a democracia na américa do século xxi

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A democracia na América do século XXI: o que diria Tocqueville? Ademir de Oliveria Costa Júnior Resumo: A democracia na América, de Alexis Tocqueville é considerada até hoje a melhor descrição do funcionamento político-administrativo e de características sociais dos Estados Unidos. Escrito em 1831, quando o jovem autor desembarcara em Rhode Island com o pretexto de percorrer o país para realizar estudos para um reforma no sistema penal francês, a obra é por muitos considerada ao lado do manifesto comunista de Marx e Engels como uma das obras políticas mais importantes do Século XIX. Ao longo da obra, poucos traços fundamentais do caráter e da sociedade americana escapara à percuciente análise do autor. No presente trabalho buscamos fazer uma viagem histórica, tomando como ponto de partida a América de 1830 analisada por Tocqueville até chegarmos aos dias atuais, imaginando o que diria este célebre autor sobre esta América do Século XXI. Abstract: The democracy in America, of Alexis Tocqueville is considered until today the best description of the politician-administrative functioning and social characteristics of the United States. Writing in the 1831, when the young author disembarks in Rhode Island with the excuse to cover the country to carry through studies for one reform in the French criminal system, workmanship is for many considered to the side of the communist manifesto of Marx and Engels as one of the workmanships more important politics of Century XIX. Throughout the workmanship, few basic traces of the character and the American society escape to detail analysis of the author. In the present work we search to make a historical trip, taking as starting point America of 1830 analyzed by Tocqueville until arriving at the current days, imagining what it would say this celebrates author on this America of the XXI Century. Sumário: Introdução; Capítulo I - a América do século XIX; Capítulo II - o relato de Tocqueville; capítulo III - a América do século XXI; Conclusões; Referências. Introdução No ano de 1835 foi editado na França um grande livro sobre a importância da democracia na América. Seu autor será um jovem jurista francês chamado Alex de Tocqueville, o qual se consagraria como um dos mais renomados escritores de inclinação liberal da política moderna. Nascido numa ilustre família, descendente de um irmão de Santa Joana D’Arc, parente de Chateaubriand e bisneto do estadista Chrétien de Malesherbes (conselheiro de Luís XV e XVI), tendo, portanto, vínculos com o Ancien Regime, foi obrigado, em mais de uma ocasião, a deixar a França. Em 1831, devido a problemas pessoais que a derrubada dos Bourbons lhe causava, empreendeu uma viagem aos Estados Unidos cujo resultado o tornaria célebre.

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A democracia na Amrica do sculo XXI: o que diria Tocqueville?Ademir de Oliveria Costa Jnior

Resumo:A democracia na Amrica, de Alexis Tocqueville considerada at hoje a melhor descrio do funcionamento poltico-administrativo e de caractersticas sociais dos Estados Unidos. Escrito em 1831, quando o jovem autor desembarcara em Rhode Island com o pretexto de percorrer o pas para realizar estudos para um reforma no sistema penal francs, a obra por muitos considerada ao lado do manifesto comunista de Marx e Engels como uma das obras polticas mais importantes do Sculo XIX. Ao longo da obra, poucos traos fundamentais do carter e da sociedade americana escapara percuciente anlise do autor. No presente trabalho buscamos fazer uma viagem histrica, tomando como ponto de partida a Amrica de 1830 analisada por Tocqueville at chegarmos aos dias atuais, imaginando o que diria este clebre autor sobre esta Amrica do Sculo XXI.Abstract:The democracy in America, of Alexis Tocqueville is considered until today the best description of the politician-administrative functioning and social characteristics of the United States. Writing in the 1831, when the young author disembarks in Rhode Island with the excuse to cover the country to carry through studies for one reform in the French criminal system, workmanship is for many considered to the side of the communist manifesto of Marx and Engels as one of the workmanships more important politics of Century XIX. Throughout the workmanship, few basic traces of the character and the American society escape to detail analysis of the author. In the present work we search to make a historical trip, taking as starting point America of 1830 analyzed by Tocqueville until arriving at the current days, imagining what it would say this celebrates author on this America of the XXI Century.Sumrio:Introduo; Captulo I - a Amrica do sculo XIX; Captulo II - o relato de Tocqueville; captulo III - a Amrica do sculo XXI; Concluses; Referncias.IntroduoNo ano de 1835 foi editado na Frana um grande livro sobre a importncia da democracia na Amrica. Seu autor ser um jovem jurista francs chamado Alex de Tocqueville, o qual se consagraria como um dos mais renomados escritores de inclinao liberal da poltica moderna.Nascido numa ilustre famlia, descendente de um irmo de Santa Joana DArc, parente de Chateaubriand e bisneto do estadista Chrtien de Malesherbes (conselheiro de Lus XV e XVI), tendo, portanto, vnculos com oAncienRegime,foi obrigado, em mais de uma ocasio, a deixar a Frana. Em 1831, devido a problemas pessoais que a derrubada dos Bourbons lhe causava, empreendeu uma viagem aos Estados Unidos cujo resultado o tornaria clebre.Descontente com o novo regime implantado na Frana com a Revoluo de 1830, Alexis de Tocqueville, descendente de uma famlia ultra-realista que padecera o diabo na poca do terror (1793-4), viajou para a Amrica do Norte juntamente com um outro jovem jurista como ele, chamado Gustave de Beaumont. Encontraram um pretexto para vir estudar as instituies penais norte-americanas procura de novas idias que pudessem ser aplicadas na reforma do Cdigo Penal, que na ocasio se debatia em seu pas.Aportando em Newport, Rhode Island, em nove de maio de 1831, durante os onze meses seguintes, empregando todos os meios de transporte ento disponveis, os dois fizeram um longo priplo de 7.500 quilmetros por boa parte da Amrica do Norte, passando por 18 dos 24 estados que ento compunham a Unio, percorrendo-a de Nova Iorque ao Canad e dali at o Sul, a Nova Orleans. Das margens do Mississipi, rumaram depois para o norte, para Washington DC, e dali de volta para Nova Iorque, onde tomaram um barco para a Frana em 20 de fevereiro de 1832. No caminho, entrevistaram inmeras pessoas, entre elas dois ex-presidentes.Como produto de sua viagem ao redor dos Estados Unidos no resultou apenas o relatrio com o qual teria cumprido seu objetivo, mas tambm uma srie de anotaes que permitiriam ao autor escrever um livro com a melhor descrio (at hoje considerada insupervel), do funcionamento do regime poltico norte-americano:La Dmocratieen Amerique(A Democracia na Amrica, cujo 1 volume de 1835 e o 2 de 1840, com quase mil pginas).Passados aproximadamente 176 anos desde a visita de Tocqueville e Beaumont Amrica, muitas transformaes ocorreram. O que diria Tocqueville acaso aportasse na Amrica do Sculo XXI? De pas emergente a maior potncia mundial. Qual o retrato da democracia neste novo pas quase dois sculos depois? Para responder a tais questes preciso estudar mais a fundo; fazer uma viagem ao longo da histria americana desde o Sculo XIX at o presente.Captulo I a Amrica do sculo XIXEm meados de 1830 os Estados Unidos da Amrica limitava-se, como j se viu basicamente a 24 estados concentrados na costa atlntica e em parte do Meio-Oeste. Territorialmente ocupavam um pouco mais de um tero dos atuais Estados Unidos, sendo que a sua populao no ultrapassava a 13 milhes de habitantes. O restante do continente era territrio ndio, estados da Repblica mexicana (Texas, Arizona, Novo Mxico, Califrnia) ou ainda se encontrava em mos das potncias colonialistas, como a Gr-Bretanha (Canad, Oregon) e a Rssia (Alasca). A escravido confinava-se aos estados do sul, nas terras do tabaco e do algodo, enquanto o Norte e o Oeste recm-desbravado acolhiam os que para l partiam em busca de oportunidades.Quando chegou Amrica, Tocqueville encontrou em pleno curso as grandes transformaes iniciadas no perodo de Andrew Jackson. A vitria deste em 1829 foi como o incio de uma nova era na vida dos americanos. Foi um dos poucos presidentes dos Estados Unidos de alma e corao inteiramente simpticos gente mais simples. Acreditava no homem comum, na igualdade poltica e de oportunidades econmicas e detestava o monoplio e o privilgio.Nos tempos de Jackson, o igualitarismo alcanava um grau jamais visto, mesmo em tempos jeffersonianos, quando se acreditava num governodopovo,parao povo, mas nopelopovo. Foi seno na poca de Jackson que o igualitarismo se tornou fundamental na vida americana. Permitiu-se o domnio sem obstculos da maioria afastando-se as restries ao sufrgio, abolindo-se as qualificaes da propriedade para exerccio de mandatos, limitando-se a durao dos mesmos e cortando-se drasticamente o nmero de cargos eletivos ou no eletivos. Todos eram iguais em talentos e cada americano poderia ocupar qualquer posio do governo; e a democracia exigia um rodzio de mandatos de modo a impedir a formao de uma intocvel elite burocrtica.Foi neste cenrio de uma Amrica com aproximadamente meio sculo de independncia, entusiasmada e confiante, que Tocqueville, sem se desprender de suas origens francesas, pretendeu descrev-la completa e fielmente. Captulo II o relato de TocquevilleO que, num primeiro momento, mais chamou a ateno de Tocqueville, no seu contanto direto com os americanos, foi o fato de que a soberania do povo (que na maioria das demais organizaes polticas conhecidas jaz oculta, escondida ou sufocada pelas mais variadas artimanhas de reis ou de tiranos), l estava s escancaras. O dogma da soberania popular no era algo retrico. A preponderncia dos interesses dos comuns saltara da vida comunal, estabelecida na poca da colonizao inglesa, e empalmara o governo estadual e o federal, depois da Revoluo de 1776. Mesmo em Maryland, observou ele, um estado que desde a sua fundao era dominado por grande proprietrios, proclamou-se o sufrgio universal e prticas democrticas outras. Os antigos mandes da Repblica se conformaram. Como no podiam impedir o acesso do povo s instituies e assemblias, o patriciado tratou de bajular as massas.Percebeu ele a existncia de uma dinmica irrefrevel na democracia. A cada concesso arrancada aos ricos, o regime popular avanava para outra exigncia, e desta para mais outra ainda. Convenceu-se, ento, que l "o voto universal d, pois, realmente, aos pobres o governo da sociedade". Tanto era assim que dois anos antes de Tocqueville desembarcar, em 1829, Andrew Jackson assumira a presidncia dos Estados Unidos (um coronel da milcia da fronteira e plantador do Tennessee), claramente apoiado no voto das classes de menor renda da sociedade norte-americana.O deslumbramento de Tocqueville com a igualdade vivenciada pelos americanos foi objeto de inmeras passagens de sua obra, dentre as quais destacamos:... medida que estudava a sociedade americana, via cada vez mais, na igualdade de condies, o fato essencial, do qual parecia descender cada fato particular, e o encontrava constantemente diante de mim, como ponto de convergncia para todas as minhas observaes.