a cultura ancestral nas serras de monte alegre no pará cultura

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preservação do patrimônio arqueológico tem um componente educativo que o projeto ‘‘Arte Rupestre em Monte Alegre’’ não esqueceu. Inerente às ações da Arqueologia na atualidade, a abordagem pedagógica é elemento-chave e na iniciativa no Oeste do Pará, se dará a partir de instrumentos como os livros infantil e adulto e o documentário. Mariana Sampaio e Arenildo Santos são responsáveis por contemplar públicos da zona urbana e da zona rural. “Como a comunidade vivencia o parque de forma mais intensa, ter esse público nas ações educativas deve contribuir para um novo olhar sobre o Patrimônio Arqueológico da Unidade de Conservação”, argumenta Mariana, referindo-se ao Parque Estadual de Monte Alegre (PEMA). Mestre em Arquitetura e doutoranda de Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a técnica do Fórum Landi, Mariana Sampaio, tem 20 anos de experiência em educação patrimonial. Ela se associou ao professor da rede pública municipal de Monte Alegre e mestrando em Arqueologia, Arenildo Santos, na tarefa de treinar estudantes e professores para o melhor aproveitamento em médio e longo prazos do material produzido por iniciativa do projeto. ‘‘Na medida em que a população local é incluída nas ações educativas aumentam as chances de preservação deste legado”, diz a Coordenadora, a arqueóloga do Museu Paraense Emilio Goeldi, Edithe Pereira. Filho da terra, educador, Arenildo Santos começou a trabalhar na equipe do projeto na condição de professor local e potencial multiplicador das ações para preservação do patrimônio arqueológico no município de Monte Alegre. Educação e cidadania caminham juntas, e, para o também bacharel em história e mestrando em Arqueologia na Universidade Federal do Pará (UFPA), “Toda ação educativa pode resultar em comportamentos e valores que contribuem para o desenvolvimento da cidadania”. Para o educador nascido em Monte Alegre, “O ser humano ama e respeita o que conhece”. Ele acredita “que um conjunto de ações de Arqueologia Pública pode contribuir para (re)construir coletivamente e/ou democratizar conhecimento que certamente sensibilizam dentro de um processo de valorização da cultura como um todo, e neste caso em especial as pinturas rupestres do PEMA.” A ideia é reforçada no argumento de Mariana Sampaio, de que “É a aliança com a comunidade que determina o sucesso”. Para ela, “Não basta informar para assegurar a preservação do bem cultural. É necessário perceber a relação das pessoas com seus bens culturais, desvendar os sentidos atribuídos ao lugar para desconstruí-los ou reiterá-los, e, assim, estabelecer estratégias de apropriação desses bens”. “Partimos dos saberes dos moradores de Monte Alegre; o que eles acreditam que são aquelas imagens? Como foram feitas? O que elas significam? Quem as fez? E por quê?” segundo a visão de Arenildo. Ele cita um exemplo de como a percepção dos moradores interfere no tratamento dispensado ao patrimônio. E conta: “Alguns moradores acreditam que aquelas pinturas adentram profundamente na rocha e que se forem perfuradas, a “tinta” não apaga. Esta percepção tem colaborado para danificar as pinturas”. Com o envolvimento da comunidade, Mariana acredita que “Os moradores de Monte Alegre passam a ter maior conhecimento sobre a história do lugar, sobre sua própria história e principalmente sobre o Patrimônio Arqueológico do PEMA”. Segundo a educadora, “Esse conhecimento se desdobra em sentimentos de apropriação e afeto pela história do lugar que, certamente, contribuirão para um novo olhar sobre si mesmos e sobre Monte Alegre. Um olhar de admiração e orgulho”. Os mediadores treinados são instrumentais a cada oportunidade em que o tema do patrimônio for tratado na comunidade: “Em ações futuras, este grupo será novamente requisitado”, informa a especialista em Educação Patrimonial. “A abordagem do tema Patrimônio Arqueológico, feita junto a cada grupo, partiu da discussão do conceito de Memória, com reflexões sobre a necessidade humana de guardar coisas e histórias para, assim, perpetuar sua existência, desde os objetos e histórias de família até os objetos e histórias dos grupos humanos, bairros, cidades, países”, explica Mariana. Lançando mão de relatos de viajantes, a educadora estimula os atores a compreender da memória particular e individual até a memória coletiva e social. A História da Ocupação da Amazônia e de Monte Alegre também são temas de estudo. A estratégia educativa de Mariana tem “enfoque aprofundado na Pré-História da Amazônia e de Monte Alegre, que compõe o estudo sobre a representação do homem pré-histórico dotado de um grande conhecimento sobre a natureza, sobre os astros”. Da Terra - Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi A Educar para conservar Como a educação patrimonial faz aliados para conservar a cultura material em Monte Alegre Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 5485 Destaque Amazônia Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 5485 12 Cultura ancestral nas serras de Monte Alegre no Pará Cultura ancestral nas serras de Monte Alegre no Pará Edithe Pereira Arqueologia do Museu Goeldi realiza pesquisa no Oeste paraense há 20 anos. Estudos se dedicam ao levantamento, registro e conservação de inscrições rupestres no Parque Estadual de Monte Alegre, no coração da Amazônia brasileira. O projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico’’, realizado pelo Museu Paraense Emilio Goeldi em parceria com a Sociedade de Arquelogia Brasileira, e patrocinado pela Petrobras e Ministério da Cultura, apresenta resultados à população da região e estimulações de conservação do patrimônio. Jussara Kishi

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Page 1: A Cultura ancestral nas serras de Monte Alegre no Pará Cultura

preservação do patrimônio arqueológico tem um componente educativo que o projeto ‘‘Arte Rupestre em Monte Alegre’’ não esqueceu.

Inerente às ações da Arqueologia na atualidade, a abordagem pedagógica é elemento-chave e na iniciativa no Oeste do Pará, se dará a partir de instrumentos como os livros infantil e adulto e o documentário. Mariana Sampaio e Arenildo Santos são responsáveis por contemplar públicos da zona urbana e da zona rural. “Como a comunidade vivencia o parque de forma mais intensa, ter esse público nas ações educativas deve contribuir para um novo olhar sobre o Patrimônio Arqueológico da Unidade de Conservação”, argumenta Mariana, referindo-se ao Parque Estadual de Monte Alegre (PEMA).

