a ditadura de getúlio vargas

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A ditadura de Getúlio Vargas Ana Paula Corti* Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação Vargas faz pronunciamento anunciando o Estado Novo Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil em 1934, eleito indiretamente pela Assembléia Constituinte, quatro anos após a Revolução de 30. A constituição de 1934 marcou o início do processo de democratização do país, dando seqüência às reivindicações revolucionárias. Ela trouxe avanços significativos como o princípio da alternância no poder, a garantia do voto universal e secreto, agora estendido às mulheres, a pluralidade sindical e o direito à livre expressão. Determinava também a realização de eleições diretas em 1938, nas quais o povo finalmente teria o direito de eleger o chefe supremo da Nação e proibia a reeleição de Getúlio. Mas o processo de democratização em curso ainda iria enfrentar muitos obstáculos. Desde fins de 1935, havia um clima de efervescência no país. De um lado, acirravam-se as disputas eleitorais e, de outro, multiplicavam-se as greves e as investidas oposicionistas da ANL - Aliança Nacional Libertadora contra o governo Vargas. A ANL foi fundada por tenentes dissidentes da Revolução de 30, que defendiam a reforma agrária e combatiam as doutrinas nazifascistas. Influência nazifascista A conjuntura mundial estava sob forte influência do nazifascismo, representado por Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália. Era uma época marcada por forte sentimento nacionalista e pela centralização do poder estatal. Os ventos fascistas se faziam sentir no Brasil, através da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização fascista liderada por Plínio Salgado, cujas idéias conservadoras eram resumidas no lema "Deus, Pátria e Família". O próprio Getúlio Vargas demonstrava grande afinidade com o nazifascismo, como se pode apreender através da forte perseguição aos judeus no seu governo. Muitos semitas emigraram impelidos pela perseguição nazista na Europa para países como o Brasil. No entanto, se deparavam com barreiras impostas pelo Estado, como bem ilustra uma circular editada em 1937, pelo então ministro das relações exteriores Mário de Pimentel Brandão, que determinava a recusa do visto de entrada a pessoas de origem judaica. "O perigo vermelho" A atmosfera externa aliou-se a uma situação interna bastante instável após a revolução de 30, em que as forças revolucionárias haviam se dividido e agora disputavam o poder. A expansão dos grupos comunistas no Brasil, fortalecidos pela consolidação do regime soviético, causava um temor generalizado. E justamente sob a alegação de conter o "perigo vermelho", o presidente Vargas declarou estado de sítio em fins de 1935, seguido pela declaração de estado de guerra no ano seguinte, em que todos os direitos civis foram suspensos e todos aqueles considerados "uma ameaça à paz

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Page 1: A ditadura de Getúlio Vargas

A ditadura de Getúlio VargasAna Paula Corti*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Vargas faz pronunciamento anunciando o Estado NovoGetúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil em 1934, eleito indiretamente pela Assembléia Constituinte, quatro anos após a Revolução de 30.

A constituição de 1934 marcou o início do processo de democratização do país, dando seqüência às reivindicações revolucionárias. Ela trouxe avanços significativos como o princípio da alternância no poder, a garantia do voto universal e secreto, agora estendido às mulheres, a pluralidade sindical e o direito à livre expressão.

Determinava também a realização de eleições diretas em 1938, nas quais o povo finalmente teria o direito de eleger o chefe supremo da Nação e proibia a reeleição de Getúlio. Mas o processo de democratização em curso ainda iria enfrentar muitos obstáculos. Desde fins de 1935, havia um clima de efervescência no país. De um lado, acirravam-se as disputas eleitorais e, de outro, multiplicavam-se as greves e as investidas oposicionistas da ANL - Aliança Nacional Libertadora contra o governo Vargas. A ANL foi fundada por tenentes dissidentes da Revolução de 30, que defendiam a reforma agrária e combatiam as doutrinas nazifascistas.

Influência nazifascistaA conjuntura mundial estava sob forte influência do nazifascismo, representado por Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália. Era uma época marcada por forte sentimento nacionalista e pela centralização do poder estatal. Os ventos fascistas se faziam sentir no Brasil, através da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização fascista liderada por Plínio Salgado, cujas idéias conservadoras eram resumidas no lema "Deus, Pátria e Família".

O próprio Getúlio Vargas demonstrava grande afinidade com o nazifascismo, como se pode apreender através da forte perseguição aos judeus no seu governo. Muitos semitas emigraram impelidos pela perseguição nazista na Europa para países como o Brasil. No entanto, se deparavam com barreiras impostas pelo Estado, como bem ilustra uma circular editada em 1937, pelo então ministro das relações exteriores Mário de Pimentel Brandão, que determinava a recusa do visto de entrada a pessoas de origem judaica.

"O perigo vermelho"A atmosfera externa aliou-se a uma situação interna bastante instável após a revolução de 30, em que as forças revolucionárias haviam se dividido e agora disputavam o poder.

A expansão dos grupos comunistas no Brasil, fortalecidos pela consolidação do regime soviético, causava um temor generalizado.

E justamente sob a alegação de conter o "perigo vermelho", o presidente Vargas declarou estado de sítio em fins de 1935, seguido pela declaração de estado de guerra no ano seguinte, em que todos os direitos civis foram suspensos e todos aqueles considerados "uma ameaça à paz nacional" passaram a ser perseguidos.

O governo federal, com plenos poderes, perseguiu, prendeu e torturou sem que houvesse qualquer controle por parte das instituições ou da sociedade. Em 1936, foram presos os líderes comunistas Luís Carlos Prestes e Olga Benário. Olga, que era judia, seria mais tarde deportada grávida pelo governo Vargas para a Alemanha, e morreria nos campos de concentração nazistas.

O Estado NovoA forte concentração de poder no Executivo federal, em curso desde fins de 1935, a aliança com a hierarquia militar e com setores das oligarquias, criaram as condições para o golpe político de Getúlio Vargas em 10 de

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novembro de 1937, inaugurando um dos períodos mais autoritários da história do país, que viria a ser conhecido como Estado Novo.

A justificativa dada pelo presidente foi a necessidade de impedir um "complô comunista", que ameaçava tomar conta do país, o chamado Plano Cohen, que foi depois desmascarado como uma fraude. Alegava também a necessidade de aplacar os interesses partidários mesquinhos que dominavam a disputa eleitoral. Na "Proclamação ao Povo Brasileiro", em que Getúlio anunciava o novo regime, ele diz:

"Entre a existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos, não podia haver meio termo ou contemporização. Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração."Nessa ocasião, Vargas anunciou a nova Constituição de 1937, de inspiração fascista, que suspendia todos os direitos políticos, abolindo os partidos e as organizações civis. O Congresso Nacional foi fechado, assim como as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais.

Censura e propagandaNesse cenário de controle ideológico foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), encarregado da propaganda e promoção do regime junto à população. O DIP foi responsável pela censura a órgãos de imprensa e veículos de comunicação, sendo um instrumento estratégico na propagação de ideologias ufanistas e de exaltação do trabalho. Um exemplo ilustrativo dessa atuação foi a distribuição de verbas a escolas de samba, desde que trocassem a apologia à malandragem por temas "patrióticos" e de incentivo ao trabalho. Para difundir as idéias nacionalistas entre os mais novos o Estado tornou obrigatória a disciplina de Educação Moral e Cívica nas escolas.

O apelo direto às massas era uma marca da demagogia populista e da relação dos dirigentes nazistas e fascistas com a população, e Vargas soube tirar proveito máximo dessa estratégia. Fomentando o sentimento nacionalista em torno da ameaça do comunismo, a ditadura conseguia um apoio popular massivo. Este sentimento crescia ainda mais diante dos esforços industrializantes do governo, que aceleravam o desenvolvimento econômico e a entrada do Brasil no contexto internacional. Foram criados órgãos estratégicos para viabilizar este esforço de desenvolvimento, tais como o Conselho Nacional do Petróleo e o Conselho Federal de Comércio Exterior. Foi desse período a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que desempenhou papel fundamental no fornecimento de matéria-prima para o setor industrial.

