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Ano VI, n. 08 – Agosto/2010 1

A comunicação na era da técnica: da arte de narrar à prática de informar

Dayana de Melo1

“Meu lema é: a linguagem e a vida são uma só coisa”.

(Guimarães Rosa)

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as estruturas técnico-linguageiras produzidas

pelos sujeitos midiáticos no processo de formatação da comunicação. Entendemos que

os veículos de comunicação de massa foram os principais responsáveis pelo declínio da

arte da narrativa na sociedade moderna. Com isso, as ações técnicas e racionais da mídia

passaram a interferir nas ações cotidianas dos sujeitos. Associando elementos

teológicos, metafísicos e positivistas, a mídia criou uma nova esfera de vida onde as

viajantes vozes do imaginário cotidiano passaram a ser estandardizadas pelos estáticos

recursos técnicos e padronizadas pelos ritos de exaltação às tábulas rasas.

Palavras-chave: Comunicação. Narração. Informação. Nova escrita.

1. Considerações iniciais

De uma sociedade da narração passamos para uma sociedade da informação, e

caminhamos a passos tortos e contínuos rumo a uma existência cada vez mais

midiatizada, onde as experiências são descartáveis e as sensibilidades regidas pelo

dinheiro e pela técnica.

A modernidade alterou as dimensões temporais, entorpeceu a capacidade de

pensar e sufocou as reminiscências dos indivíduos. A sociedade contemporânea é a

sociedade da mais valia dos objetos. Vivemos, pois, em uma cultura das rupturas e

fomos educados a não lembrar.

De certo, um dos traços humanos mais violentados por essas novas estruturas foi

o intelecto. Nossas cognições foram sufocadas pela fria lógica da técnica. E o mais

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas – PPGC/UFPB.

Bacharel em Comunicação Social – habilitação em jornalismo/UFPB. Bolsista Capes e pesquisadora do

Grupo de Pesquisa sobre Cotidiano e o Jornalismo (Grupecj/PPGC).

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intrigante nisso é que até mesmo os estudiosos ocupados em entender esse novo cenário

se renderam às explicações lógicas da técnica pela técnica. Isso foi evidente nas

primeiras pesquisas sobre o Campo da Comunicação e parece ter ressurgido em

diversos estudos atuais, principalmente os referentes a cibercultura e as novas

tecnologias.

É aterrorizante pensar que de um estágio de múmias pragmáticas corremos o

risco de adentrar num estágio de robôs pragmáticos. O que nos inquieta com essa

perspectiva é entender como seremos capazes de analisar a violência da modernidade e

dos veículos de comunicação no imaginário social, se nós, pesquisadores da área,

perdermos a nossa capacidade de imaginar. E dizemos isso não no sentido das

observações infundadas, e sim seguindo a pista das contemplações embasadas pela

sensibilidade.

O ensaísta George Simmel nos mostrou que objetividade e subjetividade não se

anulam, e que nós só seremos capazes de apreender a sociedade moderna observando os

seus processos de diferenciação e unificação, quase sempre presentes na mesma

estrutura.

Existe sim uma nova ambiência social, mas nunca conseguiremos estudar essa

ambiência sem uma base sociológica e antropológica capaz de fundamentar sua

existência. É imprescindível que nós não esqueçamos que a sociedade atual tem um

alicerce histórico e uma origem que não nos dá o direito de tentar apreendê-la de forma

omissa, como se essa nova ambiência tivesse surgido do nada. Não dizemos que um

percurso mais aprofundado nos trará respostas exatas, mas dizemos que certamente nos

trará questionamentos mais inquietantes. E essa é a nossa proposta.

Seguindo um percurso indicado por Simmel buscaremos identificar como se

estruturou a sociedade atual, veremos em Benjamim os males que essa nova estrutura

causou a um dos mais valiosos tesouros da humanidade: a imaginação. Mostraremos a

visão de Pereira ao assinalar uma nova escrita jornalística como método de interpretação

dos fatos sociais. E, por fim, ousaremos afirmar que esse novo método embasado pelo

movimento das palavras serviria para melhorar não só a escrita do jornalista, mas todo o

texto midiático, inclusive o dos pesquisadores ocupados em interpretar a sociedade da

midiatização.