(TOCQUEVILLE, 1977, P.11)Para Tocqueville, os Estados Unidos eram o pas onde a grande revoluo social to idealizada pelos franceses parecia ter chegado, pouco a pouco, aos seus limites naturais. Segundo o autor (1977, p.18), ali, a revoluo se realizou de um modo simples e fcil, ou melhor, poder-se-ia dizer que aquele pas v os resultados da revoluo democrtica que se realiza entre nos sem ter passado pela prpria revoluo.Ao se debruar sobre o sistema administrativo dos Estados Unidos, Tocqueville espantou-se com a pujana e autonomia poltica das pequenas comunidades norte-americanas. Os municpios (county) eram tudo, como se fossem as clulas vivas do regime. Deles partiam iniciativas que, num movimento ascendente, chegavam at as altas esferas do Estado e da Unio. E isso era possvel exatamente porque o poder central era limitado.Havia ali duas sociedades distintas, ligadas entre si, encerrada uma dentro da outra; viam-se dois governos completamente separados e quase independentes: um, habitual e indefinido, que responde s necessidades quotidianas da sociedade, o outro, excepcional e circunscrito, que s se aplica a certos interesses gerais. Nas palavras de Tocqueville, trata-se, em suma, de vinte e quatro pequenas naes soberanas, cujo conjunto forma o grande corpo da Unio.A descentralizao administrativa na Amrica produziu efeitos polticos admirveis aos olhos de Tocqueville. Diz ele:Nos Estados Unidos, a ptria faz-se sentir por toda parte. objeto de anseios desde a aldeia at a Unio inteira. O habitante liga-se a cada um dos interesses de seu pas como aos seus prprios. Glorifica-se na glria da nao; no triunfo que ela obtm, julga reconhecer a sua prpria obra e nela se eleva; rejubila-se com a prosperidade geral da qual tira proveito. Tem por sua ptria um sentimento anlogo quele que experimentamos pela famlia, e ainda por uma espcie de egosmo que se interessa pelo Estado. (TOCQUEVILE, 1977, p. 389)As associaes livres que Tocqueville encontrou na Amrica foram as associaes civis e as associaes polticas. O autor chamou a ateno para a facilidade com que os americanos se associavam na vida civil tendo em vista os mais variados fins. Em suas palavras:Os americanos de todas as idades, de todas as condies, de todos os espritos esto constantemente a se unir. No s possuem associaes comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como ainda existem mil outras espcies: religiosas, morais, graves, fteis, muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas .... (TOCQUEVILE, 1977, p. 391)Segue o relato descrevendo o sistema legislativo americano que, tal como hoje, formado por homens eleitos pelo povo e dividido em duas assemblias: a Cmara e o Senado, sendo que a diferena bsica entre estas era o perodo em que permaneciam no cargo os seus respectivos membros.Ao tratar sobre o poder executivo, observou que ao representante do poder executivo do Estado, cabia expor ao corpo legislativo as necessidades do pas e lhe dar a conhecer os meios que julgava teis empregar a fim de prov-las. Reunia em suas mos todo o poder militar do Estado e era o comandante das milcias e das foras armadas. Nunca interferia na administrao das comunas e dos condados, salvo para a nomeao de juizes de paz que posteriormente no poderiam ser dispensados. Apesar das prerrogativas que lhe eram conferidas, na prtica, pouco uso delas fazia, pois, ao contrrio da Frana, os Estados Unidos no eram ameaados por ningum. No herdaram, como a maioria dos Estados europeus, a "mistura de glria e misria, de amizades e dios nacionais". Alm disso, os imigrantes, que no paravam de chegar, vinham cheios de iniciativas.A sincronia entre a inexistncia de inimigos externos (que levou poltica da neutralidade e isolacionismo) com a auto-suficincia dos indivduos, fazia com que nos Estados Unidos a armada e o exrcito (uns seis mil homens no mximo) fossem inexpressivos. Evitavam-se assim as possveis tentaes autoritrias ou ditatoriais de parte dos lderes polticos. A isso se somava o que Tocqueville denominou de "instabilidade administrativa", o fato de que na democracia americana a rotatividade no servio pblico era a tnica, impedindo a formao de uma poderosa casta de burocratas que infernizasse os cidados com formulrios, carimbos, e outros caprichos.Mas ainda sobre este tema, o autor adverte para os perigos presentes no sistema eletivo americano, pois tanto maior o atrativo, tanto mais excitada a ambio dos pretendentes, tanto mais tambm acha apoio numa multido de ambies secundarias que esperam dividir o poder entre si, aps ter triunfado o candidato. Sobre a possibilidade de reeleio, observa que com a proximidade do pleito, o chefe do executivo no pensa seno na luta que se prepara; ele no mais tem futuro; nada pode empreender, e s prossegue muito lentamente aquilo que venha talvez venha a ser terminado por outro.Ao tratar do poder judicirio, identificou neste trs caractersticas: A primeira delas era a de servir de rbitro, algo que prescindia da existncia de processo, que por sua vez exigia que houvesse contestao. A segunda era a de apenas se pronunciar sobre casos particulares e no sobre princpios gerais. A terceira era a de somente agir quando provocado.As decises dos juizes eram fundadas na Constituio antes que nas leis e no era permitido jamais aplicar as leis que lhes parecessem inconstitucionais.Na Amrica a Suprema Corte era o nico e exclusivo tribunal da nao, encarregado da interpretao das leis e dos tratados; das questes relativas ao comrcio martimo e de todas aquelas que em geral se relacionavam com o direito das gentes. Trata-se de algo que at ento somente era visto na tria pelas naes europias, onde os governos sempre mostraram grande repugnncia em deixar a justia ordinria resolver as questes que interessassem a ele prprio. E essa repugnncia era naturalmente maior quando o governo era mais absoluto.Aquele rgo deveria ser composto por bons cidados, homens probos e instrudos, qualidades necessrias a todos os magistrados; preciso encontrar neles homens de Estado; preciso que saibam discernir o esprito de seu tempo, enfrentar o obstculos que podem vencer, pois acaso viesse um dia a ser composta de homens imprudentes e corruptos, a confederao teria a temer a anarquia e a guerra civil.Existe, na concepo do autor, um fato que facilita aos Estados Unidos adotar um governo federal. Os diferentes Estados no tm apenas mais ou menos os mesmos interesses, a mesma origem e a mesma lngua, mas ainda o mesmo grau de civilizao; esse fato quase sempre torna fcil o acordo entre eles. Entre os Estados de Maine e o da Georgia, situados nas duas extremidades do imenso pas, existe menos diferenas do que entre a civilizao da Normandia e da Bretanha que se acham separadas apenas por um curso dgua. A estas facilidades que os costumes e os hbitos do povo oferecem aos legisladores americanos, soma-se o fator geogrfico, que os mantm afastados das guerras.Nos Estados Unidos, pas que no seu seio encerrava menos germes de revolues, a imprensa tinha os mesmos gostos destruidores que a Frana eivada de profundas instabilidades.No tocante poltica externa, a Constituio Federal confiava a sua conduo s mos do Presidente e do Senado, o que a deixava at certo ponto fora da influncia direta e quotidiana do povo, razo pela qual no se podia afirmar de maneira absoluta que a democracia conduzia os negcios exteriores do Estado. Essa forma de conduo da poltica exterior deve-se a dois nomes: Jefferson e Washington.Em sua carta admirvel, Washington defendia uma neutralidade americana nos conflitos externos, algo que seria facilitado pelos fatores geogrficos e que permitiria ao pas se desenvolver com um povo unido sob um governo eficiente, at que chegasse o dia em que as naes nem de longe se arriscariam a provoc-los (os americanos), e quando teriam o poder de decidir entre a paz e a guerra, conforme os interesses e guiados pelo que a Justia os viesse aconselhar. Perguntava-se: para que deixar nosso pas para se arriscar em terras estranhas?Na viso do autor, a poltica externa americana expectante; consistente muito mais em abster-se que em saber. Bem difcil saber que habilidade iria desenvolver a democracia americana na conduta dos negcios externos do Estado. Em interessante observao, Tocqueville assevera que, diferentemente do que ocorre na Europa, nos Estados Unidos cada um, na sua esfera, toma parte ativa no governo da sociedade. O homem do povo, naquele pas, compreendeu a influncia que a prosperidade geral tem sobre a sua felicidade. Acostumou-se a encarar a prosperidade como obra sua e por isso v na obra pblica a sua prpria fortuna e trabalha para o bem do Estado, no s por dever ou orgulho, mas talvez por cupidez. Aps tecer alguns comentrios sobre os perigos que o crescimento da nao americana, especialmente rumo a noroeste, questionando se a Unio resistiria a tais transformaes, sobre o que no nos aprofundaremos neste trabalho, o autor passa a fazer prognsticos sobre o crescimento (sobretudo comercial) dos Estados Unidos. Este crescimento era muito favorecido pelos fatores geogrficos, que permitiam aos Estados Unidos dotar-se de portos ao longo de sua extensa costa e exportar para a Europa a maior parte dos mantimentos de que precisa, fazendo da Europa o mercado da Amrica assim como da Amrica o mercado da Europa, de modo que jamais os dois continentes poderiam viver inteiramente independentes um do outro.O territrio ocupado era de apenas um vigsimo do que poca compreendia os Estados Unidos da Amrica. A terra do Novo Mundo pertencia ao primeiro ocupante e seu domnio era o preo da corrida a ela. A provncia do Texas pertencia ao Mxico, mas em breve, previa, no se encontrariam ali mais mexicanos. O tratado que dividia o continente entre a raa inglesa e a espanhola, embora favorvel quela, viria a ser infringida com o avano americano.Em mais uma de suas premonies Tocqueville alertava para o surgimento de suas grandes potncias no globo e os perigos quede tal fato derivavam. Segundo ele:Existem hoje sobre a terra dois grandes povos que, tendo partido de pontos diferentes, parecem adiantar-se para um mesmo fim: so os russos e os anglo-americanos. Ambos cresceram na obscuridade; e, enquanto os olhares dos homens estavam ocupados noutras partes, colocaram-se de improviso na primeira fila entre as naes e o mundo se deu conta, quase ao mesmo tempo, do seu nascimento e da sua grandeza. Todos os outros povos parecem ter chegado mais ou menos aos limites traados pela natureza, nada lhes restando seno manter-se onde se acham; mas aqueles esto em crescimento; todos os outros se detiveram ou s avanam custa de mil esforos; apenas eles marcham a passo rpido e fcil, numa carreira a cujos limites no poderia perceber ainda. O americano luta contra obstculos que a natureza lhe impe; o russo est em luta contra os homens. Um combate o deserto e a barbrie, o outro, a civilizao com todas as suas armas; por isso, as conquistas do americano se firmam com o arado do lavrador, as do russo com a espada do soldado. Para atingir a sua meta, o primeiro apia-se no interesse pessoal e deixa agir, sem dirigi-las, a fora e a razo dos indivduos. O segundo concentra num homem de certa forma todo poder da sociedade. Um tem por principal meio de ao a liberdade, o outro, a servido. (TOCQUEVILE, 1977, p. 315-316)Na segunda parte da obraDa Democracia na Amrica, Tocqueville trata da sua influncia sobre diferentes aspectos: no movimento intelectual; nos sentimentos dos americanos; sobre os costumes e sobre a sociedade poltica. Essa percepo obtida em 1831 justifica toda a fama granjeada por Tocqueville, ainda na juventude. retratar a influncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil, sobre os hbitos e costumes na Amrica.O sucesso da democracia norte-americana devia-se tambm a uma razo de fundo cultural. Os ingleses que para l foram povoar o Novo Mundo estavam acostumados "a tomar parte nos negcios pblicos". Traziam na sua bagagem um respeitvel acervo de liberdades: de palavra, de imprensa, de organizao, de participao em jris, etc., pois bom lembrar que fora na Inglaterra do sculo XVII que dera-se a primeira revoluo antiabsolutista da era moderna - a Revoluo Puritana, liderada por Oliver Cromwell (1649-1658). Alm disso, na Amrica, no tinham que combater uma aristocracia, podendo desenvolver ao mximo a idia dos direitos individuais e as liberdades locais. Para eles, a liberdade no era tanto algo a ser conquistado, mas sim a ser preservado. Pode-se at inferir que a Revoluo de 1776 foi um movimento popular de legtima defesa, visto que para os colonos americanos o rei, com os seus decretos e leis repressivas, quem estava lhes usurpando as liberdades.Captulo III a Amrica do sculo XXISe pudesse visitar a Amrica hoje, Tocqueville encontraria uma situao bem diferente daquela que relatou. A populao nos Estados Unidos atualmente de 301.656.674 habitantes, mais de vinte e trs vezes superior quela dos anos 1830.Essencialmente, pouco mudou entre a estrutura administrativa narrada por Tocqueville com relao a que encontramos hoje nos Estados Unidos. Permanece a separao dos poderes em executivo, legislativo e judicirio.No poder legislativo encontram-se os representantes de cada um dos 50 estados. Ao Congresso reservada a competncia para elaborar leis e instituir impostos federais, declarar Guerras, ratificar ou propor tratados. No Senado, cada Estado americano igualmente representado por dois membros, de um total de cem representantes. Os senadores cumprem um mandato de seis anos. A cada dois anos, so escolhidos os ocupantes de um tero das cadeiras do Senado por meio de eleies. O vice-presidente americano desempenha tambm o papel de presidente do Senado.A Cmara dos Representantes composta de membros eleitos bianualmente pelo povo dos diversos Estados. Os estados os mais populosos tm mais representantes do que os menores; alguns tm somente um. Ao todo, h 435 representantes na casa.O chefe do executivo o presidente, que junto com o vice-presidente eleito para um mandato de 04 anos. Em conseqncia de uma emenda constitucional que entrou em vigor em 1951, um presidente pode ser reeleito para um mandato subseqente. Como o formulador principal da poltica nacional, o