Autoritarismo político e modernização econômicaMas, para dar suporte ao desenvolvimento econômico era necessário também fortalecer a máquina pública e a burocracia. Com esse objetivo foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938, que se ramificava pelos estados e cujos integrantes, nomeados pelo presidente, tinham por finalidade fiscalizar os governos estaduais.

Como vemos, o Estado Novo conjugou autoritarismo político e modernização econômica, sob um pano de fundo nacionalista e fascista. A relação que a ditadura varguista estabelecia com a sociedade era de controle e vigilância. Foi instituído o sindicato oficial, filiado ao Ministério do Trabalho, e abolida a liberdade de organização sindical. As relações entre trabalhadores e patrões ficavam assim sob controle do Estado, em que prevalecia a lógica conciliatória e o esvaziamento dos conflitos. A visão por trás disso era de que o Estado devia organizar a sociedade, e não o contrário.

Em contrapartida às restrições à organização dos trabalhadores, Getúlio implementou uma série de leis trabalhistas, culminando com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, que garantiu importantes direitos e atendeu antigas reivindicações do movimento operário. Isso projetou a imagem de Vargas como "o pai dos pobres".

De volta à democraciaA Segunda Guerra Mundial, deflagrada em 1939, pôs em disputa a doutrina fascista e nazista contra a doutrina da liberal-democracia. Apesar da simpatia de Vargas pela Alemanha e pela Itália, as circunstâncias da guerra, com a entrada dos Estados Unidos no conflito, levaram o Brasil a combater ao lado dos Aliados. Com a derrota de Hitler em 1945, o mundo foi tomado pelas idéias democráticas e o regime autoritário brasileiro já não podia se manter.

Getúlio Vargas foi deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945, sob o comando de Góes Monteiro, um dos homens diretamente envolvidos no golpe de 1937. A abertura democrática levou ao poder o general Eurico Gaspar Dutra, como presidente eleito pelo voto popular, dando fim a um dos períodos mais autoritários e violentos da nossa história.

Ditador brasileiro preferia a neutralidadeTúlio Vilela*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

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Passeatas da UNE exigiam que o Brasil declarasse guerra à AlemanhaAs semelhanças entre as ditaduras de Getúlio Vargas, Adolf Hitler e Benito Mussolini já foram apontadas por muitos historiadores. O próprio nome Estado Novo foi tirado de outra ditadura européia da época, instituída por Salazar em Portugal, país que se manteve oficialmente neutro durante a Segunda Guerra.

Também é fato notório que entre os membros do governo Vargas havia simpatizantes do Eixo. O mais famoso deles era Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal, e responsável pela deportação de Olga Benário, mulher do líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, para a Alemanha nazista.

Antes do rompimento das relações diplomáticas com o Eixo, o Brasil de Vargas mantinha boas relações comerciais com a Alemanha e a Itália. Em 1936, Brasil e Itália firmaram um acordo para compra de submarinos italianos, que seriam pagos com algodão e outros produtos brasileiros. O exército brasileiro também importava armamentos da Alemanha nazista.

Em junho de 1940, num discurso proferido a bordo do encouraçado Minas Gerais, Vargas elogiou o nacionalismo das "nações fortes", uma referência indireta às ditaduras direitistas da época. Tal discurso foi proferido para a cúpula das Forças Armadas do Brasil. No entanto, entre manter boas relações comerciais com os países do Eixo (e mesmo nutrir certa admiração por esses países) e aliar-se com eles numa guerra há enorme diferença.

Tentativa de neutralidadeVargas era um político hábil e, enquanto conseguiu manter o Brasil neutro na guerra, soube tirar proveito das vantagens de ter relações comerciais tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha.

Há quem acredite que, por pouco, o Brasil não entrou na guerra ao lado dos alemães, o que é um exagero. Vargas jamais arriscaria uma aliança formal com eles, o que seria o mesmo que uma declaração de guerra ao "vizinho rico do norte", os Estados Unidos. Diante de tal acordo, os EUA não hesitariam em invadir o litoral do Nordeste brasileiro para ocupar portos e bases aéreas. Aliás, os militares norte-americanos tinham mesmo um plano (jamais executado) de tomar as bases aéreas e os portos brasileiros, caso as negociações diplomáticas falhassem. Nesse plano, os principais alvos eram Natal e o aeroporto de Parnamirim.

Mesmo nutrindo alguma simpatia pelos regimes fascistas, Vargas pretendia permanecer neutro na guerra, pois achava que o país não deveria entrar num conflito que, na opinião dele, não traria vantagem alguma ao seu governo. O fato de que o governo Vargas tivesse entre seus apoiadores ou membros da administração alguns simpatizantes do nazismo (chamados na época de "germanófilos"), isso não tornava o Brasil necessariamente um possível aliado da Alemanha.

Diferenças e semelhançasSe havia alguma incoerência no fato de a ditadura de Vargas entrar na guerra ao lado das democracias, haveria mais incoerência ainda numa aliança entre o Brasil e a Alemanha. Seria um absurdo um país multiétnico, de população miscigenada, aliando-se a uma ditadura que pregava a superioridade da raça ariana e a escravização e o extermínio das raças consideradas "inferiores".

Os que chamam a atenção para as semelhanças entre o Estado Novo e os regimes totalitários da Europa costumam se esquecer das diferenças entre esses mesmos regimes.

A ditadura brasileira tinha em comum com o nazismo e o fascismo a perseguição aos comunistas, mas perseguiu também os integralistas (que possuíam em seus quadros vários simpatizantes de Hitler e de Mussolini).

Se as técnicas de propaganda empregadas pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) para promover o governo Vargas no cinema e no rádio (a obrigatoriedade de transmissão do programa a Voz do Brasil é resquício dessa época) eram algumas das mesmas empregadas pela propaganda nazifascista, também guardavam semelhanças em relação a algumas das utilizadas pela propaganda do governo Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos (Roosevelt, um presidente eleito democraticamente, também se valia de um programa de rádio para falar ao seu povo).

Aliás, é possível que Vargas, em suas medidas paternalistas (que lhe valeram a fama de "pai dos pobres") e de

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intervenção estatal na economia, também tenha se inspirado no New Deal, o programa de medidas adotadas por Roosevelt para combater o desemprego nos Estados Unidos durante a crise econômica causada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929.

Outro fator que inviabilizava qualquer possibilidade de aliança entre o Brasil e a Alemanha era a aversão da opinião pública brasileira ao nazismo. O nazismo tentou fincar raízes no Brasil. Para isso, montou uma rede de propaganda: antes da entrada do Brasil na guerra, muitos jornais e revistas nazistas chegaram a circular entre a comunidade de imigrantes alemães nas regiões Sul e Sudeste.

Na verdade, havia simpatizantes do nazismo e do fascismo no Brasil tanto dentro quanto fora das colônias alemã e italiana. Apesar disso, o nazismo nunca conseguiu conquistar a simpatia da maioria dos brasileiros.

Entre os que repudiavam o nazismo estavam opositores do Estado Novo, como, por exemplo, os comunistas - que, por razões óbvias, nutriam simpatia pela União Soviética - e alguns membros do próprio governo Vargas, que eram simpáticos às democracias liberais (Estados Unidos, Inglaterra, etc.). Dentre estes últimos, Oswaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores.

