a dimensÃo constitucional da prisÃo em flagrante › livros › pt › cp039742.pdfscarance...

202
Paulo César Figueiroa Cacciatori A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE Centro Universitário UniToledo Araçatuba 2007

Upload: others

Post on 29-Jan-2021

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Paulo César Figueiroa Cacciatori

    A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE

    Centro Universitário UniToledo Araçatuba

    2007

  • Paulo César Figueiroa Cacciatori

    A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO EM

    FLAGRANTE

    Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito à banca examinadora do Centro Universitário Toledo, sob a orientação do Professor Doutor Antônio Scarance Fernandes.

    Centro Universitário UniToledo Araçatuba

    2007

  • Banca Examinadora

    _______________________________________ Dr. Frederico da Costa Carvalho Neto

    ________________________________________ Dr. José Eduardo de Almeida L. Ferreira

    ________________________________________ Dr. Antônio Scarance Fernandes

    Araçatuba, 31 de Agosto de 2007.

  • Dedicatória

    Dedico ao companheirismo de Jane, esposa querida, e de minhas adoráveis filhas Larissa e Mirella, que sempre me incentivaram na conquista deste título.

  • Agradecimentos

    Agradeço à Instituição Toledo de Ensino que possibilitou a realização do curso de Mestrado. Em nome do professor José Sebastião de Oliveira, agradeço a dedicação dos demais professores do curso, que certamente enriqueceram o nosso conhecimento. Em especial agradeço ao profº Doutor Antônio Scarance Fernandes que permitiu a aproximação da riqueza do seu conhecimento, da beleza de sua simplicidade e humildade, valores nobres, exemplos jamais esquecidos.

  • Resumo

    A prisão foi e sempre será considerada o mecanismo cruel e amargo que o Estado utiliza sempre que por vontade própria o homem violar os preceitos legais que amparam os direitos da sociedade. Este trabalho tem por objetivo demonstrar que, apesar da ocorrência das violências, caracterizadas por afrontarem as normas protetoras de convivência do homem em sociedade, redundando como conseqüência no cerceamento da liberdade por meio da prisão em flagrante, na escuridão dessas agressões faz-se presente a luz do direito, que não só protege a sociedade, mas também prevê ao indiciado mecanismos de proteção que se constituem nas garantias constitucionais. Da evolução histórica da prisão em flagrante às nulidades processuais que se refletem no momento da detenção e se estendem à autuação da prisão, procuramos consignar as garantias previstas em nossa Constituição sem esquecer a interpretação doutrinária, retratando alguns aspectos do direito europeu e da América do Sul, em especial de Portugal e da Argentina. Palavras-chave: prisão, violar, direitos, liberdade, garantias.

  • Abstract

    Prison has always been considered the cruel and bitter mechanism used by the State that becomes present whenever man, in his own wish, violates the legal precepts that support the society rights. The present work aims to demonstrate that despite of the occurrence of violent acts, which are characterized by confronting the protective rules of the men society life, resulting in the retrenchment of the freedom by caught red-handed prison, the law is present underlying those aggressions, which not only protects the society, but also guarantee the defendant protection mechanisms, which constitute of constitutional guarantees. From the historical evolution of the caught red-handed prison to the processual annulments that reflect on the imprisonment moment and are extended to the prison notification, we seek to document the previewed guarantees in our Constitution, also considering the doctrinaire interpretation, representing some European and Latin American law aspects, especially Portugal’s and Argentina’s. Keywords: prison, violates, rights, freedom, guarantees.

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .................................................................................................................

    I. ASPECTOS GERAIS DA PRISÃO EM FLAGRANTE ..........................................

    1.1 Evolução histórica da prisão em flagrante ........................................................

    1.1.1 Conceito ...........................................................................................................

    1.1.2 A finalidade da prisão em flagrante..................................................................

    1.2 Prisão em flagrante nas Constituições do Brasil ................................................

    1.2.1 Constituição do Império de 1824 .....................................................................

    1.2.2 Código de Processo Criminal – Lei de 29.11.1832 .........................................

    1.2.3 Lei nº. 261, de 3.12.1841 – Reformas ao Código de Processo ........................

    1.2.4 Regulamento nº. 120, de 31 de Janeiro de 1842 ..............................................

    1.2.5 Constituição de 1891 e o Período Republicano ...............................................

    1.2.6 A prisão em flagrante no Código de Processo Penal de 1941 – Decreto-Lei

    nº. 3.689 – e em alterações futuras ...........................................................................

    II. ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA PRISÃO EM FLAGRANTE ..................

    2.1 A prisão em flagrante e o ônus da prova ............................................................

    2.2 O flagrante e os indícios .............................................................................

    2.3 A prevaricação e a livre convicção no auto de prisão em flagrante ....................

    2.4 A aparente incompatibilidade entre a prisão em flagrante, o princípio do

    estado de inocência e os antecedentes criminais .................................................

    2.4.1 O princípio do estado de inocência, o uso da proporcionalidade e a prisão

    em flagrante ........................................................................................................

    2.4.2 A presunção de inocência e os antecedentes criminais ...................................

    III. FLAGRANTE: ESPÉCIES........................................................................................

    12

    14

    14

    17

    18

    20

    20

    21

    22

    23

    23

    24

    26

    26

    29

    32

    34

    34

    37

    40

  • 3.1 Espécies de flagrante .........................................................................................

    3.1.1 Flagrante próprio ou real ...............................................................................

    3.1.1.1 Está cometendo o crime – flagrante real ....................................................

    3.1.1.2 Acaba de cometer o crime – flagrante real ................................................

    3.1.2 Flagrante impróprio e presumido (ficto) ........................................................

    3.1.2.1 Flagrante impróprio ......................................................................................

    3.1.2.2 Flagrante presumido ou ficto .......................................................................

    3.1.3 O Flagrante e o chamado “encontro” .............................................................

    3.1.4 Flagrante compulsório e facultativo ...............................................................

    3.1.5 Flagrante prorrogado ou retardado .................................................................

    3.1.6 Flagrante preparado, forjado e esperado ........................................................

    3.1.6.1 Flagrante preparado ......................................................................................

    3.1.6.2 Flagrante forjado ..........................................................................................

    3.1.6.3 Flagrante esperado .......................................................................................

    IV. FLAGRANTE NOS DIFERENTES CRIMES .........................................................

    4.1 Crimes de ação penal privada e pública condicionada .....................................

    4.2 Flagrante nos crimes permanentes e habituais ..................................................

    4.2.1 Crimes permanentes .........................................................................................

    4.3 Crimes habituais .................................................................................................

    4.5 Crimes de tóxicos ..............................................................................................

    4.6 Prisão em flagrante e crimes praticados por entes jurídicos...............................

    4.7 Prisão em flagrante e crimes praticados por aqueles que possuem foro

    privilegiado ................................................................................................................

    4.8 Prisão em flagrante e violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei nº.

    11.340/06 ..................................................................................................................

    40

    40

    40

    41

    42

    42

    44

    45

    48

    49

    51

    51

    51

    52

    53

    53

    55

    55

    56

    58

    62

    64

    67

  • V. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, CAUTELAS, OBSTÁCULOS E

    FORMALIDADES..................................................................................................

    5.1 Auto de prisão em flagrante ...............................................................................

    5.1.1 Autoridade competente para lavratura do auto de prisão em flagrante .........

    5.1.2 Autoridade competente e o procedimento especial para autuação do

    flagrante ..........................................................................................................

    5.1.3 A prisão em flagrante do perseguido fora do distrito da culpa ......................

    5.2 A valoração das provas e o convencimento para a prisão em flagrante ............

    5.3 Sujeitos da prisão em flagrante ..........................................................................

    5.3.1 Sujeito ativo ....................................................................................................

    5.3.2 Condutor ..........................................................................................................

    5.3.3 Testemunhas ....................................................................................................

    5.3.4 Vítima ..............................................................................................................

    5.3.5 O autuado e seu interrogatório .........................................................................

    5.4 A confissão do autuado ......................................................................................

    5.5 Direito à prisão especial .....................................................................................

    5.6 Alterações no auto de prisão em flagrante por força da Lei Federal nº.

    11.113 de 16/5/2005 ............................................................................................

    5.7 Cautelas necessárias para a lavratura do auto de prisão em flagrante ................

    5.7.1 Cautelas na separação do condutor, testemunhas, vítima e conduzido ...........

    5.7.2 A preservação do local, a apreensão dos objetos que compõem o corpo do

    delito, a recognição visuográfica e a realização dos exames periciais ...........

    5.7.2.1 A preservação do local do crime ..................................................................

    5.7.2.2 A apreensão dos objetos e coisas que tiverem relação com o fato

    criminoso........................................................................................................

    70

    70

    70

    72

    74

    77

    80

    80

    81

    83

    86

    88

    92

    94

    97

    101

    101

    102

    102

    104

  • 5.7.2.3 A recognição visuográfica de local de crime ................................................