Mestre em Arquitetura e doutoranda de Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a técnica do Fórum Landi, Mariana Sampaio, tem 20 anos de experiência em educação patrimonial. Ela se associou ao professor da rede pública municipal de Monte Alegre e mestrando em Arqueologia, Arenildo Santos, na tarefa de treinar estudantes e professores para o melhor aproveitamento em médio e longo prazos do material produzido por iniciativa do projeto. ‘‘Na medida em que a população local é incluída nas ações educativas aumentam as chances de preservação deste legado”, diz a Coordenadora, a arqueóloga do Museu Paraense Emilio Goeldi, Edithe Pereira.

Filho da terra, educador, Arenildo Santos começou a trabalhar na equipe do projeto na condição de professor local e potencial multiplicador das ações para preservação do patrimônio arqueológico no município de Monte Alegre. Educação e cidadania caminham juntas, e, para o também bacharel em história e mestrando em Arqueologia na Universidade Federal do Pará (UFPA), “Toda ação educativa pode resultar em comportamentos e valores que contribuem para o desenvolvimento da cidadania”. Para o educador nascido em Monte Alegre, “O ser humano ama e respeita o que conhece”. Ele acredita “que um conjunto de ações de Arqueologia Pública pode contribuir para (re)construir coletivamente e/ou democratizar conhecimento que certamente sensibilizam dentro de um processo de valorização da cultura como um todo, e neste caso em especial as pinturas rupestres do PEMA.”

A ideia é reforçada no argumento de Mariana Sampaio, de que “É a aliança com a comunidade que determina o sucesso”. Para ela, “Não basta informar para assegurar a preservação do bem cultural. É necessário perceber a relação das pessoas com seus bens culturais, desvendar os sentidos atribuídos ao lugar para desconstruí-los ou reiterá-los, e, assim, estabelecer estratégias de apropriação desses bens”. “Partimos dos saberes dos moradores de Monte Alegre; o que eles acreditam que são aquelas imagens? Como foram feitas? O que elas significam? Quem as fez? E por quê?” segundo a visão de Arenildo. Ele cita um exemplo de como a percepção dos moradores interfere no tratamento dispensado ao patrimônio. E conta: “Alguns moradores acreditam que aquelas pinturas adentram profundamente na rocha e que se forem perfuradas, a “tinta” não apaga. Esta percepção tem colaborado para danificar as pinturas”.

Com o envolvimento da comunidade, Mariana acredita que “Os moradores de Monte Alegre passam a ter maior conhecimento sobre a história do lugar, sobre sua própria história e principalmente sobre o Patrimônio Arqueológico do PEMA”. Segundo a educadora, “Esse conhecimento se desdobra em sentimentos de apropriação e afeto pela história do lugar que, certamente, contribuirão para um novo olhar sobre si mesmos e sobre Monte Alegre. Um olhar de admiração e orgulho”.

Os mediadores treinados são instrumentais a cada oportunidade em que o tema do patrimônio for tratado na comunidade: “Em ações futuras, este grupo será novamente requisitado”, informa a especialista em Educação Patrimonial. “A abordagem do tema Patrimônio Arqueológico, feita junto a cada grupo, partiu da discussão do conceito de Memória, com reflexões sobre a necessidade humana de guardar coisas e histórias para, assim, perpetuar sua existência, desde os objetos e histórias de família até os objetos e histórias dos grupos humanos, bairros, cidades, países”, explica Mariana.

Lançando mão de relatos de viajantes, a educadora estimula os atores a compreender da memória particular e individual até a memória coletiva e social. A História da Ocupação da Amazônia e de Monte Alegre também são temas de estudo. A estratégia educativa de Mariana tem “enfoque aprofundado na Pré-História da Amazônia e de Monte Alegre, que compõe o estudo sobre a representação do homem pré-histórico dotado de um grande conhecimento sobre a natureza, sobre os astros”.

Da Terra -

Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi

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Educar para conservarComo a educação patrimonial faz aliados para conservar a cultura material em Monte Alegre

Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 5485

Destaque Amazônia Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 548512

Cultura ancestral nas serras de Monte Alegre no Pará

Cultura ancestral nas serras de Monte Alegre no Pará

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Arqueologia do Museu Goeldi realiza pesquisa no Oeste paraense há 20 anos. Estudos se dedicam ao levantamento, registro e conservação de inscrições rupestres no Parque Estadual de Monte Alegre, no coração da Amazônia brasileira. O projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico’’, realizado pelo Museu Paraense Emilio Goeldi em parceria com a Sociedade de Arquelogia Brasileira, e patrocinado pela Petrobras e Ministério da Cultura, apresenta resultados à população da região e estimulações de conservação do patrimônio.

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conscientização da sociedade é aspecto estratégico para evitar a destruição do patrimônio deixado pelos lançamento do vídeo-documentário ‘‘Imagens de nossos antepassados.” Palavras da arqueóloga Edithe Pereira, do Museu Paraense Emílio Goeldi Gurupatuba’’, do diretor de cinema Fernando (MPEG), elas estão refletidas no projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e Memória do Segtowick. Valendo-se da arte e da educação para

Patrimônio Arqueológico’’, realizado pelo MPEG em parceria com a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), que deixar as inscrições milenares ainda mais próximas da se utiliza da arte e da educação patrimonial para conscientizar os moradores de Monte Alegre, município do Oeste realidade das pessoas que fizeram desse município o paraense, sobre a importância de se preservar a arte deixada por amazônidas ancestrais nas rochas das serras, que próprio lar, essas criações podem ser conferidas na apresentam movimentação de placas tectônicas bastante peculiar em relação a outras regiões da Amazônia. mostra ‘‘Visões’’.

Seja pintura, seja gravura, a arte rupestre é um legado de povos ancestrais que na Amazônia viveram. Vestígios de A preservação do patrimônio é civilização e registros de formas de vida que nos precederam, esses achados se encontram no Oeste do Pará, sempre um desafio. Para a coordenadora das município de Monte Alegre. É onde se desenvolvem as ações de pesquisa arqueológica e educação patrimonial pesquisas realizadas em Monte Alegre, a arqueóloga do realizadas pelo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG). Coordenado por Edithe Pereira, o projeto conta com Museu Goeldi, Edithe Pereira, a arte, a criatividade e a patrocínio da Petrobras e do Ministério da Cultura e sua equipe buscou suporte em outras formas de divulgação – diversidade de meios são algumas das formas mais como este jornal, exposição, vídeos, poesia e pintura – para alcançar um público maior e cativar uma audiência para a eficientes para esclarecer e sensibilizar a população-beleza estética da arte rupestre com registros no coração da Amazônia. guardiã dessa herança milenar. “Aspecto estratégico

para evitar a destruição do patrimônio deixado pelos No dia 13 de dezembro de 2012, o Museu nossos antepassados”, a educação patrimonial,

Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a Sociedade de segundo a Coordenadora, lança mão da interação com Arqueologia Brasileira (SAB) abriram, em Monte a comunidade que vive no local onde os sítios Alegre, a exposição ‘‘Visões: A Arte Rupestre em arqueológicos são identificados. Monte Alegre’’, resultante de um trabalho de pesquisa desenvolvido há 24 anos pela equipe de arqueólogos A pesquisa é outra forma de aproximar, da população de da instituição sob a coordenação da Dra. Edithe Monte Alegre, os resultados de estudos científicos que Pereira. Esses estudos são a base dos produtos determinam a importância, datam e interpretam as elaborados no âmbito do projeto ‘‘Arte Rupestre de inscrições nas rochas do Parque Estadual de Monte Alegre. Ciência que se aproxima da sociedade para garantir que Monte Alegre: Difusão e Memória do Patrimônio futuras gerações possam usufruir dos traços e da beleza que populações pretéritas deixaram como registro de sua Arqueológico’’, parceria do Goedi com a SAB que visa passagem pela região. à ampla difusão do patrimônio arqueológico brasileiro.

Da variada programação realizada no município em dezembro passado, destacou-se também o Ciclo de Debates ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre – Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico’’, realizado no dia 14 de dezembro A exposição está no Salão Nobre da Escola Imaculada de 2012, que contou com a participação da pesquisadora do MPEG Edithe Pereira; do arquiteto e aquarelista Mário Conceição, defronte à Praça Matriz de Monte Alegre, e Baratta; do escritor Juraci Siqueira; e da educadora Mariana Sampaio. O debate teve lugar no Auditório da Escola fica aberta à visitação gratuita até o dia 15 de março. A Estadual Tecnológica do Pará. No mesmo dia, os representantes do projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e abertura da exposição, em dezembro passado, Memória do Patrimônio Arqueológico’’ se reuniram para um bate-papo transmitido para a zona urbana e rural do integra vasta programação que inclui, também, o município pela Rádio Comunitária Gurupatuba. lançamento de dois livros: ‘‘Arte Rupestre de Monte

Alegre’’, de Edithe Pereira, e ‘‘Itaí, a carinha pintada’’, obra dedicada inteiramente às crianças, de autoria do A divulgação da importância da arte rupestre para dar a conhecer civilizações amazônidas ancestrais poeta Juraci Siqueira, ilustrada por aquarelas de incluiu, também, um componente de treinamento de estudantes e professores dos mais relevantes para a difusão Mário Baratta. Em Monte Alegre, houve também o desse patrimônio arqueológico. São eles que estão atuando como mediadores para receber os visitantes da

exposição e, em ações futuras, vão replicar a experiência. Essa ação educativa é feita pela arquiteta e educadora Mariana Sampaio e pelo historiador Arenildo Silva.

Mariana falou sobre as ações do projeto coordenadas por ela junto à rede pública de ensino do município, que incluiu a realização do curso de “Mediadores culturais” para 16 estudantes, selecionados para informar o público visitante da exposição ‘‘Visões’’. Além de agregar conhecimento científico, um dos focos do curso foi provocar nos alunos uma reflexão sobre como se aproximar do público e fazer com que ele se questione por que não deve depredar as pinturas e gravuras. “Eu já tinha visitado a Serra do Pilão e a Serra da Lua antes, mas só via desenhos ali. Depois do curso, tive uma ideia diferente das pinturas, como arte que os povos antigos faziam para se expressar”, disse Marcos Santos Lemos, 15 anos.

As atividades de dezembro em Monte Alegre encerraram com uma oficina, ‘‘Olhar, Perceber, Conservar’’, ministrada pelo aquarelista Mário Baratta, com a intenção de despertar nos moradores da região, particularmente nos jovens, o respeito e a preservação do patrimônio local, por meio de ações que envolvem o fazer, o olhar e, também, a percepção visual. “Ninguém ama aquilo que não conhece e muito menos defende aquilo que não ama. É preciso conhecer para amar e amar para defender”, afirma o poeta Juraci Siqueira, que escreveu para as crianças da região a obra ‘‘Itaí, a carinha pintada’’, ilustrada com as aquarelas de Baratta.

Educação e arte -

Visões -

Mediação -

2 3

‘‘AJimena Felipe Beltrão e Jussara Kishi

Editora Jimena Felipe Beltrão, 728 DRT-PA

Carlos Baia, Edithe Pereira, Jussara Kishi

Diagramação e arte finalAmilcar de Lima Cabral Neto

Participaram desta ediçãoJimena Felipe Beltrão, Jussara Kishi

Fotografias

Antonio Fausto,

RevisãoAntonio Fausto

Governo do BrasilPresidente da RepúblicaDilma Vana Rousseff

Ministro da Ciência, Tecnologia e InovaçãoMarco Antônio Raupp

Museu Paraense Emílio GoeldiDiretor

Nilson Gabas Júnior

Coordenador de Pesquisa e Pós-GraduaçãoUlisses Galatti

Coordenadora de Comunicação e ExtensãoWanda Okada

Edição Agência Museu Goeldi

Serviço de Comunicação Social do

Museu Paraense Emílio Goeldi

Av. Magalhães Barata, 376, 66040-170

Belém - PA – Brasil

Tel.: + 55 91 3219-3312

Preservação de patrimônio arqueológico se revela desafio que exige criatividade

Com patrocínio da Petrobras e do Ministério da Cultura, Museu Paraense Emílio Goeldi e Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) desenvolvem projeto para aproximar dos habitantes de Monte Alegre, no Oeste do Pará, a história ancestral traduzida em registros nas rochas desse município. “Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e Memória do

Patrimônio Arqueológico” conta com uma vasta programação.

3ISSN 2175 - 5485 Janeiro de 2013 N° 60 Ano 29 Destaque Amazônia

Autores de livros sobre o patrimônio arqueológico autografam suas obras em evento em Monte Alegre

Em campo, arqueóloga, escritor e aquarelista: Edithe Pereira, ao centro; Juraci Siqueira, à

esquerda; e Mário Baratta, à direita.

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Destaque Amazônia Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 54854

ituado no estado do Pará, região do Baixo Amazonas, o município de Monte Alegre é considerado pela comunidade científica como um dos mais antigos assentamentos populacionais da Amazônia. Frutos de uma movimentação de placas tectônicas sem par no Norte brasileiro, serras, cavernas e cachoeiras abrigam

vestígios de populações ancestrais que habitaram a Amazônia há milhares de anos e que usaram essas formações rochosas como suporte para a representação gráfica de aspectos importantes da sua cultura. Conhecidas como arte rupestre, essas representações ancestrais são o foco do livro que a arqueóloga Edithe Pereira, do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), lançou no final de 2012.

