a dicotomia cultural do imigrante e a polonidade … · seguido pelo problema social do desemprego...

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1 LOURIVAL DE ARAUJO FILHO A DICOTOMIA CULTURAL DO IMIGRANTE E A POLONIDADE ANUNCIADA Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado e Licenciatura em História da Universidade Federal do Paraná, sob a orientação da Prof.ª Dra. Maria Luiza Andreazza. CURITIBA 2003

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1

LOURIVAL DE ARAUJO FILHO

A DICOTOMIA CULTURAL DO IMIGRANTE E A

POLONIDADE ANUNCIADA

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado e Licenciatura em História da Universidade Federal do Paraná, sob a orientação da Prof.ª Dra. Maria Luiza Andreazza.

CURITIBA 2003

2

A DICOTOMIA CULTURAL DO IMIGRANTE E A

POLONIDADE ANUNCIADA

LOURIVAL DE ARAUJO FILHO

3

À minha mãe, Terezinha de Jesus Araújo.

Ao meu irmão, Edison Luis (in memorian).

4

AGRADECIMENTOS

Posterior ao alcance de um objetivo tão importante para a trajetória

pessoal cabe uma reflexão no sentido de reconhecer o apoio oferecido por

pessoas e instituições que contribuíram para a superação de mais uma fase que

exigiu muita dedicação e trabalho.

Entre as instituições que contribuíram decisivamente para o findar desta

monografia não poderia esquecer da Congregação de São Vicente em Curitiba na

figura do padre Lourenço Biernaski por facilitar o acesso à fontes históricas a

jovens pesquisadores interessados na causa polonesa.

Ao Consulado Geral da República da Polônia representado pela SRA.

Consulesa Anna Korwin Kowalewska que estimula estudos e alimenta o sonho

de jovens pesquisadores que pretendem concluir estudos de pós-graduação nas

Universidades dessa promissora nação.

À Sociedade Marechal Josef Piłsudski e ao Grupo Folclórico Polonês do

Paraná Wisła. À este último reservo um espaço especial no meu coração por ter

feito de mim um amante da cultura do povo polonês e por transmitir valores

inquestionáveis para minha formação pessoal.

À Braspol que em decorrência da publicação da Revista Projeções vem

promovendo a divulgação de estudos voltados à história da Polônia e dos

descendentes aqui no Brasil, tornando possível a troca de conhecimentos e

informações sobre os mais variados temas.

Ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná que

rompe barreiras estruturais e políticas caracterizadas pelos escassos recursos e

pela burocracia oferecendo de forma democrática atendimento e ensino de

qualidade.

5

À Direção da Biblioteca Pública do Paraná que tanto tem colaborado com

a difusão da história do nosso estado.

Desde antes da minha entrada na Universidade tenho sido contemplado

com o apoio de pessoas que sempre se fizeram presentes. Com palavras e gestos

nunca deixaram de oferecer um auxílio por mais complicado que fosse. A eles

dediquei um espaço para agradecimento especial.

À prof.ª Dra. Maria Luiza Andreazza. Pessoa extremamente dedicada a

seus alunos. Seus incentivos me deram segurança e certeza de que era capaz de

superar as eventuais dificuldades encontradas no trajeto deste trabalho, seus

acompanhamentos e orientações mostraram os caminhos a serem percorridos e

sua personalidade foi para mim um espelho de onde pretendo extrair as

qualidades humanas e profissionais.

Ao prof. Dr. Sérgio Odilon Nadalin. Professor com que tive mais contato

na Universidade, do primeiro ao último dia. Prestou-me orientação durante um

determinado período mostrando-se muito atencioso e sincero. Acredito que suas

qualidades profissionais sejam pré-requisitos para todo professor e historiador

que almeje o sucesso.

Aos professores do departamento de História, José Roberto Braga Portela,

Ana Maria Burmester, Márcia Dalledone Siqueira, Luis Geraldo, Carlos Alberto

Lima, Dennison de Oliveira, Antônio César Santos e Judite Barboza Trindade,

meus mais sinceros agradecimentos pelas exemplares atitudes profissionais que

certamente servirão de modelo.

Aos estimáveis colegas e amigos do Instituto de Educação do Paraná que

há tempos acompanham e apóiam minha trajetória estudantil e profissional: José

Frederico de Mello, Maria Doraci Nitz, Mariza Terezinha Peruzzo, André Ribas,

Janine Assunção, Maria Marta Balestra, Cleusa Costamilan, Regina Márcia

6

Oliveira, José Mario Leite, Valeska Giordano Nitz, Lais Bley, João Leonides de

Lara, Gilberto Prestes, Reinaldo Hidalgo e Vera Julião.

Ao incansável e prestativo amigo-irmão Milton Stanczyk Filho, meu

maior companheiro e conselheiro dentro da Universidade e que jamais

esquecerei de retribuir pela atenção e favores prestados.

À Vivian Tyszka pelo apoio e tempo despendido nas traduções dos jornais

poloneses.

Aos antigos amigos do Grupo Wisła: Luis Gustavo Gomes, Hercules A.

Terres, Rafael Scardazan Heeren, João Leonides, Eliane Bon, Andressa

Gonçalves, Herbert Luciw Bueno, Christine Güinz Fabian, Leandro Kluch,

Wagner Ricardo Luis, Melanie Moskalewski, Ana Carolina Gebur, Luiz

Otaviano Gomes, Edinei Schuster e às famílias Bastos, Guarize, Soares Kremer,

Czajkowski, Boszczowski Castelã e a todos os demais pelo incentivo em

desenvolver tal tema e companheirismo conjunto em prol de uma única causa: a

perpetuação da cultura folclórica polonesa.

À Família Lara Constante apoiadora e transmissora de importantes

valores humanos.

À minha namorada Eliete que certamente compreende as ausências

causadas pelo tempo despendido nos afazeres da faculdade e principalmente

neste trabalho.

Por último à minha família: mãe, pai, filha e irmãos pelos conselhos, pelo

carinho, confiança e esforços na tentativa de afastar a descrença, espantar o

derrotismo e estimular e patrocinar os estudos.

7

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 06

CAPÍTULO I – A CONJUNTURA EMIGRATÓRIA EUROPÉIA NO

SÉCULO XIX.........................................................................................................

09

1 A ERA DA REVOLUÇÃO FERROVIÁRIA...................................................... 10

1.1 O PRIMEIRO PASSO: A MIGRAÇÃO SAZONAL........................................ 11

1.2 A DOMINAÇÃO E A SUSTENTAÇÃO DA MEMÓRIA DA SERVIDÃO... 16

1.3 DO CAMPO PARA A CIDADE: A PARTICIPAÇÃO DAS CAMADAS

URBANAS NA EMIGRAÇÃO...............................................................................

22

CAPÍTULO II – IMIGRAÇÃO POLONESA HETEROGÊNEA EM

CURITIBA..............................................................................................................

25

2 O BRASIL MERIDIONAL DO SÉCULO XIX: O IMIGRANTE E A NOVA

DINÂMICA SOCIAL..............................................................................................

26

2.1 À ESPERA DO IMIGRANTE: CURITIBA 1870-1930................................... 28

2.2 COLONOS E CITADINOS NA ESFERA CURITIBANA.............................. 30

CAPÍTULO III – A HISTORIOGRAFIA DA IMIGRAÇÃO E A

POLONIDADE.......................................................................................................

42

3 DICOTOMIA: A MULTIPLICIDADE DE VALORES E A FORMAÇÃO DO

DISCURSO DA POLONIDADE............................................................................

43

CONCLUSÃO......................................................................................................... 52

FONTES................................................................................................................... 55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 56

8

INTRODUÇÃO

A intenção de investigar a fixação e relação dos poloneses com outras

etnias no Paraná vem de encontro com gratificações pessoais do autor desta

monografia. A principal finalidade foi iniciar uma contribuição para o processo

elucidativo de algumas questões que ainda não foram abordadas e que poderão ser

úteis para a construção da história desse povo.

O interesse em abordar a imigração polonesa partiu de uma inquietação

surgida no contato com leituras voltadas a este tema. A forma com que alguns dos

principais historiadores conduziram suas argumentações referentes à trajetória

imigrante polaca acabou por criar o pressuposto de que os imigrantes poloneses e

seus descendentes tiveram o sentimento nacional como elemento de aglutinação

étnica. Ao mesmo tempo, esta produção pode ser repensada à luz de importantes

contribuições voltadas ao estudo da etnicidade proporcionadas pela Sociologia e

Antropologia.

Após eleger um plano de intenção que apontou para a necessidade de um

estudo voltado à atividade cultural, política e intelectual dos contingentes

poloneses radicados na cidade de Curitiba no início do século XX, a opção foi de

dividir o trabalho em três corpos textuais. Por entender que a situação eleita não

estaria desconexa do passado dos poloneses em sua terra natal, ficou evidente a

necessidade de um lócus direcionado à história da Polônia ocupada do século XIX,

ou seja, o período da circunstância emigratória. Nesse sentido, foi elaborado um

primeiro capítulo retratando uma nação que mesmo desprovida da autonomia

política, não se encontrava isolada do cotidiano europeu ocidental que evidenciava

a proletarização camponesa e urbana. Nesse viés, considerou-se majoritariamente

que as realidades campesinas e urbanas, aliadas à expansão das estradas de ferro

9

após 1850, propiciaram um impulso emigratório que chegou ao seu ponto máximo

na década de 1890 com o advento da “febre brasileira”.

Num segundo momento, a proposta de trabalho esteve vinculada à

exploração das intenções das autoridades provinciais paranaenses, comprovadas

pelos relatórios oficiais, de promover uma nova dinâmica social atribuindo à

figura do europeu ‘morigerado’ e ‘laborioso’ funções que viessem a solucionar em

caráter de urgência os problemas de abastecimento de gêneros alimentícios na

capital. Essa iniciativa propiciou a instalação de contingentes poloneses

heterogêneos em Curitiba, grosso modo caracterizados pela apresentação de estilos

de vida e aspectos culturais vinculados às formas de trabalho não somente

campesinas, mas também urbanas.

Demarcadas suas características, os imigrantes passaram a ser entendidos

enquanto elementos relevantes no cenário urbano curitibano da transição do século

XIX para XX; um panorama onde a participação se deu em diversas frentes de

atuação, nesse caso estritamente urbanas ou que aliassem o campo à cidade. Dessa

forma, tendo relatos de época como fios condutores, é dada particular atenção à

performance política e comercial das camadas polonesas mais abastadas que

passaram a se destacar pelas suas dinâmicas sociais enquanto lideranças da etnia.

As constatações da existência de valores e interesses díspares entre os

poloneses e o envolvimento em múltiplas frentes averiguadas deram subsídios

para o terceiro corpo do texto efetuar o fechamento do trabalho conduzido pela

formulação de uma hipótese ancorada na contradição entre o discurso

historiográfico reprodutor de ideologias nacionalistas e a realidade imigrante

composta por “padrões valorativos1” bastante divergentes. No século XX, a

historiografia da imigração polonesa no Paraná considerou a existência de um

componente cultural e religioso que supostamente fortaleceria a conservação da

1 Conceito desenvolvido por Fredrik Barth que se dedica ao estudo de elementos culturais étnicos.

10

identidade polonesa: o sentimento de ‘polonidade’. Portanto, a hipótese está

norteada nas contestações da total imparcialidade na construção do discurso

historiográfico e da assimilação de um mesmo sentimento por parte de grupos tão

diferenciados culturalmente. Este debate está embasado em estudos de fontes que

revelam as pretensões das camadas urbanas comerciais e intelectuais nacionalistas

em estabelecer vínculos entre as diversas categorias imigrantes com o intuito da

uniformidade étnica de elementos possuidores de um suposto passado em comum.