Além disso, após os afundamentos de navios brasileiros e as passeatas da UNE exigindo que o Brasil declarasse guerra à Alemanha, grande parte da população brasileira passou a repudiar o nazismo, o que impediu o aumento de seus simpatizantes em território brasileiro.

Para saber mais Livros:Irmãos de armas: um pelotão da FEB na II Guerra Mundial, de José Gonçalves e César Campiani Maximiano. São Paulo: Códex, 2005. (O livro é um relato de caráter semi-autobiográfico. A co-autoria é de César Campiani Maximiano, doutor em História pela Universidade de São Paulo. Sem ser piegas, o livro é comovente em vários momentos.)

O Brasil na mira de Hitler: a história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas, de Roberto Sander. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. (Sem perder o rigor da pesquisa, a narrativa de Sander é tão envolvente quanto um bom romance de espionagem.)

National Geographic Brasil: Edição Especial, nº 63-A, São Paulo: Abril, 2005. (Edição especial lançada por ocasião dos sessenta anos do término da Segunda Guerra. Traz uma coletânea dos melhores artigos sobre o assunto já publicados pela revista. Há três reportagens sobre o Brasil.)

Filme:Senta a pua! - Direção: Erik de Castro. Brasil, 1999. (Documentário que conta a história dos pilotos da FAB durante a Segunda Guerra Mundial.)

JOSEF STALIN21/12/1879, Gori, Geórgia5/3/1953, Kunzewo, Rússia

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Stalin transformou a União Soviética em superpotência

Ossip (em georgiano) ou Iosif (em russo) Vissarionovich Djugatchvili, dito Stalin, filho de um sapateiro e de uma lavadeira, perdeu o pai cedo e, tendo também perdido os outros irmãos, foi criado pela mãe.

Após os primeiros estudos na escola religiosa russo-ortodoxa de sua cidade natal, foi enviado para o seminário na capital georgiana, Tbilisi (ou Tiflis). Revoltado com a disciplina do estabelecimento e influenciado pela leitura de romancistas realistas russos e de Darwin, acabou expulso do seminário, no último ano de estudos, 1899.

Entrou quase que imediatamente para a luta revolucionária. Militante do movimento social-democrático, membro do comitê clandestino de Tbilisi, em 1902 é preso e deportado para a Sibéria, de onde foge em 1904.

Em 1905 organiza uma greve geral em Baku; encontra Lênin no congresso partidário realizado na Finlândia. Preso novamente em 1908, é banido para Vologda, de onde foge no ano seguinte, dirigindo-se em junho para São Petersburgo. Eleito para o comitê central do Partido Comunista Bolchevique, é preso mais uma vez em 1910. Foge em meados do ano seguinte.

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Em 1912, colabora na fundação do jornal partidário Pravda (Verdade). Novamente preso em 1913, é exilado para o círculo polar ártico, de onde seria libertado, em março de 1917, pelo governo Kerenski. Dedica-se, então, inteiramente ao trabalho no Pravda.

Revolução RussaEm 1913 adota o nome por que ficaria conhecido: Stalin (homem de aço). Desempenha, na Revolução de Outubro de 1917, um papel principalmente de organizador. É nomeado comissário das Nacionalidades no Conselho dos Comissários do Povo.

Durante a guerra civil, participa ativamente da luta, sendo inicialmente enviado a Tsaritsin, cidade às margens do Volga que - de 1925 a 1961 - seria chamada de Stalingrado. O primeiro desentendimento sério entre Stalin e Trotski ocorre na luta em Tsaritsin, por questões de estratégia militar.

A 3 de fevereiro de 1922, Stalin é eleito secretário-geral do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em 1923, no congresso do partido, Stalin ataca abertamente a tese de Trotski sobre a "revolução permanente". Com a morte de Lênin, a 21 de janeiro de 1924, Stalin une-se a Kamenev e Zinoviev, sendo eleito sucessor de Lenin.

A luta aberta entre Stalin e Trotski é vencida pelo primeiro. Stalin também afasta da direção seus próprios aliados, Kamenev e Zinoviev, que discordam da tese do "socialismo em um só país", defendida por Stalin. Este perseguirá até a morte seus três oponentes.

Coletivização forçada da agriculturaSenhor da chefia do governo, Stalin dá início às reformas com que visa, primordialmente, ao fortalecimento da URSS. Lança o primeiro plano quinquenal em 1928, com o objetivo de priorizar a industrialização e "edificar o socialismo", passando para o Estado o controle de toda a atividade econômica.

Em 1929-1930 dedica-se à coletivização da agricultura, liquidando camponeses - pequenos, médios ou grandes proprietários de terras. São todos executados ou deportados em massa com suas famílias.

ExpurgosNo segundo plano quinquenal, procura dar maior ênfase ao desenvolvimento da indústria leve. Em 1936, ordena o início dos famosos processos de Moscou, que resultam em amplo expurgo nos quadros partidários, criando um clima generalizado de terror em todo o país. Milhares são presos, torturados e mortos. Nem mesmo as forças armadas ficam imunes, e vários de seus principais dirigentes são fuzilados.

Segunda Guerra MundialA 23 de agosto de 1939 firma um pacto de não agressão com a Alemanha hitlerista. No mês seguinte, anexa à URSS a parte leste da Polônia. Em março e setembro de 1940, respectivamente, ocupa partes da Finlândia e da Romênia.

Em 22 de junho de 1941, a Alemanha declara guerra à URSS. Stalin assume o comando supremo das forças armadas soviéticas, com o posto de marechal, em março de 1943.

Stalin passa a insistir com as nações ocidentais, já em guerra com a Alemanha, para que abram nova frente de luta, a fim de aliviar o campo soviético. Dissolve, em 1943, o Komintern, organização encarregada de fazer a ligação com os comunistas do mundo inteiro.

Participa de conferências com os dois dirigentes supremos dos EUA e do Reino Unido - Roosevelt e Churchill - em Teerã (1943), Ialta (1945) e Potsdam (1945 - com Harry Truman, que assumira a presidência dos EUA depois da morte de Roosevelt), estabelecendo as bases para o desenvolvimento e o desfecho da Segunda Guerra Mundial.

Terminada a guerra, já no começo de 1946 acentua-se a divisão entre os aliados da véspera, e Stalin passa a atacar os EUA como "imperialistas". É o início da Guerra Fria. Em 1947, ressuscita o Komintern, sob o nome de Kominform.

O bloqueio de Berlim - de 31 de março de 1948 a 12 de maio de 1949 - leva a divisão entre os dois campos a um ponto crítico. As divergências entre as principais nações capitalistas e o grupo socialista liderado pela URSS persistem até muito depois da morte de Stalin.

StalinismoEm 1953, no 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, o sucessor de Stalin, Kruschev, denuncia o "culto da personalidade" stalinista e os crimes e atrocidades atribuídos a Stalin.

Político duro e sem escrúpulos, Stalin usou seu poder para destruir todos os que surgiram em seu caminho. Temido e admirado, é, muitas vezes, retratado como um homem de inteligência medíocre, que conseguiu seu poder graças, exclusivamente, à esperteza impiedosa. Essa avaliação, contudo, é uma subestimação, pois a ideologia concebida por Stalin - que passou à história com o nome de stalinismo - teve grande importância na consolidação do regime soviético e de suas terríveis injustiças.

Enciclopédia Mirador Internacional; Dicionário do Pensamento Marxista (Jorge Zahar Editor)

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A ditadura fascistaÉrica Turci*Especial para a Página 3 Pedagogia & ComunicaçãoEntre 1922 e 1924, Benito Mussolini governou de forma conciliatória, não se sobrepondo ao poder do rei Vítor Emanuel 3o, o que não agradou a muitos dos membros do Partido Nacional Fascista, que queriam a instalação de uma ditadura. Mas aos poucos Mussolini foi organizando um governo paralelo.