    5.7.3 O atendimento ao conduzido e a realização de exames de corpo de delito .....

    5.7.4 A informação preliminar sobre os direitos constitucionais do conduzido........

    5.7.5 A necessidade do uso das algemas ..................................................................

    5.8 Obstáculos à realização do auto de prisão em flagrante .....................................

    5.8.1 Apresentação espontânea do criminoso ...........................................................

    5.8.2 Imunidades parlamentares ...............................................................................

    5.8.3 Infrações da competência da Lei 9.099/95 ......................................................

    5.8.4 Crimes de trânsito ...........................................................................................

    5.8.5 Excludentes de criminalidade .........................................................................

    5.8.6 Princípio da insignificância .............................................................................

    5.9 Formalidades do auto de prisão em flagrante .....................................................

    5.9.1 Escrivão competente e “ad hoc”......................................................................

    5.9.2 Recibo da entrega do preso - alteração do artigo 304 do CPP, Lei nº.

    11.113/05 .........................................................................................................

    5.9.3 Compromisso do condutor e da testemunha ....................................................

    5.9.4 Ausência de testemunhas .................................................................................

    5.9.5 Ordem de inquirição ........................................................................................

    5.9.6 Prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante .....................................

    5.9.7 Presença do tradutor e intérprete .....................................................................

    5.9.8 A ratificação da voz de prisão e o despacho fundamentado ............................

    5.9.9 A nota de culpa e o direito de informação .......................................................

    5.9.10 O impedimento ou a recusa em assinar a documentação do auto de prisão

    em flagrante ...................................................................................................

    5.9.11 Apreensão dos objetos e valores na presença do condutor e testemunhas

    104

    106

    107

    107

    110

    110

    113

    116

    118

    120

    122

    125

    125

    126

    128

    131

    133

    135

    137

    138

    140

    142

    144

  • VI. AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE JURISDICIONAL

    DA PRISÃO EM FLAGRANTE .............................................................................

    6.1 As garantias constitucionais da prisão em flagrante ...........................................

    6.1.1 Comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente ...............................

    6.2 A assistência da família e de advogado ..............................................................

    6.3 O respeito à integridade física e moral do conduzido ........................................

    6.4 O direito de manter-se em silêncio .....................................................................

    6.5 A caracterização do abuso de autoridade e o flagrante ......................................

    6.6 O direito de não ser identificado criminalmente .................................................

    6.7 O direito de ser indenizado pelo erro judiciário .................................................

    6.8 A inviolabilidade do domicílio e a prisão em flagrante.......................................

    6.9 O controle jurisdicional da prisão em flagrante ..................................................

    6.9.1 Relaxamento da prisão .....................................................................................

    6.9.1.1 Relaxamento da prisão por ato da autoridade policial ..................................

    6.9.1.2 Relaxamento da prisão por ato da autoridade judiciária ...............................

    6.9.2 O direito à fiança e à liberdade provisória. ......................................................

    6.9.3 A liberdade provisória concedida pela autoridade policial ..............................

    6.9.4 A liberdade provisória concedida pela autoridade judiciária ..........................

    6.9.5 A conversão judicial da prisão em flagrante em prisão preventiva .................

    6.9.6 As nulidades e a prisão em flagrante ...............................................................

    CONCLUSÃO ..........................................................................................................

    REFERÊNCIAS.........................................................................................................

    145

    145

    145

    148

    150

    151

    154

    158

    161

    165

    167

    167

    167

    169

    172

    174

    177

    182

    184

    190

    193

  • 12

    INTRODUÇÃO

    A privação da liberdade de alguém sempre foi tema de destaque.

    No Brasil, o temor das atrocidades e as prisões injustas até então previstas

    no Livro V das Ordenações Filipinas foram afastadas pela Constituição Imperial de l.824.

    Nessa Carta, a prisão passou a ser regulamentada e prevista no inciso X do artigo 179,

    dispondo que o cerceamento da liberdade somente poderia ocorrer nos casos de flagrante

    delito e por força de autorização judicial.

    O pensamento garantista daqueles constituintes se refletiu em todas as

    Cartas que se seguiram, as quais contiveram normas de semelhante teor:. artigo 72, §13 da

    Constituição de 1891; artigo 113, inciso XXI da Constituição de 1934; artigo 122, inciso II da

    Constituição de 1937; artigo 141, § 20 da Constituição de 1946; artigo 150, § 12 da

    Constituição de 1967; artigo 153, § 12 da Emenda Constitucional nº. 1, de 1969 e artigo 5º,

    inciso LXI da Constituição de 1988.

    Nem poderia ser de outra forma, tendo em vista que a liberdade do ser

    humano é o bem maior a ser preservado, no entanto poderá ser restringida quando alguém, no

    gozo dessa mesma liberdade, realizar conscientemente conduta tipificada como crime. Nem

    por isso a pessoa presa deixará de merecer amparo, pois se impõe ao Estado e a todos a

    obediência e o respeito às garantias constitucionais previstas em favor do acusado.

    O estudo sobre a “Dimensão Constitucional da prisão em flagrante” inicia-

    se pelo capítulo que trata dos aspectos gerais da prisão em flagrante, no qual se encontram

    descritos a evolução histórica, o conceito, a justificativa do instituto e está exposto o

    pensamento garantista, que sempre o cercou e evoluiu de forma crescente desde a Carta

    Imperial.

    O segundo capítulo dedica-se a temas controvertidos relacionados à prisão

  • 13

    em flagrante, como o ônus da prova, os indícios, a prevaricação e a livre convicção e ainda a

    aparente incompatibilidade da prisão em flagrante com o princípio do estado de inocência e os

    antecedentes criminais. Nesse capítulo, quanto às espécies e modalidades da prisão em

    flagrante, é destacado “o encontro”, que não deve ser confundido com a previsão do inciso IV

    do art. 302 do CPP.

    O capítulo terceiro descreve o flagrante nos diferentes crimes, como os que

    são passíveis de perseguição mediante ação penal privada e pública, os crimes permanentes e

    os habituais. Neste capítulo retratam-se ainda temas interessantes, como o da prisão em

    flagrante nos crimes de tóxicos, dos crimes praticados por entes jurídicos e o da prisão

    originada da violência doméstica e familiar contra a mulher.

    As cautelas a serem adotadas, os obstáculos a serem superados e as

    formalidades a serem seguidas no auto de prisão em flagrante são examinados no capítulo

    quarto. Comenta-se, ainda, sobre a valoração das provas pela autoridade e o seu

    convencimento na efetivação da prisão em flagrante, as recentes alterações do modelo de

    autuação, a importância da preservação do local, a recognição visuográfica, a necessidade do

    uso das algemas, as excludentes de criminalidade e o princípio da insignificância.

    O último capítulo foi reservado para as garantias constitucionais, dispondo-

    se sobre a necessidade da comunicação ao juiz sobre a prisão do conduzido, a assistência da

    família e do advogado, o direito de não ser identificado, o direito de ser indenizado pelo erro

    judiciário e o direito ao silêncio.

    Encerra-se o trabalho com o exame do controle da prisão em flagrante,

    sendo discutidas questões sobre o relaxamento da prisão e a concessão de liberdade provisória

    pelas autoridades policial e judiciária, a conversão judicial da prisão em flagrante em prisão

    preventiva e as nulidades derivadas de abusos e irregularidades praticadas pela autoridade

    policial e seus agentes.

  • 14

    I. ASPECTOS GERAIS DA PRISÃO EM FLAGRANTE

    1.1 Evolução histórica da prisão em flagrante

    O cerceamento da liberdade em face de um comportamento contrário aos

    bons costumes sempre foi matéria de preocupação.

    Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 121) ensina que, no Direito

    Romano, o flagrante tinha as finalidades de alcançar o testemunho público do fato punível e

    de autorizar o juiz a instruir o processo ex-officio, sem as formalidades solenes da acusação.

    No direito medieval, o flagrante de alguém no momento em que cometia um

    crime permitia maior celeridade ao rito processual, e, por outro lado, a pena para o autor

    surpreendido em flagrante era mais severa em relação ao crime por ele praticado. Com a

    evolução do direito, o fato de ser alguém surpreendido em flagrante deixou de ter influência

    na punição.

    José Henrique Pierangelli (1983, p. 53) esclarece que durante toda a Idade

    Média a prisão mereceu uma especial preocupação dos soberanos e procuradores dos

    conselhos em cortes, no sentido de se evitarem as prisões ilegais e arbitrárias que privassem

    um inocente de sua liberdade.

    Conforme discorre o autor, nos conselhos só os juízes podiam ordenar a

    captura, enquanto nas localidades onde existisse castelo, como o policiamento pertencia ao

    alcaide, que, por sua vez, delegava a função ao alcaide-menor, também eles podiam prender.

    Os meirinhos e corregedores, ao realizarem suas inspeções, podiam ordenar a prisão dos

    suspeitos.

    No século IX, buscando fixar o direito público de cada localidade, surgiram

    os forais, também conhecidos como cartas pueblas ou cartas de povoação, e que mais tarde

  • 15

    deram lugar às leis escritas. Constava desses forais que se a prisão não fosse ordenada pelos

    juízes, alvazis ou alcaides, os presos deveriam ser a eles apresentados imediatamente após a

    prisão, para que os juízes avaliassem se havia fundamento para a prisão em flagrante. Se não

    houvesse, expediam a ordem de soltura.

    Pelas mãos de D.Afonso III foi autorizada a Lei n° 1.264, que possibilitava

    a liberdade do preso mediante a garantia firmada por fiadores de que ele compareceria

    futuramente perante os juízes. Não gozavam dessa faculdade os homicidas, os autores de

    feridas ou de chagas graves, os incendiários, os autores de furto manifesto, os britadores de

    igrejas e outros. Mesmo para esses os juízes concediam um advogado para a garantia da

    defesa.