Tudo isso agindo na convergência para a construção do discurso em prol da

‘polonidade’.

11

CAPÍTULO I

A CONJUNTURA EMIGRATÓRIA EUROPÉIA NO SÉCULO XIX

12

1 A ERA DA REVOLUÇÃO FERROVIÁRIA

O continente europeu possui regiões que apresentam, historicamente,

distinções econômicas, políticas e culturais entre si. Tendo isto em vista, muitos

estudos dividem-no em dois territórios: o do Ocidente (das ilhas inglesas até as

terras germânicas da Prússia) e do Oriente (atingindo até a Rússia). Essas

diferenças tornaram-se mais aparentes principalmente a partir da segunda metade

do século XVIII com o advento da industrialização na parte ocidental, acelerada

pela construção de estradas de ferro que partiam dos granes aglomerados

industriais e que se ramificavam em direção dos portos e das cidades menores.

Principalmente a partir das grandes revoluções de 1848 é que a Europa tendeu a

se diferenciar mais agudamente fracionando-se, grosso modo, em dois grandes

blocos: um que se modernizava ao ritmo das máquinas a vapor e outro que ainda

carregava os vestígios de sua longa história feudal e que de certa forma, com o

passar dos anos, economicamente e politicamente acabou ficando ‘atrasado’ e

‘superado’. Em linhas gerais, as mudanças bastante radicais que ocorreram na

agricultura e na indústria ao longo do século XIX, envolveram diretamente a

população das nações européias. Fizeram com que a dinâmica dos povos do

campo e da cidade fosse alterada com a chegada das novidades da modernidade e

que a coordenação do trabalho precisasse ser reorganizada aos moldes que a

ordem capitalista exigia.

Tanto na lavoura, como nas áreas urbanas dos países do Ocidente europeu,

as máquinas que substituíram mão-de-obra humana, gerando desemprego e

desalento, ao mesmo tempo, deram um novo ritmo à produção, pois a população

em expressivo crescimento fazia tornar necessário o aumento significativo do

cultivo de alimentos e fabricação de bens de consumo como vestimentas e outros

objetos de uso diário. O acréscimo da produção, proporcionado pelas máquinas e

13

novas técnicas de plantio que substituíram o antigo sistema de rotação, foi

seguido pelo problema social do desemprego e da desvalorização do trabalho

principalmente nos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental e também em

algumas regiões da Europa Oriental.

Acima de qualquer outra coisa, o Oitocentos europeu, revelou-se uma

ampliação dos poderes burgueses-capitalistas que avançaram extrapolando as

fronteiras do Ocidente e desmembraram pouco a pouco os resquícios dos modelos

sócio-feudais que por tanto tempo prevaleceram, tomadas as suas particularidades

em cada região ou Estado. No contexto da metade do século XIX, nas terras

continentais, principalmente onde atualmente situam-se a Alemanha e Itália e nas

regiões da Polônia e Rússia, o progresso que alcançou – mesmo que em níveis

diferenciados – a agricultura e a indústria, obrigou a efetivação de modificações

nos sistemas produtivo e comercial fazendo com que boas parcelas das distintas

mãos-de-obra tivessem em comum o anseio de emigrar em busca de um outro

espaço onde o seu trabalho pudesse ser mais reconhecido e valorizado. No Oeste,

esse desejo veio à tona principalmente devido aos problemas sociais gerados pela

industrialização e acabou acontecendo mais cedo por causa da facilidade de

deslocamento via inúmeras malhas ferroviárias e portos, já no Leste esse anseio

migratório ocorreu, provavelmente, pelo grau de atraso econômico, pelas

expropriações por parte das nobrezas e dos governos imperiais e ainda, em função

da submissão servil dos camponeses aos grandes latifundiários.

1.1 O PRIMEIRO PASSO: A MIGRAÇÃO SAZONAL

A grande emigração européia foi iniciada nas ilhas inglesas no começo do

século XIX pelos que partiram para os Estados Unidos da América, pois desde a

Revolução Americana criou-se o “mito do novo mundo americano”, onde os

14

europeus podiam construir uma outra vida, numa terra “jovem”, fértil e ainda em

construção. Nas terras continentais, foram os alemães e italianos que

pioneiramente avolumaram o processo de emigração. Desde a década de 1820 já

se dirigiam para a América, deixando um espaço que mais tarde viria a ser

completado pelas mãos estrangeiras do leste. Dessa forma, os povos eslavos,

principalmente os da Galícia, em especial o polonês e o ruteno passaram a

empreender-se nas migrações sazonais em época de colheita.

...

Até 1850... o que mais distingue a Alemanha da França (e até da Inglaterra), é o estilo do seu êxodo rural: os camponeses pobres partem das suas terras numa altura em que já existe o caminho de ferro. O novo proletariado, em vez de se amontoar ao acaso na proximidade dos burgos, pode escolher as zonas onde a indústria já deu as suas provas, ou ainda dirigir-se diretamente aos grandes portos donde embarca para a América, sobretudo para os EUA: de 33 mil em 1844 a emigração alemã passa a 250 mil por ano em 1854: caudal suficientemente volumoso para arrastar os operários agrícolas mais desfavorecidos do leste [...] Nestas camadas inferiores da vida rural, é o polaco imigrante que em breve vem substituir o alemão emigrado.2

Há que se considerar que na Polônia Alemã3 dominada, abalada pelas

insurreições de 1848, o governo do Império Prussiano lança mão de uma nova

reforma agrária para amenizar os levantes poloneses. Principalmente na região

da Silésia, a realização dessa reforma não agradou aos camponeses, pois a

manutenção de minifúndios imposta aos lavradores contradizia com a existência

de latifúndios pertencentes a germânicos abastados. Não tardou e as pequenas

propriedades dos agricultores polacos foram sendo adquiridas pelos grandes

latifundiários que facilmente compravam as terras daqueles que estavam sem

dinheiro, sem sementes, sem amparo. Assim sendo, realiza-se um expansionismo

2 MORAZÉ, Charles. Os burgueses à conquista do mundo 1780-1895. Rio de Janeiro : Edições Cosmos, 1965. p.265. 3 Compreendem-se aqui as antigas terras polonesas que foram invadidas e dominadas pelos prussianos no final do século XVIII, quando da tripartição. A ocupação germânica se deu do norte da Polônia, onde destacava-se o escoamento da produção agrícola pelo Porto de Gdańsk, até o sul da nação, onde iniciava-se a faixa dominada pelo império austríaco.

15

germânico às custas da estagnação econômica do campesinato radicado naquela

região. Não restava muitas opções ao pequeno agricultor, senão ocupar-se

obrigatoriamente nos latifúndios (“folwark”), submeter-se ainda mais às

explorações do patrão estrangeiro ou ainda a aventura de migrar4.

Fonte: WACHOWICZ, Ruy C. Abranches: um estudo de história demográfica. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1976. P. 22. Adaptação.

As transformações que aboliram legalmente a servidão criaram novas

relações de trabalho chamadas e a emergência de um novo estrato social: os

proletários rurais. O aumento dessa categoria trabalhadora favoreceu os

proprietários das “folwarks”, que em face da grande disponibilidade de mão-de-

obra, puderam explorar e pagar baixíssimos salários. Prova disso é que nessa

área da Polônia Prussiana o proletariado agrícola sem-terra particular chegou a

4 WACHOWICZ, Ruy C. As Escolas da Colonização Polonesa no Brasil. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO POLONESA. v. II. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1970. P. 14.

16

alcançar 41% da população rural, ou seja, o mais alto do triplo domínio5. Tal

situação encaminhava o camponês polonês à migração sazonal em busca de

trabalho. Assim, nos períodos de colheita em outras províncias alemãs da

confederação, ele se deslocava em busca de trabalho e, sobretudo, de melhores

pagamentos.

Devido a essa necessidade do polaco migrar para o Ocidente em épocas de

safra é que talvez tenha ocorrido pela primeira vez – entre germânicos e

poloneses em território originariamente alemão – a disputa direta por espaços de

trabalho e ganho. Provavelmente o imigrante que chegava em terras alemãs

alterava relações sociais de trabalho por ocupar ambientes que anteriormente

eram dos moradores originários daquelas localidades. Neda Mohtadi Doustdar

alerta para essa possibilidade afirmando que... “os senhores de terra do leste

alemão importavam esses trabalhadores eslavos de além fronteira, os quais,

sendo mão-de-obra mais barata para realizar trabalho agrícola, criavam

conflitos com os trabalhadores alemães, acabando por afastá-los [...] assim sob a

pressão dos ciclos econômicos e no desenrolar dos processos político-sociais, o

camponês eslavo ocupa o lugar do alemão”6. Percebe-se claramente que para os

senhores de terra alemães o que estava em jogo naquele momento não era a

procedência étnica do camponês, mas sim, o que valia era modalidade capitalista

no campo de que a mão-de-obra mais barata acabaria acarretando em maiores

lucros. Eric Hobsbawm também trata do assunto ao afirmar que:

...

A lavoura modernizada, e em processo de modernização, do Ocidente exigia relativamente menos braços que antes, embora empregasse extensivamente trabalhadores migrantes sazonais, com freqüência vindos de longe, e pelos quais os

5 Ibid.; p. 14. 6 DOUSTDAR,Neda Mohtadi. Imigração Polonesa: raízes históricas de um preconceito. Dissertação de mestrado. Curitiba : UFPR, 1990.

17

fazendeiros não tinham que ter responsabilidade ao terminar o período sazonal de trabalho; eram os “achsenganger”, vindos da Polônia para a Alemanha...7 Neda Doustdar, ainda complementa afirmando que... “Foi nesse contexto

que os trabalhadores alemães do leste migraram parte para o oeste,

incorporando-se ao impulso do sistema capitalista, e, parte, aderiu à emigração

para a América8”. Também é nesse intento, que movidos pela inércia da

emigração transoceânica alemã, milhares de poloneses aderiram e se empregaram

na mesma aventura de chegar a América e tentar construir uma nova vida. As

dificuldades campesinas não eram somente um problema grave do leste europeu.

Na verdade, principalmente os agricultores mais distanciados das grandes cidades

e das linhas de escoamento da Europa Meridional e Central estavam em

permanente eminência de enfrentar crises agrícolas causadas por pragas, clima

ruim e até mesmo transporte das safras, haja vista o problema das estradas em

péssimas condições e o não alcance dos trilhos em muitas regiões. Durante boa

parte do século XIX, na Prússia Oriental – próxima das áreas originalmente

polonesas – ainda resistiu um percalço muito conhecido dos seus vizinhos

eslavos, que consistia na estagnação social e barreira ao bem-estar dos pequenos

agricultores: a manutenção das práticas de corvéia que tanto eram necessárias

para a conservação dos imensos poderes nas mãos dos nobres latifundiários.

É nesse sentido, que particularmente a história do povo polonês também

chama atenção. O ato de migrar sazonalmente ou o de emigrar rumo a América

esteve vinculado a dois fatores bastante contundentes: um bastante amplo e real

que era a situação local naquele momento – de dificuldades extremas para uma

extensa parcela populacional – e outro mais idealizado, ou seja, o sonho criado de

que a América, nesse caso o Brasil, era o “Novo Mundo”, a “Nova Polônia”,

“terra onde corre leite e mel”. Maria Luiza Andreazza, ao escrever sobre a

7 HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios 1875-1914. 3 ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992.

18

emigração eslava rumo à América chama atenção para o fato de que houve um

grande “impulso subjetivo” movido pelo que ela chama de “esfera da

esperança” e a “firme crença na força de mecanismos compensatórios capazes

de garantir melhores posições sociais9” que tornaram realidade a aventura

migratória. Eric Hobsbawm também tece alguns trechos sobre o assunto

afirmando que:

...

