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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ANA PAULA SCHMITT A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES AMBIENTAIS Biguaçu 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ANA PAULA SCHMITT

A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES

AMBIENTAIS

Biguaçu 2009

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ANA PAULA SCHMITT

A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES

AMBIENTAIS

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientadora: Profª. Alessandra de Souza

Trajano

Biguaçu 2009

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ANA PAULA SCHMITT

A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES

AMBIENTAIS

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Penal Ambiental

Biguaçu, 16 de novembro de 2009.

Profª. Alessandra de Souza Trajano UNIVALI – Campus de Biguaçu

Orientadora

Profª. Esp. Marilene do Espírito Santo UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

Prof. MSc. Rafael Burlani Neves UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me acompanhar sempre e ao seu filho, Jesus Cristo, pelos

abraços nos momentos mais difíceis.

A minha amada mãe Cecília Küster Schmitt, pelos inúmeros sacrifícios para

que aqui eu estivesse e principalmente por acreditar sempre nos meus sonhos. Esse

trabalho lhe é dedicado como sinal da minha esperança num futuro e num mundo

melhor, mais consciente e responsável.

Ao meu amado pai Aloísio Paulo Schmitt, pelo apoio incondicional.

A minha estimada irmã Patrícia Schmitt.

A minha sobrinha e “afilhadinha” Júlia Aparecida de Souza, pelo carinho e

compreensão nos momentos em que estive a realizar este trabalho.

A professora Alessandra de Souza Trajano, pela brilhante orientação, pela

paciência, pelo estímulo e pelo dinamismo de suas idéias que se complementavam

às minhas.

A professora Marilene do Espírito Santo, pelos conhecimentos transmitidos,

pela confiança espontânea e pelo relacionamento amigo de sempre.

Ao professor Rafael Burlani, pela sua competência e capacidade

profissional, que foram para mim um grande incentivo na primeira fase do curso de

Direito, quando lecionou Introdução ao Estudo do Direito.

E agradeço de todo meu coração a todos os que direta ou indiretamente

ajudaram e acompanharam-me no desenvolver deste trabalho, especialmente aos

meus colegas e demais professores, pela convivência agradável e enriquecedora,

pelos conhecimentos compartilhados, por tudo que passamos juntos, jamais os

esquecerei.

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A aplicação efetiva de um comportamento ético de cada um de

nós em relação aos animais, plantas e componentes da terra,

propiciará a cada indivíduo uma enorme satisfação subjetiva e

íntima de estar contribuindo com responsabilidade para a

preservação da natureza como um todo. Isto nos dará a

esperança de podermos prolongar a existência de nossa

espécie em condições mais dignas, permitindo que possamos

usufruir juntamente com os demais seres este valiosíssimo

bem que é a vida.

Antônio Silveira R. dos Santos

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 16 novembro de 2009.

Ana Paula Schmitt

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RESUMO

A presente monografia versa sobre a culpabilidade das pessoas jurídicas nos crimes

ambientais, fundamentando-se a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas no

artigo 225, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

regulamentado pela Lei nº 9.605/1998, que trata dos crimes contra o meio ambiente.

Tem a perspectiva de analisar a culpabilidade das pessoas jurídicas, quando

responsabilizadas criminalmente por delitos cometidos contra o meio ambiente,

tendo em vista, a estrutura dogmática do Direito Penal, baseado na culpa.

Inicialmente, aborda-se o bem ambiental, demonstrando sua dignidade penal

garantida pelo legislador constituinte de 1988, bem como, a justificativa de ser

merecedor de tutela penal. Posteriormente, descreve-se, brevemente, alguns tópicos

referente à teoria do delito e, apresenta-se a culpabilidade no ordenamento jurídico,

demonstrando seu conceito, suas teorias, características basilares, bem como os

elementos que a compõem e as causas de exclusão. Finalizando a presente

pesquisa, no terceiro e último capítulo, aborda-se a culpabilidade das pessoas

jurídicas nos crimes ambientais. Para tanto, apresenta-se o conceito de pessoa

jurídica no ordenamento jurídico, bem como a teoria que mais se coaduna com a

presente pesquisa. Superado este momento, aborda-se brevemente, a

responsabilização penal das pessoas jurídicas de um modo geral. Destarte, através

dos fundamentos que ensejaram a responsabilização criminal das pessoas jurídicas,

procede-se à análise acerca do elemento mais controvertido dentro da teoria do

delito, qual seja, a culpabilidade. Com efeito, através da análise doutrinária e

jurisprudencial constata-se que a responsabilização criminal das pessoas jurídicas

trazida pelo legislador constituinte de 1988, embora pacífico o entendimento do STJ

neste sentido, enseja acirrada discussão acerca da aferição da culpabilidade aos

entes coletivos.

Palavras-chave: Direito Penal Ambiental. Dignidade Penal. Tutela Penal. Pessoa

Jurídica. Responsabilização Criminal. Culpabilidade.

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ABSTRACT

This monograph focuses on the culpability of corporations in environmental crimes

and the reasons for the criminal liability of legal entities in Article 225, § 3 of the

Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 and regulated by Law No.

9.605/1998, dealing with crimes against the environment. Is the view to considering

the culpability of corporations, when held criminally for crimes committed against the

environment in view, the dogmatic structure of criminal law based on fault. Initially,

we address the environmental good, demonstrating their dignity guaranteed by the

law constitutional legislator of 1988, as well as the justification to be worthy of

criminal protection. Subsequently, we describe briefly some topics concerning the

theory of the crime and presents the guilt in the legal system, outlining the concept,

theories, basic characteristics, and the information it contains and the causes of

exclusion. Finishing the present study, the third and final chapter deals with the guilt

of corporations in environmental crimes. It presents the concept of legal entity in the

legal as well as the theory that best meets the present study. Overcome this moment,

we touch on briefly, the criminal liability of legal persons in general. Thus, from the

reasons that gave rise to criminal liability of legal persons, shall be an analysis about

the most controversial element in the theory of the crime, namely, the guilt. Indeed,

through the doctrinal analysis and case notes that the criminal liability of legal

persons brought by the constitutional legislator of 1988, despite the peaceful view

from the Supreme Court to that effect, gives rise to heated discussion on the

measurement of collective guilt to loved.

Keywords: Environmental Criminal Law. Criminal dignity. Law Enforcement.

Corporations. Criminal Accountability. Culpability

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SUMÁRIO

1 A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE ............................................................ 11

1.1 O BEM JURÍDICO AMBIENTAL ..................................................................................... 11

1.2 A DIGNIDADE PENAL DO BEM AMBIENTAL E A FUNDAMENTAÇÃO

CONSTITUCIONAL ....................................................................................................................... 14

1.3 A NECESSIDADE DA TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE ....................................... 20

1.3.1 A tutela penal e as outras formas de tutela do meio ambiente .......................... 23

2 A CULPABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO ......................................... 32

2.1 A TEORIA DO DELITO ........................................................................................................... 32

2.1.1 O conceito de crime ....................................................................................................... 32

2.2 A CULPABILIDADE NA DOGMÁTICA PENAL ................................................................... 37

2.2.1 Teorias da culpabilidade .............................................................................................. 40

2.2.2 Funções da culpabilidade ............................................................................................ 44

2.2.3 Elementos da culpabilidade ........................................................................................ 46

2.2.4 Causas de exclusão da culpabilidade ...................................................................... 49

3 A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES AMBIENTAIS . 54

3.1 O CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO .... 54

3.2 A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS ............................................................. 56

3.2.1 A responsabilidade penal das pessoas jurídicas .................................................. 56

3.2.2. A pessoa física criminosa dentro do contexto da responsabilidade penal da

empresa ...................................................................................................................................... 69

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 75

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 78

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como tema a culpabilidade das pessoas jurídicas

nos crimes ambientais e como objeto central o relevante papel da culpabilidade na

responsabilização criminal, com vistas na estrutura dogmática do Direito Penal

baseado na culpa.

Parte-se do pressuposto de que a responsabilidade criminal está prevista

constitucionalmente no artigo 225, § 3º, quer para as pessoas físicas, quer para as

pessoas jurídicas.

Desta forma, não restam dúvidas que o bem ambiental, que é pressuposto

para o desenvolvimento da pessoa humana e, consequentemente, de toda uma

sociedade, é digno de tutela penal justificada pela sua relevância e, por isso,

merecedor de proteção.

Identificada à existência de uma tutela penal do meio ambiente, surge, entre

a dogmática a ser aplicada aos crimes ambientais, um ponto sensível, qual seja, a

culpabilidade.

Para tal desiderato, optou-se por decompor o trabalho em 3 (três) capítulos

diversos, entretanto, ligados um ao outro, de modo a servir de suporte para o tema

exposto.

Assim, iniciando o presente estudo, será abordado no primeiro capítulo a

respeito do bem jurídico ambiental, a dignidade deste e sua fundamentação

constitucional, bem como a necessidade de uma tutela penal ao meio ambiente e,

por fim, uma abordagem da tutela penal e as outras formas de tutela do meio

ambiente.

Após esta etapa, o segundo capítulo trará como tema central a análise da

culpabilidade no ordenamento jurídico, das teorias que a compõe e de seu conceito,

que culminou na concepção normativa pura. Com base nesta teoria, serão

estudados os elementos que compõem a culpabilidade: imputabilidade, potencial

consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Serão analisadas, ainda,

as causas de exclusão da culpabilidade.

Por derradeiro, no terceiro capítulo, será abordada a culpabilidade das

pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Será estudada também, de um modo

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geral, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas de acordo com o

posicionamento favorável da doutrina e jurisprudência.

O relatório de pesquisa se encerra com a conclusão, nas quais serão

apresentados os pontos destacados, seguido da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre a atual teoria da culpabilidade e a possibilidade se

sua (re) construção como categoria dogmática memorável dentro do tratamento

doutrinário a ser dado aos crimes ambientais.

Para tanto, no que tange à metodologia aplicada, utilizou-se o método

dedutivo e, relativamente à técnica documental, empregou-se a forma indireta,

colacionando-se legislações e doutrinas referentes ao tema, bem como a forma

direta, procedendo-se à análise de jurisprudências.

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1 A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE

Nesse primeiro capítulo tratar-se-á da tutela penal do meio ambiente.

Inicialmente, será discorrido a respeito do bem jurídico ambiental e sua garantia

constitucional, tendo por base o artigo 225 da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988.

Superado este momento, se fará um estudo acerca da dignidade penal do

bem ambiental e sua fundamentação constitucional.

E, por fim, será discorrido acerca da necessidade da tutela penal do meio

ambiente no ordenamento jurídico para que, posteriormente, possa se fazer uma

análise acerca da culpabilidade das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, tema

em análise na presente pesquisa.

1.1 O BEM JURÍDICO AMBIENTAL

Como valores sociais, os bens (necessários à convivência do homem em

sociedade) são selecionados com o fim de serem protegidos juridicamente. Assim, o

bem jurídico limita a intervenção do Estado na sociedade, e como valor, se incorpora

à norma1.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz o conceito de

bem jurídico ambiental em seu artigo 225, caput, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações2.

Nesse caminho, Celso Antônio Pacheco Fiorillo assevera que os bens

ambientais “são aqueles considerados juridicamente essenciais no sentido de

1 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 19.

2 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal. Organização de Luiz Flávio Gomes. 11 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

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preencher o conceito constitucional do artigo 225, caput, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 19883.

Nesse ínterim, pode-se conceituar bem ambiental como sendo aquele que

se destina ao uso comum do povo e, ainda, essencial à qualidade de vida de todos,

atrelado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no

artigo 1°, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 19884, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana5;

Bem de uso comum do povo são aqueles que podem ser desfrutados por

toda e qualquer pessoa, dentro dos parâmetros estipulados pela Constituição da

República Federativa do Brasil de 19886. E, bem essencial à sadia qualidade de

vida, “são os bens fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana”7.

Entre os fundamentos que regem o Estado Democrático de Direito presentes

no artigo 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 está a

dignidade da pessoa humana, “piso determinante de toda e qualquer política de

desenvolvimento, como, necessariamente, projetar-se sobre o modo como devam

ser assegurados todos os demais direitos na sociedade previstos na Constituição

Federal”8.

A garantia da dignidade da pessoa humana, presente nas Constituições dos

Estados Democráticos, sobretudo as de cultura ocidental, tem o homem como

núcleo da proteção legal e desde logo a vida como base de todos os valores9.

A respeito do reflexo da dignidade da pessoa humana no direito ambiental,

Celso Antonio Pacheco Fiorillo aduz que:

3 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva,

2004.p. 36.

4 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. p. 36-37.

5 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal.

6 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva,

2003. p. 55.

7 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 55.

8 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. p. 13.

9 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000. p. 661.

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[...] a pessoa humana passa a ser a verdadeira razão de ser de todo o sistema de direito positivo em nosso país e evidentemente do direito ambiental brasileiro; a importância da pessoa humana se reafirma, no plano normativo e particularmente perante o direito ambiental brasileiro, em face de restar assegurada no plano constitucional sua dignidade como mais importante fundamento da República Federativa do Brasil, constituída que foi em Estado Democrático de Direito, [...]10.

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes ainda acrescenta que “relativamente ao

Direito Penal à dignidade serve de parâmetro ao legislador na configuração dos

tipos, bem como na responsabilidade pelo seu cometimento, pelo pressuposto da

culpabilidade”11.

Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz enfatiza que o meio ambiente

enquanto bem jurídico tem natureza jurídica própria – não é público nem privado,

como também não pode ser tutelado individualmente, pois trata-se de bem de

natureza difusa12.

Essa faixa intermediária denominada de natureza difusa “é o bem que

pertence a cada um e, ao mesmo tempo, a todos. Não há como identificar o titular, e

seu objeto é insuscetível de divisão. Cite-se, por exemplo, o ar”13.

De outro norte, Luiz Régis Prado classifica os bens jurídicos, entre outros,

em coletivos, “que afetam um número mais ou menos determinável de pessoas [...]”

e difusos, “que têm caráter plural e indeterminado e dizem respeito à coletividade

como um todo”14.

Delineado o bem jurídico ambiental, passa-se a verificar sua dignidade penal

e a fundamentação constitucional.

10

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. p. 13-14.

11 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 662.

12 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008. p. 23-24.

13 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 5. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 32.

14 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 6 ed. rev., atual. ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. vol. 1. p. 254.

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14

1.2 A DIGNIDADE PENAL DO BEM AMBIENTAL E A FUNDAMENTAÇÃO

CONSTITUCIONAL

Inicialmente cumpre apresentar, de acordo com os princípios e finalidades

do Direito Penal, a dignidade penal do bem ambiental.

Nesse ínterim, Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz aduz que “a missão

do Direito Penal é promover a segurança jurídica, protegendo de forma diferenciada

certos bens essenciais à convivência em dado momento histórico-social”15.

O Direito Penal tem a finalidade de garantir a todos uma vida em sociedade

com as condições mínimas necessárias, bem como, destina-se a proteger os valores

de uma sociedade, objetivando resguardar a paz social16.

O bem jurídico tem caráter histórico, ou seja, sofre alterações dentro da

sociedade pelo seu valor social, fazendo com que as alterações não recaiam apenas

sobre os bens jurídico-penais que serão protegidos, mas também sobre aqueles que

já gozam de proteção17.

Por assim dizer, Luiz Régis Prado observa que:

[...] o bem jurídico vem a ser um ente (dado ao valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido18.

Os bens jurídicos, próprios do Estado Democrático de Direito, são essenciais

para o bom desenvolvimento das potencialidades do ser humano enquanto pessoa,

bem como sua integração na coletividade organizada19.

Cumpre ressaltar que a determinação dos bens jurídicos penais irá depender

das condições sociais de cada sociedade, em cada época histórica, cabendo a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 definir quais valores são

dignos de tutela penal20.

15

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 22.

16 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 42-43.

17 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 46.

18 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 248.

19 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 253.

20 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 47.