Em janeiro de 1923, as milícias fascistas foram transformadas na Milícia Voluntária de Segurança Nacional. Ao mesmo tempo se formou o Grande Conselho Fascista, que se reunia às escondidas, com o objetivo de formular as diretrizes políticas para os membros do PNF que aos poucos iam assumindo cargos no governo. Tanto a MVSN quanto o Grande Conselho ficavam sob ordens diretas de Mussolini.

Em 1924 ocorreram eleições parlamentares na Itália, depois de uma ampla reforma eleitoral que privilegiava os interesses do PNF. Em meio a espancamentos e fraudes, os fascistas e seus aliados conseguiram 2/3 das cadeiras do Parlamento.

Numa das primeiras sessões do novo Congresso, em maio de 1924, o deputado socialista Giacomo Matteotti fez um discurso apresentando provas das inúmeras fraudes durante as eleições, exigindo sua anulação. Poucos dias depois, Matteotti foi seqüestrado e somente em agosto seu cadáver foi encontrado.

ViolênciaDiversos grupos antifascistas lançaram manifestos culpando Mussolini pelo assassinato do deputado Matteotti, o que só fez aumentar a violência das milícias fascistas, que aproveitavam da situação para pressionar o governo a acelerar a implantação da ditadura.

Em janeiro de 1925, Mussolini discursou diante da Câmara dos Deputados, assumindo a responsabilidade por todos os acontecimentos passados, sem especificar quais, e desafiando seus adversários. Ninguém se manifestou.

Entre 1925 e 1926, com o apoio do rei, dos industriais, do Exército e da Marinha, Mussolini promoveu uma ampla perseguição política, impondo o PNF como partido único, e iniciando a ditadura fascista, em que ele era o Duce (o guia) da nova fase política italiana.

A ditaduraA partir de 1925 a economia passou a ser firmemente controlada pelo Estado, com o apoio dos capitalistas italianos. Os prefeitos das cidades passaram a ser nomeados pelo rei, por indicação de Mussolini. A censura foi ampliada: a educação, as artes, os esportes, as rádios, o cinema e, até mesmo, o lazer da população seguiam as orientações fascistas. Foi criado o Tribunal Especial de Defesa do Estado, responsável pelo julgamento de "crimes" políticos, sendo juízes os oficiais da MVSN.

A filiação ao PNF era quase uma obrigatoriedade entre os italianos, pois só assim se poderia prestar concursos públicos, ter livre passagem entre as várias regiões ou exercer qualquer cargo no funcionalismo público. A sigla do partido fascista, PNF, era explicada comicamente, no humor popular como "Per necessitá familiare" (Por necessidade familiar).

Em abril de 1926 uma nova legislação trabalhista foi criada: patrões e empregados deveriam participar das 22 corporações organizadas pelo Estado, a fim de resolver seus embates dentro das leis impostas. Em cada corporação, empresários e empregados tinham o mesmo direito, o problema era que os primeiros apoiavam o fascismo e os segundos eram representados por sindicatos fascistas, os únicos que tinham permissão para participar das corporações.

A negociação de fato não acontecia, mas era uma tentativa de suprimir a luta de classes através do modelo corporativista fascista. Dessa forma Mussolini pretendia aniquilar as organizações trabalhistas e, ao mesmo tempo, aumentar o poder do Estado sobre as relações sociais. Mesmo não resolvendo as questões trabalhistas, o modelo corporativista era usado como propaganda de uma nova sociedade que o fascismo se propunha a construir.

Tal centralização política se intensificou quando o Grande Conselho Fascista foi oficializado em 1928, pois na prática incorporava os poderes legislativo e judiciário.

Tratado de Latrão (1929)As relações políticas entre a Igreja Romana e o Estado Italiano não foram fáceis desde o processo de unificação da Itália no século 19, principalmente por que o papado não aceitava perder o poder político sobre os antigos Estados Pontifícios.

Na perspectiva de resolver tal dilema e, ao mesmo tempo, ganhar o apoio dos católicos, Mussolini assinou com o papa Pio 11 três acordos, que ficaram conhecidos como Tratado de Latrão:

1. A Santa Sé teria sua soberania política dentro do Estado do Vaticano, ao mesmo tempo que reconheceria o Estado Italiano;

2. A Itália indenizaria o Vaticano pelos danos causados durante as guerras de unificação;

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3. A religião católica seria a religião oficial do Estado Italiano, sendo ensinada obrigatoriamente em todas as escolas.

Apesar das inúmeras medidas centralizadoras de Mussolini, o Estado Totalitário não se implantou efetivamente na Itália, pois a monarquia foi mantida, garantindo ao Rei Vitor Emanuel 3o parte do poder, ao mesmo tempo em que, a Igreja Católica, depois do Tratado de Latrão, passou a ter maior participação no cenário internacional e, também, na educação e na cultura italiana.

Quando o modelo fascista iniciou seu declínio durante a Segunda Guerra Mundial, tanto a Igreja quanto a monarquia, buscando manter seus privilégios, agiram de forma decisiva para tirar Mussolini do poder.

CAPÍTULO NOVEO LEVANTE INTEGRALISTAATAQUE AO PALÁCIO GUANABARA

"Putsch" é uma palavra da língua alemã, usada para designar golpe de estado. Foi com esse termo que ficou conhecido o levante integralista de 11 de maio de 1938, que tinha como objetivo liquidar o presidente da República, seus ministros e auxiliares diretos, implantando no Brasil uma ditadura elitista e corporativista, à sombra de Deus, mas guardada pela força das armas.

O "putsch" de 11 de maio não foi o início de uma nova era, mas o epílogo de um mal sucedido namoro entre o chefe dos integralistas, Plínio Salgado e o presidente da República, com falsas juras de uma união que Getúlio Vargas jamais pretendia realizar.

Em realidade, o movimento conspiratório que culminou com o ataque ao Palácio Guanabara era uma frente ampla que reunia várias forças contrárias a Getúlio e que, após o golpe do Estado Novo, pretendiam vê-lo fora do poder. Entre os descontentes estavam Otávio Mangabeira, ex-Ministro de Washington Luís, e Euclides Figueiredo, um dos comandantes da Revolução Constitucionalista de 1932, ambos na prisão. Insatisfeitos estavam também os candidatos frustrados de uma eleição que não se realizou: Armando de Sales de Oliveira, José Américo de Almeida e o próprio Plínio Salgado, sem falar no ex-governador gaúcho Flores da Cunha, que, forçado à renuncia, asilou-se no Uruguai, esperando uma oportunidade para a refrega. Adversários eram também o ex-governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti, envolvido injustamente no processo da Intentona Comunista de 1935, e o ex-governador da Bahia, Juraci Magalhães, às turras com o ditador, assim como o ex-prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, também transformado em réu da Intentona.

Havia, enfim, muita gente que, pelos mais variados motivos, desejava ver Getúlio longe do governo. Mas, sem sombra de dúvidas, eram os integralistas que possuíam a estrutura adequada, com uma vasta ramificação dentro das Forças Armadas e com uma milícia paramilitar supostamente bem treinada e em condições de realizar o golpe, com pleno sucesso.

Vale, pois, fazer um retrospecto da Ação Integralista Brasileira, da vida de seu chefe, Plínio Salgado, e dos acontecimentos que levaram à decisão de enfrentar o governo constituído, num ato de força em que todas as cartas eram jogadas de uma só vez.

Quem era Plínio Salgado

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Plínio Salgado nasceu em São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo, em 1895 e, dentro da escola modernista, desenvolveu sua carreira de escritor, publicando, entre outros livros, o romance "O Estrangeiro" e "Literatura e Política", este último, um ensaio contra as idéias liberais. Tinha uma concepção espiritualista conservadora, deixando-se influir pelo pensamento de escritores como Farias Brito (1862-1917), Jackson de Figueiredo (1891-1928) e Alberto Torres (1865-1917).