A agricultura não-modernizada das regiões atrasadas já não podia oferecer terra suficiente a futuros camponeses, que se multiplicavam nas aldeias. O que a maioria deles almejava, ao emigrar, decerto não era terminar a vida como trabalhadores. Eles queriam” fazer a América “(ou o país para onde fossem) na esperança de ganhar o suficiente, após alguns anos, para comprar uma propriedade ou uma casa e, como pessoa de posses, adquirir o respeito dos vizinhos em alguma aldeia siciliana, polonesa...10

1.2 A DOMINAÇÃO E A SUSTENTAÇÃO DA MEMÓRIA DA SERVIDÃO

Fazendo-se um paralelo com Maria Luiza Andreazza quando tratou da

emigração eslava, é possível afirmar que particularmente a migração polonesa

sofreu um “impulso” devido à situação de dificuldade cotidiana da população.

Alguns estudiosos asseguraram que o impulso emigratório tem muito a ver com a

dominação estrangeira. “Desde a década de 1770, os avanços dos impérios

limítrofes sobre as terras da Polônia tornaram-se inevitáveis11 e as vizinhas

potências absolutistas de direito divino partiram para a invasão e domínio

definitivo de suas terras”. Ulisses Iarochinski reforça essa idéia e afirma que...

8 DOUSTDAR, op. cit. p. 67. 9 ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das Delícias: Um estudo da imigração ucraniana 1895-1995. Tese de Doutorado. Curitiba : UFPR. 1996. 10 HOBSBAWM, Eric J., op. cit., p. 166. 11 A partir do ano de 1772, os impérios da Prússia, Áustria e Rússia passaram a ditar as ordens dentro do território polonês. A ação conjunta das três forças neutralizou o poderio das revoltas, garantindo o domínio até o início do século XX.

19

...

Entre 1793 e 1795, os russos ocuparam os territórios polacos e a Polônia como entidade política e geográfica deixou de existir. Numa primeira partilha em 1793, a Prússia anexou Gdańsk, Toruń, Polônia Maior, parte da Mazowia e Kujawia (57 mil km2) e a Rússia ocupou quase toda a Ucrânia e Bielorússia (250 mil km2). A partilha foi completada em 1795, quando a Áustria também reclamou direitos sobre as terras polacas.12

É possível e pertinente imaginar que dentro de uma nação tripartida os

domínios se dariam de forma diferenciada em cada região ocupada e foi

exatamente isso que aconteceu, com maiores ou menores concessões aos

poloneses, dependendo do período e do interesse de cada dominante.

A emigração certamente também teve como meio propulsor as relações

internas nas áreas ocupadas, pois principalmente na área galiciana, onde a lista

de emigrados foi engrossada, a população de imensa maioria camponesa

mantinha-se presa à terra e aos interesses dos nobres proprietários, que mesmo

com a abolição da servidão em 1848, ainda agiam nas brechas das leis, mantendo

viva a memória da servidão e podendo continuar usufruindo dos trabalhos

camponeses. Enquanto a Europa do ocidente caminhava a largos passos para a

industrialização e para a urbanização conduzidas pelo vapor e pelos trilhos e a

sua agricultura já apresentava novidades que elevavam a produção, em algumas

áreas importantes da Europa Oriental ainda subsistiam estreitos laços de sujeição

característicos de períodos feudais que se traduziam pelo aprisionamento

sistemático do homem ao campo e estradas em péssimas condições que

dificultavam o escoamento da produção de uma agricultura rudimentar.

No caso da Galícia o “Antigo Regime” não era sustentado apenas por

nobres estrangeiros como querem afirmar alguns autores, mas também pela

própria nobreza polonesa que agia em conluio com a estrangeira e assumia um

12 IAROCHINSKI, Ulisses. A saga dos Polacos: a Polônia e seus imigrantes no Brasil. Curitiba : Gráfica Mansão, 2000. p.22.

20

papel eficiente na expropriação de bens e terras, e sem dúvida na oficialidade da

obrigação da servidão por parte dos camponeses. De certa forma, a tardia

chegada do Iluminismo13 nas áreas do leste contribuiu para a manutenção desse

sistema pré-capitalista sustentado pelas relações de atraso, submissão e servidão

que perduraram até mesmo com a eminente chegada do capitalismo. Um

exemplo da sustentação das antigas formas de relações sociais ocorrida na

Galícia foi a reação da nobreza latifundiária anterior e posterior à “emancipação

da servidão de gleba, em 13 de abril de 184814”. “A nobreza da Galícia, nas

décadas anteriores a 1848, pressentindo a eminência do fim da servidão passou

a se preocupar em ter a posse legal e efetiva daquelas terras”15 implementando

uma política de ressarcimento das possíveis futuras perdas que os atingiriam caso

a servidão fosse abolida definitivamente via legislação e assim, preventivamente,

prepararam todo um aparato legal que fez aumentar seus poderes econômicos.

Mesmo depois de 1848, para compensar os prejuízos causados pela emancipação

e perda dos servos a nobreza desapropriou terras particulares e comunais, as

quais passaram a ser arrendadas aos mesmos camponeses expropriados. Outra

iniciativa da nobreza latifundiária pós-emancipação da servidão de gleba, foi a

manutenção da corvéia através dos chamados “dias auxiliares16” que ampliavam

a carga de trabalho em épocas de grandes movimentações no campo como a

colheita. Pouco tempo sobrava ao camponês, pois além de estar amordaçado

pelas submissões ao patrão, ainda tinha as obrigações junto à paróquia, ou seja,

13 As idéias esclarecidas dentro do triplo domínio vieram a tona, primeiramente, por parte da Coroa austríaca na pessoa de José II. Suas idéias bateram de frente com ideais da nobreza latifundiária que se preparou para as possíveis reformas garantindo e ampliando suas fontes de riquezas. 14 ANDREAZZA, Maria Luíza. op. cit., p. 16. 15 Ibid., p. 18. O prestígio dos nobres em litígio fazia com que administração provincial fizesse “vistas grossas” aos problemas ocorridos em função do desrespeito das cobranças das obrigações que se davam com trabalho ou até mesmo dinheiro. Talvez esse tipo de atitude traduza em realidade o que chamamos de “memória da servidão” existente até meados do século XX na região. 16 ANDREAZZA, ibid.; p. 18.

21

comprometimentos estes, pagos em dinheiro ou trabalhos de construção ou

ampliação da igreja, etc. Boa parte desse trabalho junto à Igreja Católica era uma

prática muito comum dos galicianos poloneses devido aos seus zelos religiosos.

Isso, de certa forma, também fazia com que o desenvolvimento da região se

tornasse lento e prejudicado. Ruy Wachowicz ao tratar sobre a realidade na

Galícia ilustra muito bem as particularidades religiosas:

...

A par desta estrutura agrícola totalmente arcaica, era o camponês galiciano possuidor de uma mentalidade religiosa equivalente. Estatísticas de 1870 mostram que, em 34 prefeituras, havia por ano 100 a 120 dias festivos ou santificados para o camponês. Em outras 22 prefeituras, 120 a 150 dias e em 16 outras, registravam-se 150 a até 200 dias santificados [...] É óbvio que numa tal conjuntura e em tal ambiente, qualquer desenvolvimento material ou cultural tornava-se impossível.17

No imaginário camponês, tal dedicação ao culto certamente ajudava a

amenizar os latentes problemas cotidianos. No entanto, as relações entre Igreja e

a nobreza local eram muito paralelas e isso desfavorecia justamente aqueles que

não viam na Igreja um agente que pudesse estar em conluio com as ações

nobiliárias. Maurice Crouzet, ao tratar da questão da ocupação da terra em

épocas de grandes domínios na Europa Oriental por volta de 1850, coloca a

Igreja em pé de verdadeira co-participante na ação de ampliação das terras dos

abastados ou ainda, desejosa da herança dos pequenos agricultores.

...

Quanto à Igreja, na medida em que é a instituição dos morgados18, contribui para afastar da propriedade o camponês que, supersticioso e ignorante, capaz de atos de selvageria tal como os que Goya pintou nas suas Desgraças da Guerra, contenta-se com

17 SZAWLESKI, Mieczyslaw. Kwestja Emigracji w Polsce: Nakładem Polskiego Towarzystwa Emigracyjnego. Warszawa : 1927. APUD.: WACHOWICZ, Ruy C. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO POLONESA. V. I Curitiba : 1970. 18 A Igreja possuía intenção de ficar com os bens daqueles que não possuíam filhos herdeiros ou parentes próximos.

22

um naco de carneiro e um pão trigueiro, e até com uma cebola ou alho, com um tomate e com uma fatia de melancia, com um pouco de vinho.19

A fome foi um fator que ampliou os problemas no campo, mas um outro

elemento veio a complicar ainda mais a situação das nações européias,

principalmente as dominadas por povos vizinhos: foi a alta nas taxas de

natalidade que graçaram depois de 1850. Nos campos e nas cidades percebe-se

um crescimento considerável que já se admitia principalmente desde o século

XVIII e mais ainda se fossem somados os quase 10% da população européia que

emigrou para os EUA20. A população continuara aumentando, principalmente

pela ampliação das malhas urbanas que ofereciam melhores condições de vida,

apesar de que na extensa maioria dos países a concentração rural da população

continuasse ainda ser muito maior até o fim do dezenove. No campo a população

continuava a crescer principalmente em épocas de fartura e prosperidade como

ocorreu num dado período da segunda metade do século XIX no domínio russo,

como relata Hobsbawm:

...

O regime compósito russo deu a este camponês polaco uma ocasião de afirmar a sua vocação; a agricultura melhora de qualidade e em quantidade, à custa da propriedade senhorial desmantelada, a população rural cresce consideravelmente. Em vinte anos, passa de quatro para sete milhões. Desloca-se dos casais dos vilarejos para as aldeias, das aldeias para as cidades e fornece o contingente operário da Polônia industrial, cujos progressos são notáveis.21

Verifica-se que o aumento populacional das zonas rurais influenciou

diretamente as transformações urbanas devido à existência de um êxodo rural

orientado em direção às cidades da região que por sua vez, também se utilizaram

19 CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações: O Apogeu da Civilização Européia (1815-1914). 2 ed. São Paulo : Difusão européia do livro. 1961. p. 27. 20 Ibid.; p. 13. 21 HOBSBAWN, Eric J.; op. cit.; p. 404.

23

da mão-de-obra recém-chegada nas indústrias em expansão e em aberta

modernização.

...

Não devemos pensar, porém, que se deu esta modernização sem dores nem misérias [...]

Em 1850 podiam-se contar na Prússia [provavelmente inclusas as áreas dominadas]

mais de duzentos mil camponeses que fiavam e teciam o linho [...] duzentas e cinqüenta

mil fiandeiras e teares manuais. Não haverá mais que trinta mil em 1882. Mas esta

brutalidade e esta miséria são o preço por que se paga o progresso da nova indústria

têxtil.22

No mesmo momento em que as causas problemáticas urbanas atingem o

campo, ocorre o aumento da concentração populacional rural – embora que em

ritmos diferentes dependendo da área européia – mas o que se percebe,

principalmente no caso polonês e particularmente no caso da Galícia, desprovida

de grandes parques industriais, é que a pressão demográfica aliada a uma

estrutura agrária lamentável – por apresentar a característica da propriedade

minifundiária – foram as responsáveis pelo fato de o camponês emigrar em

maior número mesmo com todas as dificuldades de transporte até as áreas de

embarque marítimo. No domínio austríaco, o campo era a área mais pobre e

dessa forma, era também o espaço que mais sofria com a pressão das altas taxas

de natalidade em épocas de colheitas diminutas. O fator repressivo e a falta de

perspectiva de progresso no campo levaram o camponês a acreditar que o ato de

migrar seria o mais viável para a sua sobrevivência. Muitos abandonaram o que

ainda lhes restava e lançaram-se as aventuras migratórias, alguns até mesmo

sabendo que encontrariam dificuldades extremas, outros sem informação alguma.

