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IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.
A DESTIPIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO RESIDENCIAL DE TERESINA: O caso do entorno da praça Landri
Sales
SILVA, CARLIENE LIMA E (1); SILVA, WANDERSON LUIS SOUSA E (2); SOUSA, TAIANNE VANNE NECO (3); MOREIRA, AMANDA CAVALCANTE (4).
1. Universidade Federal do Piauí (UFPI). Centro de Tecnologia.
Av. Universitária, 1310, Campus da Ininga, TROPEN, Teresina (PI), CEP: 64049-550 [email protected]
2. Universidade Federal do Piauí (UFPI). Centro de Tecnologia.
Av. Universitária, 1310, Campus da Ininga, TROPEN, Teresina (PI), CEP: 64049-550 [email protected]
3. Universidade Federal do Piauí (UFPI). Centro de Tecnologia.
Av. Universitária, 1310, Campus da Ininga, TROPEN, Teresina (PI), CEP: 64049-550 [email protected]
4. Universidade de São Paulo (USP). Instituto de Arquitetura e Urbanismo. Av. Trab. São-Carlense, 400, Centro, São Carlos (SP), CEP: 13566-590
RESUMO
O centro histórico da cidade de Teresina-PI tem sido descaracterizado significativamente no decorrer das últimas décadas, especialmente pela transformação quase que total dessa área que, originalmente, abrigava principalmente os usos residenciais, comerciais e institucionais em uma zona, atualmente, de serviço, comercial e institucional. Diante desta percepção, neste artigo abordamos essa transformação e sua relação com a fragilidade dos instrumentos de proteção a partir do caso da Rua Barroso, no quarteirão que ladeia a Praça Landri Sales, logradouro de grande destaque na cidade, especialmente pela sua estreita relação com a história e a memória da cidade de Teresina. Por intermédio de estudo temporal das mudanças e reconstituição do perfil de uso das edificações, através de fontes documentais, bibliográficas e entrevistas, constatou-se a extrema descaracterização dessas edificações, resultando em profunda mudança da paisagem urbana, sobretudo na substituição da tipologia residencial por distintas funções.
Palavras-chave: patrimônio arquitetônico, residências de Teresina-PI, Rua Barroso, Praça Landri Sales.
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.
Introdução
Teresina foi fundada para se tornar a nova capital para o estado do Piauí, planejada a fim de
atender as necessidades que o sistema exigia.
Antônio Conselheiro Saraiva decide por uma planície, às margens do rio Parnaíba, com cota acima do mesmo para evitar o risco de futuras inundações. A partir da decisão do espaço, foi criado um plano urbanístico que era influenciado pelos modelos europeus, principalmente o português. Linhas retas, rigidez geométrica, ritmo e a concentração dos poderes em torno de praças compõem o partido do Plano. (CHAVES, 2008)
Assim, em seu primeiro plano urbanístico, Teresina, que segundo Brandim, “já nasceu sob os
auspícios do discurso moderno”, demonstrava cuidado com os espaços livres ao delimitar
sete espaços para futuras praças. A Praça Landri Sales só foi construída em 1955 – apesar
de ter sido incluída no plano Saraiva de 1855 –, durante o governo de Agenor Barbosa de
Almeida (1955 – 1959).
A área de 8.271,23m² era conhecida antigamente como Baixa da Égua – por ser um ótimo ponto de pastagem. Ainda antes da construção da praça, o local já era utilizado durante o verão como campo de futebol e hospedagem dos circos que visitavam Teresina. (GARCIA, 2000)
O projeto de autoria e execução de Raimundo Nonato Portela de Melo foi concebido, segundo
MARQUES (2005, p. 12) “em estilo eclético, com lago, fonte com elementos decorativos, arco
em pedra, gruta e balaustradas neocoloniais em semicírculos, e alguns elementos do estilo
moderno como canteiros geométricos desestruturados distribuídos de forma orgânica”.