    Sem grandes alterações, o instituto da prisão passou pelas Ordenações

    Afonsinas, no período de 1446 a 1520, pelas Ordenações Manoelinas, no período de 1521 a

    1603 e pelas Ordenações Filipinas, que vigoraram no período de 1603 a 1830. Nestas, Felipe

    I acrescentou a necessidade de três testemunhas nas querelas que resultassem em prisão.

    Valdir Sznick (1995, p. 354-356) trouxe à colação a prisão em flagrante por

    motivos do “clamor público”. Esse foi um comportamento que viajou no tempo, esteve

    presente no direito romano, no direito canônico, no direito visigótico, no direito inglês e no

    direito pátrio, trazido pelas Ordenações. O clamor público nada mais era do que o alarme das

    testemunhas que presenciavam o crime e aos gritos davam a notícia do fato ocorrido. Sendo o

    suspeito detido, era autuado em flagrante.

    Com a vinda da Família Real de Portugal para o Brasil, mudanças

    significativas ocorreram a partir do ano de 1808: foram criados, dentre outros órgãos, os

    cargos de juízes, ouvidores e corregedores, com os respectivos serventuários e oficiais de

    justiça.

    Por força do Alvará de 15 de janeiro de 1780, determinou-se que todos os

  • 16

    que haviam sido presos por ordem do Intendente Geral de Polícia ou a partir de requerimento

    das partes para posterior formação de culpa fossem levados à presença dos competentes

    magistrados para apreciação dos fatos e conseqüente proferimento de sentença. Estabeleceu-

    se, então, a manutenção da prisão em razão da culpa ou da liberdade, independentemente de

    manifestação do Intendente Geral de Polícia.

    No ano de 1821, em decorrência do Decreto aprovado no dia 23 de maio,

    foram determinadas providências para a garantia da liberdade individual, ordenando-se que:

    a) a partir daquela data, nenhuma pessoa livre no Brasil poderia jamais ser

    presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado criminal do território, exceto em flagrante

    delito;

    b) nenhum juiz ou magistrado criminal poderia expedir ordem de prisão sem

    proceder à culpa formada por inquirição sumária de três testemunhas;

    c) aos que se achassem presos por terem sido indicados como criminosos

    fosse instaurado o devido processo legal.

    Pierangelli (1983, p. 53) esclarece que antes da promulgação da

    Constituição do Império foram proferidas algumas decisões, que receberam a denominação de

    “Decisões do Governo”, conhecidas como legislação suplementar. Dessa forma, o imperador

    legislava. Por meio da decisão n° 63, aprovada no dia 08 de março de 1824, foi determinada

    punição severa aos escrivãos que protelassem o andamento dos processos de presos

    miseráveis, consignando-se, ainda, na decisão n° 78, de 31 de março de 1824, que as

    sentenças proferidas fossem devidamente fundamentadas.

    Nas Constituições e legislações futuras do Império, nos Códigos estaduais e

    no vigente Código, manteve-se essa preocupação com a prisão, sendo sempre tratada

    especialmente a prisão em flagrante.1

    1 Ver evolução legal e constitucional no nº. 1.2.1 e seguintes.

  • 17

    1.1.1 Conceito

    O termo “prisão” vem do latim aprehensio onis, que tem o significado de

    apreender, de clausurar. Nos países europeus, segundo Valdir Sznick (1995, p. 351), a força

    probatória negativa da expressão prisão aos poucos foi substituída por arresto, detenção,

    captura, custódia. Hélio Tornaghi (1995, p. 48) dispõe que a expressão flagrante origina-se de

    flagrans, flagrantis, que significa ardente, brilhante, que está a pegar fogo.

    Valdir Sznick (1995, p. 351) assevera que o flagrante representa a evidência

    de um fato, por ter sido visto, ouvido, testemunhado, ou, como afirma Hélio Tornaghi (1995,

    p. 48), “flagrante é o que está sendo perpetrado, portanto, prender em flagrante é capturar

    alguém no momento em que comete um crime”.

    Romeu Pires de Campos Barros (1987, p. 118-119) pondera que o flagrante

    tem como requisito conceitual a atualidade do delito relacionada à visibilidade. Para o

    conhecimento do elemento físico do delito é necessário que alguém perceba a ação do agente

    em todo o seu desenvolvimento, e não apenas o evento. No mesmo sentido, Aury Lopes Jr.

    (2001, p. 271) preceitua que “o flagrante delito emerge da relativa certeza visual ou

    presumida da autoria”.

    Nesse sentido Pompeo Pezzatini (1947, p. 295) afirma que “se o flagrante é

    o que arde, não poderá arder mais depois de terminada a ação delituosa, já que acabou a

    labareda. Acrescenta que o pressuposto do poder de prender não é, portanto, a flagrância, mas

    o ser surpreendido na flagrância, demonstrando-se a prevalência do conceito de atualidade

    sobre o de visibilidade”.

    O flagrante é uma das mais robustas provas do cometimento de um crime e

    da autoria. Isto porque o agente é surpreendido no momento em que está cometendo o ato, ou

    logo após cometê-lo, quando ainda estão presentes os seus vestígios e ainda palpita o próprio

  • 18

    crime.

    Apesar de ser um conhecimento próximo da verdade, é preciso que a

    autoridade policial competente se convença de que não se trata apenas de um quadro montado

    ou de um cenário teatral para satisfazer outros interesses.

    A realização da prisão em flagrante é de responsabilidade dos órgãos de

    segurança pública. As pessoas do povo têm a faculdade de prender aquele que é encontrado

    praticando um crime. A prisão enfocada é uma pré-cautela. Está sustentada no periculun in

    mora, ou seja, no perigo de se esvair a prova que está inserida no fato criminoso e ao seu

    derredor. Ao mesmo tempo, inviabiliza a fuga do responsável e assegura, se necessário, a

    futura aplicação da medida cautelar propriamente dita, com a manutenção da prisão.

    1.1.2 A finalidade da prisão em flagrante

    Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 125) declara que a prisão em

    flagrante delito representa uma pronta e eficaz tutela jurídica do Estado, que exercita seu

    poder de coação mediante autuação que configura verdadeira autodefesa. Esta atitude é

    também permitida ao próprio ofendido e a qualquer do povo. No entendimento de Hélio

    Tornaghi (1995, p. 50), “a prisão em flagrante tem a seu favor o consenso universal e

    responde não ao desejo de represália, mas ao impulso natural do homem de bem, em prol da

    segurança e da ordem”.

    Ela assegura a existência das provas do fato criminoso, evita a fuga do

    agente e impede sucessivas desordens. Como bem adverte Vicente Greco Filho (1991, p.

    236), “duas são as justificativas para a existência da prisão em flagrante: a reação social

    imediata à prática da infração e a captação, também imediata, da prova”.

    Romeu Pires de Campos Barros (1982, p. 139) considera que o pressuposto

  • 19

    do poder de captura não é a flagrância, mas a surpresa em flagrante, uma vez que isso implica

    um imediato recolhimento do culpado para os fins de justiça, fazendo o Estado sentir o seu

    poder de supremacia e o exemplo de sua atuação.

    Hélio Tornaghi (1995, p. 48-49) ensina que a flagrância é talvez a mais

    eloqüente prova da autoria de um crime e, por essa razão, o legislador não criou nenhum

    obstáculo ao ato de se prender aquele que foi encontrado praticando um crime, o que dispensa

    a ordem judicial nestes casos.

    Acrescenta o autor que a importância da prisão em flagrante para o nosso

    direito fez gerar o chamado tríplice efeito de:

    a) exemplaridade: serve de advertência aos maus;

    b) satisfação: restitui a transparência aos bons;

    c) prestígio: restaura a confiança na lei, na ordem jurídica e na autoridade.

    Não deixa de ser, conforme ensina Hélio Tornaghi (Idem, p. 7) “para o

    autuado um ‘mal’, mas em relação ao Estado, ‘necessário’, no entanto, válido, tolerado

    somente nos limites daquela necessidade”.

    Sendo a prisão em flagrante o meio de assegurar a transparência dos

    elementos probatórios, Valdir Sznick (1995, p. 351-352) pondera que “a natureza jurídica

    dessa modalidade de prisão traduz-se em uma medida cautelar”. Assim, permite à Polícia

    Judiciária e à Polícia científica reunir as principais provas deixadas pelo autor no momento da

    execução do ato ilícito.

    Realmente, não há que se considerar a prisão uma antecipação da pena, mas

    sim exercício de poder de cautela, que, em um certo prazo, possibilita completar ou

    acrescentar outras provas àquelas colhidas no cenário do crime, tranqüiliza a vítima, seus

    familiares e as testemunhas e oferece forçosamente horas de reflexão ao indiciado.

    A atuação demorada ou frustrada do Estado possibilita a fuga do criminoso,

  • 20

    o que provoca temor e pavor no meio social e, em relação à investigação, dificuldades em

    estabelecer vínculos entre os elementos probatórios e o autor.