presidente pode propor leis ao Congresso, assim como vetar leis emanadas do Poder Legislativo. tambm o comandante-chefe das foras armadas e tem a autoridade para apontar juizes federais enquanto as vacncias ocorrem, incluindo os membros da Suprema Corte.O Poder Judicirio dos Estados Unidos ser investido em uma Suprema Corte e nos tribunais inferiores que forem oportunamente estabelecidos por determinaes do Congresso. Os juzes, tanto da Suprema Corte como dos tribunais inferiores, conservaro seus cargos enquanto bem servirem, e percebero por seus servios uma remunerao que no poder ser diminuda durante a permanncia no cargo.O julgamento de todos os crimes, exceto em casos de impeachment, ser feito por jri, tendo lugar o julgamento no mesmo Estado em que houverem ocorrido os crimes; e, se no houverem ocorrido em nenhum dos Estados, o julgamento ter lugar na localidade que o Congresso designar por lei.Se pouca coisa mudou na estrutura administrativa americana, alm do crescimento populacional muitas outras transformaes ocorreram nestes 176 anos que separam a Amrica visitada por Tocqueville da que vemos hoje. Exemplo disto o crescimento territorial dos Estados Unidos, hoje composto por 9 629 091km, distribudos em 50Estadose umDistrito Federal(Distrito de Columbia). Cada Estado, por sua vez, est subdividido emcondados, com excepo daLouisiana, em que as subdivises se chamam "parquias", (parishes, emingls) e doAlasca, onde as subdivises estaduais so chamadas de "distritos" (boroughs). A maior parte dos Estados Unidos localiza-se na regio central daAmrica do Norte, possuindo fronteiras terrestres com oCanade com oMxico. Os Estados Unidos tambm possuem diversosterritrios, distritos e outras possesses em torno do mundo, primariamente noCaribee no Oceano Pacfico e cada Estado possui um alto nvel de autonomia local, de acordo com o sistema federal.Para chegar ao estgio de desenvolvimento atual, os Estados Unidos contaram com a fora de trabalho de milhes de imigrantes dos mais diversos pases do mundo, destacando-se os 500 mil escravos africanos que aportaram naquele pas entre os anos de 1619 e 1808, quando a importao de escravos tornou-se ilegal, alm de muitos outros que para ali rumaram em busca de um lugar na terra das oportunidades.O que antes era tido como a fora motora de um pas do futuro passou a ser tido como um problema. Os negros descendentes dos escravos africanos, alm de outos muitos que continuaram a desembarcar na Amrica passaram a disputar trabalho com a populao branca do pas, algo que, somando-se s feridas ainda no cicatrizadas da guerra de secesso do sculo XIX, faz com que nos Estados Unidos ainda se verifiquem sentimentos racistas por vezes evidenciados de maneira bastante trgica.Quanto aos imigrantes e seus descendentes de origem no negra, a situao no de todo diferente. De acordo com um censo realizado em mais de 3 milhes de municpios dos Estados Unidos em 2005[1], 35 milhes de pessoas que vivem no pas so imigrantes. Destes, 17 milhes tm origem hispnica, sendo 11 milhes provenientes do Mxico. .O servio de imigrao estima que cinco milhes de pessoas estejam vivendo nos Estados Unidos sem permisso, e o nmero est crescendo aproximadamente em 275.000 ao ano. Para conter a chegada de imigrantes no pas, e numa tentativa de selecionar quem seria bem-vindo nessa nova Amrica, teve incio uma poltica de verdadeira represso aos imigrantes que ilegalmente tentam ingressar ou permanecer no pas. Contrariamente poca em que o pas tinha portas abertas para os imigrantes, hoje j se fala na necessidade de uma reforma imigratria, e do uso de uso de "ferramentas mais efetivas" contra os imigrantes ilegais, punindo, por exemplo, as empresas que contratarem imigrantes ilegais.Tamanha a quantidade de pessoas de origem hispnica no pas que em alguns lugares, como Miami, o maior da cidade (Herald), publica edies separadas em ingls e em espanhol.O uso difundido do espanhol em cidades americanas gerou um debate pblico sobre a lngua. Alguns temem que temem que a situao se torne semelhante a do Canad, onde a existncia de duas lnguas (inglesa e francesa) foi acompanhada por um movimento seccionista. Para evitar esse quadro, alguns cidados exigem a elaborao de uma lei que declare o ingls a lngua americana oficial. Outros consideram tal lei desnecessria e acreditam que geraria efeitos contrrios ao esperado.Os Estados Unidos adotavam uma polticaisolacionista, muito bem relatada na obra de Tocqueville, no procurando intrometer-se em conflitos internacionais. Porm, isto mudou com o fim da Guerra Civil Americana. Durante osculo XIX, os Estados Unidos tornaram-se uma potncia econmica e militar mundial. O crescimento da influncia dos Estados Unidos sobre o mundo continuou nosculo XX, um sculo que por vezes chamado deO sculo americano, por causa da tremenda influncia americana sobre o resto do mundo, onde o pas se tornou o maior plo de desenvolvimento tecnolgico do planeta.O isolacionismo de outrora se transformou no imperialismo do presente. As interferncias militares antes restritas luta por expanso territorial, como fora a Guerra do Mxico (1846-1848) e a conflitos internos como a Guerra de Secesso (1861 a 1865), foi definitivamente esquecido partir da Primeira Guerra Mundial (1917-1918).Aps ter navios afundados, os americanos entram na guerra em abril de 1917, sob o argumento de que o mundo seria salvo pela democracia (o conflito comeara trs anos antes). Milhes de soldados apiam as tropas britnicas e francesas contra os alemes. Com a vitria dos aliados, os Estados Unidos surgem, no final de 1918, como uma nova liderana mundial.Na Segunda Guerra Mundial (1941-1945) a participao direta dos Estados Unidos teve incio aps o ataque japons a Pearl Harbor. Contra o nazi-fascismo, o pas atinge seu ponto alto em 6 de junho de 1944, o Dia D, com o ataque aos alemes na Frana. Mas em agosto de 1945 surgiria o fato que sustentaria a ameaa de guerra nas prximas dcadas: as primeiras bombas atmicas lanadas no Japo. Tinha incio a ameaa nuclear.Terminada a Segunda Guerra, as divergncias continuam, tem incio a Guerra Fria, opondo agora os capitalistas americanos aos comunistas da Unio Sovitica. O conflito sem batalhas diretas entre os inimigos termina no final dos anos 1980, com o colapso do regime comunista.Considerado o grande fracasso militar dos americanos, a Guerra do Vietn tambm comea com a diviso do pas, em 1954. Os americanos oferecem ajuda militar ao Sul contra os comunistas do Norte (mais de 530 mil soldados). Mesmo com a presso popular, s em 1973 os Estados Unidos deixam o pas. A guerra chega ao fim com a rendio do Sul e a reunificao do pas dois anos depois.O conflito conhecido como a Guerra do Golfo surgiu quando, para ter acesso ao Golfo Prsico, o Iraque invade o Kuwait. O presidente George Bush (o pai) exige a retirada das tropas. O Iraque no se move e os americanos entram na guerra, libertam o Kuwait, mas no derrubam o iraquiano Saddam Hussein.O descontentamento com a forte interferncia americana nas questes externas fez gerar em diversas partes do planeta um forte sentimento anti-americanista, sobretudo nos pases islmicos, onde mais difcil a penetrao dos hbitos e conceitos capitalistas. A averso ao imperialismo americano foi campo frtil ao surgimento de grupos que, em nome da religio, se propuseram a destruir o grande Sat, isto , os Estados Unidos e Israel.O poder posto em xeque: os terroristas suicidas da Al Qaeda atacam as torres do World Trade Center, em Nova York, em setembro de 2001, destruindo um dos maiores smbolos do progresso do pas.Ao invs de reverem sua poltica de atuao extremamente ativa nas questes internas de outros pases e de sua tentativa de impingir sua cultura a outras naes, os americanos intensificam sua atuao militar em terras alheias, dando incio, ainda em 2001, ao que se costumou chamar de Guerra Contra o Terrorismo. Com o apoio de outros pases com os quais possua estreitas relaes e de outros sedosos por conquistar a simpatia e o capital americano, procedeu-se invaso do Afeganisto, pas da Al Qaeda, e derrubam o governo Talib. Dois anos depois teve incio uma nova invaso ao Iraque, onde, sob o pretexto de que o pas possua armas de destruio em massa o territrio iraquiano foi ocupado e seu presidente deposto, capturado e executado.Tentaram os Estados Unidos criar naqueles pases formas de governo e hbitos a que seus habitantes no se submeteram. O resultado de tudo isto, uma guerra civil que se acompanha dia a dia atravs dos noticirios, que exibem as aes terroristas realizadas pelos grupos cada vez maiores dos descontentes com a presena americana. Em lugar da democracia, da ordem e da paz prometidas, v-se a ausncia total de autoridade, a desordem e um nmero de mortos cada vez maior.Esta nova poltica externa americana, que desrespeita todos os tratados e convenes j firmados pelos Estados Unidos e que ficou conhecida popularmente como doutrina Bush mostrou-se completamente incapaz de atingir aos seus propsitos e somente fez piorar o sentimento anti-americanista, elevando-o a um sentimento anti-ocidente que tornou vtimas de grupos terroristas tambm os pases que a ela aderiram, como Espanha e Inglaterra, por exemplo.As invases americanas no se restringem ao plano militar. Tambm culturalmente os americanos tentam se impor sobre outras naes. Exportam-se o Baseball, basketball, filmes, jazz, Mickey Mouse, a msica de pas, entre tantas outras coisas e este se tornou cada vez mais intenso com a evoluo dos meios de comunicao e a chamada globalizao.Tal fato fez surgir em alguns pases uma barreira cultura americana. Os franceses fazem campanha periodicamente para livrar sua lngua de termos ingleses, e os canadenses colocaram limites em publicaes americanas no Canad. Aos poucos os pases tm tentado preservar sua cultura para que no se tornem cidados com duas identidades, a prpria e a americana.Alm de destruidores da identidade cultural e da paz no planeta, contra os Estados Unidos pesa a forte e fundamentada acusao de ser um dos grandes destruidores do prprio planeta. Dcadas de progresso custa de um total menosprezo s questes ambientais apesar das fortes presses por parte de grupos ambientalistas e das inmeras advertncias e constataes resultantes de encontros globais como o Rio 92 e o encontro da frica do Sul em 2002, por exemplo.ConclusesNos Estados Unidos de hoje vive-se um progresso muito mais contido do que o daqueles anos dourados do perodo jacksoniano. quela poca alm da prosperidade econmica, a grande marca do pas era a sua paz, resultado de uma poltica externa isolacionista extremamente oposta poltica imperialista do sculo XXI. Esta poltica atual tem sido criticada por aliados histricos como a Franca, por exemplo.A economia cresce em escala inversamente proporcional ao sentimento antiamericanista decorrente das polticas de interveno noutros Estados e de controle imigratrio, geralmente aliadas violncia e desrespeito a tudo o que os prprios americanos apregoam.A questo dos ndios, praticamente dizimados durante a expanso territorial americana hoje se ameniza, mas no pela adoo de polticas pblicas voltadas para os mesmos, mas pela associao destes indstria dos cassinos que investem vultuosas quantias em terras consideradas indgenas. A questo dos negros, por sua vez, ainda algo bastante delicado, sendo poucos os que ocupam altos postos no mercado ou mesmo no governo americano.No plano ambiental, somente aps experimentar tragdias at ento nunca vividas, cujas conseqncias nem mesmo a maior potncia do globo foi capaz de amenizar, como foi o caso da quase destruio da importante cidade de Nova Orleans por tornados e enchentes, deu-se conta da importncia de um meio ambiente equilibrado, mas a conscientizao da populao como um todo e principalmente das autoridades est longe de ser uma realidade.Culturalmente, os Estados Unidos continuam a exportar seus hbitos e costumes por todo o planeta, mas o americanismo incontrolado impulsionado pelo cinema e pela mdia hoje j objeto de discusso de paises que buscam medidas para preservar sua identidade cultural. Entre estes, dois aliados histricos dos americanos: a Frana e o Canad.A descrena na possibilidade de um novo rumo que traga ao povo americano o mesmo entusiasmo sentido no sculo XIX notria. Pesquisa recente mostra que o ndice de absteno nas eleies americanas chegou a 46%. Este o reflexo da falta de esperana dos americanos em mudanas que reflitam em melhorias para a populao. Teria a democracia falhado?A resposta mais comum que se ouve a respeito deste questionamento a de que o problema no se encontra no sistema, mas naqueles que o conduzem. A resposta parece controversa na medida em que os ocupantes dos postos mais importantes da nao tm seus cargos indicados pelo voto de seus cidados que, como visto, tm se recusado a participar ativamente do processo democrtico.

