a crise mundial 1997-2009

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1 D D E E N N O O V V A A Y Y O O R R K K A A P P E E Q Q U U I I M M , , C C O O M M E E S S C C A A L L A A E E M M A A T T E E N N A A S S a marcha, a paso de ganso, da crise capitalista mundial Osvaldo Coggiola Pertence à natureza da crise que uma decisão esteja pendente, mas ainda não tenha sido tomada. Também reside em sua natureza que a decisão a ser tomada permaneça em aberto Reinhart Koselleck They shoot horses, don´t they? Horace Mc Coy, ou Sydney Pollack, ou Jane Fonda, com méritos iguais O jornalista e historiador econômico Alan Beattie resumiu muitas opiniões semelhantes, dizendo que “a crise financeira que começou em 2007 e explodiu em todo o mundo em 2008 é um lembrete ao mesmo tempo do quão frágil e reversível é a história do progresso humano (mas) com o longo decorrer da história, o tumulto que se iniciou com a contração de crédito em 2007, e foi se ampliando até se tornar uma emergência financeira global em 2008, será visto como uma crise do capitalismo, mas não sua crise terminal”. Até 2007, portanto, a nota dominante teria sido o “progresso” – depois dessa data, algo aconteceu, com força suficiente para evocar a crise terminal do capitalismo, que Beattie admite (implicitamente) como possibilidade, não imediata. “2007 (ou 2008)não foi, porém, um raio em céu de brigadeiro. Nem poderia ser um “2012” do capitalismo, no estilo da profecia atribuída aos maias: o colapso do capital não se assemelha a um cenário de cinema-catástrofe. O caminho da crise foi pavimentado por uma longa série de explosões financeiras: a crise da dívida externa dos países latino-americanos (1982), que se prolongou por toda a década; a crise bancária do sistema de poupança e empréstimos (savings and loans) dos EUA, em 1985, durante o governo Reagan, que custou US$ 500 bilhões aos cofres públicos; a quebra da bolsa de Nova York (1987); o estouro das bolhas acionária e imobiliária, que fez desaparecer US$ 3,2 trilhões da circulação econômica mundial, no Japão (1990), e foi seguido de mais de uma década de recessão, estagnação e deflação; a recessão americana de 1990-1991, de oito meses de duração; a crise do sistema monetário europeu e o ataque à libra esterlina (1992) que fez a fama mundial do especulador-mor George Soros; a crise do México (1994-1995); a crise asiática (1997); a quebra do fundo especulativo Long Term Capital Management, LTCM (1998) nos EUA; a crise russa (1998); a desvalorização do real (1999); a crise da Turquia (2001); a crise da Argentina (2001-2002); o estouro da bolha acionária do Nasdaq e a recessão nos EUA (2000-2001). Para o ex-Secretário do Tesouro dos EUA, e ex- economista-chefe do Banco Mundial, Lawrence Summers, “durante os últimos 20 anos grandes distúrbios financeiros ocorreram aproximadamente a cada três anos”. Se iniciarmos a contagem a partir da “crise do petróleo”, de meados da década de 1970, teriamos 17 eventos de criseem três décadas e meia, um a cada dois anos, em média; as crises passaram quase a ser a regra, sendo a exceção os anos de 2002 a 2007. A excepcional expansão desse quinqüênio concluiu numa crise sem precedentes, surpreendente pelo seu volume, profundidade e abrangência, ou melhor, só surpreendente para quem não se deu o trabalho de ler, em O Capital: “A enorme força produtiva, em relação à população, que se desenvolve dentro do modo de produção capitalista e, ainda que não na mesma proporção, o crescimento dos valores-capital (não só do seu substrato material), que crescem muito mais depressa do que a população, contradizem a base cada vez mais estreita em relação à riqueza crescente, para a qual opera essa enorme força produtiva, e as condições de valorização desse capital em expansão. Daí as crises”. As crises, por sua vez, só atingem sua plenitude no mercado mundial: “As crises do mercado mundial devem ser concebidas como a concentração real e a compensação violenta de todas as contradições da economia

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coggiola

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DDEE NNOOVVAA YYOORRKK AA PPEEQQUUIIMM,,

CCOOMM EESSCCAALLAA EEMM AATTEENNAASS aa mmaarrcchhaa,, aa ppaassoo ddee ggaannssoo,, ddaa ccrriissee ccaappiittaalliissttaa mmuunnddiiaall

Osvaldo Coggiola

Pertence à natureza da crise que uma decisão esteja pendente, mas ainda não tenha sido tomada. Também reside em sua natureza que a decisão a ser tomada permaneça em aberto

Reinhart Koselleck

They shoot horses, don´t they?

Horace Mc Coy, ou Sydney Pollack, ou Jane Fonda, com méritos iguais

O jornalista e historiador econômico Alan Beattie resumiu muitas opiniões semelhantes, dizendo que “a crise financeira que começou em 2007 e explodiu em todo o mundo em 2008 é um lembrete ao mesmo tempo do quão frágil e reversível é a história do progresso humano (mas) com o longo decorrer da história, o tumulto que se iniciou com a contração de crédito em 2007, e foi se ampliando até se tornar uma emergência financeira global em 2008, será visto como uma crise do capitalismo, mas não sua crise terminal”. Até 2007, portanto, a nota dominante teria sido o “progresso” – depois dessa data, algo aconteceu, com força suficiente para evocar a “crise terminal do capitalismo”, que Beattie admite (implicitamente) como possibilidade, não imediata. “2007 (ou 2008)” não foi, porém, um raio em céu de brigadeiro. Nem poderia ser um “2012” do capitalismo, no estilo da profecia atribuída aos maias: o colapso do capital não se assemelha a um cenário de cinema-catástrofe.

O caminho da crise foi pavimentado por uma longa série de explosões financeiras: a crise da dívida externa dos países latino-americanos (1982), que se prolongou por toda a década; a crise bancária do sistema de poupança e empréstimos (savings and loans) dos EUA, em 1985, durante o governo Reagan, que custou US$ 500 bilhões aos cofres públicos; a quebra da bolsa de Nova York (1987); o estouro das bolhas acionária e imobiliária, que fez desaparecer US$ 3,2 trilhões da circulação econômica mundial, no Japão (1990), e foi seguido de mais de uma década de recessão, estagnação e deflação; a recessão americana de 1990-1991, de oito meses de duração; a crise do sistema monetário europeu e o ataque à libra esterlina (1992) que fez a fama mundial do especulador-mor George Soros; a crise do México (1994-1995); a crise asiática (1997); a quebra do fundo especulativo Long Term Capital Management, LTCM (1998) nos EUA; a crise russa (1998); a desvalorização do real (1999); a crise da Turquia (2001); a crise da Argentina (2001-2002); o estouro da bolha acionária do Nasdaq e a recessão nos EUA (2000-2001). Para o ex-Secretário do Tesouro dos EUA, e ex-economista-chefe do Banco Mundial, Lawrence Summers, “durante os últimos 20 anos grandes distúrbios financeiros ocorreram aproximadamente a cada três anos”.

Se iniciarmos a contagem a partir da “crise do petróleo”, de meados da década de 1970, teriamos 17 “eventos de crise” em três décadas e meia, um a cada dois anos, em média; as crises passaram quase a ser a regra, sendo a exceção os anos de 2002 a 2007. A excepcional expansão desse quinqüênio concluiu numa crise sem precedentes, surpreendente pelo seu volume, profundidade e abrangência, ou melhor, só surpreendente para quem não se deu o trabalho de ler, em O Capital: “A enorme força produtiva, em relação à população, que se desenvolve dentro do modo de produção capitalista e, ainda que não na mesma proporção, o crescimento dos valores-capital (não só do seu substrato material), que crescem muito mais depressa do que a população, contradizem a base cada vez mais estreita em relação à riqueza crescente, para a qual opera essa enorme força produtiva, e as condições de valorização desse capital em expansão. Daí as crises”.

As crises, por sua vez, só atingem sua plenitude no mercado mundial: “As crises do mercado mundial devem ser concebidas como a concentração real e a compensação violenta de todas as contradições da economia

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burguesa. A crise é o violento restabelecimento da unidade entre momentos independentes e a violenta independentização de momentos que, essencialmente, são uma única coisa. Todas as contradições da produção burguesa atingem coletivamente a explosão nas crises mundiais gerais; nas crises particulares (particulares segundo o conteúdo e a extensão), só de maneira dispersa, isolada, unilateral”.

Na fase histórica recente, as diversas etapas da crise da produção capitalista evidenciaram as contradições acumuladas ao longo de décadas de desenvolvimento parasitário do capital, e de sobrevivência do capitalismo pelo uso de fatores extra-econômicos (a intervenção do Estado). A crise começou a evidenciar-se nos países desenvolvidos no final da década de 1960, e ficou declarada em 1971, com o calote dado pelos EUA ao mundo, quando declararam que o dólar não seria mais conversível em ouro. A criação da reserva comum de ouro, já em 1961, livrava os EUA de uma parte da responsabilidade pela manutenção do preço do metal a 35 dólares a onça. O passo seguinte foi a renúncia unilateral dos EUA da obrigação de prover ouro a compradores privados ao preço de 35 dólares a onça, em 1968. Três anos depois, produziu-se a decisão de fechar o guichê do ouro também aos compradores oficiais. Os EUA renunciaram igualmente a suas obrigações informais como país de moeda de reserva ao obstruir o acesso aos seus mercados de capital; a imposição de um aumento tarifário de 10% sobre as importações, em agosto de 1971, mudou as regras que governavam o comércio internacional (a parte exportada da produção mundial passara de 8,5% para 15,8%, entre 1955 e 1974).

Ao “desmonetizar” sua moeda, os EUA transformaram as reservas em dólar dos demais países em títulos submetidos à política monetária dos EUA, que transferiram assim sua crise para o Terceiro Mundo e para seus concorrentes no mercado mundial, especialmente Europa e Japão. A partir de 1973, a crise do petróleo “oficializou” a existência de uma crise econômica geral, e lançou as bases, através dos mercados secundários da divisa americna, para o espetacular desenvolvimento do capital especulativo. Nos EUA, em 1974, a produção caiu 10,4%, a capacidade ociosa foi até 32% e o desemprego situou-se na casa dos 9%. Nas “recuperações” posteriores, essas quedas não foram realmente superadas. Devido à internacionalização do capital desde o final dos anos sessenta, o terreno de enfrentamento entre os grupos industriais e financeiros - até então essencialmente nacional – foi transferido para o mercado mundial, no qual cada um tentou conquistar a posição mais vantajosa em mercados mais estreitos, no meio à concorrência exacerbada.

As recessões de 1974/1976 e de 1980/1982 impulsionaram a “crise da dívida” e a crise do crédito na década de 1980, em processo marcado pela crise da Bolsa de Nova York. As transformações globais iniciadas nos anos 1980 não se restringiram ao novo sistema monetário mundial, que já tinha sido resolvido nos anos 1970, e sacramentado pela política de Paul Volker, presidente do Federal Reserve, banco central dos EUA, nos governos de Carter e Reagan. O mais importante foi que os capitalistas americanos reagiram ao terremoto de 1980/81 com uma reestruturação produtiva global. O crescimento econômico per capita nos EUA foi mais elevado no período de câmbio flutuante de 1974-1989 (2,1% ao ano) do que no período de taxas fixas 1946-70 (2% ao ano), ou do que no período do padrão ouro de 1881-1913 (1,8% ao ano). Mas, entre 1973 e 1993, a renda disponível para os 20% mais pobres caiu quase 23% - de US$ 17.601 para US$ 13.596 anuais, para uma família de três pessoas.

Na crise de superprodução, o “desemprego do trabalho” é conseqüência inevitável do “desemprego do capital”. Só na Europa, mais de 30 milhões de trabalhadores não reencontraram empregos, depois das crises de 1973–1975 e de 1979–1982.1 Quando a taxa de utilização da capacidade instalada cai abaixo de 70 %, a taxa de desemprego cresce de forma descontrolada, superando os 10%, como ocorreu em 1982. A única saída capitalista, nessas condições, era uma potente reestruturação produtiva global, com um novo patamar produtivo e tecnológico, e um aumento da taxa de exploração, acompanhada de um rebaixamento dos salários e das condições de existência da classe operária mundial. A crise testemunhou um deslocamento relativo da produção manufatureira pela produção industrial (a primeira passou de 113 para 103, a segunda de 98 para 108, entre 1974 e 1985) dentro do conjunto do "setor industrial", o que significava a aceleração, durante a crise, da concentração e centralização do capital.

1 Nos EUA, entre 1973 e 2007 os salários reais por hora de trabalho caíram 4,4%, enquanto no período 1947-1973 o salário horário crescera 75%.

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Foi o que ocorreu nos vinte anos ulteriores ao abalo da década de 1980, reacendendo crises cíclicas de superprodução cada vez mais potentes. À medida que se sucediam novos e mais potentes abalos no mercado mundial, a onda de globalização da indústria capitalista acelerou sua expansão para todo o globo, impulsionada pelos abalos e pela necessidade de superá-los. Promoveu-se uma transformação da crosta industrial terrestre. Nessa expansão, porém, o capital incorporou todas as suas tendências parasitárias, próprias da era monopolista: não diminiu a tendência para o parasitismo financeiro, mas a aumentou qualitativamente, em um cenário de crisis sistemáticas. Ao não criarem condições suficientes para uma nova retomada do processo de acumulação, mediante a desvalorização/queima do excesso de capital, as crises passaram a ser, em geral, menos profundas e duradouras, atingindo principalmente as condições de valorização financeira. Essa mesma condição fez com que os obstáculos à acumulação produtiva se recolocassem cada vez mais prontamente. As contradições precedentes não eram resolvidas, sua resolução foi “adiada”, dando uma sobrevida ao processo de acumulação com predomínio da valorização financeira do capital, o que gerou as condições para que as contradições reaparecessem, agravadas.

O craque originado no boom imobiliário japonês dos anos 1980 é talvez a crise que mais se assemelha à do sub-prime atual. Bancos comerciais e de investimentos nipônicos buscaram maior rentabilidade em produtos de maior risco. A combinação de baixas taxas de juros, forte crescimento mundial e abundância de liquidez levaram a isso. Como conseqüência, diversos subprodutos financeiros surgiram, como os derivativos sobre empréstimos imobiliários, que foram empacotados e distribuídos por “fundos”. O spread dos high yield bonds atingiu mínimos históricas em relação aos títulos do governo. No caso japonês, as raízes da formação da bolha dos imóveis e das ações remontavam às estruturas organizacional, produtiva e bancária do Japão de pós-guerra.

O Japão cresceu, em média, 10% anuais no período 1953/73. O modelo japonês dava ênfase ao crescimento com endividamento empresarial, forte regulação financeira, controle governamental na alocação dos recursos bancários, e juros subsidiados. Era hábito nacional tomar dívida em bancos. A regulamentação não permitia a negociação de títulos de dívidas, e desestimulava a emissão de ações. Isso garantiu a predominância dos bancos na intermediação financeira, e a concentração da poupança nacional nos bancos comerciais. Outra conseqüência foi a participação cruzada (acionária e administrativa) entre bancos e grupos industriais, e os altos índices de endividamento empresarial, sem similar entre as economias avançadas.

O “sistema” funcionou até estourar o choque do petróleo em 1973, evidenciando uma crise mundial de superprodução. A busca por redução de custos de produção levou Japão a concentrar no país a produção de

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bens mais intensivos em P&D (eletrônica, automóveis e bens de capital), e transferir para países periféricos os segmentos mais básicos (os Tigres Asiáticos). Isto puxou o movimento de investimentos japoneses para o exterior, na aquisição de ativos existentes ou na transferência de segmentos produtivos, acompanhada de desregulamentação do setor bancário. Tendo perdido o papel de único agente financiador da economia japonesa, os bancos tiveram de buscar nova clientela em pequenos negócios e/ou lastrear seus ativos em propriedades, ou no financiamento de outras atividades especulativas.

Nesse contexto, com um iene forte e política monetária frouxa, se formaram as bolhas de preços nas ações e no mercado imobiliário. O crédito bancário foi canalizado para financiá-las. Em 1989, a elevação dos preços dos ativos, e um aperto na política monetária, fez estourarem as bolhas, inaugurando uma depressão econômica de mais de duas décadas de duração. Uma vaga de garagem em Tóquio tinha sido negociada por U$ 500 mil, em 1989. A bolha furou, o Japão entrou em recessão, e praticamente estagnou desde então. O índice Nikkei bateu a máxima de 40 mil pontos em 1989 e, passados 20 anos, ainda estava em 12 mil pontos (uma queda de 70%).

Fonte: UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development).World Commodity Survey. Nova York/Genebra, United Nations, 2003.

Contradições da Reestruturação Produtiva

A expansão do mercado mundial, com agregação contínua de novos espaços de valorização, ou reformas e reestruturações dos antigos, e com a tendência para a globalização do trabalho assalariado e do exército industrial de reserva, ocorreu com o objetivo determinante da classe capitalista (seus governos nacionais e organizações internacionais) de se contrapor à tendência à queda da taxa media de lucro. A chave para seu entendimento é o aumento da composição orgânica do capital –tendência do7minante no desenvolvimento capitalista. Marx definiu essa “queda tendencial” como a “lei fundamental do movimento da sociedade burguesa”. Cada capitalista, agindo individualmente, na busca de maximizar seu lucro próprio, aciona os mecanismos que levam para a queda tendencial da taxa de lucro média: no próprio processo de acumulação capitalista se engendram as limitações do modo de produção do capital.2 O desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo gesta o primordial componente de sua derrocada.

2 O aumento da composição orgânica do capital como conseqüência do desenvolvimento das forças produtivas, significa o aumento do uso de capital constante proporcionalmente maior do que o aumento da força de trabalho no processo produtivo. Desta característica se infere

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Para se contrapor a isso, o capital global (mundial) levou a níveis recordes a acumulação de capital, com a elevação das taxas de exploração da força de trabalho (aumento da produtividade) e, consequentemente, a potenciação de novas crises. O movimiento acelerado surgia da própria crise do capital, e da tentativa de saída através do aumento da sua composição orgânica, aumentando a taxa de mais-valia e, portanto, a taxa de lucro, depois da queda brusca do fim do período expansionista de pós-guerra: o aumento da produtividade do trabalho caiu, nos EUA, de 3,2% anual (1958 a 1966), para 1,6% em 1966-1974 (situando-se por baixo do crescimento demográfico); a estimativa da taxa de lucro passou, entre 1973 e 1982, nos EUA, de 18,8 para 4,2; no Japão, de 35,0 para 14,3; na Alemanha, de 14,1 para 8,1; na Inglaterra, de 6,6 para 0,6. A queda da taxa de lucros levou a uma retomada violenta dos investimentos.

LUCROS E INVESTIMENTO NOS EUA (1966-2005)

Fonte: Andrew Kliman. The Persistent Fall in Profitability Underlying the Current Crisis, outubro de 2009.

As “novas tecnologias” visaram atacar a queda da produtividade do trabalho (mediante o aumento de seu controle pelo capital) e da taxa de lucro, mediante a redução do tempo de trabalho necessário. Na síntese de Rosa Marques: “produzir com estoque reduzido, em particular o de processo; capacitar o aparelho produtivo para a flexibilidade; organizar a produção e o trabalho de forma a aumentar significativamente o controle sobre o processo produtivo; reduzir substancialmente o tempo necessário para produzir”.

SALÁRIOS COMO PERCENTUAL DO PIB DOS EUA (1930-2009)

que o denominador da taxa de lucro (C) aumente mais rapidamente do que o seu numerador, a massa de mais-valia (M). Ou seja, considerando-se a taxa de lucro (π) como a relação da massa de mais-valia com o capital global adiantado pelo capitalista, se observa que ela cai à medida que o capital constante é utilizado de maneira proporcionalemnte mais intensa do que o capital variável nas etapas sucessivas do processo produtivo.

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SALÁRIOS COMO PERCENTUAL DO VALOR AGREGADO NOS EUA (1977-2005)

SALÁRIOS E PRODUTIVIDADE NOS EUA (1947-2010) (1992=100)

Fonte: Anwar Shaikh. The first great depression of the 21st century, outono 2010.

Uma taxa de exploração crescente, com aumento da massa de mais-valia, e consequentemente, uma elevação do lucro, só seria possível com uma composição orgânica do capital igualmente crescente, acionando a lei da queda tendencial da taxa de lucro, nas três maiores economias capitalistas do planeta.

INDÚSTRIA MUNDIAL. PRODUÇÃO, PRODUTIVIDADE E EMPREGO NAS TRÊS PRINCIPAIS ECONOMIAS – 1979-2004. VARIAÇÕES (%) MÉDIAS ANUAIS

Fonte: United States Department of Labor - International Comparisons of Manufacturing Productivity and Unit Labor Cost Trends, 2004. Washington, outubro 2005.

