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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE ESTUDOS SÓCIO-AMBIENTAIS PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
EM GEOGRAFIA
ELAINE BARBOSA DA SILVA
A DINÂMICA SOCIOESPACIAL E AS MUDANÇAS NA
COBERTURA E USO DA TERRA NO BIOMA CERRADO
Goiânia
2013
ELAINE BARBOSA DA SILVA
Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Sócio-ambientais da Universidade Federal de Goiás como pré-requisito para a obtenção do título de Doutora em Geografia. Área de concentração: Análise ambiental e tratamento da informação geográfica. Orientador: Prof. Dr. Laerte Guimarães Ferreira Jr. Co-orientador: Prof. Dr. Fausto Miziara.
Goiânia
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GPT/BC/UFG
S586d
Silva, Elaine Barbosa da.
A dinâmica socioespacial e as mudanças na cobertura e
uso da terra no bioma Cerrado [manuscrito] / Elaine Barbosa
da Silva. - 2013.
148 f. : figs., tabs.
Orientador: Prof. Dr. Laerte Guimarães Ferreira Jr;
Coorientador: Prof. Dr. Flávio Miziara.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Goiás,
Instituto de Estudos Socio-Ambientais, 2013.
Bibliografia.
Inclui lista de figuras, Abreviaturas, Siglas e tabelas.
1. Cerrado – Solo – Uso. 2. Cerrado – Fronteira agrícola.
3. Agricultura – Modernização – Cerrado. I. Título.
CDU: 631.111.4(213.54)
ELAINE BARBOSA DA SILVA
A DINÂMICA SOCIOESPACIAL E AS MUDANÇAS NA COBERTURA E USO DA TERRA NO BIOMA CERRADO
Tese defendida no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Sócio-ambientais da Universidade Federal de Goiás como pré-requisito para a obtenção do título de Doutora em Geografia, aprovada em ____ de _____________ de 2013, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
_____________________________________________
Prof. Dr. Laerte Guimarães Ferreira Jr. - UFG Presidente
_____________________________________________
Profa. Dra. Celene Cunha Antunes Barreira – UFG Membro titular interno
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça – UFG Membro titular interno
_____________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Camargo Coutinho – Embrapa Membro titular externo
_____________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Bonfim Machado – UnB Membro titular externo
_____________________________________________
Prof. Dr. Eguimar Felício Chaveiro – UFG Suplente interno
_____________________________________________
Prof. Dr. Edson Eyji Sano – UnB Suplente externo
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Laerte, pelo que contribuiu para minha vida pessoal, profissional e acadêmica desde 2006, não medindo esforços para a boa condução do Lapig e das minhas pesquisas de mestrado e doutorado. Ao Professor Fausto, pela excelente co-orientação e pela amizade. Aos Professores Eguimar e João de Deus, pelas contribuições no exame de qualificação. Aos colegas do Lapig, em especial ao Genival, Adriano, Marlon, Arielle, Janete e Sílvio, pela participação no processamento dos dados, e aos professores Noely, Manuel, Fabrízia e Nilson, pelo apoio e incentivo. Ao Antonio dos Anjos, meu namorado, pelo companheirismo. À Antônia, minha mãe, pelo incentivo. Ao Celso, motorista da UFG que conduziu-nos durante a viagem de campo, pela boa vontade e alegria. À direção do Iesa e à coordenação do PPPGG, pelo empenho em dirimir as dificuldades enfrentadas durante a realização desta pesquisa. Aos dois últimos governos federais, pela ampliação e fortalecimento das universidades brasileiras. Ao povo brasileiro, que proporcionou esta nossa conquista.
TRAJETÓRIA ACADÊMICO-PROFISSIONAL
Entre 2002 e 2005 a autora cursou licenciatura em Geografia na
Universidade Estadual de Goiás (UEG), em Anápolis. No período de 2005 a
2006 cursou Especialização Lato Sensu em Geoprocessamento na Faculdade
Estácio de Sá, em Goiânia. De março de 2007 a março de 2009 cursou o
mestrado em geografia no Programa de Pesquisa e Pós-graduação em
Geografia (PPPGG) do Instituto de Estudos Sócio-ambientais (Iesa), onde
também cursou o doutorado aqui apresentado, entre março de 2009 e fevereiro
de 2013.
As atividades profissionais desde o ingresso na vida acadêmica tem
sido relacionadas às questões sócio-ambientais e à docência universitária.
Compôs o corpo de técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos (Semmarh) de Anápolis, durante o período de 2004 a 2011,
atuando na área de licenciamento e qualidade ambiental.
Atuou como professora na Faculdade Católica de Anápolis nos
cursos Sequencial em Gestão Ambiental e MBA em Gestão Ambiental, durante
o período de 2007 a 2011, e na Faculdade Senac, em Goiânia, no curso de
Gestão Ambiental, em 2009. Em março de 2011 ingressou como professora
substituta no Iesa/UFG, assumindo o cargo de professora efetiva nesta
instituição em janeiro de 2012.
RESUMO
O bioma Cerrado tem passado por intensas mudanças na cobertura e uso da terra desde a década de 1970, desencadeadas por ação estatal e particular que visavam implantar nesse espaço a agropecuária moderna. Como consequência, ocorreu a conversão de mais de 50% de sua cobertura vegetal e a fragmentação de grande parte dos remanescentes, bem como impactos de ordem sócio-territorial, como a migração de grande parte da população rural para as cidades. A presente pesquisa busca compreender essas transformações, privilegiando a dimensão espacial e temporal da substituição da vegetação natural pelas pastagens cultivadas e pela agricultura moderna. Tendo em vista que as pastagens representam a maior classe de uso das terras no Cerrado e que a produção de bovinos está intimamente ligada à sua ocupação, busca-se compreender a expansão das pastagens cultivadas desde a década de 1970, com base na espacialização de dados censitários para todo o bioma. Outro interesse é analisar os processos de expansão da fronteira agrícola no Cerrado em áreas de uso consolidado e onde a fronteira agrícola está em franca expansão. Nesse sentido, selecionaram-se quatro áreas para as quais foram elaboradas mapas de cobertura e uso da terra entre 1975 e 2010: a) o centro-sul goiano, representativa das áreas de Cerrado com uso consolidado; b) a porção central do estado do Mato Grosso, próximo à divisa do Cerrado com a Amazônia; c) o Extremo Oeste Baiano e; b) a região do Mapito, formada pela confluência dos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins. Evidencia-se que a distância dos grandes centros consumidores fez com que houvesse diferentes densidades de ocupação do espaço, modeladas pela demanda por produtos agropecuários e induzidas pela ação estatal. Assim, a porção centro-sul do bioma foi ocupada mais rapidamente pelas pastagens cultivadas e pela agricultura mercantil, criando aí uma fronteira agrícola tradicional, que precedeu a chegada das modernas técnicas de produção. A expansão da fronteira agrícola em espaços mais longínquos se deu mais recentemente e representa a consolidação da produção de commodities, cada vez mais conduzidas pelas ações privadas, tendo o Estado como um aliado estratégico. Consegue-se evidenciar, ainda, que tanto nas fronteiras agrícolas antigas quanto nas mais recentes as pastagens cultivadas disputam as melhores terras com a agricultura moderna, mas acaba por se conformar em áreas de solos menos férteis e mais declivosos, mantendo, por outro lado, a proximidade dos mercados consumidores, de modo que essas duas atividades se complementam na ocupação do bioma Cerrado, que mescla condições propícias ao desenvolvimento de ambas. Palavras-chave: Cerrado. Mudança na cobertura e uso da terra. Fronteira agrícola. Modernização da agricultura.
ABSTRACT
The Cerrado biome has faced intense changes in land cover / land use since the 70´s, related to both governmental policies and private initiatives focused on the implementation of modern agricultural practices. In result, more than 50% of its original vegetation has been converted and intensively fragmented, and large-scale migration towards urban centers, in addition to others social-territorial impacts, has occurred. Within this context, this study aims at understanding these transformations, prioritizing the spatial and temporal dimensions regarding the conversion to cultivated pastures and croplands. Considering that pastures represent the largest land use in the Cerrado, and that such occupation is the main driver behind beef production, this work specifically focused on pasture expansion, based on the spatially-explicit analysis of historical census data. Likewise, we also investigated the expansion of the Cerrado agricultural frontiers, for which four distinct areas, representing both consolidated, as well as frontiers in development were selected and mapped regarding land cover and land use changes from 1975 to 2010: a) the central-south portion of the Goiás State, representative of consolidated areas; b) the central portion of Mato Grosso, near the Cerrado – Amazon border; c) the Bahia western portion, and d) the MAPITO region, encompassing the convergence of the Maranhão, Piauí, and Tocantins states. Clearly, the proximity to major consumption centers, induced by the demand for agricultural commodities governmental incentives, drove land occupation, at different rates. Thus, the biome central-south region, occupied more rapidly with both cultivated pastures and crops, can be characterized as a traditional frontier, which anticipated the establishment of the modern agriculture. On the other hand, expansion of the agricultural frontier in more remote areas occurred more recently, according to the consolidation of the private driven and state supported commodity agriculture. It is worth of mentioning that in both consolidated and expanding frontiers, cultivated pastures dispute the more suitable lands with the crop agriculture. Although pastures are usually constrained to low fertility soils and higher slope terrains, it remains close to the consumption centers, confirming the Cerrado ability in properly accommodating both economic activities. Key-words: Cerrado, Land cover and land use change. Agriculture frontier. Agriculture modernization.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 Localização dos principais programas de ocupação do bioma Cerrado criados a partir da década de 1970, espacializados sobre o mapeamento da cobertura e uso da terra, referente ao ano de 2002 (Probio).................................................................... 18
Figura 2.1 Fluxograma dos dados e etapas metodológicas seguidos neste trabalho ............................................................................................................ 26
Figura 2.2 Evolução da área ocupada por pastagens permanentes (naturais e plantadas) no mundo, entre 1961 e 2009, e nos seis países com as maiores áreas ............................................................................. 31
Figura 2.3 Evolução do rebanho bovino no mundo, entre 1961 e 2010, e nos seis principais países produtores. ................................................................... 31
Figura 2.4 Área ocupada por pastagens no Brasil e nas regiões brasileiras, segundo os censos agropecuários de 1970 a 2006 ........................................................................................................................... 32
Figura 2.5 Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens naturais, segundo os censos agropecuários de 1970 a 2006 ........................................................................................................................... 33
Figura 2.6 Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens cultivadas, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006 ........................................................................................................................... 34
Figura 2.7 Pastagem natural, cultivada e total no bioma Cerrado, segundo os censos agropecuários de 1970 a 2006 .................................................. 35
Figura 2.8 Zonas de expansão das pastagens cultivadas no bioma Cerrado entre 1970 e 2006 ........................................................................................ 36
Figura 2.9 Fertilidade dos solos, polígonos de pastagens cultivadas (mapeados pelo Probio em 2002) e malha viária no bioma Cerrado ...................................................................................................................... 37
Figura 2.10 Mapas da ocupação por bovinos no bioma Cerrado, segundo os censos agropecuários de 1975 a 2006 e de pastagens degradadas em 2006. .............................................................................. 42
Figura 2.11 Evolução da área de pastagem cultivada (ha) e do efetivo bovino por estados do Cerrado (exceto PI, PR e DF), segundo os censos agropecuários de 1975 a 2006 .................................................. 41
Figura 3.1 Localização da área de estudo, conforme os limites estaduais, e em relação ao mapa de cobertura e uso da terra para a totalidade do bioma Cerrado em 2002. .................................................. 53
Figura 3.2 Exemplar de imagem antes e após o processo de classificação. ............................................................................................................. 55
Figura 3.3 Evolução espaço-temporal da cobertura e uso da terra na área correspondente à Cena 222/72, localizada sobre a 57
região centro-sul do estado de Goiás. .......................................................................
Figura 3.4 Evolução da agricultura, pastagem, vegetação natural e bovinos na região compreendida pela cena Landsat TM 222/72 ........................................................................................................................ 60
Figura 3.5 Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas na região compreendida pela cena 222/72, entre 1973 e 2010 ............................................................................................................... 61
Figura 3.6 Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens naturais, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006. .......................................................................................................................... 62
Figura 3.7 Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens cultivadas, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006 ........................................................................................................................... 62
Figura 3.8 Mudanças nos vetores de localização da agricultura e da pecuária antes e depois da modernização da agropecuária...................................... 65
Figura 4.1 Mapa da extensão total dos alertas de desmatamento gerados pelo Siad no Cerrado entre 2002 e 2010 e localização das áreas de estudo ................................................................................ 72
Figura 4.2 Evolução espaço-temporal da cobertura e uso da terra na área correspondente à cena 226/70, localizada no centro-sul do estado do Mato Grosso. .................................................................................. 75
Figura 4.3 Taxa de participação percentual cumulativa da área ocupada por cada classe mapeada em relação à situação em 2010 na cena 226/70 (centro-sul do estado do Mato Grosso), no período de 1975 a 2010 ......................................................................... 76
Figura 4.4 Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas e do efetivo bovino dos municípios compreendidos pela cena 226/70 (centro-sul do estado do Mato Grosso), entre 1973 e 2010 (municípios de Acorizal, Campo Verde, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Diamantino, Nobres, Nova Brasilândia, Nova Mutum, Nova Ubiratã, Paranatinga, Planalto da Serra, Primavera do Leste, Rosário Oeste e Santa Rita do Trivelato). ....................................................... 77
Figura 4.5 Evolução espaço-temporal da cobertura e uso da terra na área correspondente à Cena 220/68, localizada sobre a região do Extremo Oeste Baiano. .............................................................................. 80
Figura 4.6 Taxa de participação percentual cumulativa da área ocupada por cada classe mapeada em relação à situação em 2010 na cena 220/68 (Extremo Oeste Baiano), no período de 1975 a 2010. ............................................................................................ 82
Figura 4.7 Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas e do efetivo bovino dos municípios compreendidos pela cena 220/68, entre 1973 e 2010 (municípios de Dianópolis, Novo Jardim, Ponte Alta do Bom Jesus, Taguatinga, Cristalândia do Piauí, Sebastião 82
Barros, Angical, Barreiras, Catolândia, Cotegipe, Formosa do Rio Preto, Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia e São Desidério). ........................................................
Figura 4.8 Evolução espaço-temporal da cobertura e uso da terra na área correspondente à Cena 221/66, localizada sobre a região do Mapito ........................................................................................................ 85
Figura 4.9 Taxa de participação percentual cumulativa da área ocupada por cada classe mapeada em relação à situação em 2010 na cena 221/66 (Mapito), no período de 1975 a 2010 ........................................................................................................................... 88
Figura 4.10 Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens cultivadas, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006 ........................................................................................................................... 89
LISTA DE SIGLAS
Abiec Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne
Aiba Associação de Agricultores e Irrigantes do Oeste da Bahia
Bird Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
Cang Colônia Agrícola Nacional de Goiás
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Cop 15 15ª Conferência das Partes
Emater Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Goiás
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Fao Food and Agriculture Organization of the United Nations
Fapcen Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor Norte
FCO Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste
Fomentar Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás
Finor Fundo de Investimento do Nordeste
Fiset Fundo de Investimento Setorial
GEF Global Environmental Facility (Fundo Mundial para Meio Ambiente)
GEE Gases de Efeito Estufa
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Inpe Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Lapig Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento
MMA Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
Nasa National Aeronautics and Space Administration
PMDBBS Projeto de Monitoramento do Desmatamento dos Biomas Brasileiros por Satélite
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
Polocentro Programa de desenvolvimento dos Cerrados
Polonordeste Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
Probio Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira
Prodecer Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados
Produzir Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás
Siad Sistema Integrado de Alerta de Desmatamento
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 14
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 16
2 ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DAS PASTAGENS CULTIVADAS NO BIOMA CERRADO ENTRE 1970 E 2006 ................................................................................................................................ 23
2.1 Introdução ....................................................................................................................... 24
2.2 Dados e abordagens....................................................................................................... 25
2.3 Panorama histórico ......................................................................................................... 28
2.4 Pastagens no cerrado ..................................................................................................... 33
2.5 Considerações finais....................................................................................................... 45
3 A EXPANSÃO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA E A MUDANÇA NA COBERTURA E USO DA TERRA NO CENTRO-SUL DE GOIÁS, ENTRE 1975 E 2010 ...................................................................................................... 48
3.1 Introdução ....................................................................................................................... 49
3.2 Área de estudo ............................................................................................................... 52
3.3 Materiais e métodos........................................................................................................ 53
3.4 Mudanças na cobertura e uso da terra na cena 222/72 .................................................. 55
3.5 Vetores das mudanças na cobertura e uso da terra no cerrado antes e depois da modernização da agropecuária ...................................................................... 63
3.6 Considerações finais....................................................................................................... 66
4 AS MUDANÇAS NA COBERTURA E USO DA TERRA EM
FRONTEIRAS AGROPECUÁRIAS RECENTES DO CERRADO ENTRE
1975 E 2010 .................................................................................................................... 68
4.1 Introdução ....................................................................................................................... 69
4.2 Escolha das áreas de estudo .......................................................................................... 71
4.3 Etapas metodológicas do processamento das imagens ................................................. 71
4.4 Cena 226/70: centro do estado do Mato Grosso. ........................................................... 73
4.5 Cena 220/68: região do Extremo Oeste Baiano. ............................................................. 78
4.6 Cena 221/66: região do Mapito ....................................................................................... 84
4.7 Considerações finais....................................................................................................... 89
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 94
APÊNDICE A: METODOLOGIA DE PROCESSAMENTO DAS IMAGENS ....................................................................................................................... 103
APÊNDICE B: RELATÓRIO DE TRABALHO DE CAMPO NAS CENAS 220/68 e 221/66 .............................................................................................................. 110
14
APRESENTAÇÃO
A presente tese de doutorado compõe-se de artigos científicos e
apêndices e está organizada da seguinte forma:
1) Introdução, composta de uma descrição geral do tema tratado na
tese, i. e. a problematização, apresentada em forma de questões científicas, bem
como as hipóteses e os objetivos;
2) Desenvolvimento, que compreende três artigos, resultados
diretamente da pesquisa e correlacionados às questões científicas centrais;
3) Considerações gerais, onde são integrados todos os resultados
obtidos no desenvolvimento da tese;
4) Referências bibliográficas de todos os artigos;
5) Apêndices: A) Metodologia de processamento das imagens; e B)
Relatório do trabalho de campo.
Os procedimentos metodológicos, os resultados e as discussões
constam dos artigos, sendo que no apêndice “A” tem-se uma explanação mais
refinada da metodologia de processamento das imagens utilizadas no segundo e
terceiro artigos.
O primeiro artigo, intitulado “Análise da distribuição espaço-temporal
das pastagens cultivadas no bioma Cerrado entre 1970 e 20061”, busca analisar a
expansão das pastagens cultivadas e a evolução da produção bovina no Cerrado,
baseando-se nos censos agropecuários do IBGE, especializados conforme os
limites municipais históricos (reconstituídos durante esta pesquisa), em estudos
históricos e em dados de Sensoriamento Remoto.
O segundo artigo, sob o título “A expansão da fronteira agrícola e a
mudança de uso e cobertura da terra no centro-sul de Goiás, entre 1975 e 2010”,
tem como intuito compreender a dinâmica histórica da cobertura e uso da terra
em uma área de ocupação consolidada no bioma Cerrado, tendo por referência
os mapas de cobertura e uso da terra elaborados no âmbito desta pesquisa.
O terceiro artigo, “As mudanças de uso e cobertura da terra em
fronteiras agropecuárias recentes do Cerrado entre 1975 e 2010”, também se
baseia nos mapas de cobertura e uso da terra realizados nesta pesquisa,
1 Artigo submetido à revista IDeAS – Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade .
15
referentes a três áreas em franco processo de expansão da fronteira agrícola: o
centro-sul do estado do Mato Grosso, o Extremo Oeste Baiano e a região do
Mapito (acróstico que refere-se aos estados de Maranhão, Piauí e Tocantins), o
qual busca compreender os fatores intrínsecos e históricos da expansão dessas
fronteiras recentes, bem como a diferença entre essas áreas e entre aquelas com
ocupação consolidada.