RefernciasA CONSTITUIO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMRICA. Disponvel em: . Acesso em 12.Abr.07.BECO SEM SADA.Revista Veja, So Paulo, edio 2005, n.16, p.68, abr.2007.CHUVA DE DLARES NA TRIBO.Revista Veja, So Paulo, edio 2005, n.16, p.69-70, abr.2007.EMPRESA QUE CONTRATAR IMIGRANTE ILEGAL NOS EUA SER PROCESSADA. Estado, 05 de agosto de 2006. Disponvel em: .ESTADOS UNIDOS DA AMRICA. Disponvel em: . Acesso em 21.Abr.07.EUA COM ABSTENO SUPERIOR A PORTUGAL. Dirio de Notcias. Lisboa, 06 de maro de 2005. Disponvel em: OPINIO E NOTCIA. Disponvel em: . Acesso em 13.Abr.07.PORTRAIT OF THE USA.Disponvel emhttp://www.usembassy.de/etexts/factover/homepage.htm. Acesso em 18.Abr.07.TOCQUEVILLE. Alexis de. A democracia na Amrica. Traduo, prefcio e notas de Neil Ribeiro da Silva. 2.ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; So Paulo, Editora da Universidade de So Paulo, 1977.US BUREAU OF CENSUS. Disponvel em . Acesso em 20.Abr.07.

Nota:

[1]OPINIO E NOTCIA. Disponvel em:

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4055Tocqueville, a democracia e o individualismoESCRITO POR ORLANDO BRAGA | 14 JUNHO 2013 ARTIGOS -CULTURAAs associaes propiciam a apario daquilo a que Tocqueville chama deliberdade superiorque era caracterstica da aristocracia anterior s revolues burguesas uma liberdade parafazergrandes coisase que repudiequalquer tipo de servido.

Sabedores os trezentos, ou quem os dirige, que a civilizao europeia, pelos seus fundamentos gregos, radicalmente individualista;que a civilizao moderna , de per si individualista tambm, pois que avanou para alm da fase corporativista que caracterstica do incio de todas as civilizaes e do seu estado semi-brbaro, viram bem que, convertendo em anti-individualista e corporativista o novo monarquismo, conseguiam um triplo resultado, de trs modos servidor dos seus fins: nulificar a aco futura profunda desse monarquismo desadaptando-o do individualismo fundamental da nossa civilizao; p-lo em conflito com o individualismo moderno, nascido do progresso das naes e da multiplicao de entre-relaes e culturas; atirar com ele contra os princpios helnicos e clssicos.Fernando Pessoa, o grupo dos 300 e a sua influncia cultural na Europa

Quem ler atentamente meu blog verificar nele uma forte influncia ideolgica de Tocqueville. Eu sou um tocquevilliano, entre outras razes porque Alexis de Tocqueville hoje muito atual face ao despotismo democrtico em que vivemos.O texto de Fernando Pessoa supracitado reflete o problema central da poltica, que a relao entre o indivduo e a sociedade. Em algumas religies polticas prevalece o interesse do indivduo sobre a sociedade e noutras a sociedade sobre o indivduo. E depois, h nuances entre estes dois extremos, mais ou menos legtimas, mais ou menos falaciosas.Alguns liberais contemporneos dizem que Tocqueville era liberal. Nada mais errado. Tocqueville dizia de si mesmo que eraum liberal de uma nova espcie,e erademasiado nobre no corao e demasiadamente democrata na razo para poder ser burgus(1). Ora, um liberal s pode ser burgus, individualista por natureza e essncia, que Tocqueville criticou. A crtica de Tocqueville democracia, ou melhor, a sua crtica apatia democrticae patologia da democracia(para usar expresses de Tocqueville) dupla: por um lado, uma crtica repblica tal qual existe hoje, por exemplo, em Portugal: uma repblica que aprisiona a sociedade civil por intermdio do Estado. E, por outro lado, uma crtica da apatia individualista caracterstica do burgus liberal, e do abandono das virtudes pblicas. Por outras palavras, se Tocqueville fosse vivo criticaria as atuais esquerda (estatista) e direita (burguesa e individualista) portuguesas.Portugal hoje um pas ondej no se escreve tragdia e poesia(seguem-se, entre aspas e/ou em itlico, citaes de Tocqueville), onde aspessoas j no se preocupam nem com a metafsica e com a filosofia em geral, nem com a teologia, quetransformam a arte em puros actos de subjectivismo egosta e narcsico, em quea lngua empobreceatravs de um Acordo Ortogrfico imposto pelo Brasil a fim dese colocar a lngua ao servio da indstria e do comrcio, em que o esprito do cidado jno se preocupa seno com o utilitarismo e com o finito. Esta sociedade portuguesa encontra-se beira de se aniquilar em umaimobilidade chinesae perder acoragem moraleo orgulho ligado independncia.A partir do momento em que a modernidade (neste caso, a portuguesa) perseguiu a nobreza aristocrtica que fundou Portugal,fez-se liberdade uma ferida que nunca sarar.A sociedade regride quando a ambio de enriquecer a todo o custo, o gosto pelos negcios, o amor do ganho, a busca do bem-estar e dos gozos materiaisse tornam empaixes dominantes que degradam a nao inteira. O diagnstico de Tocqueville est hoje vista de quem quiser ver, com a degradao tica, moral e cultural das naes ocidentais.Perante a dicotomia do estatismo republicano, por um lado, e da apatia democrtica protagonizada por uma burguesia acfala que implanta na sociedade umaanomiapatolgica, por outro lado, Tocqueville prope a introduo e valorao, no sistema democrtico, de uma espcie de componente no-democrtica: a associao da sociedade civil. A associao proposta por Tocqueville no uma corporao moda do corporativismo medieval ou do corporativismo fascista: antes, uma nova componente anti-sistema democrtico burgus e/ou estatista.As associaes naturais so, em si mesmas, um princpio no-democrtico.Creio firmemente quenoser possvel fundar novamente, no mundo, uma aristocracia; mas penso que os simples cidados, associando-se, podem constituir-se como seres muito opulentos, muito influentes, muito fortes, numa palavra, pessoas aristocrticas (Da Democracia na Amrica, volume II).As associaes, segundo Tocqueville, so elementos aristocrticos, e por isso, no-democrticos, que escapam ao controle do Estado democrtico e da acefalia burguesa. A nova aristocracia, da modernidade, so as associaes de cidados livres, em grande parte independentes do Poder do Estado e do Poder da plutocracia.As associaes criam vnculos entre os homens que impedem a absoro da sociedade pelo Estado e a instalao do despotismo democrtico.As associaes propiciam a apario daquilo a que Tocqueville chama deliberdade superiorque era caracterstica da aristocracia anterior s revolues burguesas uma liberdade parafazer grandes coisase querepudie qualquer tipo de servido.Um outro elemento que contraria o despotismo democrtico, para alm das associaes, o Rei. O Rei e as associaes de cidados livres podem, at certo ponto,sarar as feridas da liberdade, abertas pela erradicao democrtica da aristocracia.

Nota:(1) Tocqueville et les deux dmocraties,Lamberti, 1983http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/14227-tocqueville-a-democracia-e-o-individualismo.htmlO passado ameaa o futuro Tocqueville e a perspectiva da democracia individualistaFernando MagalhesProfessor do Departamento de Filosofia do CFCH - UFPE

RESUMO:A histria da democracia, nos tempos modernos, tem coincidido, de modo geral, com a histria da democracia americana. Desde que Tocqueville demonstrou a fora irresistvel dessa forma de governo, as sociedades ocidentais tm se esforado para adot-la como modelo. Ela representa, para a grande maioria do homem contemporneo, o nico tipo de regime poltico capaz de conduzir o indivduo a seu pleno desenvolvimento conquista da liberdade pessoal e da igualdade de condies. Contudo, esse desenvolvimento igualitrio responsvel, tambm, pelos aspectos negativos do seu funcionamento. A democracia corre o risco de se transformar em sua prpria anttese, comprometendo seu prprio sistema de duas maneiras: pela atuao de seus agentes e pelo seu contedo individualista especificamente excludente. O presente trabalho procura expor, de forma concisa, no apenas as preocupaes de Tocqueville com os destinos dessa forma de governo, mas tambm como a igualdade de condies, isolada de um contedo material (social), pode gerar uma espcie de discriminao que torna a sociedade democrtica violenta e injusta.UNITERMOS:democracia, individualismo, liberdade, Alexis de Toqueville.