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15

Ao enfrentar o tema, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes afirma que “todo bem

jurídico-penal deve corresponder a um direito fundamental do homem (ou da

coletividade, no caso de bens jurídicos coletivos)”21.

Vale salientar, que o “bem jurídico há de estar submetido à Constituição”22.

“É nas constituições que o direito penal deve encontrar os bens que lhe cabe

proteger com suas sanções”23.

As normas jurídicas irão tutelar determinado valor, que será transformado

em bem jurídico, sendo que o Direito Penal (sanção penal) somente irá incidir sobre

bens jurídicos já protegidos por outras normas, quando houver ali um interesse

dessa forma de tutela não obtida plenamente por outras24.

Ao abordar o tema, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes cita o seguinte fragmento

de Luiz Luisi:

O progresso científico-tecnológico trouxe uma série de condutas altamente lesivas ao homem e à vida social. O Direito Penal deve ser a ultima ratio, tendo somo limites os princípios de ordem constitucional (o direito penal necessário), mas tal afirmação encontra objeções mormente diante do trepidante progresso científico-tecnológico em temas como meio ambiente, privacidade, intimidade, patrimônio cibernético, negociações e operações econômico-financeiras sofisticadas25.

O bem jurídico possui um sentido limitador das normas penais e,

consequentemente, na liberdade do indivíduo (ius puniendi)26, como também

funciona de “base para a tutela penal dos valores socialmente relevantes,

legitimando a intervenção estatal criminalizadora para proteger bens que não

ficariam devidamente resguardados na sua ausência”27.

21

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 156.

22 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 35.

23 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 464.

24 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 47.

25 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 465.

26 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 35.

27 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 48.

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16

O Direito Penal somente irá intervir na proteção dos bens jurídicos mais

importantes de uma sociedade, castigados com agressões reputadas graves, o que

se conhece por Direito Penal do mínimo ou princípio da intervenção mínima28.

O princípio da intervenção mínima, previsto na Declaração dos Direitos do

Homem e do cidadão de 1789, dispõe em seu artigo 8º que só a lei deve estabelecer

penas estrita e evidentemente necessárias29.

Ainda o autor, complementa com a seguinte citação:

[...] o dever do Estado, ao estabelecer as normas penais, deve subordinar-se ao princípio da intervenção mínima, delimitado pelos critérios da necessidade e da realização da justiça substancial, punindo penalmente apenas aqueles que tenham atentado contra bens essenciais à vida social30.

Assim, o Direito Penal apenas intervirá para assegurar a proteção

necessária de bens jurídicos que sejam indispensáveis para a convivência humana

em sociedade31. Porém, para o bem jurídico ser tutelado pelo ordenamento jurídico-

penal necessita revelar dignidade penal.

Ao conceituar dignidade penal, a doutrinadora Ana Paula Fernandes

Nogueira da Cruz traz o escólio de Luiz Antônio de Souza: “é o atributo que reveste

direitos e bens jurídicos, os quais, por serem relevantes e fundamentais para o

indivíduo e a sociedade, são, em razão disso, merecedores de tutela penal”32.

A dignidade penal está intimamente ligada à teoria do bem jurídico, uma vez

que, em termos gerais, tem por princípio a atribuição de pena a uma conduta

socialmente danosa, bem como, sua aplicabilidade é oriunda de um conceito de bem

jurídico33.

Por assim dizer, somente os valores sociais, ligados à promoção da

dignidade da pessoa humana, tais como, a vida, a honra, o patrimônio, o meio

28

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 48.

29 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 464.

30 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 464.

31 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 36-37.

32 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 48.

33 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 460-461.

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17

ambiente, cuja ofensa repercute em grave dano social, são dignos de proteção

penal34.

Assim, tem-se que o bem ambiental é um bem jurídico com dignidade

criminal, merecedor de proteção, pois é pressuposto para o desenvolvimento da

pessoa humana e de extrema relevância para a sociedade35.

A consideração do meio ambiente como um bem passível de tutela penal

deu-se, a princípio, com a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em

31 de agosto de 198136.

Posteriormente, em 05 de outubro de 1988, restou promulgada a

Constituição da República Federativa do Brasil que, pela primeira vez trouxe a

expressão “meio ambiente” ao texto constitucional37. Trazendo assim, a percepção

do constituinte brasileiro ao declarar no texto constitucional, que o meio ambiente

necessita de proteção e deve ser preservado por todos.

Neste sentido, Paulo de Bessa Antunes acrescenta que:

A CF de 1988 elevou o meio ambiente à condição de direito de todos e bem de uso comum do povo, [...]. Em razão da alta relevância do bem jurídico tutelado, a Lei Fundamental estabeleceu a obrigação do Poder Público e da Comunidade de preservá-lo para as presentes e futuras gerações38.

Todos aqueles, pessoas físicas ou jurídicas, que atentarem contra o meio

ambiente sofrerão a imposição de sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos causados39.

Porém, a sistematização da tutela penal veio a ser concluída posteriormente,

ou seja, após a edição da Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, mais conhecida,

como Lei dos Crimes Ambientais40.

34

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 49.

35 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 49.

36 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional

ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 66-67.

37 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15 ed. ver., atual. ampl. São Paulo:

Malheiros Editores, 2007. p. 117.

38 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeio: Editora Lumen Juris, 2008.

p. 65.

39 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 3

ed. rev., atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 201-202.

40 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional

ambiental brasileiro. p. 66-67.

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18

A respeito do diploma legal em comento, Ana Paula Fernandes Nogueira da

Cruz assevera que:

A Lei 9.605/98 trata de forma global as condutas que possam causar dano ou colocar em perigo o meio ambiente, tipificando sistematicamente as condutas lesivas em relação a cada um dos elementos considerados, inclusive em relação aos bens culturais. Além disso, [...] levou em consideração o caráter diferenciado do criminoso ambiental e o aspecto difuso dos bens ambientais, preferindo as penas restritivas de direitos e de prestação de serviços para a punição dos crimes ambientais, entendendo que elas seriam mais eficazes para reprimir as condutas lesivas aos bens ambientais, principalmente por atuarem como estimulantes negativos dessas condutas, sempre atendendo aos princípios da reparação integral do dano e da prevenção da lesão41.

Assim, não resta dúvida que a dignidade penal do meio ambiente é

inquestionável e se justifica, pois a doutrina entende que o critério de dignidade

penal é conferido à Constituição42. E é esta quem irá “fixar os bens jurídicos

fundamentais e determinar, explicita ou implicitamente, sejam eles tutelados pelo

Direito Penal”43.

Neste caminho, Alice Bianchini registra que “é na Constituição que estão

inscritos e que devem ser buscados os valores elementares da comunidade, [...]”44.

Nesse ínterim, a norma penal não é apenas cabível, bem como é essencial

na proteção do meio ambiente, pois como um direito fundamental previsto na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 225, o meio ambiente

pode e deve, por relevância, ser tutelado com sanções criminais45.

A proteção ao meio ambiente não é apenas uma opção do legislador, mas

decorre de uma determinação feita pela Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, mais especificamente em seu artigo 225, § 3º, que assim dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

41

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 50.

42 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 50.

43 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 51.

44 BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002. p. 28-30.

45 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. p.

211-212.

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dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados46.

Além do disposto no artigo 225, § 3º, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, a tutela penal do meio ambiente tem como

fundamentação o artigo 5º, XLI, do mesmo Diploma legal, que trata dos direitos e

liberdades fundamentais47.

Nesse sentido Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz assevera que:

[...]. Os direitos fundamentais têm por objeto a proteção da dignidade da pessoa humana – fundamento do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF). Nesta ordem de idéias, todos os direitos coletivos e difusos previstos na Constituição configuram espécie dos direitos fundamentais, a serem tutelados na forma do art. 5º, XLI, tendo em vista que configuram requisitos para a plena realização da pessoa humana e do gozo da vida com dignidade48.

Assim, o meio ambiente é um direito fundamental e integra o conceito de

dignidade da pessoa humana, haja vista que se constitui “bem essencial à sadia

qualidade de vida”49.

Neste diapasão, o meio ambiente é um bem jurídico relevante, dotado de

dignidade penal, e se constitui de um interesse fundamental de toda a sociedade50.

Diante disto, cabe destacar que se a Constituição da República Federativa

do Brasil reconhece o bem ambiental como valor jurídico constitucional, fica

claramente demonstrado a sua relevância e, em conseqüência, a incidência da

tutela penal51.

46

BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal.

47 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. p.

201-202.

48 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 56.

49 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal.

50 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 57.

51 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 57.

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20

Por derradeiro, se do contrário fosse, ou seja, se a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 não reconhecesse a necessidade da tutela

penal do bem ambiental, esta estaria reconhecida pelo intenso reclamo da

sociedade, como bem observa Luiz Régis Prado no seguinte escólio:

A dignidade de proteção de um bem se contempla segundo o valor conferido ao mesmo pela cultura; a necessidade de proteção se assenta em sua suscetibilidade de ataque e a capacidade de proteção se constata em relação à própria natureza do bem respectivo. Os bens dignos ou merecedores de tutela penal são, em princípio, os de indicação constitucional específica e aqueles que se encontrem em harmonia com a noção de Estado de Direito democrático, ressalvada a liberdade seletiva do legislador quanto à necessidade52.

Sempre é bom lembrar, que sendo o meio ambiente um bem essencial à

vida, portanto direito fundamental, “é um bem jurídico constitucionalmente relevante

e, como tal, digno de tutela criminal, nos exatos termos dos arts. 5º, XLI, e 225,

caput, e § 3º, da CF”53.

Nesta esteira, não resta dúvida a respeito da tutela penal do meio ambiente,

eis que consagrado, no texto constitucional, a responsabilização penal daqueles que

atentarem contra ou colocarem em perigo o meio ambiente (art. 225, § 3º, da

CF/88)54.

Todavia, é necessário abordar o problema da tutela penal do bem ambiental

sob o enfoque da sua necessidade, o que é imprescindível a este estudo.

1.3 A NECESSIDADE DA TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE

A respeito da tutela penal do bem ambiental sob o enfoque da sua

necessidade, a doutrinadora Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz aduz que “é

consenso entre os doutrinadores que a dignidade penal de um dado bem, por si só,

52

PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 78-79.

53 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 58.

54 FERREIRA, Ivete Senise. A tutela penal do patrimônio cultural. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995. p. 66.

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não é suficiente para determinar a incidência da tutela conferida pelo Direito

Penal”55.

De outro norte, sendo o meio ambiente um direito fundamental, “bem de uso

comum do povo”56, o legislador sancionou, em 12 de fevereiro 1998, a Lei 9.605/98,

que veio a disciplinar os crimes ambientais. Tudo isto atento ao preceito

constitucional estipulado no artigo 5º, XLI, da Constituição da República Federativa

do Brasil de 198857, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;58.

Explicando a temática Celso Antonio Pacheco Fiorillo acrescenta que o

artigo 5º, XLI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei

9.605/98, fizeram com que a tutela do meio ambiente fosse implementada de forma

mais rigorosa no ordenamento jurídico, qual seja, através da tutela penal59.

Sobre a incidência da tutela penal, Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz

assevera que esta vai se dar em razão de dois pressupostos: em primeiro lugar em

razão da elevada dignidade do bem, sendo que a sua proteção está diretamente

ligada a paz social e aos postulados fundamentais do sistema social (artigo 1º, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988); em segundo lugar tem-se a

necessidade da utilização desta tutela, considerada a mais grave do ordenamento

jurídico, uma vez que a proteção oferecida pelos outros ramos do Direito não é

satisfatória para tutelar a proteção desse bem60.

55

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 60.

56 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

57 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 59.

58 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal.

59 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 59.

60 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 61.

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22

Consoante acima ressaltado, o Direito deve ser a ultima ratio da política

social à medida que outras formas de tutela, não criminais, restaram insuficientes

para prevenir e reprimir as condutas lesivas a determinado bem61.

De outro norte, quando outras formas de tutela forem consideradas

suficientes na proteção de determinado bem, a pena e a medida de segurança não

devem intervir em tal proteção62.

Nesta linha, importante destacar que, além da administrativa e civil, a tutela

penal é necessária para proteger o meio ambiente, eis que a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 expressamente consigna em seu artigo 5º,

inciso XLI e artigo 225, § 3º, a necessidade da tutela penal na proteção ao meio

ambiente63.

Neste sentido é o alerta do Jurista Eládio Lecey:

A tutela penal no meio ambiente tem sido objeto de preocupação de todos, já que podemos afirmar, sem exagero, que a sobrevivência da espécie humana e sua digna qualidade de vida dependem da sustentação de um meio ambiente equilibrado ecologicamente64.

Ainda o autor, frisa a necessidade da proteção penal ao meio ambiente nos

seguintes termos:

O Direito Ambiental Penal incrimina não apenas o colocar em risco a vida, a saúde dos indivíduos e a perpetuação da espécie humana, mas o atentar contra a própria natureza, bem que, por si mesmo, deve ser preservado e objeto de tutela, pelo que representa às gerações presentes e futuras, [...]65.

Portanto, desde a vigência da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, vem se alterando a forma de encarar as práticas delituosas contra o

meio ambiente, há, inclusive, uma conscientização maior e uma rigidez não

excessiva, contudo apropriada à importância do bem ambiental66.

61

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. p. 465.

62 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 62.

63 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 63.

64 LECY, Eládio. Novos direitos e juizados especiais. A proteção do meio ambiente e os juizados

especiais criminais. Revista de Direito Ambiental, ano 4, n. 15, p. 9-17, São Paulo, jul.-set. 1999, p.10.

65 LECY, Eládio. Novos direitos e juizados especiais. A proteção do meio ambiente e os juizados

especiais criminais. p.11.

66 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. p.

232.

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Assim, a necessidade da sanção penal está ligada tanto à relevância do bem

ambiental protegido quanto na eficácia dissuasória. E é nesse sentido o seguinte

escólio de Eduardo Ortega Martin, citado por Ana Paula Fernandes Nogueira da

Cruz:

[...] o emprego de sanções penais para a proteção do meio ambiente em determinadas ocasiões se tem revelado como indispensável, não só em função da própria relevância dos bens protegidos e da gravidade das condutas a perseguir (o que seria natural), senão também pela maior eficácia dissuasória que a sanção penal possui67.

Por fim, vale frisar, que o dever de proteção do meio ambiente não é tarefa

exclusiva do Estado, pois segundo disposto na Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, artigo 225, caput, cabe a todos os indivíduos a obrigação de

proteger o meio ambiente68.

1.3.1 A tutela penal e as outras formas de tutela do meio ambiente

Consoante antes abordado, um dos critérios para definir a necessidade da

tutela penal (ultima ratio) é a análise, sob o enfoque da eficácia, das outras formas

de tutela jurídica prestadas por outros ramos do ordenamento na proteção de

determinado bem.

A incidência do Direito Penal sempre se dará em caráter subsidiário, ou seja,

quando a tutela prestada por outros ramos do Direito não bastar para proteger o

bem69.

A respeito da temática, Francisco de Assis Toledo acrescenta que:

A tarefa imediata do direito penal é, portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos. Nisso, aliás, está empenhado todo o ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve

67

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 64.

68 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. p.

232.

69 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 65.

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estender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum. Nada além disso70.

Diante do previsto no artigo 1º, III, c/c os artigos. 6º e 225, caput, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o meio ambiente é

pressuposto de exercício do direito à vida, integrando o conceito de dignidade

humana71.

Nesse ínterim, o meio ambiente “além de apresentar dignidade penal diante

da sua relevância social, a sua proteção por meio do Direito Penal é absolutamente

necessária”72.

Com efeito, vale ressaltar que além da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 consagrar o meio ambiente como um dos fundamentos da ordem

jurídica, estipula, no tocante a sua proteção, mais um argumento capaz de justificar

a necessidade da proteção do Direito Penal, qual seja, a responsabilidade

ambiental73.