O primeiro artigo encontra-se submetido e os outros dois estão em fase
de preparação para a submissão. Nos três, o segundo e quarto co-autores são o
orientador e o co-orientador da pesquisa. A terceira co-autoria é de Antonio
Fernandes dos Anjos, que tem o mesmo orientador e participa do mesmo projeto
de pesquisa em que a autora está inserida. O apêndice “A” é baseado em artigo
já aceito para o XVI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, tendo como
co-autores Genival Fernandes Rocha, Antonio Fernandes dos Anjos, Laerte
Guimarães Ferreira Jr., Adriano Silva de Faria, Janete Rego Silva e Arielle Elias
Arantes, todos pesquisadores do Lapig inseridos no trabalho de tratamento digital
das imagens utilizadas nesta pesquisa.
16
1 INTRODUÇÃO
O Cerrado é, dentre as savanas do mundo, a que possui as melhores
condições edafoclimáticas para a produção agropecuária (GOEDERT et al.,
2008). Essas condições naturais, associadas à correção da acidez e à fertilização
artificial, a partir da década de 1970, possibilitaram a produção de variadas
commodities agropecuárias (MIZIARA; FERREIRA, 2008), com elevada
produtividade, fazendo com que o Cerrado fosse visto cada vez mais como uma
das principais soluções para a fome no mundo (BORLAUG, 2003). Em função dos
vários impactos ambientais observados, como a redução e a fragmentação dos
ecossistemas (MACHADO, 2000; CARVALHO et al., 2009), o bioma Cerrado é
considerado como um dos hotspots da biodiversidade mundial (MYERS et al.,
2000).
O Brasil é reconhecido internacionalmente como um dos principais
países produtores de grãos e de carne bovina para exportação (MUELLER;
MARTA JÚNIOR, 2008; BRASIL, 2007; ANUALPEC, 2012). Esses resultados são
reflexos das políticas e estratégias de ocupação do território nacional, criadas
sobretudo a partir da década de 1970, quando o governo militar criou o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND) (BRASIL, 1975). No modelo pretendido, o
Estado teria o controle técnico e político da ocupação do território brasileiro e
induziria os setores da economia de acordo com a “vocação natural” de cada uma
das regiões do país, na intenção de implantar o que Becker (2001) chamou de
controle técnico e político de malha programada, particularmente visível na
Amazônia e no Cerrado. Neste contexto, o II PND enxergou na Região Centro-
Oeste, onde está boa parte do Cerrado, e na Região Norte, a “vocação” para o
desenvolvimento da agropecuária, visando atender os mercados interno e
externo.
Na Amazônia brasileira essas ações estatais tiveram como resultado o
desenvolvimento da agropecuária nas regiões denominadas Amazônia Meridional
e Amazônia Oriental, que grosso modo compõem o que se convencionou chamar
de Arco do Desmatamento da Amazônia, que faz limite com o Cerrado e até inclui
partes deste, abrangidas pela Amazônia Legal (RIVERO et al., 2009; ARRIMA et
al., 2005). No restante da Amazônia a expansão da agropecuária se viu
17
dificultada pelas condições naturais, sociais e políticas, sobretudo pela pressão
internacional para sua conservação. Ao Cerrado, por outro lado, coube o estigma
de área desocupada, dotada de fauna e flora menos importante, por isso
apropriada para se usada como “zona de sacrifício”, discurso hoje já combatido,
em vista da valorização do Cerrado e de estudos científicos acerca da
interdependência desses dois biomas (MALHADO et al., 2010).
No âmbito do II PND foi criado o Programa de Desenvolvimento dos
Cerrados (Polocentro), executado entre 1974 e 1979, tendo como foco principal o
desenvolvimento agropecuário no Cerrado, baseado na oferta de crédito e na
implantação de infraestrutura por parte do Estado. A partir do final da década de
1970 a iniciativa privada nacional e japonesa vinculou-se aos Estados brasileiro e
japonês na criação do Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o
Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), implantado em três fases, sendo a
primeira em 1979, a segunda em 1985 e a terceira em 1995, ainda em execução
(Figura 1.1). Dentre os seus principais objetivos estava a implantação de colônias
de assentamento em diversas áreas do Cerrado visando à produção de
commodities para exportação, com preferência pela soja (INOCÊNCIO, 2010;
OLIVEIRA, 2000). Essas colônias, compostas sobretudo por sulistas, tornaram-se
polos disseminadores da moderna produção, impondo aos pequenos produtores a
adesão a esse novo padrão técnico ou mesmo coagindo-os a vender suas terras
ou abandonar suas posses.
Em pouco mais de quarenta anos, a modernização da agropecuária no
Cerrado resultou em rápidas mudanças na cobertura e o uso da terra, como pode
ser verificado no mapeamento realizado pelo Projeto de Conservação e Utilização
Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) (SANO et al., 2010), que
teve como base a classificação e interpretação de imagens Landsat ETM+ de
2002. Este mapeamento confirmou a perda de aproximadamente 50% da
vegetação do Cerrado até 2002, além da fragmentação de grande parte de seus
remanescentes (Figura 1.1).
18
Figura 1.1 – Localização dos principais programas de ocupação do bioma Cerrado criados a partir da década de 1970, espacializados sobre o mapeamento da cobertura e uso da terra, referente ao ano de 2002 (Probio).
19
Em 1998, a importância biológica e social do Cerrado começou a ser
reconhecida, por meio do projeto Ações Prioritárias para a Conversão da
Biodiversidade do Cerrado e Pantanal (BRASIL, 1999). Outra importante iniciativa
foi o mapeamento realizado pelo Probio, numa conjugação de esforços do
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA),
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e do Fundo
Mundial para Meio Ambiente (Gef) (SANO et al., 2008). Além desse trabalho,
destacam-se o Sistema Integrado de Alerta de Desmatamentos (Siad Cerrado)
(FERREIRA et al., 2007), que foi pioneiro na geração sistemática de dados de
alertas de desmatamento para o bioma Cerrado, e o Projeto de Monitoramento do
Desmatamento dos Biomas Brasileiros por Satélite (PMDBBS), criado em 2008
pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama).
Ressaltada a grande importância dos estudos e dados acima descritos,
cabe frisar que a compreensão do processo de transformação da paisagem
natural e social do Cerrado ainda encontra-se em fase embrionária. Dada a
grande extensão espacial desse bioma e a grande amplitude temporal das
transformações socioespaciais, a maioria dos estudos já empreendidos seguiu
dois caminhos: tornaram-se análises detalhadas de pequenas áreas,
normalmente municipais ou microrregionais, ou estudos mais abrangentes
espacialmente, todavia alcançando explicações genéricas. Neste contexto, a
presente pesquisa seguiu a estratégia de correlacionar essas duas escalas de
análise, investigando as mudanças na cobertura e uso da terra, ao mesmo tempo
que buscando entender as ações de natureza hegemônica no espaço,
notadamente a ação estatal e a modernização da produção agropecuária.
Outra preocupação relevante nesta pesquisa é a forma como se deu o
avanço da fronteira agrícola. Embora a característica fundamental das discussões
sobre a fronteira na Geografia distinga-se das concepções sociológicas e
antropológicas por considerar as transformações econômicas capitalistas na
produção do espaço, a exemplo da urbanização (BECKER 1988, INOCÊNCIO;
CALAÇA, 2009; MARTINS, 2009), nesta pesquisa a fronteira agrícola é estudada
partindo de sua expressão espacial dada pelos mapas históricos, buscando-se
então as explicações não visíveis, como a ação do Estado, dentre outras. O
20
segundo artigo, ao tratar de uma fronteira antiga, mapeou uma surpreendente
sucessão de usos entre pastagens cultivadas e agricultura. Houve aí a
conformação de uma fronteira agrícola tradicional, que foi, com a chegada de
novas técnicas agropecuárias, transformada em uma fronteira agrícola moderna.
Houve um choque entre o tradicional e o moderno, com algum tempo para a sua
assimilação, diferentemente do que ocorreu nas outras três fronteiras recentes,
investigadas no terceiro artigo, onde inicialmente existiam produtores tradicionais,
em boa parte posseiros. Nessas áreas o modelo produtivo moderno chegou mais
bem arranjado técnica, política e economicamente, havendo, então, maior
violência. Essa violência, ainda que não seja o foco desta pesquisa, é evidenciada
nos mapas históricos pela rapidez na expansão e mudança dos usos.
Diante do exposto, esta pesquisa buscou responder as seguintes
questões:
a) Como os fatores naturais e antrópicos interferiram nas mudanças
na cobertura e uso da terra no Cerrado?
b) Qual o papel das pastagens cultivadas e da pecuária nas
mudanças na dinâmica de ocupação do bioma Cerrado?
c) Como a proximidade dos principais centros consumidores do
país influenciou a transformação das paisagens naturais e
antrópicas do Cerrado?
d) Qual a relação do Estado com a modernização da agropecuária
no Cerrado e por quais mudanças essa relação passou desde a
década de 1970?
e) Como a fronteira agrícola se diferenciou espacial e
temporalmente no Cerrado ao longo das últimas quatro décadas?
Essas questões estão centradas nas seguintes hipóteses:
21
a) As peculiaridades naturais, aliadas aos diferentes aportes de
infraestrutura ao longo do tempo, modelaram a ocupação do
Cerrado pela moderna agropecuária, criando espaços com
densidades econômica e demográfica diversas;
b) O avanço das pastagens cultivadas reafirmou a presença da
pecuária no Cerrado e possibilitou tanto o compartilhamento do
espaço com a agricultura quanto a ocupação de terras menos
férteis e mais declivosas;
c) O centro-sul do Cerrado foi ocupado pela agropecuária moderna
mais intensa e rapidamente que as áreas mais distantes da
Região Sudeste do país, em função da demanda por essa
produção, da qualidade dos solos e da maior densidade de
infraestrutura de transporte;
d) O Estado foi o grande articulador da ocupação do Cerrado pela
agropecuária, auxiliando a iniciativa privada, que, após realizar a
acumulação primitiva suficiente, passou a participar mais
ativamente e até independentemente das ações do Estado;
e) As primeiras áreas de fronteira agrícola no Cerrado foram
transformadas mais lentamente que as mais recentes,
caracterizadas pela concisa articulação técnica, econômica e
política e pela capacidade de transformar rapidamente os
espaços incorporados à produção.
Com vistas à validação destas hipóteses, esta pesquisa se apoiou
nos seguintes objetivos principais:
22
a) Analisar, a partir de dados censitários e análises
socioeconômicas, o processo histórico de avanço das áreas de
pastagens no bioma Cerrado;
b) Identificar, ao longo do tempo e do espaço, o impacto da ação
estatal nas mudanças de cobertura e uso da terra no bioma
Cerrado;
c) Analisar, com base em dados satelitários e censitários, o
processo de expansão e consolidação da fronteira agrícola no
bioma Cerrado.
23
2 ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DAS PASTAGENS
CULTIVADAS NO BIOMA CERRADO ENTRE 1970 E 2006
Analysis of the spatial-temporal distribution of cultivated pastures in the Brazilian savanna biome from 1970 to 2006
RESUMO
Em 2006, mais de 34% do bioma Cerrado era usado como pastagem, seguindo diferentes padrões de distribuição espacial. Este artigo busca analisar a expansão das pastagens cultivadas e da pecuária no Cerrado, entre 1970 e 2006, baseando-se em estudos históricos, nos censos agropecuários do IBGE e em dados de sensoriamento remoto. Os antigos limites municipais foram reconstituídos e os dados censitários foram mapeados. Verificou-se que a quantidade de pastagem cultivada aumentou até meados da década de 1980, quando começou a competir com a agricultura e a ser usada mais intensivamente. Notou-se ainda que as pastagens se expandiram de formas diferentes em cada porção do bioma e que a qualidade dos solos, a presença de infraestrutura viária e a proximidade de mercados consumidores influenciaram essa expansão. Trata-se, ainda, das pastagens degradadas, que hoje representam no mínimo 7% de toda a pastagem, constituindo-se num grande desafio econômico, social e ambiental para o desenvolvimento sustentável do bioma. Palavras-chave: Cerrado, Pastagem, Mapeamento histórico.
ABSTRACT
In 2006, more than 34% of Cerrado biome was already converted to pastures, according to different spatial distribution patterns. This study aimed to analyze the expansion of cultivated pastures and cattle ranching in the Cerrado, between 1970 and 2006, based on historical studies, IBGE census data, and satellite imagery. To this end, former municipality boundaries were reconstructed, in relation to which, census data was spatialized. It could be observed that the amount of cultivated pasture increased up to the early 80’s, when agriculture started to take over and pastures to be more intensively utilized. It was also noticed that the pastures expanded in different ways, regarding specific biome locations, soil quality, existent infrastructure, and the proximity to consumption markets. In this paper, we also considered pasture degradation, regarding both their spatial patterns and geographical associations. Amounting at least 7% of the entire cultivated pasturelands, degraded pastures represent a major social, economic and environmental challenge to the biome sustainable development. Key-words: Cerrado, Pastures, Historical mapping.
24
2.1 INTRODUÇÃO
O Brasil destaca-se no cenário internacional como o maior produtor
comercial e exportador de carne bovina (BRASIL, 2007; ANUALPEC, 2012),
cenário propiciado pela abundância de terras e pela variabilidade climática, que
contribuíram para a inserção de várias espécies de forrageiras e de bovinos
(LACORTE, 2002). Embora essa produção esteja presente em praticamente todo
o seu território, é na região Centro-Oeste que se concentra a maior parte do
efetivo bovino. É também nessa região que se encontra a maior porção do bioma
Cerrado, o que ao longo da história resultou em grande correlação entre a
produção bovina e a conversão de vegetação de Cerrado em pastagem.
No início da década de 1990, o Brasil aumentou sua participação no
mercado mundial de carne bovina, devido principalmente à desvalorização da
moeda nacional. Mesmo com a valorização do real frente a outras moedas, a
partir de 1994, o país manteve paulatino crescimento das exportações, tornando-
se o maior exportador, depois de ultrapassar as exportações australianas
(BRASIL, 2007). Por outro lado, como a produção bovina brasileira originou-se da
produção tradicional, pulverizada em pequenas e médias propriedades, grande
parte da produção nacional não se inseriu nos padrões técnicos de alta
produtividade. Foi também na década de 1990 que o consumo de frangos e
suínos aumentou nos mercados interno e externo, limitando o preço da carne
bovina. Assim, como o preço da carne, leite e couro bovinos passou a ser
fortemente influenciado pela produção tecnologicamente avançada e
intermediada por grandes frigoríficos, houve desestímulo à produção extensiva
rudimentar, que tem diminuído sua participação no mercado e abandonado as
pastagens, já degradadas (BARCELLOS, 1996). Neste contexto, faz-se
necessário conhecer os padrões espaciais da ocupação do Cerrado por
pastagens e entender como as condições socioeconômicas e ambientais
influenciaram a expansão desse uso.
Uma das dificuldades dos estudos relativos à dinâmica espacial das
pastagens no Brasil está no mapeamento dessa realidade. O levantamento
cartográfico realizado pelo Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da
Diversidade Biológica Brasileira (Probio), à escala de 1/250.000, a partir de
25
imagens de 2002 do satélite Landsat TM 7, é uma importante ferramenta para a
análise do uso do solo do Cerrado (SANO et al., 2007), haja vista a
disponibilização de dados quantitativos e geograficamente explícitos. Contudo,
estes dados são restritos ao ano de 2002, além de não permitirem a distinção
entre os diversos tipos de pastagens existentes no Cerrado e seu estado de
conservação.
Por sua vez, os censos agropecuários do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) podem auxiliar na compreensão e no diagnóstico
da expansão das pastagens no bioma Cerrado em função do extenso período
recenseado. A limitação dos censos está na generalização da informação para
toda a área do município e na organização de toda a base de dados conforme os
limites municipais do ano de 2007. Além disso, as bases cartográficas do IBGE
anteriores a 2007 não coincidem com as datas dos censos agropecuários. Faz-se
assim necessário reconstituir as bases cartográficas do Cerrado para a data de
referência dos censos agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985, 1995 e 2007,
visando a representação cartográfica em consonância com os dados estatísticos.
Em particular, esta pesquisa buscou compreender o processo histórico
de inserção do Cerrado na produção pecuária para exportação, correlacionando-a
com os fatores naturais, econômicos e políticos associados à distribuição espacial
das pastagens cultivadas no Cerrado ao longo das quatro últimas décadas.
2.2 DADOS E ABORDAGENS
Um componente fundamental deste trabalho foi o mapeamento dos
dados censitários do IBGE, que norteou a interpretação da dinâmica espacial das
pastagens no Cerrado. A figura 2.1 sintetiza a estruturação dos dados e análises
realizados.
26
Figura 2.1 – Fluxograma dos dados e etapas metodológicas seguidos neste trabalho
Desde 1920 o IBGE realiza censos das atividades rurais por meio da
aplicação de questionários aos proprietários. Até 1960 foram realizados os censos
agrícolas, que passaram a ser chamados de censos agropecuários a partir do
recenseamento de 1970. O censo agropecuário de 2006 utilizou metodologia de
coleta de dados diferente da dos anos anteriores, pois foi baseado em
questionário eletrônico e em refinamento após a coleta. Devido a essas
mudanças, os dados de 2006 e dos censos anteriores apresentam diferenças,
além de contar com onze anos de intervalo entre este e o censo de 1995, e não
cinco, como nos anteriores. Por esta razão, os mapas gerados correlacionam a
área dos municípios com os dados estatísticos, utilizando índices de área
municipal ocupada por pastagem e cabeças por mil hectares.
O mapeamento aqui apresentado distingue pastagens naturais e
cultivadas. O IBGE (2006) define como pastagem natural as áreas de pastos não
plantados, mesmo que fossem objetos de limpeza, gradeação ou outras
intervenções, utilizadas ou destinadas ao pastoreio dos animais. As pastagens
cultivadas são definidas como as áreas plantadas com espécies vegetais
destinadas ao pastoreio dos animais existentes no estabelecimento.
27
Houve duas etapas de organização de dados do IBGE. Na primeira
etapa realizou-se a reconstituição dos limites municipais do bioma Cerrado para
os anos de 1970, 1975, 1980, 1985, 1990, 1995 e 2006. Na segunda etapa
organizaram-se os dados de pastagem e de produção bovina para estas datas,
tendo sido elaborados os mapas de pastagem, infraestrutura viária e fertilidade
dos solos.
A reconstituição cartográfica fez-se necessária em razão de nenhuma
das bases anteriores coincidirem com as datas de referência dos censos
agropecuários (tabela 1).
Tabela 1 – Datas de referência das bases cartográficas e dos censos agropecuários do IBGE
Bases cartográficas 1991 1994 1997 2001 2005 2007
Censos agropec. 1970 1975 1980 1985 1995 2006
Especificamente, foram realizados os seguintes procedimentos:
1) Aquisição das bases cartográficas municipais em formato vetorial (shapefile)
junto ao IBGE;
2) Obtenção do histórico territorial e político junto ao IBGE (data de criação,
emancipação, desmembramento, criação, anexação e extinção de distritos e
mudança de toponímia);
3) Organização das tabelas, em planilha eletrônica, para verificação das
mudanças ocorridas nos limites municipais nos períodos de 1970-1974, 1975,
1976-1980, 1981-1985, 1986-1995 e 1996-2006;
4) Reconstituição vetorial dos limites municipais, tendo como base cartográfica
inicial a divisão municipal de 2007 e como bases de apoio aquelas de 1991,
1994, 1997, 2001 e 2005.
Após a reconstituição, verificou-se que houve mudança em 376
municípios. A quantidade de municípios do Cerrado não se alterou entre os anos
de 1970, 1975 e 1980, quando totalizavam 1.008. Nos anos de 1985, 1995, 2006
e 2007 os municípios somavam 1.039, 1.052, 1.368 e 1.384, respectivamente.