A partir de 1930, começam a surgir no Brasil legiões de extrema direita, baseadas no fascismo italiano e no nazismo. É então que Plínio Salgado, até então desconhecido do grande público e ainda novato na política (foi deputado estadual em 1928, cassado em 1930), começa a organizar seu movimento, tendo como inspiração, nem Hitler nem Mussolini, mas o ditador português Antônio de Oliveira Salazar. Com sua pregação, Plínio consegue reunir em torno de si as correntes mais conservadoras na política, na religião e nas Forças Armadas.

Em 1931, publica o "Manifesto da Legião Revolucionária" e cria o jornal "A Razão". No ano seguinte, funda a Ação Integralista Brasileira (AIB), ainda sem grandes adesões. Em sua primeira marcha na cidade de São Paulo, já no ano de 1933, a AIB não consegue juntar mais que quarenta pessoas, as quais se achavam já devidamente uniformizadas com a camisa verde, cor que passou a distinguir a agremiação.

Plínio Salgado era o cérebro e a alma do movimento integralista. Líder carismático, passou a atrair para si católicos praticantes preocupados com o desenvolvimento de seitas "espúrias", militares saudosos do "florianismo" e, sobretudo, estudantes, entusiasmados com as novas idéias, os quais encontravam, afinal, um elemento de polarização à direita, para combater o comunismo.

Desse ponto em diante, o integralismo cresceu de forma rápida e espantosa. Em 1935, ofereceu a Getúlio 100 mil milicianos para ajudar no combate ao comunismo. No ano seguinte, o movimento integralista já contava com 600 mil simpatizantes. Unindo-se à religião, defendendo ardorosamente o nacionalismo e a integridade familiar, representados pelo lema "Deus, Pátria e Família", estendeu seus tentáculos por todos setores de atividade, representando um poder paralelo que o governo não podia mais ignorar.

O golpe do Estado Novo

Rememoremos como se deu o golpe que implantou o Estado Novo no Brasil, em 10 de novembro de 1937. Vários meses antes, o jurista Francisco Campos e o general Góis Monteiro passaram a freqüentar com assiduidade o Palácio Guanabara, acertando com Getúlio Vargas um novo texto de Constituição para a implantação de um regime forte, como o eram os regimes de vários países europeus: Itália, Alemanha, Polônia, Portugal, Espanha e outros.

Para tomar pulso da situação, Vargas entrega ao jovem deputado Negrão de Lima a missão de percorrer o país e parlamentar com os governadores dos Estados – menos Bahia e Pernambuco, que lhe eram adversos – sondando-os sobre a possibilidade de apoio ao golpe palaciano, em troca da garantia de permanência em seus cargos. A missão deu bom resultado. Negrão voltou ao Rio no dia 3 de novembro com apoio maciço dos governadores. Dois dias depois, o Diário Carioca, furando o sigilo, publicou uma reportagem divulgando a "Missão

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Negrão de Lima", o que obrigou o governo a um desmentido: Havia, sim, consultas, mas para uma reforma constitucional, na forma da lei.

Dois meses antes, Plínio Salgado foi informado da reforma constitucional e prometeu seu apoio, em troca de garantias formais de que a Ação Integralista Brasileira, atuando como partido político, teria posição destacada no novo governo.

De dentro da AIB surgiu, como se fora de encomenda, o Plano Cohen, um falso plano comunista para tomada do poder e, com base nele, o governo obteve do Congresso autorização para decretar o estado de guerra.

Com o Presidente de mãos estendidas, Plínio julgava encontrar a grande oportunidade de se tornar um super-ministro, aplicando em efetivo as idéias difundidas pelo integralismo. Daí o apoio que emprestou ao governo com a grande demonstração de 1º de novembro, em frente ao Palácio Guanabara, perante Getúlio e seu "staff", quando cem mil integralistas, ladeados por duas colunas de fuzileiros navais, desfilaram, de forma ordeira e disciplinada, como uma bem treinada corporação militar. Esses desfiles continuaram nos dias seguintes pelas ruas do Rio de Janeiro, com a complacência das autoridades. E note-se que, há um mês, estava em vigor o estado de guerra, suspendendo, entre outras coisas, o direito de manifestação. Não para os integralistas, é claro.

No dia 8, Armando de Sales Oliveira envia um manifesto aos militares, alertando para a proximidade de um golpe e concitando-os a defender a ordem. Em 10 de novembro de 1937, com antecipação de cinco dias, as casas do Congresso amanhecem cercadas pela polícia. E às 10 horas da manhã é outorgada a Constituição que implanta no país o novo regime.

A Constituição do Estado Novo ("Polaca")

A Constituição outorgada por Getúlio Vargas ficou conhecida como "Polaca", por sua grande semelhança com a da Polônia. Era, todavia, uma colcha de retalhos, emendando trechos de Constituições totalitárias vigentes em outros países. De comum, suprimiam-se as liberdades individuais, colocando o Estado como poder supremo a dirigir os destinos da Nação.

Não ficou pedra sobre pedra. O novo regime acaba com os partidos políticos, transformados em sociedades culturais ou beneficentes; fecha a Câmara Federal, o Senado, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Nomeia interventores nos Estados, subordinados diretamente ao presidente da República (Os governadores que lhe foram fiéis permanecem nos cargos. O do Rio Grande do Sul já fora obrigado à renúncia. Foram afastados os de Pernambuco e Bahia e, meses depois, Cardoso de Melo, em São Paulo, era substituído por Ademar Pereira de Barros).

Institui a pena de morte para os crimes contra o Estado e a ordem pública, vale dizer, para os crimes chamados políticos. Os sindicatos são considerados livres, desde que reconhecidos pelo Estado, e com a sua diretoria aprovada pelo Ministério do Trabalho. Uma liberdade de canga, com o surgimento do "peleguismo", que era uma falsa liderança, atrelada ao poder central.

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Outra arma poderosa apareceu com a criação do DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda, encarregado da censura à imprensa, bem como responsável, doravante, pela divulgação do noticiário oficial, cultural ou com notícias que o governo julgasse conveniente publicar. O DIP organizou um corpo de redação de primeira linha, com jornalistas altamente treinados, que entregavam aos jornais matéria pronta para publicação. Ou por comodidade, ou por falta de opção, essa matéria chegou a ocupar mais da metade do espaço que a imprensa usava para o noticiário.

A decepção dos integralistas

A notícia da implantação do Estado Novo, nos moldes anunciados, caiu sobre a cabeça dos integralistas como um balde de água fria. A Ação Integralista Brasileira, a exemplo dos demais partidos, passava a ser uma simples associação. Nem Plínio Salgado, nem seus diretos colaboradores participaram da composição do ministério. Foram usados pelo governo para a consecução de seus próprios objetivos e depois jogados ao lixo, como peça descartável.

O Estado Novo criou suas próprias bases de sustentação, que dispensavam, a partir de agora, a ajuda dos camisas verdes. E o fez com militares fiéis ao regime, reunidos em torno do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Góis Monteiro; com setores rurais dedicados à exportação; com parte da classe média, simpática a regimes de natureza fascista; com empresários, aos quais se acenou com com créditos subsidiados e outras vantagens; e, principalmente, montou um sistema repressivo muito bem estruturado, que desestimulava qualquer reação.

Os integralistas não conseguiram assimilar a derrota. Tão certos estavam de sua participação destacada no novo regime, que eles haviam até organizado seu ministério, em torno de Plínio Salgado. O integralismo tinha um governo pronto e acabado, esperando somente o apelo de Getúlio Vargas para se encaixar no poder e iniciar o trabalho.