Intitulada ‘‘A Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil’’, a obra integra o projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico’’, que a arqueóloga coordena com o objetivo de proteger o patrimônio arqueológico do município, em particular as pinturas e gravuras rupestres. Baseado na trajetória de conhecimento empreendida pela arqueóloga no Oeste paraense desde o inicio da década de 1990, o livro apresenta o estado da arte, assim como as demandas mais recentes, das pesquisas dedicadas aos grafismos ancestrais registrados nas rochas mundo afora para, só então, centrar esforços nos estudos empreendidos pelo Museu Goeldi em Monte Alegre.

Uma das mais antigas pinturas rupestres já registradas no país está em Monte Alegre, na área em que, hoje, é o sítio arqueológico Gruta do Pilão (ou da Pedra Pintada) e data de 11,2 mil anos atrás. A dedicação àquele município do oeste paraense não impede ‘‘A Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil’’ de mencionar, também, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, onde foram registradas as pinturas rupestres mais antigas do Brasil até então, feitas há 12 mil anos. Segundo o livro, ainda que o Norte do país abrigue uma grande quantidade de sítios arqueológicos – cerca de 300 são conhecidos atualmente –, é uma região ainda carente em termos de pesquisas sobre essa arte ancestral.

A pintura é uma das técnicas que compõem o que se convencionou chamar de arte rupestre e consiste na adição de um pigmento – então elaborado a partir de recursos ambientais como o óxido de ferro ou o carvão, por exemplo – à superfície da rocha. Além do vermelho, predominam, nessa técnica, as cores amarela e a preta, as quais aparecem, algumas vezes, misturadas numa única representação. Formas humanas coexistem com as representações de animais cujos traços lembram o gavião-real, o peixe-boi, o escorpião e o lagarto, dentre outros. O desenho de círculos também é recorrente nos sítios arqueológicos de Monte Alegre com pintura rupestre.

As gravuras rupestres compõem outra técnica para a representação de motivos nas rochas. Encontrada principalmente nos trechos encachoeirados dos rios da Amazônia, ela consiste na retirada de parte da rocha para se alcançar a representação desejada. Aves, quadrúpedes e peixes eram retratados pelos indígenas ancestrais com a ajuda de ferramentas que imprimiam na rocha o efeito desejado através de incisões profundas, finas ou picoteadas. Em Monte Alegre, as gravuras podem ser conferidas principalmente nos trechos encachoeirados do rio Maicuru,mas só quando as águas baixam, deixando as rochas expostas.

– ‘‘A Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil’’ traz, também, a preocupação de uma pesquisadora em dar a conhecer a localização, a cultura e os outros aspectos da vida desses povos ancestrais a partir da arte rupestre, cuja quantidade de sítios e diversidade temática e estilística dos grafismos constituem “fonte importantíssima para a pesquisa arqueológica”, afirma Edithe. Segundo a arqueóloga, não basta tomar tais representações gráficas como manifestações isoladas: elas precisam ser devidamente dimensionadas num contexto que envolve o ambiente e outros vestígios materiais presentes nesses sítios arqueológicos.

Com apresentação de Gilson Rambelli, presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), e prefácio de Carlos Etchevarne, presidente da Associação Brasileira de Arte Rupestre, o livro ‘‘A Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil’’ compila os resultados de pesquisas exitosas desenvolvidas pela arqueóloga do Museu Goeldi no município paraense de Monte Alegre e, também, as angústias com esse fazer arqueológico e a preocupação com a preservação desse patrimônio que Edithe Pereira convencionou chamar de “O Futuro do Nosso Passado”.

Do tempo, das pessoas, dos sentidos –

Estado da arte das pesquisas

Antonio Fausto, Agência Museu Goeldi

Lugares, formas e tema ancestraisLivro “Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil” apresenta as venturas e as preocupações

da arqueóloga Edithe Pereira com as pesquisas sobre a arte rupestre de Monte Alegre

om textos de poeta e ilustrações de aquarelista, o projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre’’ produziu o livro infantil “Itaí, a carinha pintada”. Foram os registros arqueológicos encontrados no município de Monte Alegre, Estado do Pará, que inspiraram o poeta Antonio Juraci Siqueira e o aquarelista Mário Baratta.

Pedra pequena é a tradução de Itaí, personagem que guia a estória inventada pelo poeta para revelar, a um público especial, o que é pintura rupestre, patrimônio da humanidade, e sua importância como registro de civilização antiga, habitante da Amazônia. Ilustrado com reproduções de 15 aquarelas de autoria de Mário Baratta, o volume introduz o tema e diverte com a poesia e o colorido da arte.

“Conhecimento compartilhado sensibiliza para a importância dos vestígios e sítios arqueológicos”, diz a Coordenadora do projeto, a arqueóloga do Museu Paraense Emilio Goeldi, Edithe Pereira, que elaborou a proposta vencedora de edital da Sociedade Brasileira de Arqueologia (SAB). Em sintonia com a Convenção Internacional para os Direitos das Crianças, o livro infantil é instrumento de aproximação do conhecimento científico em particular, em iniciativas de educação patrimonial. A aliança da educação com a preservação do patrimônio pode garantir, segundo os idealizadores do projeto e da obra, a formação de cidadãos preocupados e capazes de proteger bens culturais como os achados arqueológicos. Para a coordenadora do projeto, Edithe Pereira, “O livro infantil atinge um componente da população – as crianças – que é fundamental para a construção de uma nova mentalidade em relação ao patrimônio arqueológico, em particular à arte rupestre”.

Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi.

Na ponta do lápis e do pincelUm patrimônio dedicado ao público infantil

ISSN 2175 - 5485 Janeiro de 2013 N° 60 Ano 29 Destaque Amazônia 5

ntonio Juraci Siqueira é marajoara de Cajary, município de Afuá. Ainda menino, descobriu a literatura através do cordel. Licenciado pleno em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Juraci pertence a várias entidades lítero-

culturais e atua como professor de filosofia, oficineiro de literatura, performista e contador de histórias. O escritor contabiliza mais de 80 títulos individuais publicados, entre folhetos de cordel, livros de poesias, contos, crônicas, literatura infantil, histórias humorísticas e versos picantes. É também colaborador de jornais, revistas e boletins culturais de Belém e de outras localidades, além de contar com mais de 200 premiações literárias em vários gêneros, em âmbito nacional e local.

