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Page 1: A DINÂMICA DA INFLAÇÃO BRASILEIRA APÓS O PLANO REAL · CMN. Em meio ao desaquecimento da economia brasileira, fruto da crise financeira internacional, o BC baixou os juros quatro

  Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.3, n. 6, agosto 2010 | 1 

A DINÂMICA DA INFLAÇÃO BRASILEIRA APÓS O PLANO REAL

Fernando Luiz Scherer Paulo Sérgio Kowaleski

Sebastião Vieira de Rezende Júnior

O Brasil se preparou nos últimos anos para traçar um caminho de crescimento sustentável.

Até então, a economia nacional não conseguia se desenvolver, pois se deparava com crises

cambiais ou inflacionárias. As décadas de 80 e 90 mostraram uma série de experiências no

Brasil para tentar erradicar a inflação. O Brasil, ao final da década de 80, registrava uma

inflação de mais de 1.500% ao ano e posteriormente, em 1993, atingiu o surpreendente

patamar de 2.500% ao ano. O cenário começou a mudar a partir de 1994, com o plano de

estabilização econômico.

A estabilidade e a maior previsibilidade econômica viabilizaram o aumento dos

investimentos das empresas e, por consequência, o maior crescimento do país. Entre os anos

de 1980 a 2003, o Brasil registrou uma taxa de expansão média do PIB de 2% ao ano. Esse

período pode ser dividido em duas etapas, sendo que do início da década de 1980 até meados

de 1994, o Brasil vivia com hiperinflação, o que propiciava um ambiente muito desfavorável aos

negócios e incertezas com relação à evolução dos preços. A segunda, após 1994, com a

implantação do Plano Real, que depois de muitas décadas apresentou expectativas de inflação

com trajetória descendente. Esse cenário não havia sido verificado nem mesmo no período de

inflação mundial baixa.

De lá para cá, reformas, novas instituições e políticas econômicas construíram um

ambiente de estabilidade que tem resistido, por exemplo, às disputas políticas; mas os juros

brasileiros ainda são maiores do que nos países parecidos. É preciso admitir que o Brasil se

atrasou em relação a esses outros países, pois quando começou a liquidar a inflação em 1994,

esta já não existia nas nações mais relevantes. Ou seja, a economia brasileira estava em

trânsito, os juros poderiam cair mais e se aproximar dos padrões internacionais.

Com a adoção do Plano Real, em 1994, o Brasil sufocou o processo de hiperinflação;

nesse período, as máquinas de remarcar preços trabalhavam dia e noite (espiral inflacionária),

um aumento levava a outro, quando subia o dólar, subia a gasolina, subiam os preços e muito

depois subiam os salários; num único mês a inflação passou de 80% e tornou-se inevitável um

contra-ataque, através de planos econômicos. Em 1998, os níveis de inflação no Brasil eram

comparáveis aos níveis de inflação de países do chamado “primeiro mundo” (tabela 1).

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  Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.3, n. 6, agosto 2010 | 2 

TABELA 1 – EVOLUÇÃO ANUAL DOS PRINCIPAIS ÍNDICES DE INFLAÇÃO BRASILEIRA – 1993 – 2009 (EM %)

ANO IGP-DI IGP-M IPA IPCA INPC IPC 1993 2708,2 2567,5 2639,3 2477,1 2489,1 2491 1994 1093,9 1246,6 1029,4 916,4 929,3 941,2 1995 14,8 15,2 6,4 22,4 22 23,2 1996 9,3 9,2 8,1 9,6 9,1 10 1997 7,5 7,7 7,8 5,2 4,3 4,8 1998 1,7 1,8 1,5 1,6 2,5 -1,8 1999 20 20,1 28,9 8,9 8,4 8,6 2000 9,8 9,9 12,1 6 5,3 4,4 2001 10,4 10,4 11,9 7,7 9,4 7,1 2002 26,4 25,3 35,4 12,5 14,7 9,9 2003 7,7 8,7 6,3 9,3 10,4 8,2 2004 12,1 12,4 14,7 9,3 6,1 6,6 2005 1,2 1,2 -1 7,6 5 4,5 2006 3,8 3,8 4,3 5,7 2,8 2,6 2007 7,9 7,8 9,4 4,5 5,2 4,4 2008 9,1 9,8 9,8 5,9 6,4 6,2 2009 -1,4 -1,7 -4,1 4,3 4,1 4,6

FONTE: FGV, IBGE, FIPE

Com a hiperinflação superada, a economia brasileira começou a registrar baixos níveis de inflação, embora, até janeiro de 1999, o regime de câmbio semifixo tenha levado o BC a adotar taxas de juros de dois dígitos, o que ajudou a provocar níveis de expansão reduzidos do PIB. Ainda naquele ano, já com a mudança para o regime de câmbio flutuante, sistema de metas de inflação e maior rigor fiscal, o Brasil começou a melhorar seus fundamentos macroeconômicos, o que foi essencial para o atual governo registrar maiores taxas de crescimento, mesmo com o aumento dos custos dos componentes importados, sendo transferidos para os preços do atacado, porém sem afetar os preços do varejo. A redução da dívida interna é outro fator que evidenciou a trajetória seguida pelo país nos últimos anos.