    1.2 Prisão em flagrante nas Constituições do Brasil

    1.2.1 Constituição do Império de 1824

    A força do liberalismo inspirou não só a Revolução Francesa do século

    XVIII e a independência americana, como também a primeira Constituição do Brasil, em

    especial no estabelecimento de um rol de direitos individuais e na separação dos poderes.

    Os direitos e garantias individuais da Carta de 1824 apresentavam 35 incisos

    no artigo 179. Essas normas se refletiram nas demais constituições que se seguiram, inclusive

    na de 1988.

    Os mecanismos protetores da prisão injusta ganharam força e foram

    inseridos na Constituição do Império de 1824, merecendo amparo legal, nos seguintes incisos:

    Inciso 8.° Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de 24 horas, contadas na entrada da prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável que a lei marcará, atenta à extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, o nome do seu acusador, e os das testemunhas havendo-as; Inciso 9.° Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão ou nela conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos que a lei a admite, e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão ou desterro para fora da comarca, poderá o réu livrar-se solto; Inciso 10.° À exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu e quem a tiver requerido serão punidos, com as penas que a lei determinar;

    Neste período, advento relevante para o processo penal ocorreu com a

    aprovação da Lei de 30 de agosto de 1828 que declarava os casos em que se podia proceder à

    prisão por delitos, sem culpa formada.

    Dispunha o parágrafo 1° do artigo 1°, da referida lei:

  • 21

    Os que forem achados em flagrante delicto, entendendo-se presos em flagrante delicto, não só os que se apprehenderem commetendo o delicto, mas também os que se prenderem em fugida, indo em seu seguimento os Officiais de Justiça, ou quaesquer cidadãos, que presenciassem o facto, conduzindo-os directamente à presença do Juiz.

    O artigo 2° acrescentava que, à exceção do flagrante delito, não seriam

    presos os indiciados sem ordem por escrito do juiz competente, a qual lhe seria intimada no

    ato da prisão, dando-se-lhes por cópia.

    Com o advento dessa previsão, impediam-se finalmente as prisões injustas e

    ilegais. Com os artigos 3° e 4°, da lei, procurava-se separar os presos provisórios dos

    definitivos: determinava-se o registro em livros próprios destes atos, com a indicação dos

    motivos da prisão, do nome do acusador e das testemunhas.

    1.2.2 Código de Processo Criminal – Lei de 29.11.1832

    A Constituição do Império de 1824 não só abriu as portas para a criação de

    um Código Criminal, como determinou que se realizassem estudos para sua elaboração.

    Na medida em que as leis esparsas eram criadas, estabeleciam-se e

    fortaleciam-se os alicerces para a criação do Código Criminal. Em 16 de dezembro de 1830

    foi sancionado o Código Criminal do Império e, dois anos após, no dia 29 de novembro de

    1832, foi promulgado o primeiro Código de Processo Criminal. Este Código inspirou-se nos

    modelos inglês e francês, afastando assim, as idéias das legislações lusitanas.

    O Código do Processo Criminal, denominado de primeira instância, se

    referiu claramente à prisão em flagrante, ao trazer no Capítulo III, artigo 131, a prisão sem

    culpa formada e a possibilidade de esta ser executada sem a ordem escrita.

    O artigo 144, no capítulo IV, tratava da formação da culpa. Dispunha que,

    diante do depoimento das testemunhas, do interrogatório do indiciado delinqüente ou de

  • 22

    outras informações, o juiz, ao se convencer da existência do delito e da autoria, poderia julgar

    procedente a queixa ou a denúncia, por despacho nos autos. Caso não fosse possível o

    livramento, o delinqüente seria obrigado a se recolher à prisão. Neste caso, dispunha o artigo

    148 do mesmo capítulo que, em 24 (vinte e quatro) horas após a prisão, o juiz deveria dar

    ciência ao réu do motivo da prisão, do nome do seu acusador e do nome das testemunhas.

    Ainda com relação à prisão sem culpa formada, o Código de Processo

    Criminal, em seu artigo 175, no Capítulo VI, deixava consignada a possibilidade da prisão,

    sem formação de culpa, aos que fossem indiciados em crimes nos quais não fosse possível a

    fiança. No entanto, acrescentava que esta prisão deveria ser sustentada e confirmada

    pela autoridade legítima, ou seja, a autoridade competente.

    1.2.3 Lei nº. 261, de 3.12.1841 – reformas ao Código de Processo

    O Código de Processo Criminal, além de muito esperado, foi aplaudido e

    festejado pelos operadores do direito. Entretanto, os aplausos não duraram muito, já que,

    alguns anos após, em 3 de dezembro de 1841, por meio da Lei n° 261, foram introduzidas

    algumas alterações, que objetivavam aumentar os poderes da Polícia. Essas alterações foram

    consideradas um retrocesso, pois o modelo aprovado em 1832 era considerado moderno e

    liberal.

    A reforma introduziu a figura do Chefe de Polícia, que possuía poderes e

    salários iguais aos dos juízes e desembargadores, inclusive com gratificação proporcional ao

    trabalho.

    O chefe de Polícia e seus delegados tinham o poder de conceder a fiança, de

    prender e até mesmo de determinar as buscas sem a necessidade de documento escrito ou

    mesmo de informação ou de prova testemunhal, apenas com a existência de indícios.

  • 23

    1.2.4 Regulamento nº. 120, de 31 de janeiro de 1842

    Esse regulamento procurou estabelecer alguns critérios ao excesso de poder

    atribuído à Polícia. Assim, no caso da prisão dos culpados e das buscas, tratados no artigo

    114, os Chefes de Polícia, Delegados e Subdelegados e Juízes de Paz somente poderiam

    prender, fora dos casos de prisão em flagrante e de perseguição, diante da ordem escrita

    expedida pela autoridade, conforme disposto previsto no artigo 176 do Código de Processo

    Criminal, que regulava os requisitos da ordem escrita. O regulamento manteve ainda, no

    artigo 149, o respeito aos presos provisórios, ao separá-los dos condenados.

    Avanço significativo ocorreu com a aprovação da Lei nº. 2.033. Dentre

    outras medidas, regulamentava o procedimento da prisão, dispondo, no artigo 28, a

    desnecessidade da utilização de meios cruéis e degradantes em sua condução e, somente

    quando necessário, determinava a utilização dos ferros, algemas ou cordas.

    1.2.5 Constituição de 1891 e o Período Republicano

    A Proclamação da República ensejava mudanças e, com a nova ordem,

    muitos decretos foram editados. Pode-se citar em especial o Decreto n° 774, de 20 de

    setembro de 1890, que aboliu as penas das galés, reduziu para 30 anos as penas e,

    especificamente no artigo 3°, consignou que o tempo de prisão seria computado na execução

    da pena. As alterações ressaltadas demonstravam uma significativa evolução na relação

    infração-pena, resultando a prisão como meio alternativo entre os meios degradantes que até

    então eram utilizados.

    O conteúdo do inciso X do artigo 179 da Carta Imperial refletiu sobre todas

    as demais que se seguiram, ao limitar a prisão para os casos de flagrante delito e de quando

  • 24

    autorizada pela autoridade competente nos casos expressos em lei, devendo, de qualquer

    forma, ser comunicada ao juiz competente imediatamente à sua execução2.

    1.2.6 A prisão em flagrante no Código de Processo Penal de 1941 – Decreto-Lei nº. 3.689 – e em alterações futuras

    As reformas do Código de Processo Penal, segundo o Ministro da Justiça

    Francisco Campos (2004, p. 05 e 10), se adequavam aos interesses da boa administração da

    Justiça. Em especial, nos casos de flagrante delito, reclamava-se um ajustamento, para buscar

    maior eficácia e energia da ação repressiva do Estado.

    O Código de Processo Penal de 1832 previa apenas as hipóteses de flagrante

    próprio, quando o autor: a) estivesse cometendo a infração Penal; b) tivesse acabado de

    cometê-la.

    Esse quadro foi alterado com o vigente Código. Os argumentos da comissão

    de reforma do Código de Processo Penal foram convincentes e as alterações desejadas assim

    foram justificadas:

    O interesse da administração da justiça não pode continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos formalísticos, que redundam em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, a afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em circunstâncias que evidenciam sua relação com este.

    Aprovadas as reformas, foram acrescidos dois incisos e assim passou a

    dispor o artigo 302 do CPP:

    “Considera-se em flagrante delito quem:

    2 No mesmo sentido: o artigo 72, § 13 da Carta de 24 de fevereiro de 1891 – Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil; o inciso 21 do artigo 113, da Carta de 16 de julho de 1934 – Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil; inciso 11, do artigo 122, da Constituição de 10 de novembro de 1937 – Constituição dos Estados Unidos do Brasil; o § 20, do artigo 141, da Constituição de 18 de setembro de 1946 – Constituição dos Estados Unidos do Brasil; § 12, do artigo 150, da Carta de 24 de janeiro de 1967 – Constituição do Brasil; § 12, do artigo 153, da Emenda Constitucional n.° 1, de 17 de outubro de 1969 – Constituição da República Federativado Brasil; e incisos LXI, do artigo 5.° da Constituição de 05 de outubro de 1988.

  • 25

    I – [...] II – [...] III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

    Enquanto os primeiros incisos representam no nosso ordenamento jurídico o

    verdadeiro flagrante – “flagrante próprio”, os incisos III e IV, na lição de José Frederico

    Marques (1997, p. 77), são considerados “quase flagrante”, uma vez que exigem, para a

    formalização da prisão, a convicção sustentada pela valoração e pela coerência das provas

    apresentadas.