Nesse período, a praça atraía uma população diversa desde crianças a idosos, estudantes do
Liceu Piauiense, comerciantes – o que ocorre até hoje. “Com o passar dos anos a praça sofreu
fortes descaracterizações em seu espaço. E, no final da década de 1970, o lago, a fonte e a
gruta foram extintos por se tornarem foco de contaminação e refúgio para marginais”
(MARQUES, 2005). A Praça também sofreu com o processo de mutação dos usos daquela
área. Além da desfiguração ocorrida por falta de manutenção em seu mobiliário e
equipamentos, a mudança do uso residencial para outros usos (comercial, institucional ou
serviço) no entorno afetou a sua utilização. Só após uma reforma realizada em 2006, a praça
recupera ar de espaço público.
Da mesma maneira, a história da Rua Barroso, em termos de evolução do urbanismo e
modernização da capital do Piauí, se confunde, ora sendo agente modificador da paisagem
por ser uma via de grande importância – ligando a zona Sul à zona Norte através do centro –,
ora como consequência do crescimento da cidade partindo do seu centro histórico. A rua,
apesar de ter sido menos estimada em detrimento de outras vias como a Rua Rui Barbosa, já
foi uma área muito valorizada da cidade. Após o período de urbanização e desenvolvimento
da capital a partir de seu centro histórico, assim como ocorreu e ocorre em diversas cidades,
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Teresina e a Rua Barroso, consequentemente, sofreram um processo de depreciação. Este
processo teve seu início nos anos 1970 com a tentativa de desenvolvimento de uma
“pseudometrópole”.
Teresina, cidade de médio porte, foi centro da política de modernização posta em prática em consonância com o modelo nacional de desenvolvimento adotado nos anos 1970 (...). As intervenções foram no sentido de dotar a cidade de infraestrutura, sistema de abastecimento de água e luz regulares, desobstrução do tráfego de veículos – com abertura ou duplicação de ruas e avenidas, as quais estavam recebendo cobertura asfáltica –, mas também de criar símbolos modernizadores da presença do poder público, como a reforma de logradouros públicos, construções de grande porte, passando aos habitantes a sensação que a cidade mudara sua configuração, adquirira novos ares de acordo com os novos tempos. (MONTE, 2009)
Visto este contexto e a aplicação dos novos códigos urbanos, Teresina passou por uma
‘cirurgia’ para dar lugar a novos tipos de moradia nas demais zonas da cidade, sofrendo,
segundo Lima, um progressivo e irreversível processo de verticalização, com o crescente
aumento de enormes edifícios que passavam a ocupar, intensamente, espaços vazios, em
áreas nobres da cidade, conjugando a construção de conjuntos habitacionais nos lugares
mais longínquos da periferia, alterando sensivelmente a paisagem.
A valorização dessas novas áreas residenciais em detrimento do centro da cidade, além do
desenvolvimento contínuo e acelerado do comércio e da economia, fez com que a área central
da cidade de Teresina – e por consequência, seu centro histórico – se tornasse quase
exclusivamente um local de atividades diurnas, perdendo sua tipologia de moradia.
Diante desse processo, nosso objeto de estudo, localizado na Rua Barroso, são as
construções pertencentes ao quarteirão que ladeia a praça Landri Sales, em seu lado
esquerdo, no sentido norte-sul.
A metodologia deste trabalho utilizou o método de pesquisas em acervos públicos, fontes
documentais, como o Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Teresina e Inventário
pertencente ao SEMPLAN-PI, registros de imóveis de algumas construções pertencentes ao
recorte geográfico trabalhado nesse artigo cedido por proprietários das edificações, entrevista
cedida por uma das moradoras remanescentes da região supracitada, além do uso de
diversas fontes bibliográficas, sendo elas livros, jornais da época, fotografias cedidas por
antigos moradores e artigos científicos que já pesquisaram sobre algum dos aspectos desse
artigo.
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.
Figura 01: Localização dos objetos de estudo no bairro Centro, Teresina (PI) – Brasil.
Edição: Carliene Lima, 2017.