Não bastassem todas essas contrariedades, o governo acrescentou mais uma, que foi a gota a entornar a água do copo. No dia 3 de dezembro de 1937, um decreto de Vargas dissolve e coloca fora da lei a Ação Integralista Brasileira, que passa a viver na clandestinidade, sujeita às sanções da nova legislação, se insistir em sua atividade política.

Conspiração e ação

Jogados ao ostracismo, os integralistas se unem a outros grupos descontentes com o governo e passam a conspirar pela queda do novo regime. Plínio Salgado, em sua residência, em São Paulo, mantém reuniões com civis e militares fiéis a suas idéias, ou com descontentes com as novas regras do jogo, prontos a virar a mesa.

Os meses que se seguem são de confrontos e escaramuças entre integralistas e forças policiais, mas um plano de maior consistência vinha sendo traçado por Plinio Salgado, seus auxiliares diretos, e as outras forças fora do movimento integralista, porém, igualmente em confronto com o poder.

O "putsch" se daria na madrugada de 11 de maio de 1938. Ficou entendido que o "Chefe" seria preservado, ficando afastado da rebelião planejada. O comandante geral seria, então, o

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general João Cândido Pereira de Castro Junior, tendo como imediato o médico Belmiro Valverde. O tenente Severo Fournier faria o ataque ao Palácio Guanabara, com um grupo paramilitar, vestindo a farda dos fuzileiros navais.

O tenente Júlio Nascimento, da Marinha, em plantão no Palácio Guanabara, abriria os portões para a entrada dos rebeldes. Do alto de uma árvore, um atirador procuraria atingir o Presidente em seus aposentos. Outros grupos foram designados para, na mesma hora, prender o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, e o chefe do EMFA, general Góis Monteiro e outras autoridades militares em suas respectivas residências. Dois oficiais se apresentariam na prisão onde estavam Otávio Mangabeira e Euclides Figueiredo, levando ordem de soltura, após o que estes também assumiriam posições de comando. Por fim, seriam executados sumariamente ministros e membros destacados do governo, impedindo qualquer reação posterior.

É preciso observar que, se de um lado o plano contava com a colaboração de outros setores descontentes com o governo, por outro, ele causou uma cisão dentro do próprio integralismo, afastando uma grande parte de adeptos que era contrária à ação violenta, o que diminuiu o poder de Plínio Salgado. Em suma, nem todos os que participaram do levante eram integralistas e nem todos integralistas participaram do levante. Houve, sim, uma recomposição de forças em função dos interesses comuns naquele momento específico.

Nem tudo deu certo

Na teoria é uma coisa, na prática é outra. Na noite de 10 de maio, quase na virada para o dia 11, a ronda policial estranhou a intensa movimentação nas ruas e tentou parar um caminhão repleto de "fuzileiros", o qual saiu em desabalada carreira. Foi dado o alarme geral e aconteceram as primeiras prisões de revoltosos. Falhou, por conseqüência a tomada da Chefatura de Polícia e a prisão do Chefe de Polícia, capitão Filinto Müller.

O outro caminhão conseguiu ingressar no Palácio Guanabara, dentro do planejado, mas um tiro disparado acidentalmente alertou os que se achavam no prédio, que se prepararam logo para a reação.

Além disso, o plano continha uma omissão que lhes foi fatal. Conforme previsto, os telefones regulares foram todos silenciados, mas os integralistas se esqueceram de que o governo contava com uma rede telefônica oficial, baseada no PBX instalado no Palácio do Catete, o qual, pelo trabalho de um telefonista (era um homem que manejava o PBX) fazia a interligação dos palácios, dos quartéis, da Chefatura de Polícia e das casas dos ministros. Em suma, para cessar de todo a comunicação, era preciso tomar de assalto do Palácio do Catete e dominar o PBX, colocando-o a serviço da rebelião, detalhe não considerado nas planilhas de ataque.

Foi pelo telefone oficial que o general Góis Monteiro deu alarme à Chefatura de Polícia e ao forte de Copacabana, quando revoltosos tentaram arrombar as duas portas de seu apartamento. Foi por esse telefone, também, que Alzira Vargas conseguiu se comunicar com o mundo externo, dando conta dos apuros por que passava o palácio residencial da Guanabara.

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A Chefatura de Polícia, pelo mesmo telefone oficial, alertou o ministro da Guerra, que conseguiu sair de casa sem ser visto pelos homens encarregados de prendê-lo. Dutra reuniu, então doze soldados, colocou-os num caminhão e furou o cerco ao Guanabara, debaixo de uma saraivada de balas. Dois de seus homens morreram, Dutra saiu levemente ferido, mas conseguiram entrar no edifício, enquanto que os rebeldes estavam sendo contidos nos jardins do palácio.

O levante, visto por Góis Monteiro

Eis a versão dada pelo general Góis Monteiro sobre os acontecimentos da madrugada de 11 de maio:

"Cerca da meia-noite, dirigi-me ao meu apartamento, naquele tempo à rua Júlio de Castilhos, também em Copacabana. Aí chegando, entrei, por sorte minha, não pelo portão principal do edifício, mas por uma porta lateral de serviço. Creio que, assim, não pude ser visto pelos homens que então se encontravam nas imediações para me espreitarem. Precisamente à uma hora da madrugada, quando todos já adormecidos em meu apartamento, inclusive eu, fomos despertados por violentas pancadas nas portas, tanto na social como na de serviço. (...) Levantei-me sobressaltado e corri à porta social, mas fui detido por minha mulher que, não só apagou a luz, como pediu-me para que não a abrisse, pois as pancadas continuavam cada vez mais fortes.

"Fui ao telefone. Estava cortada a linha. Corri à varanda que dava para a rua e pude ver automóveis e caminhões, com gente armada, tendo um dos carros, sobre o estribo, granadas de mão, que pude reconhecer, do alto para baixo, devido à luz clara da lua. Entretanto, os assaltantes não se lembraram de que eu possuía um telefone oficial, com o qual pude comunicar-me com a Fortaleza de Copacabana, o Forte Duque de Caxias e a Polícia, solicitando o envio urgente de tropas de choque para acudir ao edifício onde me encontrava bloqueado.

"Depois disso, telefonei ao Palácio do Catete, Palácio Guanabara e Ministério da Guerra, avisando da ocorrência. Vim a saber, então, que rompera um movimento integralista no Ministério da Marinha e em outros pontos da cidade, mas meus informantes não me deram pormenores. Do Palácio Guanabara, a Sra. Alzira Vargas comunicou-se comigo, dizendo que o palácio estava sendo atacado e que ela me falava debaixo de balas. Pedia-me para acudir, pois a guarda, ou tinha sido dominada, ou se acumpliciara, estando o Presidente, com sua família, em situação de perigo. Fiz-lhe ver que o mesmo estava acontecendo comigo, mas que eu já havia tomado providências para salvar-me e, logo que eu pudesse, tomaria as demais providências que o caso exigia."

Reação aos ataques

Ainda, segundo a narrativa de Góis Monteiro, as patrulhas do forte de Copacabana chegaram e dispersaram os rebelados, liberando o apartamento. Então ele, já uniformizado, acompanhado de Virgílio de Melo Franco e Adalberto Aranha, dirigiu-se ao Ministério da Guerra, onde encontrou o general Eurico Gaspar Dutra e outros comandantes na tarefa de acabar com a rebelião, que contaminara inclusive uma parte da Marinha. Góis permaneceu no Ministério, enquanto Dutra seguiu para o campo do Fluminense F.C., nos fundos do Palácio

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Guanabara, onde se achavam tropas legais, aguardando a oportunidade de entrar no palácio e expulsar os assaltantes.