País 1979-2004 1979-1990 1990-1995 1995-2000 2000-2004 2002-2003 2003-2004

Estados Unidos

Produção 3.0 2.3 3.6 5.4 1.3 4.5 4.3

Produtividade 4.2 3.0 3.7 5.7 6.4 9.9 4.7

Emprego -1.2 -0.8 -0.5 -0.1 -4.5 -4.8 -1.2

Japão

Produção 2.9 4.7 0.4 2.0 2.1 9.6 5.5

Produtividade 4.0 3.8 3.3 4.1 5.0 11.0 6.9

Emprego -0.7 1.0 -1.6 -1.9 -3.0 -2.2 -2.4

Alemanha

Produção 0.9 1.2 -1.0 2.2 1.1 -0.2 4.6

Produtividade 2.7 2.1 2.9 3.7 2.8 2.5 4.6

Emprego -1.3 -0.1 -4.2 -0.8 -1.5 -2.6 -1.5

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Na tabela precedente se verifica uma importante taxa de crescimento anual da produção industrial dos EUA (3%), com uma indústria de três trilhões de dólares anuais, um terço do produto industrial do planeta. A indústria japonesa, segunda maior do mundo, também cresceu a uma taxa importante (2,9%), parecendo configurar a emergência de uma “Era do Pacífico”, área das Américas, Ásia e Oceania, deslocando o eixo da economia mundial, e destronando o Atlântico como centro econômico. A forte indústria alemã, terceira do mundo, ficou para trás das outras potências industriais, com uma taxa de crescimento de 0,9%.

Não se tratou de um “deslocamento pacífico” nem, como veremos, de um “milagre asiático”, mas da mundialização da arena das contradições da produção capitalista. No Japão dos anos 90, após o auge especulativo da bolsa e dos imóveis, medidas monetárias e fiscais expansionistas tentaram evitar que a estagnação do PIB se transformasse em crise. O índice Nikkei, entre 1989 e 1992, despencou de 45.000 para 15.000, uma desvalorização cujo “ajuste” conduziria a economia japonesa para uma longa depressão. Depois do craque do Nikkei em 1989, o banco central nipónico baixou as taxas de juro ao longo de dez anos até chegar a virtualmente zero: o índice Nikkei, porém, continuou a 1/3 da sua valorização precedente. Crédito e capitais fáceis não impediram a explosão da bolha especulativa. O PIB dos EUA alcançou treze trilhões de dólares anuais, e houve uma recuperação da taxa de lucro na economia norte-americana:

EUA: VALOR EXCEDENTE PRODUZIDO SOBRE GASTOS TOTAIS COM CAPITAL (TAXA DE LUCRO)

ÍNDICE DE PRODUTIVIDADE DO TRABALHADOR NORTE-AMERICANO (1991-1999)

Fonte: USA, Bureau of Labor Statistics

Não foi uma reestruturação pacífica: a Bolsa de Wall Street desmoronou em outubro de 1987, depois da divulgação de dados que mostraram um importante déficit comercial e um aumento das taxas de juros do Banco Central alemão. O inchaço da Bolsa de Nova York tinha acompanhado a deflação da Bolsa de Tóquio: 100 dólares de valor real dos meios de produção estavam cotizados em ações de 1000 dólares.3 A bolha estourou: em um dia, o índice Dow Jones perdeu 22,6%; outros índices registraram importantes perdas, mostrando a interdependência dos mercados financeiros mundiais, o “primeiro craque da “era da informática”. O índice Dow Jones caiu 40% em um ano; as empresas dos EUA perderam US$ 7 trilhões. Uma grande parte dos bancos teve suas dívidas “securitizadas” (transformação dos créditos de posse dos bancos, das instituições financeiras, das companhias de seguro ou das sociedades comerciais, em títulos

3 A princípio, o curso da Bolsa deve ser indexado sobre os lucros esperados. Essa ligação depende também da estrutura de financiamento das empresas: conforme estas se financiem principalmente ou acessoriamente nos mercados financeiros, a cotação das ações é um indicador mais ou menos preciso.

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negociáveis). A recuperação parcial da taxa de lucro não conseguiu reverter a tendência histórica ao declínio da produção da principal economia capitalista.

TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB REAL (DEFLACIONADO) DOS EUA (1961-2000)

Fontes: OCDE; IFRI-Ramses; CPE

Na seqüência, nos EUA, tivemos a recessão de 1991, de curta duração. A recuperação limitada da taxa de benefício, na década de 1990, elevou-a para um nível levemente superior à dos anos 1970 e 1980, ainda que abaixo da taxa média mundial do período de pós-guerra (consideradas a taxa de retorno, a participação dos lucros na renda, o rendimento das ações nas Bolsas de Valores, e os balanços das corporações). Os setores mais dinâmicos da economia norte-americana foram os ligados à alta tecnologia, principalmente os setores da mídia e de telecomunicações.

LUCRO LÍQUIDO DAS EMPRESAS NORTE-AMERICANAS (EM BILHÕES DE DOLÁRES)

A base dessa recomposição da rentabilidade se encontrava no avanço da flexibilidade trabalhista, na pressão do desemprego sobre os salários, e na conseqüente expansão da pobreza, ainda que não se tenha consumado uma regressão decisiva nas condições de vida dos trabalhadores. Para que esta recuperação ultrapassasse o curto prazo, o aumento da taxa de exploração teria que se estabilizar.

EVOLUÇÃO DO CRESCIMENTO DO PIB NORTE AMERICANO (1989-1999)

O PIB norte americano não apresentou variações negativas desde abril de 1991 e atingiu o pico de crescimento de 7,4% no 4° trimestre de 1999. Mas, na virada do século, tivemos a crise das bolsas de 2000 a 2002, assim como as crises dos “mercados emergentes”. Não se tratou de simples repetições de crises precedentes: o processo de acumulação de capital não tem como característica essencial a sua trajetória

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“cíclica”, isto é, que sempre, após uma fase de crescimento, se produz um momento de crise, depois do qual o capitalismo consegue reconstruir novas bases para um novo processo de acumulação de capital, numa seqüência infinita, uma espécie de “eterno retorno” da prosperidade. As crises seriam eventos localizados, conjunturais, desequilíbrios momentâneos em um sistema que prontamente se restabeleceria. Com a irrupção da crise, na década de 1970, cunhou-se progressivamente o mito dos “trinta anos gloriosos” do capital (1945-1975), cuja fórmula seria necessário desvendar para propiciar um novo ciclo de prosperidade. Paralelamente, ganhou fôlego a interpretação baseada na teoria dos “ciclos longos” de Nikolai Kondratiev, segundo a qual o meio século de pós-guerra se caracterizaria por uma “longa fase ascendente” (até meados da década de 1970), e outra “descendente” (a partir dessa data e até o final do século XX), teoria não contraditória com a precedente.

Segundo uma interpretação baseada nessa teoria, o início do século XXI deveria testemunhar o início de uma nova “longa fase ascendente”, acompanhada de uma mudança na liderança da “economia-mundo” (Giovanni Arrighi postulou um novo ciclo de ascensão “produtiva”, contraposto à fase “financeira”, ciclo liderado pelas economias asiáticas, com o Japão no seu centro), o que não se verificou.

Neste modelo gráfico de inspiração keynesiana, Richard Goodwin descreve ciclos econômicos na produção pela distribuição entre lucros e salários. As flutuações nos salários são as mesmas do nível de empregos, pois quando uma economia está em períodos de alta empregabilidade, os trabalhadores têm poder de exigir aumentos salariais, enquanto que em épocas de depressão os salários caem. Segundo Goodwin, quando o desemprego e os lucros aumentam, o produto aumenta. Para Joseph Schumpeter, o “ciclo econômico” tem quatro estágios: expansão (aumento da produção e dos preços, baixas taxas de juros), crise (mercado de ações e nível de produção desabam, múltiplas falências de empresas ocorrem), recessão (quedas de preços e produto, altas taxas de juros), recuperação (as ações se recuperam devido à queda no preço e na renda). Nesse modelo, a recuperação e a prosperidade seriam mais rápidas quanto mais rápida fosse a recuperação na produtividade, na confiança do consumidor, na demanda agregada e na recuperação dos preços. O “modelo de Samuelson” (de Paul Samuelson), formulado em 1939, chegou aos ciclos econômicos através do multiplicador de Keynes. A amplitude das variações na produção depende do nível de investimento; o investimento determina o nível de produto agregado (multiplicador-α) e é determinado pela demanda agregada (acelerador-γ):

Os ciclos seriam parte incontornável do “crescimento estável”. O caráter histórico do capitalismo desaparece nas concepções “cíclicas” (a partir da qual são criticados os que “aguardam a crise terminal do capitalismo”, sendo às vezes o próprio marxismo reduzido a uma mera teoria dos ciclos econômicos) impedindo compreender o caráter diferenciado das crises econômicas como manifestação do declínio da produção capitalista. A causa última das crises é a contradição entre o caráter cada vez mais social da produção e o caráter cada vez mais privado da apropriação capitalista, causa que se aprofunda com o tempo, com conseqüências para as próprias crises.

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Para contornar a crise foi elevada da taxa de juros, nos EUA, durante o governo Jimmy Carter (1979), tendência mantida e ampliada no governo Reagan. Chegou-se até a promulgação, em 1980 (durante a gestão de Paul Volker no FED, no final da presidência de Carter), de uma lei revogando as disposições sobre taxas de juros usurárias. A economia voltou a se retrair em 1980, quando ainda não tinha se recuperado da crise de 1974, tendo seus efeitos alastrados para a década seguinte. A taxa de desemprego na Comunidade Econômica Européia era de 3,2% em 1970, passou para 5,4% em 1975, foi para 6,4% em 1981, e atingiu 8,2% em 1983. Em 1987 ficou-se perto do pânico financeiro. Depois houve a redução da taxa de juros dos EUA, em 1991, para conter uma nova recessão. Nos dois casos (elevação e redução da taxa de juros) o resultado foi uma ampliação do endividamento, tanto nos países “desenvolvidos” como nos “subdesenvolvidos”. A crise foi o elemento motor para a adoção dessas políticas. As novas crises puseram em evidência as limitações do agente estatal, e de sua nova orientação, com as despesas públicas voltadas para o pagamento das dívidas. O Estado capitalista, em crise fiscal e financeira, passou a bancar o ônus dos déficits acumulados pelos custos financeiros da dívida, com políticas de austeridade. Não se tratou, por isso, da “crise do keynesianismo de pós-guerra” (ou seja, da crise de uma política específica do Estado capitalista), mas dos limites históricos do agente estatal para empreender uma política anticíclica. A política econômica se conformou cada vez mais aos interesses dos rentistas, o setor mais parasitário do capital, tendo seu eixo em produzir excedentes para cumprir os compromissos com os credores.4 Nas palavras de Krugman, se o Big Government recuou com as reformas liberalizantes, o contrário aconteceu com o Big Bank (Banco Central). A reestruturação e a “relocalização” capitalistas chocaram-se contra a estreiteza do mercado mundial, não mantendo os níveis de taxa de lucro alcançados de maneira sustentada.

Capital Fictício, Capital Financeiro, Crédito e Especulação

Os economistas batizaram esses processos como “economia do rentista internacional” ou “Estado assistencial do rentista”: os Estados se endividaram tomando grandes somas emprestadas de indivíduos ou de instituições financeiras, para pagar juros aos rentistas a taxas estabelecidas por outro braço do governo, os bancos centrais. O acúmulo de grandes dívidas públicas conferiu aos interesses financeiros e bancários o poder de ditar a política social e econômica. Mas isso é a conseqüência de um processo originado na sobreacumulação de capital. Existia um excesso de capital que não conseguia valorização nos moldes “tradicionais”, isto é, por meio da produção crescente de valores, com posterior venda/realização, em mercados também em expansão. Era preciso encontrar outra esfera para que esse capital excedente conseguisse valorizar-se. O processo não era novo, remontando, pelo menos, até o século XIX. Nova era, sim, sua extensão. Quanto mais longa a expansão capitalista (e a do segundo pós-guerra foi a mais longa) mais difícil seria para os capitais encontrarem setores em que a composição orgânica do capital fosse mais baixa, portanto mais lucrativos. A concorrência capitalista acentúa também a queda nos preços. O valor das mercadorias cai, obrigando o capitalista a acentuar a extração de mais-valia, limitada, por sua vez, pela redução do número de trabalhadores empregados, resultado da adoção de técnicas mais modernas na produção. A diminuição da realização dos lucros não aparece de imediato; é primeiramente um montante de capitais não reinvestidos na produção, devido à baixa rentabilidade, que criam um entrave para a reprodução. Desviados do setor produtivo, passam a agir cada vez mais de forma especulativa. A especulação financeira, ou a transferência de riquezas da produção para o setor rentista, é uma tendência em tempos de crise.

A massa absoluta de capitais não retrocede; pode até aumentar. O emprego e a massa salarial podem também não retroceder. Mas os investimentos, o emprego e a produtividade (proporção de mais-valia relativa) não crescem mais em proporção suficiente para sustentar a expansão da produção capitalista. A massa de capitais acumulados é então redirecionada para setores improdutivos – militar, financeiro especulativo – afetando o ciclo de reprodução do capital, determinado pelos investimentos produtivos. A irracionalidade do sistema capitalista, regido pela lei do valor, e as contradições que levam a economia mundial à superprodução, revelam-se então sob o véu especulativo parasitário.

4 Paul Krugman chamou as políticas da década de 1990 de “perversão das políticas públicas”: o pensamento econômico dominante exigia que governos adotassem políticas duras e recessivas para fazer um “jogo de confiança” com o mercado, ou seja, o governo fazia o que mercado esperava, e o mercado continuava a investir no país. Todo se resumiria a uma determinada preferência do pensamento (da qual Krugman não explica os motivos).

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LUCRO, INVESTIMENTO E DESEMPREGO NA EUROPA

Fonte: François Chesneis, A Mundialização Financeira

Em conseqüência disso, os processos de desregulamentação, abertura e internacionalização das finanças são acelerados, provocando a chamada financeirização. É preciso não confundir conceitualmente capital fictício com especulação financeira, embora coincidam na prática, em maior ou menor grau. O capital portador de juros surge quando o capital, enquanto capital, se torna mercadoria, isto é, quando o dinheiro, enquanto forma por excelência de manifestação do valor-capital, adquire um valor de uso adicional – além daquele próprio do dinheiro, enquanto mercadoria – o valor de uso de funcionar como capital. Surge a possibilidade de que o proprietário do dinheiro, com a potencialidade de entrar no processo de produção, abra mão de exercer essa potencialidade, mas empreste esse valor-capital em potência para outro indivíduo que ingressa no processo de produção capitalista.

O proprietário do dinheiro (mercadoria-capital) lança assim na circulação o capital portador de juros, sendo estes definidos pelo preço da transação entre o proprietário (prestamista) e o emprestador, tornando o capital uma mercadoria, o que define um mercado específico, onde a mercadoria-capital é comercializada com base nos juros definidos na transação. A introdução do crédito não constitui mudança qualitativa na geração de valor. O ciclo global do capital industrial, D–M...P...M’–D’, persiste. Os juros pagos ao prestamista são extraídos da mais-valia extraída na atividade produtiva, da exploração da força de trabalho na movimentação dos meios de produção. O capital portador de juros possibilita a extração da mais-valia, ao acionar a cadeia e, por isso, possui o direito sobre parte dessa mais-valia. O capital portador de juros é, no entanto, estéril na geração de valor.

A apropriação de uma parcela da mais-valia, na forma de juros, é a lógica do capital monetário portador de juros, de forma que seu proprietário pode auferir lucros periodicamente pelo simples fato de conceder o uso de seu capital. Nas palavras de Marx, “seu valor de uso consiste justamente no lucro que, uma vez transformado em capital, produz. Nessa qualidade de capital possível, de meio para a produção de lucro, torna-se mercadoria, mas uma mercadoria sui generis. Ou, o que dá na mesma, o capital enquanto capital se torna mercadoria”. No capítulo XXIV do livro III de O Capital, Marx estende a teoria do fetichismo ao capital portador de juros ou capital usurário, “a forma mais alienada da relação capitalista”: “Na medida em que o juro não é senão uma parte do lucro, isto é, da mais-valia que o capitalista ativo extorque do operário, ele (o juro) se apresenta como o fruto propriamente dito do capital; o lucro, pelo contrário, que toma a forma de lucro de empresa, aparece como um simples acessório e agregado, que se acrescenta ao processo de reprodução. A forma fetichizada do capital e a representação do fetiche capitalista atingem a sua forma mais acabada. A-A’ representa a forma sem conteúdo do capital, a inversão e materialização das relações de produção elevadas à máxima potência: a forma produtora de interesse, a forma simples do capital onde ele é a condição prévia de seu próprio processo de reprodução; a capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de multiplicar o seu próprio valor, independentemente da reprodução, é a mistificação capitalista em sua forma mais brutal. É, portanto, no capital portador de juros que esse fetiche automático está claramente exposto: valor que traz valor, dinheiro que engendra dinheiro; nessa forma, ele deixa de portar as marcas de sua origem”.

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O capital fictício, para Marx, é substancialmente distinto do capital portador de juro – embora este último venha a potenciar a acumulação do primeiro. O capital fictício é originário da arbitragem: surge do ganho especulativo que o possuidor de títulos ou ações aufere ao vendé-los no pregão, na medida em que o valor obtido pela venda seja superior ao dispêndio para adquiri-lo. Aqui existe um elo que conecta a esfera das finanças e a da produção. A ação é, por definição, um título de rendimento variável, ou seja, ao acionista não está garantido o recebimento de um percentual do capital adiantado – como sim seria em uma tradicional operação de crédito. Sua remuneração está vinculada ao desempenho da empresa, seu lucro.

Hilferding destacou que o banco apenas coloca “à disposição do mercado, sob a forma de capital fictício, o capital monetário destinado à transformação em capital industrial. É ai que se vende o capital fictício e o banco realiza seu lucro de fundador, lucro que se origina da transformação de capital industrial em fictício. Essa função do banco, de levar a efeito a mobilização do capital, decorre do fato de ter a sua disposição o dinheiro de toda sociedade.5 Essa função estabelece, ao mesmo tempo, a exigência do banco dispor de um grande capital próprio. O capital fictício (título de crédito) é mercadoria sui generis, que só volta a se transformar em dinheiro mediante sua venda”. O capital fictício, parcela do capital que se reproduz autonomamente, dissociada do valor efetivamente investido na produção e na extração da mais-valia, tem que ser considerado em seu caráter contraditório: fictício do ponto de vista social e real do ponto de vista do capitalista individual que o detém. Ou seja, embora não amplie o montante de mais-valia produzida a cada período, atua na repartição dessa mais-valia na esfera da circulação, ampliando a parcela desta que cabe a seu detentor (na divisão da mais-valia produzida), aumentando a concentração de capitais.

Quando a motivação da busca de crédito for aquisição de capital fixo (maquinário) o retorno do dinheiro ao banco se da paulatinamente, espaçado em mais de um ciclo produtivo. A imobilização do crédito tomado acarreta um envolvimento distinto do banco com a empresa capitalista industrial, ele passa a se preocupar com a forma em que aquele empregará os recursos, uma vez que a amortização do crédito passa a ser diferenciada no tempo. Sela-se aí a fusão entre capital bancário e capital industrial – o banco deposita seu capital na empresa capitalista e com isso participa do seu destino, dando origem ao capital financeiro.

O crédito amplia as bases da acumulação capitalista, favorecendo-a, e, ao mesmo tempo, amplia a base da sua crise, como pontuou Marx, em O Capital: “O sistema de crédito aparece como a principal alavanca da superprodução e da superacumulação no comércio somente porque o processo de reprodução, que é elástico por natureza, aqui é forçado até seus limites extremos. A auto-expansão do capital baseada na natureza contraditória da produção capitalista permite um desenvolvimento verdadeiramente livre somente até certo ponto, de forma que constitui um entrave imanente e uma barreira à produção, que é quebrada continuamente pelo sistema de crédito. Por conseguinte, o sistema de crédito acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e o estabelecimento do mercado mundial. A missão histórica do sistema capitalista de produção é elevar as bases do novo modelo de produção até certo grau de perfeição. Ao mesmo tempo o crédito acelera erupções violentas desta contradição – a crise – e consequentemente os elementos de desintegração do velho modo de produção. As duas características imanentes do sistema de crédito são, por um lado, desenvolver o incentivo à produção capitalista, o enriquecimento através da exploração do trabalho dos outros, e reduzir ainda mais o número dos exploradores da riqueza social; por outro lado, constitui a forma de transição para um novo modo de produção” (grifo nosso).