Muito embora a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não

tenha definido se o regime da responsabilidade ambiental é objetivo ou subjetivo, a

Lei 6.938/81, em seu artigo 14, § 1º, definiu-o como objetivo, portanto independente

de culpa, in verbis:

Art. 14. [...] § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente74.

70

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 13-14.

71 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal. Organização de Luiz Flávio Gomes. 11 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

72 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 65.

73 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 65.

74 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938compilada.htm>. Acesso em 02 de setembro de 2009.

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25

Na responsabilidade objetiva ambiental quem danificar o meio ambiente tem

o dever jurídico de repará-lo. “Não se pergunta a razão da degradação para que haja

o dever de indenizar e/ou reparar”75.

No mesmo norte, está o disposto no artigo 927, parágrafo único, do Código

Civil de 2002, in verbis:

Art. 927. [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem76.

Nesse passo, o artigo 225, § 3º, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 estipulou uma tríplice responsabilidade ao poluidor (tanto pessoa

física como jurídica) do meio ambiente. A sanção penal em decorrência da

responsabilidade penal; a sanção administrativa, por conta da responsabilidade

administrativa e a sanção civil, em razão da responsabilidade atrelada à obrigação

de reparar o dano causado ao meio ambiente77.

Neste sentido, vale apresentar a lição de Antonio H. V. Benjamin, citado por

Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz:

Confrontado com a degradação do meio ambiente, o ordenamento jurídico, via Direito Ambiental, não se contenta, pois, com a reparação do prejuízo causado (admitindo-se que, na hipótese, isso seja possível), estabelecendo, em acréscimo, como resposta social ao comportamento ilícito, sancionamento penal e também administrativo. No Brasil, os três sistemas de responsabilização – civil, administrativo e penal se aplicam autônoma e cumulativamente. Objetivando resultados diversos são considerados autônomos. Assim é porque um sistema completo de preservação e conservação do meio ambiente supõe necessariamente a responsabilização dos causadores de danos ambientais e da maneira mais ampla possível, envolvendo as esferas civil, penal e administrativa78.

Como se denota, “é inevitável a conclusão de que a proteção dos bens

ambientais só possa efetivar-se a contento com a utilização de todas as formas de

75

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 347.

76 BRASIL. Vade Mecum. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.

77 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 49.

78 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 66.

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tutela jurídica, inclusive aquela que, por definição, é a mais forte de todas – a tutela

penal”79.

A responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente “é

concretizada em cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer e no

pagamento de condenação em dinheiro. Em geral, manifesta-se na aplicação desse

dinheiro em atividade ou obra de prevenção ou de reparação do prejuízo”80.

A responsabilidade administrativa está diretamente ligada à proteção

preventiva dos bens ambientais, ou seja, prevê instrumentos de prevenção dos

danos ao meio ambiente, entre eles, zoneamento, licenciamento, estudo prévio de

impacto ambiental81.

Porém, estes instrumentos não atendem a proteção reclamada pelos bens

ambientais, visto que “tal forma de tutela afigura-se muito fraca e não consegue a

função preventiva necessária a plena efetivação do princípio do poluidor-pagador”82,

diante da danosidade social das agressões ao meio ambiente.

Partindo da constatação de que os recursos ambientais são escassos e que

o seu uso acarreta a sua redução e degradação, o princípio do poluidor-pagador “[...]

não pretende recuperar um bem ambiental que tenha sido lesado, mas estabelecer

um mecanismo econômico que impeça o desperdício de recursos ambientais,

impondo-lhes preços compatíveis com a realidade”83.

As sanções administrativas (multa, advertência, apreensão de bens,

destruição ou mesmo utilização de produtos, suspensão de venda e fabricação,

embargo ou mesmo demolição de obras, suspensão parcial ou total de atividade e

ainda restritiva de direitos) destinadas a resguardar os bem ambientais de uso

comum do povo, são penalidades impostas pelos entes estatais (União, Estados,

Municípios e Distrito Federal), nos limites de suas competências, e estão

diretamente ligadas ao poder de polícia84 enquanto atividade da administração

pública85.

79

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 67.

80 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 341.

81 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 68.

82 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 69.

83 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. p. 48-49.

84 Atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade,

regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de

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A responsabilidade penal, fundamentada no princípio da culpabilidade e na

função preventiva da culpabilidade, ao contrário da reparação civil não é um

pagamento pelos danos causados. “Ela é limitada, por um lado pela culpabilidade do

agente diante do fato praticado e, por outro, pela prevenção geral e especial positiva

da pena a ser aplicada”86.

Como pondera Celso Antonio Pacheco Fiorillo, é importante registrar a

distinção entre o ilícito civil e o ilícito penal, para isso o doutrinador traz o escólio de

Nélson Hungria, nos seguintes termos:

[...] o ilícito penal é a violação do ordenamento jurídico contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única sanção adequada é a pena, enquanto o ilícito civil é a violação da ordem jurídica para cuja debelação bastam as sanções atenuadas da indenização, execução forçada, restrição in especie, breve prisão coercitiva, anulação do ato, etc. [...], a distinção está atrelada essencialmente aos valores atribuídos a determinadas condutas, em vista das circunstancias da época, da potencialidade do dano objetivo e do alarde social87.

Como já mencionado, o cerne principal da incidência da tutela penal está

ligado ao fato de que o Direito Penal somente irá legitimar-se a agir a partir do

momento em que o bem jurídico tenha expressiva relevância social e a tutela penal

seja a única forma realmente eficaz de proteção88.

Ademais, o Direito Penal vem acolhendo que a construção da lesão-tipo do

bem ambiental aproxima-se muito mais da idéia de perigo que da de dano89. A

previsão de tipos de perigo é uma realidade em nosso ordenamento jurídico penal-

ambiental (Lei n.º 9.605/98).

Como ensina Luiz Régis Prado, “a doutrina majoritária tem consagrado,

sobretudo para os tipos penais básicos em matéria ambiental a forma de delito de

atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (FELIPPE, Donaldo J. Dicionário jurídico de bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. 16. ed. São Paulo: Millennium Editora, 2004. p. 206.)

85 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 52-53.

86 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 69.

87 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. p. 53.

88 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 73.

89 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2002. p. 80-81.

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28

perigo, especialmente de perigo abstrato90, em detrimento do delito ou de resultado

material”91.

No mesmo sentido, os doutrinadores Vladimir Passos de Freitas e Gilberto

Passos de Freitas aduzem que antes da entrada em vigor da Lei 9.605/98 a maioria

dos crimes ambientais estava incluída na espécie dos crimes de dano.

Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei acima citada, a proteção ambiental

veio a ser consagrada na modalidade de crime de perigo92.

Em relação ao crime de perigo, a doutrina penal ensina que o delito

“consuma-se com o simples perigo criado para o bem jurídico”93, ou seja, se

consuma com a tão-só possibilidade de vir a ocorrer um dano ao bem jurídico

protegido94.

Acrescentando, Cezar Roberto Bitencourt ensina que:

[...] crime de perigo é aquele que se consuma com a simples criação do perigo para o bem jurídico protegido, sem produzir um dano efetivo. Nesses crimes, o elemento subjetivo é o dolo de perigo, cuja vontade limita-se à criação da situação de perigo, não querendo o dano, nem mesmo eventualmente95.

O perigo pode ser individual ou coletivo/comum. No primeiro se expõe ao

risco o interesse de uma só ou de um número determinado de pessoas, no segundo

são expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de

pessoas, como nos crimes de perigo comum previstos no Código Penal, nos artigos.

250, 25196.

E, ainda, o perigo pode ser concreto ou abstrato. Concreto é aquele que

precisa ser comprovado, ou seja, deve ser demonstrada a situação de risco que o

90

Aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha ocorrer um resultado de exposição a perigo. (ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General, Tomo I, 2. ed. 1997. p. 407)

91 PRADO, Luiz Régis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1992. p. 72.

92 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed.

rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 38.

93 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. 28 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 1. p.

189.

94 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. ed. rev.

e atual. São Paulo: Atlas, 2007. vol. 1. p. 124.

95 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. vol. 1. p. 213.

96 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 189.

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29

bem jurídico protegido está correndo; já o perigo abstrato é presumido juris et de

jure97 98, “presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe

ser ele perigoso”99.

Deste modo, admitindo-se o crime de perigo, inclusive, de perigo abstrato,

dispensando-se a produção do evento danoso para sua repressão, o poder estatal

atuará a tempo de evitar o dano ambiental100.

Quando um dano ambiental é consumado, dificilmente se conseguirá

devolver as características primitivas ou mesmo recuperá-las. Daí a necessidade de

evitá-los, quando possível101.

Nesse diapasão, a criminalização do perigo tem por fundamento o objetivo

de que a sociedade quer evitar o resultado da ação perigosa. Para não haver dano,

criminaliza-se, isto é, pune-se102.

No mesmo caminho, Vladimir de Passos de Freitas e Gilberto Passos de

Freitas destacam as palavras de Eládio Lecey:

Mais importante do que punir é prevenir danos ao meio ambiente. Pela expressividade do dano coletivo em matéria ambiental, impõe-se reprimir para que não ocorra o dano. Por isso, a tipificação de muitas condutas de perigo até abstrato que, não recomendável em matéria criminal, se mostra necessária na proteção do meio ambiente103.

Dessa forma, cabe trazer a baila, que nos últimos anos tem-se discutido

muito a respeito da técnica dos crimes de perigo abstrato, inclusive no campo do

Direito ambiental.

Estas discussões encontram-se amparadas no fato do caráter preventivo

que o Direito penal contemporâneo tem demonstrado, orientado na diminuição do

97

De direito e por direito. Presunção que não admite prova em contrário. (FELIPPE, Donaldo J. Dicionário jurídico de bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. p. 317.)

98 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 213.

99 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 124.

100 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 74.

101 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. p. 38.

102 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 350-351.

103 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. p. 39.

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30

risco e não mais na antiga idéia do direito penal clássico de punição, de vingança

institucionalizada, pela lesão do objeto protegido pela lei104.

Nesta senda, tem-se o seguinte entendimento:

Os crimes de perigo abstrato não buscam responder a determinado dano ou prejuízo social realizado pela conduta, senão evitá-la, barrá-la, prevenindo e protegendo o bem jurídico de lesão antes mesmo de sua exposição a perigo real, concreto, efetivo de dano. Ao fazer uso desta modalidade delitiva, quer o Direito Penal da atualidade proporcionar, ou melhor, dar a sensação de segurança ao corpo social105.

Por todo o exposto, Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz conclui que:

[...] a tutela penal é necessária para efetivar a proteção reclamada pelo bem ambiental. A construção de uma tutela penal fulcrada no aspecto da prevenção do dano é a única forma de se coibir a prática de condutas agressoras ao bem ambiental que, caso realizadas, causam um lesão irremediável. A proteção ambiental necessita de uma tutela eficaz somente propiciada pelo Direito Penal106.

Importante destacar, que as agressões ao meio ambiente estão diretamente

ligadas as bases da existência social; econômica, dada a sua relevância na escala

dos direitos fundamentais107.

Diante de tal relevância, estipulada pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, o bem ambiental goza de proteção máxima. Porém,

cabe frisar que deve ser observado o caráter fragmentário do Direito Penal e o

princípio da subsidiariedade que vão limitar o poder estatal, permitindo a tutela penal

apenas nos casos das mais graves agressões ambientais, em relação a qual as

outras formas de tutela mostram-se insuficientes108.

Assim sendo, quando a responsabilidade civil e a tutela administrativa forem

suficientes para reprimir os danos/agressões ambientais, não há que se falar em

104

ROMERO, Diego. Reflexões sobre os crimes de perigo abstrato. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 439, 19 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5722>. Acesso em: 02 out. 2009.

105 ROMERO, Diego. Reflexões sobre os crimes de perigo abstrato. Jus Navigandi, Teresina, ano 8,

n. 439, 19 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5722>. Acesso em: 02 out. 2009.

106 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 76.

107 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 77.

108 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 78.

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31

incidência da tutela penal ambiental, pois se do contrário fosse, haveria afronta aos

princípios básicos que regem o Direito penal democrático109.

Analisada, portanto, a tutela penal do meio ambiente, passa-se à análise da

culpabilidade sob seu aspecto dogmático que – conforme será visto no último

capítulo deste trabalho – influenciará na concepção e aplicação daquela.

109

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 78.

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32

2 A CULPABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Antes de iniciar o estudo deste tópico, é necessário fazer um estudo de

alguns pontos da norma penal, especificamente da teoria do delito, relevantes à

análise que se pretende fazer até o final desta análise.

Neste passo, estritamente conceitual, apresentam-se os ensinamentos

doutrinários acerca da teoria do delito, bem como suas formas e aspectos.

Superado este momento, abordar-se-á acerca da culpabilidade no

ordenamento jurídico, demonstrando, ainda, seu conceito de acordo com as teorias

existentes, suas funções, seus elementos e as causas de exclusão.

2.1 A TEORIA DO DELITO

2.1.1 O conceito de crime

Diante da dogmática penal, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini

ensinam que o conceito de crime é essencialmente jurídico e, que ao contrário das

leis antigas, o Código Penal não define crime, deixando o conceito à elaboração da

doutrina110.

No Brasil adota-se a classificação bipartida, onde infração penal ou é um

crime ou uma contravenção, sendo a expressão “delito” sinônima de “crime”111.

Neste caminho, a Lei de Introdução do Código Penal brasileiro dispõe que:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente112.

110

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 81.

111 QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 144.

112 BRASIL. Decreto-Lei 3.914, de 09 de dezembro de 1941. Código Penal, Código de Processo

Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal.

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33

Dentre a doutrina penal, Fernando Capez ensina que “o crime pode ser

conceituado sob os aspectos material, formal ou analítico”113.

Neste sentido, passa-se a conceituar o crime sob os aspectos material,

formal e analítico.

2.1.1.1 Conceito material de crime

Sob o aspecto material de crime, a doutrina identifica-o como sendo a

essência do conceito de crime, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado

crime e outro não114.

Nesse sentido, “crime pode ser definido como todo fato humano que,

propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos

considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”115.

Corroborando ao entendimento de Fernando Capez, Damásio de Jesus

define crime sob o aspecto material como uma violação de um bem jurídico

penalmente protegido116.

Relacionando, Luiz Régis Prado acrescenta que “o delito constitui lesão ou

perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de caráter individual, coletivo e difuso”117.

Como visto no capítulo anterior, o bem jurídico “compreende a relação de

disponibilidade entre coisas e pessoas, amparadas pelo Estado, por intermédio de

normas e preceitos, cuja desobediência passa a implicar sanção”118.

Além do mais, é missão do Direito Penal prover a segurança jurídica,

protegendo de forma diferenciada certos bens considerados essenciais para que o

indivíduo possa viver harmonicamente em sociedade119.

113

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 1. p. 112.

114 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 112.

115 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 112.

116 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 151.

117 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 235.

118 FELIPPE, Donaldo J. Dicionário jurídico de bolso: terminologia jurídica: termos e expressões

latinas de uso forense. p. 43.

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34

Portanto, tendo o Estado o dever de zelar pelo bem comum, mantendo a

ordem, a harmonia e o equilíbrio social, é necessário valorar os bens de interesses

individuais e coletivos, protegendo-se, através da lei penal, mais especificamente,

através da aplicação da pena, esses bens, que passam a ser juridicamente tutelados

pela lei penal120.

Abordado o aspecto material de crime, passa-se ao conceito formal.

2.1.1.2 Conceito formal de crime

O conceito de crime sob o aspecto formal é uma mera subsunção da

conduta ao tipo legal, considerando infração tudo aquilo que o legislador descrever

como tal, pouco importando o seu conteúdo121.

As definições formais de crime visam apenas o aspecto externo do crime,

não entrando em seu conteúdo, sua matéria122.

Fernando Capez assegura que “considerar a existência de um crime sem

levar em conta sua essência ou lesividade material afronta o princípio constitucional

da dignidade humana”123.

