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A DIVIDA PÚBLICA DO EQUADOR: DOS GOVERNOS NEOLIBERAIS À ALIANÇA PAÍS

1 - INTRODUÇÃO

Assim como a maioria dos países da América do Sul, o Equador tinha na atividade

agrícola sua principal política de acumulação de capitais. Ao longo do século XX, ele

passou por várias crises referentes aos seus produtos primários, como o cacau, a banana e o

petróleo e, com isso, acumulou dívidas externas com valor exorbitante. Quando o cacau

entrou em crise, dedicaram-se a comercialização da banana como meio de solucioná-la e,

quando a exportação desta não mais supria as necessidades financeiras do país, apostou-se

na exportação do petróleo.

Com o enfraquecimento da exportação de bananas, o Estado deu impulso à atividade

industrial no país. Transferências importantes foram feitas do campo para a cidade, da

agricultura para a indústria, dos exportadores para os importadores industriais etc. No

entanto, essa primeira tentativa de industrializar o Equador não saiu como o esperado.

Segundo Alberto Costa, os esforços realizados pelo governo não ofereceram a proteção

necessária à indústria nascente, prática comum para que se atinja um nível de

competitividade aceitável, bem como os empresários equatorianos também foram

responsáveis por não possuírem capacidade inovadora capaz de dar andamento ao processo

industrial1. Para ele, isso aconteceu porque os interesses de ambos estavam voltados para as

necessidades da minoria da população, ou seja, as classes média e alta do país. Sem vontade

política, não podia haver modificação no padrão de acumulação primário-exportadora nem

grandes mudanças sociais.

1COSTA, Alberto. Breve história econômica do Equador. p. 111.

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A partir da década de 1960, os chamados países centrais buscaram diversificar seu

suprimento de petróleo, com a descoberta e importação de novas regiões produtoras, e viram

no Equador uma alternativa para tal. Os governantes viram, então, uma chance de revitalizar

a economia do país pós crise da exportação de bananas. Mas, mais uma vez, a exploração

dos recursos naturais do Equador e sua fonte de acumulação de capital foi orientada no

sentido de suprir as necessidades do mercado mundial, deixando-se as nacionais em

segundo plano.

Em consequência disto, a participação do Equador na lógica do capitalismo

internacional globalizante ganhou novo peso financeiro e comercial, quando antes sua

participação era marginal. Ele se tornou atraente para bancos e investidores estrangeiros, o

que deu a ele a imagem de “novo rico” e mascarou várias deficiências do país. Com esta

grande disponibilidade de divisas existente nos anos 1970, Costa acredita que teria sido

possível implementar uma redistribuição efetiva da riqueza, a criação de bases sólidas para

um desenvolvimento mais autônomo que pudesse intervir no mercado mundial e satisfazer

as necessidades básicas dos equatorianos.2

Empréstimos não eram mais negados ao Equador como ocorria na época da investida

nas bananas e no cacau, eles eram até mais fáceis de serem contraídos. Assim, o país fez

crescer sua dívida externa ao longo dos anos, que só no período militar passou de 636

milhões para 3,530 milhões de dólares – em 2006 ela atingiu a soma de 10,502 milhões.3

Neste período, os equatorianos conseguiram livrar-se do controle estreito do FMI, mas isso

não fez com que superassem a crise da dívida pública iniciada anos antes, só a intensificou.

A seguir, tratar-se-á sobre a dívida pública do Equador, seu desenrolar desde os governos

neoliberais à Aliança País, com a criação de uma auditoria da dívida.

2Ibid. p. 117. 3BCE: 75 Años de Información Estadística hasta elaño 2001; Boletinesmensuales, Boletín de deuda.

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2 - O NEOLIBERALISMO COMO AGRAVANTE DA DÍVIDA PÚBLICA

EXTERNA

A década de 1970 é vista como um convite para o endividamento equatoriano. Os

empréstimos tornaram-se de fácil acesso, não interessava aos investidores a capacidade de

pagamento dos devedores no longo prazo, as taxas de juros eram inferiores à inflação e os

bancos induziam os países a aceitar empréstimos que não se ajustavam as condições

normais, chegando a emprestar somas que superavam o valor solicitado pelos pedintes.