ABSTRACT:The history of democracy, in modern times, has coincided, in general terms, with the history of American democracy. Ever since Tocqueville pointed out the irresistible strength of this form of government, Western societies have done their best to adopt it as a model. It represents, to the great majority of contemporary people, the sole type of political regime that is able to lead humanity to its fulfilment - to conquer personal freedom and equality of opportunity. However, this equalitarian development is also responsible for the negative aspects of its functioning. Democracy runs the risk of transforming itself into its own antithesis. This would jeopardize its own system in two ways: by the action of its agents and by its specific excluding individualistic content. This paper tries to show, in a concise fashion, not only Tocquevilles concern over the destinies of this form of government, but also how equality, isolated from its material content (social), can generate a kind of discrimination which makes democratic society violent and unfair.UNITERMS:democracy, individualism, freedom, Alexis de Tocqueville.

Em um ensaio escrito acerca de duas dcadas, Norberto Bobbio celebra, com satisfao, o interesse despertado na esquerda pelas obras de John Stuart Mill (cf. Bobbio, 1986, p. 107-113). Nos ltimos tempos, um outro pensador liberal, contemporneo de Mill, tem despertado a ateno da esquerda inclusive de uma parte da esquerda marxista que sempre esteve voltada para as questes relativas democracia e liberdade , que procura exumar seus escritos, atribuindo-lhes uma fundamental importncia para a compreenso da realidade atual. Trata-se do socilogo francs Alexis de Tocqueville, que dedicou seus trabalhos a uma intensa preocupao com a possibilidade da democracia transformar-se em seu prprio algoz, tendo em vista o excessivo peso concedido pelas sociedades modernas ao seu poder majoritrio. De fato, esse renovado interesse pelo pensamento de Tocqueville no desprovido de sentido quando se sabe que o mundo contemporneo passa por condies histricas as quais ele antecipou em mais de um sculo e meio, e que merece uma investigao mais profunda.A anlise da obra de Tocqueville sugere, portanto, a procura, antes de qualquer outra coisa, de respostas para suas inquietaes ainda hoje vlidas sobre o perigo que pode representar, para os Estados modernos, o desenvolvimento incontrolvel do chamado processo democrticoindividualista.Adjetivei deliberadamente o conceito de democracia para diferenci-lo do modelo denominadosocialistaque durante muito tempo marcou o debate nas teorias sociais. Contudo, a crtica que Tocqueville faz ao nascente regime poltico na Amrica isto , possibilidade de edificao de um pensamento nico que impea o desenvolvimento da liberdade no interior do sistema, opondo obstculos s aes da minoria provavelmente poderia se aplicar tambm s estruturas econmico-polticas que at bem pouco vigoraram nos pases do Leste Europeu.Mas existem boas razes para evitar, aqui, a discusso desse problema. Em primeiro lugar, h diferenas essenciais entre o fenmeno descrito por Tocqueville, no sculo passado, e o prottipo de sociedade instaurado nos ex-Estados de orientao sovitica. A formao social desses sistemas sustenta-se sobre pilares basicamente coletivistas, em que o indivduo perde sua autonomia em funo do conjunto da organizao social. No h espao para o desenvolvimento do individualismo, bem como toda esfera econmica , praticamente, objeto de controle estatal. Quer dizer, presume-se uma forma de democracia (econmica) diversa daquela observada e estudada por Tocqueville. Em segundo lugar, e como se sabe, as anlises de Tocqueville incidem sobre um tipo especfico de democracia, aquele que se encontra em construo no jovem Estado americano e que, segundo nosso autor,iguala todos em oportunidade., portanto, a democracia tocquevilleana deigualdade de condiese no a democracia econmica que precisa ser investigada, e para a qual as respostas encaminhadas pela esquerda, inclusive a esquerda marxista, no so totalmente satisfatrias. Ocupada durante um longo perodo com o problema da igualdade material, a esquerda refugia-se nas rincheiras mais recnditas do terreno social e econmico sem se dar conta de que se transforma, aos poucos, no no coveiro da burguesia, mas do proletariado. Com isso negligencia, consideravelmente, a contribuio do pensamento liberal naquilo que poderia ter sido a frmula salvadora do regime socialista: a chamada liberdade poltica. A esquerda paga, desse modo, um preo excessivamente alto por descobrir, tardiamente, que uma parte da crtica liberal ditadura das massas no se dirige apenas ao socialismo.A crtica liberal a certos aspectos do conceito de liberdade pelo menos na variante de alguns de seus pensadores, Tocqueville frente aplicase tambm (sobretudo no caso deste ltimo), democracia denominada burguesa e ao individualismo das sociedades modernas. Nesse sentido, a sociologia e a cincia poltica de Tocqueville possuem fundamental importncia para a compreenso da poca em que vivemos. Somos herdeiros de um pensamento que, em suas linhas gerais, ainda o mesmo que serviu de objeto para as anlises de Tocqueville; e tudo indica que muitas de suas preocupaes no que concernem tirania da maioria no perdem a validade nos dias correntes. o suficiente notar os rumos que toma o processo de democratizao em todo o mundo para se chegar concluso do perigo que pode resultar, para todos ns, da formao de um pensamento nico isto , de um planeta presidido por uma ideologia que esmaga as minorias em nvel nacional e internacional.Percebe-se claramente embora muitos fechem os olhos imaginando tratar-se de uma miragem passageira o que esse tipo de democracia, que tanto espanto causa a Tocqueville, capaz de produzir. A represso s minorias tnicas e raciais comum nos Estados Unidos e na Europa (cf. Hall, 1998, p. 85)1apenas para nos situarmos no mundo ocidental , e o individualismo extremado tem levado populaes inteiras ao desespero e a filosofia ao irracionalismo, quintessncia da razo calculadora. No surpreende, pois, que as teorias dominantes no campo filosfico enfatizem exageradamente a importncia da conscincia individual para a teoria do conhecimento (a subjetividade hoje o foco das atenes dos filsofos), e a sociologia (em conjunto com a mesma filosofia) preconize o fim do social e a atomizao do homem nas sociedades ps-modernas (cf. Baudrillad, 1978). Naturalmente tenho que admitir, como faz Tocqueville h mais de 150 anos, que esta uma realidade qual estamos indiscutivelmente presos. A democracia um fato concreto na vida dos homens e mulheres neste final de milnio, e nada leva a acreditar que ela se sinta ameaada em seus aspectos vitais.Aparentemente irreversvel, a democracia individualista, como a conhecemos em nossos tempos, parece estar destinada, por alguma espcie de fatalismo histrico, a se perpetuar indefinidamente. Essa tese finalista2tem, certamente, muitos adeptos; o que no significa que exista uma concordncia generalizada em torno de uma definio de democracia. Muito pouca gente, porm, discorda de sua importncia e at mesmo da natureza universal do seu valor. O problema saber se essa conquista da modernidade, que tanto atormenta Tocqueville, ter capacidade para estimular o progresso social ou se, de outro modo, poder produzir uma forma de governo que, ao invs de promover o acesso de todos ao bem estar geral, conduza a sociedade a uma espcie de segregao em que a maioria exera sobre a minoria um despotismo incontrolvel de sorte a impedir a sua participao nos processos de deciso. Ser a democracia como igualdade de condies mesmo com as restries e ressalvas feitas por Tocqueville fator suficiente para tornar a vida social de todos os membros de uma comunidade aceitvel segundo parmetros que abstratamente poderamos designar como o mnimo de dignidade oferecida ao ser humano?Este estudo parte do pressuposto de que a anatomia poltico-social do regime democrtico individualista, radiografada por Tocqueville entre os anos de 1835 e 18403, merece, seriamente, ser levada em considerao. Ela mostra, efetivamente, uma tendncia padronizao dos indivduos e sua inevitvel conseqncia: unificao do pensamento poltico-social e sua ao quase tirnica sobre as minorias. Tocqueville tem clara conscincia das inclinaes despticas desse sistema, e por isso apresenta sua proposta demoderao dos apetites individuaiscomo forma de evitar que a liberdade seja sacrificada em nome da igualdade. Ele se vale, para esse fim, do recurso a uma instituio cujo papel fazer com que a democracia funcione sem a perda da liberdade. E vai encontrar esse instrumento numa instituio anloga aristocracia.O problema que se coloca, ento, o seguinte: at que ponto os meios escolhidos por Tocqueville correspondem, coerentemente, ao seu empenho para obstar a esmagadora presso da multido sobre a minoria indefesa? Em outras palavras, ser essa nova aristocracia suficientemente eficaz para opor obstculos ao avano do despotismo democrtico nas sociedades modernas? Assim, o objetivo deste trabalho demonstrar que, a despeito das corretas advertncias de Tocqueville para a ameaa que representa a ampliao mundial da democracia individualista, e da importncia da criao de um mecanismo que busque o equilbrio entre a igualdade e a liberdade, a eficcia desse instituto fracassa diante da lgica dos seus argumentos. E por dois motivos. Um deles relaciona-se ao prprio conceito de democracia em Tocqueville. Trata-se de uma concepo limitadora e excludente de determinada forma de governo, vista sob a tica exclusiva da defesa dos interesses privados.O outro motivo diz respeito frmula formalde sua concepo de instrumento moderador. A noo tocquevilleana de aristocracia moderna, ou melhor, de umaparatoa ela anlogo, fundamenta-se numa duplicidade em que uma ao anula a outra. A idia de um corpo de juristas como contraponto ao iderio de igualdade choca-se com a viso de que os membros do Judicirio tambm so influenciados pela doutrina dominante na Amrica: a doutrina do interesse individual que predomina na opinio pblica (cf. Tocqueville, 1986). Dessa forma, a democracia, na acepo tocquevilleana do termo, dificilmente conseguir evitar a opresso da maioria e oferecer condies de vida adequada e liberdade minoria; ao mesmo tempo, manter a prpria maioria sob o jugo de um pensamento totalizante e aptico, o que pode provocar a revolta das camadas oprimidas. Para demonstrar meu propsito preciso, antes de mais nada, expor, resumidamente, as concepes de Tocqueville sobre democracia e liberdade.O esprito da democracia e a necessidade da liberdadeJ se observou que difcil encontrar, nas obras de Tocqueville, uma definio breve e definitiva de democracia, e que, por isso, essa definio deveria ser buscada ou perseguida4. De fato, Tocqueville no nos d uma conceituao precisa do termo. Embora ele recorra a diversas construes metonmicas para exprimir sua compreenso desse fenmeno que comea a surgir na Amrica igualdade de condies, desenvolvimento gradual e progressivo da igualdade, governo em nome do povo etc. (cf. Tocqueville, 1986, p. 43-44 e 177) , seu significado mais provvel o de uma sociedade uniformizada (cf. Tocqueville, 1986, p. 648), padronizada, de indivduos alheios uns aos outros em contraposio estrutura hierarquizada e estratificada mas de certa forma comunizada da sociedade feudal. Tocqueville sente que os laos que mantm os indivduos unidos entre si, no regime aristocrtico, tendem a romper-se integralmente deixando os homens entregues s suas prprias