Corroborando do entendimento, Luiz Régis Prado acrescenta que o delito é

definido sob o ponto de vista do Direito positivo, isto é, o que a lei penal vigente

incrimina, fixando seu campo de abrangência – função de garantia124.

Apresentado o aspecto formal, apresenta-se o aspecto analítico de crime,

conforme segue.

119

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 24 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 115-116.

120 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 82.

121 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 112.

122 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 82.

123 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 112.

124 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 235

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35

2.1.1.3 Conceito analítico de crime

O aspecto analítico de crime “é aquele que busca, sob um prisma jurídico,

estabelecer os elementos estruturais do crime”125, propiciando uma decisão mais

correta e justa sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador

desenvolva o seu raciocínio em etapas126.

A doutrina brasileira funda divergência sobre quais são os elementos

estruturais do crime, ou melhor, se a culpabilidade integra ou não a estrutura do

delito, dividindo-se em duas teorias, quais sejam, bipartida e tripartida.

Na teoria bipartida o crime é todo fato típico e ilícito, devendo, em primeiro

lugar ser observada a tipicidade da conduta, que vem a ser um fato que se subsume

a uma norma penal incriminadora ou, o comportamento humano que provoca um

resultado e é previsto na lei penal como crime. Em caso positivo, deve se observar

se a mesma é ilícita, ou seja, existe contrariedade entre o fato típico e o

ordenamento jurídico, figurando a culpabilidade como mero pressuposto de pena127.

Porém, para teoria tripartida, adotada pelo Código Penal brasileiro, além do

fato ser típico e ilícito, verifica-se se o autor deve ou não sofrer um juízo de

reprovação pelo crime que cometeu128.

Assim, analiticamente o crime é um fato típico, antijurídico e culpável, sendo

que a tipicidade é a conduta descrita numa norma penal incriminadora, a

antijuridicidade é, se além de típica, a conduta também for contrária ao ordenamento

jurídico como um todo e, sendo uma ação típica e antijurídica, cumprirá verificar a

culpabilidade do agente, ou seja, um juízo de reprovação sobre a conduta praticada

pelo autor do delito129.

A culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligando o

ser humano a um fato típico e antijurídico. Reprovação esta que recai

125

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 113.

126 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 112.

127 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 154-155.

128 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 112.

129 QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. p. 150-151.

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36

exclusivamente sobre o agente, pois esse tinha a possibilidade de não fazer e o fez,

sendo seu comportamento contrário a norma jurídica130.

No aspecto analítico ou dogmático, o delito é decomposto em suas partes

constitutivas – estruturadas, tornando-se mais segura sua subsunção. Como uma

questão metodológica, ou seja, decompõe-se de forma sucessiva o todo em partes,

visando agrupá-las em ordem simultânea131.

Por oportuno, cumpre apresentar os ensinamentos doutrinários de Eugenio

Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli a respeito da estrutura analítica do crime,

conforme segue:

O conceito de delito como conduta típica, antijurídica e culpável – que desenvolvemos - elabora-se conforme um critério sistemático que corresponde a um critério analítico que primeiro observa a conduta e depois o seu autor: delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável). O injusto (conduta típica e antijurídica) revela o desvalor que o direito faz recair sobre a conduta em si, enquanto a culpabilidade é uma característica que a conduta adquire por uma especial condição do autor (pela reprovabilidade), que do injusto se faz ao autor132.

Em que pese à teoria tripartida ser a teoria adotada pelo Código Penal

brasileiro, surge, no ordenamento jurídico brasileiro, impulsionado pelos estudos de

Luiz Flávio Gomes, um novo modelo de delito pouco conhecido ou desenvolvido no

Brasil, ou seja, a teoria do delito fundada em bases constitucionais.

Na teoria constitucionalista do delito, o crime é entendido como injusto

punível e exige três requisitos para caracterização: fato materialmente típico, que é o

fato concreto, aquele que realiza uma ofensa ao bem jurídico; a antijuridicidade, que

é objetiva porque independe da culpabilidade do agente; e, a punibilidade abstrata,

ou seja, o fato ameaçado com pena. Compreendido como injusto penal é composto

de dois requisitos: fato materialmente típico e antijuricidade133.

130

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 155.

131 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 236.

132 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro:

parte geral. 5 ed. rev.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 373.

133 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004. vol. 3. p.58.

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37

A teoria em comento aborda a teoria do delito fundada em bases

constitucionalistas, ou seja, diretamente atrelada ao modelo de Estado vigente, que

é o Constitucional e Democrático de Direito134.

Partindo dessa premissa, a teoria constitucionalista do delito conceitua delito

em “uma ofensa (intolerável) ao bem jurídico protegido pela norma penal”135.

Após apresentados os conceitos de crime segundo seus aspectos, passa-se

a explanar acerca da culpabilidade no ordenamento jurídico.

2.2 A CULPABILIDADE NA DOGMÁTICA PENAL

Ao tratar da culpabilidade no ordenamento jurídico, é importante destacar

que, nos tempos antigos, para a caracterização do crime e conseqüente imposição

de pena, era necessário apenas o nexo de causalidade material entre a conduta e o

resultado (responsabilidade penal objetiva), ou seja, não era necessário o agente

agir com dolo ou culpa ou ficar demonstrada sua culpabilidade136.

No entanto, o direito penal caracterizou sua evolução pelo abandono da

responsabilidade objetiva, isto é, a existência do nexo de causalidade material entre

a conduta e o resultado não eram mais suficientes para responsabilização do

agente137, descobrindo-se assim um elemento subjetivo, caracterizador da

responsabilidade penal138 (vontade e previsibilidade), dando margem às primeiras

idéias de culpabilidade no ordenamento jurídico.

Com efeito, tem-se a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal,

que em seu item 18, assim dispõe:

O princípio da culpabilidade estende-se, assim, a todo o Projeto. Aboliu-se a medida de segurança para o imputável. Diversificou-se a tratamento dos partícipes, no concurso de pessoas. Admitiu-se a escusabilidade da falta de consciência da ilicitude. Eliminaram-se os

134

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. p.26.

135 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. p.26.

136 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 457.

137 MIRABETE, Julio Fabrinni; FABRINNI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 191.

138 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 47.

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38

resíduos de responsabilidade objetiva, principalmente os denominados crimes qualificados pelo resultado139.

Será possível verificar, no próximo tópico, após o estudo das teorias que

envolvem o conceito de culpabilidade, que todas se caracterizam pela busca do

fundamento da responsabilidade penal, sempre ligada aos conceitos filosóficos, no

seu ambiente social e político do momento140.

Daí pode-se dizer que o Direito Penal, no decorrer da evolução cultural,

encontra-se na era da culpabilidade, baseado na culpa do autor da conduta. E, é

neste passo, que o princípio da culpabilidade está enquadrado dentro do rol de

direitos e garantias fundamentais que partem do conceito de dignidade humana141

que fundamentam o Estado de Direito142.

Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz, ao comentar o tema, cita a seguinte

lição de Antonio Luis Chaves Camargo143:

Há uma relação estreita entre o Direito Penal e a Constituição Federal, pois nesta se encontram os princípios fundamentais que devem ser levados em consideração por todo o sistema jurídico-penal. As normas penais são criadas como garantidoras da ordem social, e, por limitar o direito à liberdade e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas, têm, nos direitos fundamentais, os limites desta intervenção do Estado.

Embora a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a

exemplo das cartas constitucionais anteriores, não tenha contemplado

expressamente o princípio da culpabilidade, não significa que ela não o consagrou

como princípio constitucional do Direito Penal, pois a definição do princípio da

legalidade penal, basta, por si só, para que se reconheça o princípio da

culpabilidade no ordenamento jurídico nacional144.

139

BRASIL. Lei 7.209, de 11 de julho de 1984. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal.

140 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 47.

141 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios

e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal.)

142 CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 81.

143CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 82.

144 CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 93.

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39

Neste sentido, todas as garantias constitucionais contidas no art. 5°, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988l, dentre elas: a) princípio da

legalidade penal (XXXIX); b) princípio da irretroatividade da lei penal (XL); c)

princípio da personalidade da pena (XLV); d) princípio da individualização da pena

(XLVI); e) princípio humanitário (XLVII); f) princípio da individualização da pena

aplicado à sua execução (XLVIII); g) respeito à integridade física e moral dos presos

(XLIX); h) princípio do estado de inocência (LVII), se dedicam a tornar eficaz o

postulado da dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito em

que se constitui a República Federativa do Brasil (art. 1°, II, da Constituição

Federal), e, estão informados pelo princípio da culpabilidade na medida em que vão

efetivar a missão protetiva do Direito Penal145.

Em se tratando da culpabilidade como garantia constitucional, Ana

Paula Fernandes Nogueira da Cruz cita o seguinte excerto de Francesco C. Palazzo:

Esquematicamente, pode-se dizer que a „virtude‟ constitucional do princípio da culpabilidade é dúplice, inscrevendo-se ora como fundamento da pena e do próprio jus puniendi, ora como limite da intervenção punitiva do Estado. [...] A culpabilidade, como fundamento da pena, projeta o sistema penal numa perspectiva eticizante, no centro da qual está o homem, como sujeito de responsabilidade moral, entendido, pois, em sua característica capacidade de auto-determinação, para o „mal‟ e para o „bem‟. Em tal acepção, o princípio da culpabilidade faz penetrar suas raízes constitucionais no super-ordenado princípio da intangibilidade da dignidade humana: o seu fundamento constitucional pode dizer-se, então, substancial-personalístico146.

Neste sentido “a culpabilidade, no Estado Democrático de Direito é, [...], o

limite máximo do poder punitivo do Estado e a sua falta constitui a esfera dentro da

qual não é lícito ao Estado fazer incidir a sanção penal.”147.

Considerando o breve histórico e fundamentos constitucionais acerca da

culpabilidade, passa-se ao estudo das teorias da culpabilidade contidas em nosso

ordenamento jurídico.

145

CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 95.

146 CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 87-88.

147 CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 97.

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40

2.2.1 Teorias da culpabilidade

Dentre as diversas teorias acerca da culpabilidade existente em nosso

ordenamento jurídico se destaca as de maior relevância e, principalmente, aquelas

que mais se coadunam com o objetivo central deste estudo.

São elas: teoria psicológica; teoria psicológico-normativa e teoria normativa

pura.

A teoria psicológica da culpabilidade, historicamente a mais tradicional, deu-

se através do positivismo científico do século XIX, impulsionado por Darwin, Spencer

e Comte148.

Para esta teoria, a culpabilidade significa a ligação psicológica entre o

agente e o fato, a posição psicológica do sujeito diante do fato cometido, ou seja, a

responsabilidade do autor pelo delito que praticou149.

Nesse sentido, Damásio de Jesus afirma que na teoria em comento, a

culpabilidade era formada pelo dolo ou pela culpa, que são suas espécies, eis que

não apresentava nenhum outro elemento constitutivo. Tanto é que assim anota:

[...], a culpabilidade reside na relação psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito diante do fato cometido. Compreende o estudo do dolo e da culpa, que são duas espécies. [...] O dolo é caracterizado pela intenção (ou assunção do risco) de o agente produzir o resultado; a culpa, pela inexistência dessa intenção ou assunção do risco de produzi-lo150.

De outro lado, além do dolo e da culpa serem formas de responsabilidade,

na maioria das vezes, a imputabilidade se caracterizava como pressuposto da

culpabilidade. E, por imputabilidade entendia-se como a capacidade do agente em

compreender o caráter ilícito do fato e de determina-se de acordo com esse

entendimento151.

148

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 424.

149 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 48.

150 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 460.

151 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 48-49.

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Desta forma, a vivência do direito acabou por determinar a fragilidade da

teoria em comento, principalmente porque reunia em sua essência dois elementos

antagônicos, o dolo caracterizado pelo querer e a culpa pelo não querer152.

Face ao tema, ponderam Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:

[...], a partir dos estudos de Frank, passou-se a entender que o dolo e a culpa eram insuficientes para se falar em culpabilidade, não sendo modalidades, mas elementos desta. Dolo e culpa, como liames psicológicos entre o agente e o fato, devem ser valorados normativamente. Há que se fazer um juízo de censura sobre a conduta. O fato somente é censurável se, nas circunstâncias, se pudesse exigir do agente um comportamento de acordo com o direito153.

Arrematando, Marco Antonio R. Nahum esclarece que “não há que se

confundir censurável com juízo de censura. Censurável é a conduta do agente.

Censurabilidade, como essência da culpabilidade, é atributo do crime, enquanto

juízo de censura é a avaliação que se faz sobre a conduta do agente”154.

Assim, diante de tais contradições acerca da teoria psicológica, fruto do

sistema naturalista de Liszt e Beling, chegou-se aos elementos normativos e

subjetivos do tipo155, dando origem à teoria psicológico-normativa da culpabilidade.

A teoria psicológico-normativa ou normativa complexa da culpabilidade teve

como principal precursor o alemão Reinhard Von Frank, com seu trabalho sobre a

estrutura do conceito de culpabilidade, publicado em 1907, onde introduziu, pela

primeira vez na estrutura da culpabilidade, o conceito de responsabilidade156,

conferindo uma nova dimensão a culpabilidade157.

Formada a partir das percepções de que o dolo e a culpa não podiam ser

espécies da culpabilidade, pois havia entre eles um elemento positivo (dolo) e um

negativo (culpa), foi que Frank percebeu a existência de condutas dolosas não

152

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 460-461.

153 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 192.

154 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 67.

155 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 303.

156 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 49.

157 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 425.

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culpáveis e que o dolo e a culpa não podem ser considerados espécies, mas

elementos da culpabilidade158.

Para explicar a percepção de Frank, Ney Moura Teles aduz:

A partir desta constatação, ele verificou que o sujeito só podia ser considerado culpado, e, de conseqüência, merecer a sanção penal, quando o seu comportamento tivesse sido reprovável, censurável, e isto só era possível quando ele tivesse possibilidade de conduzir-se de forma diferente159.

A evolução dessa teoria também se deu com pesquisadores como James

Goldschmidt e Berthold Freudenthal, recebendo, por fim, contornos definidos por

Mezger, que enfatizando os aspectos normativos, conceituou a culpabilidade como

“o conjunto dos pressupostos da pena que fundamentam, diante do autor, a

reprovabilidade pessoal da ação antijurídica”160.

Portanto, o grande mérito da teoria em comento está no fato de trazer ao

conceito de culpabilidade um juízo de reprovação da conduta do agente, tendo como

pressuposto a imputabilidade, ou seja, possuir autodeterminação e compreensão do

comando normativo, e como elementos o dolo, a culpa em sentido estrito

(negligência, imprudência e imperícia) e a exigibilidade, nas circunstâncias, de um

comportamento conforme a norma161.

Corroborando, está à explicação de Ney Moura Teles:

Em síntese, para a teoria psicológico-normativa ou normativa, a culpabilidade é a reprovabilidade da conduta do agente pelo fato, doloso ou culposo, por ele realizado. O pressuposto da culpabilidade é a imputabilidade, e os seus elementos são: o dolo ou a culpa em sentido estrito (elemento psicológico-normativo), e a exigibilidade de conduta diversa (elemento normativo)162.

Assim, a teoria psicológico-normativa conquista grandes vitórias ao longo de

sua evolução, porém, questões controvertidas ainda predominam acerca da

culpabilidade, como por exemplo, o dolo como elemento desta.

158

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 460.

159 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I. ed. São Paulo: Editora de Direito, 1996, p. 352.

160 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 426.

161 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 51.

162 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I. p. 355.

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Surgem então, novas idéias e com elas a teoria normativa pura da

culpabilidade, derivada da teoria finalista da ação, na década de 30, tendo hoje

grande acolhida dentre os doutrinadores brasileiros163.

Teve como principal defensor Welzel, que retirou da culpabilidade o dolo e a

culpa, deslocando-os para a tipicidade. No lugar do dolo e da culpa, Welzel

concebeu na culpabilidade a consciência atual da ilicitude como consciência

potencial da ilicitude164.