O capital fictício pode aumentar a capacidade de acumulação produtiva (investimentos) ou de consumo improdutivo (ampliando a demanda) do seu possuidor, em seu aspecto de capital individualmente real, e com isso contribuir para ampliar a escala de reprodução (o chamado “crescimento”), mas também abre uma nova opção de valorização para o capitalista. O capital fictício surge do processo de acumulação do capital, quando este se apropria da esfera da produção e atinge um desenvolvimento importante e hegemônico sobre outros modos de produção; já o domínio do capital financeiro sobre as outras formas do capital (agrário, industrial, comercial, bancário simples) é próprio de uma etapa histórica da acumulação capitalista

5 A função dos bancos se resume em: 1) facilitar a circulação de mercadorias (a partir da ampliação da base monetária através do “crédito de circulação”); 2) disponibilizar aos capitalistas industriais o capital ocioso de seus pares (através do “crédito capitalista”), e 3) facilitar o acesso dos capitalistas à poupança de todas as outras classes sociais.

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(a etapa do monopólio); a especulação financeira “desenfreada” – “financeirização”, segundo alguns, “regime de acumulação financeira forçada”, segundo Chesnais – é seu desenvolvimento.6

As formas clássicas do capital fictício, analisadas por Marx em O Capital, são a dívida pública e as ações. A primeira diz respeito a títulos que representam um volume de dinheiro, emprestado originalmente ao Estado, em função de gastos realizados no passado. Como o próprio Estado não financiou esses gastos, foi obrigado a lançar títulos de dívida pública. Trata-se de capital fictício, pois os títulos representam capital gasto no passado; a soma emprestada originalmente ao Estado já não existe. A importância atual do capital fictício desta espécie na principal economia do mundo capitalista pode ser vista no gráfico que segue.

O limite deste recurso é o próprio afundamento financeiro do Estado, isto é, a destruição do crédito público, que ostentou um comportamento convulsivo, com tendência para déficits públicos, desde o início do período de crises recorrentes, em meados da década de 1970.

Fone: UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development).World Commodity Survey. Nova York/Genebra, United Nations, 2003.

6 Chesnais postula a “financeirização” como uma nova etapa histórica do capitalismo, ou como a “emergência de um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro (com) seu funcionamento ordenado, em grande medida, pelas operações e opções do capital financeiro, mais concentrado e centralizado do que em qualquer período anterior do capitalismo”. As diferenças indicadas são de ordem quantitativa (“mais”, “em grande medida”) o que não autorizaria a caracterizar um “novo regime de acumulação”. Este “regime de acumulação mundial predominantemente financeiro se caracteriza pela ausência de instâncias ou de mecanismos endógenos de regulação. Os únicos elementos que marcam presença são a política monetária americana e as funções de emprestadores em última instância ocupados simultaneamente pelo FMI, pelo BIS, mas também, e freqüentemente, pelas instituições monetárias americanas, encabeçadas pelo FED” (Chesnais). Esta característica, supostamente suplementar, mas orgânica, de tal “regime”, está sendo reduzida a pó na atual fase da crise, o que leva a questionar seu suposto “modelo”.

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A segunda forma clássica de capital fictício são as ações, que representam direito sobre a apropriação futura da mais-valia, e se constituem sobre a expectativa/especulação de um lucro (ou dividendo) futuro. O valor desses papéis oscila em função das flutuações das taxas de juros de curto prazo; geralmente, a cotação das ações é superior ao valor do capital produtivo em que foi transformado o dinheiro, e oscila com relativa independência especulativa frente a ele. O desenvolvimento do mercado acionário, com a disseminação das sociedades anônimas, foi considerado por Engels (Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico) como índice do anacronismo do capital (propriedade privada burguesa dos meios de produção) e como ponto de passagem, pela rápida centralização das forças produtivas que ele engendra, para um novo regime social.

Taxa de Lucros e Instabilidade Financeira (Marx e Minsky)

No período que antecedeu 2007, saíram relativamente de cena as despesas governamentais de caráter anticíclico. Mas os bancos centrais e as instituições multilaterais sustentadas com dinheiro público estiveram sempre presentes para garantir a valorização da riqueza privada. Para Paulo Nakatani, “a expansão só foi possível através da transferência de mais-valia produzida em todo o mundo e pela gigantesca expansão do capital fictício, o que mascarou a pressão decrescente da taxa de lucro. Essa é uma das razões pela qual a reduzida taxa de juros nos países capitalistas desenvolvidos como os EUA, Japão e União Européia, na última década, não foi capaz de relançar a atividade produtiva. Mesmo as tentativas de uma política keynesiana, no Japão, de tornar negativa a taxa real de juros e distribuir renda para estimular a demanda, não foram suficientes para tirá-lo da estagnação. O capital monetário disponível dirigiu-se para a obtenção de ganhos fictícios nos mercados financeiros internacionalizados, mas não deixou de tentar se materializar, principalmente através das fusões e aquisições e das privatizações nos países subdesenvolvidos”. O capital fictício, aqui, é postulado como sinônimo do capital financeiro, para introduzir a estranha categoria de “ganho fictício”.

As crises capitalistas são a consequência da superprodução de mercadorias, e se manifestam como superacumulação, isto é, como excedente de capital, incapaz de continuar obtendo sua taxa de lucro precedente. Em O Capital, Marx formulou a “lei da tendência decrescente da taxa de lucro”. Os capitalistas medem o resultado de seu investimento através da taxa de lucro, isto é, do percentual de crescimento do capital após um circuito completo de produção-venda. A taxa de lucro pode ser expressa em função da mais-valia e da composição orgânica do capital, sendo que a quantidade produzida possui uma tendência crescente no desenvolvimento produtivo, enquanto existe uma tendência da taxa de lucro ficar menor.

Taxa de lucro é o indicador que relaciona a massa de mais-valia, ou seja, a massa de valor do trabalho não pago - que o capitalista recebe “de graça” do trabalhador explorado - com a soma do capital total aplicado. A taxa de lucro (Tl) é representada por uma fração que tem como numerador a massa de mais-valia (m) e como denominador a soma do capital constante (c) com o capital variável (v). Tl= m/(c+v). Se Tl é 20%, isso significa que para cada 100 unidades de valor que o capitalista investiu em compras de matérias-primas, máquinas, etc. e salários, ele recebeu 20 de graça, além dos 100 investidos.

As modificações ocorridas na mais-valia podem compensar os efeitos da mudança na quantidade produzida. Excedente de capital e redução da taxa de lucro são características das crises de superacumulação de mercadorias e de capital. O capitalismo gerou uma série de mecanismos para evitar ou atenuar a queda da taxa de lucro: centralização do capital em empresas cada vez maiores, exploração de outros países, intervenção do Estado, etc., mas a única via que pode sustentar a taxa de lucros em prazos maiores é o aumento da mais-valia absoluta, isto é, um crescimento dos ritmos de produção e a exploração dos trabalhadores maior que a inversão de capital.7

7 Por isso, as empresas norte-americanas realizaram gigantescas inversões na China, destinadas basicamente à produção industrial, que passou de produtos simples (eletrodomésticos e têxteis) a outros cada vez mais complexos, como automóveis e maquinário. Aproveitam assim o fato de que o regime burocrático-ditatorial chinês lhes garantiu um dos salários mais baixos do planeta (50 dólares mensais) para extrair uma gigantesca massa de mais-valia absoluta. “China” passou a exportar esses produtos para todo o mundo, especialmente para os EUA (esta é uma das causas do seu aumento constante do déficit comercial).

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Fonte: Giuseppe Sottile, Declino economico e crash finanziario, 2010.

A vinculação da queda tendencial da taxa de lucro à superprodução de capital e à crise se encontra exposta em O Capital, sendo derivada da lei geral da acumulação do capital: “A diminuição do capital variável em relação ao capital constante, determina uma composição orgânica crescente do capital total, resultando daí que quer o grau de exploração do trabalho permaneça inalterável, quer aumente, a taxa da mais-valia se exprime numa taxa geral de lucro sempre decrescente (manifesta-se de uma forma tendencial e não absoluta). A tendência para a diminuição da taxa geral do lucro é apenas a expressão do desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho, expressão que corresponde ao modo de produção capitalista”.

Com o processo de concorrência intercapitalista, isso provoca uma expansão da concentração e centralização do capital (as desvalorizações da Bolsa, em 1994, 1996 e 1999, na casa dos 10% a 20%, revelaram-se bons momentos de compra de pechinchas),8 que se transforma em crescimento da composição orgânica média do capital (ou seja, da produtividade média da economia),9 reforçando a redução da taxa de lucro média do sistema como um todo, embora a massa de lucros, de cada capital ou do capital global, possa crescer.

8 Próprias da crise, como constatara Marx, nas Teorias sobre a Mais-Valia: “Quando se fala de destruição de capital por crises, há duas coisas a distinguir. À medida que estagna o processo de reprodução e que o processo de trabalho se restringe ou pára de todo em certos pontos, destrói-se capital real. Não é capital a maquinaria que não se utiliza. O trabalho que não se explora equivale a produção perdida. Matérias-primas que jazem ociosas não são capital. Edifícios (e também nova maquinaria construída) que para nada servem ou permanecem inacabados, mercadorias que apodrecem em depósito, tudo isso é destruição de capital. Tudo isso se reduz à paralisação do processo de reprodução e a que as condições de produção existentes não exercem na realidade as funções de condições de produção, não são postas em atividade. Então seu valor de uso e valor de troca vão para o diabo. Mas, no segundo significado, destruição de capital por crises é depreciação de valores que os impede de renovarem depois, na mesma escala, o processo de se reproduzirem como capital. É a queda ruinosa dos preços das mercadorias. Com ela não se destroem valores de uso. O que um perde, o outro ganha. Os valores operantes como capital ficam impossibilitados de se renovar como capital nas mesmas mãos. Os velhos capitalistas quebram. Grande parte do capital nominal da sociedade, isto é, do valor de troca do capital existente, é destruída para sempre, embora essa destruição, por não atingir o valor de uso, incentive muito a nova reprodução”. 9 Denomina-se composição técnica do capital a proporção entre a quantidade de meios de produção e o número de operários ocupados em acioná-los. Com a disponibilidade do avanço técnico dos processos produtivos, cresceu a parte do capital que se inverte em meios de produção. Ou seja, cresceu a composição técnica do capital, apesar de uma relativa redução na quantidade de insumos por produto. O valor do capital aplicado na produção divide-se em: (a) valor dos meios de produção (capital constante) e (b) valor da força de trabalho (capital variável). Chama-se composição do capital expressa em valor a proporção entre o capital constante e o capital variável. Existe interdependência entre a composição técnica do capital e sua composição expressa em valor. As variações na composição técnica do capital associam-se às variações da composição do capital expressa em valor. Chama-se composição orgânica do capital a proporção entre o capital constante (c) e o capital variável (v): c/v. Essa proporção é determinada por sua composição técnica, refletindo suas variações. Se as variações da composição do capital expressa em valor se devem ao emprego de matérias primas ou insumos mais custosos, as flutuações temporais dos preços dessas ou da força do trabalho - mas não devidas à mudança técnica da produção - não afetam a composição orgânica do capital.

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Fonte: Giuseppe Sottile, Declino economico e crash finanziarioI, 2010.

As alterações da última década do século XX na estrutura da riqueza capitalista resumem-se em: 1) O maior peso da riqueza financeira na riqueza total; 2) O poder crescente dos administradores da massa de ativos mobiliários (fundos mútuos, fundos de pensão, seguros) na definição das formas de utilização da "poupança" e do crédito (para Aglietta e Berrebi, a atual fase do capitalismo “permite a uma elite financeira, no topo da hierarquia profissional das grandes empresas e das profissões jurídicas e financeiras associadas, capturar a maior parte dos ganhos de produtividade”); 3) A generalização, na maioria dos países, da abertura das contas de capital, dos regimes de taxas flutuantes e do uso de derivativos (os instrumentos derivativos têm o propósito de limitar, assumir ou transferir determinados riscos); 4) As agências de classificação de risco assumiram o papel de tribunais, com pretensões de julgar a qualidade das políticas econômicas. A finança direta e "securitizada" ganhou, portanto, maior importância. A desregulamentação rompeu os diques impostos, depois da depressão dos anos 30, à ação dos bancos comerciais, que voltaram a operar como supermercados financeiros. Essas formas autonomizadas “liberam” capital produtivo, que antes deveria gastar tempo nas funções de comércio e de financiamento, ao mesmo tempo em que reduzem o tempo de rotação do capital global, permitindo uma maior produção de mais-valia por capital aplicado. Esse movimento permite a elevação da taxa média de lucro.

ATIVOS FINANCEIROS DOS PAÍSES DA OCDE POR TIPO DE INVESTIDOR INSTITUCIONAL

Fonte: François Chesnais, A Finança Mundializada

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O peso do capital financeiro deu nova atualidade à teoria de Hyman Minsky, que propôs uma explicação pós keynesiana dos ciclos e crises, aplicável a um “sistema de economia fechada” [o equivalente contemporâneo do que o século XIX chamava uma “robinsonada”+, e baseada na tendência para a “instabilidade financeira do ciclo”. Segundo essa teoria, a fragilidade financeira é uma característica típica de uma economia capitalista. Alta fragilidade leva a um maior risco em crises financeiras. Minsky definiu três alternativas que bancos e agentes financiadores podem escolher para operar, de acordo com sua tolerância ao risco: financiamento de proteção (hedge finance), financiamento de especulação (speculative finance) e “finanças Ponzi”, a que leva à maior fragilidade. Os movimentos de fragilidade financeira se moveriam em correlação positiva com os ciclos econômicos. Após recessões, as companhias terão perdido a maior parte de suas opções de financiamento, e usarão apenas financiamentos de proteção, mais seguros.

Conforme a atividade econômica vai crescendo, e os lucros esperados aumentam, as companhias ficam mais propensas a se lançar nos financiamentos especulativos. Nesse estágio, as companhias sabem que seus lucros não pagarão os juros e o principal tomados em todos os empréstimos. Mas como esperam que seus lucros aumentarão no futuro, crêem que os empréstimos serão repagados sem maiores problemas. Mais empréstimos levam a mais investimento e a economia cresce ainda mais. Em seguida os credores passam a aceitar ainda mais risco, crendo que todos os seus empréstimos serão pagos. Portanto, eles estão prontos a emprestar dinheiro inclusive a empresas em que não há total garantia de repagamento. Aplicada ao mercado imobiliário, a teoria faz uma distinção entre três tipos de tomadores de empréstimos: • Mutuários hedge, aqueles capazes de amortizar todas as parcelas de suas dívidas por meio de seu fluxo de caixa. • Mutuários especulativos, aqueles que conseguem pagar os juros, mas que precisam rolar constantemente sua dívida para conseguir quitar o empréstimo original. • Mutuários Ponzi, incapazes de pagar os juros nem o principal. Tais mutuários dependem da apreciação do valor de seus ativos para poderem refinanciar suas dívidas.

Os bancos, mediante análise técnica, sabem quais empresas (ou mutuários) terão problemas em pagar, mas acreditam que vão se refinanciar em algum lugar, já que seus lucros vão crescer. Esse é o financiamento Ponzi. Nessa dinâmica, a economia embute em seu cerne muito risco “desnecessário” de crédito. A esse ponto, o calote de uma grande firma seria questão de tempo. Quando os tomadores se dessem conta do risco em que estão, param imediatamente de dar crédito. O refinanciamento se tornaria impossível para muitos, e muitas firmas que estavam contando com os financiamentos para continuar com sua atividade, quebram. Se nenhum recurso novo que permita esse refinanciamento entra na atividade financeira, a crise econômica se torna inevitável, e começa. Durante o período de recessão, as firmas voltam a contratar apenas financiamentos de proteção, e o ciclo se reinicia. Baseado nisso, Minsky defendeu que uma economia que esteja crescendo muito, com baixas taxas de juros e com crédito abundante, estaria na verdade à beira do abismo, já que essa seria a última fase do ciclo.

A análise de Minsky está limitada às questões de conjuntura (nada nos diz sobre a dinâmica histórica, ou de longo prazo) e, por esse motivo, acaba finalmente sendo imprecisa até nas questões conjunturais, pois estas mudam constantemente, em função, justamente, da dinâmica histórica da produção capitalista. Como veremos, os dados relativos à crise iniciada em 2007 eliminaram as distinções entre os diversos tipos de riscos financeiros, ou entre os diversos tipos de tomadores de empréstimos (empresas ou mutuários). A concorrência entre diversos emprestadores, ou diversos tomadores, como acelerador do processo, que é própria do regime capitalista, também não é levada em conta nessa teoria, que deixa de lado a multiplicidade dos capitais e sua concorrência mútua [a contraditoriedade intrínseca do capital], como fator desencadeador das crises (o que era exatamente o procedimento de Keynes).

Desde o colapso das taxas de câmbio fixas (1971), os países centrais caminharam na direção de um sistema de taxas flutuantes. Tratava-se, se dizia, de escapar da "trindade impossível": convivência de taxas de cambio fixas, mobilidade de capitais, e autonomia da política monetária doméstica. Mas, ao mesmo tempo em que as taxas de inflação de bens e serviços produzidos retrocediam, ampliaram-se as possibilidades de ocorrência de "bolhas" nos mercados de crédito, provocando uma sucessão de episódios de "inflação" de ativos. As “bolhas financeiras” são expressão, na esfera da circulação de capitais, da sobreprodução de mercadorias, que se manifesta como excesso de capitais (sobreprodução e sobreacumulação). Robert Brenner, em O Boom e a Bolha, analisando os fatores que permitiram “a perpetuação de uma longa

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estagnação na economia mundial, entre 1973 e 1995”, apontou como causa “o excesso de capacidade no setor manufatureiro internacional, que há muito é responsável direta ou indiretamente pelo reduzido crescimento econômico. Disso resultou uma queda acentuada da lucratividade”.

A bolha acionária da tecnologia de informação da virada do século teria sido uma “válvula de escape”, e o “estouro da bolha” foi o retorno à tendência de estagnação. Para Michel Aglietta, o atual capitalismo teria como marco a “mudança de regime de acumulação”, com a crise asiática de 1997, e como seus antecedentes a crise do sistema de paridades fixas e controles de capital de Bretton Woods (a partir de 1971, com a flutuação do dólar), os choques do petróleo nos anos 1970, a crise “da dívida” dos países dominados e a restauração do capitalismo nos países socialistas, evento que “abriu o mundo inteiro ao capitalismo ocidental”, com a criação de “um espaço livre para a expansão do capital à procura de rentabilidade elevada”. Também apontou a sobreacumulação de capital: “Não é igualmente nada surpreendente que os EUA tenham sido o principal país em termos de sobrecapacidade produtiva entre 2002 e 2005”, sobrecapacidade revelada com o estouro da bolha em 2000-2001: a “formação da bolha e seu posterior estouro arremataram o desenvolvimento de sobrecapacidades permanentes”.

A Bolha Financeira

As oscilações e a independência da esfera financeira aumentaram de modo espetacular depois da crise de meados da década de 1970. Para o analista norte-americano Bill Gross, depois do “fim de Bretton Woods” os preços dos ativos não eram mais função dos movimentos da economia “produtiva”: "A economia real está sendo movida pelo preço dos ativos, os quais, por sua vez, são influenciados por fluxos financeiros de origem, composição e longevidade sem precedentes na história". O crescimento dos fluxos financeiros já não explicaria o processo de precificação dos ativos (e, portanto, das próprias moedas). A generalização do movimento de alta nos preços dos ativos - com forte aumento dos prêmios de risco – passou a contar com a influência decisiva dos mercados de derivativos, e com a expansão dos fundos de hedge (fundos para grandes investidores, que prometem rentabilidade bem superior à dos títulos públicos norte-americanos, investem em qualquer tipo de ativo, e foram progressivamente entupidos de papéis de péssima qualidade), que operavam com elevada alavancagem financeira.

A estrutura do mercado financeiro “globalizado” dava às instituições financeiras a possibilidade de mudar a composição de suas carteiras de maneira praticamente instantânea. A composição destas refletia a tendência a adotar uma base em papéis de baixo risco (e rentabilidade assegurada), e uma parcela – maior ou menor de acordo com a “agressividade” do portfólio – de papéis de maior risco e maior rentabilidade. O menor risco estaria no fornecedor de liquidez do sistema, os EUA que, através do padrão-dólar, adquiriam a possibilidade de adotar a menor taxa de juros, a partir da qual os demais países comporiam os preços de compra e venda dos títulos de suas dívidas. Ganharam espaço as “agências de avaliação de risco” – estabelecimentos que oferecem indicadores quantitativos arrolados para a segurança dos investimentos financeiros em cada país.