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2. Cotidiano, comunicação e a tragédia da cultura

A comunicação e a cultura pertencem ao cotidiano (PEREIRA, 2007). Estudar as

microestruturas da vida cotidiana é, destarte, perceber que existem signos subjetivos que

interferem nas ações do dia-a-dia, ou seja, apreender os processos cotidianos significa

penetrar nas “percepções” que os amarram - indo além do sentido kantiano2 dado a

expressão.

No seio de uma existência de repetições e rupturas articuladas por oxímoros que

regem a harmonia das sensibilidades opostas, não podemos delimitar a comunicação à

sinédoque discursivo-midiática e sua infame tentativa de midiatizar o que é mediação.

Destarte, observamos que junto à imprensa e os conseguintes veículos

midiáticos, surgiu um novo sistema econômico e ideológico, uma nova etapa de

experiências humanas que encenaram novas crenças e acenaram para um futuro regido

pela técnica.

De acordo com o sociólogo alemão George Simmel3, o progresso da técnica

levou a sociedade moderna para um estágio de crise cultural, o que dificultou o cultivo

dos indivíduos. Para este autor, a objetivação da vida diante das novas composições

técnicas da metrópole modificou a relação do homem com a sua subjetividade. Sendo

este contato entre objetividade e subjetividade a fonte essencial para a constituição do

que Simmel denomina por cultura:

O espantoso crescimento em extensão e intensidade da técnica

moderna, que não se restringe às esferas puramente materiais, prende-

nos em uma rede de meios e meios de meios que nos desvia dos fins

que julgamos específicos e definitivos, através de um número cada

vez maior de instâncias intermediárias (SIMMEL, 1992, p. 272).

2 Segundo Kant (1987), tempo e espaço são quadros a priori e fundamentais de sensibilidade, isto é, são

formas de percepção anteriores à experiência. Porém Simmel, mesmo herdeiro de muitos dos

fundamentos teóricos de Kant, vai além desse conceito de percepção a priori, problematizando o tempo e

a condição humana, e visualizando nas formas sociais e nas pulsações vitais um conflito capaz de

ultrapassar esses limites apriorísticos (FERREIRA, 2000).

3 George Simmel viveu de 1858 a 1918. Segundo Tedesco (2007, p. 57-58): “Simmel pensou e analisou

fenômenos estruturantes da modernidade como o dinheiro, a vida social, mental e cultural nas grandes

cidades, a mercantilização e a fetichização do corpo, do estético, da moda; problematizou a cultura

moderna por ser produtora de alienação do indivíduo e redução de seu potencial de individualidade; sua

sociologia é a da interação, da intersubjetividade, da relação sujeito e objeto, temas que são ainda

emblemáticos e problemáticos em vários campos das ciências sociais e humanas”.

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O ponto fundamental dos estudos de Simmel não se finca unicamente no sujeito,

tão pouco a sociedade, mas na interação entre esses dois pólos e nas formas desse

contato. Influenciado pela filosofia neokantiana, Simmel desenvolveu a denominada

sociologia das formas sociais, com isso ele distinguiu a forma do conteúdo dos objetos

no estudo das ciências humanas.

Na Alemanha do final do século IXX e início do século XX, contexto em que

Simmel nasceu e no qual a obra dele se insere, surgiram as grandes indústrias, o

capitalismo, e a ansiedade de teóricos ocupados em entender as novas maneiras de vida

regidas pela nova economia. No entanto, as inquietações de Simmel foram além das

teorias deterministas do materialismo e do historicismo alemão. Em a Filosofia do

dinheiro, Simmel tratou da materialidade do dinheiro estudando sua subjetividade

através de uma linha de compreensão psicológica e cultural. O autor observou as

dialéticas da modernidade seguindo uma sensibilidade científica aguçada por uma

objetividade transcendental, lendo heterogeneidades em homogeneidades e escrevendo

sobre repetições nas diferenciações. Para Simmel (1984, p. 664): “As relações que o

homem tem com o seu ambiente em geral têm um desenvolvimento que

progressivamente o distancia de quem lhe está próximo e o aproxima de quem lhe está

mais distante”.

O autor alemão estudou os fenômenos simbólicos de um mundo repleto de

signos e valores subjetivos reorganizados e objetivados pela técnica. Simmel pensou a

alienação da modernidade através de seu caráter subjetivo, da fetichização na relação

entre o homem e o objeto e sua ligação com as experiências culturais dos indivíduos.

Em suas análises, observamos que na modernidade o objeto se apodera do indivíduo e

dificulta seu cultivo, instrumentalizando o homem e distanciando a cultura das pessoas

da cultura das coisas.