Imóvel 664
Datada como a construção mais antiga dentre as estudadas, a atual sede do Conselho
Municipal de Educação do Piauí (CME-PI) – demarcada como o lote 1 (Figura 01) possui um
dos edifícios com as características formais mais bem preservada do quarteirão.
A casa foi construída pela família do dono original, o clínico Agenor Barbosa de Almeida, figura
importante na sociedade piauiense da época por ter exercido vários cargos públicos de
destaque, tendo sido também prefeito da cidade de Teresina entre 1955 e 1959, construindo
durante seu mandato a praça Landri Sales (1955), que se localiza em frente sua antiga
residência.
Durante um longo período, depois de Agenor e sua família se mudarem para o Rio de Janeiro,
a casa permaneceu abandonada, permanecendo assim até o início dos anos 2000, quando
funcionou na edificação um estabelecimento comercial por nome de JC Livros Usados – que
ocupou o estabelecimento até 2009. A antiga residência é alugada, atualmente, para a
Prefeitura de Teresina, sob jurisdição da Secretaria Municipal de Educação e Cultura
(SEMEC) desde 2010. Entretanto, somente a partir de 2014, o edifício passou a servir de sede
para o CME-PI.
De meados do século XX, este edifício de 2 pavimentos possui características construtivas
coerentes ao Código de Postura de 3 de abril de 1939 que prega: “As paredes dos prédios
serão construídas com alvenaria de pedra, tijolo, concreto simples ou armado, ou qualquer
material existente, seco, incombustível e imputrescível, suficientemente refratário à umidade
e ao calor”. Sendo assim, o prédio apresenta alvenaria em tijolo, forro em laje de concreto,
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telha cerâmica (telhado 1/2 cana artesanal) e vergas retas. Em termos de características
formais, o edifício apresenta certos elementos pertencentes ao Estilo Missões – uma
arquitetura não originada no Brasil, mas, que aqui, encontrou campo e foi desenvolvido.
Iniciado no período posterior à Guerra México – Estados Unidos (1846 e
1848) significou, num primeiro momento, a atribuição de novas interpretações
aos presídios, aos ranchos e às missões da California, do New Mexico e do
Texas, mais afinados com os pressupostos político-sociais estadunidenses.
Segundo apontou o historiador urbano Robert Lint Saragena, com essa
atitude intentava-se apagar as marcas da dominação mexicana, ocorrida
entre 1821 – ano da independência do México, da Espanha – e 1848 – ano
do início do domínio dos Estados Unidos. A ideia era transformar a recém
incorporada região em uma idealizada “Arcádia Espanhola”. ATIQUE (2007,
p. 287)
Dos elementos arquitetônicos notados nesta construção que podem ser caracterizados como
pertencentes ao Estilo Missões são: poucos andares, uso de telha cerâmica do tipo capa
canal, alpendres com arcos plenos, guarda-corpo com balaustrada de alvenaria e o
revestimento rústico das fachadas com reboco grosso em relevo ou com texturas e desenhos
informais e variados – no caso do edifício, reboco ondulado que remete a escamas de peixe
com pintura impermeável. A maioria das características do Mission Style foi amplamente
utilizada em Teresina, mas é importante destacar que o pátio interno praticamente não existiu
nos exemplares encontrados na cidade, sendo essa uma das principais singularidades locais.
Por fim, segundo o Inventário de Proteção do Acervo Cultura de Teresina (IPAC) de 1998, o
estado de conservação do imóvel é classificado como bom com descaracterização reversível
– classificação esta que perdura até hoje.
Imóvel 658/650
Adjacente a propriedade supracitada, localiza-se o imóvel que pertencia a Domingos Fortes
Castelo Branco e foi adquirido em 1944 por Armênio Braz da Cruz, que residiu na mesma
moradia até o seu falecimento e era conhecido como um hábil alfaiate. A residência foi
construída inicialmente como uma única edificação e posteriormente bipartida. Atualmente,
as residências geminadas são habitadas por duas de suas filhas. No número 658, habita
Teresinha Reverdosa e no número 650, Conceição Nobrega.