28
Contudo, não foi possível realizar a reconstituição de 19 municípios, tendo em
vista que os mesmos tiveram seus limites mudados a partir do desmembramento
de mais de dois municípios, não existindo bases cartográficas digitais de 1975 a
1990 a partir das quais se pudesse reconhecer esses limites. Além disso, o
documento básico para esse trabalho, Documentação Territorial do Brasil, do
IBGE, não apresenta os limites dos municípios criados ou desmembrados.
No processo de reconstituição optou-se por utilizar os limites integrais
dos municípios localizados nas zonas de transição entre o Cerrado e os outros
biomas, tendo em vista que ao eliminar parcialmente a área desses municípios o
dado estatístico atribuído a eles seria representado distorcidamente. Outra
possibilidade seria excluir totalmente os municípios da borda que tivessem menos
que a metade de sua área inserida no bioma, conforme realizado por Sano,
Barcelos e Bezerra (1999).
A divisão estadual atual foi utilizada em todos os mapas, ignorando-se
os desmembramentos estaduais, pois assim pode-se interpretar mais facilmente o
que ocorreu em cada um dos estados atuais. Da mesma forma, considerou-se
apenas a delimitação vigente do bioma Cerrado, disponibilizada pelo IBGE
(2006).
Na segunda etapa de organização dos dados do IBGE mapearam-se
os dados censitários de pastagem e de bovinos para o Cerrado a partir da base
cartográfica reconstituída. Por fim, os mapeamentos complementares foram
realizados a partir das bases cartográficas da malha rodoviária e de solos do
IBGE.
2.3 PANORAMA HISTÓRICO
Nas primeiras décadas do século XVIII, quando se iniciou a ocupação
da região atualmente conhecida como bioma Cerrado, a criação de bovinos em
pastagens naturais e a agricultura rudimentar ocorriam apenas para fornecer
alimentação à população que estava ocupada da única atividade estimulada pela
Coroa portuguesa: a extração de ouro. Com o declínio da mineração, após esse
período do ouro, a população que restou no Cerrado lançou mão da agropecuária
de subsistência e permaneceu isolada do litoral (DIAS, 2008). O gado vacum era
29
o único produto exportável, em vista da falta de transporte, pois o gado
autotransportava-se. Assim, a consolidação da colonização do Cerrado ocorreu
com base na bovinocultura extensiva.
Com a chegada das ferrovias e a abertura de novas estradas nos
estados de Goiás e Mato Grosso (NUNES, 1984; BORGES, 1990), a partir da
primeira década do século XX, a pecuária pode aumentar sua produção,
destinada a atender sobretudo o crescente mercado paulista. A agricultura
também pode crescer, todavia limitada pela baixa fertilidade natural dos solos.
Em seguida, na década de 1930, a Marcha para o Oeste, criada pelo
governo Vargas (CHAUL, 2001), buscou integrar o país por meio da ocupação do
Planalto Central e da Amazônia, além de aumentar a produção agrícola visando o
sustento das indústrias do centro-sul do país e a absorção do excedente
populacional de outras regiões do país. Durante o governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1961) houve maciço investimento em infraestrutura,
principalmente rodoviária, visando ao escoamento da produção do interior do
país. Os governos militares, a partir de 1964, incentivaram a ocupação das
regiões Centro-Oeste (Cerrado) e Norte (Amazônia). Na década de 1970, o
Estado produziu estudos que comprovavam o potencial agropecuário do Cerrado,
bem como técnicas para torná-lo mais produtivo (IPEA, 1976). Neste contexto, em
1974, criou-se o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que previa a
ocupação produtiva do território brasileiro de acordo com o potencial de cada
área. Surge assim o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro).
O Polocentro previu a ocupação de 3,7 milhões de hectares
distribuídos da seguinte forma: 1,8 milhões de hectares para lavouras, 1,2 milhões
para a pecuária e 700 mil hectares para reflorestamento (ALENCAR, 1975). Para
a intensificação da pecuária foram inseridas gramíneas exóticas das espécies
Panicum, Pennisetum, Andropogon e principalmente Brachiaria, substituindo
pastagens naturais ou mesmo a agricultura em alguns casos (MARTHA JÚNIOR;
VILELA, 2002). Essas novas espécies de pastagem possibilitaram a criação de
cinco a dez vezes mais animais por área que na criação com pastagem natural
(BROSSARD; BARCELLOS, 2005). Ainda que o Polocentro não tenha sido
executado em sua plenitude, o padrão técnico da agropecuária do Cerrado
começou a se transformar irreversivelmente, com a tecnologia mais avançada
30
servindo de parâmetro para toda a produção. Assim, a quantidade de pastagens
cultivadas aumentou significativamente tanto nas áreas abrangidas pelo programa
quanto nas que não foram objeto de sua ação direta, já que durante os governos
militares os créditos agrícolas abaixo das taxas de juros de mercado e os
incentivos fiscais eram facilmente concedidos aos médios e grandes produtores
(SILVA, 1981). Esse programa, além do seu sucessor, o Programa de
Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer),
entre 1978 e 2001, transformou o Cerrado no bioma produtor de grande parte dos
alimentos e matérias-primas que atendem ao mercado interno e externo
(INOCÊNCIO, 2010).
Atualmente, o Brasil é o quarto país do mundo em área de pastagem e
o maior produtor comercial de bovinos (figuras 2.2 e 2.3) (FAO, 2012). O efetivo
bovino, por sua vez, sempre manteve crescimento mais acelerado que o da
pastagem, haja vista a intensificação das práticas de manejo e aumento da
produtividade, apesar do caráter ainda extensivo da criação, com lotação pouco
maior que uma cabeça por hectare. Por outro lado, a criação extensiva, baseada
em pastejo, aliada ao clima tropical, tem contribuído para a sanidade dos animais
no Brasil, já que o confinamento e a alimentação sintética aumentam o risco de
acometimento por doenças, como a encefalopatia espongiforme bovina,
conhecida como o mal da vaca louca, que se tornou epidemia nos rebanhos
europeus em 2003, fazendo com que o Brasil aumentasse suas exportações
(BARBOSA; SOUZA, 2007).
Quando se analisa a quantidade de pastagem em todo o Brasil e nas
regiões percebe-se que, embora a pecuária tenha apresentado rápido
crescimento, a área ocupada por pastagem tem diminuído desde o final da
década de 1980 (figura 2.4). As regiões Sudeste e Sul, tradicionais regiões de
pecuária, tem diminuído continuamente sua produção, ao passo que as regiões
Centro-Oeste e Norte, grosso modo o Cerrado e o “arco do desmatamento” da
Amazônia, tem encabeçado a pecuária do país (RIVERO et al., 2009). Sobretudo
na Amazônia, o crescimento da pecuária ainda segue os moldes tradicionais de
expansão horizontal, de baixa produtividade.
31
Figura 2.2 – Evolução da área ocupada por pastagens permanentes (naturais e plantadas) no mundo, entre 1961 e 2009, e nos seis países com as maiores áreas
Fonte: FAO (2012)
Figura 2.3 – Evolução do rebanho bovino no mundo, entre 1961 e 2010, e nos seis principais países produtores
Fonte: FAO (2012)
32
Figura 2.4 – Área ocupada por pastagens no Brasil e nas regiões brasileiras, segundo os censos agropecuários de 1970 a 2006
Em 2002, o Cerrado era o bioma mais ocupado por pastagens, seja em
área absoluta, ou em percentual por bioma (tabela 2), contribuindo com quase
metade de toda área de pastagem do país.
Tabela 2 – Área total e de pastagem dos biomas brasileiros segundo mapeamento do Probio em 2002.
Biomas Área total (ha) Área de pastagem
Área (ha) % do bioma
Amazônia 419.694.300 24.580.800 5,86
Cerrado 203.644.800 54.624.600 26,82
Mata Atlântica 111.018.200 29.560.700 26,63
Pantanal 15.035.500 1.651.700 10,99
Pampa * 17.649.600 9.673.500 54,80
Caatinga * 84.445.300 29.375.600 34,78
* Para estes biomas o mapeamento agrupou agricultura e pecuária em uma mesma classe. Fonte: IBGE (2006)
33
2.4 PASTAGENS NO CERRADO
Conforme a figura 2.5, a área ocupada por pastagens naturais era
grande nos anos de 1970, 1975 e 1980, ocorrendo o paulatino declínio nos anos
de 1985, 1995 e 2006, quando as pastagens cultivadas passaram a se difundir no
bioma Cerrado (figura 2.6).
Figura 2.5 – Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens naturais, segundo os censos agropecuários de 1970 a 2006
Nota: nas legendas das figuras 5, 6 e 10, a categoria de menor valor destoa
da sequência de cores para se representar a “quase ausência” desses tipos
de pastagem nos municípios.
34
Figura 2.6 – Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens cultivadas, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006
Desde meados da década de 1980 as pastagens totais começaram a
diminuir no Cerrado (figura 2.7). Quando comparadas as áreas ocupadas por
pastagens naturais e cultivadas, observa-se que até meados da década de 1990
houve intensa substituição de pastagem natural por cultivada. A mudança nas
curvas, entre 1995 e 2006, deve-se a dois motivos principais: 1) as pastagens
cultivadas passaram a competir com a agricultura, elevando o preço das terras e
fazendo com que a adoção de técnicas mais avançadas e a diminuição dos
pastos tornassem-se rentáveis; 2) o aumento das pastagens naturais relaciona-se
ao avanço da pecuária sobre áreas de fronteira e à metodologia do IBGE, que
considera pastagem natural apenas aquelas utilizadas para pastejo. Assim, as
fitofisionomias do Cerrado caracterizáveis como pastagem (campo limpo, cerrado
ralo), somente o são quando estiverem em uso produtivo, que tem aumentado em
função da ocupação de novas áreas.
35
Figura 2.7 – Pastagem natural, cultivada e total no bioma Cerrado, segundo os censos agropecuários de 1970 a 2006
As figuras 2.5 e 2.6 mostram que a expansão das pastagens cultivadas
no Cerrado apresentou significativa variabilidade espacial, sendo intensa em
algumas áreas, média em outras e fraca ou tardia em certas porções (figura 2.8).
A expansão intensa de pastagens cultivadas ocorreu em apenas
alguns municípios durante a década de 1970. A partir da década de 1980, torna-
se mais clara a concentração espacial em duas zonas específicas:
a) Zona de expansão intensa 1: inclui o oeste do estado de São Paulo,
passando pelo Triângulo Mineiro e chegando ao centro-leste do estado do
Mato Grosso do Sul;
b) Zona de expansão intensa 2: compreende o centro-noroeste de Goiás.
36
Figura 2.8 – Zonas de expansão das pastagens cultivadas no bioma Cerrado entre 1970 e 2006 Fonte: Os autores, a partir dos dados do IBGE (2006) e da ABIEC (2012)
A zona intensa 1 foi criada diretamente pelo mercado consumidor do
estado de São Paulo. Aí, a expansão das pastagens cultivadas ocorreu na
década de 1960, ocupando algumas antigas fazendas de café (SILVA, 1981;
37
MONBEIG, 1984). Contudo, na década de 1970 a fronteira agropecuária
extrapolou os limites do estado e chegou ao Mato Grosso do Sul, ainda pouco
explorado, e à região do Triângulo Mineiro, que já era tradicional produtora de
bovinos. Toda essa expansão das pastagens na década de 1970 e 1980 se deu
em função da facilidade de escoamento da produção bovina para o maior
mercado consumidor do país, o próprio estado de São Paulo. Essa configuração
dura até o início da década de 1990, quando a retomada do crescimento
econômico nacional fez com que muitas áreas de pastagem cultivada cedessem
lugar às commodities, sobretudo cana, soja e milho, que, além de atender ao
mercado interno, passaram a ser exportadas. A favor dessa expansão da
agricultura esteve a relativa boa fertilidade natural dos solos da zona intensa 1
(figura 2.9).
Figura 2.9 – Fertilidade dos solos, polígonos de pastagens cultivadas (mapeados pelo Probio em 2002) e malha viária no bioma Cerrado Fonte: IBGE (2006); dados do Probio (SANO et al. 2007)
A zona intensa 2 tem como gene a capital do estado de Goiás, que
induziu a instalação de infraestrutura viária e se constituiu no mercado
consumidor inicial dessa produção pecuária, desde a década de 1930. A criação
de Brasília, no final da década de 1950, também contribuiu para o crescimento da
pecuária nessa zona, pois induziu a abertura de novas rodovias e ampliou o
38
mercado consumidor. A partir da década de 1970 essa produção começa a se
deslocar para o centro-noroeste goiano por meio do prolongamento da GO-164,
que passou a ser conhecida como “Estrada do Boi” (BARREIRA, 1997). Desde a
década de 1980, Goiânia e Brasília tornam-se metrópoles e a exportação de
carne do estado de Goiás ampliou-se muito desde o final da década de 1990.
Essa zona tem perdido menos espaço para a agricultura do que a zona intensa 1,
já que está localizada em área de solo menos fértil (figura 2.8). Além disso, a
zona intensa 2 está na área central do bioma Cerrado, onde o regime climático é
mais regular que o das áreas de transição com outros biomas (SANO,
BARCELOS; BEZERRA, 1999), fazendo com que a pecuária dessa zona enfrente
menos estiagens prolongadas ou o excesso de chuvas.
Como visto, as zonas intensas 1 e 2 são áreas de ocupação mais
antiga e intimamente ligadas à proximidade de um mercado interno indutor desse
crescimento. Há, contudo, dois apontamentos necessários. A mesorregião Norte
de Minas Gerais apresentava grande percentual de pastagem cultivada em alguns
municípios na década de 1970, assim como as zonas intensas 1 e 2. No entanto,
a pecuária cedeu lugar à agricultura a partir da década de 1980. Uma das razões
é a influência do clima semiárido, que torna a fruticultura irrigada mais rentável
que a pecuária extensiva. A mesorregião Noroeste de Minas Gerais também
apresentou diminuição das pastagens, neste caso em função da produção de
commodities, sobretudo soja, milho e café (SANTOS; BARBIERI; CARVALHO,
2008). Um segundo caso específico é o recente crescimento das áreas de
pastagens no nordeste do estado de Mato Grosso até a região conhecida como
“bico do papagaio”, no estado do Tocantins. Pode-se ver que nessa área é mais
intenso o que acontece em quase todos os municípios da zona de transição entre
Cerrado e a Amazônia: os solos não são muito rentáveis à agricultura, mas
conseguem abrigar pastagens dadas ao pastoreio extensivo de bovinos.
Atualmente, a pecuária é considerada o principal vetor do desmatamento no
chamado “arco do desmatamento” da Amazônia (RIVERO et al., 2009).
A área de expansão média das pastagens cultivadas no bioma Cerrado
também se formou a partir da segunda metade da década de 1970. Grosso modo,
essa expansão significou a generalização das pastagens cultivadas no bioma
Cerrado, acompanhada do incremento da produção pecuária, visto que a maior
39
parte dos solos do Cerrado é propícia às pastagens exóticas (REATTO;
MARTINS, 2005). Contudo, fatores como a infraestrutura viária e a proximidades
dos mercados consumidores modelaram a forma de ocupação do Cerrado pelas
pastagens, a exemplo do que Rodrigues e Miziara (2008) verificaram no estado
de Goiás. O principal exemplo disso foi o desenvolvimento da agropecuária ao
longo da rodovia BR-153, também conhecida como Belém-Brasília ou
Transbrasiliana. Tão logo foi implantada, há mais de 50 anos, essa rodovia
reconfigurou a rede urbana e produtiva às suas margens, fato muito visível no
estado do Tocantins, onde se pode ver a forte expansão das pastagens cultivadas
(figura 2.8).
Quanto ao papel da proximidade do mercado consumidor, pode-se ver
que essas áreas de expansão média das pastagens cultivadas são um
prolongamento dos efeitos que criaram as zonas intensas, pois o mesmo mercado
consumidor e, mais recentemente, a exportação deram vazão a essa produção.
Nesse sentido, as zonas de expansão média enfrentam, por um lado, maiores
distâncias dos mercados consumidores, mas, por outro lado, tem a seu favor
terras mais baratas, onde a intensificação tecnológica não é tão necessária
quanto nas zonas intensas, que estão em situação de competição com outros
usos da terra e necessitam manter alta produtividade (FERREIRA, 2009).
A expansão fraca ou tardia das pastagens ocorreu em seis zonas
isoladas entre si no Cerrado: o norte do Maranhão; o centro-norte do Mato
Grosso; a região “ma-pi-to-bá”, confluência dos estados do Maranhão, Piauí,
Tocantins e Bahia; o oeste da mesorregião do Extremo Oeste Baiano; o centro-
norte de Minas Gerais e o centro-sul do Tocantins. Essas seis zonas fracas tem
em comum a presença de solo arenoso, naturalmente pouco fértil, que atuou
como empecilho ao desenvolvimento da pastagem plantada. Somente se aí a
pecuária fosse intensiva seria possível investir o mesmo que a agricultura em
tecnologia de tratamento do solo. Todavia, o pecuarista correria grande risco de
não obter retorno desse investimento, pois teria que competir com o produto
advindo de terras que requerem menor investimento. Ora, tratar o solo para
criação de gado significa corrigir acidez e fertilizar quase um hectare para cada
animal, no sistema de criação extensiva, enquanto o retorno financeiro de um
hectare plantado com commodities é muito maior.
40
O norte do Maranhão é composto por solos extremamente pobres,
facilmente erodidos pelas trilhas do gado, de modo que aí a criação de bovinos
encontra sérias dificuldades (figura 2.8). O centro-norte do Mato Grosso também
é formado por solos arenosos. A esta dificuldade se soma a distância do mercado
consumidor e a condição das vias. Assim, a agricultura, baseada na
transformação química do solo, é a atividade mais comum. A região ma-pi-to-bá
caracteriza-se por relevo acidentado, intercalado com chapadões de baixa
fertilidade natural. Historicamente, essa região teve dificuldade de ocupação
produtiva devido à falta de infraestrutura e à distância do litoral nordestino, onde
está a maior parte da população. Nas últimas duas décadas a agricultura
moderna tem ocupado seus chapadões, de modo que a pastagem artificial não
consegue competir, pois precisaria do mesmo investimento em correção de
acidez e fertilização do solo que a agricultura tem demandado.
O oeste da mesorregião do Extremo Oeste Baiano e seu
prolongamento pelo noroeste de Minas Gerais está assentado sobre cobertura
sedimentar rica em areia, por isso pouco fértil (figura 2.8). Até meados da década
de 1970 essa área havia sido pouco explorada produtivamente, em vista da
restrição viária e da baixa fertilidade natural dos solos (BRANNSTROM, 2009;
SILVA et al., 2011). A partir do final dessa década, essas terras baratas começam
a receber calcário e fertilizantes, tornando-se numa das áreas mais produtivas e
de maior produtividade do bioma Cerrado (MENDONÇA, 2006). O predomínio de
commodities (soja, algodão e milho) fez com que a presença de pastagens nessa
área nunca fosse muito expressiva.
O centro-norte de Minas Gerais possui planossolos pouco férteis e
relevo acidentado, portanto impróprio para as pastagens. O centro-sul do
Tocantins possui argissolos, plintossolos e planossolos, todos também pouco
férteis.
Como visto, as zonas de expansão fraca ou tardia de pastagens estão
fortemente ligadas à baixa qualidade dos solos, enquanto as zonas de expansão
média e intensa contam com solos melhores, sobretudo os Latossolos, que
ocupam quase metade de todo o Cerrado (BROSSARD; BARCELLOS, 2005).
Assim, a divisa entre os estados de Goiás e do Mato Grosso pelo Rio Araguaia é
41
uma separação natural entre tipos de solo (figura 2.8), que deu origem a
diferentes padrões de expansão das pastagens cultivadas.
A figura 2.10 sugere grande correlação entre a expansão das
pastagens cultivadas e o aumento do efetivo bovino, o que seria esperado.