22 MORAZE, Charles. op. cit.; p. 267.

24

1.3 DO CAMPO PARA A CIDADE: A PARTICIPAÇÃO DAS CAMADAS

URBANAS NA EMIGRAÇÃO

Alguns historiadores afirmam que cerca de 95% do contingente emigrante

polonês era de origem rural23. Esses emigrados não formaram um grande bloco,

mas participaram do movimento chamado pelos estudiosos de migrações

forçadas ou involuntárias. As condições específicas de onde saíram encaminhou-

os num primeiro momento, para outras províncias das confederações para

atuarem nos trabalhos sazonais. Num segundo momento, quando a migração

sazonal não mais absorveu toda a oferta de mão-de-obra, optaram por participar

do grande movimento emigratório transcontinental, tratado por alguns como

verdadeira diáspora rumo à América24.

Mas é imprescindível que se destaque a presença do elemento de origem

urbana na emigração destinada ao Brasil. Esse componente, apesar de fazer parte

de uma minoria presente nas estatísticas, foi responsável por retirar a

homogeneidade cultural dos emigrantes. Nas cidades, a existência de

alfabetizados era maior que no campo, assim como os graus de satisfação eram

diferenciados. De um lado ela se expressava entre implementar o ideário

proposto pelos intelectuais socialistas que animavam debates em galpões

industriais de toda a Europa, e não poderia ser diferente na Polônia. Outros

desdobravam os conhecimentos científico-acadêmicos do espaço que no século

XVI fora freqüentado por Copérnico, e apreciavam os segredos da Física, da

Química e da Astronomia. Neste mesmo ambiente onde veiculavam as

23 POTOPOWICZ, Boleslau Zabko. Osadnictwo polskie w Brazylii. Warszawa, Sklad Glówny Syndykat Emigracyjny. 1936. p.13 e 14. In: WACHOWICZ. O camponês polonês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural, 1981. 24 Ruy Wachowicz utiliza esse termo em suas explanações sobre a movimentação dos emigrantes rumo à América.

25

enciclopédias, os jornais de ciência e onde se fazia perceber o furor dos embates

entre os cientistas sociais e os que defendiam os valores das Ciências Naturais.

Determinados homens que mais tarde emigraram, foram realizadores de viagens

por toda a Europa, que conheciam o sistema de correio, as vantagens do

telégrafo, alguns até o telefone. Enfim, eram elementos vivos da “época vital da

evolução humana da Europa – a idade da revolução ferroviária25”.

Em cidades industriais importantes como os centros têxteis de Łódz,

Varsóvia e Cracóvia, ao passo que a memória da servidão foi se tornando cada

vez mais abandonada pela própria característica econômica urbana da época “a

consciência nacional tinge-se de liberalismo entre os jovens burgueses, de

socialismo entre os intelectuais – amiúde proletários – que confiam mais no

porvir de um movimento operário [além do que as cidades] continuam sendo

ativos centros literários e científicos”26.

Muitos dos que estavam envoltos a esse processo político-econômico

característico do final do século XIX polonês acabaram por fazer parte das listas

de emigrados. Alguns por serem vítimas da perseguição das autoridades dos

países dominadores, como foi caso comum na área alemã atingida pela

Kulturkampf27, outros por também acreditarem nas promessas das companhias

de emigração que atuavam na região. Além desse tipo de ação repressiva do

governo alemão, uma série de outras atitudes foi tomada para ampliar a

germanização da região da Silésia, Pomerânia e Posnânia, entre elas “a

exclusividade para alemães na nomeação e ocupação dos cargos públicos28”, o

que de certa forma reduzia o espaço de trabalho para pessoas oriundas do círculo

urbano.

25 MORAZÉ, Charles. op. cit.; p. 298. 26 CROUZET, Maurice. op. cit.; p. 294. 27 A Kulturkampf foi um movimento de germanização implementado a partir de 1870 e levado a cabo pelo então líder Otto Von Bismark.

26

Se a situação nas cidades também não era boa, natural que muitos também

decidissem pela saída de sua terra natal. Apesar de que em algumas cidades

polonesas, a influência dos dominadores ser positiva no sentido de aumentar a

industrialização e dessa forma, modificar as dinâmicas de trabalho e oferta de

emprego, na maioria dos casos o que se viu foi um inchaço populacional e

expansão da pobreza.

28 Para maiores informações sobre as ações da Kulturkampf ver Wachowicz, Ruy C.; op. cit.; p.18.

27

CAPÍTULO II

IMIGRAÇÃO POLONESA HETEROGÊNEA EM CURITIBA

28

2 O BRASIL MERIDIONAL DO SÉCULO XIX: O IMIGRANTE E A

NOVA DINÂMICA SOCIAL

Os campos do Paraná, desde o século XVIII, eram caminhos que ligavam

o extremo sul do país a São Paulo e na primeira metade do século XIX a região

vivia sob a forte influência da economia de invernagem, ao passo que a criação

de gado – movida pelo braço escravo – ia diminuindo. Tornara-se mais lucrativo

aos fazendeiros alugar trechos de pasto aos tropeiros, pois com a invernagem se

despendia menos custo e trabalho do que com a criação de gado. Por isto as

famílias fazendeiras, juntamente com boa parte da mão-de-obra existente nos

campos, se encaminharam para as cidades, que na primeira metade do século

XIX em modesto crescimento29. Com o desenvolvimento das relações

comerciais nas áreas urbanas e a geração de renda através da erva-mate e da

madeira, a economia de invernagem também foi perdendo suas forças o que

contribuiu para uma nova característica da economia paranaense destinada à

exportação. Segundo Sérgio Nadalin, esse – eminente e dinâmico – processo

econômico e a crescente organização de urbanização acabaram por determinar o

surgimento das correntes imigratórias com destino ao Paraná30.

À revelia desse movimento de urbanização – que fez atrair no início do

processo imigratório principalmente elementos de origem alemã interessados

também no comércio – intensificou-se a necessidade de uma melhor ocupação

das zonas próximas e distantes das cidades, ou seja, surgiu a necessidade de

“resolver uma questão demográfica31”. Nesse sentido, as atitudes das

29 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações. Curitiba : SEED, 2001, p. 64. 30 Ibid.; p. 64. 31 Ibid.; p. 74. “O problema da questão demográfica” empreendia além de ocupação territorial, uma participação efetiva do branco europeu nas relações de trabalho, o que no imaginário liberal poderia vir a apagar o recente passado escravista brasileiro.

29

autoridades, especialmente após a Emancipação Política da região, revelam a

idéia de proporcionar a vinda de imigrantes da Europa Central e do Leste –

principalmente camponeses – que pudessem atender a duas particularidades

importantes naquele momento: a ocupação de terras não habitadas e a inserção

de modernas técnicas agrícolas. No plano do povoamento, constatava-se que boa

parte do Sul do Brasil no século XIX ainda era terreno desabitado, o que

comprometia a segurança interna no que tange à manutenção desse espaço, pois

havia uma preocupação muito grande com a possibilidade de a Argentina

implementar tentativas de tomada dessas localidades distantes, dentre outras

questões também relevantes. Referente a implantação de uma nova estrutura

agrícola com característica européia, a intenção foi a de favorecer o surgimento

de uma “classe média” campesina e branca, estruturada no trabalho livre e que se

diferenciasse em muito das camadas escravas existentes nos latifúndios

espalhados pelo país32.

Uma questão presente neste processo de substituição da mão-de-obra

escrava é a de que o processo de ocupação e implantação de uma nova

agricultura no Sul, foram até certo ponto, limitados e lentos na primeira metade

do século XIX, devido à força e prestígio político que detinham os emergentes

cafeicultores paulistas. Estes tinham o interesse em empregar grande número de

estrangeiros33 na substituição da mão-de-obra escrava que vinha diminuindo

gradativamente no transcorrer do século, fruto das implementações de

legislações abolicionistas, que culminaram na Lei Euzébio de Queiroz de 1850.

Lucia Lippi de Oliveira, ao estudar o contexto da necessidade de força de

32 NADALIN; op. cit.; p. 66. No original, o autor relata muito bem a preocupação das autoridades em ocupar muitas terras principalmente no Rio Grande e posteriormente em Santa Catarina e no Paraná. 33 O grande número de estrangeiros, segundo Nadalin, favoreceria as ações dos fazendeiros no sentido de que esses, graças à abundante oferta de mão-de-obra, poderiam pagar salários baixos e se necessário, substituir o trabalhador facilmente.

30

trabalho estrangeira no país no oitocentos afirma que “a imigração como

substituta da mão-de-obra escrava em todo século foi necessidade específica dos

cafezais34”. Apesar de desconsiderar as demandas do Sul, pode-se entender esta

afirmação no sentido de ela reiterar o fato de que a concorrência por

trabalhadores europeus favoreceu, primordialmente, as demandas dos cafezais.

Segundo Nadalin, mesmo com a atração de trabalhadores livres para a

produção do café, houve uma mudança de rumos na questão da ocupação de

terras nas áreas meridionais, pois na segunda metade do século, esforços foram

direcionados no sentido de pensar a imigração também como forma de “resolver

o problema alimentar do país35”, sendo que essa era uma dificuldade que há

tempos se fazia presente no Sul, dado o encarecimento de gêneros agrícolas, o

que dificultava a sobrevivência das populações citadinas.

2.1 À ESPERA DO IMIGRANTE: CURITIBA 1870-1930

No Paraná, há muito, sentia-se a necessidade de uma melhor ocupação das

terras principalmente nos arredores da Capital, tendo em vista ela agregar uma

considerável população para os padrões da época e um comércio significativo

implementado luso-brasileiros e alemães, estes estabelecidos desde as primeiras

décadas do século XIX. Dada esta necessidade, lançaram-se esforços políticos no

sentido de ampliar e “promover a imigração de colonos morigerados e

laboriosos36”, pois era preciso resolver a questão do trabalho, comumente

empreendido pelo negro, trazendo “sobretudo indivíduos úteis para o cultivo,

34 OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos Imigrantes. Rio de Janeiro : Jorge Zahar; 2001; p. 16. Nessa obra, apesar de retratar a causa estrangeira no país, não considera importantes dinâmicas imigrantes no Sul - como os contingentes eslavos - e se prende à análise do assunto estudando as movimentações ocorridas principalmente em São Paulo. 35 NADALIN; op. Cit., p. 69. 36 RPPPR – Relatório de Presidentes de Província do Paraná, 1875:22. APUD. Nadalin. op. cit. p.73.

31

[pois era] uma questão premente para o Paraná: dever-se-ia promover a

continuidade da colonização para salvarmos a Província do estado de

decadência a que chegou a sua agricultura37”.

A idéia de sanear a agricultura e dinamizar o processo produtivo com

novas técnicas agrícolas que substituíssem as rudimentares então utilizadas,

permeou o pensamento original de assentamento de imigrantes europeus e foi

posta em prática pelo então Presidente da Província do Paraná Adolpho Lamenha

Lins (1875-1877) que assim definia o território na intenção de atrair mais

colonos:

...