  • 26

    II. ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA PRISÃO EM FLAGRANTE

    2.1 A prisão em flagrante e o ônus da prova

    Com a ocorrência de um crime há evidente e inegável interesse na

    aplicação do direito penal. A vítima ou seu representante, acompanhando o anseio da

    sociedade, de pronto espera a devida punição do agente e a reparação do prejuízo resultante

    do fato. O Estado, detentor do jus puniendi, assume, nos crimes de ação penal pública, do

    início ao final, a responsabilidade de perseguir o agente e de restabelecer a paz social.

    Todas as energias são direcionadas no sentido de - cada qual dentro do seu

    âmbito de atuação - provar a verdade, a fim de que o Estado, em obediência ao princípio da

    livre convicção fundamentada, profira uma decisão justa. Na lição de Mittermaier (1996, p.

    59), “provar é querer, em substância, demonstrar a verdade e convencer o juiz, o qual para

    decidir há mister de adquirir plena certeza”.

    Os elementos de convicção de sobre a ocorrência do fato que redundou na

    prisão de alguém, nos termos do artigo 302, podem chegar à autoridade policial competente

    de várias formas: a) por meio de informes precisos e convincentes que revelam existir perfeita

    sintonia entre as declarações da vítima, o depoimento das testemunhas e a confirmação dos

    fatos pelo conduzido – há, assim, convicção necessária para a autuação da prisão em

    flagrante; b) por meio de informes frágeis, pois, em virtude da omissão do condutor, deixou-

    se de colher informações relevantes ou não se apresentaram testemunhas e outros meios de

    prova, traduzindo dados contraditórios e confusos – a convicção deverá ser alcançada por

    meio de investigação rápida mas cautelosa a fim de se decidir pela manutenção ou não da

    prisão; c) por meio de informes que evidenciam a existência de um fato que não caracteriza

    crime, ou, se mostram a caracterização de um crime, não evidenciam a participação do

  • 27

    conduzido, o que impele a autoridade policial competente a rechaçar a medida de

    cerceamento da liberdade do conduzido e preferir investigar melhor os fatos por meio do

    inquérito policial – há, assim, convicção negativa bem definida.

    Para a autoridade policial competente, o problema crucial surge exatamente

    quando se encontra em face da situação retratada no item “b”. As falhas cometidas pelos

    agentes da Segurança Pública no atendimento ao fato podem gerar um esvaziamento no

    conjunto probatório e serem transferidas para a autoridade policial responsável pela análise da

    prisão, exigindo dela sensibilidade e cautela, para não colocar em liberdade um criminoso

    astuto, nem tampouco privar a liberdade de um inocente.

    De um lado, deve-se avaliar que a prisão provisória, na preleção de Luiz

    Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1998, p. 96), deve ser concebida como cautela,

    somente cabível quando fundada em razões objetivas, indicativas de motivos concretos,

    suscetíveis de autorizar a medida constritiva de liberdade.

    Por outro lado, como Jorge de Figueiredo Dias (1974, p. 440) pondera, “o

    argüido é indiscutivelmente, em princípio uma das pessoas que estará em melhor situação

    para dar relevantes esclarecimentos sobre a matéria da notitia criminis e da acusação,

    independentemente do fato de ser ou não culpado”.

    Acentua, ainda Roberto Delmanto Júnior (2001, p. 122), que é no “interesse

    da sua própria defesa e da sua liberdade que o preso é chamado a falar no auto de flagrante

    dizendo sobre a acusação feita pelo condutor e as testemunhas”.

    Scarance Fernandes (2002, p. 138) ressalta que “deve o preso ser

    interrogado sob pena de ser considerado nulo o auto de prisão em flagrante. Nessa

    oportunidade terá o preso possibilidade de apresentar sua versão, sem prejuízo de preferir o

    silêncio constitucionalmente assegurado”.

    Haveria, ainda que mitigado, um ônus do investigado de, ao prestar

  • 28

    declaração, convencer a autoridade de que não deve ser preso.

    José Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 235) acentua que “existe o ônus

    quando o exercício de uma faculdade é condição para se obter uma determinada situação de

    vantagem ou para impedir uma situação desvantajosa”.

    A nossa proposta neste estudo não é de inverter o ônus probandi, obrigação

    do Estado, exercida pelo Ministério Público, nem tampouco de se induzir o conduzido a falar,

    quando tem em seu favor o direito de manter-se em silêncio. No entanto, o conduzido, se

    conhecer dados sobre o fato que possam ajudar na convicção da autoridade competente, deve

    se manifestar, com o fim de afastar dúvidas quanto a sua inocência e de evitar a possibilidade

    de privação de sua liberdade.

    Certo que, em questões criminais, cabe ao Estado o ônus de reunir provas

    convincentes da autoria do crime, seja consumado ou tentado, com vistas ao ajuizamento da

    ação penal pública. Entretanto, não pode o suspeito ou conduzido, em razão dessa premissa

    basilar, permanecer inerte diante do cerco que se forma ao seu derredor. Deve participar, se

    for em seu benefício, esclarecendo seu posicionamento diante dos questionamentos

    incriminadores.

    Não se trata de ofender as garantias constitucionais do detido, mas, ao

    contrário, de, diante das suspeitas e dúvidas em torno de determinada situação, dever a

    autoridade policial buscar esclarecimentos para fortalecer o seu convencimento, ainda que,

    levando o suspeito a se manifestar sobre o fato.

    Por um lado, o silêncio do conduzido em seu interrogatório no auto de

    prisão em flagrante traduz uma garantia que pode lhe favorecer durante a instrução do

    processo, uma vez que, na dúvida, o magistrado proferirá uma sentença penal absolutória. Por

    outro lado, o interesse do conduzido em se manifestar no interrogatório policial e colaborar no

    esclarecimento da verdade pode servir para evidenciar a sua condição de inocente ou para

  • 29

    mostrar que está amparado por uma excludente de ilicitude. O combate à acusação,

    fornecendo à autoridade policial competente os detalhes de seu envolvimento, ou mesmo a

    ausência deste, são os meios que irão possibilitar a manutenção do direito sagrado da

    liberdade (NUCCI, 1999, p. 68)3.

    2.2 O flagrante e os indícios

    Provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade. Fernando

    da Costa Tourinho Filho (2003, p. 215) assevera que provas são os elementos produzidos

    pelas partes ou pelo próprio juiz, com intuito de estabelecer, dentro do processo, a existência

    de certos fatos. Nesse sentido é o entendimento de Paolo Tonini (2002, p. 52): tudo aquilo que

    é idôneo a fornecer resultados relevantes para a decisão do juiz é fonte de prova. Da fonte

    extraem-se os meios até se chegar aos elementos de prova: A credibilidade da fonte e a

    idoneidade do elemento obtido possibilitam encontrar o resultado probatório. Com base neste

    e nos resultados de outros meios de prova, o juiz apura o fato histórico.

    A doutrina de Nicola Framarino Malatesta (2002, p. 112-144/194) considera

    três aspectos essências à prova: a) o seu objeto; b) o sujeito de que emana; c) a forma.

    Explica o autor que, em relação ao objeto, a prova pode ser: a) direta,

    sempre que houver algo imediatamente provado; é aquela prova resultante da afirmação de ser

    visto, como o testemunho, e, ainda, a confissão e o documento; b) indireta, quando não

    houver o imediatamente provado, ou seja, quando for proveniente de um raciocínio ou de se

    ter apenas ouvido, o que resulta no indício. 3 O autor acrescenta que “na realidade quem nega um fato está afirmando, inversamente algum outro. Quando o réu diz que não praticou o delito porque não esta no local dos fatos, está querendo dizer que estava em lugar diferente. Logo, está fazendo uma afirmação positiva contrária”. Os autores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho (2000, p. 79), ensinam que: “Por intermédio do interrogatório – rectius, das declarações espontâneas do acusado submetido a interrogatório –, o juiz pode tomar conhecimento de notícias e elementos úteis para a descoberta da verdade. Mas não é para esta finalidade que o interrogatório está preordenado. Pode constituir fonte de prova, não meio de prova”.

  • 30

    Kai Ambos e Fauzi Hassan Choukr (2001, p. 163-164) afirmam que o

    indício, no crime, é a circunstância que a ele se liga, e que, por essa conexão, concorre para se

    chegar à conclusão de que o crime foi cometido, de que o sujeito é seu autor, de que ocorreu

    desse modo. Refere-se, pois, ao fato, à autoria e às circunstâncias.

    Vincenzo Manzini (1949, p. 473) afirma que a Igreja deu muita importância

    aos indícios em seu sistema das provas legais. Para ele, o indício é uma circunstância certa de

    que se pode extrair, por indução lógica, uma conclusão acerca da existência ou inexistência de

    um fato a se provar.

    Já Malatesta (2002, p. 194) discorre que devemos reunir todos os indícios

    possíveis: “fazei sua análise lógica e vos encontrareis sempre diante de uma premissa maior,

    que tem por conteúdo um juízo específico, de causalidade; a uma premissa menor, que afirma

    a existência de um sujeito particular em questão o predicado atribuído na premissa maior ao

    sujeito específico”.