paixes. Ele lamenta a quebra dos antigos vnculos no por uma atitude conservadora, mas porque receia que, livres de toda responsabilidade para com seus semelhantes, e ocupados exclusivamente com seus interesses pessoais, os indivduos se entreguem a um perigoso conformismo, aceitando docilmente todas as regras sociais impostas pelo individualismo. Essa passividade5certamente produz um comportamento de indiferena para com a gesto da coisa pblica, permitindo, assim, que a representao majoritria exera um autoritarismo de novo tipo sobre a minoria; autoritarismo este exercido com o consentimento popular, o chamado, despotismo pelo consentimento do povo6. A apreenso com a possibilidade das paixes manifestarem-se livremente acompanha Tocqueville em toda aDemocracia na Amrica. Na Introduo ele argumenta que a democracia foi abandonada a seus instintos selvagens e que a revoluo democrtica operou-se sem que se fizesse nos costumes uma transformao para que a revoluo se tornasse til (cf. Tocqueville, 1986, p. 44-45).O que fazer para que o curso natural dos acontecimentos no acabe por conduzir a democracia ao seu leito desptico a tarefa consiste em educar a democracia, como ele mesmo diz7, talvez, o cerne do pensamento de Tocqueville8. verdade que ele no pretende julgar a revoluo democrtica em marcha (Tocqueville, 1986, p. 49); mas tambm no menos certo que, se seu desejo encontrar ensinamentos dos quais possa tirar algum proveito, a democracia, como se apresenta a seus olhos, seguramente inclina-se para uma espcie de tirania. Nesse aspecto, a teoria tocquevilleana ambivalente. V a possibilidade de um despotismo estender-se globalmente (cf. Tocqueville, 1986, p. 648), como uma forma de infeco a contaminar corpos sociais em todo o mundo; simultaneamente, porm, enxerga em algumas instituies americanas o antdoto para a cura da doena. Essa tenso, presente em quase todaA Democracia na Amrica, fruto da situao conflituosa em que se encontram os Estados Unidos poca. Fazia menos de 50 anos que a Constituio fora promulgada, e as seqelas no haviam desaparecido inteiramente. Tocqueville descreve, inclusive, as diferenas de caractersticas entre os habitantes do Norte e do Sul. O prprio sistema poltico equilibra-se entre formas de participao direta e indireta, e os interesses navegam entre o pblico e o privado, ainda que este predomine sobre aquele. A incerteza povoa o pensamento de Tocqueville. Prevalece, contudo, em suas anlises, o temor de que uma nova linhagem de tiranos ocupe o espao que a democracia no soube preencher. para esse vazio a ser completado que se voltam as atenes de Tocqueville.Sua expectativa de que alguma instituio nascente cumpra um papel similar ao da aristocracia no antigo regime. Essa camada social, pelos estreitos laos que mantm com a famlia e o lugar em que vive, termina por criar, voluntariamente, deveres entre os indivduos e ligar cada homem a vrios de seus cidados (cf. Tocqueville, 1986, p. 496). Vnculo que tem por efeito a capacidade de colocar obstculos ao isolamento social, ao mesmo tempo que conduz os homens dependncia uns dos outros. Evita, com isso, o individualismo, e faz com que se mostrem freqentemente dispostos a se esquecerem de si prprios (cf. Tocqueville, 1986, p. 497). Essa tendncia a sacrificar os prazeres pessoais e a pensar o bem comum a condiosine quapara impedir o desenvolvimento do despotismo. Unidos, os indivduos tornam-se fortes o bastante para limitar as ameaas por parte do poder. No estranha, portanto, a ateno que Tocqueville dedica s associaes, esses corpos intermedirios que denominamos hoje pelo menos alguns deles de sujeitos coletivos. Deriva, portanto, do fortalecimento desses grupos, particularmente dos segmentos ligados criao das leis, o significado da palavra liberdade. A exemplo do que ocorre com a democracia, aqui, tambm, no existe uma definio precisa para essa categoria sociolgica e filosfica no h lugar, no pensamento do escritor gauls, para a compreenso de liberdade como categoria econmica. Da mesma forma que para Tocqueville democracia quase sinnimo de igualdade, liberdade identificada com a ausncia de coero, o que, de resto, em nada difere do conceito de liberdade negativa em tantos outros liberais. Ela se mostra, na opinio de Tocqueville, um instrumento inibidor que pode moderar a coao sobre os indivduos (cf. Tocqueville, 1986, p. 243).Inegavelmente, h outras caractersticas que Tocqueville empresta ao conceito de liberdade. Associ-la ao critrio de justia um deles, e observamos, at mesmo, uma vaga noo do contedo positivo do termo quando contrape o estabelecimento da igualdade na sociedade civil em que todos tm o direito de entregar-se aos mesmos prazeres instaurao da igualdade no mundo poltico onde nem todos tomam parte no governo (cf. Tocqueville, 1986, p. 242 e 493). Essas passagens no texto, porm, so escassas, para no dizer, nicas. O tom dominante em praticamente toda a sua obra encontra-se na forma de garantir os direitos individuais e opor resistncia ao abuso do poder (cf. Tocqueville, 1986, p. 243 e 323). EmO Antigo Regime e a Revoluo, Tocqueville sustenta que as instituies livres no so menos necessrias aos principais cidados do que aos cidados menores para que aprendam os perigos a que esto submetidos e possam, assim, assegurar seus direitos (Tocqueville, 1986, p. 1038). Desse modo, a proteo contra o abuso do poder e a garantia dos direitos individuais encontram-se, em Tocqueville, como j mencionei, em uma instituio anloga aristocracia antiga, funo que ele atribui s associaes intermedirias, especialmente magistratura. (Voltarei a este tema mais adiante). Colocadas essas premissas, resta saber se o modelo de democracia estudado por Tocqueville e a frmula por ele encontrada para atender s exigncias do critrio de liberdade tendem a conciliar as duas categorias e, conseqentemente, reprimir o mpeto individualista que conduz a sociedade ao conformismo e ao sentimento de indiferena. Antes, porm, convm dedicar algumas palavras ao esforo que faz Tocqueville para situar o esprito americano, dividido que est entre os interesses privados e os negcios pblicos, porque devido ao afastamento dos princpios que regem um estilo de vida prprio s sociedades antigas que Tocqueville vai tematizar a problemtica da liberdade.O enfraquecimento do halo pblicoQuando Tocqueville escreve sua obra mais clebre, a democracia americana, como formulada pelos pais fundadores da nao, est comeando a ensaiar seus primeiros passos. Embora tenham passado quase cinqenta anos desde os eventos da Filadlfia9, no se pode dizer que o desenho institucional imprimido pela revoluo esteja definitivamente consolidado. As disputas internas entre federalistas e antifederalistas mantm-se firmes, e a posterior ecloso da Guerra de Secesso apenas uma mostra ainda que a mais dramtica da diviso entre republicanos e defensores da ordem federativa. Tocqueville se d conta das profundas implicaes desse embate poltico e reconhece uma certa dualidade no comportamento dos americanos. Ora a balana pende para as decises em praa pblica, ora inclina-se para o instituto da representao. Apesar disso, no est inteiramente consciente das contradies que isso pode causar sua teoria.O corolrio desseamlgamademocrtico que, com a evoluo do processo em direo ao sistema representativo, prevalece, no fundo, sempre a opinio de uma minoria; bastante incisiva, porm, para envolver, praticamente, toda a nao. Tem-se a impresso, assim, de que a maioria participa realmente das decises10. Passados um sculo e meio desde o aparecimento do texto tocquevilleano, nota-se, perfeitamente, um acentuado grau de decises por via indireta e um crescente avano do individualismo. medida que o envolvimento com os negcios pblicos torna-se raro, e o indivduo cada vez mais apega-se esfera privada, seu sentimento comunitrio afetado pelo interesse pessoal; e sua relao com outros indivduos nada mais que o reflexo das prprias relaes sociais. O resultado a perda da substncia que confere a capacidade de resistir: a autonomia (liberdade). O relacionamento entre democracia e liberdade permanece, portanto, insolvel e exige um srio compromisso com o exame dos mecanismos e das razes de um estilo de vida que, queiram ou no os mais resistentes adversrios de uma forma particular de exercitar o poder na modernidade, torna-se efetivamente irreversvel. O mais interessante perceber a apropriao desseway of lifepor parte de um segmento do pensamento filosfico e poltico que, a exemplo do aristocrata francs do sculo XIX, procura, obstinadamente, demonstrar a inevitabilidade da democracia liberal atravs da experincia que se desenvolve no mundo contemporneo.Penso, particularmente, nas anlises de um personagem relativamente novo no mbito das cincias sociais: o ex-assessor do Departamento de Estado norte-americano, Francis Fukuyama. Observando os acontecimentos recentes, que apontam presumivelmente para o fim do socialismo, Fukuyama (1992) adota uma posio prxima quela que Tocqueville anuncia na primeira metade do sculo passado: a igualdade chega s naes pela via da democracia burguesa, uma vez que j no encontra inimigos sua porta. Acabada a guerra fria, os Estados Unidos podem se dedicar menos defesa e mais a outras necessidades (como de resto, todo o mundo ocidental). Tocqueville atribui entre diversos fatores ausncia de vizinhos poderosos, a igualdade que se estende por toda a Amrica. A fraqueza dos governos democrticos na conduo dos negcios externos impele-os a cuidarem dos seus prprios problemas internos (cf. Tocqueville, 1986)11. No quero dizer com isso que o problema central das anlises de Tocqueville est condicionado localizao geogrfica, mas queentre outras coisasfornece elementos para que se interprete a idia deigualdadea partir da inexistncia de inimigos em suas fronteiras. O termo fronteira passa a adquirir, ento, uma amplitude que ultrapassa circunstncias regionais e se insere no interior de concepes ideolgicas. Numa poca em que proliferam armas nucleares, por exemplo, e o risco de uma ogiva atingir um territrio a milhares de quilmetros de distncia no mera especulao, o conceito de fronteira torna-se claramente elstico.Tocqueville escreve, nitidamente, sobre uma forma particular de democracia a democracia americana. Mas isso no significa que ele restrinja seu desenvolvimento apenas ao Novo Mundo. Trata-se, na verdade, de algo novo, universal, extensivo a todas as sociedades civilizadas e, portanto, um fatoprovidencialque escapa ao poder humano (cf. Tocqueville, 1986, p. 43). A afirmao de Tocqueville no fortuita e no pode mesmo ser atribuda meramente sua religiosidade, se bem que esta seja o testemunho de como se deve medir a poltica por um desgnio de Deus. O estado social imposto pela Providncia (Tocqueville, 1986, p. 44) o resultado efetivo de um processo que no encontra sua compreenso margem do elemento religioso. Isso porque o puritanismo, seita qual se filiam ospilgrims,primitivos emigrantes que desembarcam no Continente americano nas primeiras dcadas do sculo XVII, longe de ser exclusivamente uma doutrina religiosa, confunde-se, em vrios pontos, com as teorias democrticas e republicanas (cf. Tocqueville, 1986, p.64). Relacionando a poltica religio, Tocqueville pode, ento, sustentar a idia de que a inevitabilidade do domnio democrtico um desgnio de Deus e contra ele impossvel lutar. Aceitando esse princpio como definitivo, no resta ao pensador francs outra coisa que resignar-se com a realidade que acredita ser o futuro da humanidade. Tal movimento social dificilmente ser detido pelos seus fracos