Contudo, é importante assinalar que a concentração da produção bovina nas
duas zonas intensas já citadas indica também que o padrão técnico produtivo
dessas áreas é mais avançado que aquele das zonas de expansão média das
pastagens. Isto por que essa produção, sobretudo a mais próxima do estado de
São Paulo, precisa competir com a produção agrícola. Daí a necessidade de se
aumentar a produtividade (cabeças por hectare) por meio do confinamento e
melhoramento genético de forrageiras e de animais (BARCELLOS, 1996). O
resultado dessas práticas para o setor é que as zonas de expansão média e fraca
ou tardia de pastagens cultivadas e de bovinos, ao investirem menos em
tecnologia, operam com produtividade muito abaixo daquela das zonas intensas,
de modo que aí as áreas de pastagem degradada, muitas delas naturais, são
relativamente maiores do que onde se emprega mais capital e tecnologia
(MARTHA JÚNIOR; VILELA, 2002). A densidade viária (figura 2.9) mantém
correlação com a lotação bovina (figura 2.10), com exceção do Mato Grosso do
Sul, que apresentou grande crescimento da pecuária a partir da década de 1980 e
ainda não conta com muitas vias pavimentadas.
A par de tudo isso, a relação entre frigoríficos e produtores tem sofrido
transformações importantes na última década (BRASIL, 2007; SCHLESINGER et
al., 2010). Se antes os produtores concorriam à venda entre si, hoje muitos
frigoríficos incorporam ou influenciam a fase de acabamento, além do
beneficiamento, agregando mais valor ao produto final e retendo a maior parte do
lucro da cadeia produtiva. Assim, o preço de compra dos bovinos mantém-se
abaixo do mínimo necessário para a manutenção do produtor que está a uma
distância maior dos frigoríficos e do mercado consumidor e que produz com
pastagens, insumos e genética de qualidade inferior. Essas condições atingem
mais fortemente a pequena produção e faz com que sua participação no mercado
tenda a diminuir.
42
Figura 2.10 – Mapas da ocupação por bovinos no bioma Cerrado, segundo os censos agropecuários de 1975 a 2006 e de pastagens degradadas em 2006
Quanto à incorporação de novas áreas à pecuária, observa-se que até
a década de 1980 a área de pastagem cultivada no bioma Cerrado apresentou
taxa de expansão maior que a do efetivo bovino nos estados de Goiás, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, que foram os estados onde a frente
de expansão da pecuária se deu mais intensamente (figura 2.11). O estado de
São Paulo, de onde essa frente se originou, manteve-se praticamente estável em
quantidade de animais e em área de pastagem cultivada, assim como os estados
do Maranhão e da Bahia, estes por conta da baixa qualidade do solo e pelos
condicionantes mencionados anteriormente. Note-se que as mudanças bruscas
entre 1995 e 2006 devem-se à mudança de metodologia do recenseamento, mas
também à retomada do crescimento econômico brasileiro e à intensificação do
uso das pastagens, sobretudo em áreas de ocupação antiga, o que torna a
análise desse último período complexa. Todavia, fica claro que entre os dois
últimos recenseamentos o efetivo bovino aumentou em todos os estados, exceto
43
em São Paulo, e que a área ocupada diminuiu ou apresentou crescimento menor
que o do efetivo bovino, sugerindo que a partir de meados da década de 1990 o
perfil da pecuária no bioma Cerrado começou a se transformar, tendendo à
intensificação. Nesse sentido, os estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul despontaram na década de 2000 em crescimento acelerado do efetivo
bovino, o que fez da Região Centro-Oeste a maior produtora de carne bovina,
ainda que a área de pastagem tenha diminuído (CEZAR et al., 2005).
Figura 2.11 – Evolução da área de pastagem cultivada (ha) e do efetivo bovino por estados do Cerrado (exceto PI, PR e DF), segundo os censos agropecuários de 1975 a 2006
Nota: Os estados do Piauí e Paraná e o Distrito Federal foram excluídos por conta da baixa participação na agropecuária em áreas de Cerrado.
Hoje, uma das maiores preocupações são as pastagens degradadas
no Cerrado, que no censo agropecuário de 2006 somavam 5.109.553 hectares,
cerca de 7% do total. Essa degradação está relacionada à perda de qualidade
física, química e biológica, que normalmente ocorre após cinco anos de pastejo
(OLIVEIRA et al., 2004; BROSSARD; BARCELLOS, 2005).
44
A figura 2.10 mostra que há relativamente pouca pastagem degradada
nas zonas intensas 1 e 2 apresentadas anteriormente. Assim, as áreas de
produção bovina menos intensa contam com pastagens de menor qualidade, com
parte considerável degradada. É certo que também muitas das propriedades com
pastagem degradada encontram-se improdutivas pela impossibilidade de competir
com a produção moderna, sobretudo quando localizadas em regiões de solos
pobres, já que a degradação das pastagens está intimamente ligada à qualidade
dos solos. Os solos arenosos, ainda que não explorados intensamente,
degradam-se com grande facilidade. Um exemplo da importância do fator solo na
atividade pecuária é a presença de pastagens degradas no centro-sul do estado
do Tocantins, que, apesar de contar com a proximidade da BR-153, não pode
adensar a pecuária. Como se vê nos mapas de pastagem (figuras 2.6 e 2.7) e nos
mapas de lotação bovina e de pastagem degradada (figura 2.10), a alta
densidade de bovinos se deu em solos mais férteis, menos arenosos, que
competem com a agricultura e que estão mais próximos dos mercados
consumidores. Tudo isso trouxe a necessidade e a possibilidade de se conservar
melhor as pastagens, pois, ao contrário da produção situada em zona de fronteira,
nas áreas consolidadas é lucrativo investir no melhoramento das pastagens e ter
em troca menores gastos com transporte, facilidade de comercialização dos
produtos, mão-de-obra abundante, entre outras vantagens.
Outro tema relevante relacionado à expansão da agropecuária é a
perda de biodiversidade no bioma Cerrado enquanto há pastagens degradadas e
improdutivas. Dentre as possibilidades de novos usos, tem sido enfatizado o
potencial de desenvolvimento da agricultura em áreas atualmente cobertas por
esse tipo de pastagem (BROSSARD; BARCELLOS, 2005). Contudo, propostas
como a de expansão da cana-de-açúcar em áreas de pastagens degradadas não
encontra grande respaldo, pois as áreas mais duramente afetadas pela
degradação estão em localizações que diminuiriam sobremaneira a rentabilidade
da atividade sucroalcooleira. Historicamente, a cana tem disputado espaço com a
soja, milho, algodão e com a bovinocultura, que já ocupam as áreas mais
produtivas e dotadas de melhor infraestrutura (RIBEIRO, 2010; SILVA; MIZIARA,
2011).
45
2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pastagens cultivadas no bioma Cerrado encontraram fatores de
expansão e fatores de limitação. A favor da expansão estiveram o incentivo
estatal, o baixo preço das terras, a implantação de infraestrutura viária e o
crescimento do mercado da carne bovina. Os fatores de limitação, por sua vez,
foram a baixa fertilidade natural de grande parte dos solos do Cerrado, a
competição da pecuária com a agricultura e a distância dos grandes mercados
consumidores.
Os programas governamentais de ocupação do interior do país,
embora não atingissem diretamente todo o território, implantaram um novo padrão
técnico de produção, fazendo com que a pequena produção familiar, bem como a
grande produção rudimentar de bovinos, cedessem lugar à produção de alto
padrão técnico voltado para o mercado interno e, mais recentemente, para a
exportação. A urbanização do país foi, assim, produzida e produtora dessa
transformação, pois a mesma população dispensada do campo por esse novo
modo de produzir tornou-se consumidora urbana dos produtos agropecuários.
Grosso modo, a abertura do mercado da carne bovina pode ser
dividido em dois momentos. Antes da década de 1990 a expansão desse
mercado esteve circunscrita ao próprio país. A política de internacionalização da
economia nacional, a partir do governo Collor, foi consolidada com a estabilização
do Real frente ao dólar, fazendo com que, a partir da segunda metade da década
de 1990, o país aumentasse paulatinamente a exportação de carne bovina.
Portanto, foi o mercado interno, e só depois o externo, que consolidaram essa
produção.
As duas zonas de expansão intensa das pastagens estiveram
sustentadas em dois pontos principais: a proximidade de mercado consumidor
urbano e a disponibilidade de solos que se prestaram à pecuária extensiva sem
se desgastar rapidamente. Além disso, a presença de infraestrutura viária
razoável barateou o transporte. Por outro lado, a competição com a agricultura,
embora, por um lado, onerasse a produção dessas zonas, obrigava a adoção de
padrões técnicos mais elevados, que acabaram adequando a produção dessas
zonas para a exportação.
46
A formação das zonas de expansão média e fraca ou moderada
baseou-se sobretudo no baixo preço das terras. Apesar dessa vantagem, nessas
zonas a fertilidade de boa parte dos solos é menor que a das zonas intensas e o
mercado consumidor está mais distante, aumentando o gasto com transporte.
Essas condições resultaram em maior ocorrência de degradação das pastagens e
em baixa produtividade. Assim, a competição com a produção das zonas intensas
impede que haja maior investimento em tecnologia de produção e em
melhoramento e recuperação de pastagens.
O Cerrado é o bioma que mais sofre pressão ambiental da
agropecuária brasileira. Seja pelas condições naturais e sociais favoráveis, seja
pelo imaginário a ele associado. Sua identificação como “celeiro do mundo” não
foi acompanhada da preocupação ambiental, que hoje encontra dificuldade em
ser considerada no processo produtivo, que tem incorporado áreas cada vez
maiores.
A recuperação de pastagens degradadas, apesar de ainda não contar
com forte apoio governamental, foi apresentada pelo governo brasileiro na 15ª
Conferência das Partes (Cop 15) como um dos meios de se atingir as metas de
redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), que incluem a diminuição
do ritmo de desmatamento da Amazônia e do Cerrado (BRASIL, 2010). Uma das
propostas de recuperação de pastagens degradadas inclui a integração lavoura-
pecuária. A política internacional de rastreamento dos produtos bovinos, por meio
da certificação de que a produção atende aos parâmetros de sustentabilidade,
apesar de ainda ser proposta embrionária, pode contribuir para a adoção de
políticas de manutenção e recuperação de pastagens degradadas.
O uso de dados censitários para o estudo do processo de ocupação do
Cerrado por pastagens mostrou-se satisfatório, pois as imagens de satélite
anteriores à segunda metade da década de 1985 não possuem resolução
espacial compatível com a diferenciação entre pastagem, agricultura e outras
categorias de uso do solo. Mesmo imagens recentes de alta e altíssima resolução
encontram dificuldades para a realização do monitoramento de pastagens em
virtude da variabilidade de sua resposta espectral. No Cerrado, a pastagem se
confunde facilmente com fitofisionomias que possuem vegetação herbácea
natural e com alguns cultivos agrícolas. O uso de geotecnologias no censo
47
agropecuário de 2006 e nos próximos irá possibilitar estudos mais precisos.
Contudo, os dados censitários e satelitários disponíveis já possibilitam bons
estudos sobre a transformação do espaço brasileiro pela agropecuária, que inclui
a urbanização, a industrialização e toda a transformação socioeconômica das
últimas décadas. No presente trabalho, além do esforço interpretativo, avançou-se
na técnica de mapeamento por meio da reconstituição dos limites municipais e
mostrou-se que as bases cartográficas históricas merecem maior atenção do
IBGE, tendo em vista que cada vez mais os estudos históricos, baseados nos
próprios dados dessa instituição, tem demandado mapeamentos, hoje facilmente
executados, desde que se tenha base cartográfica compatível com os dados. Um
exemplo é trabalho de Leite (2008) e Leite et al. (2012), que reconstituíram os
limites municipais do Brasil entre 1940 e 1995, seguindo metodologia própria, com
a finalidade de mapear as emissões históricas de GEEs.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Geografia do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal
de Goiás (Iesa / UFG), se insere entre as várias iniciativas do Laboratório de
Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig / Iesa / UFG) voltadas
ao monitoramento sistemático e gestão territorial do bioma Cerrado. Os autores
agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) pelas bolsas concedidas (doutorado e produtividade em
pesquisa).
48
3 A EXPANSÃO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA E A MUDANÇA NA COBERTURA E USO DA TERRA NO CENTRO-SUL DE GOIÁS ENTRE 1975 E 2010
The expansion of the agricultural frontier and land-cover and land-use changes in central-south portion of the state of Goiás from 1975 to 2010
RESUMO
Desde a década de 1970 o Cerrado experimentou o rápido crescimento de sua produção agropecuária, fazendo com que a fronteira agrícola moderna avançasse sobre zonas de fronteira agrícola tradicional, onde a agropecuária já se encontrava desenvolvida, apesar das limitações. Neste artigo são estudadas as mudanças na cobertura e uso da terra na região centro-sul do estado de Goiás (cena Landsat 222/72) entre 1975 e 2010, por meio da classificação da imagem em classes de vegetação, pastagem e agricultura a cada dois anos. Recorreram-se também aos dados censitários para análise da evolução da produção agrícola e das pastagens cultivadas. Os resultados demonstraram a rápida expansão da agricultura e da pecuária na cena, com deslocamento da pecuária para onde os solos são menos férteis e o relevo é mais acidentado. Verificou-se, ainda, que mesmo dentro desses dois grupos houve concorrência entre culturas, com as pastagens cultivadas substituindo as naturais e algumas culturas agrícolas avançando sobre outras, a exemplo da queda na produção de arroz e feijão em face do crescimento da soja, na década de 1970 e 1980, seguido do aumento na produção de cana-de-açúcar, na década de 1990. Palavras-chave: Cerrado. Fronteira agrícola. Mudança na cobertura e uso da terra. Sensoriamento Remoto.
ABSTRACT
Dating back to the early 70´s, the Cerrado went through a rapid growth in its agricultural production, which expanded over traditional agriculture frontiers. This paper assess land-cover and land-use changes in the central-south portion of the state of Goiás (Landsat scene 222/72) between 1975 and 2010, via analysis of census data and image classification into remnant vegetation, pasture, and crop areas, every other year. Our results confirm an accelerated agriculture expansion, which caused cattle ranching to be displaced to areas of lower soil fertility and hilly terrains. Interestingly, even within these two major land-use domains, a competition within classes could be observed, with cultivated pastures replacing native grasses and substitution of traditional crops, mainly rice and beans, by soy, in the 70´s and 80´s, and sugarcane in the 90´s. Key-words: Cerrado. Agricultural frontier. Land-cover and land-use changes. Agricultural Remote Sensing.
49
3.1 INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, as mudanças na cobertura e uso da terra tem sido
estudadas sistematicamente nas três últimas décadas em função da importância
que a questão ambiental tem alcançado nos âmbitos econômico, político e social
(DE JONG et al., 2011). Mais recentemente, o aquecimento global serviu como
alerta acerca da necessidade de gerenciar melhor o uso dos recursos naturais, ao
passo que mudanças locais na qualidade da água e do solo tornaram evidente o
risco de perdas econômicas resultantes de práticas inadequadas na agricultura,
na criação de animais e na indústria (IPCC, 2001; NOBRE et al., 2007). Assim, o
estudo das mudanças na cobertura e uso da terra por meio do sensoriamento
remoto tem sido uma importante ferramenta para monitoramento da
transformação do padrão produtivo, auxiliando sobretudo no diagnóstico e nas
tomadas de decisão.
Antes dos estudos de mudança na cobertura e uso da terra, outros
estudos se aproximavam dessa ideia. O avanço dos colonizadores ingleses sobre
o meio oeste dos Estados Unidos foi a referência de Turner (1920) para o
conceito de fronteira, que se tornou parâmetro para os estudos de mesma
natureza em outros países. No Brasil, após o final da Segunda Guerra Mundial,
surgiram estudos acerca das possibilidades de ocupação do território brasileiro
por imigrantes de países devastados pela guerra, que começavam a chegar ao
país. Em especial, Neiva (1949) identificou uma fronteira demográfica no Brasil,
que começava não muito longe do litoral e atingia a floresta amazônica, e uma
fronteira econômica, restrita ao sudeste do país e a alguns pontos ao longo da
costa. Nesses termos, pela primeira vez o conceito de fronteira era aplicado ao
Brasil, ainda que diversos estudiosos estivessem preocupados com a ocupação
do espaço brasileiro, a exemplo de Caio Prado Júnior, Pierre Mombeig e Leo
Waibel (1955), que fizeram o primeiro estudo sobre as zonas pioneiras no Brasil,
desde o século XVIII. Por outra vertente, o contraste dos modos de vida presentes
nas fronteiras foram objetos de profunda reflexão de Sérgio Buarque de Holanda
em Monções, de 1945, e Caminhos e fronteira, de 1957, e também de Martins
(2009), que desde o final da década de 1960 dedica-se a essa matéria.
50
A baixa fertilidade natural do Cerrado e a falta de meios de transporte
eficientes explicam, em parte, sua baixa densidade demográfica até meados do
Século XX. No estudo de Waibel (1955) percebe-se que onde primeiro se
instalaram fronteiras agrícolas no Cerrado foi nas proximidades dos municípios
paulistas de Limeira e de Ribeirão Preto/São Carlos, com a cultura cafeeira
expandindo sobre solos de baixa fertilidade, numa localização que reflete a
dificuldade de transporte, pois o oeste de São Paulo, que estava mais longe, tem
alta fertilidade natural. Além dessa zona de fronteira, havia, no centro do atual
estado de Goiás, uma área de solos basálticos de média/alta fertilidade,
conhecida como “Mato Grosso de Goiás”, ao norte do município de Goiânia, que
se tornou na década de 1940 (ESTEVAM, 1998) a fronteira agrícola mais
longínqua do sertão brasileiro, apoiada pelo Estado, com a criação da Colônia
Agrícola Nacional de Goiás (Cang) em 1941. Dessa região em direção ao sul de
Goiás se formou o que se pode chamar de uma fronteira agrícola tradicional, ou
seja, uma ocupação da terra baseada na propriedade privada e na produção
agropecuária tradicional, desprovida de correção de acidez, fertilizantes e
máquinas, e que enfrentava dificuldades com transportes e comunicações. Após
meados da década de 1970 difundiram-se rapidamente a correção da acidez e
fertilização dos solos e o uso de máquinas no cultivo de produtos primários para
exportação, chamados commodities, iniciando o que se pode chamar de fronteira
agrícola moderna. Percebe-se que ao longo da expansão dessa segunda fronteira
agrícola houve grande concorrência entre usos, não só entre pecuária e
agricultura, mas também entre culturas, a exemplo do arroz, que era abundante
inicialmente, e da soja e da cana-de-açúcar, que foram as culturas em expansão,
uma após a outra.
Para se entender o avanço da fronteira agrícola sobre o Cerrado há
que se considerarem duas especificidades: a baixa fertilidade natural e a
modernização da agropecuária. A primeira foi, por muito tempo, o maior
impedimento para a consolidação da fronteira demográfica. A segunda não só
possibilitou o avanço da agropecuária como rapidamente tornou obsoleta as
atividades rurais tradicionais. Assim, da mesma forma que população indígena
não pode impedir a ocupação das terras pelos brancos, também o pioneiro
tradicional não suportou a chegada de um sistema produtivo que estava fora de
51
sua cogitação. Essa nova produção estava ligada ao mercado externo, “criava”
terra boa de solos quase estéreis, usava máquinas e podia pagar bem pelas
fazendas ou simplesmente expulsar antigos posseiros. Dessa forma, pode-se
considerar que até a década de 1960 havia em parte do Cerrado um estágio
embrionário da fronteira agrícola moderna. No caso estudado, com a chegada da
ferrovia ao Cerrado, na segunda década do Século XX, a criação de Goiânia na
década de 1930 e de Brasília na de 1950, o afluxo demográfico era considerável e
a produção agropecuária se expandia, apesar das condições naturais
desfavoráveis. Por isso Waibel (1955) enxergou no Mato Grosso de Goiás uma
zona pioneira, pois a dinamização causada pela produção dessa zona desde a
década de 1940 era semelhante à de outras zonas no Brasil, que também não
contavam com a alta tecnologia. O novo modo de produzir, então, “recomeçou”
essa história, reorganizando econômica, tecnológica e politicamente a produção
brasileira, especialmente a do Cerrado.
