negra (1348­1349) 

 

2. Abalo nas tendências econômicas surgidas no período anterior (séculos XI­XIII)  

a. Crise demográfica interrompe processo de comutação na renda feudal 

  Comutação para a renda dinheiro pressupunha: 

    Mercado em expansão 

    Mão de obra disponível para emprego nos mansos senhoriais (progressivamente assalariados) 

  Crise demográfica aniquilou impulso mercantil e oferta de mão de obra 

  Mercados locais continuaram existindo, mas em menores dimensões 

 

b. Crise demográfica inviabiliza assalariamento e economia monetária 

  Inflação de salários e deflação de preços de bens agrícolas 

  Inviabiliza emprego rentável de mão de obra assalariada  

  Deflação de preços agrícolas dificulta a prestação de renda dinheiro pelos camponeses aos senhores feudais 

 

c. Retração da área plantada 

  Interrupção dos arroteamentos e avanço sobre terras improdutivas 

  Reconcentração geoeconômica nas áreas anteriormente férteis 

  Êxodo rural (cidades ofereciam proteção contra insegurança física e econômica no campo) 

3. Falência geral da economia senhorial no século XIV 

a. Colapso demográfico “abre” a fronteira agrícola 

  Relação homem­terra beneficia o produtor direto 

  Carência geral de mão de obra  

  Isso é um forte obstáculo à extração de excedente feudal pela classe proprietária 

  Rendas feudais se retraem, em benefício das rendas agrícolas mercantis 

b. Avanço da centralização dos Estados modernos diminui progressivamente fragmentação do direito de ban 

 

   

4. Exemplo geral da Europa ocidental diante da crise feudal (excluindo Península Ibérica)  

a. Falta de mão de obra aumenta o poder de barganha dos camponeses 

 b. Avançam as relações de arrendamento mercantil da terra 

   Arrendatários são normalmente antigos administradores ou camponeses enriquecidos 

   Comerciantes e financistas urbanos também tornam­se arrendatários   

 c. Declina a exploração direta pela classe proprietária 

d. Declinam as grandes unidades produtivas rurais 

e. Arrendamento incentiva absenteísmo da classe proprietária de terras 

f. Propriedades tendem ao parcelamento

5. Exemplo geral da Europa oriental diante da crise feudal (com destaque para a Germânia) 

a. Formação de Estados modernos não conduz a restrições maiores na fragmentação do direito de ban 

b. Soberanos, em busca de lealdade e tributo, preservam poderes banais locais 

c. Declínio populacional e fronteira aberta não levam ao arrendamento 

   Classe senhorial empreende repressão aos movimentos camponeses 

   Exploração feudal é revivida e aumentada (proporcionalmente, dada escassez de força de trabalho) 

  

   

5. Exemplos específicos: Inglaterra e norte da Itália  

a. No norte da Itália, comerciantes urbanos reavivaram feudalismo 

b. Na Inglaterra, não há declínio do poder real em favor dos poderes banais 

 

Assembleias de homens livres continuavam a administrar a justiça em nome do “País” 

 Distinção entre servus e francus se mantém por todo o período 

 Estrutura fundiária deixada por Guilherme I se preserva (pequenos e fragmentados dos domínios senhoriais)  

 Sheriffs eram o poder do Rei e garantia da autoridade pública 

 Como poderes banais não foram fragmentados, senhores foram obrigados a expandir sua renda agrícola

      

Bibliografia da Unidade  DUBY, George. Economia Rural e Vida no Campo no Ocidente Medieval. Lisboa, Edições 70, 1987, 2 vol.     “O trabalho e a terra”   “Riqueza e Sociedade: a economia senhorial”   “Novos Caracteres da Economia Rural”    “A Falência da Economia Senhorial”.