Um investidor sem o menor conhecimento geográfico poderia “escolher” entre colocar seu capital na Indonésia, no Peru ou na Turquia, de acordo com a posição destes no rol dessas agências. Um país poderia estar apenas oferecendo facilidades usurárias sem contrapartida na chamada “economia real”. Criavam-se assim as condições para a valorização ou desvalorização convulsiva dos ativos. A função considerada precípua do sistema financeiro internacional seria promover o acesso global das economias à liquidez internacional. A concentração e centralização de capital promovida pela globalização financeira permitiu o surgimento e livre ação de grupos corretores capazes de drenar as reservas de um país “emergente” em poucos dias. Isso gerou um medo crescente e generalizado nos mercados financeiros, que reforçaram o recado dado às autoridades monetárias desses países pelo Banco Mundial e pelo FMI: aumentar as reservas em dólares. Aos EUA, por sua vez, só caberia emitir moeda.

A etapa seguinte, que se desenvolveu principalmente a partir de 2002, consistiu em “fundir” certo número de créditos para fazer deles uma linha de obrigações negociáveis. Os títulos assim “trabalhados” podem ser vendidos nos mercados, em pacotes, aos investidores institucionais ou fundos especulativos que quiserem comprá-los. Na proporção em que crescia o apetite pelo risco, os rendimentos caiam. Os investidores corriam para os mercados onde os diferenciais ainda eram atraentes, fomentando o chamado carry trade,

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entre os ativos de baixo rendimento dos países centrais e os de rendimento mais elevado dos países periféricos. Através desses salva-vidas demarcava-se a crise à órbita financeira e se brecava sua extensão à esfera produtiva. A desvalorização de capitais excedentes ficava assim adiada, mas também se neutralizava a recuperação plena da taxa de lucro do capital global.

As fortes convulsões financeiras que se sucederam periodicamente desde o craque da Bolsa de Wall Street de 1987 (desvalorizações européias, quebra do Baring Brothers, insolvência do Japão, “tequila” mexicano, crise asiática) popularizaram a interpretação da crise como um fenômeno primordialmente especulativo. Partindo da crítica ao “inchaço da bolha”, convocou-se a “disciplinar o capital financeiro” e a “controlar os movimentos especulativos internacionais”. O objetivo seria impedir que o “capital industrial são” continuasse asfixiado pela “ociosidade financeira” da “economia-cassino”.10 A riqueza “de papel” se multiplicava de modo relativamente independente da valorização dos ativos produtivos, das chamadas “variáveis reais”, mas se tratava de um processo em que todos estavam envolvidos, inclusive as “corporações produtivas” que incorporaram a meta financeira em seus objetivos, ou seja, quase todas elas.11

A era atual se caracteriza pela reprodução conjunta produtivo/especulativa do capital. Cada capitalista passa a reproduzir, conjuntamente, seu capital de forma produtiva e também financeira. Não existe mais a figura do capitalista industrial puro, contra o qual estaria oposto o puro especulador. Eles se interpenetram e, no limite, são um só. O capitalista industrial é levado de forma crescente a aplicar suas “sobras de caixa”, seu capital de giro, em atividades financeiro-fictícias (fundos de investimento, dívida pública, ações, derivativos, hedge) para aumentar a taxa de lucro global do seu negócio.

Logo em seguida, não serão mais apenas as “sobras”, mas a própria decisão dessa repartição, acumulação produtiva/acumulação financeira, que será condicionada pelas condições da reprodução/rentabilidade financeira. Uma vez construída essa máquina de valorização financeira, ela tende a permanecer e se fortalecer, alterando as condições de reprodução ampliada. Ou seja, nem um novo período de acumulação produtiva “virtuosa” levaria ao desmonte dessa máquina especulativa. Pelo contrário, sua permanência é critério cada vez mais importante do cálculo da valorização global de cada capital, e fator que permite a reprodução do capital.

O peso inédito do capital financeiro foi também decisivo para a concentração empresarial mundial: a participação das 200 maiores empresas no produto bruto mundial passou de 24% em 1982 para 30% em 1995, 33% em 1997, superando os 35% na virada do século. As primeiras 500 empresas eram responsáveis nesse momento por 45% do produto mundial (65% ao se considerar o conjunto das “multinacionais”, em torno de 35 mil firmas). A quase totalidade dessas empresas possui sua casa matriz nos países centrais: em 1995, 89% do faturamento das 500 maiores empresas era realizado por firmas originárias do chamado G7

10 A versão “de esquerda” dessa política é a proposta da Tobin Tax, taxa sobre os movimentos transnacionais do capital financeiro, defendida por “movimentos sociais” de diverso tipo, dos quais o mais conhecido é o ATTAC francês, e pelo economista François Chesnais. A taxa foi concebida em 1972 por um economista do governo norte-americano, James Tobin, para gravar as transações financeiras, com vistas a evitar a fuga de capitais dos EUA, consecutiva à desvalorização e à declaração de não-conversibilidade do dólar pelo governo Nixon (1971): naquele momento ela foi acompanhada de outras medidas (o FED impôs aos bancos centrais da Europa a não alteração da composição das suas reservas) que visaram preservar o papel dominante do imperialismo norte-americano. 11 O ex-presidente do FED, Paul Volker, no The Economic Club of New York, em abril de 2008, comentou: “Hoje, muito da intermediação financeira verifica-se em mercados distantes da capacidade supervisora, podendo implicar descuidos, tudo envolvido em desconhecidos instrumentos derivativos estimados em trilhões. Tem sido um negócio altamente lucrativo, indicando a contabilidade financeira recente algo como 35 a 40 % de todos os lucros corporativos” (grifo nosso). Três exemplos: Antônio Ermírio de Moraes, o bilionário chefe do grupo Votorantim, iniciado faz um século com uma tecelagem e depois expandido para as áreas de cimento, metalurgia, celulose e papel, energia, agroindústria e química, também atua na área financeira, com a holding financeira encabeçada pelo Banco Votorantim, possuidora de financeira, gerenciadora de ativos, empresa de leasing e corretora. O Banco Votorantim é o 8º maior banco privado por ativos, e o 6º por patrimônio líquido, do Brasil. Armínio Fraga Neto, ex-funcionário de George Soros em Nova York e ex-presidente do Banco Central, criou uma bilionária empresa de “gestão de ativos”. Além de gerenciar hedge funds, a empresa também tem participações em fazendas de café, editoras, no McDonald’s, em portos, é administradora de shopping centers, entre outros negócios. George Soros, o estereótipo do especulador internacional, comprou uma usina de açúcar e álcool em Minas Gerais e investe também no Mato Grosso do Sul, por intermédio de sua empresa de bioenergia e alimentos. Os fundos de hedge, geridos pelos abutres do capitalismo atual, contam entre seus investidores ou cotistas o mesmo capitalista “industrial” que reclama dos juros altos, do câmbio apreciado, da isenção de imposto de renda aos investidores estrangeiros, da carga tributária, da falta de infra-estrutura, etc. Bernard Cassen deu um exemplo forte: o Citibank, em um semestre, teve o dobro do lucro, numa única especulação sobre as divisas, do que o grupo automobilístico Peugeot-PSA no semestre todo. Num caso, há 350 pessoas empregadas (350 operadores em uma sala – os traders), no outro 140 mil...

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(grupo das maiores sete economias: EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá). Na ascensão do mercado de valores da década de 1990, as corporações e os lares ricos vieram expandindo massivamente sua riqueza em dinheiro. Portanto puderam embarcar em um aumento recorde de endividamento e, sobre essa base, sustentar uma forte expansão do investimento e do consumo.

O boom da “nova economia” foi expressão direta da bolha histórica do preço das ações de 1995-2000. Os preços das ações subiram apesar da queda da taxa de lucro, os investimentos novos exacerbaram a sobre-capacidade industrial: isso anunciou a queda da bolsa e a recessão de 2000-2001, que deprimiu a rentabilidade no setor não-financeiro ao seu nível mais baixo desde 1980. Os volumes consagrados à especulação financeira tornaram evidente um parasitismo capitalista sem precedentes: os valores dos contratos pendentes no mercado de derivativos expandiram-se entre 1987 e 1993 de US$ 1,6 trilhões para US$ 10 trilhões, com um incremento anual médio de 36%, enquanto os fluxos financeiros internacionais quadruplicaram, passando de US$ 395 bilhões para US$ 1,597 trilhões.

A proporção de ativos financeiros mundiais em relação à produção anual disparou de 109%, em 1980, para 316% em 2005. Em 2005, o estoque mundial de ativos financeiros totalizou US$ 140 trilhões. Esse crescimento financeiro foi acentuado na zona do euro: a relação entre ativos financeiros e PIB na região deu um salto de 180%, em 1995, para 303% em 2005. No mesmo período, a taxa cresceu de 278% para 359%, na Inglaterra, e de 303% para 405%, nos EUA.

O mundo financeiro tornou-se mais centrado em transações. Em 1980, os depósitos bancários constituíam 42% de todos os títulos financeiros. Em 2005, o percentual havia caído para 27%. Os mercados de capital executam cada vez mais as funções de intermediação do sistema bancário. Este, por sua vez, migrou do terreno dos bancos comerciais, que concedem empréstimos de longo prazo a clientes, para atividades típicas de bancos de investimentos. Uma série de novos produtos financeiros complexos foram “derivados” dos tradicionais títulos, ações, commodities e câmbio. Assim nasceram os "derivativos"; os mais conhecidos são opções, futuros e swaps. Segundo a Associação Internacional de Swaps e Derivativos, em 2006 o valor de swaps de juros, swaps cambiais e opções de juros no mercado tinha atingido US$ 286 trilhões, aproximadamente seis vezes o Produto Mundial Bruto, em comparação com US$ 3,45 trilhões em 1990 (um crescimento vizinho a uma centuplicação em uma década e meia).

A computação e a Internet permitiram a criação de transações complexas, e a negociação, 24 horas por dia, de enormes volumes de ativos financeiros. Surgiram novos atores, especialmente fundos hedge e fundos privados de investimento em participações. Estima-se que o número de fundos hedge tenha crescido de 610, em 1990, para 9.575 em 2007, com um montante de aproximadamente US$ 1,6 trilhão sob sua administração. Os fundos hedge desempenham as funções clássicas de especulador e arbitrador (aquele que explora desníveis entre mercados), em contraste com os tradicionais fundos de longo prazo, como fundos mútuos, cujos recursos são investidos em ações ou bônus. A captação de recursos por fundos de investimento atingiu recordes em 2006: 684 fundos captaram um total de US$ 432 bilhões. A soma dos ativos e passivos financeiros internacionais, em poder de residentes em países ricos, deu um salto, de 50% do PIB agregado mundial, em 1970, para 100%, em meados dos anos 1980, e para cerca de 330%, em 2004.

Uma nova elite financeira surgiu, com nomes como Michael Steinhardt, George Soros, Julian Robertson, Stanley Druckenmiller, Paul Tudor Jones, Bruce Kovner, John Paulson, Ken Griffin, controladores “nas sombras”, com fundos com nomes tais como Tiger Management, BlackRock, das transações financeiras internacionais, um sistema que, segundo Stiglitz, passou a absorver 41% do total dos lucros das empresas norte-americanas. A nova elite econômica mundial não se identificou com algum produto ou ramo de produção (como os antigos “reis da borracha”, “do automóvel”, etc.), mas simplesmente com o dinheiro, em todas as suas formas. Para David Rothkopf, trata-se de uma nova “superclasse”. E para Simon Johnson (13 Bankers) houve um “golpe de Estado silencioso”, pelo qual a “indústria financeira” capturou a Casa Branca (o governo dos EUA).

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O Sinal Mexicano

Paralelamente, durante a década de 1990, o capital industrial viveu um período de expansão e crescimento através do enorme aumento da exploração de trabalhadores de todo o mundo e de “recolonização” em áreas que haviam fugido da sua órbita, através da penetração do capitalismo na China, Rússia, os países do Leste Europeu e Ásia, o que permitiu que o capitalismo explorasse diretamente os trabalhadores desses países, principalmente da China, que se transformou na “fábrica do mundo”, pagando salários de fome e extraindo grande massa de mais-valia. Abriram-se novos mercados nos países onde se restaurou o capitalismo e também nos países onde se impuseram os chamados Tratados de Livre Comércio (TLCs), e com a quebra dos monopólios para a exploração das riquezas naturais dos países pobres, seguida por uma pilhagem desses recursos pelas transnacionais.

Houve um amplo e generalizado processo de privatizações, que permitiu às empresas explorar diretamente todo um setor dos trabalhadores dos países periféricos, e dos países imperialistas, e obter enormes lucros, o que antes só fazia de forma indireta. Se criaram novas formas para aumentar a exploração do trabalho assalariado, com a flexibilização trabalhista, terceirizações, contratos precários, eliminação de conquistas sociais, aumento da jornada de trabalho.

Todas essas formas de exploração e expansão dos mercados permitiram um aumento da taxa de lucro (relação entre a mais-valia apropriada pelo capitalista e o capital investido). Novas tecnologias digitais também possibilitaram aumentar a produtividade e criar um mercado financeiro mundial que funciona online e permite um ritmo instantâneo de repartição de lucros e acumulação de capital. Todos esses processos resultaram na extração suplementar de uma enorme massa de mais-valia. A sobreacumulação de capital gerou, no entanto, uma queda na taxa de lucro. O capital buscou novos investimentos para obter lucros, e reverter a queda dessa taxa.

Na periferia do capitalismo, a elevada taxa de exploração dos trabalhadores locais se incrementou, combinadamente, pela intensidade da jornada de trabalho, pela constante ampliação da superpopulação relativa, pelo rebaixamento do tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho, e pela fraca expansão do capital produtivo local, reserva de exploração, ou apêndice, do capital metropolitano. A dinâmica da acumulação periférica é necessariamente “negativa”.12 Ela não pode ser separada dos interesses totais do capital, de que se constitui em elemento secundário, e em elo da dominação imperial. É como parte do processo global de acumulação que a negatividade da acumulação periférica revelou sua força positiva valorizadora do capital global. Marx já chegara à conclusão de que se produzia um movimento de capitais desde os países mais adiantados até os mais atrasados, em busca de taxas de lucro superiores. Criava-se uma taxa de lucro média internacional; as taxas de lucro dos países ricos estão abaixo da média internacional, e a dos pobres, acima, o que é a base do superbenefício dos monopólios capitalistas.

12 No início do século XIX, a diferença de renda entre os países ricos e pobres, era de apenas 1 para 2; um século depois, na véspera da 1º Guerra Mundial, era de 1 para 4; no final do século XX, já era de 1 para 7.

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SALÁRIO POR HORA TRABALHADA NA INDÚSTRIA (em dólares para o ano de 2002)

EUA 21,11

União Européia 19,80

Japão 18,65

Coréia do Sul 8,77

Taiwan 5,64

México 2,60

Brasil 2,56

China 0,75

Fonte: Bureau of Labor Statistics (EUA) – International Comparaisons of Hourly Compensations – novembro de 2005.

Dois foram os motivos invocados para explicar a adoção, nos países periféricos, na década de 1990, de políticas ou programas de “estabilização”, como o Plano Real: 1) A necessidade do capital financeiro de reduzir ou eliminar os impactos inflacionários sobre os seus títulos nominais de valor; 2) A generalização da luta dos trabalhadores contra a perda de seu poder de compra. Isto revelava apenas uma parte do problema. Na verdade, as desvalorizações cambiais constituíam-se instrumentos de empobrecimento das populações dos países que as adotavam, e de transferência de valor desses países para as metrópoles, via mecanismo cambial e exportador.

Na primeira metade da década de 1990, a crise mexicana antecipou a série de convulsões que agitariam à “estabilização” capitalista nos anos subseqüentes. Teve como causa imediata a falta de reservas internacionais e conseqüente desvalorização do peso mexicano. O México, como grande parte das “economias emergentes”, possuía uma taxa de câmbio fixa (o governo aceitava pequenas variações) atrelada ao dólar, em virtude de um “plano de estabilização”, baseado na âncora cambial. Nas economias periféricas, a década de 1990 foi definida pela busca da “estabilização”, marcada pela crise fiscal e financeira do Estado. Essa modalidade de “estabilização” foi parte integrante das demandas (ou melhor, imposições) dos países centrais, na etapa surgida da recessão de 1991, e das ações dos EUA para sair dela, através da redução da taxa básica de juros

A inflação mexicana era maior que a dos EUA, com simultânea valorização de sua moeda, o que barateou as importações, levando a um constante déficit no balanço de pagamentos, e a uma devastação de quase todo o parque industrial, que não podia competir em igualdade de condições com as importações mais baratas, devido ao câmbio apreciado. Para sanar os déficits o governo comprou dólares, e abriu seu mercado de títulos aos investidores estrangeiros para atrair mais dólares, além de manter o peso forte, o que agravava ainda mais os déficits em conta corrente, pois as importações continuavam a crescer.

Para cobrir o rombo o governo mexicano passou a emitir um título (tesobonos), indexado ao dólar, que o deixava imune a variações na taxa de câmbio. A taxa de juros foi elevada aumentando a dívida externa, o que teve como conseqüência uma grave recessão. Em 1994, com a elevação da taxa de juros dos EUA, seus títulos se tornaram mais atraentes, levando os capitais “mexicanos” (isto é, capitais ditos “andorinha”, internacionais) a migrarem para esse país.

Os capitais voláteis saíram rapidamente do México, gerando uma crise cambial, que culminou com a desvalorização em 33% de sua moeda em menos de uma semana, em finais de 1994. O governo mexicano foi obrigado a quase zerar suas reservas internacionais para cobrir o rombo, além de desvalorizar sua moeda. O default foi inevitável, e só teve uma precária saída no empréstimo de 50 bilhões de dólares feito pelo governo dos EUA (Bill Clinton) com fundos do Tesouro dos EUA, o que levou a uma grave crise política na metrópole ianque. O default mexicano, além disso, quase levou à ruína ao recém criado NAFTA (acordo tarifário dos países da América do Norte, sob hegemonia dos EUA). Sem falar na convulsão política interna do México, determinada pelo levantamento camponês no sul do país (Estado de Chiapas) comandada pelo EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional).

Os dados acerca do custo fiscal geral das crises entre 1977 e 1995 são expressivos. O custo do Japão foi estimado em 20% do seu PIB, contando a partir de 1992, para enfrentar a estagnação deflagrada com a desvalorização de riqueza posterior à especulação na bolsa de valores e no mercado de imóveis. Na Noruega, entre 1987/1993, o custo chegou a 8% do PIB; na Espanha, em 1977/1985, a 5,6% do PIB; na Suécia a 4,0% do PIB; nos Estados Unidos, 1981-1991, a 3,2% do PIB. Depois da crise mexicana, esperava-se

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uma redução no nível de investimentos estrangeiros diretos na América Latina. Não foi o que ocorreu. Após 1996, o nível de investimentos estrangeiros nos países emergentes não apenas recuperou-se, mas chegou a se incrementar, já que os investidores, ao retirarem seus capitais do México e “atualizarem” seus portfólios, escolheram finalmente outros países ditos “emergentes”.

A Crise Asiática

Entre 1960 e 1982, o PIB dos países asiáticos do Pacífico, incluída a China, cresceu de 7,8% do PIB mundial a 16,4%. Em proporção ao PIB dos EUA, o da Ásia do Pacífico cresceu de 18% a 53,2%. A participação da região nas exportações mundiais mais do que duplicou entre 1960 e 1985, passando de 7,5% a 17%. Em 1965, essas economias em conjunto produziram US$ 183 bilhões em bens e serviços - 75% abaixo dos EUA. Em 1983, sua produção total havia crescido para US$ 1,7 trilhões, só 50% abaixo dos EUA e menos de 30% abaixo da produção européia. Os chamados “Tigres Asiáticos” multiplicaram seu nível de rendimento per capita entre 1960 e 1985 por um fator superior a quatro; em dólares correntes atingiram um aumento extraordinário - superior a dez vezes - entre 1960 e 1990.