Por sua posição geográphica, felizes condições topográphicas, amenidade do clima e fertilidade do solo, o Paraná é a provincia do império mais apropriada para receber em seu seio immigrantes de todos os paízes, colonos laboriosos que procuram um novo lar e uma pátria onde encontrem o seu bem estar e elementos para firmar o futuro de seus filhos [...] Goza esta Provincia do mais variado clima, quer na região do littoral, quer nos bellos planaltos entre as serras onde nascem majestosos rios , que dão vida e beleza aos campos e ás florestas.38 Lamenha Lins tinha a intenção de instalar colônias de estrangeiros nos

arredores de Curitiba para formar o que mais tarde passou a ser chamado de

“cinturão verde”. Esta denominação se deve ao fato de que destas colônias

sairiam gêneros alimentícios a serem consumidos na cidade, o que amenizaria as

dificuldades de abastecimento. Se considerarmos as observações de Nestor Vítor,

ao relatar as condições de vida na “Nova Curitiba” percebe-se que o

fornecimento de alimentos foi problema permanente na capital da Província do

Paraná. Isto porque, segundo ele, “lá se foi o tempo da fartura e da barateza

entre nós. Uma dúzia de ovos custa neste momento, aqui, de 1$400 a 1$600,

37 RPPPR – 1872:65. ibid. p. 73. 38 Pronunciamento do Presidente Lamenha Lins em 1876 – Política de imigração na Província.

32

como no Rio. As verduras e hortaliças hoje são caras [...] o caso é que nem

assim cessa a febre de negócios39”.

Seja como for, Curitiba adquiria, desde a emancipação, uma ascendente

importância comercial e política, confirmando sua posição de capital de

Província. Ademais, a partir de 1880, foi iniciada a construção da estrada de

ferro Curitiba-Paranaguá – a estrada da Graciosa – visando o melhor escoamento

de produtos para outras Províncias e principalmente para a exportação da erva-

mate, especialmente para os países platinos e também sentia-se a necessidade de

mão-de-obra qualificada para esse trabalho. Mais uma vez, neste caso entrava em

cena a necessidade da participação do imigrante que, com diferentes graus de

envolvimento, trabalhou nas grandes obras públicas que marcavam o início da

modernização da capital e da Província do Paraná. De fato, europeus de diversas

nacionalidades auxiliaram não apenas na construção das ferrovias mas também

na montagem das primeiras linhas telegráficas utilizadas na Província.

2.2 COLONOS E CITADINOS NA ESFERA CURITIBANA

Contingentes consideráveis de imigrantes alemães e italianos já

haviam se instalado em Curitiba anteriormente à fase de crise de abastecimento,

mas foram os poloneses que chegaram exatamente no período mais aparente da

necessidade por produtos agrícolas, bem como na época em que o Paraná se

aproximava do século XX e necessitava tanto de trabalho braçal quanto

qualificado para a construção das linhas férreas e telegráficas.

39 A “Nova Curitiba” de Nestor Vítor está situada por volta de 1890 quando o comércio e a indústria já são elementos presentes em Curitiba. Percebe-se que 15 anos após a empreitada de Lamenha Lins a capital da Província não possui mais os mesmos problemas de abastecimentos que em outras épocas, no entanto os problemas poderiam se agravar em épocas de safras pequenas, causadas por chuvas ou invernos rigorosos.

33

A primeira leva de poloneses chegou em 1871 transmigrada de Santa

Catarina. “Eram 32 famílias que após inúmeras peripécias e dificuldades,

acabaram definitivamente por se estabelecer no planalto curitibano, no rocio da

capital paranaense, na localidade denominada de Pilarzinho40”. Esse grupo

pioneiro foi organizado pelo engenheiro polonês Edmundo Wós Saporski41, que

negociou com as autoridades paranaenses a fixação dessas pessoas destinadas a

produzir gêneros alimentícios que garantissem o suprimento da capital. Saporski

sem dúvida agiu no sentido de abrir as portas aos imigrantes. Nos anos que se

seguiram, a imigração geral, e a polonesa em particular, quantitativamente não

foram significativas. Não obstante, a entrada do início dos anos 1870 foi

suficiente para formar ao redor de Curitiba um cinturão de colônias polonesas

que efetivamente reduziram os problemas referentes ao suprimento de produtos

hortifrutigranjeiros. A partir de 1890 houve um considerável aumento do

ingresso de poloneses, integrando os contingentes que se deslocaram ao Brasil no

movimento populacional que ficou conhecido como a “febre brasileira”.

As características desse polonês que se apresenta ao Paraná

principalmente no período anterior à Primeira Guerra Mundial vão ser o fio

condutor para a sua organização nas diversas colônias que se formaram ao redor

de Curitiba. Inicialmente ele reproduz aqui seus usos e cultura e tendeu a seguir

seus costumes, tentando retomar com a maior fidelidade as práticas sociais que

utilizava na Polônia. Esta atitude em muito foi facilitada pelo fato de a maior

parte desses imigrantes ser instalado em ‘comunidades’ rurais que tendiam a ser

compostas por imigrantes da mesma estração regional. Este estilo de fixação

idealizada pelas autoridades brasileiras favorecia em muito a reprodução das

40 WACHOWICZ. Op. Cit.; p.5. 41 Edmundo Wós Saporski é considerado o pai da imigração polonesa para o Paraná. Atuou no campo da imigração, erva-mate, foi sócio da Gazeta Polska w Brazylii, participou da construção da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá e foi eleito deputado no início do século XX.

34

modalidades culturais que os imigrantes traziam de suas terras natais, haja vista

poderem manter-se utilizando cotidianamente seus idiomas, praticando seus

costumes e suas religiões específicas, o que na cidade poderia vir a não ocorrer

normalmente e sem maiores atritos com as etnias radicadas anteriormente.

Um fator que até certo ponto limitou as ações imigrantes na área urbana,

foi a realidade de boa parte ser analfabeta. Em fins do século XIX na Polônia sob

domínio russo o índice de analfabetismo chegou a 60% e na parte prussiana

41%42, portanto, a hipótese provável é a de que os números poderiam ser

bastante semelhantes pelo menos nos primeiros anos após o estabelecimento

dessas pessoas, por ser grande a presença de procedentes dessas regiões

européias. Na prática, é possível que as estatísticas tenham se reproduzido em

Curitiba no início da colonização. A barreira da língua, o isolamento das

colônias, a falta de escolas e a realidade do árduo trabalho agrícola podem ter

dificultado o ensino dos colonos que pensavam da seguinte forma quando havia a

possibilidade de ensino: “quanto a freqüentar escolas, dois anos no máximo

eram suficientes para os meninos; para as meninas, bastava um43”.

Parte dos imigrantes que chegaram em grupos ao Paraná foi aquela saída

das “comunidades mais isoladas e conservadoras, com menor contato com o

mundo exterior, às quais poder-se-ia chamar de comunidades mais

atrasadas44”. Provavelmente escolheram o Estado devido ao oferecimento – em

determinado momento – de terras para a agricultura sem custo algum ou

motivados por financiamentos que se adequavam às suas condições de

42 WACHOWICZ, Ruy C. As escolas da colonização Polonesa no Brasil. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO POLONESA. Curitiba : Gráfica Vicentina; V.II. 1970. 43 BUENO, Wilma de Lara. Uma Cidade Bem Amanhecida: vivência e trabalho das mulheres polonesas em Curitiba. Curitiba : Aos Quatro Ventos, 1999. p. 56. 44 WACHOWICZ, Ruy C. O camponês polonês no Brasil. Curitiba : Fundação Cultural; 1981. p. 40.

35

pagamento45. A maioria dos que se empreenderam na colonização era desprovida

de bens e dependia da ajuda do Governo do Estado para se estabelecer nas

colônias: “As autoridades provinciais expediam documentos liberando verbas

para o atendimento dos imigrantes seja para compra de terras, construção de

casas, aquisição de ferramentas, pagamentos aos colonos pelos serviços

prestados na construção de estradas ou, ainda, para a compra de medicamentos

e agasalhos necessários46”. Muitos necessitavam de todo tipo de auxílio,

principalmente assistência médica, pois alguns grupos recém chegados

apresentavam sérios quadros de doença, como descreve o Dr. Jayme Reis:

...

Além das epidemias de febre tífica com origem local, teve Curitiba de gemer sob o peso de duas grandes devastações feitas pelo micróbio importado, que encontrando aqui elementos de vida, proliferaram e associando-se aos seus pares saídos de suas tocas, arrastaram ao cemitério muitas vidas preciosas. Quero falar das epidemias de 1889 e 1891. Ambas tiveram o seu início nas hospedarias de imigrantes polacos que chegaram trazendo não pequeno número de doentes47

No entanto, o auxílio por parte do governo paranaense passou a ser

limitado principalmente a partir do momento em que grandes contingentes se

estabeleceram depois da “febre brasileira”. No editorial do periódico curitibano

“Diário da Tarde” que veiculou no início do século XX, apareciam críticas à

postura das autoridades que ampliavam as taxas de impostos sobre os artigos

produzidos nas colônias.

45 É preciso levar em conta que muitos dos que vieram acreditavam em verdadeiras lendas reproduzidas na Polônia. Contos que propagandeavam o Paraná como a “terra que jorrava leite e mel”, ou ainda, o lugar protegido pela padroeira negra polonesa Nossa Senhora de Czestochowa. Elane Buchman em “A trajetória do Sol” analisa sob uma perspectiva psicológica a mentalidade do polonês que é atingido por essas lendas, assim como por cartas que incentivavam am emigração. Também é importante considerar que a aceitação de imigrantes às custas exclusivamente do Estado foi reduzida drasticamente no final do século XIX. Principalmente a partir de 1890, os imigrantes deveriam custear todo o seu assentamento. 46 BUENO. Op. Cit.; p. 32. 47 MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná. São Paulo : Editora Anhembi Ltda. 1955. Citação; p. 233.

36

...

É claro que uma grande parte da futura colonização será localizada nas proximidades de Coritiba; quando, porém, o novo colono vir nas barreiras municipais, as pesadíssimas taxas que cobram sobre tudo aquilo que possa produzir, será isso um verdadeiro espantalho. [...] Como poderá o estado progredir com tantos embaraços? Como poderão os colonos prosperar, quando os seus lucros são consumidos por essas verdadeiras extorsões? 48 Talvez as ações governamentais através das cobranças de taxas mesmo

dos colonos parecia ter em vista a aplicação dos recursos na urbanização que

necessitava a cidade de Curitiba, pois se configurava como importante centro de

atração de investimentos, mas ainda precisava melhorar em diversos aspectos:

...

Já assumiu as proporções de um axioma a phrase: Coritiba progride a olhos vistos. E assim é, na verdade, mas o seu progredimento se manifesta apenas em alguns pontos; noutros ella se mantém como a velha cidade de trinta annos atraz. [..] Mas quanto falta ainda á capital paranaense! Rigorosamente necessita de tudo; é uma cidade onde há muitíssimo a fazer. Certo um dia chegarão esses melhoramentos; até lá, porém, a municipalidade muito pode fazer...49 É esse ambiente que o imigrante recém chegado da Europa encontra.

Entretanto, o “mito do polaco coitado” e o pensamento de que todos os que

vieram com a intenção de trabalhar na agricultura eram desprovidos de posses e

precisavam de apoio financeiro do governo podem ser contestados. Em artigo

publicado na Polônia, há o destaque de que ”uma parte dos poloneses era

possuidora de capitais e muitos deles chegavam a possuir de 1000 a 2000

marcos alemães, obtidos pela venda de suas terras e bens50”. Muitos dos que

possuíam essas cifras podem ter se instalado no meio agrícola, vindo a se tornar

agricultores de médio porte, agindo principalmente numa produção que não foi

direcionada apenas à subsistência, e além de atender o mercado consumidor dos

48 DIÁRIO DA TARDE. Immigração. Curitiba, 6 de fevereiro de 1907. p. 3. 49 DIÁRIO DA TARDE. Notas do dia. Curitiba, 4 de abril de 1907. p. 1. 50 SIEMIRADZKI, Konstanty. Pozostalość Brazylijska. Przegład Emigracyjny. Lwów : 1893. Ano II, nº 6. p. 62. APUD.: WACHOWICZ. Ibid. p. 40.