Nesses termos, a rápida urbanização pode ser entendida como parte
desse processo de reestruturação produtiva, que gerou uma nova realidade no
campo, em que boa parte dos produtores são recém-chegados ao Cerrado,
sobretudo do sudeste e sul do país, e em que quase todos os moradores das
cidades são ex-produtores rurais tradicionais ou migrantes desse mesmo matiz
social e seus descendentes. As cidades passam a ser o suporte dessa produção
agropecuária, que chega a ser mais moderna que as próprias cidades. Por um
lado, a produção mecanizada fez com que a agricultura não empregasse tanta
mão-de-obra como o de costume, retirando dessa atividade o antigo poder de
transformar socialmente o espaço, já que não necessita de uma rede urbana
adjacente para abrigar os numerosos trabalhadores, e isto era o que se via
quando se conceituou fronteira: a intensa vida urbano-rural. Por outro lado, a
pecuária, também incorporando a alta tecnologia em sua produção, aliando-se à
indústria numa cadeia e competindo por localização com a agricultura, consegue
transformar a paisagem quase como a esta, sobretudo quando localizada próximo
aos grandes mercados consumidores.
Mesmo dentro da própria estrutura produtiva moderna há ainda
disputas por localizações, que tem como base o aumento de demanda de certo
produto, que, por isso, invade o espaço de outros. Isto levou Miziara (2000) a
52
entender que o fator econômico deve ser levado em conta na dinâmica produtiva
atual, pois ele pode causar esse avanço da fronteira sobre ela mesma, numa
renovação produtiva constante decorrente da variação da demanda e
rentabilidade dos produtos agropecuários. Para isso o autor recorre aos conceitos
de renda diferencial I e II de Marx, demonstrando que é a intensificação da
inversão de capital por unidade de área, ou seja, a renda diferencial II, que
determina as mudanças de localização dos produtos agropecuários no Cerrado. O
recente avanço da cana-de-açúcar sobre áreas já ocupadas por outras culturas é
um claro exemplo disso.
Na área aqui estudada pode-se ver, ao longo do tempo, diversas forças
conformadoras do Cerrado: o Estado, as transformações demográficas e a
tecnologia. O espaço mudou e as imagens de satélite possibilitaram o
mapeamento das sucessões de uso. Todavia interpretar em que medida cada
elemento participou desse resultado é um grande desafio. Especificamente,
busca-se aqui contribuir para a compreensão do processo de ocupação moderna
do Cerrado a partir de uma área onde a fronteira agrícola já se consolidou, bem
como observar o alcance e o limite do conceito de fronteira agrícola para essa
realidade.
3.2 ÁREA DE ESTUDO
A referência espacial para este estudo corresponde à cena Landsat –
TM 222/72, haja vista o intuito de se observar as mudanças na cobertura e uso da
terra em uma área de ocupação antiga do Cerrado. Por esta passaram as
estradas abertas por paulistas em busca de ouro, instalaram-se fazendas de
produção tradicional até o terceiro quartel do século XX e de aí em diante foi uma
das áreas de expressiva tecnificação da produção agropecuária (TEIXEIRA
NETO, 2001; ESTEVAM, 1998; NUNES, 1984). Ademais, as nuances de
fertilidade e de relevo na mesma cena determinaram, em parte, a competição
entre pecuária e agricultura pela melhor localização e a consequente migração de
uso. A figura 3.1 mostra que em 2002 a cena 222/72 possuía pouca presença de
vegetação remanescente, indicando que aí a ocupação já se encontra em estágio
avançado de consolidação.
53
Figura 3.1 – Localização da área de estudo, conforme os limites estaduais, e em relação ao mapa de cobertura e uso da terra (Probio) para a totalidade do bioma Cerrado em 2002.
3.3 MATERIAIS E MÉTODOS2
Foram utilizadas imagens do satélite Landsat devido à sua boa
resolução espacial, ao longo do período monitorado continuamente e à gratuidade
de sua aquisição. Devido ao recorte temporal (1975 a 2010) foi necessário utilizar
imagens dos três sensores da série Landsat: MSS (80 m), TM (30 m) e ETM+ (30
m). As cenas de cada ano foram escolhidas entre os meses de junho a setembro,
tendo em vista ser este o período de menor ocorrência de nuvens no Cerrado.
2 Uma versão mais abrangente desta metodologia pode ser consultada no apêndice A e em Silva
et al. (2013)
54
Para o período de 1975 a 1981 foi necessário formar mosaicos com
quatro cenas do sensor MSS para cobrir a área equivalente à de uma cena do
sensor TM, uma vez que as órbitas-pontos destes sensores são diferentes.
Devido à variação na posição das imagens TM, foi feito um recorte a partir da
região coincidente em todos os anos, reduzindo a área da cena de 32.400 km2
para 25.600 km2 (também foi utilizado para as cenas MSS). De 1982 a 1985 não
houve imagens disponíveis. Após esse período foram obtidas boas imagens,
também com intervalo de dois anos. O quadro 1 apresenta um resumo das cenas
utilizadas.
Quadro 1 – Cenas dos sensores MSS, ETM+ e TM dos satélites da série Landsat utilizadas neste estudo
Período Cenas por sensor
MSS ETM+ TM
1975 - 1981 16
1986 - 2000 8
2002 1
2004 - 2010 4
Total 29
O registro das imagens foi realizado através do processo imagem com
imagem a partir do mosaico GeoCover S23-10 2000, adquiridas junto ao site da
National Aeronautics and Space Administration (Nasa)
(https://zulu.ssc.nasa.gov/mrsid/). O erro médio admitido foi de 0,6 pixels.
O processo de classificação de imagens foi supervisionado, através
dos procedimentos de segmentação, que fragmentam uma região em unidades
homogêneas, considerando características como o nível de cinza dos pixels e a
textura, seguido do uso do algoritmo de agrupamento Bhattacharya (Moreira,
2011). Os parâmetros usados para a segmentação foram: similaridade de 35 % e
área mínima de 20 pixels, enquanto que para a classificação utilizaram-se 15
temas e 25 interações.
Após o processo de segmentação, foram inspecionadas as
amostragens para se realizar a classificação da imagem. Para se obter boa
separação dos elementos presentes nas imagens foi necessário a criação de
várias classes. Para a vegetação criaram-se as classes cerrado denso_1, cerrado
55
denso_2, cerrado_ralo1, cerrado_ralo2, etc. O mesmo ocorreu com a agricultura,
como pode ser verificada na letra “b” da figura 3.2, pois também houve várias
respostas espectrais.
a) imagem não classificada (RGB 543) b) imagem classificada
Figura 3.2 – Exemplar de imagem antes e após o processo de
classificação
Após a classificação das imagens, os dados foram transformados em
vetores. Esses vetores, que são formados por vários polígonos, passaram por
uma nova etapa de inspeção visual, polígono a polígono. Assim, as classes foram
reorganizadas e o dado final foi composto por cinco classes, sendo elas
vegetação, agricultura, pastagem, mancha urbana e massa de água. Com esse
refinamento chegou-se a escala aproximada 1/100.000.
3.4 MUDANÇAS NA COBERTURA E USO DA TERRA NA CENA 222/72
A virada do século XIX para o XX marcou a instituição do acesso à
terra pela compra, sobretudo no sudoeste e sul de Goiás (AGUIAR, 2003).
Todavia, as propriedades eram muito grandes e o preço da terra era baixo, em
função da alta disponibilidade de terras em face da fraca demanda e da limitada
disponibilidade de capital. Assim, as primeiras décadas do século XX viram a
lenta consolidação do mercado de terras, que é a principal característica da frente
pioneira (MARTINS, 2009). Então, ocorrem algumas mudanças estruturais que
começam a implantar uma nova lógica produtiva, que reconfigura a apropriação
do espaço. A extensão da ferrovia até Goiás passou a conectar diretamente esse
espaço ao maior mercado consumidor nacional, com possibilidade de se acessar
56
também o mercado internacional (BORGES, 1990). Da ferrovia começaram a
partir muitas e longas estradas (NUNES, 1984), que aos poucos foram tornando
possível o aumento da produção agropecuária.
É de se pensar que, nesses moldes, as décadas de 1930 a 1960 foram
um tempo em que já estava consolidado o valor de troca da terra característico da
produção capitalista, ao passo que a demanda nacional e internacional por
produtos agropecuários estava em ascensão. Dessa forma, o que aconteceu na
década de 1970 pode ser visto como um recomeço do processo de ocupação
produtiva, agora baseado na alta tecnologia.
Em decorrência do cenário internacional para o mercado de
commodities agropecuárias, da disponibilidade de terras e de capitais no Brasil e
do avanço nos setores de maquinaria, na década de 1970, a modernização da
agropecuária chegou a Goiás e à grande parte do Cerrado (RIBEIRO et al., 2008),
contando com forte apoio governamental. Dentre os programas federais atuantes
na área em estudo dois foram muito importantes. O Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), entre 1974 e 1979, promoveu
pesquisas, assistência técnica, crédito rural orientado e apoio à infraestrutura
(eletrificação rural, estradas vicinais e armazenagem) (ALENCAR, 1975). Esse
programa incluiu projetos em 16 dos 42 municípios da cena estudada (último
mapa da figura 3.3). Por sua vez, o Programa de Cooperação Nipo-brasileira para
o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), atuando num raio de 600 km da
cena, executou ações similares aos do Polocentro, entre 1980 e 1990, nos
projetos Prodecer I e Prodecer II piloto, e ainda outras num raio de 1.200, entre
1985 e 2001, com os projetos Prodecer II expansão e Prodecer III piloto
(INOCÊNCIO, 2010; PIRES, 2000). Mesmo não agindo diretamente em todos os
municípios e nem em todos os empreendimentos rurais nos municípios, esses
programas instalaram uma lógica produtiva que homogeneizou a produção, pois
os métodos e os produtos tradicionais perderam sua rentabilidade em face do
novo modelo produtivo. O resultado foi, por um lado, o direcionamento da maior
parte da produção para o mercado de commodities, e, por outro, a diminuição
paulatina da produção tradicional e a migração de trabalhadores para as cidades
(IBASE, 1986).
57
Figura 3.3 – Evolução espaço-temporal da cobertura e uso da terra na área correspondente à Cena 222/72, localizada sobre a região centro-sul do estado de Goiás. Fontes: Inpe e Nasa (imagens), Ibge (base cartográfica, censitária e classificação de solos e declividade)
58
Apoiando esses programas federais estava a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada em 1973. Também em Goiás foi criada
a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Goiás
(Emater), em 1975, com a finalidade de conceder crédito agrícola e treinamento
aos produtores no uso dos novos insumos e técnicas de produção. Outro
importante indutor da modernização produtiva de Goiás foi a atuação do Fundo
Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), criado em 1989
juntamente com outros fundos similares para as Regiões Norte e Nordeste, com
atuação no financiamento de projetos industriais e agropecuários. De modo
similar, no estado de Goiás foram instituídos dois programas consecutivos de
incentivo fiscal, o Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado
de Goiás (Fomentar), que funcionou entre 1984 e 1999, e o Programa de
Desenvolvimento Industrial de Goiás (Produzir), desde 2000.
O conjunto dessas empresas e fontes de financiamento deu suporte à
agropecuária em Goiás, sobretudo para médios e grandes produtores. Assim, a
década de 1970 inaugurou um novo modo de ação estatal em consonância com
os setores agropecuário e industrial. Esse modo de financiamento, bem como o
subsídio aos preços, foi preponderante até o início da década de 1990, quando o
setor privado, então dotado de maiores capitais e enfrentando riscos menores,
assumiu parte das funções de oferta de crédito, pesquisa e intermediação
comercial (BARROS, 2010).
Assim, as mudanças visíveis na paisagem da área de estudo são o
resultado de ações políticas direcionadas para o avanço da fronteira agrícola
moderna, associada aos condicionantes naturais e sociais aí encontrados. Ao
longo das últimas quatro décadas as mudanças da cobertura e uso da terra na
cena 222/72 resultaram na sua divisão diagonal em duas áreas distintas, que aqui
serão chamadas zona sudoeste e zona nordeste (figura 3.3). O principal vetor de
localização de usos foi a fertilidade, que é mais elevada na zona sudoeste,
composta de Latossolo e Nitossolo Vermelhos, enquanto a zona nordeste
predominam o Cambissolo Háplico e o Argissolo Vermelho.
Antes da modernização da agropecuária praticamente não havia
conflito entre as atividades, visto que a agricultura ocupava sobretudo os vales,
enquanto as pastagens naturais cresciam em lugares mais planos. O mapa de
59
uso do solo de 1975 (figura 3.3) mostra que as pastagens (cultivadas e naturais)
ocupavam a maior parte do uso da cena, preferindo o Latossolo aos solos menos
férteis. A agricultura, nesse mesmo ano, já ocupava extensas áreas de Latossolo,
ainda que não fosse muito expressiva. O mapa de 1986 mostra que até aí havia
preferência pelo Latossolo e que a agricultura e a pecuária ocupavam áreas
equivalentes. É a partir desse momento que a agricultura expulsou rapidamente a
pecuária, que passou a ocupar as terras da zona nordeste da cena. Na verdade,
como a cena apenas faz parte de um ambiente maior, é válido dizer que a partir
de meados da década de 1980 houve um grande movimento de expansão da
agricultura do eixo da BR-153 em direção ao sudoeste do Estado de Goiás, ao
passo que a pecuária se consolidou em um eixo que vai do Triângulo Mineiro,
passando pelas proximidades de Goiânia e se estendendo pela região da Estrada
do Boi, a noroeste do estado de Goiás, como demonstrado por Silva et al. (2013).
Ao longo da ocupação dessa cena houve dois grupos de uso principais,
pastagem e agricultura, que disputaram a melhor localização (figura 3.3). A
pastagem quase dobrou sua área entre 1975 e 1981, quando a agricultura passou
a requerer parte de sua área, além de avançar sobre a vegetação natural, entre
1981 e 1988. Assim, a partir de 1989 a pastagem voltou a recuperar área, mas aí
sua expansão já não se dava na porção sudoeste da cena, mas a nordeste, onde
a vegetação natural foi paulatinamente substituída pelas gramíneas, como visto
nos mapas (figura 3.3). Todavia, esse deslocamento se deu com muita
dificuldade, seja pela qualidade dos solos da porção nordeste da cena, seja pela
saturação de usos, pois desde 1989 a vegetação natural passou a apresentar
uma inflexão em seu decréscimo, ou seja, as piores áreas em termos de
distância, fertilidade e topografia estavam sendo ocupadas pela pastagem, que
tendia a sair de onde a agricultura pudesse se instalar, com algumas exceções.
Toda essa movimentação no espaço, sem que a pastagem de fato perca área,
revela a complementaridade entre agricultura e pecuária no Cerrado, na qual se
sobressai a exigência da agricultura por solos planos e suave ondulados e a
adaptabilidade da pecuária em localizações menos favoráveis. A lotação bovina
aumentou na região rapidamente entre 1977 e 1986, numa clara resposta à
pressão exercida pela agricultura na disputa pela melhor localização, pois, para
60
se manter em áreas onde a agricultura tem interesse de se fixar, a rentabilidade
da pecuária há de ser mais alta que onde há terras em abundância.
Figura 3.4 – Evolução da agricultura, pastagem, vegetação natural na cena Landsat TM 222/72 e efetivo bovino nos municípios abrangidos pela cena
Fonte: Landsat (usos), IBGE, 2012 (bovinos).
Há que se verificar, todavia, a disputa por espaço dentro da agricultura,
isto é, entre culturas, e das pastagens cultivadas contra as naturais. Na
agricultura houve gradativa substituição de culturas, como a diminuição da área
plantada com arroz, que resiste à acidez do solo ainda não corrigido, para ceder
lugar à soja e ao feijão (figura 3.5). As culturas do feijão e do milho passaram por
ciclos de aumento e diminuição da produção, e é o que parece estar acontecendo
com a soja, que tem diminuído, ao passo que a cana-de-açúcar está no início de
seu ciclo. Essas culturas apresentam pequenos ciclos menores de diminuição
seguidos de aumento de produção, reflexo das condições de produção e de
mercado. Percebe-se que é sempre em uma dessas pequenas crises que outro
produto ganha espaço e se coloca “no lugar”, ainda que esse avanço possa não
ser em áreas de produção específica do produto em crise, já que a expulsão da
pecuária das áreas de agricultura moderna e os desmatamentos tendem a abrir
espaço, que será ocupado, sobretudo pelas culturas em fase de expansão. Na
atualidade, a expansão do cultivo da cana-de-açúcar é a principal mudança na
61
cobertura e uso da terra, não só na cena, mas também em outras áreas do
Cerrado (SPAROVEK, 2008).
Figura 3.5 – Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas e do efetivo bovino dos municípios compreendidos pela cena 222/72 entre 1973 e 2010 nos municípios abrangidos pela cena
Fonte: IBGE, 2012.
No caso da pastagem, houve primeiro o uso de gramíneas naturais
(figuras 3.6 e 3.7). O prolongamento da Ferrovia Mogiana até Goiás, no início do
século XX, ligou a porção sudeste desse estado à região do Triângulo Mineiro,
tradicional produtora bovina. Contudo, as pastagens naturais avançaram mais
pelo estado de São Paulo, no eixo da atual BR-153, e não por essa região de
pecuária tradicional, demonstrando que a modernização da agropecuária no
Cerrado se expressou espacialmente como um prolongamento da produção
moderna do oeste de São Paulo, atingindo também as pastagens, que todavia
tiveram que migrar quando a agricultura requereu mais área. Nessa migração, o
eixo do Triângulo Mineiro até Goiânia, em função da baixa qualidade dos solos,
se consolidou como uma importante área de pecuária, incluindo a zona nordeste
da cena aqui analisada. Note-se que a pecuária compensou sua transferência
para solos ruins com a manutenção da localização favorável, ou seja, quando a
agricultura avançou sobre ela não há necessidade de buscar terras de igual
fertilidade ou declividade, desde que a localização compense essas
62
desvantagens, pois essas mesmas restrições farão o preço da terra se manter
acessível para a pecuária, que tende a se tornar estável nessa nova localização.
Figura 3.6 – Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens naturais, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006, destacando-se a cena Landsat 222/72
Figura 3.7 – Mapas da ocupação do bioma Cerrado por pastagens cultivadas, segundo os Censos Agropecuários de 1970 a 2006, destacando-se a cena Landsat 222/72
63
Uma importante ressalva desse jogo de localizações é que a presença
de cidades médias e grandes pode interferir na ocupação do espaço à sua volta.
A proximidade das cidades faz elevar o preço da terra, dificultando a
concentração fundiária. As pequenas propriedades tendem a atuar no mercado
agrícola de frutas e hortaliças, enquanto a atividade pecuária tende a se voltar
para a produção de leite, abastecendo a indústria de laticínios comuns nas
médias e grandes cidades. A disponibilidade de mão-de-obra nas cidades é um
dos fatores de se desenvolver a produção de mercadorias que demandam mais
trabalho. Assim, na cena estudada o fator urbano explica tanto a frequência de
troca de usos quanto o predomínio das pastagens nos arredores da Região
Metropolitana de Goiânia, que tem solo e relevo igual ao da zona sudoeste da
cena, onde a pecuária tende a perder espaço para a agricultura.
3.5 VETORES DAS MUDANÇAS NA COBERTURA E USO DA TERRA NO
CERRADO ANTES E DEPOIS DA MODERNIZAÇÃO DA AGROPECUÁRIA
As transformações socioespaciais ocorridas na região compreendida pela
cena 222/72, onde a ocupação intensa do espaço é relativamente antiga, indicam
que a modernização da agropecuária mudou profundamente a lógica das
localizações no Cerrado. Antes e depois desse advento, as atividades produtivas
no Cerrado encontraram fatores de limitação/modulação da forma como a
pecuária e a agricultura se distribuíram no espaço.