Destaque Amazônia - O que o levou a aceitar proposta de trabalhar com um tema como a arqueologia?

Juraci Siqueira – Posso enumerar vários motivos, entre os quais o desafio de encarar o diferente, o novo. Outro foi pela importância do projeto, não só por vir de uma instituição respeitável como o Museu Paraense Emílio Goeldi, mas, principalmente, pelo convite ter partido de pessoa competente e determinada como o é a amiga de muitos anos, arqueóloga Edithe Pereira. Por fim, escrever para crianças é uma dívida que estou pagando aos poucos e essa era uma bela oportunidade de fazer um pequeno, mas importante depósito nessa conta.

DA - Em que você baseou a criação do Itaí?

JS – Criei a personagem depois de minha visita aos sítios arqueológicos de Monte Alegre e constatar a presença recorrente em praticamente todos os lugares visitados dos desenhos do rosto humano (carinhas). O nome foi escolhido juntando dois termos tupi: ITA, que quer dizer pedra, e Í, com o sentido de pequeno. Logo, Itaí, que literalmente seria “pedra pequena”, ficará subtendido, também, como “carinha de pedra”. Quanto ao conteúdo do livro, foi baseado no que vi e ouvi durante a visita aos sítios arqueológicos e, principalmente, no livro de Edithe Pereira. Um esclarecimento do porquê da criação da personagem Itaí: como as “carinhas” já se encontram por lá há milhares de anos, ela teria mais credibilidade e “autoridade” junto às crianças para contar o que por lá se passou, mais até do que o próprio autor (risos).

DA - De que forma o trabalho estimulará as crianças a proteger o patrimônio arqueológico?

JS – Uma de minhas falas por onde quer que eu vá, seja como escritor ou como educador, é que ninguém ama o que não conhece e nem defende o que não ama. Visitei escolas em Monte Alegre, na própria área do Ererê, em que, quando perguntados sobre o assunto, muitos alunos confessaram nunca ter visto as pinturas rupestres de perto, nunca entraram numa gruta. O trabalho tem como objetivo, portanto, chamar a atenção para a importância desse patrimônio arqueológico e para a urgente necessidade de preservá-lo.

Poeta, trovador e seu personagem arqueológicoEntrevista com Juraci Siqueira, autor de ‘‘Itaí, a carinha-pintada’’

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estaque Amazônia -Você escreveu "Arte Rupestre na Amazônia". Por insetos e escorrimento da água da chuva sobre as que dedicar uma obra – e todo um projeto – a Monte Alegre? pinturas. No entanto, o maior agente de destruição da

arte rupestre tem sido o homem, seja por Edithe Pereira - O livro “Arte Rupestre na Amazônia” apresenta um panorama e desconhecimento da importância do patrimônio um inventário da arte rupestre para todo o estado do Pará e, justamente, por ser arqueológico, seja por puro vandalismo, e tem uma obra abrangente não havia espaço para detalhar as características da arte danificado de diversas maneiras as pinturas rupestre de cada uma das áreas apresentadas. Além disso, de todas as áreas rupestres. Em Monte Alegre, infelizmente, alguns com arte rupestre no Pará, a de Monte Alegre é a que está documentada de sítios têm sido alvo de destruição intencional, o que forma mais completa e a que foi estudada em mais detalhes por mim. é lamentável. Reconhecer a importância desse

patrimônio e entendê-lo como um bem que é de DA - Em "Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil", você afirma todos é a melhor forma de preservá-lo. que "Lamentavelmente, o significado que em seu momento foi atribuído aos motivos pintados ou gravados ficou perdido no tempo". Por que se dedicar, DA - Por que os sítios com gravuras rupestres são então, ao estudo da arte rupestre? encontrados próximos a cursos d'água, enquanto os

sítios com pinturas rupestres estão localizados em EP - O estudo da arte rupestre não está restrito apenas ao significado dos serras, na maioria das vezes, afastados dos rios?motivos representados. Como digo no livro, lamentavelmente o significado ficou perdido no tempo, mas esses vestígios podem nos revelar várias outras EP - Essa é a situação que encontramos hoje. Não informações sobre os seus autores. Os temas escolhidos e a forma como são sabemos se no passado as pinturas também foram representados constituem as escolhas feitas pelos integrantes de uma realizadas nas margens dos rios. Quase sempre, as determinada cultura para se apresentar e se representar socialmente perante o gravuras situadas nas margens dos rios ficam submersas seu próprio grupo e os demais. Essas escolhas estão relacionadas às tradições por vários meses, mas pelo fato de serem gravadas nas rochas culturais de determinado povo sendo, portanto, entendidas, compartilhadas e elas resistem mais à ação das águas, o que não ocorreria com as reproduzidas no seio da cultura que as produziu. São, portanto, uma forma de pinturas que são mais frágeis e certamente se diluiriam se ficassem tanto tempo comunicação. Como cada grupo tem uma forma específica de se representar, o sob as águas. estudo da arte rupestre pode nos ajudar, por exemplo, a identificar diferentes grupos étnicos. Além disso, o avanço tecnológico permite em algumas DA - No livro "Arte Rupestre de Monte Alegre – Pará, Amazônia, Brasil", você situações obter a datação das pinturas e relacioná-las com a história da destaca também a importância de se integrar a arte rupestre aos demais humanidade. vestígios materiais nas pesquisas arqueológicas. Arte e demais vestígios ficam

no mesmo sítio? Como se dá essa integração e o que ela representa?DA - Qual a importância de falar para os moradores do município sobre arte rupestre e como eles podem se engajar na preservação desse patrimônio? EP - Nem sempre é possível encontrar, em sítios com arte rupestre, outros