Na teoria finalista da ação, ou o caráter final da ação, o homem pode prever,

dentro de certos limites, as conseqüências possíveis de suas atitudes,

acrescentando, assim, a finalidade à idéia de causalidade165.

Quanto a estas modificações, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini

comentam: “o dolo e a culpa pertencem à conduta. [...]. A culpabilidade é, [...], a

reprovabilidade da conduta típica e antijurídica”166.

Partindo dos ensinamentos de que o dolo e a culpa integram a conduta, e

passam a ser valorados na tipicidade, a culpabilidade passa a ser puramente

valorativa ou normativa (juízo de valor, de reprovação) que irá recair sobre o autor

do injusto penal excluída de qualquer dado psicológico167.

Desse modo, os elementos da culpabilidade, segundo a teoria finalista e

normativa pura são: imputabilidade; potencial consciência da ilicitude e exigibilidade

de conduta diversa. Assim, deve o juiz examinar cada um deles e fazer o juízo de

reprovação pessoal ao autor da conduta168.

Destarte, ao conceituar culpabilidade, Ney Moura Teles anota:

Culpável, portanto, é o fato praticado por um sujeito imputável que

tinha possibilidade de saber que seu comportamento era proibido

pelo ordenamento jurídico, e que, nas circunstâncias em que agiu,

poderia ter agido de modo diferente, conforme o direito169.

163

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 304.

164 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 52.

165 QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. p. 135.

166 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 192.

167 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 305.

168 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: culpabilidade e teoria da pena. Co-edição. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. vol. 7. p.15.

169 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I. p. 358.

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A teoria normativa pura da culpabilidade possui, ainda, duas derivações,

quais sejam, a teoria estrita ou extremada da culpabilidade e a teoria limitada da

culpabilidade170.

A respeito da teoria estrita ou extremada da culpabilidade, os doutrinadores

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli ensinam que “a possibilidade de

compreensão do injusto (conhecimento potencial) encontra-se na culpabilidade,

permanecendo alheia ao dolo, quer este se localize no tipo (estrutura finalista) quer

na culpabilidade (estrutura causalista)”171.

A teoria limitada da culpabilidade, adotada pelo Código Penal brasileiro, está

prevista na Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro, item 19, onde legislador

afirma que “o Projeto se ajusta à teoria limitada da culpabilidade, que distingue o

erro incidente sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação do que

incide sobre a norma permissiva” 172.

Na teoria em comento “a consciência da antijuridicidade pertence à

culpabilidade, mas quando depende do conhecimento da falta de situação de

justificação localiza-se na tipicidade (dolo)”173.

Após apresentadas as tradicionais teorias referentes à culpabilidade,

passaremos as suas funções, conforme segue.

2.2.2 Funções da culpabilidade

A culpabilidade conta com um triplo sentido/significado, constituído de: I –

fundamento da pena (sem culpabilidade devidamente constatada jamais pode existir

pena); II – elemento de determinação/limite de pena (CP, art. 29: cada um é punido

nos limites da sua culpabilidade); e III – fator de sua graduação (CP, art. 59: o juiz,

170

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 305.

171 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro:

parte geral. 5 ed. rev.e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 587.

172 BRASIL. Lei 7.209, de 11 de julho de 1984. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação

Penal e Processual Penal, Constituição Federal.

173 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro:

parte geral. p. 587.

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no momento de aplicação da pena, leva em conta a culpabilidade do agente,

antecedentes)174.

Analisando cada um dos significados constitutivos da culpabilidade tem-se,

em primeiro lugar, a culpabilidade como fundamento de pena, ou seja, a

possibilidade ou impossibilidade de aplicação de uma pena ao autor de um fato

típico e ilícito. Aqui, exige-se a presença dos seguintes requisitos: capacidade de

culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta diversa175.

Como segundo significado constitutivo da culpabilidade apresenta-se a

culpabilidade como elemento da determinação ou mediação da pena, onde a

culpabilidade funciona como limite da pena, impedindo que a medida punitiva seja

aplicada aquém ou além da medida prevista pela culpabilidade176.

De outro norte, Marco Antonio R. Nahum anota que:

A culpabilidade limita, diretamente, a função punitiva do Estado porque está intimamente vinculada à dignidade humana e não à pena. Essa dignidade humana é limite da pena, mas não faz parte de sua essência. O homem há que se submeter às exigências do Estado, mas não ao seu arbítrio, daí a vinculação da culpabilidade à pena sem que a componha177.

Cumpre observar que o terceiro significado constitutivo da culpabilidade,

previsto no artigo 59 do Código Penal (fator de graduação da pena), expressa a

posição do agente em relação ao bem jurídico violado. Sendo possíveis três

hipóteses: a) posição de total menosprezo (dolo direto); b) indiferença (dolo indireto

ou eventual) e c) descuido (crime culposo), que serão levadas em consideração pelo

magistrado no momento de aplicação da pena178.

Por derradeiro, ainda tem-se a culpabilidade como conceito contrário à

responsabilidade objetiva. Aqui, o princípio da culpabilidade impede a atribuição da

174

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: culpabilidade e teoria da pena. Co-edição. p.18.

175 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 6 ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2000. vol.1. p. 272-273.

176 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: culpabilidade e teoria da pena. Co-edição. p.18.

177 NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de

culpabilidade. p. 64.

178 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: culpabilidade e teoria da pena. Co-edição. p.18-

19.

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responsabilidade objetiva, ou seja, ninguém responderá por um resultado

absolutamente imprevisível se não tiver agido com dolo ou culpa179.

Portanto, a função da pena criminal, no Direito Penal, não se reveste de

caráter metafísico ou transcendente no sentido de ser algo destinado a “fazer

justiça”, mas sim de uma necessidade do ordenamento jurídico para a proteção de

seus mais relevantes valores, ou seja, a tutela dos bens jurídicos protegidos180.

Em um Estado que garanta minimamente os direitos e garantias

fundamentais, especificamente o princípio constitucional da legalidade penal, para

uma pena ser aplicada ela deve estar legitimada pelo princípio da culpabilidade, pois

para haver sanção penal é preciso que o fato seja típico, ilícito e culpável181.

Concluído a análise das principais funções da culpabilidade no ordenamento

jurídico, passa-se ao estudo dos elementos que a compõem.

2.2.3 Elementos da culpabilidade

São três os elementos da culpabilidade: a) imputabilidade; b) potencial

consciência da ilicitude; e c) exigibilidade de conduta diversa.

Fernando Capez define imputabilidade como “a capacidade de entender o

caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O

agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está

realizando um ilícito penal”182.

O artigo 26183 do Código Penal conceitua indiretamente, a contrario sensu,

imputabilidade, pelo conceito de inimputabilidade.

179

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. p. 272-273.

180 CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 111.

181 CRUZ, Ana Paula Fernandes da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 113.

182 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 306.

183 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto

ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal).

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Nesses termos, Damásio E. de Jesus considera como imputável o “sujeito

mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter ilícito do fato e de

determinar-se de acordo com esse entendimento”184.

Luiz Régis Prado define imputabilidade como “a plena capacidade (estado

ou condição) de culpabilidade, entendida como a capacidade de entender e de

querer, e, por conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável responde pelos

seus atos)”185.

Para definir a capacidade de entender o caráter criminoso do fato, Fernando

Capez ensina que a capacidade compreende não apenas a possibilidade de

entendimento e de vontade (capacidade normal de querer), mas também

capacidade processual de praticar atos186.

É importante frisar a distinção entre imputabilidade e responsabilidade, visto

que esta é mais ampla e compreende a primeira. Assim, imputabilidade é um

requisito da responsabilidade, ou seja, a aptidão do agente para ser punido por atos

ilícitos que venha a praticar187.

Não basta, porém, a imputabilidade. É indispensável, para o juízo de

reprovação, que o sujeito possa conhecer, mediante algum esforço de consciência,

a antijuridicidade da conduta praticada188.

Porém, é necessário apurar se o agente poderia agir, em lugar da vontade

antijurídica da ação praticada, conforme o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do

fato ou podia reconhecê-la, eis que somente então haverá configurado a falta ao

dever imposto pelo ordenamento jurídico189.

Importante ressaltar que a ausência do elemento – potencial consciência da

ilicitude – dá lugar ao erro de proibição disposto no artigo 21190, do Código Penal.

184

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 469.

185 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 421.

186 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 307.

187 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 307.

188 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 194.

189 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 425.

190 Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável,

isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal).

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De outro norte, Luiz Regis Prado explica que “esse conhecimento potencial

não se refere às leis penais, basta que o agente saiba ou tenha podido saber que o

seu comportamento contraria o ordenamento jurídico”191.

Ainda, ao tecer comentários acerca da potencial consciência da ilicitude,

Fernando Capez explica:

[...] o que importa é investigar se o sujeito, ao praticar o crime, tinha a possibilidade de saber que fazia algo errado ou injusto, de acordo com o meio social que o cerca, as tradições e costumes locais, sua formação cultural, seu nível intelectual, resistência emocional e psíquica e inúmeros outros fatores192.

Assim, chega-se ao último elemento da culpabilidade, qual seja, a

exigibilidade de conduta diversa.

Fernando Capez ao conceituar a exigibilidade de conduta diversa assevera

que “consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi

adotado pelo agente”193.

Entretanto, para que a conduta seja reprovável não é suficiente que o sujeito

seja imputável e tenha conhecimento da antijuridicidade do fato praticado, exige-se,

além dos dois primeiros, que o agente pudesse praticar comportamento diverso do

perpetrado, de acordo com o ordenamento jurídico194.

Neste sentido, Luiz Regis Prado esclarece:

Trata-se de elemento volitivo da reprovabilidade, consistente na exigibilidade da obediência à norma. Para que a ação do agente seja reprovável, é indispensável que se lhe possa exigir comportamento diverso do que teve. Isso significa que o conteúdo da reprovabilidade repousa no fato de que o autor devia e podia adotar uma resolução de vontade de acordo com o ordenamento jurídico e não uma decisão voluntária ilícita195.

Portanto, é a reprovação da conduta praticada pelo agente que, em

determinadas circunstâncias, não pode vir a acontecer, pois o agente pode não ter a

possibilidade de agir conforme a norma. Somente após analisar os atos que

191

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 439.

192 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 324.

193 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 326.

194 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 194.

195 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 440.

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materializam a personalidade do agente, pode-se fazer o juízo da exigibilidade ou

inexigibilidade do comportamento humano196.

Importante frisar que a idéia de exigibilidade atravessa todo o direito, não

apenas o direito penal, constituindo-se um princípio regular e informador de todo o

ordenamento jurídico197.

Por fim, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini ensinam:

Assim, só há culpabilidade se o sujeito, de acordo com suas condições psíquicas, podia estruturar sua consciência e vontade de acordo com o direito (imputabilidade); se estava em condições de poder compreender a ilicitude de sua conduta (possibilidade de conhecimento de ilicitude); se era possível exigir, nas circunstâncias, conduta diferente daquela do agente (exigibilidade de conduta diversa)198.

Assim, concluído o estudo dos elementos que compõem a culpabilidade,

passa-se a análise das causas de exclusão da culpabilidade.

2.2.4 Causas de exclusão da culpabilidade

Como visto, a culpabilidade conta com três elementos, são eles: 1- a

capacidade de querer e de entender (imputabilidade); 2 – a consciência da ilicitude

(real ou potencial); e 3 – a normalidade das circunstâncias (exigibilidade de conduta

diversa)199.

Assim, “se a culpabilidade conta com estes três elementos, qualquer causa

que afaste um deles, consequentemente, elimina a própria culpabilidade”200 .

O Código Penal prevê como excludentes da culpabilidade: a)

inimputabilidade, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto

ou retardado; b) inimputabilidade do menor de 18 anos; c) embriaguez involuntária

196

NAHUM, Marco Antonio R. Inegixibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de culpabilidade. p. 71-72.

197 QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. p. 163.

198 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 194.

199 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. p. 349.

200 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: culpabilidade e teoria da pena. Co-edição. p. 23.

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50

completa; d) erro de proibição inevitável; e) obediência hierárquica a ordem não

manifestamente ilegal; f) coação moral irresistível201.

Como a imputabilidade diz respeito à capacidade do agente entender e de

querer, ou seja, ter capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de agir de

acordo com esse entendimento, a inimputabilidade, por sua vez, diz respeito a

quem, ao tempo da conduta (ação ou omissão), revela-se inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de agir de acordo com esse entendimento202.

Neste sentido, o artigo 26, caput, do Código Penal, aduz: “é isento de pena o

agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,

era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito

do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”203.

Ney Moura Teles explica que o Código Penal adotou como regra o sistema

biopsicológico de aferição da inimputabilidade, e anota que:

Nem todo doente mental, portador de desenvolvimento mental incompleto ou retardado é inimputável. É necessário que, em conseqüência do pressuposto biológico, seja ele inteiramente incapaz de entender o caráter ilícto do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento204.

Quanto à menoridade penal, ou seja, aqueles com menos de 18 anos na

data do fato, o Código Penal estabelece em seu artigo 27205, que esses serão

considerados inimputáveis, ou seja, incapazes de culpabilidade, respondendo pelos

seus atos infracionais de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente206.

Como última causa de inimputabilidade, a embriaguez fortuita completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior, exclui a imputabilidade penal e, em

201

QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. p. 320.

202 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. p. 351.

203 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal.

204 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I. p. 360-361.

205 Art. 27. Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas

estabelecidas na legislação especial. (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal).

206 BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990.Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação

Penal e Processual Penal, Constituição Federal.

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51

conseqüência, a culpabilidade, conforme disposto no artigo 28, § 1º207, do Código

Penal.

Acerca da embriaguez por caso fortuito e por força maior, Ney Moura Teles

traça a seguinte distinção:

Embriaguez por caso fortuito é a acidental, que ocorre sem que o sujeito desejasse se embriagar, nem a decorrente de negligência. Nem é voluntária, nem é culposa. [...] Embriaguez proveniente de força maior é a resultante de uma força física externa imprimida sobre o sujeito, no sentido de obrigá-lo a ingerir a substância embriagante208.

No caso da embriaguez completa o agente não responde por

absolutamente nada, ou seja, nem pena, nem medida de segurança209.

Como causa de exclusão da potencial consciência da ilicitude, tem-se o erro

de proibição inevitável, ou seja, o agente pensa que é lícito o que, na verdade, é

ilícito, conforme artigo 21 e parágrafo único210 do Código Penal211.

Ao argumentar a respeito do citado dispositivo legal Fernando Capez

assevera que o erro de proibição pode ser inevitável e evitável. No primeiro o agente

não tem como conhecer a ilicitude do fato, portanto, inexiste a potencial consciência

da ilicitude e é isento de pena, no segundo o agente tem a possibilidade, dentro das

circunstâncias, de saber que o fato contraria a norma jurídica, ou seja, a potencial

consciência da ilicitude, e terá direito a uma redução de pena de 1/6 a 1/3212.

O erro de proibição não pertence à tipicidade e nem com ela se vincula,

sendo um puro problema da culpabilidade213. Os doutrinadores Eugenio Raúl

Zaffaroni e José Henrique Pierangeli assim o conceituam:

207

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: [...] §1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal).

208TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I. p. 366.

209 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 436.

210 Referência já citada na página 47 deste trabalho.

211 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal.

212 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 325.

213 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro:

parte geral. p. 605.

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Chama-se erro de proibição àquele que recai sobre a compreensão da antijuridicidade da conduta. Quando invencível, isto é, quando com a devida diligência o sujeito não teria podido compreender a antijuridicidade do seu injusto, tem o efeito de eliminar a culpabilidade. Quando é vencível, em nada afeta a tipicidade dolosa ou culposa que já está afirmada em nível correspondente214.