Embora se possa aludir a vários condicionantes de localização da
agropecuária moderna no Cerrado, há quatro vetores principais, sendo um não
local, a demanda, e três locais, a fertilidade, a topografia e a distância em relação
aos mercados de insumos, mão-de-obra e comercialização (MIZIARA;
FERREIRA, 2008; FERREIRA et al., 2009). O preço da terra, que costuma ser
considerado como vetor de localização, é um reflexo dessas condições. A
especulação fundiária também é favorecida pelo aumento da demanda pela
localização que atende a essas condições fundamentais da produção. É
importante salientar a importância do aparato tecnológico na produção, transporte
e comercialização para a agropecuária moderna. Essas tecnologias se tornaram
cada vez mais hegemônicas, sobretudo em regiões de ocupação produtiva antiga,
64
restando atualmente poucos espaços que consigam abrigar atividades pouco
desenvolvidas tecnologicamente, visto que mesmo as limitações naturais do solo
sob vegetação de Cerrado impedem a escolha pela não adoção da calagem e
fertilização artificial ou da pastagem exótica.
A demanda é a condição sine qua non para a expansão de qualquer
atividade agropecuária, não só no Cerrado. Quando a demanda varia, ocorre a
expansão ou retração da atividade agrícola ou pecuária e sobre cada produto
isoladamente, com reflexo nas localizações dos demais produtos. No caso do
Cerrado, é notável que desde o pós-guerra a demanda por alimentos aumentou
no Brasil e em todo mundo, em parte devido ao crescimento da população
urbana. O principal produto agrícola do Cerrado, a soja, teve sua demanda
ampliada ao substituir outros óleos vegetais e animais por seu óleo barato. Isto
ocorreu no Brasil, como nos países desenvolvidos e agora é fenômeno novo na
China, onde a enorme população está afluindo para as cidades e demandando
mais óleo e outros derivados da soja, boa parte comprada do Brasil.
Espacialmente, esse aumento da demanda tem o potencial de fazer esse produto
“expulsar” outras culturas ou atividades de onde lhe interesse estar localizada e
por onde possa pagar melhor, sempre que a alta demanda gera rentabilidade
maior que a das demais atividades.
Os vetores locais da ocupação do Cerrado mostram-se articulados
entre si na história da expansão da agricultura e da pecuária. Um ponto fulcral
nessa história foi a modernização da agropecuária, que mudou profundamente a
forma como cada um dos três vetores se comporta com essas duas atividades.
Assim, a importância de cada um deles foi modificada assim que se pôde romper
a distância com os transportes, mecanizar algumas etapas da produção e “criar” a
fertilidade dos solos, que foram as transformações básicas dessa modernização.
Antes dessas mudanças, tanto a agricultura quanto a pecuária estavam
limitadas pelas distâncias, que eram difíceis de se romper sem meios de
transportes modernos, fazendo com que a distância se tornasse o principal vetor
de localização (figura 3.8). A agricultura no Cerrado, então, se restringiu por
quase dois séculos à produção de subsistência, enquanto a pecuária, quando não
se voltava também para a subsistência, não conseguia estar muito longe do
mercado consumidor, já que quanto maior a distância, mais os animais morriam
65
pelo caminho ou chegavam definhados ao fim do percurso (CHAUL, 2000;
TEIXEIRA NETO, 2008; ESTEVAM, 1998).
Os outros dois vetores, topografia e fertilidade, atuavam conjuntamente
na localização da agricultura e da pecuária. Enquanto os solos naturalmente mais
férteis e úmidos se restringem aos vales, as pastagens nativas são comumente
encontradas em planaltos. Isso fez com que praticamente não houvesse conflito
entre usos.
Com a difusão das modernas tecnologias de produção adaptadas ao
Cerrado, cada um dos vetores de localização da agricultura e da pecuária mudou
sua importância (figura 3.8). Para a agricultura, depois de vencidas as barreiras
do transporte e da fertilidade, o principal vetor de localização passou a ser a
topografia, pois a agricultura mecanizada exige solos planos ou suave ondulados.
Assim, a distância e a fertilidade estão hoje relacionados à composição de custos
com o transporte e com a fertilização. Por sua vez, a pecuária se distribui
espacialmente obedecendo a esses vetores de forma diferente da agricultura,
pois encontra menos limitações. Em função da necessidade de redução de
Figura 3.8 – Esquema empírico das mudanças nos vetores de localização da agricultura e da pecuária antes e depois da modernização da agropecuária
66
custos, a fertilidade natural é o primeiro vetor de localização. Sempre que for
economicamente possível a pastagem se localiza em terras de melhor fertilidade.
Contudo, se for obrigada a se deslocar, buscará buscar manter menor distância,
enfrentando até mesmo condições topográficas e de fertilidade menos favoráveis.
Isto faz desta uma atividade extremamente adaptável, o que explica seu
desenvolvimento em conjunto com a agricultura no Cerrado. Há certa
complementaridade entre a agricultura e a pecuária, pois a primeira costuma
remunerar melhor as localizações de topografia, fertilidade e distância melhores,
enquanto a segunda se desenvolve bem onde essas condições estão em falta.
Por isso o mapa da distribuição dessas duas atividades em áreas de ocupação
antiga costuma dividir o espaço em duas tipologias: solos mais férteis e planos
com agricultura e solos menos férteis e mais declivosos com pecuária, como visto
na cena aqui analisada. Para ocupar solos requeridos pela agricultura moderna a
pecuária irá intensificar a inversão de capital em tecnologia de produção
avançada. É possível ainda a integração das duas atividades no sistema lavoura-
pecuária, que é uma tendência crescente (DUBOC et al., 2008), todavia é
incomum onde o relevo é acidentado, significando que essa seria uma área
predominantemente ocupada pela agricultura.
3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na cena estudada, a identificação de uma fronteira agrícola tradicional
antecedendo a chegada da agropecuária moderna no Cerrado é um avanço nas
discussões sobre o conceito de fronteira, pois normalmente se desconsidera o
nível de desenvolvimento que antecedeu a chegada da agropecuária moderna em
áreas de ocupação antiga do Cerrado. A estruturação pretérita dessa fronteira
agrícola tradicional certamente propiciou a assimilação das modernas tecnologias
por parte dos antigos proprietários, sobretudo os médios e grandes, ao contrário
do que ocorreu quando a fronteira agrícola moderna avançou sobre espaços
ainda pouco explorados, a exemplo do Extremo Oeste Baiano, onde nem mesmo
a propriedade privada de boa parte das terras estava definida na década de 1980
(SANTOS, 2008; HAESBAERT, 1996). Em realidades como esta, o que ocorre é
67
reestruturação completa desses espaços, modificando inclusive a composição
demográfica, que passa a ser predominantemente migrante.
Pelas análises estatísticas a partir dos censos agropecuários não se
conseguia mapear bem os deslocamentos espaciais da agricultura e da pecuária
nem a qualidade das terras ocupadas, pois os dados são generalizados para toda
a área municipal e não são muito detalhados. Com o mapeamento da série
histórica de imagens foi possível compreender melhor como a pecuária se
adaptou às restrições impostas pelo avanço da agricultura e mesmo assim
expandiu sua área até o ano de 2000, quando encontrou seu limite de
crescimento e se estabilizou. Da mesma forma, a análise das sucessões de
diferentes culturas na agricultura a partir de séries históricas de imagens de
satélite mostra-se como um campo promissor, pois uma das grandes indagações
suscitadas pelo avanço de monoculturas como as da soja e da cana-de-açúcar
refere-se ao seu poder de substituição de usos anteriores. Ressalte-se, contudo,
que a nova forma de coleta e apresentação dos dados dos Censos Agropecuário
e Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dividindo
as áreas rurais em setores censitários, irá fornecer séries históricas com
informações mais apuradas e diversificadas que os censos anteriores,
possibilitando mesmo comparações mais refinadas com dados de sensoriamento
remoto.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) (Edital Universal e bolsa de produtividade em
pesquisa PQ IC para o segundo autor), da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) (Bolsa de doutorado para o primeiro e terceiro
autores) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).
Suporte financeiro para esta pesquisa também foi obtido junto à United States
National Aeronautics and Space Administration (Nasa) – Land-Cover and Land-
Use Change Program (LCLUC) (NNX11AE56G), em parceria com o Woods Hole
Research Center.
68
4 AS MUDANÇAS NA COBERTURA E USO DA TERRA EM FRONTEIRAS
AGROPECUÁRIAS RECENTES DO CERRADO ENTRE 1975 E 2010
Land-cover and land-use changes in recent agricultural frontiers in the Brazilian savanna biome from 1975 to 2010
RESUMO
Desde a década de 1970 o Cerrado tem passado por um processo de mudança na cobertura e uso da terra fortemente heterogêneo. Neste artigo procura-se compreender essa dinâmica em áreas do Cerrado que são consideradas fronteiras agropecuárias mais recentes: centro-sul do estado do Mato Grosso, a do Extremo Oeste Baiano e a do Mapito (acróstico que refere-se aos estados de Maranhão, Piauí e Tocantins). Para cada fronteira foi selecionada uma cena dos satélites Landsat e realizados mapeamentos de cobertura e uso da terra a cada dois anos entre 1975 e 2010, destacando-se as áreas de agricultura, pastagem cultivada e vegetação. Esse mapeamento histórico foi analisado com o auxílio de dados censitários sobre a produção agropecuária e de estudos sobre essas fronteiras. Percebeu-se que os programas federais de modernização e expansão da agropecuária foram os grandes indutores das mudanças na estrutura produtiva e na dinâmica econômica e social desses espaços. Constatou-se, ainda, que as ações dos capitalistas individuais são fortemente influenciadas pelas características do espaço, pois a pecuária tende a ceder espaço para a agricultura, ocupando solos menos férteis e mais declivosos, e a agricultura já se aproxima do seu limite de expansão nessas áreas, visto que as áreas planas e suave onduladas já estão em boa parte ocupadas. Palavras-chave: Cerrado. Fronteira agrícola. Mudança de cobertura e uso da terra.
ABSTRACT
Since the 70´s, the Cerrado has being going through a rapid and strongly heterogeneous land-cover change process. Within this context, the present study aims at understanding the dynamics of three recent agricultural frontiers in the biome: The central-south portion of Mato Grosso, the Western Baiano and the MAPITO region (encompassing the portions of Maranhão, Piauí, and Tocantins). For each one of these frontier areas, corresponding to specific Landsat scenes, a thorough land-cover and land-use mapping, focused on the distribution of agriculture crops, pastures, and remnant vegetation, was conducted, every other year, from 1975 to 2010. The analysis of the resultant historical maps, accompanied by ancillary census data, confirmed the role of major governmental programs in inducing the substantial social and economical changes observed in these regions. As also observed, the individual, capital-based, initiatives were and are strongly influenced by natural attributes. In particular, the agricultural, already
69
reaching its favorable expansion conditions, is currently disputing hilly cattle ranching areas, of lower soil fertility. Key-words: Cerrado. Agricultural frontier. Land-cover and land-use change.
4.1 INTRODUÇÃO
O Brasil é reconhecido internacionalmente como uma das principais
áreas de fronteira agrícola do mundo (MUELLER; MARTA JÚNIOR, 2008) devido
à expansão agropecuária impulsionada pela adoção de novas tecnologias de
produção e pelas políticas públicas de incremento de produção, iniciadas na
década de 1970. Essas políticas desencadearam-se a partir do II Plano Nacional
de Desenvolvimento (PND), do final de 1974, que criou o Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), voltado para a região Centro-Oeste,
onde está grande parte do bioma Cerrado (ALENCAR, 1975; BRASIL, 1975;
PIRES, 2000). Desde então foi disseminada a produção agropecuária de alta
tecnologia, envolvendo todas as etapas da produção, do melhoramento de
sementes à armazenagem e transporte. Dessa forma, a produção de grãos no
Cerrado cresceu 6,4% ao ano entre 1970 e 2003 (LOPES; DAHER, 2008),
inserindo-o no mercado internacional de alimentos, matérias-primas e
combustíveis.
Embora o incremento da produção agropecuária no Cerrado esteja
fortemente relacionado ao aumento de produtividade, a expansão da área
ocupada com o cultivo de grãos e com o pastejo de bovinos tem sido a principal
responsável pelo aumento de importância desse bioma para a economia brasileira
(LOPES; DAHER, 2008). Essa intensa mudança na cobertura e uso da terra tem
diminuído sua qualidade ambiental, ao ponto de o Cerrado ser classificado como
um dos 25 hotspots mundiais, isto é, uma área de alto endemismo de
biodiversidade e de estágio avançado de degradação ambiental (MYERS et al.
2000). Essa constatação foi reforçada pelo mapeamento de cobertura e uso da
terra realizado pelo Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da
Diversidade Biológica Brasileira (Probio) (SANO et al., 2010), que confirmou a
perda de aproximadamente 50% da vegetação do Cerrado bioma, além da
acentuada fragmentação em espaços que contam com poucos ambientes
naturais remanescentes (CARVALHO et al., 2009). Áreas como estas estão
70
concentradas na porção centro-sul do bioma, que inclui o norte de São Paulo, o
oeste de Minas Gerais, o leste Mato Grosso e praticamente todo o estado de
Goiás e do Mato Grosso do Sul, notadamente áreas onde a produção
agropecuária se dá mais intensivamente.
Apesar de o bioma já estar em grande parte ocupado pela
agropecuária, estudos da Embrapa afirmam que dois terços da área do bioma são
agricultáveis e que, portanto, aproximadamente 36 milhões de hectares são ainda
passíveis de ocupação pela agricultura (EMBRAPA CERRADOS, 2005), além da
possibilidade de aumento do efetivo bovino em áreas não demandadas por esta
atividade. Da mesma forma, Rocha et al. (2013) apontam que em torno de 60,90
%, da área total remanescente (~ 725.636 Km2) situam-se em declividades de até
3%. Nessas áreas, as maiores limitações estão relacionadas ao custo do
tratamento de alguns tipos de solo, pois, apesar de os latossolos representarem a
maior parte, há solos que demandam maiores investimentos em correção de
acidez e fertilização e outros com condições hidráulicas impróprias para boa parte
das commodities produzidas no Cerrado.
Além da produção de grãos alimentícios e de carne, também o cultivo
de cana-de-açúcar apresenta tendências de expansão no Cerrado, numa clara
resposta à demanda interna e externa por combustíveis mais baratos e menos
poluentes que os derivados de petróleo (NOBRE et al., 2001). A recente
expansão do cultivo de cana-de-açúcar e a instalação de usinas no Cerrado tem
ocorrido em áreas com aspectos físicos propícios e com boa infraestrutura
(SPAROVEK et al., 2008; RIBEIRO, 2010). No entanto, as áreas com estas
características normalmente já são tradicionais produtoras de grãos, o que tem
promovido a disputa entre a produção destas commodities. Como consequência,
a produção de grãos tende a buscar novas áreas, contribuindo para a expansão
de fronteiras agrícolas em várias áreas do Cerrado (SILVA; MIZIARA, 2011).
Diante dessa realidade, faz-se necessário identificar os processos
envolvidos na expansão das novas fronteiras agrícolas e suas implicações
socioespaciais. Uma das limitações desses estudos está no conhecimento da
dinâmica espacial e temporal dos usos da terra ao longo da ocupação do bioma.
O mapeamento histórico, baseado em sensoriamento remoto, aliado aos dados
censitários, podem fornecer informações confiáveis sobre essas realidades.
71
Assim, neste trabalho, com base em cenas dos satélites Landsat, localizadas em
áreas de fronteiras agrícolas recentes do Cerrado, foram gerados mapas de
cobertura e uso da terra a cada dois anos entre 1975 e 2010, os quais foram
analisados com o auxílio de dados censitários e de estudos anteriores sobre
essas áreas.
4.2 ESCOLHA DAS ÁREAS DE ESTUDO
Ao todo, três cenas Landsat, situadas em áreas de fronteira
agropecuária, caracterizadas pela rápida mudança na cobertura e uso da terra,
conforme dados do Sistema Integrado de Alertas de Desmatamento (Siad
Cerrado) (ROCHA et al., 2011), foram selecionadas (figura 4.1).
A figura 4.1 mostra que os desmatamentos ocorridos recentemente no
bioma Cerrado estão concentrados em áreas de expansão da fronteira
agropecuária. Especificamente, as cenas estudadas localizam-se no centro do
estado do Mato Grosso, na mesorregião Extremo Oeste Baiano e na confluência
entre os limites dos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, conhecido como
Mapito. Nesses espaços, a produção agropecuária moderna tem-se instalado
rapidamente, em função da escassez relativa de novas terras em áreas onde a
agropecuária já se consolidou (centro-sudeste do bioma) e da alta demanda por
commodities no mercado interno e externo (SAUER; LEITE, 2012).
4.3 ETAPAS METODOLÓGICAS DO PROCESSAMENTO DAS IMAGENS3
Foram utilizadas imagens do satélite Landsat em função da boa
resolução espacial, ao longo do período monitorado continuamente, e à
gratuidade de sua aquisição. Devido ao recorte temporal (1975 a 2010) foi
necessário utilizar imagens dos três sensores da série Landsat: MSS (80 m), TM
(30 m) e ETM+ (30 m). As cenas de cada ano foram escolhidas entre os meses
de junho a setembro, tendo em vista ser este o período de menor ocorrência de
nuvens no Cerrado. Entre 1982 a 1985 não houve imagens disponíveis, exceto
3 Uma versão mais abrangente desta metodologia pode ser consultada no apêndice A e em Silva
et al. (2013)
72
para o Mapito, que contou com a imagem deste último ano. O quadro 1 apresenta
as cenas utilizadas de cada sensor.
Figura 4.1 – Distribuição espacial (base municipal) dos alertas de desmatamento gerados pelo Siad Cerrado entre 2002 e 2010 e localização das cenas Landsat analisadas neste estudo.
Quadro 1 – Cenas dos sensores MSS, ETM+ e TM dos satélites da série Landsat utilizadas neste estudo
Período Cenas por sensor
MSS ETM+ TM
1975 - 1981 48
1986 - 2000 32
2002 3
2004 - 2010 12
Total 92
73
O registro das imagens foi realizado através do processo imagem com
imagem, a partir do mosaico GeoCover S23-10 2000 adquirido junto à National
Aeronautics and Space Administration (Nasa). O erro médio admitido foi de 0,6
pixel.
Em seguida as imagens foram segmentadas, utilizando-se 15 temas e
25 interações, com similaridade de 35 % e área mínima de 20 pixels, conforme o
método Bhattacharya (MOREIRA, 2011) e submetidas à classificação
supervisionada. Tendo em vista a variabilidade espectral, várias classes foram
criadas para um mesmo tema (ex. vegetação natural: cerrado denso_1, cerrado
denso_2, cerrado_ralo1, cerrado_ralo2, etc).
Após a classificação das imagens, os dados foram transformados em
vetores, cujos polígonos passaram por uma nova etapa de inspeção visual.
Assim, as classes foram reorganizadas e o dado final foi composto por cinco
classes: vegetação, agricultura, pastagem, mancha urbana e massa de água.
Com esse refinamento chegou-se à escala aproximada de 1/100.000.
4.4 CENA 226/70: CENTRO DO ESTADO DO MATO GROSSO
A frente de expansão que atingiu o atual estado do Mato Grosso foi
iniciada pelas entradas de bandeiras paulistas em busca de índios para o trabalho
escravo no Século XVII. Contudo, foi a descoberta e exploração do ouro de
aluvião nos Séculos XVIII e XIX que atraiu um contingente populacional
relativamente grande, dando início à sua ocupação por não índios. Com o declínio
do ouro, em meados do século XIX, a população se tornou rarefeita no grande
território desse estado. Devido ao distanciamento dos centros econômicos do
país, em função da localização geográfica e da carência de infraestrutura viária,
até o início da década de 1940 o estado se manteve pouco explorado, com as
atividades restritas à criação de gado, à agricultura, com destaque para o cultivo
de erva mate, e às explorações de madeiras e de seringueiras (FIGUEIREDO,
2003; COUTINHO, 2005).
A partir da década de 1950 se tornam mais visíveis tanto a ocupação
espontânea do território quanto políticas locais e nacionais indutoras desse fluxo.