    A força probatória do indício está em conhecer, em investigar a força da

    relação específica de causalidade que nele liga o desconhecido ao conhecido.

    José Frederico Marques (2000, p. 450) pondera que o indício tem como

    ponto de partida um fato provado. Por essa razão, a fonte dos indícios pode ser as várias

    provas diretas em que possa descansar a demonstração desse fato, como o depoimento da

    testemunha, as declarações do ofendido, o interrogatório do acusado ou mesmo os exames

    periciais, os quais podem trazer detalhes ou elementos indiciários.

    Ao discorrer sobre a relação temporal entre os indícios e o crime, Hélio

    Tornaghi (1959, p. 80) declara que os indícios podem ser anteriores, concomitantes ou

    subseqüentes ao crime: a) anteriores são os atos antecedentes, preparatórios, como a compra

    de uma arma, o planejamento, o preparo da fuga e a ameaça; b) concomitantes são indícios

    contemporâneos do crime; os mais comuns são os gritos da vítima e os pedidos de socorro; c)

  • 31

    posteriores são os vestígios materiais deixados pelo crime, como cabelo do assassino na mão

    do morto, manchas de sangue na roupa do indiciado, posse da res furtiva.

    Conforme lição de Vicente Greco Filho (1999, p. 209), o Código de

    Processo Penal, às vezes utiliza o termo “indício” como sinônimo de elemento de prova,

    direta ou indireta, e lhe dá um qualificativo, para significar maior ou menor grau de

    convicção. Assim, para determinados efeitos processuais, o Código exige ora “indícios”, por

    estabelecer que bastam alguns elementos de prova, ora “indícios suficientes”, entendendo

    agora que os indícios devem ser razoáveis. Em outras circunstâncias exige “indícios

    veementes”, ao indicar a necessidade de existir convicção consistente para determinada

    situação. A prova traduziria a certeza sobre determinado fato, como dispõe o artigo 386,

    inciso VI, do Código de Processo Penal.

    No direito processual português, Germano Marques da Silva (1999, p. 98)

    cita os artigos 327, nº. 2, e 355 e declara que não valem em julgamento quaisquer provas que

    não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência e submetidas ao contraditório.

    Enquanto a prova demonstra certeza que pode se espelhar na convicção do

    juiz, os indícios apontam uma direção que, ao se reunirem a outros indícios, podem levar o

    magistrado a uma conclusão.

    Quanto à valoração da prova indiciária, Hélio Tornaghi (1959, p. 80-81)

    ensina que no sistema da livre convicção não há regras preestabelecidas para a avaliação da

    prova indiciária. Acrescenta que cada indício deve ser veemente e preciso e o conjunto dos

    indícios deve ser concordante. No mesmo sentido é a lição de Manzini (1949, p. 485) no que

    se refere à livre convicção do juiz e à força probatória dos indícios que seria igual à de

    qualquer outro elemento de prova.

    Maria Thereza Rocha de Assis Moura (1994, p. 80) pondera que os indícios

    possuem força probante igual à de qualquer outra prova, em face da regra do livre

  • 32

    convencimento, conquanto que preenchidos os requisitos de existência, validade e eficácia.

    Nem sempre o fato criminoso apresentado pelo condutor à autoridade

    policial representa uma certeza, de sorte que se exige, da mesma forma, cautela no exame dos

    argumentos da testemunha, da vítima e dos policiais que, não raramente, valorizam

    demasiadamente o sucesso da diligência, em detrimento da conduta do autuado. É certo que,

    para a autuação da prisão em flagrante não se exige prova plena, sendo suficientes a

    existência do crime e os indícios da autoria, bem como a aplicação do princípio da

    razoabilidade pela autoridade policial. Se restar dúvida e não for um crime grave, é preferível

    apurarem-se os fatos por meio do inquérito policial, para se evitar o cerceamento da liberdade.

    2.3 A prevaricação e a livre convicção no auto de prisão em flagrante

    Entre os crimes praticados contra a Administração Pública, a prevaricação,

    crime previsto no artigo 319 do Código Penal, não deixa de ser uma preocupação para os

    operadores do direito.

    A objetividade jurídica do crime de prevaricação, segundo a doutrina, é a

    tutela do bom funcionamento da atividade pública. Em outras palavras, é o interesse da

    administração pública.

    Nota-se que esse interesse tende oscilar de acordo com o comportamento da

    sociedade. A estabilidade da economia permite calmaria social e, com isso, os interesses nas

    questões criminais se inclinam para a preservação das garantias individuais e das liberdades

    públicas. No entanto, os interesses podem ser mutáveis, e, em momentos de crise, a

    mentalidade social que exige o cumprimento dessas garantias pode passar a exercer pressões

    no sentido inverso daqueles direitos.

    Por exemplo, os agentes da Segurança Pública, se pressionados, podem

  • 33

    exigir das autoridades policiais mais rigor na interpretação do fato em favor do cerceamento

    da liberdade, e estabelecer obstáculos ao entendimento dos princípios da proporcionalidade,

    da insignificância e da intervenção mínima. Os adeptos desse pensamento acreditam que a

    solução está no rigor, no temor e no exemplo pela força. Com essa pressão, são afetados os

    delegados de polícia, os promotores de justiça e os representantes do Poder Judiciário, que se

    vêem atacados em sua liberdade de agir e de julgar.

    O tipo objetivo do crime de prevaricação pode se apresentar sob três formas:

    a) quando o funcionário público retardar indevidamente ato de ofício; b) quando o funcionário

    público deixar indevidamente de praticar ato de ofício; c) quando o funcionário público

    praticar o ato contrário à disposição expressa da lei. Nas duas primeiras modalidades o crime

    é omissivo e, na última, comissivo.

    Em especial, nas questões relacionadas à prisão em flagrante, o cerne do

    problema que envolve as autoridades policiais está em ela deixar indevidamente de praticar o

    ato ou praticá-lo de forma contrária à disposição expressa da lei.

    Pode caracterizar-se o crime de prevaricação quando a autoridade policial,

    ao recepcionar as partes apresentadas pelo condutor, deixar de registrar a ocorrência policial

    e, conseqüentemente, deixar de tomar as providências cabíveis.

    No entanto, incluímo-nos entre os que entendem que, tomadas essas

    providências, se restarem dúvidas, o fato de preferir a investigação por meio do inquérito

    policial ao invés da prisão em flagrante e da conseqüente privação da liberdade, não pode

    configurar conduta considerada prevaricação, pois são indispensáveis para a caracterização do

    crime o dolo, enquanto tipo subjetivo, e a satisfação de interesse ou sentimento pessoal do

    agente.

    Como assinala Welzel (1976, p. 95),

    dolo é saber e querer a realização do tipo. Dolo em sentido técnico penal é somente a vontade de ação orientada para a realização do tipo de um delito. Disto se entende

  • 34

    que também existem ações não dolosas,a saber, as ações nas quais a vontade de agir não está orientada na realização do tipo de um delito, como sucede na maioria das ações da vida do cotidiano.

    Para a caracterização do crime exige-se ainda um valor único, autônomo e

    especial por parte da autoridade, que é satisfazer interesse ou sentimento pessoal, que,

    segundo lição de Mário Sérgio Leite, (1995, p. 148), “é um estado anímico no qual se coloca a

    pessoa visando suprir determinada necessidade, seja de natureza material, patrimonial ou

    moral”.

    Portanto, sendo as decisões da autoridade policial em preferir o inquérito em

    vez da prisão calcadas no livre convencimento e com base na lei, não há que se falar no crime

    de prevaricação, porque os profissionais do direito não podem se influenciar por pressões

    locais ou por movimentos extremistas que buscam unicamente no rigor da aplicação do

    Direito Penal solução para os problemas de criminalidade.

    2.4 A aparente incompatibilidade entre a prisão em flagrante, o princípio do estado de inocência e os antecedentes criminais

    2.4.1 O princípio do estado de inocência, o uso da proporcionalidade e a prisão em flagrante

    No século XX, a partir dos anos 70, o pensamento garantista foi se firmando

    em nosso ordenamento jurídico, a ponto de a Carta de 1988 consagrar no artigo 5º, inciso

    LVII, o princípio do estado da inocência e, no inciso LXI, as modalidades de prisão, quais

    sejam, em flagrante e por ordem escrita da autoridade judiciária.

    Ada Pellegrini Grinover (2005, p. 548), ao comentar sobre as previsões do

    artigo 5.°, incisos LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da

    sentença penal condenatória” e LXI – “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por

    ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente” –, da Constituição,

  • 35

    discorre que a liberdade física do indivíduo constitui um dos dogmas do regime democrático,

    de modo que qualquer restrição à liberdade deve ser medida extraordinária, cuja adoção deve

    estar subordinada a determinados parâmetros que decorrem dos preceitos maiores da ordem

    constitucional. A doutrinadora ainda defende o uso da proporcionalidade, segundo o qual uma

    lei restritiva de direitos fundamentais, mesmo quando adequada e necessária, pode ser

    inconstitucional se adotar cargas coativas desmedidas, desajustadas, excessivas ou

    desproporcionais em relação aos resultados.