vestígios materiais. As gravuras que ficam nas rochas das cachoeiras, por EP - É importante para qualquer cidadão conhecer o patrimônio cultural do seu exemplo, são o único vestígio preservado já que o fluxo constante das águas não lugar. No caso dos moradores de Monte Alegre, conhecer o patrimônio permite a conservação de qualquer outro vestígio. No entanto, há muitos sítios arqueológico e, em particular, a arte rupestre significa conhecer a história do onde é possível encontrar arte rupestre, cerâmica e artefatos líticos, entre outros lugar onde vivem e daqueles que lá viveram no passado. Significa conhecer vestígios. A integração se dá através da escavação nesses sítios e na análise de uma parte da história que não foi escrita em livros, mas que ficou registrada nas cada vestígio encontrado. Se encontramos, por exemplo, em uma escavação, paredes das cavernas e abrigos, mas, também, em outros vestígios como restos do pigmento usado para pintar ou pedaços de rocha com pintura que se restos de vasilhames de cerâmica e artefatos em pedra. A partir do momento em desprenderam do suporte, é possível datar a camada na qual foram encontrados que cada cidadão entende a importância de um patrimônio que é único, que não e saber, aproximadamente, quando foram feitos. Outra possibilidade é a se renova e que lhe pertence, pois é o registro do passado da humanidade, a comparação entre os motivos pintados na rocha e os motivos decorativos da preservação deste passa a ser significativa e pertinente. Uma possibilidade é a cerâmica. veiculação dos conhecimentos por meio da história oral, que se faz cotidianamente no processo de socialização das crianças e ainda por meio da DA - Na mesma obra, você explica que alguns autores discordam do uso do educação formal onde este conhecimento passa a ser discutido e reconhecido termo "arte" alegando que ele restringe as pinturas e gravuras apenas à como parte da vida de cada um que lá foi buscar sua formação intelectual. dimensão estética. Esses autores defendem o uso de registro ou grafismo Cuidar do patrimônio arqueológico de Monte Alegre é um exercício de rupestre. E você, como se posiciona nesse debate? O que acha dessa cidadania. É garantir às futuras gerações o direito de conhecer o legado que discussão?deixaram os nossos antepassados.

EP - Eu continuo usando arte rupestre porque é um termo consagrado DA - Não raro os sítios de arte rupestre têm sido alvo de vandalismo, o que mundialmente. Entendo “arte” no sentido de domínio de uma técnica, e nesse descaracteriza esses vestígios ancestrais. Qual a situação de Monte Alegre em sentido os povos pré-históricos detinham as técnicas de pintar e gravar nas relação a esse vandalismo? rochas. Pintar, por exemplo, implica em conhecer a matéria-prima apropriada

para confeccionar e produzir os pigmentos para, finalmente, pintar sobre a EP - Existem duas formas de destruição da arte rupestre. Uma é de origem rocha. Independentemente do termo que se use – arte ou registro rupestre – o natural, provocada por diversos agentes como a presença de raízes, casas de importante é o sentido que se dá a esses vestígios do passado.

6 7ISSN 2175 - 5485 Janeiro de 2013 N° 60 Ano 29 Destaque AmazôniaDestaque Amazônia Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 5485

DAntonio Fausto, Agência Museu Goeldi.

‘’É importante para qualquer cidadão conhecer o patrimônio cultural do seu lugar’’

Na entrevista abaixo, a Dra. Edithe Pereira, arqueóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi, fala do projeto ‘‘Arte Rupestre em Monte Alegre’’, da importância de se preservar as pinturas e gravuras ancestrais presentes nesse município do Oeste paraense e da urgência do engajamento da população local na conservação desse patrimônio cultural

Arqueóloga Edithe Pereira, coordenadora

das pesquisas em Monte Alegre

Fotos: Carlos Baia

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ão três olhares sobre um mesmo tema”. Assim, a arqueóloga Edithe Pereira, da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), define a exposição ‘‘Visões: Arte

Rupestre em Monte Alegre’’, aberta para visitação até o dia 15 de março de 2013 no Salão Nobre da Escola Imaculada Conceição, em Monte Alegre, no Oeste do Pará. Aberta em dezembro passado, a mostra integra a programação do projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre: Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico’’, realizado pelo Museu Goeldi em parceria com a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), sob a coordenação de Edithe Pereira, e reúne pinturas, poesias, vídeo-documentário e fotografias para conscientizar a população monte-alegrense acerca da importância da arte rupestre presente no município.

O público da exposição pode conhecer mais da arte rupestre de Monte Alegre graças à convergência de visões de uma pesquisadora, de um poeta, de um aquarelista e de um diretor de cinema sobre as pinturas e gravuras deixadas como herança por amazônidas ancestrais. Daí o plural no título escolhido para a exposição. Montada em salão defronte à Praça Matriz de Monte Alegre, a mostra conta com 15 reproduções de aquarelas do artista Mário Baratta; trechos de escritos do poeta Juraci Siqueira; monitor para apresentar o vídeo ‘‘Imagens de Gurupatuba’’, do diretor de cinema Fernando Segtowick; e textos explicativos acerca da arte rupestre e do trabalho arqueológico. Uma imagem panorâmica do Parque Estadual de Monte Alegre, onde estão vários sítios arqueológicos com os vestígios dessa arte milenar, completa a ambiência de ‘‘Visões’’.

Segundo Edithe, o Parque foi criado em novembro de 2001, por uma lei estadual, como uma Unidade de Conservação Integral, gerenciada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema). Mas isso não basta para a preservação dessa h e r a n ç a , e x p l i c a a pesquisadora. “São necessárias estruturas para viabilizar o funcionamento do Parque, de modo a garantir a proteção do patr imônio arqueológico”, argumenta. A conservação desse patrimônio tem estado em xeque nos últimos anos, devido à dinâmica da natureza, como os efeitos do sol, do vento e da c h u v a , m a s , t a m b é m e principalmente, devido à ação humana, que o destrói por meio

da pichação. O público-visitante da exposição ‘‘Visões’’ pode saber mais sobre essa depredação graças aos textos elaborados para a mostra pela Coordenação de Museologia do MPEG.

“Essas informações são apresentadas de forma clara e objetiva, para serem apreendidas com facilidade pelo público”, informa Edithe. Além disso, os visitantes são guiados por alunos de Monte Alegre, monitores da mostra. Tudo para deixá-la ainda mais próxima da população do município, guardiã desse patrimônio que são as inscrições rupestres deixadas pelos homens e mulheres, que habitaram a Amazônia há milênios, nas rochas dessa tão rica quanto peculiar cidade do Oeste paraense. Ao final da exposição, a Escola Imaculada Conceição, cujo Salão Nobre abriga ‘‘Visões – A Arte Rupestre de Monte Alegre’’, vai receber, como doação do Museu Goeldi, a TV e o aparelho de DVD utilizados no evento. A Secretaria de Educação do município receberá a exposição para dar continuidade à sua divulgação.

Exposição ‘‘Visões - A Arte Rupestre de Monte Alegre’’ aberta à visitação até 15 de março de 2013, de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 15h às 18h, no Salão Nobre da Escola Imaculada Conceição, à Rua Rui Barbosa, nº 210, Cidade Alta, Monte Alegre, Pará. Entrada gratuita.

Serviço:

ntrevista com Mário Baratta, arquiteto e aquarelista. O autor das aquarelas produzidas nas serras de Monte Alegre, no Pará, também é professor do Instituto

de Ciências da Arte, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Seu pincel ilustra o livro infantil “Itaí, a carinha pintada” assim como as quinze aquarelas compõem a exposição sobre patrimônio arqueológico, ambos produtos do projeto “Arte Rupestre em Monte Alegre: Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico”.