Contudo, foi na década de 1970, no âmbito do II Plano Nacional de
74
Desenvolvimento (PND), que ocorrem as maiores mudanças e exploração
agropecuária do estado (FIGUEIREDO, 2003). A cena 226/70 abrange partes das
mesorregiões Norte, Centro-sul e Sudeste do estado do Mato Grosso (figura 4.1).
A proximidade com o oeste paulista, ocupado rapidamente desde a década de
1950 em função da alta fertilidade natural, fez com que o estado do Mato Grosso
do Sul e o centro-sul do Mato Grosso respondessem à alta demanda da
agropecuária moderna, impulsionada por ações como a do Polocentro, a partir de
1974 (último quadro da figura 4.2). Os três municípios inseridos diretamente
nesse programa (Diamantino, Alto Teles Pires e Rosário Oeste) não são os que
tiveram as maiores proporções de conversão de vegetação em usos, mesmo por
que um aspecto importante na escolha dos municípios que receberiam o
Polocentro era a infraestrutura já existente. A partir deles houve a difusão das
novas técnicas produtivas, que procuravam homogeneizar toda a agropecuária.
Porém, a infraestrutura e a dinâmica gerada nestas áreas foram capazes de
dinamizar o seu entorno. Ao todo, o Polocentro foi implantado em 30 municípios
do Mato Grosso, sendo um dos fatores que o transformaram no maior produtor de
soja do País. Além desse programa, em 1985 foi implantado nos municípios de
Tapurah e Lucas do Rio Verde, no nordeste do estado, o Prodecer II. Esses
municípios fazem divisas com o município de Nova Mutum, localizado ao noroeste
da cena, aumentando aí as condições para a rápida ocupação pela agropecuária.
Na cena 226/70, as pastagens cultivadas foram o uso que mais se
expandiu inicialmente, na porção oeste, notadamente nos solos mais férteis e
planos (figura 4.2). A agricultura preferiu os Latossolos e Neossolos de relevo
plano e suave ondulado, vencendo a competição pela localização, relativamente
às pastagens encontradas nesses espaços, e tornando-se rapidamente o uso
mais comum no conjunto da cena.
75
Figura 4.2 – Evolução espaço-temporal na cobertura e uso da terra na área correspondente à cena 226/70, localizada no centro-sul do estado do Mato Grosso. Fontes: Inpe e Nasa (imagens), Ibge (base cartográfica, censitária e classificação de solos e declividade)
76
A figura 4.3 mostra que a expansão e acomodação dos usos foram
contínuas, mantendo um padrão de diminuição do avanço das pastagens sempre
que a agricultura acelerava seu crescimento. Ao fim da série, percebe-se que a
estagnação da agricultura, enquanto as pastagens passam a ser o principal
indutor dos desmatamentos no último período. Um dos motivos do sucesso da
pecuária no estado do Mato Grosso é abertura do mercado de carne bovina para
o Brasil no mercado exterior, sobretudo desde 2005, cujo efeito foi o aumento dos
investimentos em tecnologia de produção e instalação de numerosas plantas
frigoríficas (SILVA et al., 2013a).
Figura 4.3 – Taxa de participação percentual cumulativa da área ocupada por cada classe mapeada em relação à situação em 2010 na cena 226/70 (centro-sul do estado do Mato Grosso), no período de 1975 a 2010.
Na agricultura, o primeiro produto importante na área estudada foi o
arroz, que suporta bem a acidez dos solos do Cerrado (figura 4.4). O arroz é uma
cultura tipicamente associada ao desmatamento no Cerrado, já que é cultivada
por alguns anos logo que a vegetação é removida e comumente apropriada por
quem fez esse trabalho inicial de “formação” da propriedade. A presença da
produção desse grão na área estudada indica a presença de dois tipos sociais
presentes na frente de expansão: o meeiro, que trabalha em terras de outros, e os
pequenos proprietários migrantes do sul do país, muitos dos quais não mais
77
presentes nessa área em função da venda das propriedades para grandes
proprietários e empresas. A partir da década de 1980, incentivada pelos projetos
de modernização da agricultura, a soja desponta como o principal produto. Outro
importante produto é o milho, que surgiu em resposta à crescente demanda
nacional e internacional. Assim, cada vez mais a agricultura desses municípios
substituiu produtos menos rentáveis por commodities. O efetivo bovino manteve
crescimento menor que o da agricultura, com certo declínio e desaceleração após
meados da década de 1995, provavelmente em função da competição por
localização com a agricultura, que cresceu muito desde essa data. Esta situação,
contudo, reflete a situação da cena, que destoa do que ocorre no estado do Mato
Grosso, onde não se registrou diminuição do efetivo bovino.
A soja produzida no Mato Grosso atende ao mercado nacional, mas
sobretudo o internacional, por meio de dez importantes portos, que mantém
distâncias aproximadas do estado em função de sua posição no território
Figura 4.4 – Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas e do efetivo bovino dos municípios compreendidos pela cena 226/70 (centro-sul do estado do Mato Grosso), entre 1973 e 2010 (municípios de Acorizal, Campo Verde, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Diamantino, Nobres, Nova Brasilândia, Nova Mutum, Nova Ubiratã, Paranatinga, Planalto da Serra, Primavera do Leste, Rosário Oeste e Santa Rita do Trivelato).
Fonte: IBGE, 2012.
78
nacional: Santos (SP), Manaus (AM), Vitória (ES), Paranaguá (PR), Santarém
(PA), Maranhão (MA), Porto Murtinho (MS) e Rio Grande (RS). A infraestrutura
viária do Mato Grosso tem bom adensamento, principalmente nas áreas com usos
mais consolidados, a exemplo da área aqui estudada. No entanto, o
distanciamento das áreas de plantio até os portos aumenta muito o fluxo de
caminhões nas rodovias, levando à rápida deterioração e ao aumento do custo da
produção (FIGUEIREDO, 2005; PINHEIRO; CAIXETA, 2010).
4.5 CENA 220/68: REGIÃO DO EXTREMO OESTE BAIANO
A porção do Cerrado localizada no estado da Bahia é conhecida como
mesorregião do Extremo Oeste baiano. Essa região manteve-se praticamente
como um vazio demográfico até a década de 1950 em função da sua distância
aos grandes centros consumidores, da falta de vias de acesso e da baixa
fertilidade dos solos. A pouca ocupação humana existente estava voltada para a
subsistência e ocorria nos fundos de vale, áreas mais férteis para o
desenvolvimento de agricultura, ao passo que a criação de gado se dava nas
extensas pastagens naturais nas partes altas (SANTOS, 2008).
Assim como outras áreas do Cerrado, no final da década de 1970 o
Extremo Oeste Baiano foi inserido na produção agropecuária moderna, mudando
profundamente suas características econômicas, demográficas e fundiárias
(SANTOS, 2008; MONDARDO, 2010). É a partir deste momento que a terra
adquire valor de troca e se torna comum a compra e venda de propriedades,
muitas delas regularizadas pela grilagem e expulsão de antigos ocupantes. Com o
uso de técnicas de correção da acidez e fertilização dos solos, os chapadões,
comuns nessa região, tornaram-se muito atrativos para grandes explorações
agrícolas. Com o apoio dos governos municipais, estadual e federal, esses
projetos promoveram um intenso fluxo migratório para essa região, principalmente
do sul do país, estimado em 1995 em 40.000 pessoas (HAESBAERT, 1996).
Dentre os principais impulsionadores da agricultura moderna no
Extremo Oeste Baiano destaca-se o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira
para o Desenvolvimento dos Cerrados II (Prodecer), iniciado em 1985 com o
objetivo de promover o cultivo de grãos em larga escala (YOSHII et al., 2000;
79
INOCÊNCIO 2010). Também no início da década de 1980 foi criado pelo governo
local o Programa de Ocupação Econômica do Oeste (Programa Básico)
(SANTOS, 2008). Destaca-se também uma série de programas voltados para a
irrigação, já que a rede hidrográfica da região é vasta, servida por muitos
afluentes da bacia do Rio São Francisco (ANA, 2012).
A figura 4.5 mostra que em 1977 surgiram as primeiras manchas de
pastagem ao nordeste da cena e que entre 1979 e 1981 esse uso se expandiu
nas porções sul e leste da área onde o relevo é montanhoso a escarpado e
altamente suscetível à erosão (VALLADARES et al., 2002). Apesar de a produção
de grãos ser conhecida como o ícone da ocupação do Extremo Oeste Baiano, na
cena analisada percebe-se que as pastagens cultivadas, atualmente
predominantes na porção leste da cena, foram o primeiro importante uso,
indicando que a pecuária começou a melhorar seu padrão técnico com a inserção
de espécies exóticas, mais resistentes e nutritivas que as naturais, mesmo antes
da modernização da agricultura. Infelizmente não houve imagens disponíveis para
os anos de 1982 a 1985, quando a agricultura começou a expandir, firmando-se
como o uso quase exclusivo na porção oeste da cena, onde predomina o relevo
plano e os solos dos tipos Latossolo Amarelo, Neossolo Litolíco e Neossolo
Quartezarênico, facilmente adaptados para a agricultura extensiva com o uso de
corretivos e fertilizantes (EMBRAPA, 1999).
Uma característica marcante do Extremo Oeste Baiano é que a pouca
infraestrutura viária existente até antes da década de 1980 não foi profundamente
transformada com a chegada da fronteira agrícola. A rede fluvial do Rio São
Francisco permaneceu como o principal meio de transporte de pessoas e
mercadorias até a difusão do transporte rodoviário e a pavimentação de rodovias
no país, impulsionadas pela criação de Brasília. Entre as rodovias importantes do
Extremo Oeste Baiano estão a BR-020 (Brasília-Fortaleza), a BR-242 (Barreiras-
Salvador) e a BR-135 (São Luís-Belo Horizonte), ainda hoje não pavimentadas
em alguns trechos. Ainda que precária, essa rede viária possibilitou a implantação
Prodecer nessa região, restando notável que no Cerrado a abertura e
manutenção de simples estradas de chão é o suficiente para se adentrar em
extensas áreas e se implantar a agropecuária.
80
Figura 4.5 – Evolução espaço-temporal na cobertura e uso da terra na área correspondente à Cena 220/68, localizada sobre a região do Extremo Oeste Baiano. Fontes: Inpe e Nasa (imagens), Ibge (base cartográfica, censitária e classificação de solos e declividade)
81
As figuras 4.5, 4.6 e 4.7 mostram o intenso ritmo das mudanças na
cobertura e uso da terra nessa porção do Cerrado e o reflexo das políticas de
ocupação. Percebe-se que da década de 1980 até o início da década de 1990
houve os maiores índices de conversão da vegetação, em função da expansão
da fronteira agrícola, apesar de a produção de soja, principal produto, ter sofrido
drástica queda no final da década de 1980. Na década de 1990, com o incentivo
do governo federal às exportações e início da estabilização da moeda nacional,
essa expansão ganha novo fôlego, resultando no uso de parte das áreas
propícias restantes na cena. No início da década de 2000 ocorreu um novo
aumento na área de agricultura, todavia ocupado pelo milho, pois a soja
enfrentou a ferrugem asiática durante a safra 2002/2003, o que desencorajou o
seu plantio e estabilizou a área colhida, tanto na região estudada quanto no
restante do país (PEIXOTO, 2005). Por outro lado, o milho enfrentou problemas
climáticos em outras partes do país entre 2004 e 2005, mas não nessa região,
onde consolidou-se como um dos principais produtos, acompanhado pelo
algodão, que tem alcançado bons preços no mercado internacional nos últimos
dez anos. Um traço marcante dessas três culturas no Extremo Oeste Baiano é a
rotação das culturas do milho e do algodão, que aproveitam o nitrogênio fixado
na terra pela soja, todos gozando historicamente de bons preços nos mercados
interno e externo. Assim, na década de 2000, as terras mais adaptadas à grande
lavoura foram incorporadas, indicando que, espacialmente, essa é uma fronteira
agrícola consolidada, estancada pelos seus próprios limites. Apesar de ainda
haver áreas propícias à expansão, a proximidade do Mapito fez com que essa
região atraísse a demanda por novas terras, causando, por outro lado, o
aumento da especulação imobiliária no Extremo Oeste Baiano.
82
Figura 4.6 – Taxa de participação percentual cumulativa da área ocupada por cada classe mapeada em relação à situação em 2010 na cena 220/68 (Extremo Oeste Baiano), no período de 1975 a 2010.
Figura 4.7 – Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas e do efetivo bovino dos municípios compreendidos pela cena 220/68, entre 1973 e 2010 (municípios de Dianópolis, Novo Jardim, Ponte Alta do Bom Jesus, Taguatinga, Cristalândia do Piauí, Sebastião Barros, Angical, Barreiras, Catolândia, Cotegipe, Formosa do Rio Preto, Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia e São Desidério).
Fonte: IBGE, 2012.
83
Internamente, a produção de grãos passou por mudanças
importantes, que podem ser entendidas como fases do processo de avanço da
fronteira agrícola. Até a década de 1970, a produção de grãos, como o milho, o
feijão e o arroz, além do algodão, estava voltada para a subsistência e
comercialização do excedente. A partir de meados da década de 1980, o arroz,
uma das primeiras commodities, é progressivamente substituído pela soja, que
passa a ser dominante (figura 4.7).
Embora os desmatamentos continuem elevados, o aumento da
produção tem-se dado também em função do incremento da produtividade
baseada nos avanços tecnológicos e da difusão da irrigação, que permite mais de
uma colheita por ano. Atualmente a área irrigada é de 100 mil hectares com
previsão de expansão para 200 mil hectares (AIBA, 2012). Quanto às
fitofisionomias desmatadas, o monitoramento da expansão agropecuária na
região do Oeste da Bahia, realizado pela Embrapa em 2002, para o período de
1985 a 2000, mostrou que as classes Floresta Estacional e Transição Caatinga-
Floresta Estacional-Cerrado foram as mais atingidas e tiveram redução de 11,5%
e 15% respectivamente (BATISTELA et al., 2002). As classes Campo Cerrado e
as manchas de Vegetação Ciliar tiveram 6,7% e 2,8% de redução,
respectivamente. Esses dados confirmam a preferência por áreas de vegetação
mais densa, com solos e relevos mais adequados à agricultura moderna.
A pecuária, por sua vez, consolida-se rapidamente, entre o final da
década de 1970 e o final da década de 1980, quando começa a perder área para
a agricultura, sobretudo no centro da cena, onde ocupava terras apropriadas ao
cultivo extensivo, deslocando-se para terras não requeridas pela agricultura.
Apoiada no mercado da carne bovina cresceu primeiramente em função da
demanda interna, mas, a partir da década de 1990, passa também a ser
impulsionada pelo aumento das exportações brasileiras. Note-se que, nessa curta
história da pecuária, ocorre a exigência hegemônica por modernos padrões de
produção, como o melhoramento dos pastos e dos animais, fazendo com que
essa atividade, a exemplo da agricultura, passe a ser exercida, cada vez, por
grandes criadores e empresas.
84
4.6 CENA 221/66: REGIÃO DO MAPITO
A cena 221/66 é representativa da área de confluência entre os
estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, denominada “região do Mapito”, às
vezes incluindo o Extremo Oeste Baiano, quando passa a se chamar Mapitobá.
Tendo em vista que a formação da região do Mapito mantém muitas diferenças
em relação a esta parte do estado da Bahia, optou-se por estudá-las
separadamente. As principais semelhanças entre essas regiões são o isolamento
em relação aos centros consumidores, deficiência viária e a presença de extensos
chapadões pouco ocupados. Diferem, por outro lado, no relevo, pois, enquanto a
parte oeste do Extremo Oeste Baiano se caracteriza por chapadões extensos, no
Mapito esse tipo de relevo se mescla com o relevo ondulado, limitando a
contiguidade de sua ocupação pela agricultura. Outra importante diferença foi a
resposta mais lenta do Mapito às políticas de modernização da agropecuária,
talvez mesmo por conta da “concorrência” com regiões como o Extremo Oeste
Baiano, que tanto contavam com melhores condições estruturais para a ocupação
quanto conseguiam canalizar mais recursos públicos nas décadas de 1970 e
1980.
A frente de expansão chegou à região do Mapito muito cedo, ainda no
início do Século XVIII, pelo sul do Maranhão, movida por criadores de gado
vindos da Bahia e de Pernambuco, que expulsaram os grupos indígenas desta
região (CABRAL, 1992) e viveram da venda do gado e da agricultura de
subsistência até o início da década de 1970. No decorrer da segunda metade da
década de 1970 já era possível perceber a substituição das pastagens naturais
por cultivadas, de forma pulverizada, em quase toda a cena, indicando que a
criação de bovinos iniciou nessa década um importante melhoramento técnico
(figura 4.8).
85
Figura 4.8 – Evolução espaço-temporal na cobertura e uso da terra na área correspondente à Cena 221/66, localizada sobre a região do Mapito (Maranhão, Piauí e Tocantins). Fontes: Inpe e Nasa (imagens), Ibge (base cartográfica, censitária e classificação de solos e declividade)
86
Antes da década de 1970 o estado do Maranhão contou com alguns
pequenos projetos de colonização agrícola, muitos deles financiados apenas com
recursos municipais e pouco expressivos. Foi no decorrer da década de 1970, no
período em que o governo militar mais investiu em grandes projetos nacionais,
que se instituíram os programas federais de modernização da agropecuária, dos
quais se destacam o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do
Nordeste (Polonordeste), de 1974, e o Programa Especial de Apoio ao
Desenvolvimento da Região Semi-Árida do Nordeste (Projeto Sertanejo), de 1976.
Além dessas fontes de financiamento, foram instituídos, no final de 1974, dois
importantes fundos constitucionais do governo federal, o Fundo de Investimento
do Nordeste (Finor) e o Fundo de Investimento Setorial (Fiset), que contemplaram
os estados do Maranhão e do Piauí.
Contudo, o programa que alcançou maior sucesso e poder de
influência na estrutura produtiva do Mapito foi o Prodecer III, implantado em 1995
nos municípios de Balsas, no Maranhão, e de Pedro Afonso, no Tocantins
(FERREIRA, 2008; SANTOS, 2011). Embora os municípios abrangidos pela cena
aqui estudada não tenham sido diretamente inseridos nesses programas
especiais, com exceção de Balsas, a proximidade com o Extremo Oeste baiano,
cuja ocupação tem ocorrido aceleradamente, e com o município de Pedro Afonso,
resultou na ampliação da agropecuária moderna para esse espaço. Auxiliando as
pesquisas agropecuárias, além da presença da Embrapa, o Mapito conta com a
Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor Norte (Fapcen), criada em 1993 por
iniciativa dos próprios agricultores e pecuaristas.
Os condicionantes naturais e antrópicos da cena estudada, de forma
geral, poderiam limitar aí o avanço da agropecuária. Os Latossolos Amarelos e
Neossolos Litólicos, ambos de textura arenosa, e que ocupam 90% da área, são
importantes fatores limitantes à agropecuária moderna (figura 4.8). O relevo
predominante é o montanhoso à escarpado, sendo que a porção plana localiza-se
em partes da área central, cujo acesso é dificultado pela quase inexistência de
vias asfaltadas. Por outro lado, a proximidade desta área com os biomas
Amazônia e Caatinga propiciam um regime de chuvas regulares, além de cursos
d’água perenes e abundantes. Assim, o impedimento da ocupação dessas áreas
pela agropecuária moderna só ocorreria se o custo da correção dos solos e do
87
transporte onerasse a produção a ponto de ameaçar a competitividade, o que não
é o caso.
A exemplo do que ocorreu em outras áreas do Cerrado, também no
Mapito a substituição das pastagens naturais pelas cultivadas precedeu a
chegada da agricultura, que inicialmente ocupou as áreas mais planas e se
expandiu para as áreas de baixa declividade, até então ocupadas pelas
pastagens. Tal dinâmica é observada, por exemplo, no noroeste da cena (figura
4.8), uma das primeiras zonas ocupadas pelas pastagens cultivadas e que ao
longo dos anos deu lugar a um grande polígono dominado pela agricultura.