adversrios (cf. Tocqueville, 1986, p. 43-44).A certeza da evoluo contnua da democracia cruzando o oceano e alcanando inapelavelmente o continente europeu12no lhe traz iluses. Nem mesmo parece ser seu propsito julgar se a revoluo social, na sua marcha irresistvel, vantajosa ou prejudicial humanidade (cf. Tocqueville, 1986, p. 49). Tocqueville v, na igualdade americana, mais do que a prpria Amrica. Procura a imagem da democracia, suas inclinaes, seu carter, seus preconceitos e suas paixes; eu quero conhec-la para saber ao menos o que devemos esperar ou temer dela (Tocqueville, 1986, p. 49). Durante quase um ano Tocqueville observa, empiricamente, o funcionamento das instituies americanas, no raro admirando-se da forma pela qual o poder exercido, sobretudo na regio da Nova Inglaterra. Ali ele encontra um sistema de participao poltica que lembrava a antiga Atenas, onde a representao no era admitida (Tocqueville, 1986, p. 71).Esse mtodo democrtico de participao tem sua fonte na prpria construo do Estado americano, cujas razes podem ser encontradas nos primeiros grupos de emigrantes que compem as treze colnias iniciais. O novomodus vivendisocietrio no chama a ateno de Tocqueville somente pelo seu procedimento, isto , a participao direta, atravs de assemblia como na antiga Grcia; o que atrai, sobretudo, Tocqueville, a fixao num projeto que contamina todos quase sem exceo. Naturalmente, o processo democrtico americano, at a poca de Jackson, permite a um observador com conhecimentos a respeito dos valores e costumes da poca medieval, fazer um paralelo entre um determinado sistema comunitrio em que os hbitos refletem uma aproximao entre as pessoas, e uma formao social em que esses mesmos hbitos haviam existido em algum momento. Quero dizer, com isso, que na experincia das antigas comunas medievais que Tocqueville vai se inspirar para racionalizar a imagem da democracia que v na Amrica (cf. Tocqueville, 1986, p. 61). No casual a comparao que faz, mais de uma vez, entre determinadas regies dos Estados Unidos notadamente a Nova Inglaterra e Atenas do perodo clssico, onde o povo fazia as leis diretamente ou atravs de delegados em certas circunstncias (cf. Tocqueville, 1986, p. 83).Como se sabe, muitas cidades europias da fase medieval lembram, na sua estrutura bsica, as cidades-Estado gregas. Mas h uma diferena essencial entre a longnquaplis(ou mesmo as cidades medievais) e os novos centros urbanos que emergem na jovem repblica. O esprito pblico que predomina entre os anglo-americanos perde aos poucos o seu fundamento original e cede lugar a uma nova modalidade de tica que tem como base a igualdade de condies, e cujo elemento primordial encontra-se no individualismo. Observa-se, mais enfaticamente, a tenso entre os dois modos de participao. Se Tocqueville surpreende-se com esse inesperado retorno Antiguidade, no deixa de notar que o crescimento do individualismo e dos instrumentos de representao anulam, progressivamente, o esprito pblico do povo americano. O perigo que se avizinha pode at ser erradicado se o sistema mantiver seus traos aristocrticos; mas a situao preocupante. Tocqueville possui relativa conscincia tanto da inovao do novo arqutipo democrtico quanto dos elementos antitticos a ele intrnsecos. Isso o leva a compreender que a fora dos povos livres, que reside nas comunas, est ameaada pelas paixes passageiras, interesses de momento, (e) circunstncias casuais. Afinal, o despotismo recalcado no interior da sociedade cedo ou tarde reaparecer na superfcie (cf. Tocqueville, 1986, p. 85)13.Ao governo livre no acompanha o esprito da liberdade, porquanto os interesses pessoais sobrepem-se ao interesse geral, concorrendo, assim, para a gestao de um regime em que os direitos da minoria discordante correm o risco de serem eliminados. Se antes o indivduo desaparece na coletividade como o caso do passado clssico agora a natureza do pblico outra: a garantia do bem-estar pessoal. Assim, o interesse pblico consiste em assegurar, atravs de um consenso democrtico, um governo que proteja o bem-estar material (cf. Tocqueville, 1986, p. 525). O bem pblico j no representa o mesmo papel que durante sculos fez a grandeza dos antigos, incluindo o sistema feudal anterior ao perodo que precedera imediatamente a Revoluo Francesa. Mas esse bem pblico no se realiza sem uma certa ambigidade; ou talvez seja mais adequado utilizar o termo dicotomia, porquanto ocorre em duas fases no totalmente opostas. Dessa maneira Tocqueville pode dizer que um americano se ocupa dos interesses privados como se estivesse s no mundo e, um momento depois, entrega-se coisa pblica como se os tivesse esquecido (Tocqueville, 1986, p. 525).Percebe-se, pela aflio de Tocqueville, que o patriotismo americano deve-se aos prprios prazeres materiais, dos quais o Estado o protetor. O bem pblico na democracia moderna est associado, portanto, ao que Tocqueville chama de individualismo (cf. Tocqueville, 1986, p. 496). Este o grande problema (de origem democrtica) que ameaa se desenvolver, uma vez que as condies se igualizam (cf. Tocqueville, 1986, p. 496). Isso difere essencialmente das sociedades aristocrticas, estveis e hierrquicas que tornam, praticamente, todas as geraes contemporneas (Tocqueville, 1986, p. 496), onde todos se conhecem e se ligam estreitamente. Para Tocqueville h uma impossibilidade congnita desse fato ocorrer nos Estados democrticos, j que o cidado, individualmente mais fraco, incapaz de preservar, isoladamente, sua liberdade. Sem os vnculos que o impelem a unir-se aos seus semelhantes, para defend-los, a tirania crescer necessariamente com a igualdade (Tocqueville, 1986, p. 501-502). , pois, contra essa tendncia a possibilidade de um despotismo por parte das massas, sem qualquer espcie de controle que Tocqueville consagra grande parte, seno a quase totalidade, de sua obra.Tirania da maioria: a ameaa do futuro possvel que nenhum outro texto de Tocqueville supere em fama o captulo VII da segunda parte do primeiro livro deA democracia na Amrica, justamente o trecho clebre em que ele, de forma quase proftica, antecipa o que muitos neste sculo entenderam ser uma forma especfica de totalitarismo. Contudo, esse captulo somente um item que se acrescenta denncia que Tocqueville faz dos perigos que podem incentivar o desinteresse pela forma poltica da liberdade. As preocupaes que se manifestam nA democraciaestendem-se atO antigo regime e a revoluo, obra que Jean Claude Lamberti considera uma verdadeira arqueologia do individualismo14. Com efeito, desde o prefcio ao prprio corpo do livro, Tocqueville d continuidade s anlises que j lhe causavam incmodo duas dcadas antes15. O individualismo, a democracia, a igualdade, e, conseqentemente, os riscos que esta ltima traz o despotismo das massas a que Tocqueville chama de tirania da maioria so formas prprias do mundo moderno que, ao destruir a essncia bsica do esprito aristocrtico, ameaam a liberdade do cidado e projetam sombras imprevisveis sobre o futuro.A despeito do pessimismo contido, Tocqueville no se ope ao avano da democracia. No fundo persiste a esperana de que seus excessos podem ser amenizados por instituies que, nascidas do seio do novo regime, sero capazes de exercer um papel de relativa importncia para conter aquele impulso desenfreado que emerge de uma multido de seres uniformes e iguais. Tocqueville tem razes de sobra para no esperar mais do que a inclemente imposio da fora da maioria sobre os exguos direitos de uma minoria desprovida de quaisquer condies para lhe opor o mnimo esboo de resistncia.O temor da presena macia e irresistvel da opinio pblica sobre o conjunto minoritrio da sociedade incentiva-o a pesquisar os aparelhos adequados e eficazes que tenham chances de atenuar o progressivo poder ditatorial da maioria. Ao que parece, o receio de Tocqueville supera em muito suas expectativas. O impulso individualista no apenas se perpetua como os homens passam a ser cada vez mais uniformes e iguais pelo menos no sentido em que Tocqueville atribui a esses dois conceitos. A uniformidade e a igualdade de oportunidades espalham-se por quase todo o mundo ocidental. A imagem de uma sociedade composta de indivduos iguais em sua mediocridade16choca-o na mesma proporo de sua admirao pelo regime democrtico. Em que pese o conflito pessoal, ele declara sua preferncia pelo sistema americano a qualquer outro. Presume-se que as vantagens polticas que se podem tirar do governo17esto relacionadas aos instrumentos processuais das comunas da poca feudal. Mas o invlucro individualista que reveste toda a vida diria do povo americano representa o prenncio de um mal que pode facilitar o desenvolvimento do despotismo (cf. Tocqueville, 1986, p. 646). O isolamento individual, a ausncia de virtude e dos laos hierrquicos, inerentes antiga sociedade medieval, tornam os homens uma presa fcil das necessidades banais. Para desfrut-las so obrigados a criar uma espcie de poder jamais visto na histria da humanidade.Estes indivduos so, para Tocqueville, cidados atomizados, postos lado a lado por interesses privados e pessoais, que enxergam apenas a si mesmos. Em face a essa fraqueza, esses cidados fazem com que se erga, acima de todos, um poder imenso e tutelar que se encarrega de assegurar-lhes os prazeres e de velar por sua sorte (Tocqueville, 1986, p. 648). sem dvida esse poder, corporificado na opinio da maioria para a manuteno desses mesmos interesses pessoais, que, em circunstncias particulares, tendem a tornar, na Amrica, o poder da maioria no somente predominante, mas irresistvel (cf. Tocqueville, 1986, p. 239). Naturalmente, Tocqueville no considera que a tirania seja um instrumento de uso freqente; mas acredita que no h garantias contra ela (cf. Tocqueville, 1986, p. 244), porque a maioria possui um imenso poder de fato e um poder de opinio quase da mesma magnitude (Tocqueville, 1986, p. 240 e 244). Decerto no se equivoca ao detectar, na crescente fora da opinio pblica o consenso democrtico que sustenta e legitima a igualdade de condies e o individualismo do povo americano , o germe do poder desptico de novo tipo que se apodera da sociedade: a tirania da maioria. Atento para o mal generalizado que se oculta sob essa onipotncia, julga ser quase impossvel recorrer contra os abusos da opinio pblica:Quando um homem sofre uma injustia nos Estados Unidos, a quem poderia dirigir-se? opinio pblica? quem forma a maioria; ao corpo legislativo? Representa a maioria e lhe obedece cegamente; ao poder executivo? nomeado pela maioria e lhe serve de instrumento passivo (...) os prprios juzes, em alguns Estados, so eleitos pela maioria(Tocqueville, 1986, p. 244).Uma vez que a fora desse poder reside mais nos costumes do que nas leis, provavelmente no esprito legista que a liberdade pode encontrar meios de se contrapor aos desvios provocados pela democracia18. Os homens que se dedicam ao estudo das leis criam um amor instintivo pelo encadeamento regular das idias que os torna, naturalmente, fortes opositores do esprito revolucionrio e das paixes irrefletidas da democracia (Tocqueville, 1986, p. 253). Parece haver, nesse raciocnio, uma sria contradio entre os princpios legais que determinam os limites da democracia, e os princpios ticos que alimentam a fora da maioria costumes, hbitos , porquanto Tocqueville afirma, anteriormente, que a natureza impositiva da opinio pblica envolve o prprio judicirio por meio das eleies. A impresso que se tem das palavras de Tocqueville que no fundo prevalece mais uma posio destatusdos membros do judicirio do que a idia