Com esse aumento da oferta de créditos externos, o Equador experimentou um crescimento

na sua economia. Contudo, como este não foi acompanhado de mudanças estruturais, a

situação financeira do país tornou-se mais vulnerável. Contratava-se empréstimos para

pagar outros empréstimos.

Em 1983, o FMI negociou com o Equador a primeira de outras treze Cartas de

Intenção e garantiu a contratação de mais empréstimos. Também por meio dela, o governo

aceitou a imposição de medidas de ajuste estrutural que provocaram o aumento dos preços

da gasolina, das tarifas elétricas e a desvalorização monetária – o sucre, moeda equatoriana,

perdeu valor frente ao dólar. Assim, iniciou-se a aplicação do modelo neoliberal,

caracterizado, principalmente, pela diminuição da interferência do Estado na economia e

privatizações de empresas públicas. De modo a garantir a aplicação de políticas deste

modelo, o Banco Mundial e o FMI foram atores importantes na mudança de leis,

regulamentos e decretos equatorianos. A evolução da abertura comercial do Equador

acompanhou a ocorrida na América Latina, chegando a superar em alguns pontos a média

regional. Segundo Alberto Costa,

Ao abandonar uma opção nacional (melhor dito: uma potencial opção nacional), o Equador se integrou no funcionamento da economia internacional dentro de um esquema passivo que precipita e consolida a

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trans-nacionalização. (...) que se explica pela lógica objetiva do sistema capitalista4.

Devido a isto, o Equador continuou sua investida em produtos primários, explorando

suas vantagens comparativas naturais, e abrindo mão, mais uma vez, de atividades com alto

perfil tecnológico que pudessem desenvolver sua indústria.

Os governos que sucederam a década militar não questionaram os ônus das políticas

neoliberais, pelo contrário, no governo de HurtadoLarrea, que teve início em 1980,

investiram em práticas que favorecessem os grupos econômicos hegemônicos. O governo

optou por auxiliar as empresas privadas transformando suas dívidas em dívidas públicas,

prática chamada de “sucretização”. Desta forma, ao assumir a dívida privada em dólares, as

empresas pagavam ao governo do Equador em sucres com taxas de juros baixas e com prazo

de 5 anos. Isso aconteceu porque as empresas privadas começaram a endividar-se em

dólares, devido a mudanças no câmbio, e por pressão do FMI e do Bando Mundial. No

governo seguinte ao de Larrea, as condições vantajosas da dívida externa sucretizada foi

ampliada. Em virtude disto, o Estado equatoriano pode ser encarado como uma espécie de

“empresa de reparação” do sistema capitalista. Por conta da “sucretização”, a dívida do país

foi multiplicada por seis, passou de 1,650 milhões para 7,500 milhões.5

Em 1986 a economia se viu afetada pelo aumento dos preços do petróleo e o

governo decidiu pela liberação do embargo e da flutuação das divisas, assim como das taxas

de juros. Deixou livres as divisas provenientes das exportações de petróleo, para pagar a

dívida externa.

Apesar dos esforços do governo de Cevallos de controlar variáveis

macroeconômicas desajustadas pelos excessos do período anterior, as dificuldades

econômicas se agravaram e a inflação não foi controlada. Os níveis de indigência, miséria,

4 CAMPOS, Alberto. Breve história econômica do Equador. p.151 5FolletoQuiendebe a Quien. Informe CEIDEX, 2007.

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desemprego e desnutrição pioraram. Então, instruídos por economistas do Bando Mundial, o

governo optou pela focalização dos serviços sociais para atender os mais necessitados,

constituindo um novo elemento da estratégia neoliberal.