Por fim, têm-se expressamente previstas na lei penal as causas de exclusão

da exigibilidade de conduta diversa, quais sejam, a obediência hierárquica à ordem

não manifestamente ilegal e a coação moral irresistível, ambas previstas no artigo

22 do Código Penal, in verbis:

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem215.

Ao conceituar coação moral irresistível, Luiz Régis Prado aduz que:

[...] constitui a coação moral irresistível uma causa de inculpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, e nisso difere da coação física irresistível (vis absoluta), que exclui a ação, por inexistência de vontade. Trata-se a coação moral da grave ameaça (vis compulsiva), em que a vontade do coacto não é livre, mas viciada, sendo punível o autor da coação (autoria mediata). [...]. O coacto, tem vontade, mas se encontra diante de um dilema: ante dois resultados indesejados, deve optar por um deles, e é exatamente nesse ponto que reside o fundamento da inexigibilidade da conduta que visasse a salvaguardar o bem jurídico que, ao final, resulta lesado216.

Na coação, só é punível o autor da coação moral, que agiu mediante grave

ameaça, ou seja, a coação irresistível é aquela que não pode ser superada pela

vítima, não pode por ela ser vencida217.

Quanto à ordem não manifestamente ilegal, disposta na segunda parte do

artigo acima citado, Damásio de Jesus assevera que “embora a conduta do

subordinado constitua fato típico e antijurídico, não é culpável, em face de incidir em

relevante erro de proibição”218.

214

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 605.

215 BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal,

Constituição Federal.

216 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 440.

217 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. p. 370-371.

218 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 496.

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Assim, no caso de ordem não manifestamente ilegal, só responde pelo crime

quem deu a ordem, não o inferior, em face da ausência de culpabilidade219. Sendo

assim, a obediência hierárquica constitui causa de exclusão da culpabilidade220.

Desse modo, após abordar acerca de alguns pontos da teoria do delito e

analisada a culpabilidade no ordenamento jurídico, passa-se ao próximo capítulo, no

qual tratar-se-á da culpabilidade das pessoas jurídicas nos crimes ambientais.

219

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. p. 370-371.

220 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral. p. 469.

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3 A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NOS CRIMES

AMBIENTAIS

Considerando o embasamento teórico anteriormente exposto acerca das

características peculiares do bem ambiental, bem como, a configuração dogmática

da culpabilidade dentro do Direito Penal, passa-se ao tema central desta pesquisa,

qual seja, a análise da culpabilidade das pessoas jurídicas quando da prática de

crimes contra o meio ambiente.

Conforme ressaltado nos capítulos anteriores, o bem jurídico ambiental

possui características peculiares, possui dignidade penal e é merecedor da tutela

penal. Tanto é que o Direito Penal, em um Estado Democrático de Direito, deve

estar diretamente vinculado aos princípios fundamentais garantidos e protegidos

pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

As características peculiares do bem ambiental fazem perceber, segundo

Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz que:

[...] é necessária a construção de uma teoria da culpabilidade que se possa utilizar no Direito Penal Ambiental, fundamentada nos princípios que regem o Direito Ambiental, mas com a preocupação de não se descartarem os princípios e garantias construídos pelo Direito Penal ao longo de sua evolução, dentre os quais, sem dúvida alguma, o princípio da culpabilidade é um dos mais importantes221.

Todavia, antes de enfocar o problema da culpabilidade das pessoas jurídicas

em face dos crimes ambientais, cabe destacar algumas considerações acerca da

pessoa jurídica de um modo geral.

3.1 O CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

PÁTRIO

Devido ao conflito de interesses que cercam a sociedade e que envolvam

tanto homens quanto mulheres, a lei atribuiu à titularidade de direitos e obrigações

221 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 197.

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não apenas aos seres humanos (homens e mulheres), mas também aos seres não-

humanos de natureza ideal ou moral. E esses seres não-humanos não existem, de

fato, senão no plano dos conceitos jurídicos. Um desses seres é a pessoa

jurídica222.

Ao conceituar pessoas jurídicas o doutrinador Silvio Rodrigues assevera que

“são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na

vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem,

capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”223.

Dentre as teorias existentes a respeito das pessoas jurídicas, será abordada

aqui, a teoria da realidade técnica ou jurídica, “que fornece a verdadeira essência

jurídica da pessoa orgânica”224.

Nesse ínterim, a pessoa jurídica tem realidade jurídica, ideal, uma realidade

de instituição jurídica. “No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são

dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas”225.

Silvio Rodrigues acrescenta que “segundo a teoria da pessoa jurídica como

realidade técnica, a personalidade jurídica é um expediente de ordem técnica, útil

para alcançar indiretamente alguns interesses humanos”226.

Sérgio Salomão Schecaria vai mais longe e afirma que:

[...] pessoa não é somente o homem, mas todos os entes dotados de existência real [...] as pessoas jurídicas são pessoas reais, dotadas de uma real vontade coletiva, devendo ser equiparáveis como seres sociais que são, às pessoas físicas. [...] ela tem capacidade de querer e de agir, o que faz por meio de seus órgãos, da mesma forma que o ser humano comanda com sua cabeça seus membros para executar suas ações227.

222

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006. Vol. 1. p. 231.

223 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 34. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. Vol. 1. p.

86.

224 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 41. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. Vol. 1. p. 129.

225 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 132.

226 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. p. 88.

227 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed. 1. tir. São

Paulo: Editora Método, 2002. p. 102.

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Nesta esteira, as vontades humanas, individuais, que formam os elementos

da vontade corporativa organizam-se e unificam-se através de contratos

(manifestação de vontade), tornando possível a vida corporativa228.

As sociedades, as associações, o estado existem e são portadores de

direitos. Essa circunstância de serem portadores de direitos mostra que sua

existência não é fictícia, mas sim real, e visa à satisfação dos interesses

humanos229.

3.2 A CULPABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS

Inicialmente, antes de abordar o a questão da culpabilidade das pessoas

jurídicas quando da prática de atos lesivos ao meio ambiente, é importante destacar

considerações a respeito da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

3.2.1 A responsabilidade penal das pessoas jurídicas

Sabe-se que a idéia de tornar as pessoas jurídicas penalmente

responsáveis, embora não seja nova, somente com o advento da Lei n.° 9.605/98 foi

lançada para o cenário do Direito Positivo230.

Embora a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ter

estabelecido nos artigos 173, § 5°231, e 225, § 3°232, a responsabilidade penal da

228

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. p. 269.

229 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. p. 88.

230 ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. 1. ed. (1997), 4. tir. Curitiba:

Juruá, 2008. p. 24.

231 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade

econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...] § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal).

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pessoa jurídica em relação aos delitos econômicos e em relação aos delitos

ambientais, apenas este último teve regulamentação pelo legislador ordinário. Uma

vez que a Lei n.° 8.176/91 que trata dos crimes contra a ordem econômica, a Lei n.°

7.492/86 que trata dos crimes contra o sistema financeiro e a Lei n.° 1.521/51 que

trata dos crimes contra a economia popular, nada trazem a respeito da

responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Conforme se denota, o constituinte de 1988 buscou tutelar a ordem

econômica e financeira, a economia popular e o meio ambiente, que são bens

jurídicos que merecem a atenção e, também, sempre mencionados ao se tratar da

responsabilidade criminal da pessoa jurídica, porque são as vítimas preferidas das

atividades danosas dos entes coletivos233.

Nessa esteira, Sérgio Salomão Shecaria complementa a inovação do

constituinte de 1988 com a seguinte citação de Pinto Ferreira:

A grande novidade da Constituição é a introdução da responsabilidade penal por danos causados ao meio ambiente, tanto para as pessoas físicas como para as jurídicas, o que não ocorria no texto constitucional anterior, que só previa as primeiras. Tal responsabilidade tornou-se viável na esfera de crimes ecológicos no texto constitucional vigente234.

Assim, claro está a responsabilidade penal da pessoa jurídica no texto

constitucional, devendo ser instituída de modo a fazer, com que os entes coletivos

também sejam responsáveis pela proteção ao meio ambiente, pelo objetivo social do

bem comum de todos, que deve estar acima de qualquer objetivo individual de lucro

a qualquer preço235.

Importante trazer a baila os ensinamentos do doutrinador Paulo Affonso

Leme Machado quando bem assevera que:

232

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal, Constituição Federal).

233 ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. p. 24.

234 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 133.

235 ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. p. 24.

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[...] a possibilidade de serem responsabilizadas penalmente as pessoas jurídicas não irá desencadear uma frenética persecução penal contra as empresas criminosas. Tentar-se-á, contudo, impor um mínimo corretivo, para que a nossa descendência possa encontrar um planeta habitável236.

Devido a tal inovação no texto constitucional, a doutrina vem examinando a

questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica há muito tempo, nunca

deixando, porém, perder a sua atualidade237.

Nesse caminho, José Henrique Pirangeli aduz que:

[...] o desenvolvimento das actividades das pessoas jurídicas e a conseqüente capacidade criminal das mesmas, coincidem, no tempo, com as épocas de tendência social collectivista, e que, como resultado, nessas épocas, aparece, mais ou menos claro, o problema da sua responsabilidade238.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação à moderna inovação

trazida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em face da

existência de uma sociedade de riscos, tem características totalmente diferentes

daquelas que o Direito Penal acostumou-se a enfrentar239.

Os “novos” bens jurídicos protegidos pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 (meio ambiente, ordem econômica, relações de

consumo), mostram a importância de se responsabilizar penalmente a pessoa

jurídica em relação as suas condutas agressivas, deixando inquestionável a sua

necessidade diante da ineficácia do sistema de imputação individual para a proteção

desses bens240.

Complementando a doutrinadora Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz

cita o seguinte escólio de Zúñiga Rodriguez, in verbis:

[...] o sistema de responsabilidade individual é insuficiente para solucionar as situações em que se praticam lesões graves a bens jurídicos no seio de organizações complexas. Os perigos e lesões a bens jurídicos ocorridos dentro de uma empresa são, na maioria das vezes, resultado de defeitos de uma série de condutas atribuíveis a organização da própria empresa (políticas de empresa), que não

236

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 700.

237 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 219.

238 PIRANGELI, José Henrique. A constituição e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas:

escritos jurídico-penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 13.

239 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 133.

240 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 220.

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podem ser individualizadas em uma concreta decisão de uma concreta pessoa, mas sim resultantes de uma deficiência de longos anos de falta de cuidado em relação ao risco consciente241.

Sendo a responsabilidade individual insuficiente , o renomado doutrinador

Francisco Conde Munoz assevera a respeito da culpabilidade como

responsabilidade social:

A culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. É, pois, a sociedade, ou melhor, seu Estado representante, produto da correlação de forças sociais existentes em um determinado momento histórico, quem define os limites do culpável e do inculpável, da liberdade e da não liberdade242.

Sobreleva-se, ainda, que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma

realidade mundial, sendo adotada ao lado da responsabilidade individual, bem como

as de caráter civil e administrativo243.

Contudo, a responsabilização nas esferas administrativas e civis se mostram

cada vez mais insuficientes e, ou ineficazes para conter a criminalização e as

condutas lesivas ao meio ambiente. Neste sentido, é o ensinamento de Abel Costa

de Oliveira:

[...] aplicar-se apenas os Direitos Administrativo ou Civil não é reduzir o curso da degradação ambiental, pois, no campo administrativo, há interferência política, o jogo de interesses, o que quase sempre redunda na impunidade [...]. Além do que, na esfera cível, as demandas se estendem, são prolongadas e difíceis, causando sempre a sensação de impunidade, além das sérias dificuldades em se valorar ou quantificar os danos causados, a ausência de técnicos, o custo das perícias, etc. Sem contar as dificuldades para a execução da sentença ou sua liquidação, quase sempre inviáveis, permitindo que tais processos mofem nos escaninhos244.

Atualmente tem-se uma dimensão transindividual, onde os atos praticados

pelos entes coletivos, públicos ou privados, gozam de capacidade de ação e de

241

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 220-221.

242 CONDE MUNOZ, Francisco. Teoria geral do delito. Tradutor: Juarez Tavares e Luiz Régis Prado.

Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 128.

243 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 109-110.

244 OLIVEIRA, Abel Costa de. A pessoa jurídica no banco dos réus. Revista Jurídica da FIC-

UNAES, Campo Grande: maio-out/1999.

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extrema importância, motivo que os tornam ameaçadores aos interesses alheios e

aos seus. Fazendo considerar nas pessoas jurídicas agentes de infrações penais245.

Portanto, diante do atual estágio da ciência penal, o Desembargador Solon

d‟Eça Neves cita o seguinte escólio do Dr. Lúcio Ronaldo P. Ribeiro, no julgamento

do recurso criminal nº 2008.035801-5, in verbis:

É evidente, outrossim, que os parâmetros desta responsabilidade não podem ser os da responsabilidade individual, da culpa propugnada pela Escola Clássica, a qual sustentava que somente o Homem pode ser sujeito ativo de crime. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas só pode ser entendida no âmbito de uma responsabilidade social. A pessoa jurídica atua com fins e objetivos distintos da dos seus agentes e mesmo proprietários, contudo a responsabilidade daquela não deve excluir a destes quando for o caso. Assim é que o Legislador introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito Brasileiro com relação aos delitos ambientais dispostos na Lei n. 9.605/98. Esta lei veio a por uma pá de cal nas discussões acerca da sua introdução ou não no Brasil246. (destacou-se)

Relativamente à alegação de incapacidade de ação e falta de culpabilidade

por parte da pessoa jurídica, tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça:

Crime ambiental praticado por pessoa jurídica. Responsabilização penal do ente coletivo. Possibilidade. Previsão constitucional regulamentadora por lei federal. Opção política do legislador. Forma de prevenção de danos ao meio-ambiente. Capacidade de ação. Existência jurídica. Atuação dos administradores em nome e proveito da pessoa jurídica. Culpabilidade como responsabilidade social. Co-responsabilidade. Penas Adaptadas à natureza jurídica do ente coletivo. Recurso provido247. (destacou-se)

245

ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. p. 39-40.

246 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Recurso Criminal - Crime Ambiental

- Rejeição da denúncia na parte em que figurava pessoa jurídica como sujeito passivo de delito penal - Lei dos crimes ambientais (Lei n. 9.605/98) Que admite expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica - Recurso Provido. Recurso criminal n.º 2008.035801-5, de Joinville. Rel. Des. Solon d‟ Eça Neves. j. em 11 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qTodas=crime+ambiental+pessoa+jur%EDdica&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10&qID=AAAGxaAAKAAAyoUAAF>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

247 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n° 564960, de Santa Catarina. 5.ª

Turma. Brasília/DF, 02 de junho de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1791222&sReg=200301073684&sData=20050613&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

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Vê-se, pois, que a pessoa jurídica mostra-se, cada vez mais, ameaçadora ao

meio ambiente devido a uma série de fatores, tais como, poluição, desmatamento

intensivo, caça e pesca predatória, todos praticados em grande escala, sendo que o

principal agente é o ente corporativo248.

Diante dessa problemática a respeito do perigo que a pessoa jurídica

representa a economia e, inclusive, ao meio ambiente, José Henrique Pirangeli

assevera que:

[...] a imputabilidade penal da pessoa jurídica, é um ideal que deve ser perseguido pela inteligência jurídica nacional, não só para uma efetiva persecução penal de delitos “sofisticados” como os de “colarinho branco”, mas também os perpetrados contra o meio ambiente e os consumidores, ficando seus agentes escondidos sob a proteção de pessoas jurídicas, [...]249.

Os delitos mais graves cometidos contra o meio ambiente são causados

pelos entes coletivos, pelas pessoas jurídicas. Porém, a responsabilidade acaba por

recair, na maioria das vezes, sobre os chamados “peixes pequenos”, não atacando a

atitude criminal do grupo250.

Neste sentido, Sérgio Salomão Schecaira acrescenta que “a punição a

esses agentes é ineficaz, posto que são eles intercambiáveis e também em face da

quase inexistente possibilidade de influírem sobre o comportamento da empresa a

que estão vinculados”251.