Concomitantemente, as pastagens cultivadas continuam a se expandir na cena,
todavia cada vez mais conformadas às porções onde o relevo é montanhoso ou
escarpado. Na figura 4.9, o “crescimento zero” das pastagens, entre os períodos
1986-1988 e 1988-1990, sugere que estas, substituídas pela agricultura,
induziram desmatamentos em busca de novas áreas para sua expansão.
Também constata-se que essa competição atinge seu auge coincidentemente ao
pico da agricultura, entre os intervalos de 2000-2002 e 2002-2004, quando a
pastagem apresenta a maior perda de área. À esta época, i.e. início da década de
2000, a agricultura começa a se aproximar da saturação, conforme sugerem o
recorde de desmatamento e nos modestos crescimentos tanto das pastagens
como da agricultura nos três últimos períodos analisados, ainda que a demanda
dos produtos agropecuários continuasse alta.
88
Figura 4.9 – Taxa de participação percentual cumulativa da área ocupada por cada classe mapeada em relação à situação em 2010 na cena 221/66 (Mapito), no período de 1975 a 2010.
Analisando-se internamente a produção agrícola (figura 4.10), percebe-
se claramente dois momentos da ocupação do Mapito: o arroz, típico da abertura
de novas áreas para a agropecuária, é preponderante até meados da década de
1990, quando a soja se torna dominante, contudo ainda havendo presença do
cultivo de arroz, visto que a abertura de novas áreas ainda estava em curso.
Todavia, em face da lucratividade da soja, é de se pensar que após meados
dessa década muitas das áreas novas não passaram pelo cultivo do arroz, tendo
sido precedidas principalmente pela semeadura das pastagens. Também do
ponto de vista do trabalho aí empregado, tem-se a mesma clivagem: enquanto o
cultivo do arroz é em grande parte cultivada sem o uso de técnicas avançadas,
por isso empregando mais trabalhadores, a soja, ao se tornar dominante, libera
essa mão-de-obra, que tende migrar para as cidades, pois também a pecuária,
apesar de expandir, tem baixa capacidade de absorver todos esses
trabalhadores.
89
4.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das características centrais do processo de expansão da moderna
tecnologia agrícola no Cerrado – caracterizado como expansão da fronteira
agrícola – é a sua heterogeneidade. Combinam-se fatores com influência em
diversas escalas, tais como ação estatal, infra-estrutura de produção e
escoamento, mercado, além da diversidade inerente à terra: topografia,
fertilidade, recursos hídricos e regime pluviométrico. Tendo esse pano de fundo,
os agentes econômicos – especialmente os migrantes do Sul do país – adotam
estratégias diferentes quanto ao que produzir e onde produzir. Dessa forma,
temos como resultado um mosaico com distintos usos da terra e também com
diferentes níveis de tecnologia.
O presente estudo mostra como a dinâmica mais recente de expansão
de fronteira ocorre em três áreas emblemáticas do Cerrado. Apesar de ser
Figura 4.10 – Evolução da área cultivada dos principais produtos agrícolas e do efetivo bovino dos municípios compreendidos pela cena 221/66, entre 1973 e 2010 (municípios de Campos Lindos, Centenário, Goiatins, Lizarda, Recursolândia, Rio Sono, Alto Parnaíba, Balsas, Carolina, Riachão, Sambaíba, Tasso Fragoso, Gilbués, Ribeiro Gonçalves e Santa Filomena).
Fonte: IBGE, 2012.
90
possível perceber uma dinâmica geral para o bioma, as análises específicas são
particularmente reveladoras da articulação dos distintos fatores que interferem
nesse processo. Assim, em cada caso analisado foi possível identificar os fatores
que influenciaram de forma mais significativa na mudança do uso da terra.
A análise das três áreas de fronteira em estudo revelou que a
ocupação do Cerrado, promovida a partir da década de 1970, criou um novo
modelo de exploração dos recursos naturais, com base na agricultura moderna e
profundamente heterogêneo no tempo e no espaço. No primeiro momento de
ocupação, antes da inserção da agricultura moderna, tem-se em comum, nas três
áreas investigadas, a predominância de atividades não voltadas prioritariamente
para o mercado, como a criação extensiva de gado e a agricultura em fundos de
vale e nas áreas com maior declividade. Entretanto, em porções do Mato Grosso
ocorre uma dinamização rápida, visível já no final da década de 1970, pois a
proximidade do estado com os grandes centros consumidores fomentou a
agricultura em escala industrial, voltada à exportação. Na porção do Extremo
Oeste Baiano, essa dinamização só corre a partir de meados da década de 1980
e no Mapito a partir de 1994.
As três áreas de fronteira aqui analisadas mantém algumas
semelhanças. Todas elas partiram de um ambiente pouco explorado na década
de 1970, com muitos chapadões, e passaram por um rápido processo de
desmatamento e plantio de pastagens e commodities, com destaque para a soja.
A adoção das modernas técnicas de produção foi induzida pelo Estado, que
passou a atuar menos intensamente assim que boa parte dos produtores se
consolidou e a iniciativa privada passou a explorar e a financiar parte da
produção.
Por outro lado, há diferenças importantes. Uma delas é a composição
do fluxo migratório. No Mato Grosso, além dos sulistas, que eram maioria, houve
a migração de paulistas, sobretudo os que se dedicavam à pecuária, impelidos
pelo aumento do preço das terras no Estado de São Paulo. O Extremo Oeste
Baiano contou com maior presença de sulistas (HAESBAERT, 1996). O Mapito
atraiu muitos sulistas, mas também migrantes de áreas como o Mato Grosso,
onde as condições eram menos favoráveis, como o preço da terra e a distância
dos portos. Esta dificuldade com os transportes é outra grande discrepância, pois,
91
o Extremo Oeste Baiano e o Mapito, apesar de não contarem com densa rede
viária próxima das áreas de cultivo, conseguem menor custo com transporte, ao
que se soma o menor preço das terras e as grilagens, ainda presentes.
O Mapito, embora considerado como uma extensão do modelo de
ocupação do Extremo Oeste Baiano (e por esta razão, muitas vezes denominado
Mapitobá), só passou a ser ocupado de forma acelerada a partir da década de
1990, quando o poder público começa a deixar de financiar grandes projetos, o
que, aliado à estabilidade econômica que se iniciava, bem como à certeza de
mercado, possibilitou a concentração de grandes produtores e empresas
(BARROS, 2010).
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) (Edital Universal e bolsa de produtividade em
pesquisa PQ IC para o segundo autor), da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) (Bolsa de doutorado para o primeiro e terceiro
autores) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).
Suporte financeiro para esta pesquisa também foi obtido junto à United States
National Aeronautics and Space Administration (Nasa) – Land-Cover and Land-
Use Change Program (LCLUC) (NNX11AE56G), em parceria com o Woods Hole
Research Center.
92
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Devido à sua divisão em artigos, as principais conclusões desta
pesquisa já constam do final de cada uma dessas partes. Ainda assim, procura-se
aqui avançar na sintetização de questões que perpassam os temas internos e
externos à pesquisa.
Esta pesquisa insere-se num contexto histórico de crescimento das
preocupações acerca das rápidas transformações sociais e ambientais do bioma
Cerrado. Instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, tem
ampliado o apoio às ações e estudos acerca desse tema, cujo um dos produtos é
esta tese, que contou com os apoios mencionados nos artigos.
A estratégia de pesquisa de mapeamento da cobertura e uso da terra a
partir de imagens revelou, por um lado, a importância dos dados históricos para
os estudos espaciais do Cerrado e, por outro, o grande trabalho necessário para
se mapear essas séries para todo o bioma e se alcançar um produto capaz de
auxiliar estudos de pequena à grande escala. Neste sentido, destaca-se, a
reconstrução dos limites municipais para o mapeamento de dados censitários
históricos (a partir de 1970), os quais não são disponibilizados pelo IBGE.
A individualização do estudo das pastagens cultivadas no primeiro
artigo, bem como sua recorrência nos dois últimos, mostrou-se uma boa escolha
na pesquisa, pois avançou na compreensão de como a pecuária se distribui no
espaço e como os fatores naturais e antrópicos interferem nessas localizações. A
evidenciação da sua competição com a agricultura, sobretudo onde o preço da
terra é maior, clarificou algumas questões importantes: a) a disposição espacial
dos diferentes tipos de solo e relevo é a maior força modeladora das localizações
da pecuária e da agricultura no Cerrado; b) por outro lado, a proximidade dos
maiores centros urbanos consumidores (i.e. a demanda), faz com que a pecuária
consiga inverter a lógica dominante, ocupando terras requeridas pela agricultura,
necessitando, em contrapartida, elevar seu padrão técnico produtivo e sua
lucratividade. Essa inversão das localizações é vista nas proximidades das
regiões metropolitanas, enquanto nas novas fronteiras agrícolas, distantes desse
tipo de mercado, ainda predomina a regra primária das localizações, i.e. com a
agricultura de grãos dominando as áreas mais planas e com maior fertilidade.
93
O papel do estado como indutor da ocupação do Cerrado, por ser
evidente e já muito debatido na literatura, não representa uma novidade desta
pesquisa. Todavia, a demonstração cartográfica da distribuição dos programas
federais no Cerrado representa um avanço e se mostra como uma importante
ferramenta para o entendimento da modernização da agropecuária. Ainda sobre o
financiamento público da produção, verifica-se que a mudança na ação do Estado
no Cerrado, a partir de meados da década de 1990, ainda se encontra em fase
inicial, apesar de sua importância. A presença de grandes grupos agroindustriais
nacionais e internacionais, como a Dreyfus, Bunge, Cargil e outras abrindo a
fronteira agrícola no Mapito (SAUER; LEITE, 2012) evidencia essa mudança do
papel do estado de indutor para acessório na agropecuária moderna.
A pesquisa aqui apresentada possibilitou maior compreensão dos
processos de ocupação do bioma Cerrado, desencadeado a partir da década de
1970. A principal característica deste processo foi a expansão da fronteira
agrícola brasileira no Cerrado aos moldes da produção da agropecuária moderna,
visando à produção de commodities para o abastecimento interno e,
principalmente para exportação. Esse modelo se estabeleceu ao longo do
Cerrado com diferenças espaciais e temporais, fazendo do Brasil um dos maiores
produtores e exportadores de grãos e de carne no mundo. No entanto, resultou
também, na fragmentação espacial da paisagem e em profundas mudanças
sociais no campo e na cidade.
94
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103
APÊNDICE A: METODOLOGIA DE PROCESSAMENTO DAS IMAGENS4
1 Cenas utilizadas
A escolha da cena do centro-sul de Goiás se deu em função do seu
histórico de mudança de uso e cobertura da terra, pois é uma das mais antigas
áreas de povoamento do Cerrado e onde a alta tecnologia de produção
agropecuária chegou mais cedo, no início da década de 1970. As outras três
cenas compõem a atual fronteira agrícola do Cerrado, onde a produção de
commodities tem mudado rapidamente o ambiente, como se pode ver pelos
mapeamentos do uso e cobertura da terra de 2002 (Probio) e dos alertas de
desmatamento ocorridos entre 2002 e 2010 (figura 1).
Figura 1 – Mapeamento do uso e cobertura da terra realizado pelo Probio em 2002 e alertas de desmatamentos gerados pelo Siad Cerrado para o período de 2002 a 2010, com destaque para a localização das cenas Landsat selecionadas para o presente
estudo.
4 Baseado no artigo intitulado “Mapeamento de mudança de uso e cobertura da terra no bioma Cerrado
entre 1975 e 2010 a partir da classificação de imagens Landsat”, aceito para publicação no XVI Simpósio
Brasileiro de Sensoriamento Remoto, tendo como autores Elaine Barbosa da Silva, Genival Fernandes
Rocha, Antonio Fernandes dos Anjos, Laerte Guimarães Ferreira Jr., Adriano Faria, Janete Rego Silva e
Arielle Elias Arantes.
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2 Etapas metodológicas do processamento das imagens
O mapeamento da mudança de uso e cobertura da terra seguiu as
etapas mostradas na figura 2.
Figura 2 – Fluxograma das etapas metodológicas do mapeamento de uso e cobertura da terra.
Foram utilizadas imagens do satélite Landsat devido à boa resolução
espacial, à disponibilidade de cenas para longo período e à gratuidade de sua
aquisição. O recorte temporal deste trabalho foi de 1975 a 2010, tendo sido
necessário utilizar imagens dos três sensores da série Landsat: MSS (80 m), TM
(30 m) e ETM+ (30 m). As cenas de cada ano foram escolhidas entre os meses
de junho a setembro, haja vista ser este o período de menor ocorrência de nuvens
e aerossóis no Cerrado, ou seja, imagens com menos interferências atmosférica.
Para o período de 1975 a 1981 foi necessário formar mosaicos com
quatro cenas do sensor MSS para cobrir a área equivalente à de uma cena do
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sensor TM, uma vez que as órbitas-pontos destes sensores são diferentes.
Devido à variação na posição das imagens TM, foi feito um recorte com a região
da cena que aparecia em todos os anos, reduzindo a área da cena de 180 km2
para 160 km2, a qual também foi utilizada para as cenas MSS. De 1982 a 1985
não houve imagens disponíveis. Após esse período foram obtidas imagens com
intervalo de dois anos (quadro 1).
Quadro 1 – Cenas Landsat utilizadas no estudo.
Período Cenas por sensor
Sensor Quantidade
1975 / 1981 MSS 64
1986 / 2000 TM 32
2002 ETM+ 4
2004 / 2010 TM 16
Total 116
A correção geométrica das imagens foi realizada por meio do processo
imagem com imagem a partir do mosaico GeoCover S23-10 2000, adquiridas
junto ao portal da National Aeronautics and Space Administration (Nasa)
(https://zulu.ssc.nasa.gov/mrsid/). O erro médio admitido foi de 0,6 pixels. Neste
processo, utilizou-se composição colorida RGB 543 por considerá-la melhor para
identificar os usos da terra (figura 3 a).
O processo de classificação de imagens foi o supervisionado com
segmentação (fragmenta uma região e unidades homogêneas, considerando
características como o nível de cinza dos pixels e a textura) por meio do algoritmo
de agrupamento Bhattacharya (Moreira, 2011), no software Spring, que
apresentou o melhor resultado. Os parâmetros usados para a segmentação
foram: similaridade de 35% e área mínima de 20 pixels. Para a classificação
utilizaram-se 15 temas e 25 interações (Inpe, 2010).
Após o processo de segmentação, foi feito a coleta de amostras
(treinamento) para realizar a classificação da imagem. O objetivo deste
mapeamento foi o de gerar as classes vegetação, agricultura e pastagem. No
entanto, para obter uma boa separação dos elementos presentes nas imagens foi
necessária a criação de várias subclasses. Para a vegetação foi necessário criar
mais de uma classe para cada fitofisionomia (i. e., cerrado denso_1; cerrado
denso_2; cerrado_ralo1; cerrado_ralo2, etc.), devido ao complexo comportamento
106
espectral de cada uma delas. O mesmo ocorreu com a agricultura, como pode ser
verificada na letra “b” da figura 3. No final deste processo, estas várias subclasses
de vegetação foram integradas em uma única classe e, o mesmo tendo sido feito
para as subclasses de agricultura.
a) imagem não classificada (RGB 543) b) imagem classificada
Figura 3 – Imagem antes e depois do processo de classificação no Spring versão 5.2.1
Para subsidiar a interpretação dos alvos, foram utilizadas imagens de
alta resolução disponibilizadas online pelo Google Earth. No entanto, nem todas
as áreas que apresentavam dificuldades de interpretação estavam cobertas pelas
imagens de alta resolução, o que dificultou a distinção dos alvos nestas áreas.
Dentre as principais dificuldades destacam-se a confusão entre pastagem e
cerrado ralo e entre cerrado ralo e agricultura, principalmente nas cenas 220/68 e
221/66. A similaridade do comportamento espectral desses alvos resultou na
confusão entre pixels vizinhos de classes distintas. Assim, áreas próximas, mas
com distintos usos foram classificadas como uma única classe. Para se melhorar
a distinção desses alvos os arquivos vetoriais gerados passaram por criteriosa
inspeção visual e foram validados com dados de campo. Nas letras a, b e c da
figura 4 tem-se o exemplo de uma área de vegetação parcialmente classificada
como agricultura, enquanto as letas d, e e f referem-se à confusão espectral entre
vegetação rala e pastagem. Verificou-se em campo que esse tipo de confusão
ocorre onde a vegetação é rala e está sobre solo arenoso, fato que influencia na
segmentação e na classificação da imagem. Esses comportamentos foram
107
verificados em toda a porção sul e leste da cena 220/68 e também na porção
leste e oeste da cena 221/66, todas com significativa quantidade de solo arenoso.
a) Imagem segmentada. Várias segmentações em áreas com mesmo uso. Coord. 12°01’ 20.66” S; 46° 02’ 26.41” O
b) Imagem classificada. Confusão parcial de vegetação com agricultura.
c) Foto da sequência a e b. Soja ao fundo e detalhes da vegetação rala sobre solo arenoso.
d) Imagem segmentada. Várias segmentações em áreas com a mesma ocupação. Coord. 12°16’ 39.11” S; 45° 50’ 37.94” O
e) Imagem classificada. Vegetação rala classificada como pastagem.
f) Foto da sequência d e e.
Figura 4 – Demonstrativo de áreas classificadas erroneamente e validação em campo.
Outra interferência no comportamento espectral dos alvos e na
interpretação das imagens são as multiplicidades de usos em uma mesma área. É
comum encontrar áreas de agricultura próximas de áreas ocupadas por
pastagens. Isso se deve ao fato do crescimento do sistema de rotação entre
pastagem e lavoura. Embora, esses alvos tenham sido bem separados no
processo de segmentação, na etapa de classificação houve confusão entre esses
alvos. Após a realização do trabalho de campo percebeu-se que os problemas
mencionados anteriormente estavam presentes em todas as cenas. Portanto,
para se chegar a uma escala próxima de 1/100.000, optou-se por utilizar apenas
os polígonos gerados no processo de segmentação e classificação das imagens e
através deles proceder a nova inspeção visual. Desta forma, todas as classes
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criadas foram consideradas como vegetação e sobrepondo os polígonos com a
imagem bruta realizou-se a nova inspeção, polígono a polígono (figura 5).
a) Polígonos obtidos
após a classificação por segmentação.
b) Polígonos sobrepostos a imagem bruta e nova etapa de inspeção visual
c) Processo de inspeção e criação das novas classes concluído.
Figura 5 – Processo de inspeção visual realizada após processo de classificação por segmentação.
Para minimizar o tempo gasto no processo de inspeção visual, a classe
de uso de um ano foi exportada e inserida na imagem seguinte (e. g., o uso de
1975 foi inserido no ano de 1977) e conferido se não havia ocorrido alguma
mudança de uso, pois uma área com pastagem em um ano pode ser convertida
em agricultura no outro e vice-versa, por exemplo. O resultado mostrou-se
satisfatório, inclusive a comparabilidade entre as imagens MSS e as TM e ETM+.
A escala aproximada do mapeamento final, de 1/100.000, mostrou-se apropriada
para estudos microrregionais.
3 Considerações
A boa qualidade das imagens Landsat e sua longa cobertura temporal,
além da gratuidade de aquisição, fazem delas um ótimo meio de estudo de
mudanças de uso e cobertura da terra. O período de dois anos entre as imagens
mostrou-se razoável para as cenas estudadas, que foram modificadas muito
rapidamente nas últimas três décadas, em função da produção de commodities.
Para o estudo de áreas de ocupação menos acelerada é possível adotar períodos
maiores entre as imagens.
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Destaca-se a dificuldade do software Spring em trabalhar com grandes
volumes de dados, sendo comum o travamento e a perda de dados durante a
conversão de dados matriciais em vetoriais. Outro problema encontrado foi na
segmentação das áreas que possuem muitos usos, com predominância de
pastagem, onde o software teve grande dificuldade de separar os alvos
pastagem, vegetação rala e agricultura, resultando na redução das demais
classes à de pastagem ou agricultura. Isto demandou maior trabalho com a nova
etapa de inspeção visual e redefinição das classes.
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