No inicio da década de 1990, quando a dívida estava prestes a prescrever, o

presidente DuránBallén renunciou do seu direito a prescrição do pagamento da dívida

externa, que iria passar a ter 6,990 milhões de dólares vencidos.6 Em 1994, o Equador

firmou um acordo com seus credores no qual aceitou trocar seus títulos da dívida por títulos

bônus do Plano Brady. Segundo este plano, os bancos reduziriam o montante da dívida ao

longo de três décadas. No entanto, a partir de agosto de 1999, diante daincapacidade de

fazer esses pagamentos, o país se viu obrigado a declarar a moratória dos bônus Brady com

a cumplicidade do FMI e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. O país saiu

dessa situação com uma nova fórmula de acordo, através do qual garantia uma ampla gama

de benefícios aos portadores dos novos bônus Global. Esses novos bônus foram favoráveis

aos credores e não ao Equador.

Não se pode deixar de citar que, todos esses mecanismos neoliberais utilizados pelo

capital financeiro internacional também geraram uma alta dívida interna no país. Na história

econômica do Equador, a dívida interna pública serviu em 81% para o refinanciamento da

dívida pública externa.

Esta dívida foi, mais tarde, encarada por esquerdistas como um sequestro do Estado

e suas instituições por grupos financeiros nacionais e estrangeiros, como o FMI e Banco

Mundial para explorar seus recursos e impor ajustes estruturais desfavoráveis. Trataremos

adiante da alternativa encontrada para questionar o montante da dívida e não desfavorecer,

uma vez mais, o Equador.

6Folleto Historia Atraco. Deuda externa, la historia de un atraco. p.16.

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3 - A ALIANZA PAÍS E A COMISIÓN PARA LA AUDITORÍA INTEGRAL DEL

CRÉDITO PÚBLICO A Alianza País (AP), Aliança Pátria Altiva e Soberana, nasceu em 2006,

principalmente, da união de quatro movimentos políticos de esquerda com história na

resistência ao capitalismo, principalmente à onda neoliberal. Estes movimentos eram:

Iniciativa Ciudadana; Acción Democrática Nacional; MovimientoAlianzaAlfarista

Bolivariano; e Jubileo 2000. Também foi essencial a participação do Partido Socialista

Frente Amplio. Desde o início, a pauta de investigação da dívida pública fazia parte do

programa da AP, estando compreendida dentro da “Revolução Econômica”, uma das cinco

revoluções que a AP se propunha a realizar.

A sua formação foi impulsionada principalmente após a saída de Rafael Correa do

Ministério da Economia e Finanças, em 2005. 106 dias depois de tomar posse como

ministro, Correa renunciou devido a divergências com o presidente Alfredo Palacio,

principalmente sobre questões energéticas7.

No ano de 2007, o Equador entrava para o grupo de países latinoamericanos com

governos eleitos de esquerda após períodos neoliberais. O candidato presidencial da AP,

Rafael Correa ganhou no segundo turno as eleições com 56,67% dos votos válidos.

Sendo coerente com o programa da AP, no dia 9 de julho de 2007, Correa criou a

Comisión para laAuditoría Integral del Crédito Público (CAIC). Esta tinha o objetivo

auditarlosprocesos de endeudamiento público conelfin de determinar

sulegitimidad, legalidad, transparencia, calidad, eficacia y eficiencia,

considerando aspectos legales y financieros, impactos económicos, sociales, de

género, ecológicos y sobre nacionalidades y pueblos8.

7 Lombardo, Antonela. Liderazgo político de Rafael Correa y ladecisión de no pagar ladeuda externa. Revista de Ciencia Política. Buenos Aires, n.13. 8 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.14.

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A Comissão foi divida em quatro grupos de trabalho para auditar diferentes aspectos

da dívida. Estes grupos abarcavam a dívida comercial, a dívida multilateral, a dívida

bilateral e a dívida interna, respectivamente. Também foram criados três grupos de trabalho

de âmbito transversal. Estes tratavam dos impactos sociais, ambientais e de gênero, da

questão jurídica e de créditos de maior importância utilizados pela Comisión de Desarollo

de la Cuenca delRíoGuayas(CEDEGE).