37

núcleos urbanos mais próximos, também pode ter se empreendido no mercado

exportador. Em entrevista concedida a Neda Mohtadi Doustdar, o Historiador

Romão Wachowicz que vivenciou os primeiros momentos da imigração no

século XX, retratou as características dos poloneses que chegaram ao Paraná:

...

Havia também carpinteiros, ferreiros, e artífices, que construíam carroças e arados. (...) Só a primeira leva de imigrantes que ganharam a terra de graça. Tinham os mais ricos que traziam mais dinheiro. Alguns trouxeram ouro puro de lá. Tinha também senhoras que faziam artesanato e viviam dele. Os polacos derrubavam árvores e tiravam lascas de madeira para fazerem suas casas.51

Foto 152

Fonte: CORI GIGANTE. Curitiba : ORPAL, 1970. Panorama da rua XV de Novembro em 02 de maio de 1912.

51 DOUSTDAR, Neda. Imigração Polonesa: raízes históricas de um preconceito. Curitiba : UFPR; Dissertação de Mestrado, 1990. p. 104. 52 O ambiente representado pela foto demonstra uma Curitiba ainda num processo de construção. Percebe-se uma Rua XV de Novembro, marcada por construções residenciais, calçadas irregulares, quintais que margeavam o Rio Ivo e traços de linha do bonde que na época ainda era puxado por mulas.

38

O conteúdo de depoimentos desta natureza nos torna claro que os

contingentes camponeses polacos não formavam uma camada homogênea

principalmente em termos econômicos. Misturaram-se nas colônias próximas a

Curitiba plantando e criando animais e atuando para a subsistência ou com a

intenção do comércio estabelecendo-se em pelo menos 19 colônias até o ano de

1908, momentos em que paralelamente chegavam imigrantes de outras

nacionalidades cujos vieram, em alguns casos a se residir na mesma comunidade.

Dessas colônias advinha boa parte dos transeuntes da Curitiba de fins do

século XIX e início do XX. Wilma Bueno, por exemplo, refere-se às mulheres

polonesas como elementos que delegavam ao quadro urbano curitibano fortes

características campesinas. Eram ”lavadeiras, lavradoras, carroceiras, vendedoras

de hortaliças, de lenhas ou leite, [e também] criadas de servir e operárias53”.

Enfim, trabalhadoras braçais provenientes de “camadas sociais menos

favorecidas” que mantinham em suas relações com a cidade, o “modus vivendi”

do campesinato tradicional. Neste caso, vale observar que mesmo atingindo

níveis de produção que extrapolavam as necessidades das colônias, suas

interações com os habitantes da capital paranaense não detinham o poder de

alterar seus hábitos tradicionais. Em relatos que reportam às primeiras décadas

do século XX, pode-se constatar que, em Curitiba, as carroças lotadas dos

poloneses cortavam bem cedo as ruas e conferiam um ar bucólico ao panorama

citadino como nos informa Nestor Vítor:

...

Era justamente a essa hora matinal , numa temperatura já bem esperta, bem européia, quando um fino e translúcido nevoeiro cobria a cidade , que nas ruas curitibanas quase não se viam outros tipos a não ser os dos colonos e principalmente os das colônias polacas [...] vindo dos arredores para a mercancia cotidiana, mutuamente proveitosa.54

53 BUENO. op. cit.; p. 1. 54 Vítor. op. cit. p. 71,72.

39

Este autor viveu em uma Curitiba em que os imigrantes instalados nos

seus arredores detinham grande visibilidade no espaço urbano da capital. A

relação das colônias de assentamento de imigrantes poloneses, indicada na tabela

1, nos auxilia a ter uma idéia desta presença:

Tabela 1 - COLÔNIAS POLONESAS NOS ARREDORES DE CURITIBA INAUGURAÇÃO NOME/LOCALIDADE

1870 Pilarzinho. 1871 São Venâncio. 1873 Abranches. 1875 Órleans e Santa Cândida. 1876 Santo Inácio, Lamenha, Dom Augusto, Dom

Pedro e Thomaz Coelho. 1877 Riviera. 1878 Muricy, Antônio Rebouças, Inspetor Carvalho e

Zacarias. 1882 São João Batista e Alves Araújo. 1895 Presidente Faria. 1908 Afonso Pena

Fonte: BALHANA, Altiva Pitatti e PAVÃO, Zélia Milléo. Notas preliminares para o estudo da composição étnica da população de Curitiba. Curitiba : Instituto de Pesquisas da Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná. 1958; p. 5.

Se a entrada de imigrantes deu-se majoritariamente com grupos egressos

dos meios rurais da Galícia Ocidental, também compuseram estes grupos

contingentes egressos dos meios urbanos. Assim, além de ‘camponeses’, outras

categorias sócios-profissionais compunham o rol dos imigrantes poloneses. Eram

eles operários, artesãos, comerciantes, intelectuais e religiosos que em

decorrência dos fatores, evidentemente, compunham um contingente bastante

menor que o camponês, no entanto confirmaram sua importância por dar uma

característica particular à imigração, já que se instalaram primordialmente nas

cidades.

Parte significativa dos que se fixaram nas áreas urbanas atuaram em

trabalhos domésticos – “creadas de servir” – e em atividades comerciarias ou

40

operárias. Tal qual o “João Polaco” – estudado por Eduardo Spiller Pena55 – que

se afastou de sua família lavradora e aplicou-se na atividade de serralheiro em

Curitiba, essa era a particularidade de muitos dos que compuseram o quantitativo

que circulava pelas ruas disputando trabalho com os brasileiros em tempos de

oferta mínima. Segundo Pena, os adjetivos lançados pela fala provincial –

“laborioso e morigerado” – causaram pressão nas relações com os brasileiros, o

que veio a instigar intrigas entre os mesmos e resultar numa série de estigmas

direcionados à etnia.

Parte de um outro estrato social imigrante – o dos polacos de posses –

direcionou seus investimentos para o comércio paranaense em expansão. Nos

relatos das “recordações de viagem” de Estanislau Klobukowski do século XIX,

percebe-se a nítida aspiração de atuar na área:

...

O comércio do Paraná é excelente ramo de ganhar dinheiro e não necessita de grandes capitais nem experiência. Existe falta de capitais e homens inteligentes [...]. A venda é negócio da China. Trata-se de um pequeno estabelecimento comercial, onde o lucro atinge no mínimo: 40% sobre pimenta, canela, chita e fios; mais de 100% sobre bebidas como cachaça, cerveja, vinhos e outras. Os capitais empatados em vendas produzem ótimos juros. Nesse ramo, quando os boatos espalham-se de que o comerciante é gentil e capacitado, o crédito é quase ilimitado.56

Principalmente os comerciantes que conseguiram montar seu negócio na

cidade ainda no século XIX, tiveram a forte concorrência dos germânicos que já

haviam se estruturado e composto o estilo do comércio curitibano: “os alemães

[...] foram se estabelecendo no comércio, dentro do quadro urbano, chamando a

si a freguesia dos verdadeiros colonos, e por outro lado fazendo-se

55 PENA, Eduardo Spiller. Escravos, Libertos e imigrantes: fragmentos da transição em Curitiba na segunda metade do século XIX. IN: HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES: Curitiba : UFPR. Junho, 1988. 56 KLOBUKOWSKI, Estanislau. Recordações de Viagem. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO POLONESA. v. IV. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1971

41

industriais57”. Afirmou também o Klobukowski que “.... os alemães detém em

suas mãos a primazia do comércio. Deve-se isto, não só à esperteza, mas

também à falta de iniciativa por parte de outras nacionalidades58”. Entretanto,

com a multiplicação das colônias e do estabelecimento de muitos polacos na

capital, o comércio desses imigrantes tendeu a se fortalecer a cada ano, já que

esses indivíduos procuraram estabelecer relações comerciais principalmente com

seus patrícios e brasileiros59.

Tabela 2 – PERIÓDICOS EM LÍNGUA POLONESA EM CURITIBA – 1892-194160 CIRCULAÇÃO TÍTULO DO PERIÓDICO

1892-1941 “Gazeta Polska w Brazylii” (Gazeta Polonesa no Brasil)61. 1897-1898 “Kurier Paranski” (O Mensageiro Paranaense). 1900-1901 “Prawda” (A Verdade). 1902-1903 “Robotinik Paranski” (O trabalhador Paranaense). 1905-1920 “Polak w Brazylii” (O Polonês no Brasil)62. 1908-1909 “Naród” (A Nação). 1913-1914 “Ogniwo” (O Elo). 1918-1928 “Swit” (A Aurora). 1920-1940 “Lud” (O Povo).

1921 “Proletariat Polski w Ameryce Poludniowej” (O Proletariado Polonês na América do Sul)63.

1924-1935 “Nasza Szkola” (Nossa Escola). 1929-1941 “Polska Prawda w Brazylii” (A Verdade Polonesa no

Brasil). Fonte: PITON, João. Periódicos de Língua Polonesa no Brasil. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO POLONESA. Curitiba : Gráfica Vicentina; V. III. 1971. p.p. 80-103.

57 VITOR. op. cit.; p 71. 58 KLOBUKOWSKI. op. cit., p. 87. 59 VITOR. op. cit., p. 86. 60 Importante ressaltar que muitos outros periódicos poloneses circularam simultaneamente com os acima expostos. A classificação e exposição, atende o primeiro critério de números editados e o segundo critério está definido pela diferença ideológica que eles apresentavam segundo João Pitón. Vale lembrar que minha intenção aqui é de demonstrar uma ampla diferenciação de valores e ideologias dos redatores e diretores desses jornais, daí a definição do segundo critério. 61 Pode-se dizer que a esse jornal tenha sido o mais importante periódico polonês paranaense. Além de ser o primeiro, permaneceu sendo editado por muitos anos sob a direção de diversas lideranças da etnia na cidade. 62 Principal concorrente da “Gazeta Polska w Brazylii” em Curitiba. Tinha como principal característica uma filosofia anticlerical. 63 Esse periódico de ideologia socialista era editado em São Paulo. No entanto, foi distribuído também em Curitiba.

42

A difusão e estabilidade dos negócios poloneses principalmente nas

primeiras décadas do século XX favoreceram a que os comerciantes se

tornassem proprietários e patrocinadores dos primeiros jornais escritos pela

intelectualidade. Alguns desses comerciantes firmaram sócio-participações

financeiras e montaram as tipografias onde foram editados os periódicos e

dirigidos a leitores egressos da Polônia e seus descendentes. Pela repercussão

positiva desta iniciativa, que pode ser interpretada como uma atitude de

vanguarda e aglutinadora da etnia, tais comerciantes acabaram se tornando

‘lideranças’ entre os poloneses.

Os periódicos eram a expressão mais viva da existência de uma camada

intelectualizada e nacionalista em Curitiba. Em dado momento aconteceu de

diversos informativos menores disputarem leitores com os maiores semanários –

“Gazeta Polska w Brazylii”, o “Lud” e o “Polak w Brazylii” e o “Swit”64 – que

já concorriam entre si. Os informativos possuíam enfoques políticos e religiosos

diferenciados, podendo representar interesses capitalistas burgueses, socialistas

proletários, católicos ou leigos. Afirmavam sua linha de pensamento e

combatiam-se em palavras como afirma o Pe. João Píton ao tratar do semanário

“Kurier Paranski” (O mensageiro Polonês): “distinguiu-se pela polêmica que

desencadeou contra a ‘Gazeta Polska w Brazylii”, ou ainda no caso do Polak w

Brazylii por possuir uma qualidade “progressista e anticlerical” dirigido pelo

nacionalista Antonio Hempel65. Esses jornais e folhetins representavam pontes

entre todos os grupos poloneses circulando na cidade e nas colônias

reproduzindo em língua pátria notas de civilidade e de nacionalismo, bem como

as mentalidades religiosas católicas presentes em todas as comunidades polacas.