Estes são os únicos imóveis que permaneceram com tipologia residencial e mantiveram bem
conservadas as suas características construtivas. Segundo o inventário do IPAC de 1998, as
casas possuem alvenaria em tijolo, revestido em pintura impermeável, cobertura em telha
cerâmica (telhado 1/2 cana artesanal), vedações em venezianas e vidro, vergas retas, beiral
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externo em cimalha e bica, beiral interno em bica simples, ferragens em grades de ferro,
soleiras e pisos internos em cerâmica esmaltada. Destacando que, ocorreram apenas
algumas alterações, notadas externamente, visando segurança e conforto térmico.
Imóvel 646/642
A casa seguinte é a de número 646, de propriedade do casal Pedro Falcão Lopes e esposa
Zelina de Assunção Silva, pais do Desembargador aposentado Augusto Falcão Lopes. Os
cônjuges residiram o imóvel contemporaneamente ao senhor Armênio Braz de Cruz. A
residência sofreu o mesmo processo notado na limitante direita. Em janeiro de 1981, segundo
o IPAC, as casas já constituíam dois núcleos independentes.
Apresentava ainda em 1998, segundo o IPAC, uso residencial; porém, no presente, o número
646, funciona como o Escritório Ednan Soares Coutinho Advogados Associados, fundado em
2003; e o número 642 é um estabelecimento do ramo alimentício com denominação de Casa
Grill Self-Service.
Também obedecendo ao Código de 1939, esta edificação apresenta alvenaria em tijolo,
revestimento de reboco caiado, cobertura em telha cerâmica (telhado 1/2 cana artesanal),
vergas retas e vedações em venezianas e vidro.
Figura 02: Fachadas do Imóvel 646/642 em 1998 (1); Fachadas do Imóvel 646/642 em 2017 (2). Autor: Wanderson Luis, 2017.
Segundo o IPAC, em 1998, o estado de conservação era classificado como bom com
pequenas alterações; no entanto, atualmente constata-se um quadro bem diferente do
apresentado, onde as duas atuais fachadas encontram-se totalmente descaracterizadas. Das
citadas no estudo, esta é a edificação que mais sofreu alterações em sua fachada e
volumetria, sendo perceptível a adição de mais um pavimento e uso de material
contemporâneo no escritório de advocacia contrastando com a edificação geminada, Casa
Grill – que, por sua vez, tenta recriar, de modo infeliz, elementos arquitetônicos de fachadas
ecléticas.
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Imóvel 632
Contiguamente, a casa 632, foi construída na década de 1930 e pertenceu à Odilon Nunes,
natural de Amarante, um notável historiador, membro da Academia Piauiense de Letras,
professor e diretor da Escola Normal Oficial do Estado e do Liceu Piauiense, este último
localizado próximo a residência. Homenageado, nomeia, entre outros, o Museu do Piauí –
Casa Odilon Nunes, localizado em frente à Praça da Bandeira. Em 1944, a residência foi
vendida à Wilson de Andrade Brandão, um estimado advogado, professor universitário,
escritor e político brasileiro, que exerceu o mandato de Deputado Estadual do Piauí por 6
mandatos, entre 1967 e 1991, e pai do também político Wilson Nunes Brandão.
Assim como a primeira casa citada, de Agenor Barbosa, a edificação caracteriza-se por seguir
os moldes do Estilo Missões, ressaltando a presença de: torreão de planta circular coberto
por telhado cônico, telhado movimentado coberto com telhas de capa canal, a quase
inexistência de beirais, alpendres com arcos plenos, revestimentos rústicos das fachadas com
reboco grosso em relevo.
Segundo Moreira (2016, p. 347), é possível ressaltar “que, nesse momento, popularizou-se
uma tendência já sinalizada no período anterior: a repetição de padrões, onde residências
com características extremamente semelhantes foram construídas em pontos distintos da
cidade.”, sendo possível deparar-se com diversos exemplares no centro histórico de Teresina.