A CAIC chegou a importantes conclusões sobre o processo de contração da dívida

comercial. Em 2007, ela representava 30% da dívida pública do Equador. Contudo, foi

responsável por 44% do pagamento de juros no mesmo ano9. Entre os anos de 1981 até

2006, o valor pago pelo Equador de juros e amortizações da dívida a bancos estrangeiros,

superou em US$7,13 bilhões os recursos que ingressaram no país como empréstimos no

mesmo período. Entretanto, a dívida cresceu, neste mesmo período, de US$116 mi para

US$4,163 bi10. Estes números mostram como a dívida não foi um mecanismo para financiar

o desenvolvimento econômico do país, mas para financiar os próprios bancos.

A subcomissão responsável pela dívida comercial também teve grande papel na

denúncia de medidas tomadas pelo Estado equatoriano prejudiciais ao próprio, como as que

foram apresentadas na parte 2 deste trabalho. São referentes à “sucretização”, ao

TollingAgreement, ao Bônus Brady e ao Bônus Global.

Sobre a “sucretização”, ou seja, o processo que fez com que o Estado equatoriano

assumisse as dívidas contraídas pelo setor privado, a CAIC apontou para uma série de

irregularidades, como a falta de controle do Banco Central sobre as dívidas assumidas,

sendo uma porta aberta para créditos fictícios ou irrecuperáveis; e erros nos cálculos dos

9 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.23. 10 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.25.

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juros, sendo estabelecida uma taxa fixa e não uma taxa referencial, como a Libor ou a

Prime11.

Referente ao TollingAgreement, o ato da renúncia unilateral das autoridades

equatorianas ao direito de prescrição da dívida, a CAIC recomendou que seja declarado nulo

e, por consequência, todos os outros desdobramentos deste ato, como os Bônus Brady e os

Bônus Global 12 . Os argumentos centrais para esta decisão da CAIC são: o fato das

autoridades que assinaram o acordo não terem a jurisdição para tal na ocasião da assinatura;

os direitos do credores de receber o valor da dívida já podiam estar prescritos quando houve

a assinatura; e por, principalmente, ter sido a renúncia de um direito praticado por uma

pessoa jurídica de direito público, cuja natureza é revestida de direitos que não são

suscetíveis a renúncia, segundo princípios do Direito e de todas as legislações

democráticas13.

A CAIC denunciou em dois principais aspectos os Bônus Brady. Um deles foi pelo

fato de ter sido um claro caso de anatocismo, ou seja, cobrança de juros sobre juros, uma

prática ilegal. O outro aspecto foi que mais uma vez, o Estado equatoriano abriu mão de

prerrogativas para beneficiar bancos estrangeiros. Neste caso, ao emitir os Bônus Brady, em

uma operação do banco JP Morgan, aumentou o montante da dívida enquanto podia

negociá-la a preço de mercado, o que teria efeito contrário14.

O cerne da denúncia da CAIC aos Bônus Global dialoga bastante com as denúncias

aos outros artifícios da dívida comercial. Como no episódio do TollingAgreement, a

autoridade equatoriana responsável por esta operação não possuía jurisdição para tal. E

assim como os Bônus Brady, foi uma operação lucrativa para os bancos estrangeiros,

11 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.38. 12 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.41. 13 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P40. 14 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.43.

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enquanto transformou a dívida mais onerosa para o Equador. Para atestar este fato, após a

emissão deste bônus, a dívida se elevou para US$3,95 bi, isso significa quatro vezes o valor

de mercado. Neste caso houve um agravante que foi a inclusão de dívidas já pré-pagas ao

montante negociado15.

A dívida multilateral do Equador é aquele referente aos órgãos internacionais

multilaterais, principalmente FMI, Banco Mundial e BID. Esta corresponde a 42% da dívida

externa pública do Equador 16 . Inicialmente, o financiamento destes organismos era

direcionado para o desenvolvimento econômico do Equador, contudo, principalmente após a

crise da dívida, passou a ser um endividamento para honrar outras dívidas equatorianas. A

CAIC denunciou a utilização deste crédito para esta última finalidade. Por ter considerado

as outras dívidas ilegítimas, esta também seria. Também foi um importante fator para a

denúncia o entendimento de que estas dívidas passaram a ser um instrumento a ser usado

contra a soberania do país, uma vez que havia uma série de condicionalidades criadas fora

do território nacional e ligadas à contração do crédito17.