Renda per capita (US$)

1993

População 1992

(milhares)

Taxa de crescimento

per capita (1960- 88)

Taxa crescimento

anual PIB (1965-80)

Taxa crescimento

anual PIB (1980-92)

Taxa de investimento

%

Coef. C/Y

Taxa de abertura

(Export./PIB)%

Japão 21.090 124.318 5,6 7,1 4,1 32 7,8 10

Singapura 20.470 2.814 5,9 10,7 6,7 41 6,1 174

Hong-Kong 21.670 5.805 6,4 8,6 5,6 29 5,2 144

Taiwan 9.243 21.125 6,6 9,6 8,5 36 4,2 65

Coreia 9.810 43.663 6,4 9,8 9,2 39 4,2 29

Malasia 8.630 18.610 3,5 7,3 5,9 34 5,8 78

Tailândia 6.390 57.992 3,9 7,5 8,2 40 4,9 36

Indonésia 3.140 184.274 5,5 7,7 5,7 35 6,1 29

No início da década de 1960 o Japão e os Tigres Asiáticos eram ainda considerados países “subdesenvolvidos”, com rendimentos per capita entre 600 e 1670 dólares per capita, um nível equivalente à Argélia e Gana na África, Sri-Lanka, Irã, Iraque e Malásia na Ásia, ou Brasil e Peru na América Latina. Em comparações de rendimento per capita PPP (paridade de poder de compra) para 1993, Hong-Kong já era o quarto país mais rico do mundo, Japão o quinto e Singapura o sétimo. O Japão atingiu, em 1995, o rendimento per capita mais elevado do mundo em dólares correntes, devido à apreciação da sua moeda. Resumindo: os países do Sudeste Asiático experimentaram, nas décadas de 1980 e 1990: (a) Aumento da sua participação no comércio internacional; (b) Aumento das relações econômicas regionais, comerciais ou de investimentos produtivos e financeiros; (c) Integração das economias periféricas da região sob o comando do Japão; (d) A China emergiu como um importante ator no comércio mundial, disputando os mercados ocidentais com os países “em desenvolvimento” da região, especialmente nos setores intensivos em trabalho, isto é, de baixa tecnologia e valor agregado. O ponto em comum nesses países foi o alto grau de poupança e investimento, aliado à política de qualificação da mão de obra. O crescimento até o início da década de 1990 não foi baseado em endividamento externo, mas na poupança doméstica: esse crescimento atraiu capitais externos, que buscavam alta lucratividade. O Japão, comandando o processo, se tornou uma potência financeira mundial.

“Milagre” asiático? Na verdade, o Sudeste da Ásia (assim como, mais adiante, o Leste Europeu, e a América Latina), foram transformados em territórios de economias de baixo custo para a produção de mais-valia absoluta, pelo capital estrangeiro; como suportes para a extensão da produção industrial e da mais-valia

-Parcela japonesa nos ativos totais dos primeiros 50 bancos do mundo:

1970: 18%; 1980: 27%; 1990: 48% -Ativos totais de todos os bancos:

1985: Japão – 27,5% EUA – 23,3% 1990: Japão – 36% EUA – 11,9%

-Investimentos japoneses na China: 1990: 5% 1991: 10% 1992: 17% 1993: 24%

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relativa nos EUA, EU e Japão; e como plataformas de exportação para as economias dominantes. As “grandes economias” dominadas entraram nesse processo como produtoras de mais-valia absoluta, caracterizada pelo prolongamento da jornada de trabalho e pelo pagamento do salário abaixo do valor da força de trabalho.13 O limite desse recurso foi atingido em 1997 quando, sob o peso da crise financeira, o Pacífico asiático foi o centro das atenções, não só pelas repercussões mundiais dessa crise em termos de diminuição no crescimento mundial, como também pela crescente instabilidade que trouxe aos mercados financeiros internacionais. Um dos fatores que impulsionara o “milagre asiático” fora a entrada de capitais através do investimento estrangeiro direto e dos empréstimos de instituições financeiras, capital que serviu para alavancar os investimentos na região. Havia nela sistemas de câmbio fixo atrelados ao dólar, que estimularam a tomada de empréstimos, a maioria de curto prazo, fatores que aumentaram a exposição ao risco cambial.

A situação antes da crise era de alto crescimento econômico, câmbio fixo, endividamento elevado, alta exposição externa. Ela começou a mudar quando o rendimento das exportações da região começou a decair, devido à valorização das moedas locais perante o dólar e o iene, além da queda dos preços mundiais dos principais produtos de suas pautas de exportação, como os eletrodomésticos.

Fonte: UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development).World Commodity Survey. Nova York/Genebra, United Nations, 2003.

13 A tendência mundial do emprego da força de trabalho industrial é de diminuição no centro e de aumento na periferia. A diminuição da massa de trabalhadores industriais nos EUA é compensada pelo seu aumento, em proporção ainda maior, na China. O assalariamento, por sua vez, experimentou um crescimento absoluto em todos os países: nos EUA, de 89% em 1970, o assalariados passaram a ser 90,59% da PEA em 1980, 91% em 1990, 92, 34% em 1999. Na França, os assalariados eram 76,27% da PEA em 1970, 84% em 1980, 87% em 1990, e 87,66% em 1999. No Japão, o assalariamento correspondia a 64,2% da PEA em 1970, 71% em 1980, 78, 42% em 1990, 81,2% em 1995. O funcionamento do mercado de trabalho global é um mecanismo para se contrapor à queda da taxa de lucro global. Uma operária vietnamita de uma confecção nos arredores de Hanói, por exemplo, recebe US$ 0,28 dólar por hora. É o salário mais baixo do mundo neste ramo de vestuários, só igualado por Bangladesh. No Vietnã, o salário consegue ser menor que na China, conhecida pelos seus miseráveis salários, longas jornadas, ausência de direitos trabalhistas e sindicatos, etc. Uma operária ganha US$ 0,76 dólar por hora em uma confecção do litoral chinês e US$ 0,48 no interior do país. No Brasil, uma costureira que faz o mesmo trabalho recebe, em média, US$ 1,06 por hora (cerca de R$ 2,15 por hora), quatro vezes mais que as vietnamitas .

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Isso começou a gerar déficits elevados no balanço de pagamentos, o que gerou uma dependência ainda maior da entrada de capitais estrangeiros. Os investidores estrangeiros viam a situação como de alto risco; houve redução nos investimentos na região, agravando a situação. As explicações imediatistas apontaram como causas: mecanismos de controle de risco ineficientes, supervisão inadequada de instituições financeiras, falta de transparência e precisão nas informações contábeis, regras de adequação de capitais pouco rígidas (permitindo a tomada de posições fortemente alavancadas), que formariam um quadro de distorção nos “sinais de mercado”. As instituições financeiras e não financeiras internacionais investiram na região esperando que as taxas de crescimento permanecessem acima da média mundial, o que não ocorreu, causando a fuga em massa de capitais.

Paul Krugman destacou três fragilidades no “milagre asiático”: a queda da produtividade, a regulamentação bancária e a estrutura legal. O aumento da produtividade era baseado apenas no aumento dos fatores de produção: trabalho e capital. A tecnologia não acompanhou o crescimento econômico. Em algum momento, portanto, a migração de mão de obra agrícola não seria suficiente para manter o padrão de crescimento. A falta de regulamentação bancária, junto ao “excesso de confiança nas instituições bancárias” (que não tinham supervisão adequada do governo) provocou excesso de crédito, principalmente para o setor imobiliário e para os investidores externos. A estrutura padecia de um sistema incipiente para o tratamento de empresas em dificuldades: não havia uma estrutura que tratasse dos casos de insolvência. Casos de falência eram raros durante a prosperidade, e não causavam grandes transtornos. Empresas que não honravam seus compromissos simplesmente não conseguiam mais crédito. E os credores não tinham ferramentas para tomar posse das firmas falidas.

A crise de 1997 começou na Tailândia com o colapso financeiro do baht, causado pela decisão do governo de tornar o câmbio flutuante, desatrelando o baht do dólar, após esforços para evitar a fuga de capitais. Tailândia tinha uma enorme dívida externa que acabou por deixar o país falido. A crise se espalhou para o Sudeste Asiático e o Japão, afundando as cotações monetárias, desvalorizando mercados de ações, e precipitando a dívida privada. O que parecia ser uma crise regional se converteu na "primeira grande crise dos mercados globalizados”. Os fluxos de capital para a Ásia mudaram de signo, de um ingresso de US$ 93 bilhões em 1996, para uma saída de US$ 12 bilhões em 1997: uma inversão de US$ 105 bilhões em um ano. O montante de alteração nos fluxos foi equivalente a 11% do PIB da região. A retração nos fluxos correspondeu principalmente a desinvestimentos em carteira e a fechamentos de créditos bancários externos. A crise cambial e a saída de capital se desdobraram em arrochos de crédito.

Em menos de dois meses, Filipinas, Malásia e Indonésia desistiram da defesa de suas moedas, também sofrendo depreciações substantivas. A despeito da aprovação de pacotes emergenciais de empréstimo do FMI à Tailândia, em agosto de 1997, e posteriormente à Indonésia e à Coréia do Sul, a crise continuou se aprofundando, com declínio dos PIBs regionais: o tailandês, depois do pico de 1997, diminuiu em mais de 10%, até alcançar um piso na segunda metade do ano seguinte. Na Malásia, a queda foi também próxima de 10% entre 1997 e 1998.

As Filipinas enfrentaram uma redução mais modesta, de 3%, enquanto a Coréia do Sul, última grande economia asiática a entrar na crise, teve seu PIB reduzido em 8% entre 1997 e a primeira metade de 1998. Na administração da crise, o governo coreano recorreu à estatização de bancos, para evitar a insolvência geral. Na seqüência, encontrou dificuldades para revendê-los aos capitais privados. Além disso, injetou recursos públicos em outros bancos que se encontravam em dificuldades: o Estado gastou com os bancos US$ 88 bilhões. A Indonésia foi a mais intensamente afetada, com um declínio acima de 15% no PIB. A 23 de outubro de 1997, a Bolsa de Valores de Hong Kong – a segunda maior do mundo – caiu 10,4%, e derrubou os mercados mundiais; a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) apresentou queda de 8,15%.

A crise asiática de 1997 comoveu a região que apresentava as maiores taxas de crescimento mundiais. O socorro do FMI falhou, e a crise alcançou uma dimensão dramática, com o craque da Bolsa em Hong Kong e suas repercussões mundiais. A crise foi disparada por um processo de fuga de capitais e de deflação de ativos financeiros: iniciando-se pelos "tigrinhos" (Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas), suas repercussões adquiriram amplitude global quando o processo incorporou os "Tigres" (Coréia do Sul e Hong Kong), ameaçando também deixar na insolvência seus credores japoneses. As moedas nacionais mergulharam em

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queda livre em relação ao dólar, com exceção de Hong Kong, onde a desvalorização cambial foi evitada a alto custo. A “crise de confiança” abateu-se sobre sistemas financeiros frágeis, com empresas não-financeiras e intermediários financeiros carregados com ativos de baixa liquidez e débitos de curto prazo.

Havia também vulnerabilidade diante de desvalorizações cambiais, dada a proporção do endividamento em dólar na alavancagem financeira precedente. Nos “tigrinhos”, o descompasso entre ativos e passivos tinha na especulação imobiliária um forte componente: na Coréia, havia grande ociosidade de capacidade produtiva em seus conglomerados (crise de superprodução). O elevado grau de endividamento dos chaebols coreanos, característica de seu crescimento precedente, perdera a solvência obtida no passado mediante receitas com exportações crescentes. A magnitude dos efeitos de caixa (necessidade de liquidação de ativos) e de “contágio de expectativas”, em escala mundial, fez da crise asiática a crise da “era das finanças globais”. A perplexidade diante da crise foi proporcional ao fato de que, até pouco antes, a região do Pacífico asiático se configurava como uma fronteira de crescimento econômico mundial aparentemente inexaurível.

Cronologia da crise asiática Janeiro de 1997 - A Hanbo Steel, uma das grandes chaebol coreanas, abre falência sob o peso de uma dívida de cerca de 6 bilhões de US$. Trata-se da primeira vez, em dez anos, que uma das grandes empresas coreanas se vê obrigada a fechar.

5 de Fevereiro - A Somprasong é a primeira empresa tailandesa a falhar um pagamento da sua dívida externa

10 de Março - O governo tailandês promete apoio às empresas financeiras com forte exposição a dívidas do sector imobiliário mas depois recua nesta sua intenção. Michel Camdessus, Diretor do FMI, declara: "Não vejo razões para que esta crise se agrave"

Início de Maio - preocupados com a queda do ien, responsáveis japoneses declaram que talvez seja necessário aumentar as taxas de juro. Isto não se concretiza, mas foi um dos primeiros sinais de que a crise estava à porta: muitos investidores começaram a vender moedas do Sudeste Asiático

14-15 de Maio - O baht tailandês, o "elo mais fraco" das moedas da região devido ao fraco desempenho da economia, é atacado pelos especuladores. O banco central, com a ajuda da Autoridade Monetária de Singapura, procura resistir ao ataque

23 de Maio - Finance One, a principal empresa financeira da Tailândia, declara falência

27 de Junho - O banco central da Tailândia suspende a atividade de 16 empresas financeiras do país que sofrem de uma grave falta de liquidez

2 de Julho - O Banco da Tailândia anuncia a entrada do baht num regime de taxa flutuante administrada e pede "assistência técnica" ao Fundo Monetário Internacional. Esta data é considerada como a do verdadeiro início da crise

14 de Julho - O FMI oferece apoio de cerca de US$ 1,1 bilhões às Filipinas. O Bank Negara, banco central da Malásia, abandona a defesa da cotação do ringgit

17 de Julho - A Autoridade Monetária de Singapura desvaloriza o dólar do país

24 de Julho - grande agitação dos mercados cambiais. O ringgit atinge o seu valor mais baixo dos últimos 38 meses e o primeiro ministro, Mahatir, culpa os especuladores. O dólar de Hong Kong (HKD) mantém sua cotação, mas à custa de cerca de US$ 1 bilhão da Autoridade Monetária de Hong Kong para defender a paridade do peg com o dólar americano à taxa corrente, que durava mais de uma década

28 de Julho - A Tailândia pede ajuda financeira ao FMI

5 de Agosto - As autoridades tailandesas suspendem a atividade de 48 empresas financeiras

15 de Agosto - Os especuladores voltam a atacar o HKD. As taxas de juro do mercado overnight aumentam 150 pontos base num dia. A bolsa de valores cai significativamente

20 de Agosto - O FMI aprova um pacote financeiro de US$ 17,2 bilhões de apoio à Tailândia

23 de Agosto - O primeiro ministro malaio acusa George Soros de estar por trás dos ataques especulativos às moedas da região

20 de Setembro - No decurso das reuniões do Banco Mundial e do FMI em Hong Kong, Mahatir declara que o comércio de divisas é imoral e que deveria ser banido; estas deveriam ser utilizadas apenas para as operações ligadas ao comércio internacional de bens e serviços

21 de Setembro - George Soros acusa o primeiro ministro Mahatir de ser uma ameaça para o seu próprio país, a Malásia

8 de Outubro - A Indonésia declara que irá pedir o apoio financeiro do FMI

20-23 de Outubro - A bolsa de Hong Kong sofre a maior quebra da sua história, perdendo o índice Hang Seng cerca de 1/4 do seu valor em quatro dias. A desvalorização do dólar de Taiwan lança dúvidas sobre a capacidade de Hong Kong manter o seu câmbio em relação ao dólar americano (cerca de HKD 7,7/US$).

30 de Outubro - Os especuladores viram-se para a América Latina, provocando grandes perdas no Brasil e na Argentina

31 de Outubro - O FMI aprova um pacote financeiro de US$ 23 bilhões para a Indonésia

6 de Novembro - Camdessus declara que está convencido de que a Coréia do Sul será poupada à crise que abalou os países do Sudeste Asiático

8 de Novembro - Preocupações sobre a estabilidade do câmbio do won levam os investidores estrangeiros a vender cerca de US$ 70 bilhões de títulos na manhã desse dia.

17 de Novembro - O banco central da Coréia abandona a defesa do won, fazendo este ultrapassar a barreira psicológica dos 1.000 won/US$ . Esta quebra trouxe consigo uma nova descida da maioria das moedas da região

21 de Novembro - A Coréia declara que vai pedir apoio financeiro ao FMI

4 de Dezembro - É assinado o acordo que permite ao FMI emprestar à Coréia do Sul cerca de US$ 57 bilhões --- o maior de sempre desta organização financeira internacional

8 de Dezembro - o governo da Malásia aprova um conjunto de medidas de austeridade para o país mas continua a declarar que não precisa do apoio do Fundo.

Fonte: Nouriel Roubini, http://www.stern.nyu.edu/nroubini/asia/AsiaChronology1.html.

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Sem critérios de avaliação de risco e de exigência de cobertura, nem certeza quanto à garantia estatal de solvência, tinha havido ousadia nos investimentos produtivos na região: as contradições mundiais do capital, no entanto, transformaram a “aposta especulativa virtuosa” em um salto no precipício. Krugman culpou a exaustão dos fatores diferenciais (“vantagens comparativas”) do alto crescimento asiático em relação ao resto do mundo, uma vez concluídos os processos de incorporação, em setores industriais modernos, dos imensos contingentes de camponeses subempregados, a universalização da educação fundamental e a expansão da educação superior e técnica. Altas taxas de poupança e investimento teriam permitido a velocidade e a magnitude dessa absorção. Uma vez atingida a fronteira, as taxas de crescimento teriam de acomodar-se em níveis mais baixos. A exaustão relativa dessas fontes já teria acontecido no Japão, nos anos 1980, e estaria manifestando-se em outros países asiáticos desde meados da década de 1990. A expansão de salários acima da produtividade, assim como o superaquecimento do mercado interno, a chegada dos déficits comerciais, seriam sintomas de crescimento mais lento. Assim como na "bolha" financeira japonesa, caracterizada pela supervalorização imobiliária e das ações, a “resistência à realidade” estaria por trás da crise. O crescimento rápido via exportação envolveu a implantação local de novos segmentos produtivos e a captura de mercados externos, particularmente dos EUA, o que, para Krugman, atingira um limite.

Assim, o Japão, desde o final dos anos 1980, conhecia dificuldades econômicas, e buscava “exportá-las” para a economia regional. Em 1991 estourou a "bolha imobiliária", que produziu a explosão da "bolha financeira", devido à supervalorização de imóveis e terrenos que serviam de garantia aos empréstimos bancários. Para evitar a inflação, o governo bloqueou a oferta de dinheiro, lançando o país na recessão. Vários bancos faliram, sem que o Estado os socorresse. A extensão dos empréstimos japoneses à Ásia oriental e do sudeste, por sua vez, regionalizou a crise japonesa: o “modelo asiático” só funcionava na base de um acentuado crescimento. A crise era um efeito da internacionalização da economia japonesa. O MITI (super-Ministério japonês da Indústria e Comércio) não exercia mais influência direta sobre as empresas japonesas: segundo Otaviano Canuto, “o rompimento da interação sistêmica entre o Estado desenvolvimentista e as redes multinacionais japonesas introduziu uma nova dinâmica no Japão e no mundo em geral”.

No momento em que a China obtinha da Inglaterra a devolução de Hong Kong (em 1997), e os “Tigres Asiáticos” tentavam consolidar seu crescimento, prosseguia a crise japonesa e, em seguida, ocorreu o abalo financeiro nos países mais vinculados aos EUA (Tailândia, Indonésia e Coréia do Sul). Isto reduziu a produção, afetando especialmente o âmbito financeiro, com a desvalorização das moedas locais, o que permitiu ao capital estrangeiro adquirir empresas nacionais a preço de leilão. Intensificaram-se as pressões sobre a Indonésia (onde a crise política derrubou o regime ditatorial de Suharto): o alvo era sua indústria automobilística e aeronáutica. No Japão, os organismos internacionais recomendaram “reformas estruturais”, que os sucessivos gabinetes não implementaram, “uma discreta resistência às pressões externas” para abrir sua economia (ou seja, uma discreta queda de braço do Japão com seus "aliados").

Os países mais afetados pela crise asiática foram os mais submetidos aos EUA, por razões militares e estratégicas (Coréia do Sul), ou por sua histórica fraqueza econômica, como Tailândia e Filipinas. Dois países que tentaram resistir às investidas, políticas e econômico-financeiras, das potências ocidentais capitaneadas pelos EUA, foram a Indonésia e a Malásia. O primeiro, finalmente, não conseguiu resistir, mas o segundo regulamentou a saída de capitais. O alvo norte-americano era a China, cuja economia cresceu 8% em 1998 e 1999, em plena crise asiática. Um relatório do Banco Mundial de março de 1997, no entanto, havia destacado a solidez e o dinamismo das economias asiáticas (Jeffrey Sachs e Joseph Stiglitz coincidiam). Já o relatório de outubro sinalizava suas "debilidades e distorções estruturais". Para Castells, "o sistema institucional que era a fonte do milagre asiático, o Estado desenvolvimentista, tornou-se obstáculo para o novo estágio de integração global e de desenvolvimento capitalista na economia asiática".

O Japão especializara-se em segmentos de maior tecnologia (eletrônica, telecomunicações, automóveis e bens de capital). Os “Tigres” cresceram em atividades intensivas em mão de obra qualificada, integrando-se à onda exportadora aberta pelo Japão. Os “tigres menores” ocuparam espaço na produção e exportação em setores tradicionais intensivos em mão de obra não qualificada (calçado, vestuário e montagem, na eletrônica e na automobilística). A integração em redes de produção regionais teve suporte em fluxos de investimento direto, crédito bancário, acordos de transferência tecnológica e venda de componentes e

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equipamentos. Os países mais atingidos pela crise, com exceção da Malásia, foram bater às portas do FMI. As economias mergulharam em recessões profundas.