O imóvel esteve por um período sendo alugado e posteriormente foi comprado pela
Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal - APCEF, em 1996, que precisou fazer
algumas reformas no telhado, piso e pintura, melhoramentos para promover a acessibilidade,
incluindo uma rampa de acesso na fachada principal e a criação de salas com o uso de
paredes de gesso, mantendo a edificação ainda muito bem conservada no modo como foi
construída.
Figura 03: Imóvel 632. Autor: Wanderson Luis, 2017.
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Imóvel 620
Por último, O edifício, de número 620, localizado na esquina da rua Barroso com a rua
Desembargador Freitas, atualmente ocupado pelo SEST/SENAT, é o único edifício de cunho
não residencial no recorte histórico deste artigo, sendo isso um dos seus diferenciais.
A construção, inicialmente, pertencia à família Campos, onde possuíam a Mercearia
Esperantina e a residência da família – de acordo com Reverdosa (2017). Posteriormente, o
edifício foi comprado e reformado, segundo o documento Habite-Se, pela construtora
Mafrense entre 1983 e 1986, adquirindo sua configuração e formato atual com 3 pavimentos.
A própria construtora Mafrense funcionou no local a partir de 1986, paralelamente ao aluguel
de salas para o funcionamento da extinta VARIG - Viação Aérea Rio-Grandense. Em 04 de
abril de 1996, o edifício foi comprado em sua totalidade pelo SEST/SENAT. Feitas as
alterações internas na construção, a instituição começou a funcionar em 18 de abril de 1997.
O edifício de 3 pavimentos se destaca em meio aos exemplos estudados neste artigo tanto
por seu uso já comercial quanto por suas características formais modernistas. Dentre alguns
elementos arquitetônicos modernos presentes no edifício, podemos citar: uso de formas
geométricas, ausência de ornamentação, panos de vidros contínuos nas fachadas e uso de
brise-soleils. Além disso, também utiliza materiais construtivos característicos do movimento
moderno como o concreto armado, o vidro e o ferro.
Perfis de uso
Resultando das informações colhidas, estudadas e analisadas neste escrito, os perfis de usos
elaborados dentro de um recorte temporal de 20 anos – de 1997 a 2017 – evidenciam não
somente a descaracterização física de algumas das edificações que ladeiam o quarteirão da
praça Landri Sales, na rua Barroso, como também argumentam a favor a conservação de
exemplares representativos de estilos arquitetônicos relevantes. Todavia, a custódia e
sobrevivência do patrimônio arquitetônico físico, de certo modo, não percorre o mesmo
caminho da atribuição do ofício dessas construções. No que se confrontam patrimônio
arquitetônico e usos, a tendência é uma separação imediata dos dois termos, porém, esses
perfis esboçam uma certa relação entre os dois; onde, ora o uso dita a manutenção da estética
do edifício, ora a relevância arquitetônica da obra dificulte certas funções. Choay (2001, p.
230) diz que a arquitetura é a única, entre as artes maiores, cujo uso faz parte de sua essência
e mantém uma relação complexa com suas finalidades estética e simbólica.
Dentro desse recorte temporal, é notória a alternância de uso das edificações – queira elas
tenham sido resguardadas fisicamente ou não. Ao passo que a paisagem urbana foi alterada
juntamente às necessidades de uma nova vida citadina, as moradias se fizeram menos
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presentes, desenrolando uma nova malha para a cidade e proporcionando o ingresso de
novas funções.
Ponderando sobre os dois cenários retratados, descobre-se um certo equilíbrio entre os novos
usos de serviço e institucional, além da perpétua coexistência com o comércio – contexto
comum à região. Ao mesmo tempo, as residências são esquecidas em detrimento da aparição
destas novas tipologias de uso. Tal qual observa-se na ilustração (Figura 04), apenas dois
quintos dos imóveis investigados foi capaz de perdurar seu uso residencial primitivo, enquanto
que os demais se transformaram no decorrer dos anos.