Para Simmel, as experiências culturais dos indivíduos deveriam servir para

aperfeiçoá-los. Nos escritos deste teórico, embarcamos em uma excursão sobre a

estética moderna, isto é, sobre a vida do homem moderno. Simmel descreve a sociedade

capitalista com pinceladas de uma tristeza científica digna do contexto em que viveu,

porém suas palavras são quase poéticas, explicitando o domínio que sempre exerceu

sobre elas.

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O teórico alemão se inquietou com as fronteiras e as transgressões, ou seja, com

os limites e transcendências das experiências de vida dos indivíduos. Como evidencia

Tedesco, em uma passagem sobre este magnífico ensaísta, observamos que:

Para Simmel, a intelectualização possui uma dupla função: ao mesmo

tempo que dá condições ao homem moderno a se adaptar às

transformações, proteger-se e criar consciência de, favorece também

o desenvolvimento da abstração no intercâmbio mercantil, relação

essa baseada no cálculo, na impessoalidade, na promoção da lógica

do dinheiro. (TEDESCO, 2007, p. 64).

Adentrando nesse labirinto de oposições entre técnica e intelectualização,

seguiremos as pistas de Simmel ao descrever o habitante da cidade moderna. Nas

palavras do autor (1971, p. 326), veremos que “o tipo metropolitano - que apresenta mil

modificações individuais - cria para si um órgão protetor contra perturbações profundas

com as quais as flutuações e descontinuidades do meio exterior o ameaçam".

Assim se enreda a estreia da técnica como protagonista da tragédia da vida

contemporânea, onde o tempo é o palco de uma existência finita, e nós, seres modernos,

o ser-no-mundo, coro inculto da tragédia do conflito entre as novas formas sociais e o

vitalismo.

E é neste contexto que mídia e sujeito travam diariamente uma batalha de

interesses e interações, onde - assim como o belo não se opõe ao feio, nem a verdade se

opõe à mentira - a harmonia não se opõe ao caos.

2. Das sensibilidades da fala às objetividades da técnica

A palavra narrar, do latim narrare, pode ser entendida etimologicamente como

“arrastar para frente”. A raiz etimológica de narrar provém ainda do latim narro,

derivado de gnarus (“o que sabe”, “o que conhece”) do verbo gnoscere, que significa

saber, conhecer.

A arte de narrar denota dar vida a histórias reais e/ou fictícias que nascem e se

alimentam no imaginário do narrador, mas ganham forma e respiram no imaginário de

quem as escuta. Se o contador de histórias envolve quando realça e preenche a sua fala

de cheiros, vozes, toques; o ouvinte deleita seu imaginário ao alcance da boca do

narrador e se envolve, sente, ouve, toca... Imaginário com imaginário, num cúmplice

gozo estético.

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Em um notável ensaio escrito na terceira década do século passado e intitulado

O Narrador, Walter Benjamim nos fala sobre a crise na arte de narrar histórias. No

decorrer de suas excursões teóricas, o autor destaca dois indicativos que de acordo com

ele culminaram na morte da narrativa, a saber: o surgimento do romance burguês e da

informação.

De acordo com Benjamin (1994, p. 198), os primeiros mestres na arte de narrar

podem ser divididos em dois grupos ou, mais precisamente, em dois estilos de vida: o

narrador viajante, aquele que vem de outros lugares (marinheiro comerciante); e o

narrador sedentário, aquele que conhece o lugar em que vive e as tradições desse lugar

(camponês). No entanto, o teórico relembra que foram os artífices que aperfeiçoaram a

narrativa, elevando-a a arte do homem que sabe dar conselhos, mas evita dar

explicações. Assim, o narrador relata suas próprias experiências e/ou as experiências

dos personagens das histórias que ele conta e as incorpora às experiências dos seus

ouvintes.

O senso prático é uma das características de muitos narradores natos

(...) Tudo isso esclarece a natureza da verdadeira narrativa. Ela tem

sempre em si, às vezes de forma latente uma dimensão utilitária. Essa

utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa

sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida - de

qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos.

Mas se "dar conselhos" parece hoje algo de antiquado, é porque as

experiências estão deixando de ser comunicáveis. (BENJAMIM,

1994, p.200).