    Acrescenta que o princípio da não culpabilidade assegura ao indivíduo a

    proteção a qualquer medida restritiva ao direito de liberdade, devendo a medida cautelar da

    prisão antecipada - modalidade da prisão provisória - estar justificada por indeclináveis e

    comprovadas exigências previstas e devidamente fundamentadas.

    Em suma, uma medida restritiva, como a privação da liberdade em virtude

    de uma prisão em flagrante, deve ter natureza cautelar e deve obedecer aos parâmetros da

    proporcionalidade.

    Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 260), ao comentar sobre o processo

    cautelar, argumenta que os provimentos cautelares representam uma conciliação entre duas

    exigências geralmente contrastantes na Justiça, ou seja, a da liberdade e a da ponderação

    “entre fazer logo, porém mal, e fazer bem, mas tardiamente”. Os provimentos cautelares

    visam, sobretudo, a um fazimento rápido e a deixar que a Justiça intrínseca do provimento

    seja resolvida mais tarde, com a necessária ponderação, nas mais precavidas formas do

    processo de conhecimento sob o rito ordinário.

    O processo cautelar propõe-se a conferir eficácia ao principal, logo deve

    prevalecer o equilíbrio entre os males que podem ser causados ao suspeito – caso se comprove

    mais tarde ser ele inocente - e a conseqüência danosa que pode advir da ausência da medida.

    Comprovada a necessidade cautelar da privação da liberdade em face da

  • 36

    caracterização do estado de flagrância, a Constituição, no intuito de amenizar o impacto da

    medida, vista naquele momento como imprescindível, procurou cercar o preso de algumas

    garantias, quais sejam, entre outras, a comunicação ao juiz e à família ou a outra pessoa por

    ele indicada, do local em que se encontra preso (artigo 5º, LXII); o direito de permanecer

    calado, assegurada a assistência da família e de advogado (artigo 5º, LXIV); o relaxamento

    imediato da prisão ilegal pela autoridade judiciária (artigo 5º, LXV).

    No que se refere ao uso do princípio da proporcionalidade, Willis Santiago

    Guerra Filho (2005, p. 33-34) pondera a necessidade de se estabelecer a melhor

    correspondência jurídica entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio

    empregado. Isso significa que não se fixa o “conteúdo essencial” de direito fundamental, com

    o despeito intolerável da dignidade humana. Significa também que as vantagens trazidas para

    interesses da ordem superam as desvantagens para o interesse de algumas pessoas. Os

    subprincípios da adequação, da exigibilidade ou indispensabilidade determinam que, dentro

    do faticamente possível, o meio escolhido deve ser “adequado”, deve se mostrar “exigível”, o

    que significa não haver outro igualmente eficaz, e deve ser o menos danoso aos direitos

    fundamentais.

    Observada a natureza cautelar da prisão e respeitados os critérios de

    proporcionalidade, a prisão decorrente do flagrante está em consonância com o princípio da

    presunção de inocência.

    Antonio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 7) ensina que

    em princípio, a restrição da liberdade em caráter cautelar instrumental não é incompatível com a afirmação da presunção de inocência, uma vez que não é imposta como antecipação da punição, embora, em determinados casos possa sugerir certa identificação entre as qualificações de acusado e culpado, na medida em que o temor de que o réu crie obstáculos à colheita de provas pode indicar que já não é considerado inocente.

    O legislador português, de forma clara e objetiva, introduziu, no artigo 193-

    1 do CPP, os princípios da adequação e da proporcionalidade. Dispõe o artigo:

  • 37

    As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

    Portanto, em razão da necessidade concreta, real e efetiva, consubstanciada

    no “fumus boni iuris” e no “periculum im mora”, a prisão em flagrante não afronta o princípio

    constitucional do estado de inocência.

    2.4.2 A presunção de inocência e os antecedentes criminais

    No Estado de São Paulo, os antecedentes criminais são fornecidos pelo

    Centro de Processamento de Dados – Prodesp. Estes antecedentes não devem ser confundidos

    com o atestado de antecedentes criminais ou com as certidões criminais.

    Enquanto o atestado de antecedentes criminais é fornecido pelo Órgão da

    Segurança Pública – Delegacias de Polícia, as certidões criminais são expedidas pelo Órgão

    do Poder Judiciário – Cartório Distribuidor dos Fóruns das Comarcas – e atendem a mesma

    finalidade, qual seja, informar órgãos públicos, empresas, instituições e outros setores da

    sociedade sobre a idoneidade do requerente. São os atos contrários à norma penal, registrados

    e disponibilizados ao conhecimento público sempre que requerido pelo interessado. Já os

    antecedentes criminais são de controle interno, ou seja, são os registros informando aos

    Órgãos da Segurança Pública, Ministério Público e Poder Judiciário sobre a situação do

    indivíduo, por exemplo, se reincidente ou não.

    Sempre que a autoridade policial se convencer da materialidade e da autoria

    do crime, ainda que não resulte das provas amealhadas uma certeza real, deve determinar a

    formalização do indiciamento por meio do interrogatório, do preenchimento do formulário da

    vida pregressa, da qualificação e da planilha de identificação criminal.

    A identificação criminal retrata as informações do fato criminoso, a

  • 38

    tipificação penal e os sinais e características físicas do indiciado. As cópias da identificação

    criminal seguem para o Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, na capital, que,

    por sua vez, alimenta o banco de dados da Prodesp.

    As informações sobre o arquivamento do inquérito policial, recebimento da

    denúncia, sentença ou execução da eventual pena e seus efeitos são repassados pelo Poder

    Judiciário. O acesso se faz pela inserção no sistema, por meio do número da Carteira de

    Identidade, servindo a qualificação como complemento. Deste modo, haverá informações do

    inquérito policial e da ação penal condenatória até a execução da pena sempre que pesquisada

    a identidade do autor de um crime, mesmo que a sentença tenha transitado em julgado.

    Portanto, à exceção dos processos em andamento, todas as informações

    referentes àquele que já foi indiciado e processado criminalmente podem ser consultadas por

    meio da pesquisa dos antecedentes criminais que necessariamente é juntada no inquérito

    policial e utilizada como orientação pelas autoridades envolvidas na investigação.

    A questão que surge em torno das informações contidas nos antecedentes

    criminais é a sua utilização como meio de prova ou como fator influenciador de decisão sobre

    a realização ou não do auto de prisão em flagrante, ou se deve ser considerada tão somente

    para orientação aos Órgãos da Segurança Pública, Ministério Público e Poder Judiciário.

    Não restam dúvidas de que as informações sobre os crimes praticados pelo

    indivíduo constantes na pesquisa dos antecedentes criminais indicam o modus operandi e

    servem como meio orientador de investigação. Todavia, jamais devem ser utilizadas como

    meio de prova, uma vez que os atos passados não podem se vincular ao ato em que o

    investigado foi surpreendido em uma das hipóteses do artigo 302 do Código de Processo

    Penal.

    Sendo o fato típico e resultando fundada suspeita da autoria, avaliado o

    princípio da razoabilidade, deve a autoridade policial competente proceder à autuação da

  • 39

    prisão.

    Antonio Magalhães Gomes Filho (Idem, p. 63) considera que

    o conceito de primariedade é objetivo, resultando da existência ou não de condenação anterior, a idéia de bons antecedentes é extremamente fluída, o que tem possibilitado a adoção de critérios jurisprudenciais extremamente largos, que incluem apreciações subjetivas a respeito da personalidade do agente e de circunstâncias do fato criminoso, estranhos à valoração da situação de perigo exigível para a decretação ou manutenção da custódia cautelar.

    Tomando como base o texto constitucional, Fauzi Hassan Choukr (2001, p.

    38-40) entende ser impossível reconhecer os maus antecedentes do réu com base em

    Inquéritos Policiais e Processos Criminais em andamento, relacionados pelo Instituto de

    Identificação da Polícia. Acrescenta que somente caracterizam tais antecedentes as

    condenações transitadas em julgado. Acrescenta o autor (Idem, p. 27) que o princípio da

    presunção da inocência dispõe que o acusado não deve mais ser visto como um objeto do

    processo, mas sim sujeito de direitos dentro da relação processual. Portanto, os maus

    antecedentes não devem ser obstáculos ao reconhecimento dos direitos previstos ao autuado,

    servindo tão somente aos fins previstos no artigo 59 do Código Penal – fixação da pena – e

    orientação para a investigação criminal.

  • 40

    III. FLAGRANTE: ESPÉCIES

    3.1 Espécies de flagrante

    3.1.1 Flagrante próprio ou real

    3.1.1.1 Está cometendo o crime – flagrante real

    Iniciada a execução de um fato criminoso, tendo sido o autor surpreendido

    no local do crime, estará caracterizada a flagrância.

    Assim dispõe o artigo 302 do Código de Processo Penal, a respeito do

    flagrante próprio sob a modalidade de estar cometendo o crime:

    Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – [...] III – [...] IV – [...]

    Salvo algumas exceções, como no crime de porte de arma, é necessário

    enfatizar que os atos da cogitação e os atos preparatórios, também conhecidos como fases do

    iter criminis, não configuram o crime e não possuem ainda a força de serem atos

    caracterizadores do estado de flagrância.

    Após a ocorrência do fato criminoso, os atos preparatórios e de cogitação

    passam a ter grande importância para a corporificação da materialidade, uma vez que o

    caminhar no sentido contrário, rastreando os passos do flagrado, poderá reconstruir as fases e

    etapas que materializaram o pensamento e o desejo do autor.