A problemática da responsabilidade penal das pessoas jurídicas liga-se,

também, ao fato de que não se devem sancionar somente os autores materiais (que

podem ser mudados ou substituídos), mas também, e, sobretudo, a própria

empresa252.

Desta forma, a doutrinadora Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz conclui

que:

[...] a responsabilidade penal da pessoa jurídica é medida absolutamente necessária para o tratamento das modernas questões penais e que se justifica plenamente à luz do atual desenvolvimento

248

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 699.

249 PIRANGELI, José Henrique. A constituição e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas:

escritos jurídico-penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 13.

250 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 223.

251 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 112.

252 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 114.

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62

da dogmática penal, mormente dentro das concepções funcionalistas e de prevenção geral positiva253.

Além do mais, vale frisar que os tribunais brasileiros vêm confirmando, cada

vez mais, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Como exemplo,

vislumbra-se do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, os seguintes

julgados:

Penal e processual penal. Crime contra o meio ambiente. Cooperativa de laticínios que despeja dejetos em afluente de rio, causando poluição hídrica. Condenação254. (destacou-se) Recurso criminal - Crime ambiental - Rejeição da denúncia na parte em que figurava pessoa jurídica como sujeito passivo de delito penal - Lei dos crimes ambientais (Lei n. 9.605/98) que admite expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica – Recurso provido. A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de dano ao meio ambiente cometido por empresas. Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com isso, o direito constitucional que garante qualidade de vida ambiental a todos255. (destacou-se)

Recurso em sentido estrito ofertado pelo representante do Ministério Público contra decisão que rejeita, em parte, a denúncia. Crime ambiental praticado por pessoa jurídica. Responsabilização penal do ente coletivo. Possibilidade. Previsão Constitucional regulamentadora por lei federal. Recebimento da denúncia contra a pessoa jurídica que se impõe. Recurso provido256. (destacou-se)

253

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 226.

254 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação criminal nº 2007.039078-

0, de São Miguel do Oeste. Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco. 3ª Câmara Criminal, j. em 17.11.2008. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000A9SG0000&nuSeqProcessoMv=91&tipoDocumento=D&nuDocumento=1198250>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

255 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Recurso criminal nº 2008.035801-5,

de Joinville. Rel. Des. Solon d‟ Eça Neves. 1ª Câmara Criminal, j. em 11.12.2008. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qTodas=crime+ambiental+pessoa+jur%EDdica&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10&qID=AAAGxaAAKAAAyoUAAF>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

256 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Recurso criminal nº 2007.049732-1,

de Joinville. Rel. Des. Túlio Pinheiro. 2ª Câmara Criminal, j. em 11.04.2008. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/cposg/pcpoQuestConvPDFframeset.jsp?cdProcesso=01000AK7S0000&nuSeqProcessoMv=34&tipoDocumento=D&nuDocumento=671648>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

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No mesmo norte, tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça. E, para

demonstrar e esclarecer dúvidas que pairam a respeito da responsabilização da

pessoa jurídica nos crimes ambientais, transcreve-se trecho do voto do Ministro José

Arnaldo da Fonseca no julgamento do Habeas Corpus nº 43.751/ES, in verbis:

[...] a responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos crimes contra o meio ambiente, tem sua matriz na Lei Maior, mais precisamente no art. 225, § 3º, [...] Todos têm direito a um meio ambiente saudável, mas todos têm também o dever de zelar por ele, sujeitando-se os infratores: pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais, administrativas e cíveis. Embora existam controvérsias a propósito da possibilidade de penalização da pessoa jurídica, não se pode perder de vista a clareza do texto constitucional e o fato de que inexiste antinomia entre o inciso XLV do art. 5º e o art. 225, § 3º, da Constituição Federal. No escólio de CANOTILHO acerca da “constitucionalidade adequada CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 6ª Ed., pag. 226/227., a interpretação do texto constitucional deve se realizar segundo os valores vigentes, consoante o momento histórico, alcançando o estabelecimento de preceitos efetivamente vinculantes. Segundo o referido mestre, orientam a interpretação constitucional os seguintes princípios: a) princípio da supremacia constitucional; b) princípio da unidade da constituição, exigindo a interpretação sistêmica do texto, sem considerações parciais, levando a uma busca incessante da conciliação de supostos conflitos; c) princípios do efeito integrador, visando à integração política e social, a harmonização entre Estado e sociedade; d) princípio da máxima efetividade, opção pelo sentido que garanta maior eficácia à norma; e) princípio da conformidade funcional, que, segundo Ehmke, revela-se pela impossibilidade do órgão-intérprete desvirtuar a organização estabelecida pela própria constituição. f) princípio da concordância prática ou da harmonização, que impõe a tentativa de salvaguardar direitos e bens jurídicos constitucionalmente protegidos, dada a sua igualdade de valoração, estabelecendo-se limites recíprocos. Fortes nesses princípios não se pode reputar inconstitucional a regra inscrita no § 3º do art. 225 da Constituição, que prevê a prática criminosa por pessoa jurídica. O assunto por certo comporta dissertações e teses, mas nos limitamos a essas observações para passarmos ao exame da norma infraconstitucional, prevista no art. 3º da Lei nº 9.605⁄98, decorrente do sistema constitucional.[...] Busca-se, portanto, a punição dos responsáveis, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, no caso de infração ter sido cometida por decisão do seu representante no interesse ou benefício de sua entidade. É a denominada responsabilidade social e coletiva.[...] A propósito do tema, com maestria, posiciona-se José Henrique Pierangeli: “Hodiernamente pode-se afirmar, com absoluta segurança, ser a responsabilidade ou irresponsabilidade das pessoas jurídicas, mais do que um problema ontológico ou dogmático, sendo mesmo uma questão de sistema político-

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econômico e de prática utilidade e eficiência. O sistema da responsabilidade individual se amolda aos postulados da dogmática tradicional, e, portanto, entre nós, no sistema do Código Penal, toda a legislação em que se adote a responsabilidade penal da pessoa coletiva deve ser realizada em legislações esparsas, ou seja, legislação penal especial, cuja elaboração reclama extrema prudência. [...] “é inútil fechar os olhos à tendência crescente para a revisão do velho princípio 'societas delinquere non potest'257, no

dizer do conhecido penalista lusitano Manuel Antônio Lopes Rocha, que assim conclui: 'E é um facto que, sobretudo nos últimos anos, a ortodoxia clássica sofreu violentos assaltos e são cada vez mais numerosos os juristas que consideram desejável a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas, pelo menos em matéria de infracções às normas de direito econômico, do direito social e da legislação protectora do ambiente.' Percorrendo esta mesma senda, companheiro de trabalho de hoje, o Desembargador Eládio Lecey escreveu: 'As infrações contra as relações de consumo, assim como as demais de Direito Econômico (com os delitos ambientais), são infrações de massa, contra a coletividade, atentando contra interesses coletivos e difusos, e não só contra bens individuais como a saúde e a vida das pessoas. 'De nossa parte, em outras oportunidades, já ressaltamos a pluriofensividade de tais condutas, que quanto ao meio ambiente atentam contra bens jurídicos ultrageracionais, o que 'obriga ao rompimento com princípios e regras assentes no direito penal liberal”.(Penas atribuídas às pessoas jurídicas pela lei ambiental“, in jus navegandi, nº 39 (Internet). No mesmo sentido assinala Carlos Alberto de Salles, em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 36, verbis: “Não obstante a resistência e desalento dos penalistas mais apegados ao enfoque tradicional dos institutos do direito penal, como aqueles relacionados com a conduta e a culpabilidade, o § 3º do art. 225 da CF não deixa qualquer dúvida sobre a opção de nosso constituinte em estender a sanção penal para além da pessoa natural. Embora com menor clareza, também o art. 173, § 5º, contém um permissivo genérico de sancionamento penal da pessoa jurídica. Alguns autores têm admitido a responsabilização penal da pessoa jurídica com base em outras leis que não a 9.605⁄98, como seria o caso das Leis 8.137⁄90 (crimes contra a ordem econômica e tributária), 7.492⁄86 (crimes contra o sistema financeiro nacional) e 8.884⁄94 (defesa da concorrência).Nesse sentido, Alves, op. cit., p. 495, e Edward Ferreira Filho, 'As pessoas jurídicas como sujeito ativo de crime na Lei 9.605⁄98', Revista de Direito Ambiental 3⁄24, n. 10, abr.⁄jun. 1998. “A responsabilização penal da pessoa jurídica, por razões conceituais e pela sua própria finalidade no sistema jurídico, não pode estar pautada no conceito tradicional de culpabilidade, devendo ser vista como instrumento de controle social, interligado a outros mecanismos jurídicos voltados à realização de determinados objetivos sociais.” Ademais, a pessoa coletiva é perfeitamente capaz de vontade, porquanto nasce e vive do encontro das vontades

257

A sociedade não pode delinqüir. (FELIPPE, Donaldo J. Dicionário jurídico de bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. p. 348.)

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individuais dos seus membros, sendo plenamente capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual. Observe-se que o legislador ordinário atendendo às Recomendações do 15º Congresso da Associação Internacional de Direito Penal no Rio de Janeiro, realizado de 4 a 10 de setembro de 1994, optou pelo sistema de RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA, isto é, a responsabilidade do ser coletivo não exclui a de seus diretores e administradores, tal como previsto em lei ou em estatuto. [...] Vale destacar, ainda, a acurada análise feita por Sávio Renato Bittencourt Soares Silva, na Revista do Ministério Público nº 16, verbis: “Com efeito, a existência de milhares de ações civis públicas propostas por entes legitimados não foi suficiente para criar uma consciência geral do dever jurídico de evitar a lesão ambiental. São reiterados os exemplos de absurdo descaso com atividades de risco, forçando uma abjeta inversão do princípio do poluidor pagador: ao invés de ser no ressarcimento do dano ambiental uma forma de desestímulo a sua ocorrência, passou-se a sensação geral que tal pagamento corresponde a uma espécie de franquia para a produção do dano. Por outro lado, a morosidade natural das causas que buscam o ressarcimento ambiental, sempre reféns de uma prova técnica profundamente especializada, de difícil produção e não raramente envolta em acirradas polêmicas entre estudiosos de seus objetos, reforça a impressão disseminada pela sociedade de que os danos ambientais restam impunes. [...], os instrumentos de proteção ao Meio Ambiente se demonstraram obsoletos e ineficazes. Contudo, não só a capacidade de prevenção geral das normas jurídicas não criminais que precederam a Lei dos Crimes Ambientais apontavam para a solução de intervenção mais severa do Direito nas relações de Meio Ambiente. O próprio envolvimento do Estado nas lesões ao Patrimônio Ambiental, seja através de empresas públicas ou pela atividade da administração direta, e também de empresas privadas economicamente gigantescas, desafia a atuação de agentes públicos mais independentes, dotados de uma solução jurídica célere e intimidadora. Desta forma, o deslocamento do dano ambiental para a esfera do Direito Penal legou ao Ministério Público uma resposta mais imediata que as delongadas perícias de seu “total” ressarcimento permitiam na atuação cível, e apontaram para o magistrado da matéria criminal, talhado para a operação da repressão específica dos comportamentos mais graves, como a instância natural para a esta proteção específica.” [...] Em suma, não se pode perder de vista que o Meio Ambiente, bem de uso comum do povo, deve receber a mais ampla proteção, principalmente porque atenta contra a coletividade, devendo os degradadores, pessoas jurídicas, pessoas físicas, serem responsabilizados administrativa, civil e penalmente, nos termos da lei, sob pena de comprometimento irreversível do ecossistema a ser preservado para as presentes e futuras gerações. [...] Sem dúvida a responsabilidade penal da pessoa jurídica por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente – um dos grandes avanços da legislação ambiental, e já consagrada em inúmeros países – não pode se tornar letra morta, em virtude de interpretações equivocadas. O constituinte previu a responsabilidade penal da

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pessoa jurídica, o legislador ordinário a regulamentou, e cabe ao Poder Judiciário dar-lhe aplicação concreta e efetividade prática258.

Claramente, pode se verificar a tendência de doutrinadores, juízes,

desembargadores e ministros no sentido de acolher a responsabilidade penal da

pessoa jurídica, reconhecendo plenamente o consagrado pela norma constitucional

e ordinária259.

Porém, a problemática central da responsabilidade penal da pessoa jurídica

está vinculada à questão da culpabilidade.

De outro norte, “em se tratando de responsabilidade penal ambiental, não se

pode admitir a responsabilidade penal objetiva”260. Assim, para aqueles que

defendem posicionamento contrário à responsabilização penal das pessoas

jurídicas, que não possuem vontade e pensam através das pessoas físicas que a

compõem, qualquer condenação seria fundamentada na responsabilidade objetiva,

contudo, as situações são distintas a assim devem ser tratadas261.

Nesta senda, a doutrinadora Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz

destaca o seguinte trecho de Edward Ferreira Filho:

[...] muitos estudiosos entendem que a Lei 9.605/98 trouxe o instituto da responsabilidade penal objetiva para as pessoas jurídicas o que tornaria impossível a sua aplicação diante de um conflito com a doutrina penal. Todavia, adverte que de forma alguma a referida lei prevê a hipótese da responsabilidade penal objetiva, vez que, mesmo enfocando-se a culpabilidade sob a ótica da responsabilidade social e tendo em conta o benefício do ente coletivo, admite-se eximentes a referida responsabilidade social, como o erro de tipo e as causas de justificação da conduta262.

Como visto, no Direito Penal, a responsabilidade263 deve ser subjetiva,

personalíssima e atender aos ditames da teoria geral do delito. Será

258

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 43.751, do Espírito Santo. Rel. Min. Arnaldo da Fonseca. 5ª Turma, DJU 17.10.2005 (p. 324). Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2000112&sReg=200500708416&sData=20051017&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

259 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 229.

260 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 234.

261 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed.

rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 69.

262 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 235.

263 Responsabilidade penal é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas

do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele depende da imputabilidade

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responsabilizado criminalmente o agente que, através de sua conduta, violar ou

contribuir para violação de um bem jurídico tutelado na esfera penal e ainda possuir

culpabilidade264.

Neste caminho, diante da dogmática penal existente em nosso ordenamento

jurídico, o principio da culpabilidade pode formar uma barreira instransponível a

responsabilização penal das pessoas jurídicas. Contudo, a responsabilização

criminal em comento é perfeitamente possível, o que é necessário, para tanto, é um

aperfeiçoamento dos conceitos de ação e culpabilidade265.

Segundo Sérgio Salomão Shecaira, o ente coletivo não tem “culpa

existencial”, como a pessoa natural, mas sim uma “culpa sociológica/institucional”,

que estará contida no contrato social ou estatutos266.

Como visto no segundo capítulo deste trabalho, a culpabilidade figura como

uma valoração, um juízo de censura, residindo, pois, a culpabilidade na reprovação

da conduta praticada, pois o agente tinha a possibilidade de agir conforme a norma,

mas não agiu, revelando no fato a sua vontade contrária àquele dever267.

O doutrinador Francisco Muñoz Conde propõe o seguinte conceito de

culpabilidade:

[...] o conceito de culpabilidade tem um fundamento social, antes que psicológico: ela é uma categoria abstrata ou a-histórica, à margem, ou, inclusive, como uns acreditam, contrária às finalidades preventivas do direito penal, mas a culminação de todo um processo de elaboração conceitual destinado a explicar por que e para que, em um determinado momento histórico, se recorre a um meio defensivo da sociedade tão grave como a pena, e em que medida se deve fazer uso desse meio268.

Não se pode esperar do ente coletivo a consciência da ilicitude do ato, mas

“se pode encontrar uma conduta e chegar a um juízo de reprovação, social e

do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (ser imputável). (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 1997).

264 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. p. 192.

265 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 236.

266 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 95-96.

267 ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. p. 200.