Passado o período recessivo, os “Tigres” (grandes ou pequenos) estabeleceram sistemas de regulamentação e supervisão das instituições financeiras, registrando novamente superávits nos balanços de pagamentos em conta corrente e acumulando reservas internacionais. Alguns países adotaram regimes cambiais flexíveis. Outros introduziram ou mantiveram controles sobre os fluxos de capital. A acumulação de reservas funcionou como um mecanismo de auto-seguro, ligada à insatisfação com a maneira como o FMI lidou com a crise de 1997, qualificada de inepta. Surgiu a “Iniciativa (regional) de Chiang Mai”, em 2000, com a finalidade de prover financiamento de balanços de pagamentos em situação de emergência. Participaram da “Iniciativa”: China, Japão, Coréia do Sul e os dez membros da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã). Criou-se uma rede de acordos bilaterais, para: a) Proporcionar apoio a países que experimentassem problemas de liquidez de curto prazo; b) Complementar os esquemas financeiros internacionais já existentes (os acordos bilaterais somavam mais de US$ 80 bilhões, com 16 acordos entre oito países) criando, de fato, uma espécie de “Fundo Monetário Asiático”. Finalmente, as economias asiáticas conseguiram transitar da situação de déficit para um superávit em conta-corrente em seus balanços de pagamentos, em 1998.

Os limites dessa “saída regional” à crise eram óbvios: a máquina exportadora asiática só poderia continuar crescendo acima do mundo mediante a ampliação de suas parcelas no mercado dos EUA, baseadas no seu déficit comercial. Como conseqüência da crise, e piorando a situação dos “Tigres”, a China emergiu absorvendo grande fatia dos mercados internacionais para segmentos produtivos intensivos em mão de obra não qualificada. Não é verdade que a maior interrelação do comércio interasiático tornou a região menos dependente dos EUA: o surgimento da China como “fábrica do mundo” transformou os países asiáticos do “milagre” em produtores de insumos, como os chips de computadores, exportados para a China, que passou a montá-los, exportando-os para os EUA ou Europa como mercadorias acabadas.

Não foi “mais uma crise”: a crise asiática abriu uma nova etapa econômica mundial. Quando, em 1987, caira a Bolsa de Nova York, o Banco Central dos EUA ordenou abrir todas as torneiras financeiras para socorrer os insolventes, o que conseguiu deter o colapso econômico, ao preço de uma recessão que se prolongou até 1990. O mesmo foi feito quando caiu o México, com o empréstimo liderado por Clinton, também ao custo de uma recessão. Mas, na crise asiática, o socorro falhou e a crise alcançou uma dimensão que não poderia ser contida com cifras equivalentes. Em artigo (da revista Fortune) sobre as causas da crise, o comentarista Jim Rohwer afirmou que “é certo que a crise asiática se manifestou em urgentes problemas monetários, bancários e creditícios. Mas, no fundo, o que há por trás dessas debilidades é algo mais fundamental: o fracasso das companhias asiáticas, tanto industriais como financeiras, em gerar rendimentos sobre o capital que satisfaçam aos padrões mundiais estabelecidos pelos EUA”. Contrariando Giovanni Arrighi, o “milagre asiático” não tinha criado uma alternativa ao domínio mundial do capital financeiro norte-americano.

A criação do euro nesse momento, por sua vez, foi apresentada como um fato histórico que permitiria superar para sempre as contradições intra-européias. Mas a eliminação das barreiras monetárias intra-européias eliminava também os instrumentos estatais de contenção, sem eliminar o desenvolvimento desigual dos diversos países. As limitações, solicitadas por diversos países, incluída a Alemanha, para a moeda única européia, visavam deixar a possibilidade da reconstituição dos sistemas monetários nacionais. A contradição entre uma política monetária única (decidida pelo Conselho de Governadores da BCE), com taxas de juros únicos para todos os títulos públicos, e a ausência de uma autoridade política única era dissimulada pelo Parlamento Europeu. Nada foi mais significativo que o euro debutasse com a falência de um dos grupos econômicos mais simbólicos da Europa, a Fiat, cujo resultado neto consolidado, para 2001, deu perda de 800 milhões de dólares. As demissões previstas eram mais de 6 mil, com o fechamento de 18 plantas em todo o mundo. Franco Modigliani, “estrela” da economia italiana (Prêmio Nobel) declarou que “o verdadeiro inimigo do euro” era... a BCE, que só se ocupava dos preços, não do emprego.

De Moscou aos Trópicos

A restauração capitalista, na URSS, na China, no Leste europeu, reforçou, em primeiro lugar, a concorrência (pelo salário, pelo emprego) dentro da classe operária mundial, ao incorporar ao mercado mundial

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capitalista centenas de mlhões de trabalhadores, ampliando geográfica e socialmente o domínio do capital, em escala sem precedentes. Ora, logo depois da crise asiática, a crise russa pôs em questão a transição para o capitalismo decorrente do fim da União Soviética, em dezembro de 1991, depois da crise de agosto do mesmo ano. Desde setembro de 1997, a Bolsa de Moscou sofrera uma queda de 40%, o equivalente a 65 bilhões de dólares - os títulos da dívida pública russa cairam vertiginosamente. A queda das Bolsas provocada pela crise asiática pôs Rússia no limiar do calote. Seu Banco Central perdeu 10 % de suas reservas, até dezembro de 1997; só lhe restavam US$ 21 bilhões de dólares, que mal cobriam a dívida pública. Os bancos privados russos tinham, no entanto, 40 bilhões de dólares em depósitos. Para evitar a fuga de divisas o Banco Central aumentou a taxa de juros de 21% até 28 %, incrementando a dívida pública em 33%, com a pior arrecadação fiscal possível.

As reformas que visavam implantar o sistema capitalista se baseavam na liberalização de preços e, sobretudo, nas privatizações de empresas estatais, que ocorreu distribuindo-se ações aos empregados das empresas, para que estes pudessem vendê-las para empresários de dentro ou fora do país. A operação, definida como “o roubo do século”, foi capitalizada por máfias originadas na velha burocracia “comunista”, que compraram os pacotes acionários a preço de banana, em meio a uma carestia e empobrecimento sem precedentes da população. Verificou-se também a ausência de capacidade do Estado para definir os direitos de propriedade, ou seja, para implantar um mercado e um Estado capitalistas.

A desvalorização do rublo significaría a desvalorização de capitais de um montante de 100 bilhões de dólares. Em novembro de 1997, Le Monde afirmou que "a derrubada da Bolsa russa inviabiliza o programa de privatizações". O presidente Boris Yeltsin derogou o decreto que fixava um límite de 15 % para os investimentos externos. Shell e British Petroleum se associaram para competir pela privatização de Rostueft, a última petroleira em mãos do Estado. Gás e petróleo eram os únicos atrativos para a inversão externa.

Não foi suficiente: a moratória da Rússia viria em agosto de 1998, paralela à quebra do fundo LTCM, nos EUA, em outubro. Os “empreendedores” russos não tinham segurança sobre os lucros, nem sobre se os fornecedores iriam honrar os contratos; os investimentos quase desapareceram. Em 1996, o investimento direto do exterior era menos que 1% do PIB. Os subsídios sociais anteriormente garantidos pelo Estado foram cortados, levando à população à miséria, para sanar os déficits do “novo” Estado: essa medida não surtiu efeito econômico, devido ao não pagamento dos impostos pelas empresas, que tinham como único objetivo conseguir transferências governamentais para cobrir prejuízos. Verificaram-se também disputas entre as diversas esferas do governo (federal e regionais) sobre o repasse de verbas, o que incitava ainda mais a desestruturação fiscal que resultava da ausência de recolhimento tributário das empresas.

O elevado déficit orçamentário da Rússia, que não podia ser suprido pela arrecadação (já que ela quase não existia) forçou o governo russo a emitir títulos de curto prazo, os chamados GKO, para financiar esse déficit. Mas o “círculo vicioso” criado pela privatização impedia a geração de receitas, o que fazia com que o governo emitisse mais títulos para pagar os anteriores. Todavia, os investimentos estrangeiros não vinham: o governo era obrigado a aumentar a taxa de juros para incentivar o mercado a adquirir seus títulos, o que aumentava sua divida.

Além dessa emissão de títulos, o governo utilizava a emissão monetária para realizar seus pagamentos, o que gerava inflação. A situação era de alto risco de calote, pois era evidente que a Rússia, em algum momento, não “honraria seus compromissos”. E veio a queda mundial dos preços das commodities; para Rússia, uma queda no valor das exportações, apesar da quantidade de petróleo e gás exportada ter aumentado. Rússia anunciou a privatização de 75% da Rostueft, mas não houve compradores.

O governo russo parecia acreditar que os preços voltariam a crescer em três ou quatro meses, portanto seria possível manter a taxa fixa de câmbio. Não foi o que ocorreu, o governo não conseguiu manté-la, e foi obrigado a decretar a moratória. Com pensões e salários atrasados, para manter a taxa de cambio em 6,2 rublos por dólar era necessário que o Banco Central gastasse US$ 1 bilhão por dia. O Banco Central decidiu comprar os títulos GKO dos bancos russos para aumentar a liquidez. Com o aumento da oferta monetária, o rublo se desvalorizou mais ainda, passando para 20,65 rublos por dólar ao final de dezembro de 1998.

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As importações e o PIB caíram, e a crise chegou ao seu auge. Cientes da movimentação dos títulos do sudeste asiático para a Rússia, FMI e Banco Mundial haviam injetado US$ 22,6 bilhões no país, em junho, para substituir títulos GKO, cujo vencimento se aproximava, por Eurobonds, de longo prazo. O pânico no mercado russo se instalou quando, a 17 de agosto de 1998, se descobriu que, dos US$ 22,6 bilhões outorgados pelo FMI e Banco Mundial, US$ 5 bilhões haviam simplesmente sumido na corrupção generalizada do governo de Boris Yeltsin. Nesse dia, foi declarada moratória de 90 dias ao pagamento da divida externa e dos títulos públicos. Os bancos não conseguiam atender seus depositantes; as empresas deixaram de pagar seus empregados. O Banco Central procurou intervir, mas só houve perda de reservas (e queda de 75% do valor de mercado da Bolsa russa entre janeiro e agosto de 1998). O PIB, devido à inflação e ao desemprego, experimentou redução de US$271 bilhões em 1998 para US$ 195 bilhões em 1999. O governo pediu ajuda ao FMI, que lhe concedeu um empréstimo de 11,2 bilhões de dólares. Esse empréstimo possibilitou que os investidores que ainda não haviam saído do mercado pudessem sair sem prejuízo tão alto, ou seja, o FMI financiou a fuga de capitais. A desvalorização do rublo ocasionou forte queda nas importações russas e também nas exportações, graças à queda no preço do barril de petróleo de US$ 23 em 1997 para US$ 11 em 1998 (a recuperação do preço do barril de petróleo em 1999 ocasionou aumento das exportações russas e consequente aumento do saldo da balança comercial).

Um dos mecanismos usados contra a crise foi o aumento dos juros, para deixar a moeda mais atrativa, se contrapondo à expectativa da depreciação do rublo. As crises financeiras e de endividamento aconteceram de forma paralela. A perda dos títulos GKO foi de aproximadamente 90%, e cerca de 30% da população russa vivia abaixo do nível de subsistência.

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A taxa de desemprego russa teve acréscimo de 2,6 pontos percentuais entre o terceiro trimestre de 1998 e o segundo trimestre de 1999, chegando a 14,2% da PEA. Depois da desvalorização do rublo houve aumento do investimento direto externo. O colapso russo teve início devido a um choque externo, mas foi favorecido por um sistema fiscal fraco (ausência de Estado) e por uma política de atração do capital externo em um sistema financeiro vulnerável. Na “crise do rublo”, o sistema bancário nacional da Rússia entrou em colapso, com uma suspensão parcial de pagamentos internacionais, a desvalorização da moeda russa e o congelamento dos depósitos em moeda estrangeira. O FMI, finalmente, foi obrigado a conceder vários empréstimos multimilionários para conter a queda livre da divisa, evitando um impacto maior no mercado internacional. O “fim do socialismo” transformava-se no pesadelo do capitalismo.

A crise de agosto de 1998 marcou os limites da restauração capitalista na Rússia. Provocou uma crise mundial - como o revelou a quebra do banco LTCM nos EUA - crise da qual se buscou sair ampliando as fronteiras da restauração capitalista e passando à privatização agrária. A velha burocracia da URSS apropriou-se das empresas estatais, mas não criou um processo completo de acumulação e de reprodução do capital, o que teria suposto um conjunto de relações sociais estruturadas em termos de mercado: até a venda de matérias-primas ao exterior tinha características precárias. Rússia carecia de sistema bancário, de moeda estável ou simplesmente aceita, de um sistema legal e de um regime de impostos assentados e universalmente reconhecidos. A falência russa provou, para os círculos governantes ocidentais, que a “transição para o mercado” na Rússia estava beirando o fracasso. A restauração capitalista, que já era dada como certa, e como pressuposto em todas as considerações políticas internacionais do período pós-1991, encontrava-se em um beco sem saída. A “transição para o mercado” na ex-URSS não pôde senão incorporar todas as tendências desagregadoras do “mercado” no quadro histórico do capital monopolista.

As crises mexicana, asiática e russa disseminaram novos termos na economia internacional: “vulnerabilidade externa”, “blindagem econômica”, etc. A crise da Rússia e a crise asiática haviam sepultado o modelo monetário do FMI. A turbulência mundial não deu tempo para pensar em outro “modelo”. Logo no início do ano seguinte à crise russa, em 1999, a crise brasileira ( “crise caipirinha”) evidenciou os desequilíbrios da economia do país e da própria região, tornando geral a crise dos “mercados emergentes” (Ásia, Rússia, América Latina). O “Plano Real” brasileiro determinara um aumento espetacular da dívida externa.

ENDIVIDAMENTO EXTERNO BRASILEIRO (DÍVIDA TOTAL/PIB %)

0

10

20

30

40

50

60

1.9711.973

1.9751.977

1.9791.981

1.9831.985

1.9871.989

1.9911.993

1.9951.997

1.9992.001

2.0032.005

2.0072.009

A relação do déficit em conta corrente em relação ao PIB aumentava sistematicamente. As tentativas do governo de Fernando Henrique Cardoso para combatê-lo, com medidas graduais, fracassaram: quando se comparam 1998 com 1997, nota-se que houve uma melhora do resultado fiscal primário, e uma desvalorização real da moeda. A economia parecia responder positivamente às medidas, pois houve redução do “risco país”, queda nas taxas de juros, além de aumento nas reservas. Isso mudou após a crise russa, depois da qual, diversamente da crise asiática, o mercado internacional de capitais fechou-se por longo tempo, com efeitos devastadores nas “economias emergentes”, incluído o Brasil.

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“Emergentes”

O primeiro desses efeitos foi o das contas externas brasileiras “não fecharem”, o que gerava forte especulação a respeito de uma restrição à saída de capitais. Os capitais externos começaram a sair do país (em 50 dias o Brasil chegou a perder US$ 30 bilhões de reservas) e as contas eram sanadas com a privatização de empresas públicas. Com esse panorama, o governo acertou um empréstimo com o FMI, seguido pela adoção de algumas medidas: • Forte ajuste fiscal; • Política monetária dura (as taxas de juros aumentaram novamente); • Manutenção da política cambial. Brasil, a partir de 1997, passara a adotar uma taxa de câmbio flexível (mas ainda não flutuante) e, depois de perder quase US$ 32 bilhões em menos de cinco meses, adotou o câmbio flutuante em 15 de janeiro de 1999, seguido por uma forte desvalorização.

Dois fatores levaram por terra as pretensões do governo: a não aprovação de medidas de ajuste pelo Congresso, e o default do governo de Minas Gerais (do ex presidente Itamar Franco). Ambos levaram ao temor de que o governo não cumpriria as metas do acordo com o FMI, além de uma desconfiança sobre o pagamento de sua dívida. E a situação econômica não melhorou: os juros elevados, na casa dos 30%,14 faziam a divida crescer geometricamente, o que aumentava a desconfiança sobre a capacidade de pagamento do país. A saída de reservas cambiais aumentava, a desvalorização monetária “controlada” não funcionava, a taxa de câmbio fixo foi eliminada, a flutuação cambial foi adotada. A perda de reservas era de R$ 1 bilhão/dia. A adoção de um sistema de bandas cambiais (“flutuação suja”) resultou em uma desvalorização de 9%. A perda de reservas manteve-se no mesmo nível: o sistema foi abandonado, optando-se pela livre flutuação da cotação. A taxa de câmbio saiu de R$/US$ 1,21 em 13 de janeiro, para R$/US$ 1,32 no dia seguinte, chegou a R$/US$ 1,98 no final de janeiro, e no início de março atingiu R$/US$ 2,16. Em 30 dias, por conta da desvalorização nominal do câmbio, somada à taxa de juros elevada, a dívida deu um salto de 10 pontos percentuais, passando de 38% a 48% do PIB, fazendo com que 24 bancos obtivessem um lucro de US$ 10 bilhões com operações de compra e venda de câmbio futuro.

O eixo no combate à inflação, origem do Plano Real, permaneceu depois do fim da âncora cambial e do acordo com o FMI, com a introdução do pacote fiscal de 1999. Nesse ano, o superávit primário exigido pelo FMI foi de 3,1% do PIB; em 2000, de 3,4%; em 2001, de 3,45 % e, finalmente, em 2002, de 3,75%. Nesses anos, a média de crescimento encontrou-se bem abaixo da média de expropriação financeira, caracterizando um processo de empobrecimento absoluto do país. Apesar desse massacre, a dívida pública saltou de 30,4% do PIB, em 1994, para 56%, em fins de 2002, ano em que o compromisso da Frente Brasil Popular, encabeçada pelo PT, de "honrar os compromissos" internacionais contratados pelos governos passados, facilitou a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e o prosseguimento da submissão do Brasil ao grande capital

14 No Brasil, de 1994 a 1998, a taxa de juro média anual real (já descontada a inflação) foi de: 24,8% (1994); 33,1% (1995); 16,4% (1996); 16,3% (1997); e 26,2%. (1998). Enquanto isso, a Constituição Federal, no parágrafo 3º do item VIII de seu artigo 192, afirma que “as taxas de juros reais não poderão ser superiores a 12% ao ano; a cobrança acima desse limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar”. Ou seja, os banqueiros deveriam estar todos presos...

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financeiro internacional. Para paliar a crise dos “emergentes”, o FMI teve que utilizar mais de 20% das suas reservas; o “milagre” do “capitalismo global” começava a ruir.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL, STATUS DOS ACORDOS STAND-BY EM 30/04/2000, PAÍSES SELECIONADOS

O Crescimento e a Miragem da China

A reconfiguração da economia mundial, decorrente da crise do capital e do colapso dos antigos Estados Operários degenerados (o chamado “socialismo real”), produziu a tendência para uma nova divisão internacional do trabalho, na qual os países capitalistas centrais transferiram parcelas de sua indústria para outros países, notadamente a China, em busca de condições mais favoráveis para a valorização produtiva do capital, principalmente o elevado grau de exploração da força de trabalho. A restauração do capitalismo na China (e também em outros países, junto ao aumento da exploração do trabalho nos países capitalistas) levou a que se constituísse em local privilegiado para a expansão do capital imperialista, como zona de produção de mercadorias baratas para o mercado mundial, pela exploração da força de trabalho. Foi necessário destruir a política maoísta de proporcionar casa, comida, e assistência a todo o povo chinês: as fábricas contavam com habitações para os trabalhadores e suas famílias, além de proporcionar-lhes alimento e um salário. A partir de 1978, quando Deng Xiaoping assumiu o poder, o “modelo chinês” foi baseado na abundância de mão de obra mal remunerada, na importação maciça de fábricas montadoras, na exportação de produtos baratos e no afluxo de investimentos estrangeiros.

No meio aos abalos do mercado mundial, a colonização econômica do ex “bloco socialista” foi vista como panacéia da estagnação capitalista, em especial na China. O acordo comercial da China com os EUA, de 1999, definiu a inserção do país no mercado mundial na nova etapa. O acordo previa a redução das tarifas de importação dos principais produtos agrícolas, desmantelando, por exemplo, o monopólio estatal da soja. As tarifas de importação de automóveis, da China, baixaram de 80% para 25%. Permitiu-se a formação de sociedades mistas, com até 49% de capital estrangeiro. Os bancos estrangeiros poderiam atuar em território chinês como entidades nacionais. O acordo abriu o caminho para que China ingressasse na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, com as mesmas vantagens dadas aos EUA e outras nações.