    “Estar cometendo o crime”, deve ser interpretado como o autor estar no

  • 41

    local praticando atos de execução e, por isso, ser ele visualizado, ouvido e surpreendido nessa

    condição.

    Na Venezuela, Marco Antonio Medina Salas (2002, p. 41), declara que esta

    modalidade é denominada de “flagrância em sentido estricto”.

    3.1.1.2 Acaba de cometer o crime – flagrante real

    O autor, satisfeito com sua conduta, prepara-se para se retirar do cenário do

    crime, quando é surpreendido por populares, vítima, testemunhas ou mesmo agentes da

    segurança pública. É flagrado justamente no momento em que está se retirando do local em

    que consumou ou tentou o ato criminoso. É reconhecido e está levando consigo a arma do

    crime ou os objetos pertencentes à vítima.

    Realizando o caminho inverso será possível constatar o rastro dos seus atos.

    Assim, o Código de Processo Penal define o flagrante próprio sob a

    modalidade “quem acaba de cometer o crime”:

    Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – [...] II – acaba de cometê-la; III – [...] IV – [...]

    Enquanto na primeira modalidade o autor é visto praticando o ato

    criminoso, nesta é surpreendido abandonando o local, deixando características de ser ele o

    agente causador. São hipóteses previstas pelo legislador que não permitem dúvidas quanto ao

    estado de flagrância.

    O legislador não fixou nenhum prazo com relação ao tempo que medeia a

    retirada do autor do local do crime. A doutrina é unânime no sentido de que o tempo está

  • 42

    focalizado no sentido lógico da ação sem que ocorra um espaçamento do qual resulte em

    dúvidas quanto a sua participação no crime. Conforme ensina a doutrina, há que existir a

    rigorosa imediatidade.

    Nesse sentido é a lição de Heráclito Antonio Mossin (1998, p. 365),

    somente ficará caracterizado o flagrante quando o agente for surpreendido imediatamente após a sua consumação. Deve haver uma rigorosa imediatidade entre o cometimento do crime e o surpreendimento de seu autor. Caso contrário deixa de haver a flagrância delitiva, não podendo o agente ser preso.

    Eduardo Espínola Filho (2000, p. 390) interpreta a hipótese como:

    “instantes seguintes à sua execução, os traços deixados ainda quentes”.

    Se se interpretar que flagrante é o que está a queimar, a crepitar em chamas,

    não restam dúvidas de que os incisos I e II do artigo 302 do CPP representam e guardam essa

    certeza.

    3.1.2 Flagrante impróprio e presumido (ficto)

    São modalidades de quase flagrante.

    3.1.2.1 Flagrante impróprio

    Ocorre esta modalidade de flagrante quando o autor passa pelas duas

    primeiras hipóteses e, após haver executado o crime no todo ou em parte, é visto saindo do

    local e é perseguido ininterruptamente pelas testemunhas, vítima, transeuntes e agentes da

    segurança pública. Após ser detido e restando comprovado, por meio da arma utilizada, de

    sujeiras, de marcas, de manchas de sangue, de vestes que usava e de objetos que carregava,

    tratar-se da mesma pessoa que momentos antes se encontrava no palco dos acontecimentos e

  • 43

    praticou o fato criminoso, é possível autuar em flagrante o conduzido.

    Segundo a doutrina, a hipótese traduz uma presunção de que nas condições

    em que foi detido poderá ser o autor do crime. É preciso realizar uma construção lógica dos

    atos, refazendo passo a passo a conduta do suspeito. Depois de somadas as características

    específicas conclui-se pela autoria.

    Esta é a previsão do artigo 302, inciso III do Código de Processo Penal:

    Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – [...] II – [...] III – é perseguido, logo após pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – [...]

    O legislador utilizou a expressão “logo após” justamente para não permitir

    interpretação dúbia. Assim, se o autor foi visto saindo do local quando acabara de cometer o

    crime e é preso, estará configurada a hipótese do inciso II do citado artigo. A caracterização

    do inciso III ocorre quando o autor, por não ter sido detido nesse momento, obtém êxito

    momentâneo na fuga, logo após haver praticado o crime no todo ou em parte, mas, em razão

    da condição visual e informativa, é perseguido e detido por qualquer do povo ou mesmo pelos

    agentes da segurança pública (TUCCI, 1980, p. 225)4.

    Eduardo Reale Ferrari (FERRARI apud MARQUES, 2000, p. 76), ao

    revisar e atualizar a obra de José Frederico Marques, traz decisão do Supremo Tribunal

    Federal pela qual “iniciada a perseguição logo após o crime, sendo ela incessante nos termos

    legais, não importa o tempo decorrido entre o momento do crime e a prisão de seu autor”.

    4 Denominado de quase flagrante, pondera-se que a hipótese do inciso III, “se caracteriza pelas circunstâncias reveladoras de relacionamento pessoal, material e temporal entre o indigitado delinqüente e o cometimento delitivo, de um lado, e a retenção daquele, de outro: dessume-se, da conduta ou estado da pessoa, ou de armas, objetos ou papéis que esteja ela portando, no momento imediatamente posterior ao do fato criminoso, a autoria da infração penal constatada. Acrescenta o autor que em razão da ausência ocular do crime no exato instante de sua realização leva a uma presunção de autoria, o fato de ter sido detido logo após o crime”.

  • 44

    3.1.2.2 Flagrante presumido ou ficto

    O flagrante presumido ou ficto refere-se à hipótese em que o autor

    conseguiu exaurir o crime, fugiu do local sem ser visto, mas logo depois foi encontrado

    portando a arma do crime ou objetos e coisas que façam presumir ser o autor do crime, como

    está no inciso IV do art. 302, do CPP:

    Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – [...] II – [...] III – [...] IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

    Para a caracterização do flagrante ficto, é necessário que, após a fuga do

    autor, vítima ou testemunhas tenham percebido o ocorrido e pessoalmente ou com a ajuda de

    terceiros comuniquem à polícia, para que o órgão, por meio de diligências baseadas nas

    informações colhidas, no modus operandi do agente e em sua experiência, encontre o autor.

    Assim, em virtude do encontro de objetos e coisas pertencentes à vítima, ou

    do fato de o conduzido estar trazendo consigo a arma que provavelmente fora utilizada na

    prática da infração, é possível presumir ter sido ele o autor do crime. Há que se efetuar nessa

    hipótese uma interpretação extensiva da construção lógica dos fatos ocorridos (TORNAGHI,

    1995, p. 54)5.

    A descoberta casual de um crime ainda desconhecido da vítima ou não

    confirmado por testemunhas e, principalmente, sem ter sido informado à polícia, serve para

    caracterizar o crime, mas não serve para caracterizar o estado de flagrância presumida,

    5 A consagração da quase-flagrância em lei advém, portanto, não de perfeita identidade com a flagrância, mas do fato de que ela se aproxima: não torna certa a autoria, mas a faz provável; e tal como na flagrância verdadeira, também na quase-flagrância é grande a indignação dos circunstantes, o escândalo, o desassossego. E, por outro lado, a necessidade de se colherem de imediato os elementos de prova, os vestígios materiais deixados pelo fato ainda recente, antes que eles desapareçam ou se extingam.

  • 45

    previsto no inciso IV do artigo 302 do CPP.

    Com relação ao espaço-tempo, para que se possa legitimar a presunção, a

    doutrina manifesta-se no sentido de que exista uma relação temporal pequena entre a infração

    praticada e as circunstâncias em que se funda a presunção.

    José Frederico Marques (2000, p. 77) ensina que “se o intervalo entre a

    prática do ato delituoso e a captura não for pequeno, poderá registrar-se – como disse o

    desembargador Odilon da Costa Manso – uma feliz diligência da Polícia, nunca porém, o

    quase flagrante” .

    Na lição de Hélio Tornaghi (1995, p. 52)

    delito flagrante é o delito que está sendo cometido, o que está ardendo, queimando, pegando fogo. A exceção do inciso I, todos os demais não podem ser considerados flagrante, mas sim quase flagrante. Acrescenta, informando que na realidade a lei sabe que não há flagrante, mas as trata como se flagrante houvesse. Em outras palavras, ela finge que há flagrante.

    As hipóteses de quase flagrante, previstas nos incisos III e IV do artigo 302,

    foram introduzidas no Código de Processo Penal de 1941 sob a justificativa de que o interesse

    da administração da justiça não podia continuar a ser sacrificado por obsoletos escrúpulos

    formalísticos, que redundam em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, na afrontosa

    intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em

    circunstâncias que evidenciam sua relação com este.

    Assim como na legislação brasileira, encontram-se nos Códigos da

    Argentina (artigo 285) e Portugal (artigo 256-1e2) as mesmas hipóteses de prisão que

    caracterizam o estado flagrancial.

    3.1.3 O flagrante e o chamado “encontro”

    Por ser a prisão uma medida constritiva e agressiva não apenas para aquele

  • 46

    que a sofre, mas para a sociedade, é preciso que os aplicadores do direito, em sua aplicação,

    ajam com o máximo de cautela, principalmente porque o pensamento atual é de encarar a

    liberdade como regra e a prisão como exceção. Nesse sentido argumentam Kai Am