Figura 04: Usos em 1997 (1); Usos em 2017 (2). Autor: Carliene Lima, 2017.
Conclusão
Cada cidade traz parte de sua história contada pelas edificações que compõem seu cenário
urbano. Esse conjunto é a lembrança viva e palpável da cultura e dos costumes daqueles que
estruturaram a configuração dos espaços que conhecemos hoje, sendo inegável a
necessidade de proteger esse acervo. Segundo Lemos (1981, pg.19)
Devemos então, de qualquer maneira, garantir a compreensão de nossa memória social, preservando o que for significativo dentro do nosso vasto repertório de elementos componentes do Patrimônio Cultural.
Os centros urbanos têm, majoritariamente, um caráter histórico e de preservação, o que cria
um vínculo com os usuários do espaço e congrega muitos elementos que habitam a memória
afetiva da sua população. A cidade de Teresina não foge à regra.
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Os centros das cidades têm sido identificados como o lugar mais dinâmico da vida urbana, animados pelo fluxo de pessoas, veículos e mercadorias decorrentes da marcante presença de atividades terciárias, transformando-se no referencial simbólico das cidades. Historicamente eleitos para a localização de diversas instituições políticas e religiosas, os centros têm a sua centralidade fortalecida pela somatória de todas essas atividades, e seu significado, por vezes, extrapola o limite da cidade. (Vargas e Castilho. 2009, p.1)
Só a partir da década de 1970, de acordo com Pedrazani (2009), foi institucionalizado o
patrimônio, a partir de ações regulamentadas, reconhecendo a necessidade de proteção dos
bens culturais. Na década seguinte, tais leis e instituições passam a ter algum grau de
relevância no Estado, sendo salvaguardado por leis e instituições especificas de proteção.
Essa missão será desempenhada por três entidades: a FUNDAC, criada em 1975, o IPHAN,
instituição federal implantada no estado do Piauí em 1984 e a Fundação Cultural Monsenhor
Chaves (FCMC), fundada em 1986.
Contudo, devido as diretivas sustentadoras das décadas anteriores no que tange à
arquitetura, nota-se um afastamento do ideário preservacionista.
O fato de, tanto o CEC quanto a FUNDAC e o seu Departamento de Patrimônio, terem suas atividades iniciadas dentro de um processo transitório, ao nível da política cultural nacional, os levará a difícil missão de ter que voltar seus olhares não só para o “novo”, mas também para o patrimônio tradicional, chamado de “pedra e cal”, pois pouco se havia feito em favor deste. Isto justifica o Conselho ter apreciado muitos processos de tombamento da década de 1980, principalmente de monumentos, acautelados isoladamente, reforçando a tendência histórica advinda da política de preservação nacional desde os anos de 1930 de se preservarem o monumental e o excepcional em detrimento dos demais bens.
Observou-se então, no espaço que compreende o Centro de Teresina, por ser possuidor dos
edifícios mais antigos, a descaracterização, através de pequenas reformas, quando não da
destruição completa de construções antigas para a edificação de novas construções, que
antedessem as novas necessidades manifestadas naquela área, que vinha tendo uma
mudança de uso, saindo de um ambiente outrora residencial para se transformar no centro
comercial e de serviços que temos hoje. “A falta de uma cultura preservacionista de nossa
sociedade continua a ser um dos principais obstáculos a ser vencido”, diz o texto intitulado:
Clube dos Diários poderá ser desapropriado, publicado na Revista Impacto, de Teresina, em
setembro de 1991.