Mário Baratta é também o coordenador da oficina “Olhar, Perceber, Conservar”, ofertada aos moradores da região de Monte Alegre com objetivo de despertar o respeito e o sentido de preservação do patrimônio local.

Destaque Amazônia - O que o levou a aceitar proposta de trabalhar com um tema como a arqueologia?

Mario Baratta - Arqueologia é uma temática que sempre gostei, tive oportunidade de estudar sobre esse assunto durante o mestrado. Apesar de ser um tema, aparentemente, distante da trajetória profissional que escolhi, a sua essência é praticamente a mesma. Quando a Dra. Edithe me mostrou o projeto de Monte Alegre, percebi uma relação muito forte com o trabalho que realizo. Além disso, é uma oportunidade rara para divulgar a pintura rupestre na Amazônia, por meio de uma linguagem não acadêmica, como no caso do livro infantil e da exposição de aquarelas pintadas nas serras de Monte Alegre.

DA - Em que medida produzir aquarelas acerca do patrimônio arqueológico no interior do Estado se relaciona à sua produção de monumentos e paisagens urbanas?

MB - A relação do homem com o lugar que habita sempre chamou minha atenção. Isso vale para os projetos de arquitetura, de literatura ilustrada, assim como para as aquarelas e livros que crio. As pinturas que pude ver nos cinco dias em que fiquei no alto da Serra da Lua possuem uma força expressiva bem impactante, que vai além do seu conteúdo plástico. A relação que aquelas imagens têm com o lugar em que foram pintadas é muito forte. Por conta disso, em termos conceituais, as pinturas rupestres e as paisagens urbanas são similares, quase iguais, pois acredito que elas expressam a mesma vontade humana de criar. A motivação pode ser diferente, mas as duas

dialogam e transformam a paisagem, assim como indicam a ocupação do lugar. Confesso que não tinha noção disso até subir a Serra da Lua e poder ver e conviver com as pinturas e a paisagem onde estão inseridas. O silêncio e a vista do Rio Amazonas do alto da Serra são impressionantes, fez perceber o quanto a relação das pinturas com a paisagem é forte. É difícil afirmar, mas creio que os povos que por ali passaram não escolheram aleatoriamente os lugares para pintar, da mesma forma como, hoje, os projetos de arquitetura que formam as paisagens urbanas não são obras do acaso.

DA - De que maneira as imagens captadas pelo seu pincel e reproduzidas no livro ajudarão as crianças – e mesmo adultos que por ventura entrem em contato com a obra – a entender e proteger o patrimônio arqueológico?

MB - Acredito que as imagens são mágicas e têm a capacidade de encantar, despertar e transformar, principalmente o público infantil. Pode parecer uma visão romântica sobre os livros infantis, mas acredito nisso.

Nesse projeto tive a felicidade de conhecer o Juraci Siqueira, que escreveu um texto muito bom e agradável de ler. Isso facilitou o meu trabalho, de dar mais sabor ao livro através das imagens. Tentamos passar nas imagens a sensação do lugar em que foram realizadas as pinturas, assim como sua riqueza plástica, para que o leitor perceba o quanto é valioso preservar.

Esse livro vai ajudar, também, a divulgar esse patrimônio e fazer com que as pessoas que não podem ir até lá entendam a importância do acervo, já que dificilmente iremos encontrar referências a essas pinturas rupestres da Amazônia em livros de História da Arte, o que é uma pena.

Destaque Amazônia Ano 29 N° 60 Janeiro de 2013 ISSN 2175 - 5485 ISSN 2175 - 5485 Janeiro de 2013 N° 60 Ano 29 Destaque Amazônia8 9

‘’Visões’’ da arte rupestre de Monte Alegre em exposição

Antonio Fausto, Agência Museu Goeldi.

Realizada pelo Museu Goeldi em parceria com a Sociedade de Arqueologia Brasileira, a exposição “Visões: Arte Rupestre em Monte Alegre” aborda as pinturas e gravuras ancestrais sob olhares filtrados pela

ciência, mas também pela arte. Com visitação gratuita, a mostra fica aberta até 15 de março de 2013 em Monte Alegre, no Oeste do Pará.

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Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi.

Aquarelista registra patrimônio arqueológico

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Mário Baratta: arte a serviço da educação patrimonial

Aquarelas do artista ilustram o livro ‘’Itaí’’

Público local prestigia a exposição no dia da abertura. Grandes painéis e reproduções das aquarelas compõem mostra montada em Monte Alegre

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Carlos

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Page 6: A Cultura ancestral nas serras de Monte Alegre no Pará Cultura

ois livros, um voltado para o público adulto e outro para o público infantil; uma exposição com montagens em Monte Alegre e Belém; um ciclo de palestras; um workshop; um vídeo-

documentário e um hotsite para disponibilizar a versão eletrônica de cada produto. Esse é o resultado do projeto ‘‘Arte Rupestre em Monte Alegre’’, de autoria de Edithe Pereira, que envolve uma equipe de profissionais das mais diversas formações engajados na ampla divulgação do patrimônio arqueológico na forma de pinturas e gravuras na pedra.

Com tiragem limitada, mas ampla disponibilização por meio eletrônico, os produtos, aí incluído este jornal, estão dedicados a promover a divulgação do patrimônio arqueológico de Monte Alegre, no Pará, especificamente aquele relacionado à arte rupestre.

Para os autores da proposta submetida à Sociedade Brasileira de Arqueologia e premiada em edital público, “o conhecimento compartilhado sensibiliza para a importância dos vestígios e sítios arqueológicos encontrados em Monte Alegre, tornando-os um bem comum”. Diz a coordenadora do projeto, a arqueóloga Edithe Pereira, que essas medidas têm caráter “estratégico para evitar a destruição do patrimônio deixado pelos nossos antepassados”.

· Um vídeo-documentário, com duração de 15 minutos em cor e legendas em inglês, francês e espanhol, com tiragem de mil exemplares para exibição em eventos culturais e acadêmicos, e versão digital livre para ampla divulgação. Segundo Edithe Pereira, trata-se de “abordagem contemporânea, mesclando as informações científicas com linguagem de divulgação e associando as referências e memórias das comunidades do entorno do parque que abriga as pinturas, com as informações acadêmicas, as aquarelas produzidas pelo projeto e vídeo-arte”. O documentário será inscrito em festivais e mostras de cinema e vídeos-documentários, tanto no Brasil como no exterior.