Foi nessa ocasião que, como vimos, Dutra e mais doze soldados entraram pela portaria dos fundos, apelidada de "Dondoca", e conseguiram chegar ao edifício onde se encontravam sitiados os demais.

O dia já clareava, cinco horas depois, quando, enfim, as tropas enviadas pela Chefatura de Polícia conseguiram penetrar no palácio, pondo em fuga o comandante revoltoso, Severo Fournier, que se homiziou nas montanhas e, mais tarde, pediu asilo à Embaixada da Itália. Não se sabe por que os dois contingentes, enviados pelo chefe da Polícia à uma hora da madrugada, levaram tanto tempo para entrar em ação.

Nesse ponto, a milícia integralista dentro dos portões do Palácio Guanabara, já ficara sem comando e sem ação. Os jovens idealistas, completamente dominados, foram acuados pelas tropas legais até os fundos do terreno e ali procedeu-se à execução sumária de todos eles, segundo a versão de Góis. Entre a ética e a força, prevaleceu a última.

Outra visão, de dentro do Palácio

Os mesmos acontecimentos dessa tormentosa madrugada, são narrados por Alzira Vargas, então com 22 anos, que morava no Guanabara, com seu pai, sua mãe e sua irmã Jandira e alguns hóspedes ocasionais.

"No silêncio da noite, ecoou um tiro. Nem me mexi. Minha cabeça estava começando a entrar em contato com o travesseiro para despedir a ameaça de enxaqueca. Além do mais, não era a primeira vez que isso acontecia. Um soldado sonolento apoiar-se à arma e, inadvertidamente, puxar o gatilho, era tão comum. Um segundo tiro me fez considerar que era muita coincidência: duas sentinelas distraídas, quase ao mesmo tempo. No entanto, só decidi renunciar ao meu repouso quando Jandira gritou assustada, abrindo a janela do quarto. Dois projéteis mais se alojaram, desta vez na parede, a poucos centímetros do batente de sua janela, em resposta imediata à sua imprudência.

"(...) No jardim, às escuras, uma porção de homens a paisana corriam, dando tiros contra as paredes do palácio e jogando ao chão qualquer coisa explosiva que eu supus serem bombas de alarme, pois nenhum dano faziam. Creio que a janela de Jandira foi visada logo porque, mal-informados, julgaram ficar nesse ponto o quarto de Papai.

"(...) Com a mais absoluta inconsciência, saí feita uma flecha em direção à Secretaria. Por ser o caminho mais curto, desprezei o corredor e passei por dentro dos quartos, que se comunicavam todos. Papai estava colocando o revolver à cintura, por cima do pijama e perguntou onde eu ia. Eu também não sabia.

"(...) O investigador de plantão, Manuel Pinto da Silva, estava em baixo, tentanto fechar a grade de ferro. Também tinha sido despertado de surpresa e, de pijama, ainda, empunhava uma metralhadora. Disse-me: ‘Parece que estão atacando o palácio. (...)"

Como se deu a invasão

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Alzira apresenta sua versão dos acontecimentos:

"A invasão se processara da seguinte maneira: pouco depois da meia-noite, dois enormes caminhões, cheios de homens disfarçados com o uniforme de fuzileiros navais, encostaram junto ao portão principal externo, entrada para a parte residencial. Estava fechado, como em todas as noites, pois o oficial-de-dia já dera ordem de recolher.

"Dentro da ‘Dondoca’, nome pelo qual era conhecido o pequeno abrigo que serve de primeira portaria, ficava sempre de plantão um soldado da Guarda Civil para atender ao telefone, abrir o portão aos moradores noctívagos ou receber alguma mensagem urgente. Estava no seu posto o perspicaz Josafá, que se tornou conhecido e popular nessa noite por seu destemor e sagacidade. Desconfiado daquela chegada extemporânea e da inusitada ordem para abrir o portão, fechara-o a chave.

"Os dois caminhões deram marcha-à-ré apressadamente e foram despejar sua carga em frente ao outro portão, igualmente de ferro, entrada da Casa da Guarda, onde foram fraternalmente recebidos por seu companheiro de traição, tenente Julio Nascimento. Invadiram o jardim com toda tranqüilidade, cercaram o palácio e ocuparam as posições estratégicas.

"Dentro da Casa da Guarda, entretanto, uma desagradável surpresa os esperava. Alguns fiéis, conservadores da tradição de lealdade do Corpo de Fuzileiros, ofereceram resistência e se recusaram a acatar as ordens de seu comandante. Travou-se uma pequena luta, de curta duração, em face da superioridade de número dos invasores. Foram fuzilados, mortalmente feridos ou maltratados e aprisionados, aqueles poucos que puderam reagir."

A defesa improvisada

O investigador de plantão a que nos referimos acima foi à procura de um soldado, amigo seu, para obter detalhes e recebeu voz de prisão. O "amigo" também fazia parte do "putsch".

Todos os moradores do palácio, presentes naquele instante, procuraram se proteger ou organizar a defesa: Getulio, Manuel Antônio (Maneco), Sarmanho, comandante Isac Cunha e outros atiradores disponíveis. Alzira pegou também uma arma, que não chegou a usar. Lutero Vargas e Benjamin Vargas estavam fora do palácio. Os empregados que dormiam no palácio também receberam armas para a defesa.

Alzira seguiu, rastejando, até o telefone convencional. Estava mudo. Tentou, em seguida a linha oficial e conseguiu contato com o PBX do Palácio do Catete, onde se achava de plantão o telefonista Floriano. Por meio dele, falou com o Chefe de Polícia, Filinto Müller que disse já ter mandado um contingente, comandado por Cordeiro de Farias, para cuidar do contra ataque.

Uma hora depois um carro entra sob rajadas de metralhadora. O ocupante era Benjamim Vargas, irmão de Getúlio, com dois amigos que trocaram informações sobre a situação. Benja ficou, enquanto os outros dois saíram, sob uma chuva de balas, em busca de ajuda, pois o reforço anunciado pela Chefatura não dera, até então, sinal de vida.

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Alzira continuou mantendo contatos pelo telefone oficial. Falou novamente com a Chefatura, que prometeu mandar mais um contingente. Falou com o general Góis Monteiro, que declarou-se sitiado em seu apartamento, nada podendo fazer. Falou com o ministro da Justiça, Francisco Campos, que declarou-se solidário com o Presidente, e só. Localizou Lutero Vargas, que disse estar à busca de reforços para invadir o palácio. Falou com o Posto da Polícia Militar, no alto do morro, o qual informou que cruzadores da Marinha estavam participando do levante e enviando sinais para os revoltosos em terra.

Novas rajadas de metralhadora e outro personagem irrompe das salas do palácio. Era Júlio Santiago, um amigo da casa, para informar que o ministro da Guerra, general Dutra, havia conseguido entrar pelo portão da "Dondoca" e aguardava instruções. Todos os que tentavam, conseguiam entrar e sair, menos as tropas enviadas pela Chefatura de Polícia, das quais não se tinha notícias.

A espera angustiante

A madrugada já ia avançada quando o Chefe de Polícia telefona a Alzira informando que Cordeiro de Farias, com seus homens, se achava acantonado no campo do Fluminense F.C., atrás do Palácio, aguardando o momento de entrar. Travou-se um diálogo exasperante entre os dois: "Que estão esperando? – protestou Alzira – que subam para nos prender? A maioria já fugiu, o número de sitiantes no jardim é reduzido. Somente a Casa da Guarda continua em poder dos atacantes, e nós não dispomos de armas."

À resposta de que as tropas não conseguem sair do Fluminense F.C., ela replica: "O general Dutra atravessou só. Não é possível que com a tropa não possam entrar." Informou ao Chefe da Polícia o lugar onde se encontravam os moradores do palácio e combinou de colocá-los todos atrás de uma parede mais grossa e resistente, para não serem atingidos pelos tiros.