Com o progresso da técnica e, por conseguinte, os traumas físicos e psicológicos

advindos desse novo estágio social, os sujeitos foram perdendo a capacidade de “trocar

experiências”, pior, foram perdendo a capacidade de descrever o gosto das experiências

e a sabedoria de intercambiar essas sensações.

Assim como observamos, foi o surgimento do romance moderno e da imprensa

os principais responsáveis pela crise da narrativa. Se o primeiro algoz, originário das

revoluções modernas e essencialmente ligado ao livro, não teve compromisso com as

narrativas faladas, segregando experiências e isolando os sujeitos; o surgimento de uma

nova forma de comunicação tecnicamente mediada, denominada informação, foi ainda

mais perversa, provocando uma crise no próprio romance burguês. Como afirma

Benjamin (1994, p.2002):

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Por outro lado, verificamos que com a consolidação da burguesia –

da qual a imprensa, no alto capitalismo, é um dos instrumentos mais

importantes - destacou-se uma forma de comunicação que, por mais

antigas que fossem suas origens, nunca havia influenciado

decisivamente a forma épica. Agora ela exerce essa influência. Ela é

tão estranha à narrativa como o romance, mas é mais ameaçadora e,

de resto, provoca uma crise no próprio romance. Essa nova forma de

comunicação é a informação.

De certo, o surgimento da imprensa moderna foi tristemente responsável por

essa pobreza imaginária que assola o atual tempo da palavra.

Sendo a narrativa a arte artesanal da comunicação, a informação é a arte técnica.

Enquanto a primeira prioriza as circunstâncias do miraculoso, os sentidos apurados da

imaginação, o cheiro da fala; a segunda prioriza o contexto psicológico, as explicações,

a novidade.

A narrativa não é submissa ao tempo nem ao espaço, ela se desenvolve em

qualquer época, em qualquer lugar. No entanto, a informação só tem validade no ápice

do imediatismo. Em seu sentido etimológico informar significa “dar forma a”. Na

mídia, essas formas encontram contorno por meio de suportes, ferramentas e recursos

técnicos. Diferentemente da narração, na informação a forma é formatada, padronizada.

Isto é, o livre voejar da primeira é totalmente oposto às normas técnicas da segunda.

4. Reencantar-se é preciso

A modernidade fragmentou valores culturais e afastou do homem a capacidade

de realizar sinergias e sinestesias, sobrepondo os meios aos fins e a técnica às

sensibilidades individuais e coletivas.

A crítica que se faz à sociedade moderna é que a razão tão propagada pelos

iluministas ao invés de ser libertadora tornou-se vigilante, dando ao livre-arbítrio

características constrangedoras, e à técnica um perfil burocrata, ou seja, estrutural,

sistêmico, ligado à circulação de informação e a ação instrumental.

Enquanto na sociedade tradicional a solidariedade era o vínculo de união entre o

sujeito e o seu grupo, na sociedade moderna esse vínculo deu lugar a liberdade pessoal e

a carência afetiva advinda dessa liberdade.

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Diante dos conflitos da modernidade, Max Weber (2004) anunciou um estágio

de “desencantamento do mundo”. No entanto, Maffesoli (1998) propagou uma segunda

fase da sociedade capitalista moderna, um período de retorno ao arcadismo, definido por

ele como um “reencantamento do mundo”. De acordo com Maffesoli, o homem voltou a

ser sujeito, a se agrupar e a enfrentar de forma cada vez mais explícita os discursos

vendidos pela mídia.

E se a sociedade moderna se reencantou, por que a escrita não seguiu essa pista?

É justamente isso que propõe Pereira no ensaio denominado A nova escrita

jornalística como leitura do cotidiano. O pesquisador, banhado pelos sopros

contemplativos da Nova História, da Antropologia e da Sociologia do Cotidiano, propõe

uma nova escrita jornalística como método de interpretação dos fatos sociais.

Ressaltamos que o jornalista não é um simples repassador de conteúdos (pelo

menos não deveria ser), e sim um mediador do debate social. Ou seja, não cabe a ele

objetivar a verdade - já que esta é uma categoria filosófica -, mas apresentar os fatos da

realidade para que os sujeitos interpretem esses fatos de acordo as experiências de vida

deles. Seguindo o enredo proposto por Pereira (2008, p. 30), entenderemos que:

Ao anunciar, o jornalismo reduz a sua capacidade narrativa – esta da

ordem da enunciação – e trabalha com um discurso técnico-narrativo

impregnado de restrições às linguagens. Dessa forma, a técnica

jornalística, calcada no falso pragmatismo da língua, não consegue

ultrapassar os limites impostos por modelos empresariais de vender

informação codificada nos manuais de redação.