64 Em alguns casos esses periódicos não tiveram circulação simultânea. Para maiores informações sobre editoriais poloneses ver : PITON, João. Periódicos de Língua Polonesa no Brasil. 65 PITON, João. Periódicos de Língua Polonesa no Brasil. Anais da Comunidade Brasileiro polonesa. V. III. Curitiba : Vicentina. 1971. p. 83.

43

Podemos afirmar que o grande número de periódicos, de certa forma,

revela a diversidade de estrações imigrantes poloneses em Curitiba. Por menor

que fosse a tiragem de qualquer dos informativos, é observável que possuíam e

preservavam discursos ideológicos diferenciados, traduzindo a existência de

valores culturais distintos por parte de seus idealizadores. As múltiplas linhagens

também revelaram possíveis tendências de dispersão dos grupos poloneses na

capital, assim como comportamentos díspares evidenciados pelas suas ações

políticas, sociais, econômicas ou culturais.

44

CAPÍTULO III

A HISTORIOGRAFIA DA IMIGRAÇÃO E A POLONIDADE

45

3 DICOTOMIA: A MULTIPLICIDADE DE VALORES E A FORMAÇÃO

DO DISCURSO DA POLONIDADE

À medida que os resultados vão sendo apresentados66 e se tornam

evidentes os indícios de que os poloneses em Curitiba nas primeiras décadas do

século XX possuíam uma pluralidade cultural, econômica, política e social,

torna-se necessário um olhar crítico dirigido à questão da organização étnica

como membros de uma nacionalidade em comum.

A intenção presente nos discursos nacionalistas de época de tentar

enquadrar o polonês como um elemento único e fiel às suas origens e padrões

culturais, revela contradições na possibilidade prática desta dinâmica, pois

desconsidera possíveis diferenças comportamentais que poderiam ser usuais nas

colônias e na cidade. É sabido que o processo emigratório atingiu praticamente

todas as regiões da nação, e a partir dessa realidade, confirma-se que ao Brasil e

a diversos outros países da América se destinaram elementos de regionalidades

diversas, propiciando nas comunidades dos países de adoção a possível

percepção da existência de um quadro de multiculturalismo polonês, que pode

ser utilizado como instrumento de análise para tentar questionar propensas de

afirmar a veracidade de sentimentos polônicos espontâneos e coletivos entre

camadas tão distantes culturalmente.

Pesquisadores e representantes do discurso historiográfico voltado à

imigração polonesa no Paraná, em particular representados pela epistemologia de

trabalho seguida por Ruy Wachowicz, tenderam a reavivar exatamente a

intenção conservadora e nacionalista de afirmar que os imigrantes desta etnia

radicados no Estado carregavam consigo pretensões de reproduzir nas colônias e

66 Ou seja, na medida em que os dados do primeiro e do segundo capítulos dessa monografia são apresentados.

46

na capital as mesmas práticas e sentimentos desenvolvidos na Europa. Esse

ponto de vista histórico fora muito provavelmente construído com base na

aceitação da existência de um elo aglutinador representado por códigos de

construção de vínculos de nacionalidade e religiosidade ou pontos de fusão

cultural simbolizando o amor à pátria. Em síntese, consideraram a presença do

sentimento de polonidade entre todas as comunidades polonesas não só de

Curitiba, mas do Sul do Brasil de uma maneira geral.

A pergunta que não cessa é seguinte: seria possível a espontânea

efetivação desse sentimento entre as diversas comunidades da esfera curitibana?

Ao estudar o comportamento de grupos étnicos, o antropólogo Fredrik Barth

lança uma pergunta que me fez refletir um pouco mais sobre a questão polonesa

em Curitiba. A pergunta é a seguinte: “o mesmo grupo de indivíduos, com

valores e idéias estáticos, não estaria ligado a modos de vida diferentes e não

iria institucionalizar diferentes formas de comportamento, quando confrontado

com as diferentes oportunidades propiciadas por diferentes ambientes? 67” Haja

vista a humilde profundidade de conhecimentos que possuo sobre o assunto, a

resposta imediata e “lógica” que me é possível dar, é de que muito

provavelmente esses indivíduos iriam apresentar diferenciações quanto à

construção de valores, que seriam percebidas numa provável alteração de

comportamento. Partindo dessa premissa, se voltássemos à minha pergunta

original referente à imigração e levássemos em consideração a real participação

de grupos heterogêneos (instalados no campo e na cidade) e com valores bastante

distintos, seria possível retratar um quadro de sentimento e comportamento

comum entre esses indivíduos? Barth dá a entender que a dicotomia de

67 BARTH, Fredrik. Grupos Étnicos e Suas Fronteiras. In. POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Joceline. Teorias da Etnicidade. São Paulo : UNESP, 1998. p. 192.

47

ambientes não é tão relevante, no entanto os valores e interesses concebidos

neles é que são fundamentais68.

Ainda, segundo esse autor, não somente uma ideologia de grupo, mas a

identidade de uma determinada etnia pode ser prejudicada no momento em que

atitudes de certas camadas transporem o que ele chama de “limites” dos

“padrões valorativos69”. Não é minha intenção exagerar na abordagem do

assunto e afirmar que por sua heterogeneidade cultural, os estratos poloneses

estiveram próximos da deterioração de sua identidade étnica, pelo contrário, essa

afirmativa resgatada de Barth possui sua importância por fazer crer que os

evidentes disparates culturais poloneses encontravam-se dentro da linha de

“limite” dos “padrões valorativos”, ou seja, a identidade da etnia preservou-se

mesmo com as realidades no Brasil.

Estudos recentes afirmam que o distanciamento entre as diferentes

camadas polonesas, principalmente as marcadas pelos abastados urbanos e

camponeses, já se dava dentro da própria Polônia como relata Romam Dmowski:

...

Os colonos camponeses disseminados pelo interior do Brasil trouxeram consigo uma grande reserva em relação aos ambientes intelectuais [...] entre os imigrantes de todas as partes percebe-se um forte ódio aos ‘senhores’, que muitas vezes são identificados com todas as pessoas inteligentes, ricas, vivendo num nível mais elevado. [...] Nessas condições, entre os nossos colonos o sentimento da diversidade camponesa de certa forma se intensificou e formou-se uma espécie de coletividade polonesa camponesa, que procura afastar de si pessoas de certo nível intelectual.70 O sociólogo polonês Tadeusz Paleczny estudioso dos movimentos étnicos

e culturais, tece importantes argumentos que enfatizam ainda mais a negligência

principalmente por parte dos colonos em se integrarem às atividades

68 Ibid.; p. 194-195. 69 Ibid.; p. 209. 70 DMOWSKI, R. Z Parany. Varsóvia : Editora Interpress, 1982. In.: PALEZNY, Tadeusz. Núcleos Polônicos no Brasil: reservas de monoetnicidade ou enclaves de multiculturalismo?

48

desenvolvidas pelos elementos citadino. Retrata que uma possível polarização

cultural entre os núcleos rurais e urbanos era favorecida por uma diversidade de

fatores, que em síntese podem ser assim descritos como:

...

a síndrome de traços personalistas dos imigrantes camponeses inclui o tradicional sentimento de distanciamento, trazido da Polônia, da desconfiança, de inferioridade em relação àqueles que possuíam origem nobre e senhorial, aos representantes da camada intelectual criativa.71 E também “a cosmovisão dos imigrantes camponeses possuía o seu

embasamento genético no extremamente forte tradicionalismo e

conservadorismo, que se somavam ao mesmo tempo ao apego à religião, à

Igreja e à Paróquia72” Tudo isso entendido por Romam Dmowski como

“polonismo camponês”, ou aqui no Brasil apropriado pelas camadas urbanas

que, mesmo não vivenciando costumes camponeses, os retomaram para idealizar

o sentimento de ‘polonidade’. Deste ponto de vista, meu argumento é o de que o

‘polonismo’ ou ‘polonidade’, trata-se de uma construção cultural levada a cabo

pelo segmento urbano dos imigrantes poloneses e que se reportava à práticas

específicas do campesinato tradicional. Este, devido à dinâmica própria da vida

rural, detinha especificidades em seu cotidiano as quais mantiveram-se após a

emigração, em boa parte pela inserção rural. E foi, justamente na exaltação e

idealização destes traços que se fundamentou a criação do sentimento de

‘polonidade’. Foram eles que sustentaram as ações e discursos produzidos nos

meios urbanos, notadamente na capital paranaense, pelas lideranças e camadas

mais intelectualizadas dos imigrantes.

PROJEÇÕES: REVISTA DE ESTUDOS POLONO-BRASILEIROS. Curitiba : Braspol. Ano II, nº 2, 2002. O grifo é meu. 71 PALECZNY, op. cit.; p. 23. 72 Ibid.; p. 24.

49

A mobilização por parte de uma camada elitizada polonesa em Curitiba na

tentativa de congregar os imigrantes em torno de uma identidade comum, talvez

tenha sido uma investida preventiva quanto à possibilidade de perder suas

particularidades culturais, ou seja, os “padrões valorativos” poderiam ser

alterados conforme a aceitação de uma nova cultura brasileira entre essas

pessoas. Nesses termos os conceitos de valores não eram tidos naquele momento

da forma com que Barth os revela, mas com certeza havia uma certa preocupação

com o “abrasileiramento” da população polaca. E uma preocupação de primeira

ordem para algumas das lideranças era a da manutenção catolicismo entre as

famílias, bem como os ritos deveriam ser professados em língua pátria. A difusão

da língua e da religiosidade entre a comunidade é reconhecida como ato de

polonidade pelos defensores da existência desse movimento no Paraná. Mesmo

antes do século XX já havia uma preocupação por parte de alguns que assim se

expressaram num periódico de língua polonesa no ano de 1893:

...

Algumas dezenas de milhares de poloneses estabeleceram-se nas terras brasileiras. Sem exceção, pertencem à Igreja Católica. Todavia, no Brasil, entre os católicos, são tratados como filhos da madrasta. Uma população visceralmente católica, afeita à Igreja e seus ritos, está deserdada da graça que leva à salvação, ficando em perigo de perder a fé e consequentemente a nacionalidade. Sabemos que o polonês privado da fé “ipso

facto”, está privado do sentimento de nacionalidade, do que existem inúmeros exemplos [...] numa palavra está se “abrasileirando”.73

Todo discurso em torno da “polonidade”, desde o século XIX até os

relatos dos pesquisadores que como já afirmei, reproduzem essa idéia até os dias

atuais, está sustentado na necessidade de fortalecimento do uso da língua

polonesa e do ritual católico: “a fé religiosa era inseparável do sentido de

pertinência a uma nacionalidade. Assim, um sistema de fé estava associado a

73 GAZETA POLSKA w BRAZYLII, 22 de julho de 1893. N. 3, ano II. Sem grifo no original.

50

sua identidade nacional, não podendo, na sua visão de mundo, preservar um

sem preservar outro74”.

Principalmente na época da “febre brasileira” quando o número de

imigrantes atingiu índices altíssimos no Paraná e a quantidade de padres

poloneses não atendeu à demanda nas colônias, momento em que religiosos

brasileiros passaram a conduzir as missas nas capelanias das colônias,

acentuaram-se as pressões para que urgentemente sacerdotes polacos assumissem

os encargos nas paróquias:

...