As metas de inflação não foram alcançadas em 2001 em razão dos choques externos e internos que atingiram a economia. A decisão tomada em elevar abruptamente a taxa Selic que vinha sendo reduzida desde 1999, como medida para conter a depreciação da moeda e a elevação dos preços, chamou a atenção dos credores externos, o que gerou uma crise no balanço de pagamentos do mesmo ano. A taxa de inflação medida pelo IPCA alcançou 7,7% a. a. (Tabela 01 – Anexo), reflexo do repasse da taxa de câmbio, o que caracterizou um descumprimento das metas inflacionárias que tinham por limite no período 6%. Por fim, conforme afirmam Pereira e Gomes, o lado fiscal da economia deteriorou-se em 2001, apesar do superávit primário do governo de 3,75% do PIB (appud OREIRO, PAULA & SOBREIRA, 2009)

A alta inflação de 2002 ocorreu por conta de uma conjugação perversa de uma severa crise de confiança e de um forte aumento da aversão ao risco nos mercados internacionais. Já em 2003, ela teve como causadores a inércia inflacionária de 2002, elevadas expectativas de inflação dos agentes e os efeitos da alta do dólar (que quase atingiu R$ 4,00 no fim do ano anterior).

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Depois de uma leitura equivocada do mercado, após a eleição de Lula, a inflação reage depois de muitos anos. A equipe econômica deste Governo surpreendeu o mercado e conduziu a economia brasileira à estabilidade, por meio de uma política macroeconômica estabilizadora.

A inflação medida pelo IPCA fechou 2002 em 12,53%, acima da meta acertada com o FMI (11%) e bem acima da meta estabelecida internamente pelo governo no início do ano, mas o índice de dezembro, 2,10%, foi menor do que o de novembro – o que mostra diminuição do ritmo de alta da inflação.

O ciclo de aperto monetário iniciado em 2003, época em que a inflação brasileira ainda era alta, tinha o objetivo de fazer os índices de preços recuarem mais rapidamente; os efeitos foram sentidos por toda a população, em especial as famílias de renda menor, cujo poder de compra diminuíam do início da manhã até o anoitecer. Foi doloroso, mas a opção por um processo mais acentuado de redução da inflação estava bem fundamentada nas políticas econômicas, contemplado e implementado em 1994, no Plano Real. Em 2002, o IPCA superou 12%, mas caiu para cerca de 9% no ano seguinte, como consequência da alta dos juros no período. O Brasil seguia em um caminho de crescimento sustentável, confirmado pelo ciclo de crescimento econômico mais longo desde a década de 1970.

Entre 2006 a 2008, com a economia bem mais estável e mais previsível, o país apresentou avanço médio de 5% ao ano. A qualidade do fluxo de recursos externos melhorou bastante, ao notar uma mudança na dinâmica dos investimentos. Especialmente nos anos de 2007 e 2008, devido à queda de safras, aumento da demanda por alimentos por parte da China e dos países emergentes, os níveis de inflação foram fortemente influenciados. Em razão disso, grandes aplicadores passaram a investir no mercado de commodities (o valor das aplicações equivale a 10 vezes o valor de mercado da produção).

Depois que entrou em vigor o Plano Real, em julho de 1994, a inflação se manteve sempre em níveis baixos, porém domar esse nível foi uma conquista importante que teve um preço: o governo manteve, durante quatro anos, o câmbio quase fixo, os juros subiram para controlar o consumo e com isso a economia cresceu menos. Passados oito anos, os preços continuam variando pouco, mas o desemprego é alto, motivo este explicado pela política de juros altos que o Brasil adotou para manter o controle da inflação, prejudicando o crescimento econômico.

No sistema de metas de inflação do Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem de calibrar a taxa de juros para atingir uma meta pré-determinada com base no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Ao subir os juros, atua para conter a inflação e, ao baixá-los, avalia que a inflação está condizente com as metas. Para este ano e para 2011, a meta central de inflação é de 4,5%. Entretanto, há um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, ou seja, o IPCA pode ficar nesta amplitude que a meta será cumprida. Com a melhora da crise financeira e subsequente reaquecimento da economia, os indicadores de inflação do início deste ano já começaram a apresentar sinais de uma alta mais pronunciada. Dados mais recentes apontam para uma recuperação do emprego, das vendas e do volume de crédito, o que pode elevar os preços.

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Nesse ambiente, cabe à política monetária (definição da taxa de juros) manter-se especialmente vigilante para evitar que a maior incerteza detectada em horizontes mais curtos se propague para horizontes mais longos. E nesse sentido, é possível afirmar que a economia já se encontra em uma trajetória de crescimento, ainda que persista alguma incerteza, que deverá ser dirimida ao longo do tempo, sobre o ritmo desse processo, portanto, a política monetária tem o dever zelar para que as pressões inflacionárias sejam contidas.