Nas palavras de Yasheng Huang, professor do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), dos EUA: “Basicamente, na década de 1990, empresas estrangeiras com sede nos EUA, Europa, Japão e o restante da Ásia transferiram suas operações de fabricação para a China. Os controles e os lucros dessas operações ficavam para as empresas estrangeiras. Embora a China obtenha os benefícios do salário da globalização, ela não retém os lucros da globalização”. O mercado de capitais expandiu-se o dobro do PIB entre 1993 e 2004. Os bancos de investimento norte-americanos oganizaram fundos destinados especificamente a investir nas Bolsas chinesas. O Industrial and Comercial Bank of China rivalizou, em tamanho, com o Citigroup. O PIB chinês cresceu um trilhão de dólares entre 2000 e 2005 (de US$ 1,2 trilhões para US$ 2,2 trilhões), com um crescimento da renda anual per capita de 930 para 1740 dólares, no mesmo período.

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A burocracia “comunista” chinesa deu esses passos sob a pressão da sua própria crise, conseqüência da abertura econômica registrada desde 1978. Foi o Estado que deu autonomia aos gerentes de empresas selecionadas, entre 1979 e 1983. Os créditos “podres” do sistema bancário chinês eram, na virada do milênio, da ordem dos 500 bilhões de dólares, bancados pelo orçamento do Estado. O ingresso da China na OMC significou que o sistema legal interno da China iria se transformar com base nos princípios da liberdade de empresa e de comércio, ou seja, do capitalismo. Abriu-se a via da colonização econômica e política do país. Desse modo o capital mundial pretendia superar a contradição entre a necessidade de desenvolvimento e independência da China, e a ordem mundial da globalização capitalista. A sujeição econômica da China deveria viabilizar a sua subordinação política, militar e estratégica.

Em 1980 o “grau de abertura” (internacional) da economia da China era de 13%. Em 1990, já tinha subido para 32%, alcançando 49% em 2000, permanecendo assim até 2002. Em 2003 subiu assombrosos 16 pontos em apenas um ano, alcançando o índice de 65%. Em 2006, 69%, mais de dois terços do PIB chinês, resultavam de operações com o mercado externo. Compare-se com outras economias: Estados Unidos (26%); Japão (29%); Brasil (26%); México (63%). A superioridade produtiva do comércio exterior dos Estados Unidos e do Japão (e demais economias centrais, como Alemanha, França, Inglaterra) sobre China, Brasil, México, Rússia, aparece no indicador do comércio per capita, quer dizer, corrente de comércio sobre população do país. No final de 2006, com dados da OMC, apresentavam-se as seguintes taxas de comércio per capita: Estados Unidos (US$ 10.864); Japão (US$ 10.112); México (US$ 4.643); Brasil (US$ 1.234); China (US$ 1.207). A economia chinesa se configurou como a mais vinculada ao mercado mundial, mas com uma ainda baixa produtividade, ou seja, como uma economia atrasada e dependente.

As gigantescas exportações chinesas não foram o resultado de uma política nacional de elevação da produtividade, comandada por modernas empresas chinesas. Mais de 60% das exportações eram realizadas por empresas estrangeiras. Em categorias como peças de computador e aparelhos eletrônicos, as empresas estrangeiras ficavam com a parcela maior de controle sobre as exportações. E com a maior parte dos lucros: “O que a China obteve nos últimos anos foi somente alguns belos números. Quem fica com o verdadeiro lucro são as empresas americanas e estrangeiras”, disse Mey Xinyu, do Ministério do Comércio chinês. A taxa de investimentos era equivalente a 40% do PIB, um recorde histórico e mundial. As exportações chinesas atingiram um trilhão de dólares, para um PIB de 1,4 trilhões: a maior plataforma de exportações do planeta, com uma sobreinversão de capital em relação à expectativa de lucros, e também uma enorme carga de dívidas. A carteira de empréstimos irregulares dos bancos chineses se encontrava na faixa de 70%.

A importação de tecnologia estrangeira foi crucial, à medida que as cadeias de suprimento e de fabricação se tornaram cada vez mais complexas, com cada país produzindo alguns componentes, depois enviados para a China para a montagem final. As grandes empresas dos EUA montam suas mercadorias na China e as reexportam elas mesmas. Mas não só as multinacionais dos EUA e da Europa: as alocações para a China de empresas de outras economias asiáticas, como Japão, Coréia do Sul e Taiwan, também foram significativas.

A japonesa Panasonic tinha 70 mil funcionários trabalhando na China. A maior produção de tecnologia da informação da Toshiba foi deslocada para Hangzhou, ao sul de Xangai. A coreana Sansung instalou 23 fábricas, 50 mil funcionários, e toda sua produção de computadores notebooks na China. “Todo mundo se mudou para a China”, disse Tony Yang, um executivo da Aopen de Taiwan, uma fabricante de computadores e peças: “Nossos fornecedores, nossos compradores, as principais instalações de produção, tudo foi transferido. Os salários em Taiwan são demasiadamente altos”. O salário mínimo oficial nos EUA era de mais de US$ 800. Na China não passava de US$ 70. O embaixador dos EUA na OMC lembrou que o seu país e a China, juntos, eram responsáveis por 50 % do crescimento do PIB mundial. Mas a propriedade do capital e as condições tecnológicas do processo de trabalho, tanto nos EUA como na China, eram controladas pelas empresas dos EUA, o mesmo acontecendo com as empresas européias e japonesas. O valor e o superávit das exportações chinesas aos EUA têm, por isso, que ser relativizado: “Num mundo globalizado, os números comerciais bilaterais são irrelevantes. A balança comercial entre os EUA e a China é tão irrelevante quanto a balança comercial entre Nova York e Minessota”, disse Dong Tao, economista da União de Bancos Suíços (UBS) em Hong Kong: “Uma boneca Barbie custa US$ 35, mas desse valor só US$ 0,35 ficam na China”.

-Investimentos de Taiwan na China: 1987: US$ 100 milhões: 1989: US$ 1 bilhão; 1990: US$ 100 bilhões

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O processo desigual de desenvolvimento científico e tecnológico entre as nações continuou e se ampliou. Os produtos fabricados a baixos preços na China inundaram os EUA (estimou-se que os econômicos produtos chineses resultassem numa poupança anual de mil dólares para cada lar norte-americano) sendo responsáveis por 30% do seu (EUA) gigantesco déficit comercial de US$ 700 bilhões anuais. Déficit dos EUA, mas superávit das empresas norte-americanas instaladas na China. O grupo de distribuição Wal-Mart, que criou uma densa rede de franquias na China, passou a ser responsável por quase 10% das vendas chinesas no estrangeiro. As enormes reservas internacionais chinesas não foram utilizadas para investimentos internos, mas para comprar títulos do Tesouro americano, destinadas a financiar o enorme rombo fiscal da maior potência econômica e militar do planeta. As reservas que se acumularam nos cofres do Banco Popular da China retornaram assim para os cofres do Banco Central dos EUA.

Cerca de US$ 465 bilhões em investimentos diretos fluíram para a China de 1995 a 2004, transformando o país num dos destinos preferidos dos capitalistas de todo o mundo. Mas, no “ranking de competitividade” (que mede, basicamente, a produtividade) elaborado pelo World Economic Forum, a “nova potência mundial” ocupava, em 2007, uma modesta 54ª colocação, atrás de países como Barbados, Tunísia, Portugal, Hungria ou Grécia. Tanto China quanto Índia são economias de baixa produtividade, plataformas de exportação (montadoras de commodities industriais) das empresas “globais” dos EUA, UE e Japão.15 Fábricas, de todos os tamanhos, vindas de toda parte, criaram milhões de empregos para a aparentemente inesgotável massa de migrantes do campo chinês, com salários quatro vezes menores que os dos operários brasileiros, e trinta vezes menores que os dos operários dos EUA.

Com 50% do comércio externo chinês financiado por bancos ocidentais radicados na China, como o Citibank, as grandes petroleiras Exxon, BP Amoco e Shell se apossaram, em 2000, da principal companhia petroquímica e da principal empresa de transporte marítimo de petróleo da China. Os investimentos dos capitalistas taiwaneses na China continental, e os acordos em matérias tão importantes como a energia nuclear, indicaram o nível de entrelaçamento entre os regimes separados pelo estreito de Formosa. Na China, como conseqüência do redimensionamento industrial lançado em obediência aos acordos comerciais com os EUA e a UE, foram fechadas milhares de empresas.

China, Índia, Indonésia e Nigéria têm as economias mais importantes do mundo, que ainda se encontram, para o mencionado Fórum Econômico Mundial, no primeiro estágio de desenvolvimento econômico (com PIB per capita anual menor que US$ 2000). No segundo estágio (com PIB per capita de US$ 3000 a US$ 9000) encontramos Brasil, Rússia, México, África do Sul e Argentina. No estágio 3 (PIB per capita maior que US$ 17000) encontramos as economias dominantes do sistema capitalista. Na China, a remuneração média dos primeiros empregos é muito baixa. Segundo uma pesquisa feita em 2005, mais de 1/5 (20,3%) dos formados no ensino superior ganha menos de 1000 yuans (100 euros) por mês e quase 2/3 (65,4%) ganha entre 1000 e 2000 yuans. A renda mensal média da população urbana é inferior a 1000 yuans.

A crise social no campo chinês foi descrita pelo correspondente de O Estado de São Paulo, por ocasião de um conflito agrário: “A causa é sempre uma: conflitos por terra e seus desdobramentos econômicos e ambientais. E o procedimento também é padrão: um empreendedor entra em contato com as autoridades de um lugarejo com uma propina suficiente para convencê-las a desapropriar determinada área para novas construções, sejam complexos comerciais, industriais ou residenciais. As fazendas coletivas que se utilizam das terras em questão não possuem a propriedade destas. Ou seja, mesmo querendo, os camponeses não podem vender ou arrendar as terras que utilizam há décadas, e acabam vítimas de esquemas montados pelas autoridades locais. A população rural chinesa, cerca de 800 milhões de pessoas, é a maior vítima do modelo econômico dual colocado em prática nos últimos quinze anos. As empresas estatais do comunismo original, que empregavam a totalidade da população e garantiam seus benefícios sociais, tornaram-se quase todas empresas de capital misto, estatal e privado, mesma equação servindo para o sistema de aposentadorias e seguro social”.16

15 Os diversos departamentos internos da produção industrial desses países – bens de capital, bens salários, bens de luxo – são desarticulados e pouco operantes para o crescimento da produtividade econômica nacional. 16 O Leste da Ásia está atravessando um dos maiores deslocamentos populacionais rural-urbano da história. Dois milhões de novos habitantes urbanos surgem mensalmente (ou 24 milhões anualmente). A China contribui com 80%, com mais de 17 milhões anuais. Vinte

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No crescente descontentamento nas áreas rurais pobres da China, disputas por terras entre camponeses e autoridades locais geralmente acabam em protestos violentos. Muitos camponeses reclamaram que perderam suas terras para a construção de fábricas e lojas, e que não receberam as indenizações prometidas pelas autoridades. Na última década, dois fenômenos agravaram a tensão entre cidade campo: a migração da população rural para as grandes cidades (entre 100 milhões e 150 milhões de camponeses deixaram seus vilarejos e foram para as cidades em busca de trabalho); e as cidades estão invadindo as áreas rurais. O crescimento descontrolado dos centros urbanos da China está consumindo as áreas cultiváveis com rapidez, com mais de seis milhões de hectares absorvidos pelas cidades nos últimos 20 anos. Dezenas de milhões de camponeses se mudaram para as cidades como “cidadãos de segunda classe”.

Pouco mais da metade desses trabalhadores camponeses (mingong) está empregada na produção manufatureira e na construção. O resto se concentra no setor de alimentação, hotelaria, comércio, segurança privada ou mesmo em atividades "independentes", como a reciclagem. Em um sistema de segregação, as pessoas nascidas nas áreas rurais da China têm dificuldade em encontrar casa e escola, e só acham emprego em fábricas de baixos salários e na construção civil. A limpeza das grandes cidades chinesas é em grande parte devida aos mendigos que vagam pelas grandes avenidas à procura de objetos recicláveis, que vendem a preços muito baixos a empresas de reciclagem. A taxa oficial de desemprego é baixa (4,1% da população urbana em 2006), mas não inclui os migrantes desempregados, os trabalhadores que perderam o emprego, mas ainda dependem da empresa ou do sistema de proteção social (os xiagang zhigong, funcionários públicos aposentados, mas que ainda têm ligação salarial com a empresa de origem), os desempregados sem direitos, e os jovens que nunca trabalharam formalmente, sem direito a seguro-desemprego.17 China está no fim da fila mundial em despesas públicas consagradas à educação e a saúde.

A expropriação camponesa na China e na Índia, com seus gigantescos deslocamentos populacionais, possibilitou uma ampliação da massa de operários no capitalismo mundial, no seu exército industrial de reserva, criando o trabalho assalariado mais barato do mundo, e rebaixando os salários internacionais. Por trás dos negócios com a China aparecem a GM, a ATT, a Boeing, a IBM. Em 1996-2003, 6,7 milhões de hectares de terras foram retirados do cultivo, três vezes e meia mais do que no período 1986-1995. Na descrição de Amaury Porto de Oliveira: “Nas suas idas e vindas pelo imenso território chinês, o fluxo de migrantes rurais tem levado de roldão tanto o kukou quanto o danwei, difundindo relações de mercado. Sem o mercado de dimensão nacional de camponeses proletarizados, a China não teria dado os saltos de desenvolvimento que espantam o mundo. As condições que eles foram aceitando são escorchantes, mas podem parecer-lhes melhor que a vida nos grotões, e a aceitação delas é determinada pela pressão das legiões que se acotovelam no exército industrial de reserva”. 80% dos migrantes que deixam a terra sem deixar o campo são empregados da indústria rural, e metade deles não precisa sair da sua província natal.

Significa isto que está sobrando mão de obra no campo chinês, graças aos ganhos de produtividade? É o que afirma Jonathan Watts: “A concessão de estímulos materiais aos camponeses, representada pela liberdade de vender livremente no mercado o excedente de sua produção, evidentemente tem um papel central na explicação do alto crescimento da produção e produtividade agrícola após as reformas. Nesse quadro compreende-se como a agricultura chinesa foi capaz de aumentar rapidamente a oferta de matérias primas e alimentos com níveis crescentes de produtividade, elevando assim a renda das famílias camponesas, que foi favorecida também pela relação de preços favoráveis à agricultura”. Mas não é isso que refletem as

anos atrás, por exemplo, Shenzhen não passava de uma aldeia de pescadores. Atualmente, é uma mega-cidade industrial com mais de dez milhões de habitantes, uma Zona Econômica Especial (ZEE) que abriga mais de cem fábricas e escritórios das maiores corporações multinacionais, 27 hotéis cinco estrelas, etc. Entre 1994 e 2005, a população chinesa cresceu 9,15%, passando de 1,188 bilhão para os 1,300 bilhão de habitantes. No mesmo período, a população rural encolheu 10%, de 854,30 milhões para 767,00 milhões; e a população urbana elevou-se 58,3%, de 336,70 milhões para 533,00 milhões. Em 1994, a população rural chinesa representava 72% da população total, a urbana, 28%. Em 2005, a rural representava 59% e a urbana 41% do total. Tudo isso em dez anos. 17 Uma pesquisa feita em 2005, em quatro grandes cidades, indicou que o desemprego entre os jovens (de 15 a 29 anos) atingia 9%, contra 6,1% para o total da população urbana. Além disso, segundo o sociólogo Shen Jie, "a maior parte dos empregos para jovens não dá direito a benefícios e nem proporciona estabilidade; eles trabalham muitas horas por salários bastante baixos". O desemprego também atinge os que têm diploma do ensino superior. O número de formados subiu de 1,07 milhões, em 2000, para 4,3 milhões, em 2006 – 13% ao ano. Em 2010, o crescimento atingiria 23%. A economia chinesa tem muita dificuldade em absorver esses formados, quase metade dos 9 milhões de ingressantes no mercado de trabalho em 2006, e que esperam um emprego no "novo setor". Estima-se que 60% dos formados em 2006 não tenha conseguido emprego.

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estatísticas da FAO, que demonstram que diminuiu a capacidade de se garantir a produção de cereais na mais populosa economia do planeta, assim como sua mecanização:

CHINA – PRODUÇÃO DE ARROZ (ANOS SELECIONADOS)

ANO Milhões Toneladas

ANO Milhões Toneladas

1970 113,1 2001 179,3

1980 142,8 2002 176,3

1990 191,6 2003 162,3

1995 187,2 2004 180,5

2000 189,8 2005 185,4

O “socialismo de mercado” é incapaz, portanto, de produzir alimento suficiente para a população,18 sem compensar tampouco, através de importações, a redução da produção de alimentos, para garantir o mesmo nível de oferta interna. Ao contrário, sai do mercado interno uma boa parte da minguada produção de cereais, mantendo um permanente superávit comercial na balança de importações e exportações de arroz: o governo de Pequim remete anualmente para o exterior aproximadamente 1,5 milhões de toneladas de arroz, diminuindo ainda mais a oferta interna...

A crise asiática questionou a liderança regional do Japão, o que deu à China oportunidade de se colocar à frente, optando pela não-desvalorização de sua moeda, mesmo à custa de suas reservas cambiais, o que evitou uma onda de desvalorizações competitivas. A reestruturação de toda a indústria petrolífera, juntamente com a suspensão momentânea das importações de petróleo, foi a resposta chinesa à pressão da crise financeira asiática. Em 1997, a produção de petróleo alcançou importantes resultados na China, com o ingresso fiscal de US$ 4,1 bilhões, entre benefícios e arrecadação tributária. Foram criadas a Corporação Nacional de Petróleo e Gás Natural da China (CNPC) e a Corporação Nacional Petroquímica da China. O objetivo do 9º Plano Qüinqüenal vislumbrou sua transformação em multinacionais com capacidade competitiva internacional.

A colonização econômica do antigo “bloco socialista” (ou “estatal”, no caso da Índia) acirrou a concorrência internacional e, de saída para a crise capitalista mundial, se transformou em fator impulsionador dela. As indústrias se instalaram para produzirem na China produtos de segunda linha, sem respeito à propriedade industrial (pirataria) nem ao direito do consumidor e, com isso, constituir grandes fortunas, investindo, sobretudo, nos consumidores nos países subdesenvolvidos. Isto se assemelha com uma “acumulação primitiva” atípica, com lavagem de dinheiro, corrupção, contrabando e outras atividades próprias do crime organizado. As fábricas chinesas pirateiam software, músicas, vídeos e produtos de grife norte-americanos, por bilhões de dólares: quase todas essas operações são de companhias estrangeiras, dos EUA ou de parceiras comerciais dos EUA. Sem dúvida, como constatou Santana Souza, na China verifica-se “(i) expansão da desestatização produtiva (com o avanço da propriedade privada e do grande capital sobre os meios de produção), (ii) maior alienação dos trabalhadores das estruturas de poder político, (iii) aumento das desigualdades sociais e regionais (com aumento do controle do capital sobre as decisões econômicas e sobre o processo de trabalho), e (iv) maior polarização e divisão da sociedade em classes sociais com interesses e

18 Em 2003, a pobreza em massa era comprovada pela desnutriçõo de 10% da população, e entre 9% e 17%, ou seja, entre 110 e 220 milhões de chineses, mantidos na faixa de pobreza.

QUANTIDADE DE TRATORES POR SUPERFÍCIE AGRICULTURÁVEL

1979-1981: 7.6 tratores/1000 hectares (ha). 1989-1991: 6.7 tratores/1000 ha. 2000: 7.2 tratores/1000 ha. 2001: 5.9 tratores/1000 ha. 2002: 6.5 tratores/1000 ha.

DISPONIBILIDADE PER CAPITA DE ALIMENTO DE BASE 1990: 388,51 gramas 1995: 378,96 gr 2000: 364,87 gr 2004: 288,16 gr

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identidades antagônicos. Esses elementos configuram uma nova e regressiva natureza da formação socio-econômica da China, a despeito das proclamadas intenções socialistas das autoridades”. Mas é necessário ir mais longe.

Em 2004, China foi o principal importador mundial de cimento (importou 55% da produção mundial), de carvão (40%), de aço (25%), de níquel (25%) e de alumínio (14%). E o segundo principal importador mundial de petróleo, depois dos EUA. Essas importações maciças provocaram uma explosão de preços no mercado mundial, em especial do petróleo. A transformação da China em “fábrica do mundo”, e da Índia em país de realocação de serviços de informática e de produção de softwares, teve também efeitos importantes no domínio financeiro mundial. A transferência para os assalariados das pressões deflacionistas sofridas pelas empresas se fez acompanhar, na esfera financeira, de uma baixa das taxas de juros de longo prazo e de uma modificação do movimento de longa duração das ações. Do lado das empresas, as aposentadorias com prestações definidas foram maciçamente convertidas em fundos de previdência privada, onde os assalariados suportam os riscos. Nos fundos de aplicação financeira, ocorreu uma fuga na direção de operações cada vez mais arriscadas sobre ativos cada vez mais opacos. A tendência para a deflação empurrou os investidores para as aplicações especulativas.