A dívida bilateral equatoriana correspondia a US$1,371 bi em 2007, equivalente a

52,4% do valor contratado18. Brasil e Espanha são os dois maiores credores desta dívida,

sendo US$554 mi e US$375 mi, respectivamente 19 . Sobre este tipo de dívida, houve

indícios de ilegalidade a respeito das normas vigentes aplicáveis ao país e a práticas

indevidas por parte de funcionários equatorianos20.

Em agosto de 2008, o relatório final da CAIC foi entregue ao presidente Rafael

Correa, que a partir dele, suspendeu o pagamento do Bônus Global, redirecionando esse

15CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.46. 16

CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.93. 17

Ibid. 18

CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.107. 19

Ibid. 20

CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P121.

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gasto para as áreas de saúde e educação. Como resultado, o investimento nessas áreas

cresceu 70%21. No ano seguinte, Correa fez uma proposta aos credores em que recompraria

os Bônus Global pelo valor máximo de 30%. A proposta foi aceita por imensa maioria, 95%

dos credores22.

21

Fattorelli, M. L. Auditoria da Dívida Pública: Instrumento para enfrentar a crise financeira. P.27. 22 Ibid.

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4 - CONCLUSÃO

Este trabalho explicitou uma séria divergência entre duas formas de se lidar com a

dívida do Equador. Primeiramente, foi mostrada uma sequência de governos dentro da

lógica neoliberal, que colocavam os compromissos internacionais a frente dos

compromissos nacionais. Seja por um compromisso ideológico, ou por interesses privados,

já que várias autoridades destes governos foram em algum momento de suas carreiras,

funcionários de empresas transnacionais envolvidas na dívida equatoriana.

O fato de estes governos prezarem pela manutenção dos compromissos

internacionais, fez com que não questionassem nenhum ponto dos mesmos, deixando a

população equatoriana vulnerável. Esta vulnerabilidade pode ser comprovada no orçamento

de 2007, por exemplo, já no governo de Rafael Correa, mas ainda sem o relatório final da

CAIC. O orçamento destinava US$1,756 para o serviço da dívida, enquanto destinava

US$738 mi para a saúde, US$1,586 mi para a educação e US$374 mi para desenvolvimento

urbano e habitação23.

Como foi mostrado, a Alianza País, liderada por Correa, tomou a decisão soberana

de investigar a onerosa dívida do Equador e comprovou ilegalidades e denunciou a dívida

como um instrumento de poder para enquadrar o Equador na ordem neoliberal que era

estruturada a partir do Norte Global.

Logo, percebe-se que a diferença central no relacionamento dos dois grupos de

governo com a dívida está na sua vontade política de contestar a dívida, uma vez que

legalmente, ela era passível de contestação, como foi mostrado. Esta diferença da vontade

política é bem ilustrada na frase proferida por Rafael Correa em diversas ocasiões: “Nuestra

única deudaes com elpueblo”.

23 CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008. P.24.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAIC. Informe Final de laAuditoría Integral de laDeudaEcuatoriana. 2008.

Fattorelli, M. L. Auditoria da Dívida Pública: Instrumento para enfrentar a crise financeira.

Disponível em: <http://cadtm.org/IMG/pdf/Auditoria-da-Divida-Instrumento-para-

enfrentar-a-Crise.pdf >

Lombardo, Antonela. Liderazgo político de Rafael Correa y ladecisión de no pagar ladeuda

externa. Revista deCiencia Política. Buenos Aires, n.13.

COSTA, Alberto. Breve história econômica do Equador. Coleção América do Sul. Funag.

2005.

BCE: 75 Años de Información Estadística hasta elaño 2001; Boletinesmensuales, Boletín de

deuda.

FolletoQuiendebe a Quien. Informe CEIDEX, 2007. Disponível em:

<http://www.auditoriadeuda.org.ec>

Folleto Historia Atraco. Deuda externa, la historia de un atraco. Disponível em:

<http://www.auditoriadeuda.org.ec>