O povo polonês não admite sacerdotes brasileiros, cuja língua e ritos desconhece. O rito e a fé estão unidos. Quem desconhece o rito e a língua evita a Igreja, que fala uma linguagem desconhecida. Tal a razão porque os poloneses não aceitam a “fé brasileira”. A repulsa ao “abrasileiramento” é um ato instintivo. As tendências do assim chamado partido histórico estão voltadas para o abrasileiramento.75

No ano de 1920 foi inaugurado em Curitiba o Consulado Polonês, que de

certa forma teria a função de aglutinar a comunidade e favorecer o

desenvolvimento da nacionalidade polonesa nestas terras. No mesmo ano, não

menos importante foi o movimento político impulsionado por intelectuais

influentes na cidade com a tentativa de unificar as Sociedades Culturais

Polonesas. Das cinco entidades existentes na capital, três aderiram à fusão

formando a então “Związek Polski ou União Polonesa76”. No entanto, esse

ideário de unificação não atingia todas as camadas, nem mesmo era eficaz

quanto a difusão da nacionalidade polonesa que era prejudicada pela assimilação

cultural brasileira que viria mais tarde a se intensificar com a nacionalização do

74 DOUSTDAR. Op. cit.; 118. De acordo com essa afirmativa seria inconcebível falar de religiosidade sem considerar a nacionalidade e vice-versa. De certa forma essa é uma possibilidade que tento desconsiderar. 75 GAZETA POLSKA w BRAZYLII, 22 de julho de 1893. nº 3, ano II. 76 FILIPAK, Paulo & KRAWCZYK, João. Fastos da Sociedade União Juventus. V. I. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1978. p. 65. Nessa ocasião, as três Sociedades que se uniram foram a Sociedade Ginástica Sokol, a Kołko e a Santo Estanislau.

51

ensino na década de 30. Desde a década de 1920 o Cônsul polonês Kazimiersz

Głuchowski, já se preocupara com a perda do sentimento de polonismo entre os

imigrantes e observara o fenômeno como praticamente irreparável:

...

E assim hoje podemos e devemos constatar o fato de que toda a nossa Emigração está inteiramente separada da Polônia, e ligada a ela apenas pelo sentimento, por um sentimento que a cada dia se torna mais fraco. E se olharmos diante de nós

tranqüilamente, não embriagados por qualquer tipo de fanatismo, veremos diversas categorias de poloneses. Uns vêem para onde estamos caminhando ( de um modo geral o número deles cresce dia a dia, não sendo neste momento ainda muito numeroso) e estes se dividem em dois grupos. Uma parte, apreciando sobretudo o polonismo, não querendo afundar num elemento que lhe é estranho, não quer trabalhar pela riqueza dos outros, vivência uma grande tragédia, perguntando o que fazer para que eles mesmos e a sua geração possam permanecer poloneses. [...] Outros, sentindo que estão afundando, que nada os salvará, desejam apressar esse processo, contato que ao menos para os seus filhos ele transcorra da forma menos dolorosa possível, e estes até contribuem pessoalmente para que seus filhos se tornem brasileiros. E finalmente [...] aqueles que não filosofam nem navegam na onda, vivendo de um dia para outro e aos quais a vida levará para onde a encaminha a ligeira corrente da necessidade, mantém-se inteiramente passivos.77

As lamentações do Cônsul polonês são entendíveis, pois segundo o

próprio Ruy Wachowicz, Kazimiersz Głuchowski “resolveu concentrar

esforços, no sentido de isolá-los culturalmente dos brasileiros e de indivíduos de

outras correntes imigratórias, estimulando o surgimento de instituições

culturais, esportivas, teatrais e educacionais que utilizassem somente a língua

polonesa78”. Em outras palavras era interessado na criação da “Nova Polônia”

no Brasil. Nesse sentido percebe-se o esforço da tentativa de unir as sociedades

polonesas em Curitiba no mesmo ano de sua chegada, assim como a idéia de dar

o nome dessa suposta sociedade de Związek Polski, ou União Polonesa. Como já

77 GŁUCHOWSKI, Kazimiersz. Wśród pionierów polskich na antypodach, Varsóvia : 1929. APUD.: PALECZNY.; p. 29. Sem grifo no original. 78 WACHOWICZ, Ruy C. Messianismo, Polonidade e a Nova Polônia no Brasil. PROJEÇÕES: REVISTA DE ESTUDOS POLONO-BRASILEIROS. Curitiba : Braspol. Ano III, nº 1, 2001. p. 55.

52

foi abordado anteriormente, a “Towarzystwo Związek Polski” tornou-se realidade

mas não da forma como previam os seus idealizadores mais nacionalistas.

Muito antes da chegada do Cônsul e da declaração da Polônia como nação

soberana, representantes da direita polonesa vinculados ao partido da “Narodowa

Demokracja” (Nacional Democracia) foram enviados ao Brasil com o intuito de

preservar a ‘polonidade’ dos imigrantes. Consideravam que a grande força

cultural presente nos milhares de poloneses que aqui residiam não poderia ser

desperdiçada. Esse mesmo partido no ano de 1900, enviou ao Brasil o jornalista

Leão Bielecki79, que dentre suas principais atividades para concretização e

veiculação de seus ideais, adquiriu os periódicos “Gazeta Polska w Brazylii” e

“Prawda”, dirigindo-os até o ano de 1908.

Não somente esses periódicos, mas praticamente todos os de língua

polonesa eram mecanismos fundamentais para o alcance dos objetivos de

unificação das correntes polônicas em Curitiba. Segundo o Padre João Piton que

por suas palavras demonstrava ser partidário da suposta “união polaca” “a

imprensa no seio da imigração foi fermento e motor. Formava as opiniões, unia

os pensamentos, estimulava as iniciativas, acionava para o trabalho [...] e

organizava os dispersos [...] os periódicos refletiam e amenizavam as

tendências. Aproximavam, propunham o amplexo fraterno, o respeito, a

confiança, a convivência e a ação conjunta. [...] Durante anos a imprensa foi

porta-estandarte e o veículo de idéias e ações sócio-nacionais80”.

O esforço e comprometimento do clero, dos comerciantes (leia-se aqui

também os donos de jornais), dos políticos e dos diretores de sociedade, enfim

dos grupos residentes no ambiente da cidade em tentar criar vínculos, mesmo

tendo em vista a diferença de interesses entre quaisquer que fossem as parcelas

79 Ibid.; p. 54. 80 PITON. Op. cit. 81

53

imigrantes, provavelmente foi formulador de um discurso amplo em prol da

‘polonidade’.

A intenção maior desta pesquisa está em não negar a existência efetiva

desse fenômeno coletivo, mas em questioná-lo enquanto ideologia presente em

todos os contingentes aqui radicados. Como fim último deixa no ar a hipótese da

de que a construção de tal discurso ocorreu com a intenção de dar uma

uniformidade à identidade da etnia, ou seja, foi construído com o objetivo maior

de fortalecer o grupo étnico polonês no Paraná.

54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o objetivo do trabalho privilegiar a análise de questões a

respeito do pertencimento étnico e dos valores imigrantes difundidos no Paraná,

priorizei inicialmente uma organização da pesquisa e do corpo de texto que

oportunizasse a construção de um discurso histórico a partir das condições de

vida na Polônia durante o século XIX. Esse direcionamento da análise apontou

para a existência de diferentes contextos emigrantes haja vista a situação adversa

da população nas várias regiões dominadas pelos estrangeiros. Naquele

momento, a conjuntura política e econômica da nação determinava a existência

de camadas proletárias no campo e da cidade. O campesinato, tendo suas terras

expropriadas pelos grandes latifundiários, viu na emigração a tentativa de

aquisição de novas terras na América, ao passo que nas áreas urbanas a

propaganda emigrantista também aglutinava descontentes com as péssimas

condições de vida e trabalho agravados pela pressão demográfica e grande oferta

de mão-de-obra. Tendo isto em vista parti para a apresentação de argumentos

que comprovassem o advento de uma grande emigração composta por

contingentes populacionais oriundos de regiões distantes e portadoras de estilos

de vida bastante diversos o que me levou à confirmação da pressuposto da

presença de pluralidade cultural dentre aqueles emigrantes que se dirigiram ao

Brasil e , em especial ao Paraná.

A variedade de formas de atuação e trabalho apresentadas na Polônia se

confirmaram no Brasil. Apesar da predominante existência de contingentes

originários do campo e da instalação de inúmeras colônias ao redor de Curitiba,

foi marcante a fixação de operários, artesãos, comerciantes, religiosos e

intelectuais que buscaram inserção urbana para manter-se desenvolvendo as

atividades que exerciam nas regiões de origem. E, durante a pesquisa pode-se

55

observar que os imigrantes originários de centros urbanos e que se fixaram em

cidades paranaenses, em particular na capital, detiveram papel importante na

dinâmica social que os ‘poloneses’ desenvolveram no Brasil. Principalmente os

comerciantes tinham a condição de se relacionar com os radicados na cidade bem

como os agricultores que esporadicamente se dirigiam à cidade para vender seus

produtos ou para adquirirem artigos não produzidos no campo.

A heterogeneidade cultural revelou na prática o envolvimento de algumas

categorias que passaram a ser entendidas como lideranças entre os membros da

etnia, em especial os comerciantes. Tanto comerciantes como intelectuais,

passaram a agir como porta-vozes dos diversos meios imigrantes. Nesse sentido,

patrocinaram a veiculação de jornais em língua polonesa que se transformaram

no maior instrumento de contato entre os imigrantes, pois serviram de ponte

entre os núcleos campesinos e urbanos. Partindo desse princípio, evidenciei que

a partir da publicação dos editoriais, e da fundação de sociedades, houve a

disseminação de constantes apelos nacionalistas possuidores de fundo

intencional que remetiam à necessidade da união entre as camadas e que

transmitiam solicitações de manutenção dos valores culturais poloneses,

essencialmente língua, religiosidade e amor à pátria.

Um olhar voltado à historiografia causou-me inquietação, já que

historiadores dedicados aos elementos da imigração reproduziram os apelos

nacionalistas propagandeados desde o início do século XX. Formularam

discursos historiográficos sustentados na idéia de que em Curitiba os imigrantes

possuíam valores culturais homogêneos que acusavam a suposição de uma única

matriz étnica. Construiu-se tradicionalmente a história da trajetória do imigrante

polonês voltado à sua cultura de origem e fechado à aculturação. Tratando-se

nesse caso, de uma abordagem que reproduziu o conteúdo do discurso interno às

56

fontes de época, ou seja, que se envolveu diretamente com a conclamação da

‘união polonesa’ e do discurso em prol da polonidade.

Tendo como fio condutor da minha análise um diálogo com a

Antropologia e a Sociologia, passei a desconsiderar a homogeneidade cultural

assim como a suposição de que os imigrantes de ascendência polonesa

detivessem uma única matriz étnica. Fredrick Barth ao tratar de aspectos

multiculturais dos grupos étnicos, salienta que apesar de apresentarem a mesma

linhagem étnica, grupos originários de diferentes ambientes podem confirmar o

que ele chama de existência de “padrões valorativos” distintos. Apoiado nesta

argumentação e na realidade polonesa durante a conjuntura emigratória e fixação

em Curitiba pude estruturar o questionamento ao discurso historiográfico que

propôs a padronização de comportamentos marcados por aspectos culturais

sustentados na idéia da presença da matriz étnica e da ‘polonidade’ e a defini-los

como construções ideológicas por parte dos grupos interessados na não

efetivação da aculturação.

Mesmo chegando à estas observações, não avalio que este estudo permita

que se dê o assunto por encerrado. Muito pelo contrário. É preciso considerar

que os argumentos utilizados e resultados obtidos configuram apenas o marco

inicial da construção de uma nova micro história da imigração polonesa em

Curitiba. Uma micro história que esteja desvinculada da abordagem tradicional,

que remeta a uma trajetória livre de julgamentos de valor que aprecia a ‘trajetória

lamentável do imigrante polonês maravilhoso’.

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