268 CONDE MUNOZ, Francisco. Teoria geral do delito. Tradutor: Juarez Tavares e Luiz Régis Prado.

Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 129.

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criminal”269. Cabendo ao juiz, ao analisar o conjunto probatório, proferir sentença

condenatória se reprovável for à conduta da pessoa jurídica. Não se tratando, pois,

de responsabilidade objetiva, uma vez que o conjunto probatório não implica,

obrigatoriamente, uma condenação270.

A culpabilidade das pessoas jurídicas está ligada na motivação normal da

empresa comparada com outras que estejam em situação semelhante em relação

ao ato praticado. Dessa forma, a partir daí, deve ser verificado os elementos da

culpabilidade, que devem ser revistos em relação às pessoas jurídicas271.

Como verificado no segundo capítulo deste trabalho, a culpabilidade é

construída tradicionalmente de três elementos, quais sejam, imputabilidade,

consciência (potencial) da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz, propõe a redução dos elementos

que compõem a culpabilidade. Assim, quando se tratar de pessoa jurídica, tira-se a

imputabilidade, pois “não se pode querer fulcrar sua culpabilidade na imputabilidade

pelo simples motivo de que esta não pode sofrer de falta de maturidade ou de

sanidade mental”272.

A responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, no direito atual, deve,

também, ser analisada através da responsabilidade social destas, e o conceito de

culpabilidade revisto273.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não pode ser definida a partir do conceito tradicional de culpabilidade. [...] A responsabilidade penal há de ser associada à responsabilidade social da pessoa jurídica, que tem como elementos a capacidade de atribuição e a exigibilidade. [...] A responsabilidade social permite construir um juízo de reprovação sobre a conduta da pessoa jurídica. Não se trata de um fato psicológico, mas de um comportamento institucional274.

Portanto, importante destacar o ensinamento da doutrinadora Ana Paula

Fernandes Nogueira da Cruz:

269

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. p. 70.

270 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. p. 70.

271 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 247.

272 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 248.

273 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 90-91.

274 ROTHENBURG, Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa. p. 200-201.

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[...] a pessoa jurídica é perfeitamente capaz de motivar-se de acordo com a norma jurídica e que a sua culpabilidade ao atuar em afronta ao ordenamento penal é presente em face da prevenção geral positiva e especial positiva que a sanção criminal a ela aplicada vai exercer. Da mesma forma, podem acorrer situações em que essa motivação será anormal em face da presença de excludentes de culpabilidade, razão pela qual a sanção penal não atenderia às suas funções preventivas. [...] a responsabilidade penal da pessoa jurídica é, antes de tudo, medida de caráter pragmático e que atende a reclames de política criminal e ambiental e coaduna-se com os princípios de Direito Ambiental [...]275.

Além do mais, devem ser levados em consideração à segurança de todos,

cidadãos e empresas, destacando, sempre, que a responsabilidade penal da pessoa

jurídica é necessária, juntamente com as normas preventivas do direito penal, entre

elas o crime de perigo. São as medidas preventivas com maior potencial punitivo

que, usadas com a devida moderação, constituem alternativas especiais no controle

de certos tipos de criminalidade, entre eles, os crimes ambientais causados pelos

entes coletivos276.

Com base no exposto, no tópico a seguir tratar-se-á da pessoa física

criminosa dentro do contexto da responsabilidade penal da empresa.

3.2.2. A pessoa física criminosa dentro do contexto da responsabilidade penal

da empresa

Conforme abordado no tópico anterior, o sistema de imputação individual é

insuficiente para atender a prevenção dos delitos cometidos pelos entes coletivos.

Nesta senda, certo consenso tem se formado dentre os doutrinadores no

sentido de que a culpabilidade das pessoas jurídicas reveste-se de um caráter social

paralelo aquele ocupado pelas pessoas físicas277.

A respeito deste consenso, Sérgio Salomão Shecaira aduz que:

275

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 253-254.

276 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 188.

277 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 237.

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[...] a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demonstra a adoção do chamado sistema de dupla imputação278. “Sistema de dupla imputação” é o nome dado ao mecanismo de imputação de responsabilidade penal às pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade pessoal das pessoas físicas que contribuíram para a consecução do ato. [...] Por meio desse mecanismo, a punição de um agente (individual ou coletivo) não permite deixar de lado a persecução daquele que concorreu para e realização do crime seja ele co-autor ou partícipe. Nosso legislador deixou clara a intenção da persecução penal atingir a todos os entes, quer individuais ou coletivos, envolvidos no delito ecológico279.

Como uma solução para os delitos cometidos no âmbito das organizações

empresariais, tem-se o sistema da dupla imputação. Que consiste em “[...] a) manter

o sistema de responsabilidade individual para sancionar os sujeitos que se

aproveitam da cobertura da empresa para realizar delitos; b) desenhar um sistema

de imputação análogo para as pessoas jurídicas”280.

O sistema da dupla imputação já vem sendo aceito entre os tribunais

brasileiros. Cita-se, como exemplo, um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do

Paraná:

Recurso crime em sentido estrito. – Crime ambiental. - Artigo 56, caput da lei nº 9.605/98. – Denúncia em relação à pessoa jurídica rejeitada. – Fundamento de que não é possível a imputação subjetiva de responsabilidade penal a esta. – Decisão reformada. – Precedentes do STJ. – Denúncia regular. – Correta imputação do delito ao ente moral e à pessoa física. – Regularidade processual demonstrada. – Recurso provido para determinar o recebimento integral da denúncia. I. "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio." (cf. Resp nº 564960/SC - 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 13.06.05)" II. Já embasei outras decisões, no fato de que a intenção de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, decorre da necessidade de combater de forma mais eficaz, as circunstâncias que surgem em decorrência da criminalidade moderna, estas, aliás, frequentemente cometidas por entidades coletivas, as quais há algum tempo atrás os atos mais lesivos ao meio ambiente eram

278

Imputar: atribuir (a alguém) a responsabilidade de. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 6. ed. rev. atual. Dicionário de língua portuguesa. Curitiba: Editora Positivo, 2005)

279 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 148.

280 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 255.

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puníveis, tão somente e administrativamente, com o pagamento de multa. Hoje, com o avanço da legislação é possível a aplicação das penas restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade, além de todas as conseqüências legais advindas em razão das respectivas condenações281. (destacou-se)

Corroborando do entendimento antes mencionado, já é o posicionamento do

Superior Tribunal de Justiça, que se demonstra através do seguinte julgado:

Criminal. Crime ambiental praticado por pessoa jurídica. Responsabilização penal do ente coletivo. Possibilidade. Previsão constitucional regulamentada por lei federal. Opção política do legislador. Forma de prevenção de danos ao meio-ambiente. Capacidade de ação. Existência jurídica. Atuação dos administradores em nome e proveito da pessoa jurídica. Culpabilidade como responsabilidade social. Co-responsabilidade. Penas adaptadas à natureza jurídica do ente coletivo. Recurso Provido. I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado."

281

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Recurso em sentido estrito nº 0308950-3, de Maringá. Rel. Des. Lídio José R. de Macedo, 2ª Câmara Criminal, j. em 31.05.2007. Disponível em: <http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/judwin/DadosTextoProcesso.asp?Linha=36&Processo=690144&Texto=Ementa&Orgao=>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

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IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator282. (destacou-se)

A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas,

autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demonstra a adoção do

sistema da dupla imputação. Neste sistema, a atribuição da responsabilidade de

uma agente não permite deixar de lado aquele (co-autor ou partícipe) que concorreu

para realização do crime283.

O artigo 3º, da Lei nº 9.605/98, citado quando se trata do sistema da dupla

imputação, dispõe que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”284.

Além do mais, “conservar-se só a responsabilidade da pessoa física frente

aos crimes ambientais é aceitar a imprestabilidade, ou inutilidade do Direito Penal

para colaborar na melhoria e recuperação do meio ambiente”285.

282

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 564960, de Santa Catarina. Rel. Min. Gilson Dipp. 5ª Turma, DJ 13.06.2005 (p. 331). Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1791222&sReg=200301073684&sData=20050613&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 02 de outubro de 2009.

283 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 148.

284 BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm>. Acesso em: 05 de outubro de 2009.

285 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 700.

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Cabe esclarecer, e oportuno, que “[...] a imputação penal a indivíduos por

delitos praticados por pessoas jurídicas somente será levada a efeito caso a autoria

efetiva deste indivíduo seja comprovada”286.

Assim, a infração penal individual há de ser praticada no interesse da

pessoa jurídica e, obrigatoriamente, dentro da esfera de atividade da empresa. Bem

como, a infração executada deve ter sido praticada por alguém que esteja

estreitamente ligado ao ente coletivo, sempre, com auxilio do seu poderio, o qual é

resultante da reunião das forças econômicas agrupadas em torno da empresa287.

Tem-se, assim, o sistema da dupla imputação, que permite a

responsabilização penal da pessoa jurídica e, paralelamente, da pessoa física288.

O que não pode ocorrer é uma irresponsabilidade organizada, ou seja,

acobertar as condutas delituosas de dirigentes e funcionários das organizações

empresariais fazendo com que apenas as pessoas jurídicas respondam pelos danos

e ameaças causadas aos bens jurídicos protegidos289.

Nesta senda, a pessoa física que pratica crime ambiental pode enquadrar-

se, segundo Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz, em uma das três hipóteses

relacionadas:

[...] a) o empresário, dirigente, administrador etc. que pratica delito ambiental através da empresa que dirige, em co-autoria ou participação com esta ou utilizando-a como instrumento de delito particular; b) o trabalhador da empresa causadora da lesão ou ameaça ao bem jurídico executor material da conduta agressora e; c) o cidadão comum que pratica o delito ambiental fora do processo produtivo de uma empresa290.

Contudo, será sempre necessário aferir-se a culpabilidade de todos aqueles

envolvidos em injustos penais cometidos no âmbito das organizações empresariais.

Devendo ser evitada, a todo custo, a responsabilização objetiva, tanto das pessoas

físicas, quanto das jurídicas291.

286

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 255.

287 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 148.

288 SHECARIA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 149.

289 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 255.

290 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 256.

291 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. p. 70.

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Por todo o exposto, em cada caso concreto, deve ser feito uma avaliação

individualizada de cada conduta praticada, afim de que se possibilite o efetivo

atendimento ao princípio da culpabilidade292.

292

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. p. 269.

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CONCLUSÃO

A culpabilidade das pessoas jurídicas nos crimes ambientais suscita

inúmeros questionamentos em sede de doutrina e jurisprudência acerca da sua

aferição ao ente coletivo, aos seus dirigentes, prepostos e administradores, diante

do conceito de culpabilidade existente da dogmática penal clássica.

Destarte, face à concepção de bem jurídico ambiental, bem como a

necessária proteção do meio ambiente, trazida no primeiro capítulo, pôde-se

verificar que é inegável a importância do meio ambiente.

Como também, diante da fundamentação constitucional merecedor de tutela

penal, pois devido sua relevância, o bem ambiental deve ser protegido por todas as

formas de tutela existente em nosso ordenamento jurídico, inclusive, como ultima

ratio, a tutela penal.

Diante da ineficácia das tutelas administrativas e civis, o legislador

constituinte de 1988 e, posteriormente, o legislador ordinário deixaram claro que o

meio ambiente é merecedor da tutela penal, devendo ser protegido por todos,

pessoas físicas e jurídicas.

Verificou-se tal fato através da norma constitucional vigente, que determina

especificamente, no artigo 225, §3º, a proteção ao meio ambiente, garantindo a

todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O meio ambiente é um direito fundamental do homem e tem por objetivo a

proteção da dignidade da pessoa humana, eis que é bem essencial a sadia

qualidade de vida da sociedade.

Diante da relevância consagrada ao meio ambiente pelo texto constitucional,

reconhecida está a necessidade da tutela penal na proteção ao meio ambiente.

No segundo capítulo, como se pode notar, a culpabilidade é o elemento do

crime mais controvertido dentro da teoria do delito, cujo conceito é resultado de uma

longa evolução doutrinária.

Inicialmente bastava o nexo causal entre a conduta do sujeito e o resultado

para que houvesse a responsabilização. Com o avanço dos estudos, passou-se a

uma concepção psicológica, caracterizando a culpabilidade como uma “vontade

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reprovável” subjetiva e, posteriormente, excluindo-se os elementos psicológicos,

conservou-se o critério de reprovabilidade do ato.

Ainda no segundo capítulo, através da breve exposição do conceito de

culpabilidade, teorias, elementos e excludentes, possibilitaram-se verificar que a

culpabilidade não deve ser analisada sob a perspectiva do chamado “homem

médio”, mas sim com base nas reais condições de cada indivíduo no caso concreto

e, principalmente no que tange à sua condição em relação ao contexto social em

que está inserido.

É neste sentido que quando se trata de crimes ambientais cometidos pelos

entes coletivos em desfavor do meio ambiente é que surge a questão da aferição da

culpabilidade a pessoa jurídica criminosa.

Em decorrência desta discussão, após entendimento pacífico do Superior

Tribunal de Justiça de que as pessoas jurídicas são responsáveis criminalmente

pelos danos causados ao meio ambiente é que se encontra o ponto central desta

pesquisa, o de como auferir culpabilidade ao ente coletivo.

Para tanto, traz-se a baila os conceitos de pessoa jurídica contidos no

ordenamento jurídico, inclusive, fazendo menção as teorias existentes.

Como, sem dúvida alguma, o grande problema da responsabilização criminal

das pessoas jurídicas está na determinação da culpabilidade. Que, como visto, é o

elemento do crime mais controvertido dentro da teoria do delito, verifica-se, diante

do conceito de culpabilidade contido na dogmática penal clássica, que este

necessita ser remontado e, ou reconstruído para atender ao Direito Penal Ambiental,

possibilitando uma maior aplicabilidade e não deixar com que as organizações

empresariais saiam impunes das grandes ameaças que hoje representam ao meio

ambiente.

É neste sentido que se apresenta a necessária reconstrução do conceito de

culpabilidade, devendo este atender, também, as exigências do Direito Penal

Ambiental, especialmente, no que tange a responsabilização das pessoas jurídicas.

No entanto, infelizmente, a grande maioria das organizações empresariais

que cometem crimes ambientais e contribuem para a degradação do meio ambiente,

ainda estão impunes, pois muitos juristas entendem que não existe culpabilidade

para as pessoas jurídicas.

Como pode se verificar no decorrer da presente pesquisa, as pessoas

jurídicas são e devem ser responsáveis pelos danos que causam ao meio ambiente.

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Para tanto, além da previsão constitucional, o legislador ordinário editou a lei dos

crimes ambientais, que como se pôde verificar é recepcionada pela Constituição de

1988.

Além do mais, a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente

não deve ser tratada de forma individual, baseada na culpa do agente, o que

prescreve os ditames das escolas penais clássicas. O Direito Penal Ambiental é um

direito atual, transindividual, social e de extrema relevância para a vida do ser

humano, e deve ser tratado como tal.

Conforme se pôde vislumbrar, o posicionamento de alguns tribunais

estaduais e, inclusive, do STJ, são pacíficos no entendimento de que as pessoas

jurídicas devem ser responsabilizadas criminalmente pelos seus atos praticados

contra o meio ambiente. Porém, pouco se comenta sobre o princípio da

culpabilidade, sua aplicação, pois uns se manifestam a respeito da culpabilidade

como fator social, outros omitem, e outros consagram um sistema de dupla

imputação.

Este foi o escopo do terceiro e último capítulo. Analisando-se a pessoa

jurídica, sua responsabilização e possibilidade de sua conduta ser culpável.

Por derradeiro, não se tem dado a devida importância a este tema no

âmbito jurídico brasileiro, razão pela qual, também, a bibliografia é escassa.

No mais, conclui-se por reafirmar que não se pode deixar de lado a

culpabilidade, seja ela como categoria ou como princípio do Direito Penal, pois ela

existe, ainda que de forma diferenciada.

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