Ratificamos a afirmação de que o jornalismo é o principal discurso da sociedade

contemporânea. Porém, contraditoriamente, ele não sabe contar histórias, isto é,

desaprendeu a narrar. Sendo esta uma das principais crises do jornalismo na atualidade

(PEREIRA, 2008).

Ao propor uma nova escrita como método, Pereira disserta sobre as falhas da

escrita jornalística na atualidade. Destacamos as seguintes observações: 1) uso de

técnicas informacionais padronizadas, envelhecidas e empobrecidas; 2) enunciados fora

do contexto, o que violenta o imaginário dos interlocutores, pois negligencia o todo pela

parte e vice-versa; 3) a espetacularização de figuras emblemáticas; 4) a despreocupação

com o a unidade de tempo, lugar e espaço; 5) o descuidado com a alteridade dos

sujeitos. Diante dessas falhas, Pereira propõe que:

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A escrita jornalística como método deve aproximar possibilidades de

extensões do conceito à palavra, da palavra ao conceito, da memória

ao imaginário vice-versa. Isto quer dizer: a escrita jornalística não

deve subjugar as realidades sociais à descrição de seus índices (...) É

imprescindível verificar os tempos da palavra, do conceito e do

imaginário. Para a construção de uma nova escrita jornalística,

devemos levar em consideração três níveis simbólicos da linguagem

(em se tratando de um contrato linguageiro): 1) o tempo da palavra;

2) as formas do conceito; 3) as dialogias do imaginário. (PEREIRA,

2008, p. 32-33).

Pensar o diálogo entre a comunicação e os outros campos de saber não significa

desprezar a autonomia dos estudos comunicacionais enquanto ciência. Acreditamos que

se a Comunicação Social tem como objeto de estudo as relações de comunicação

midiatizadas; o jornalismo, mais especificamente, tem como objeto a informação. E

ambos estão intrínsecos na sociedade.

Portanto, apreender a comunicação e a informação significa interpretá-las em

meio às pluralidades cotidianas, pois, como postula Pereira (2008, p.36) “Os leitores de

jornalismo impresso, os telespectadores dos telejornais, os ouvintes do radiojornalismo

contemporâneo do século XXI exigem que a nova escrita jornalística tenha movimento,

clareza, profundidade”, e, por fim, o autor aponta o que contemplamos como o que

deveria ser a mais nobre característica da escrita dos comunicadores e comunicólogos:

“(..) relação direta com o „corpo-sócio-semiótico‟ dos indivíduos e a digressão enquanto

categoria da pós-modernidade”.

6. Considerações Finais

Walter Benjamin, ao citar Baudelaire, dizia que “No capitalismo ocidental, a

cidade se transforma mais rapidamente que o coração de um homem”. E foi nesse

percurso de metamorfoses que as nossas falas se perderam, porém reavivá-las se tornou

primordial para que continuemos nossa saga pelo entorpecente e sedutor lócus das

palavras.

As letras empobreceram, mas ainda existem. Elas esmolam por nosso afeto e só

nós, sujeitos reencantados, poderemos reencantá-las. É preciso sairmos do estágio de

deslumbramento pelas sensibilidades reincorporadas e adentrarmos num estágio de

utilização dessas sensibilidades. É fato que a comunicação cotidiana está mais avançada

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nesse percurso do que os comunicadores e pesquisadores midiáticos, mas ainda há

tempo de alcançar o senso comum, principalmente reaprendendo a questionar - não só

as estruturas sociais, mas as nossas próprias estruturas psicológicas e culturais.

Nós, que nos decretamos os senhores das palavras, fomos os primeiros a nos

perder no labirinto da modernidade e pateticamente seremos os últimos a encontrar o

caminho, isso se nos desapegarmos do conformismo que nos imbuiu e buscarmos a

saída para o reencontro com o mundo dos grandes enredos.

Tomando mais uma vez as palavras de Benjamin por empréstimo (1971, p. 84),

finalizaremos esse texto enunciando que “o progresso é um anjo que procede no futuro

com o olhar atônito voltado para trás a contemplar acúmulos de ruínas”, mas cabe a nós,

homens e mulheres modernos, transformar essas ruínas em doces e inquietantes refúgios

do ser.

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