· Esta edição especial do jornal do Museu Paraense Emilio Goeldi, o Destaque Amazônia, com tiragem de 5 mil exemplares e versão digital livre para ampla divulgação.

· Quinze aquarelas sobre o tema do patrimônio arqueológico de Monte Alegre, que compõem exposição.

· Exposição ‘‘Visões’’ em Monte Alegre sobre o patrimônio arqueológico do município. Uma versão virtual dessa exposição está disponível no portal do Museu Goeldi para ampla divulgação. Uma versão expandida da mostra será apresentada ao público em maio de 2013 durante a Semana Nacional de Museus.

· Ciclo de Palestras sobre o patrimônio arqueológico de Monte Alegre.

· Hotsite sobre o assunto, que disponibiliza gratuitamente na web versões digitais dos livros, da edição especial do jornal Destaque Amazônia, da exposição e do vídeo-documentário, utilizando softwares livres. O hotsite também disponibilizará um banco de atividades de Educação Patrimonial para que os professores apliquem em sala de aula.

Confira os produtos

Redes sociais

Na divulgação da importância do patrimônio arqueológico de Monte Alegre, o projeto ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre – Difusão e Memória do Patrimônio Arqueológico’’ lança mão também de estratégias multimídias, por meio de hotsite, exposição virtual, flipbooks, booktrailers, vídeos de bolso e campanhas nas redes sociais: tudo para levar informações sobre arte rupestre para quem não é especialista no assunto. O hotsite do projeto, www.museu-goeldi.br/arqueologiamontealegre, por exemplo, permite um passeio virtual pela exposição ‘‘Visões: A Arte Rupestre em Monte Alegre’’, além de abrigar pequenos vídeos apresentado o conteúdo e as imagens dos livros ‘‘Arte Rupestre de Monte Alegre’’ e ‘‘Itaí, a carinha pintada’’, de autoria de Edithe Pereira e Juraci Siqueira com Mário Baratta, respectivamente

/museugoeldi @museugoeldi

museu-goeldi.br/arqueologiamontealegre/museugoeldi

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Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi.

Conhecimento compartilhado e debate na comunidade

Envolver a população local em ações que despertem para a importância de preservar o patrimônio material arqueológico foi o objetivo específico de workshop realizado em Monte Alegre

Através de um concurso de redação, dez estudantes do ensino fundamental e médio participaram de curso de 36 horas, para poder apresentar a exposição abordando temas como o patrimônio arqueológico, o

homem e paisagem no presente e no passado como instrumento para “discutir o futuro do lugar”.

O grupo é responsável pelo agendamento de visitas, por conduzir o visitante através da exposição e por aplicar atividades que servirão de material de avaliação da apreensão da exposição ‘‘Visões’’ pelo público. Em ações futuras, este grupo será novamente requisitado.

Já os professores participaram de curso de 24 horas para abordar temas como patrimônio arqueológico e o homem e paisagem no passado e no presente, o que os preparou para potencializar o uso didático do vídeo e das publicações resultantes da iniciativa em sala de aula, por meio de um banco de atividades sugeridas.

Como parte das atividades do projeto ‘’Arte Rupestre em Monte Alegre’’, um workshop denominado ‘’Olhar, Perceber e Conservar’’ foi ministrado pelo autor das aquarelas e das ilustrações do livro infantil “Itá”, o artista Mário Baratta. Para estimular jovens a respeitar e a preservar o patrimônio local, através do fazer e do olhar, se apresentou o workshop, como uma oportunidade de compartilhar com a comunidade maneiras de perceber o patrimônio da região.

Os participantes confeccionaram caderno de anotações e realizaram exercícios de registros visuais no próprio caderno. Algumas das referências patrimoniais da cidade foram retratadas nesse caderno com o uso de técnicas de desenho e aquarela. Para o ministrante do workshop, “O ato de olhar para em seguida retratar, provoca uma ação interna de perceber o patrimônio com mais calma e detalhe, possibilitando o despertar para preservação do patrimônio histórico e artístico do local”.

“A intenção do trabalho é despertar o olhar para o lugar em que os participantes vivem, no caso a cidade de Monte Alegre e arredores”, conta Mário Baratta. O importante não é ensinar, mas “mostrar que o olhar rotineiro pode ser viciante”. Mas o local, mesmo sendo olhado ou visto todos os dias, “não deixa de ter um valor especial”. Na concepção do workshop e como abordagem das artes visuais, “olhar é diferente de ver”. O resultado é de “que podemos ver o nosso lugar de diversas maneiras, por fotos, por reportagens, na web, ou simplesmente retratando com desenhos ou palavras”, ensina o ministrante. Para ele, “Conhecer um pouco mais o que se tem para compreender e decidir o que é importante manter” é a principal meta.

Num roteiro de interação e produção, Mário Baratta conduziu os participantes num exercício de aproximação e redescoberta do patrimônio local. De início, cada participante confeccionou um caderno de anotações e em seguida foi mostrado como representar coisas através da técnica de pintura em aquarela. Como no trabalho de pesquisa, anotações podem ser “úteis para a aula de desenho ao ar livre”, explica o artista e ministrante do workshop.

Para Mário, o trabalho ao ar livre permite um olhar mais detalhado, bem como fortalece a relação com o que será retratado. “O compromisso não é o produto estético em si, e, sim, o despertar de possibilidades para a percepção do lugar a partir do desenho e da pintura em aquarela”, esclarece. Em uma rota de locais selecionados, os participantes fizeram anotações. Ao fim, foi feita uma avaliação do trabalho para saber como se deu a relação de cada participante com o que desenhou e pintou. Cada participante escolheu um dos trabalhos para ser refeito na sala com possibilidade de usar outros elementos e técnicas.

A produção de todos os participantes compõe mostra disponível no site dos Urban Sketchers ( ). Como membro do movimento, Mário Baratta registrou o workshop com fotos e textos. Mesmo sendo um canal pouco específico, há interessados e participantes no mundo todo, que poderão acompanhar o trabalho realizado em Monte Alegre.

Dinâmica do workshop -

http://www.urbansketchers.org/

Jimena Felipe Beltrão e Antonio Fausto, Agência Museu Goeldi.

Produção ilimitadaSérie de produtos resulta da transformação do conhecimento científico em manancial de acesso fácil

ao público em geral. Ao mesmo tempo, a Arqueologia ganha espaço junto à comunidade graças à realização de workshop e ciclo de palestras, além de visitação à exposição sobre o patrimônio da

região de Monte Alegre

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O olhar como instrumento de conscientização e preservação R

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