A meta de inflação definida pelo CMN é um objetivo para a inflação brasileira, medida pelo IPCA. O Copom do Banco Central é o órgão responsável por atingir as metas pré-determinadas por meio da definição da taxa básica de juros. Quando as metas não são atingidas, o presidente do BC tem que escrever uma carta pública ao ministro da Fazenda explicando as razões que levaram ao seu descumprimento.

Ao subir os juros, o BC atua para conter a demanda da população por produtos e serviços e, deste modo, busca impedir a escalada dos preços. Quando baixa a taxa Selic, é porque acredita que a trajetória da inflação está consistente com as metas pré-determinadas pelo CMN. Em meio ao desaquecimento da economia brasileira, fruto da crise financeira internacional, o BC baixou os juros quatro vezes em 2009. A taxa Selic, que iniciou 2010 em 8,65% ao ano, atingiu o patamar mais baixo da história (8,64% ao ano). Isso porque a expectativa de inflação está abaixo da meta central estabelecida para 2009 e para 2010.

Passados quase 16 anos da implantação do Plano Real, a ser completado no dia 1º de julho do corrente ano, o sucesso na luta pela estabilidade dos preços no país está cada vez mais consolidada; o combate à inflação, no entanto, não acabou e ainda exige reformas tributária, fiscal e trabalhista para que a economia brasileira deixe de seguir uma trajetória de crescimento e se posicione, definitivamente, em um ciclo de expansão econômica.

A incompatível e alta carga tributária incidente sobre os agentes famílias e empresas, sem contrapartida correspondente por parte do Governo, obriga estes agentes a buscar serviços alternativos de saúde, educação e segurança, onerando, substancialmente, a renda familiar. A disparidade social, embora ainda com forte presença, melhorou significativamente nos anos recentes devido ao quesito renda. Esta melhora, todavia, teria maior embasamento se fundamentado em oportunidades de trabalho, não simplesmente balizado por programas de distribuição de renda como o “Bolsa Família”, que de certa forma, conduz à acomodação de grande parte das famílias beneficiadas. Programas como este são extremamente importantes, mas não podem ser utilizados como instrumentos eleitoreiros, que induzirão os próximos candidatos a eternizá-los em seus planos de governo, sob pena de não garantir o cargo no Palácio do Planalto.

A reforma fiscal seria fundamental para consolidar o ambiente macroeconômico favorável ao investimento e ao crescimento da renda, do emprego e dos serviços sociais, por seus efeitos positivos sobre o nível de poupança doméstica, o custo do capital e a taxa de juros. O objetivo deve estar focado na garantia das prioridades sociais, sempre monitorando aspectos inflacionários, produzindo reduzido impacto sobre a atividade econômica, num panorama de rigidez dos gastos públicos.

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Para iniciar o ciclo de expansão, uma reforma trabalhista que atingisse a todos os níveis de renda, que fosse capaz de gerar novos postos de trabalho, novas regulamentações, instituições, adequação à realidade produtiva, atualização das diretrizes e forma de atuar dos sindicatos (com muitos benefícios e com grande influência dos capitalistas).

O principal problema relacionado à inflação atual é a indexação ainda existente na economia, uma herança dos tempos de reajustes constantes nos preços, uma estimativa do mercado é que esse fator pode ser responsável por até 15% da inflação brasileira atualmente. Por meio da indexação, as contas de telefone, de luz e os contratos de aluguel, por exemplo, são reajustados anualmente pelos índices de inflação. Os aluguéis são atrelados ao Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Por sofrer influência de preços das matérias-primas (commodities), o IGP-M repassa impactos de altas em outros produtos para todo o sistema. Isso perturba e dá uma grande instabilidade, porque repassa um choque de preços externo para o sistema interno.

Avançar na redução da indexação envolve reformas em cada um desses setores que têm os preços indexados, ou seja, são avanços difíceis e complicados de serem viabilizados. Há ainda uma dificuldade política para combater essa forma de reajuste, porque ela implica perda de arrecadação para o Governo (quando pegamos o total de arrecadação dos estados com Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços - ICMS, mais de 50% tem origem em combustíveis, energia elétrica e telefonia), razão pela qual é complicadíssimo viabilizar uma redução do preço de gasolina, por exemplo.

São quase 16 anos com a mesma moeda, mais de uma década de regime de metas de inflação com BC independente, de superávit fiscal e redução do endividamento e de câmbio flutuante, são instituições e políticas que resistiram às mudanças na presidência da república. A adesão da equipe econômica que Lula montou, seguindo a essas normas estabelecidas e sendo coerente com a realidade da economia brasileira, fez com que a estabilização econômica fosse alcançada.

REFERÊNCIAS OREIRO, J. L.; PAULA, L.F.; SOBREIRA, R. (2009). Política monetária, bancos centrais e metas de inflação. RJ: FGV.