de lei em si. Com efeito, Tocqueville percebe na instituio do tribunal com seus advogados, juzes, homens de lei, em geral um rgo cujas funes assemelham-se quelas exercidas pela aristocracia no regime feudal.Por se encontrar no fundo da alma dos legistas hbitos aristocrticos e desprezo pelo governo do povo (Tocqueville, 1986, p. 253 e 257), o tribunal, como uma espcie de ristocracia americana, a instncia ideal capaz de evitar que o povo agrida seus princpios. Existe aqui uma espcie de antagonismo no raciocnio de Tocqueville que fere a lgica do seu argumento. Como poder essa instituio salvaguardar os direitos da minoria se ela prpria dominada pelo sentimento de unanimidade que preside o esprito americano? No lamenta Tocqueville o fato de que dificilmente um homem injustiado pode se dirigir a qualquer instncia para fazer valer suas reivindicaes, medida que os prprios juzes esto submetidos lgica do pensamento nico? Em defesa de Tocqueville poderamos dizer que sua teoria poltica no se detm na anlise da magistratura como nico meio de obter garantias contra o abuso de poder. No captulo VII da quarta e ltima parte deA democracia na Amrica, nosso autor retoma o problema dos corpos intermedirios reconhecendo que existem outroslocique exprimem, analogamente, o esprito aristocrtico da sociedade. A despeito de no acreditar na fundao de uma nova aristocracia no mundo, seu correlato funcional19est presente na forma de associao de cidados que, ao defender seus direitos particulares contra as exigncias do poder, salva as liberdades comuns (Tocqueville, 1986, p. 652).Tocqueville est correto em apontar esses agrupamentos da sociedade civil como um srio empecilho ao abuso de poder por parte da maioria. Seu erro, porm, consiste em subestimar a capacidade regeneradora do individualismo democrtico que atua sempre como anttese aos seus supostos princpios. Chancellor Kent, por exemplo, admite, em 1821, que a tendncia do sufrgio universal de pr em risco o direito de propriedade e os princpios da liberdade (ApudDahl, 1990, p. 59)20. Lembraria, aqui, o ensaio, de certo modo pioneiro, de Adam Przeworski, que sustenta ser o projeto neoliberal uma tentativa da burguesia recuperar sua revoluo, interrompida com o advento da democracia e do sufrgio universal (cf. Przeworski, 1989, p. 258). A retomada do projeto original no elimina, no entanto, a validade das anlises do pensador francs; ao contrrio, confirma seus temores e em nveis que ele jamais poderia imaginar. As associaes, fragmentadas pelo isolamento cada vez maior dos indivduos, ao invs de agirem como uma espcie de aristocracia na proteo da liberdade do sujeito subordinam-se, igualmente, aos indivduos atomizados, ditadura da maioria.O conformismo generalizado e umacultura do contentamentotiranizam a vida social, econmica, poltica e mesmo intelectual das sociedades ps-modernas. No sem razo que um conhecido analista da histria dos Estados Unidos aponta para as tendncias absolutistas da poltica norte-americana. Para ele, o problema, porm, que no nosso sculo o despotismo no reside apenas na inclinao das posies majoritrias que dominam essa sociedade. A questo essencial que o fato dessa nao representar o mecanismo liberal da Europa posto a funcionar sem o antagonismo social europeu no houve uma classe a qual destruir terminou por contribuir para a formao, no interior do pas, de uma espcie quase absoluta de unanimidade (cf.Hartz, 1955, p. 11 e 16). No h espao, portanto, para se pensar uma reao das minorias como oposio ao despotismo majoritrio. Todo esse problema deve-se, talvez, concepo de democracia nos escritos de Tocqueville.Tentei explicar, sumariamente, um pouco mais acima, o seu conceito de democracia. Laski j notara, h tempos, um mal-entendido no significado de igualdade em pensadores liberais tais como Tocqueville (cf. Laski,Grammar of politics,apudDahrendorf, 1981, p. 242). De fato, Tocqueville atribui democracia apenas uma igualdade formal, de condies, muito embora ele devesse ter conscincia de outras formas de representao igualitria, uma vez que se refere a diferentes modelos em seu discurso na Assemblia Constituinte em 1848. Mesmo assim ele no leva em considerao a possibilidade de expanso da igualdade na sua variante socialista. E a razo mais plausvel para esse descuido a relutncia de Tocqueville em dar ateno igualdade econmica, preferindo ater-se ao conceito restritivo de igualdade liberal de condies.A ausncia de reconhecimento de que outra espcie de igualdade possa expandir-se por todo o mundo obscurece, em parte, o seu pensamento. Esse fato se deve, provavelmente, fora predominante da democracia liberal poca; o que explica porque Tocqueville vai buscar sua idia onde a v ativa, triunfante, no nico pas do mundo onde realmente existe, onde se fundou, no mundo moderno, algo grande e duradouro: na Amrica do Norte (Tocqueville, 1988, p. 160). Este, porm, no o nico motivo pelo qual Tocqueville se recusa a aceitar que a democracia possua outras determinaes que no a mera igualdade de oportunidades. Sua rejeio revoluo social leva-o a confundir sistemas econmico-polticos com formas de governo. democracia liberal ope o socialismo, e a este a liberdade e no o capitalismo (cf. Tocqueville, 1988, p. 160-162).Independentemente do seu aguado senso poltico, que antecipa a limitao da esfera da autonomia individual em determinados sistemas socialistas22, Tocqueville permanece confinado a uma concepo de democracia que despreza, em geral, qualquer forma mais ntima de igualdade econmica. Ao afirmar que a Repblica de fevereiro deve ser democrtica, mas no socialista (Tocqueville, 1988, p. 162), ele contrape categorias correlatas a conceitos diferenciados. Sempre possvel afirmar que o socilogo estuda uma tendncia dominante no sculo XIX, e que escapar aos fatos concretos substituir o que pelo que deveria ser. Mas ao cientista poltico no desculpvel omitir projees futuras a partir de acontecimentos observveis e passveis de realizao a longo prazo23. Coisa que, de resto, ele prprio o fez em determinado momento.O chamado esprito da poca isto , o contexto sociopoltico e as idias sob as quais se vive possui elementos demasiadamente fortes para que algum possa, de certo modo, deixar de submeter-se aos seus desgnios. Mas ao observador atento no dado o direito de negligenciar o conhecimento das foras latentes ou subalternas de uma sociedade que se contrapem ideologia dominante. O movimento operrio de 1871, por exemplo, demonstra, embora por pouco tempo, que a democracia pode se conciliar com o regime socialista24.A guerra civil na Frana, de Marx, testemunha todo o processo poltico democrtico que se desenvolve durante trs meses na Comuna de Paris. Assim, a falta de uma maior preciso do contedo real do significado que Tocqueville empresta palavra democracia, e no obstante suas advertncias para esse tipo especfico de sociedade, traz profundas implicaes para que essa concepo moderna de democracia seja devidamente avaliada. por limitar-se a esse conceito restrito de democracia, que a maioria dos liberais e mesmo da esquerda encontra-se diante do falso dilema de escolher uma opo entre liberdade e igualdade.No entanto, as preocupaes de Tocqueville incomodam, ainda nos dias de hoje, liberais de todos os matizes e amplos setores da esquerda que, sem uma resposta justificvel para a difcil relao entre liberdade e democracia, assiste, atnita, gradativa reduo desta ltima sem que com isso aumente a participao das massas nos processos de deciso poltica. Em princpio, e da forma seca como aqui se apresenta, esse enunciado pode sugerir, ao olhar menos atento, uma afirmao vaga e apressada do momento, ou mesmo em desacordo com o sentido de democracia pensado por Tocqueville. Mas essa leitura s possvel se nos ativermos exclusivamente ao tipo de democracia que se esboa no sculo XIX.A poca em que vivemos exige um outro entendimento do problema, principalmente porque preciso investigar at que ponto e em que medida possvel reconhecer a validade do pensamento de Tocqueville. Portanto, o enunciado acima pode ser encarado como correto se entendemos a democracia segundo novos paradigmas. As questes levantadas pela modernidade liberdade, igualdade, consenso, democracia etc. no s permanecem indefinidas como eivadas de grandes interrogaes. Os conceitos de democracia e liberdade jamais foram fixados com preciso; esto sujeitos a definies variadas e so interpretados segundo a leitura e o entendimento do mais heterogneo grupo de autores25. Marx diz que a democracia o enigma resolvido de todas as constituies. E talvez, por ser um enigma, sustenta Marilena Chau, que ela pode tornar-se um vasto campo de interrogao. Assim, a democracia capaz de abranger um arco que abriga um misto de princpios, instituies e mtodos, entendidos estes ltimos como vinculados necessria mutao histrica que sofrem com o tempo (cf. Chau, 1997, p. 137-162). Tambm para Touraine, a democracia no um objeto simples. Ela no apenas um conjunto de garantias institucionais. Consiste, igualmente, na luta de sujeitos impregnados de sua cultura contra o que ele chama de a lgica dominadora dos sistemas (Touraine, 1996, p. 24). A democracia, para ele, no existe sem a igualdade poltica, mas no se resume a isso, e no satisfaz se no h meios de compensar as desigualdades que no se vinculam meramente ao formalismo jurdico (cf. Touraine, 1996, p. 37). A democracia configura-se, portanto, como um crescente poder social sobre a personalidade e a cultura, razo pela qual o carter prprio da sociedade moderna essa afirmao da liberdade que se exprime, antes de tudo, pelaresistnciaa esse domnio social (cf. Touraine, 1996, p. 24)26.Fugiria ao tema, porm, se ampliasse o debate sobre a democracia e a liberdade, notadamente porque existem inmeras tendncias e escolas polticas que possuem uma forma particular de enfrentar o assunto. No entanto, impossvel furtar-me inteiramente a abordar a questo medida que a idia central deste trabalho exige uma compreenso desses conceitos luz da nossa contemporaneidade. Se no entendo a democracia como elemento puramente procedural, tenho em vista tambm um elenco de fatores presidido, inclusive, pelo critrio de valores (digamos, sociais, por exemplo) , no posso deixar de reconhecer que ela tambm um mtodo, um modo pelo qual o poder exercido. Todavia, o contedo objetivo e concreto sua normatizao que vai conferir fora e vitalidade sua conceituao.Assim, se entendemos a democracia de acordo com o exposto acima, fcil perceber que o padro estabelecido pelas sociedades liberais de hoje para compor seus mecanismos de deciso permite que se interprete a poltica democrtica do liberalismo atual tanto quanto a de Tocqueville como amplamente reducionista. Esses fatos foram vivamente demonstrados pelo estudo j citado, de Adam Przeworski, sobre o capitalismo nesse final de sculo. O cientista poltico polons descreve criticamente as tendncias do pensamento liberal contemporneo como preocupado em desmantelar as organizaes trabalhistas e promover a sobrevivncia apenas dos mais aptos, os que esto integrados no mercado (cf. Przeworski, 1989, p. 258-259).Com efeito, o projeto de desregulamentao da economia e das relaes de trabalho, que se convencionou chamar deneoliberal, vale-se dos argumentos tericos e instrumentos prticos para tentar demonstrar a inviabilidade das decises tomadas diretamente pela populao (a exigidade de tempo, a legitimidade da representao etc.). Nesse aspecto pode-se dizer, se bem interpreto o pensamento de Przeworski, que o objetivo primordial da liberdade moderna aliberdadede mercad