Disse que o palácio tinha uma entrada alternativa entre o campo de futebol e o jardim do palácio (a "Dondoca"). Minutos depois, Filinto volta a telefonar para dizer que o portão dessa entrada estava fechado e não havia chave para abri-lo... Alzira explode: "Pois então, que arrebentem a porta a bala. Não estão armados?"

Finalmente, esse detalhe foi superado. O investigador Aldo Cruschen, que se achava dentro do palácio, se ofereceu para abrir a porta de comunicação e o fez, sem ser visto nem molestado. Cinco horas depois de acionadas, as tropas enviadas pela Chefatura de Polícia entravam, triunfalmente, nos jardins do palácio, quando já grande parte dos revoltosos já havia fugido, inclusive o tenente Fournier, que comandou o ataque, e o tenente Nascimento, que abriu os portões para a entrada dos revoltosos.

Há uma contradição neste ponto. Enquanto Góis afirma que os rebeldes remanescentes foram sumariamente fuzilados, Alzira descreve sua prisão:

"A resistência foi pequena, os que haviam agüentado entregaram-se quase que sem combate. Eram, em sua maioria, jovens quase imberbes e inexperientes, os que não haviam fugido. Os moços não fogem. A mocidade é que foge deles quando a voz da experiência começa a se fazer ouvir. Já tinham despido o simulado fardamento de Fuzileiro Naval e

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estavam à paisana. Traziam ao pescoço, como distintivo, um lenço branco, onde estava escrita a palavra ‘anauê’ ou ‘avante’, não lembro bem."

O desfecho, visto de dentro do palácio

Alzira conclui sua visão dos acontecimentos:

"Não fiquei sabendo nem como nem por que o general Eurico Gaspar Dutra foi o único membro do governo que conseguiu atravessar a trincheira integralista. (...) Não entendi, até hoje, embora os acontecimentos me tenham sido relatados por ele próprio, como conseguiu se libertar sozinho de seus atacantes, o general Góis Monteiro. Não sei como, nem por que, o general Canrobert Pereira da Costa foi raptado em trajes caseiros e apareceu prisioneiro na Esplanada do Castelo. Ignoro os motivos que obrigaram as tropas enviadas em nosso socorro gastar mais de cinco horas para percorrer menos de cem metros.

"Gostaria de saber as verdadeiras razões que impediram o coronel Osvaldo Cordeiro de Farias de abrir uma porta. Muita coisa ainda está envolta em mistério e não me atrevo a tentar desvendá-lo. Mesmo dentro do Palácio Guanabara devem ter ocorrido outras cenas que não presenciei, outros sentimentos que não pressenti, outros conflitos íntimos que não percebi.

"Acompanhei, sim, a luta surda que se processava em meu Pai, traduzida pelo ritmo inquieto de seus passos, marcando as perguntas sem resposta, que formulava sozinho. (...) Teria confiado demais? Valeriam a pena todos os sacrifícios que já havia feito? Sacrificara sua liberdade de pensar, seus sentimentos pessoais, suas convicções, para manter unido um país que teimava em se desunir. Valeria a pena?"

Durante o dia, contrariando a opinião geral, o presidente Getúlio Vargas sai para dar o habitual expediente no Palácio do Catete. E o faz a pé, sem seguranças, caminhando entre as pessoas para mostrar que não temia povo. Ao saber disso, Alzira corre e vai alcançá-lo, alguns quarteirões adiante:

"Alcancei-o quase na metade da rua Paissandu. Lentamente, em uma atitude mais do que de coragem, quase que de desafio, avançava em direção ao Catete. As janelas se encheram de fisionomias curiosas. Ninguém havia dormido nos arredores do Guanabara com o ruído das metralhadoras, à espera do inesperado. Das ruas laterais acorriam pessoas de todas as idades, que o seguiam. Durante todo o trajeto era saudado com palmas e exclamações de júbilo. Imperturbável, retribuía um aceno ou um sorriso, como se fora um fato comum o Chefe da Nação ficar cercado, prisioneiro, sem defesa, durante toda a noite, e ainda estar vivo e de bom humor."

Era o carisma que o sustentou por tanto tempo no poder, à revelia de todas as forças que queriam derrubá-lo.

O destino dos revoltosos

O tenente Severo Fournier, que comandou o ataque ao palácio, conseguiu escapar e asilou-se na Embaixada da Itália. Após demorados entendimentos, o governo brasileiro conseguiu a desqualificação de crime político e ele foi entregue às nossas autoridades para julgamento.

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O tenente Nascimento, que abriu os portões do palácio à invasão, não foi expulso da Marinha. Prosseguiu sua carreira com sucesso e, após o golpe de 1964, ainda conseguiu a patente de Almirante.

O médico Belmiro Valverde, assessor do "Chefe", assumiu sozinho toda a responsabilidade, foi preso, julgado e condenado.

Quanto ao "Chefe", Plínio Salgado, foi preso em 26 de janeiro de 1939 e enviado ao exílio, em Portugal. Em 1945, voltou ao Brasil, fundou o PRP-Partido de Representação Popular, mas foi punido pelo eleitorado, pois não conseguiu eleger nenhum representante à Assembléia Constituinte. Ainda em 1955 concorre à eleição para a presidência da República, ficando entre os últimos colocados.

A sorte lhe sorriu, finalmente, em 1958, quando se elege deputado federal, conseguindo reeleger-se depois em 1962, 1966 e 1970. Fiel às suas idéias, apoiou o golpe de 1964 e, durante o governo Médici, foi relator do projeto que reformulava a censura aos meios de comunicação. Morreu em 7 de dezembro de 1975, num momento em que o Brasil enfrentava os dias mais negros do autoritarismo. Se era o que queria, morreu vendo realizada parte de seus sonhos.

Tratamentos diferenciados

Tanto a intentona comunista de 1935, quanto o "putch" integralista de 1937, foram golpes armados, intentados contra as instituições, e executados de forma traiçoeira e covarde, à revelia da população brasileira, mas um e outro receberam tratamento diferenciado pelo poder.

A intentona passou a figurar no "index" das Forças Armadas, relembrada durante meio século, e usada para apontar o perigo comunista a ameaçar permanentemente a vida das instituições democráticas.

Já o levante integralista, igualmente radical, mas em posição simétrica ao comunismo, foi rapidamente absorvido e esquecido, tanto mais que as idéias propaladas por Plínio Salgado, em muito coincidiam, não só com o esquema montado pelo trio Getúlio-Dutra-Góis para se garantirem no poder, como representavam, em linhas gerais o pensamento da caserna.

Essa atitude de misericórdia, arbitrária e temerária, possibilitou, ao longo de nossa história, a tentativa seguida de golpes de direita, culminando com o atentado ao Rio-Centro, em 1981, até hoje não explicado suficientemente. Mas isso é outro assunto, para ser abordado em época oportuna.

Como tentativa de explicação para a tolerância oficial ao integralismo, podemos admitir o fato de que ele era nacionalista, não se filiando a qualquer corrente internacional. Ao contrário, o comunismo, tinha sua sede em Moscou, e de lá foram emanadas as ordens a Luís Carlos Prestes e irradiadas aos militantes, resultando no plano que levou ao levante frustrado de 1935. Foi, também, o comunismo internacional que enviou para o Brasil agentes estrangeiros, da Alemanha e da Argentina para subverterem a ordem em nosso território.

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Em resumo, o levante integralista de 1938, embora subversivo, ficou no mesmo plano das revoltas de 1922, 1924, da Coluna Prestes, da revolução de 1930 e do Estado Novo, em 1938, todos de cunho nacionalista e abominando a interferência estrangeira em negócios que só diziam respeito ao Brasil.