O recorte estudado, demonstra perfeitamente essa situação. A medida que o centro assume
as características atuais, as residências, uma a uma, assumem outro uso. Entretanto, no
desenrolar desse processo, observam-se dois comportamentos distintos no que se refere a
edificação pré-existente. A primeira situação aparece nos edifícios do SEST/SENAT, n. 620,
e nos Escritório de Advocacia, n. 646, e Casa Grill, n.642. Existe uma completa omissão com
a construção original. Isso se deve, normalmente, a necessidade de negar à arquitetura
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existente uma nova função. Demolição, alteração do gabarito e descaracterização das plantas
baixas e de fachadas de forma irreversível são algumas das alterações observadas nesses
lotes. Em contrapartida, outras construções, como a atual CMEI, n.664, e APCEF, n.632,
entendem que a ideia de mudança de uso não necessariamente precisa estar atrelada a
alterações significativas na estrutura e/ou estética original do edifício. Esse comportamento,
no que diz respeito as intervenções nos bens arquitetônicos, foi publicado em um documento
denominado Carta de Veneza, conhecido no II Congresso Internacional de Arquitetos e
Técnicos dos Monumentos Históricos em 1964.
Artigo 5º - A conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade; tal destinação é, portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É somente dentro destes limites que se deve conceber e se podem autorizar as modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes. (ICOMOS, 1964).
Assim, as duas instituições conseguiram, de maneira harmônica e não agressiva, incorporar
novas funções em construções já existentes sem a precisão de grandes transformações. Isso
demonstra a formação de uma consciência individual, proposital ou não, na relação
construção/memória, na medida em que os usuários entendem que a aplicação de uma nova
utilidade não está estritamente ligada a destruição do pré-existente. Nos últimos anos, o
interesse pelo patrimônio construído aumentou consideravelmente, por motivos como o
entendimento do seu valor histórico, especulação imobiliária e exploração turismóloga. Isso
mostra, que, é possível recuperar e inserir novos usos na medida em que exista uma
integração entre esses dois processos. É, somente, a partir disso que teremos uma
conservação completa do patrimônio edificado.
“É tempo de dar um basta neste processo criminoso de dilapidação de tudo o que diz respeito à nossa história, ao nosso passado, às nossas tradições, às nossas raízes, enfim, à nossa memória artística e histórica. ” (Jesualdo Cavalcanti, Secretário da Cultura, Desporto e Turismo)
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Referências
BRAZ, Marcelo; MACÊDO, Suyany; CASTILHO, Renata. Trabalho da disciplina Técnicas Retrospectivas: Projeto de Restauração do Patrimônio Histórico e Arquitetônico de Teresina – PI. Teresina, Universidade Federal do Piauí, 2007.
ICOMOS. Carta de Veneza, 1964. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.
LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 2006 MARQUES, L. V. C. Praça Landri Sales (Praça do Liceu) Teresina – Piauí (19582005): aspectos históricos e paisagísticos, 2005, 27p. Trabalho de conclusão de Curso (Especialização em Paisagismo) – Instituto Camilo Filho, Teresina, 2005. MOREIRA, Amanda Cavalcante. Teresina e as moradias da região central da cidade (1852-1952). Dissertação (Mestrado). São Carlos, 2016. PMT. Habite-se: Comercial-Construtora Mafrense Ltda. Teresina, Coordenação de Planejamento, 1986. PMT. Inventário de proteção do acervo cultural do Piauí – IPAC: Arquitetura Civil. Teresina, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998. p. 37-40. PMT. Inventário de Teresina: Rua Barroso. Teresina, Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação. REVERDOSA, Teresinha. A vizinhança no século XX na praça do Liceu. Entrevista concedida a Taianne Neco. Teresina, 5 jan. 2017. SANTOS, Lívia Maria Macêdo; AFONSO, Alcília; SILVA, Valério de Araújo; FREIRE, Pamela K. Ribeiro Franco. Requalificação do Centro Histórico de Teresina: século XXI. Teresina: Universidade Federal do Piauí. SILVA, Guilhermina Castro; LOPES, Wilza Gomes Reis; LOPES, João Batista. Aspectos relacionados ao uso e apropriação de praças em áreas centrais de cidades: transformações e permanências. Curitiba: Editora UFPR, 2009. TOLLSTADIUS, Larissa Lira. Preservação do Centro de Teresina: A construção de um objeto. Rio de Janeiro: Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2013. Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2013.