A expansão econômica mundial, além disso, não fez recuar, mas acentuou, as características parasitárias e anacrônicas do capitalismo em seu próprio centro mundial. Em pleno auge, o crescimento dos EUA já evidenciava seu caráter especulativo. O índice Dow Jones relativo às indústrias, que mede o preço das principais ações, era duas vezes maior do que o índice do salário-hora em 1990. Em 1999 era sete vezes maior. Em 1990 o Dow Jones era 2% do índice de preço da moradia nos EUA. Em 1999 era 7%: o preço das ações cresceu quase quatro vezes mais rápido do que a média dos salários, e três vezes mais rápido do que o preço das moradias. Na virada do século, o valor do mercado de ações nos EUA era de 40% do PIB mundial, correspondendo a 150% do PIB dos EUA. Isto era quase o dobro do recorde anterior, de 1929, data do início do maior desastre da história do capitalismo. As bases para uma crise sem precedentes estavam postas.

A Explosão Argentina

Argentina, durante os anos 1990 (o chamado “menemismo”, do presidente Carlos Menem, peronista) curvou-se às doutrinas e políticas econômicas preconizadas pelo “Consenso de Washington”. Poucas nações foram tão longe em matéria de liberalização, integração internacional e cessão unilateral da autonomia da sua política econômica: • fixação da taxa de câmbio fixa em relação ao dólar (ou outra moeda de credibilidade internacional); •conversibilidade (eliminação de restrições à transformação de moeda nacional em moeda estrangeira e vice-versa); • definição de um “lastro” para a moeda nacional (uma regra que subordinava a emissão de passivos monetários à existência de reservas em dólares). O “sistema” era considerado responsável pela eliminação da hiperinflação dos anos 1980 (entre 1994 e 1996 a inflação se situou em torno de 4% anual, atingindo 1% em 1996), além de permitir ao país auferir taxas consideráveis de crescimento, com enormes fluxos de investimento (especulativo) de capital externo. O “crescimento” dos primeiros anos da administração Menem (uma taxa oficial de crescimento de 4,7% na década de 1990, contra uma queda média de -0,7% na década de 1980) escondia contradições insolúveis e até ficção contábil, transitoriamente oculta pela conjuntura do mercado internacional de capitais, o estímulo à especulação financeira, o processo de privatizações (que não foi outra coisa que um enorme confisco do patrimônio nacional) e pela reestruturação da dívida externa.

Divída externa total da Argentina (% do PIB)

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Divída Pública 23,4 24,7 26,0 27,0 25,5 27,6 30,0

Divída Privada 7,1 8,5 12,2 13,3 16,9 19,5 21,1

Total 30,5 33,2 38,2 40,3 42,5 47,1 51,1

O ministro da Fazenda, Domingo Cavallo, renegociou, em 1992, uma dívida que não se pagava aos bancos privados, da ordem de 30 bilhões de dólares. Tratava-se de uma fraude herdada dos governos militares e civis precedentes, já descontada pelos credores mediante comissões e taxas de juro usurárias, transferências não contabilizadas, e manobras diversas. O valor real da dívida nos mercados secundários era de 10% de seu

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valor nominal. Uma dívida de três bilhões de dólares em preços de mercado — que nos papéis era de 30 bilhões — foi reestruturada em prazos mais longos, para aliviar a carga imediata do pagamento dos juros, à custa de capitalizá-los e convertê-los em nova dívida. O endividamento externo foi incrementado até US$ 54 bilhões. Os aumentos das tarifas dos serviços privatizados aumentaram o custo de vida: 70% para os corredores viários, 141%, os telefones, 111,8%, o gás de cozinha, 16%, os combustíveis, entre 1991 e 1995. Em 1986, os serviços públicos representavam 10% do gasto familiar. Em 1996, 17%.

ARGENTINA: RESERVAS EM MOEDA ESTRANGEIRA COMO % DO PIB, DADOS TRIMESTRAIS, 1993–1999

Com as crises asiática e russa, agravou-se a vulnerabilidade externa argentina. Isso se somou à desvalorização do real, e à desaceleração da economia dos EUA. A economia argentina entrou em recessão, com aumento das taxas de desemprego, deflação, e elevados déficits no balanço de pagamentos. Menem perdeu as eleições em inícios de 2001, sendo substituído pela “Aliança”, encabeçada por De La Rua, baseada no partido radical (UCR) e no “peronismo dissidente” (considerado “centro-esquerdista”) da Frepaso e seu líder “Chacho” Alvarez. O novo governo adotou políticas de cortes no investimento e aumento nos impostos, o que gerou aumento do desemprego e da recessão, acompanhadas de corrupção para fazer passar a legislação anti-trabalhista, o que provocou forte crise política (com a renúncia do vice-presidente Alvarez), sem melhorar em nada uma situação econômica situada no limiar do calote financeiro.

Com a nomeação para o Ministério da Fazenda do czar econômico Cavallo, que já servira a Menem e, antes, à ditadura militar, o governo De La Rua tentou “pacotinhos”, com pequenas flexibilizações na taxa de câmbio, o que gerava mais desconfiança nos credores internacionais, até tornar evidente a incapacidade de pagamento do país, que ainda tentou manobras financeiras e fiscais, como empréstimos emergenciais do FMI e de outras fontes, ajuste fiscal e emissão de títulos públicos. Até uma renegociação da dívida pública com alongamento do prazo foi realizada, mas nada resolveu a situação. O saque de contas bancárias, a fuga de capitais e a evasão de divisas, continuavam: uma série de ataques especulativos levou à agonia do currency board. O governo bloqueou os depósitos bancários do público, o que decretou a falência do sistema bancário, em dezembro de 2001. Com suas poupanças confiscadas, um desemprego e miséria salarial sem precedentes, a reação popular foi uma explosão social, que derrubou De La Rua e os quatro improvisados governos que o sucederam. Diversamente das crises precedentes (asiática, russa e brasileira) a crise argentina originou uma reação popular impressionante, e a criação de uma situação revolucionária, no quadro de um retrocesso histórico da economia. Ao terminar 2002, o PIB por habitante da Argentina era inferior ao do final dos anos 1960. Nesse ano, o país mergulhou em completa depressão, com declínio da economia superior a 10%; e isso depois de uma recessão contínua desde finais de 1998: um retrocesso econômico e social que se assemelhava aos resultados de uma destruição bélica.

Durante a “era Menem” (1990-2000), todas as metas de política econômica tinham sido levadas ao seu extremo em termos capitalistas: evidenciou-se, portanto, não só a limitação de tal ou qual política econômica, mas do sistema capitalista como tal. Argentina era o elo mais fraco de uma enorme corrente planetária de falências; o país representava até a perfeição as possibilidades do cálculo econômico para o dinheiro mundial, pois qualquer resultado de um negócio no país aparecia simultaneamente contabilizado

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em dólares, a divisa planetária. O “modelo” se escorava em um poder político hiper-corrupto, baseado em um personalismo grotesco. A Argentina de Menem e Cavallo transformou-se em símbolo do “modelo neoliberal”, depois falido até as últimas conseqüências. Entre 1995 e 1999, o PIB argentino cresceu à taxa média de 2,3%. Os salários médios caíram aproximadamente 20%. De 11,5%, em 1994, o desemprego foi até 17,5% em 1995. Os pagamentos externos começaram a fazer-se mais pesados ao final dos anos 1990, com uma dívida externa da ordem de US$ 150 bilhões. Todas as empresas públicas haviam sido privatizadas, um negócio multibilionário, mas que implicou um severo golpe no balanço de pagamentos (maiores importações dos grupos estrangeiros beneficiários das privatizações, e maior saída de divisas por lucros e dividendos dessas mesmas corporações) e também um custo crescente para as finanças públicas.

ARGENTINA, DÉFICIT GOVERNAMENTAL E PRIVATIZAÇÃO PREVIDENCIÁRIA, 1994 – 1999 (% DO PIB)

Um exemplo foi a privatização do sistema previdenciário estatal. Ao passar compulsoriamente os trabalhadores para as Administradoras de Fundos de Aposentadoria Privada (AFJP), o Estado assumiu o custo do pagamento aos aposentados que eram financiados por elas, provenientes do desconto dos salários do pessoal ativo e das contribuições patronais. Estas últimas, por sua vez, foram reduzidas, sob pretexto de estimular o emprego (o desemprego cresceu como nunca, até alcançar quase 50% da população economicamente ativa, se considerado o desemprego aberto e as diversas formas de desemprego encoberto).19 O orçamento público se convertera em um gigantesco subsídio ao capital financeiro.

Nos últimos exercícios da “era Menem”, do total do gasto estatal, quase 40% era destinado ao sistema previdenciário privatizado. 20% adicional do orçamento se destinava a cobrir a dívida pública, que se incrementava como resultado do desfinanciamento provocado pela política oficial. O fluxo de capitais externos se mantinha, na medida em que se mantinha o saque das finanças públicas. No final da década de 1990, o “modelo argentino” já estava em crise, o que levaria à derrota eleitoral de Menem. A Alianza conquistou a maior parte das cadeiras do Legislativo, já nas eleições de 1997. Das 257 cadeiras, a oposição a Menem passara de 88 a 129 dos deputados.

Por quanto tempo mais a Argentina conseguiria manter a paridade cambial peso-dólar? Nela se sustentavam não apenas a estratégia de atração de capitais externos, mas também o emprego de capitais domésticos no mercado financeiro, “dolarizados”. Uma desvalorização do peso frente ao dólar levaria à saída desses capitais. Por outro lado, as exportações argentinas perderam competitividade em relação a outros países da América Latina. O consumo importador dependia, assim, do nível de reservas em moeda estrangeira, e da boa vontade do Fundo Monetário Internacional.

19 Em 1993, em pleno apogeu do “menemismo”, um levante provincial em Santiago del Estero resultou na tomada e queima das sedes dos três poderes. Em 1997, uma espécie de rebelião similar se produziu na província de Neuquén, inaugurando um fenômeno que desde então se estenderia até converter-se em um emblema da luta popular: os bloqueios de estradas. Começou a aparecer, então, um novo “sujeito social” argentino: o piqueteiro, emergente das fileiras do desemprego massivo. Eram, em sua maioria, ex-operários, com prévia experiência sindical e de luta. Levantaram cidades inteiras no norte argentino, ex trabalhadores da petrolífera estatal (YPF) que passaram da reivindicação de subsídios para o desemprego para a reivindicação de genuínos postos de trabalho nas empresas privatizadas, formulando planos de reorganização social e econômica das zonas devastadas pela política confiscatória dos governos. Em novembro de 2000, uma greve geral, convocada pelas centrais sindicais, dominadas por burocracias, foi tomada pelos piqueteiros: a “novidade” por eles representada era a reconstrução do recurso à ação direta que formava parte da história do movimento dos trabalhadores.

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ARGENTINA: RESERVAS INTERNACIONAIS, EM MILHÕES DE DÓLARES, DADOS TRIMESTRAIS, 1999 – 2001

Isso não podia resultar senão em uma bancarrota, que explodiu em dezembro de 2001, já sob o governo De La Rua, depois da Alianza vencer as eleições presidenciais. Teubal e Bustello afirmaram que dois pontos causaram a crise argentina: a dolarização da economia e os altos índices de endividamento público. Qual era a origem do déficit fiscal? O dinheiro público fora alienado para financiar o negócio dos grupos privatizadores (incluídas algumas empresas nacionais) e o dos credores da dívida dolarizada.Tratava-se de uma bancarrota capitalista, tendo como contrapartida uma expropriação sem precedentes da população trabalhadora, e uma destruição de forças produtivas, concluindo com a decomposição da economia, e uma expropriação econômica que se estendeu para boa parte da classe proprietária. A degradação das condições de vida atingiu metade da população, sem os requisitos mínimos de sobrevivência.

O colapso econômico evidenciou uma cadeia de pagamentos desfeita, e um sistema financeiro que explodiu como conseqüência do desenvolvimento de seus fenomenais negócios, acumulando bônus do Estado, que passaram a valer nada, empréstimos podres e um processo de auto-esvaziamento empresarial. A bancarrota argentina foi um caso paradigmático de auto-dissolução típico da natureza mesma do regime econômico e social capitalista.Era a manifestação concentrada de uma crise de alcance mundial, que expressava o esgotamento capitalista. Em vários países começaram, no âmbito oficial, oficioso e até eclesiástico, campanhas de solidariedade à Argentina, com coleta de alimentos para paliar a situação de extrema pobreza. Porém, a Argentina nadava em um mar de alimentos. No final de 2001, exatamente no momento do calote, o país conhecido como “celeiro do mundo” teve a maior colheita agrícola de toda a sua história. A indústria se encontrava com uma capacidade ociosa também sem precedentes. No parque automotivo metal-mecânico localizado na província de Córdoba, a indústria funcionava uma semana por mês, e até menos, um quadro desolador de máquinas paradas, e de operários desempregados. Os economistas repetiram que para sair desse quadro seria necessário “crescimento”, o que requeria investimentos e “restaurar a confiança” do mercado. Mas a Argentina estava saturada de investimentos, sobravam capitais para as possibilidades de sua realização produtiva sob a forma social capitalista. Uma parte inteira da população argentina agonizava sob o peso de um processo de superinvestimento e superprodução.

DESEMPREGO ABERTO, ARGENTINA (1996-2008)

Fonte: Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) da Argentina

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Em 2002, o desemprego oficial atingiu 25%, na verdade já estava situado na casa dos 30%; com os subempregados, essa cifra chegava a 55%, ou seja, oito milhões de pessoas. O PIB caiu 13%, uma cifra de completo colapso industrial, mas que chegaria até 50% se fosse computada a deflação dos preços e a desvalorização da moeda depois do fim da conversibilidade. A fuga de capitais continuou, atingindo 3,5 bilhões de dólares no segundo trimestre de 2002, e mais de dois bilhões no terceiro. Continuaram as negociatas com os títulos públicos, enquanto as principais empresas do país (Pérez Companc, Pescarmona e Loma Negra) caiam nas mãos de empresários estrangeiros. O “choque de demanda” seria impossível sem a nacionalização dos bancos e da indústria quebrada, liberar os depósitos imobilizados, e investigar o restante dos ativos e passivos financeiros, declarando a liquidação do pagamento da dívida.

Um subsídio aos pobres, concebido como um corretivo para a economia capitalista, seria insuficiente. O corralito, expropriação dos depositantes no sistema bancário, foi o bloqueio e desmanche geral da economia argentina: sem a circulação da moeda e do crédito não haveria atividade econômica possível. Porém, o corralito não foi um “erro” de política econômica: foi proposto como uma saída de emergência à corrida bancária que o precedeu. Os economistas culparam o “comportamento de rebanho” dos depositantes. Na verdade, os poupadores foram tardiamente aos bancos, depois que os maiores grupos econômicos, e os próprios bancos, esvaziaram o sistema financeiro. Em 2001-2002 fugiram do país cerca de 25 bilhões de dólares em reservas e depósitos. No exterior, os grandes proprietários do país possuíam ativos superiores a 100 bilhões de dólares. A fuga de capitais tinha sua origem na bancarrota.

PIB DA ARGENTINA (1995-2008)

Fonte: Ministério da Economia e Obras e Serviços Públicos (Argentina), Secretaria de Programação Econômica

A “pesificação” dos depósitos bancários foi uma tentativa de anular a dívida dos grandes grupos econômicos, que não poderiam subsistir se seus passivos em dólares tivessem que ser saldados nessa divisa. Os títulos desvalorizados do Estado, adquiridos por 30% de seu valor nominal, foram reconhecidos integralmente pelo Banco Central aos bancos credores. Resultado: com valores que valiam 15% do valor original da dívida, as empresas podiam resgatar a totalidade (100%) da suas dívidas, um calote de 85% sobre as finanças públicas.

Quem pagava essa “transferência de renda”? Os pequenos e médios poupadores e as finanças públicas. O Estado quebrado emitiu títulos e moeda, 20 bilhões de dólares, para cobrir os bancos pelo subsídio outorgado a seus devedores, e repor o próprio gasto estatal confiscado por esses processos de resgate. O aumento explosivo do dólar e a inflação eram complementares a esse resgate. O governo poderia ter optado por tributar as empresas que se beneficiaram com a desvalorização, os exportadores e as companhias petroleiras estrangeiras. O calote externo se transformou em um problema internacional, porque o default argentino era superior ao russo de 1998, sem comparação com o equatoriano de 2000.

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O FMI negou-se a subsidiar essas manobras, propondo de fato que uma parte dos proprietários nacionais e estrangeiros fosse à falência, em especial o capital espanhol, em favor da penetração dos capitais norte-americanos. A “sobra” de capitais só poderia resolver-se, em termos capitalistas, mediante um enfrentamento feroz entre os que disputavam os despojos e a reestruturação do mercado colapsado, através do take over sobre seus ativos: o FMI queria liqquidar uma parte dos proprietários nacionais e estrangeiros rivais dos norte-americanos. O propósito da totalidade dos grupos empresariais era que o financiamento da saída fosse um novo confisco da população trabalhadora, em um país em que a saúde, a educação, a moradia e os serviços públicos se encontravam em ruínas, com uma miséria social crescente e determinante da rebelião popular, indissociável do processo de dissolução econômica, e que deu uma conotação revolucionária ao momento.

O detonador revolucionário aconteceu em 19 e 20 de dezembro de 2001, quando a população mobilizada em uma manifestação de alcance nacional derrubou o governo De La Rua. A crise-revolução na Argentina não foi uma exceção mundial, mas o ponto avançado de um processo geral de aprofundamento das contradições capitalistas e da luta de classes. A crise mundial - do crash asiático em 1997 à desvalorização da moeda brasileira em janeiro 1999 - levou ao refluxo massivo de capitais dos mercados emergentes, culminando no calote da dívida argentina. O default da dívida pública foi de US$ 155 bilhões, o maior calote soberano da história: a soma total do calote superou US$ 260 bilhões. O retrocesso do Mercosul foi impressionante: o PIB em dólares da região caiu 40%, e a soma de seus “riscos-país” chegou a 10.000 pontos, o financiamento externo foi interrompido, o endividamento interno e externo atingiu 500 bilhões de dólares, não desapareceram as disputas setoriais, enquanto a incorporação do Chile se desvaneceu com o acordo de “livre comércio” (TLC) que esse país assinou com os EUA. Em 2002, o comércio entre os quatro países do bloco chegou aos 23 bilhões de dólares, quase 50% abaixo do pico de 41 bilhões de dólares de 1997.20

O papel dissolvente do capital internacional foi visto na decisão do FMI de suspender os créditos à Argentina, depois que Cavallo estabeleceu a regulamentação estatal da economia. A deserção do FMI na crise argentina eliminou o “condão mágico” que, desde a crise mexicana de 1994 (passando pela asiática de 1997, a russa de 1998, a brasileira de 1999, só para nomear as mais importantes) tinha impedido a generalização da crise financeira. A “crise da dívida” Argentina era o reverso da moeda da “crise do crédito” do capital mundial, enfiando a dialética até no cérebro dos mais obtusos economistas liberais ou keynesianos.

20 Após 1997, o Mercosul estagnou. O volume total de exportações intra-Mercosul sofreu declínio entre 1997 e 1998 (de US$ 28,8 bilhões para US$ 28,6 bilhões), e despencaria em 1999 para US$ 22,2 bilhões. As importações intra-Mercosul acompanharam a queda, indo de US$ 27,1 bilhões em 1997para US$ 26,0 bilhões em 1998, e para US$ 20,4 bilhões, em 1999. O comércio exterior da Argentina acompanhou a encolha do bloco: os US$ 8,1 bilhões exportados para o Brasil, em 1997, seriam US$ 7,9 bi, em 1998, e US$ 5,6 bilhões em 1999. As importações argentinas de produtos brasileiros cairam de US$ 7 bilhões em 1998 para US$ 5,6 bilhões em 1999.

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O Estouro da “Bolha da Internet”

Paralelamente, envolvendo montantes maiores, no centro da economia mundial também houve uma “crise de bolha especulativa”. O presidente do Federal Reserve anunciou em 1999 que as taxas de juros seriam reduzidas se houvesse sinais de que a economia se encaminhava para um hard landing: Alan Greenspan estava dizendo que a política monetária seria expansiva, ofertando a liquidez necessária para evitar um desenlace crítico da expansão americana. O poder público garantiria a continuidade da "exuberância irracional" denunciada pelo seu próprio regente.21 Na alta do mercado de valores da década de 1990, as corporações e os lares ricos expandiram massivamente sua riqueza em dinheiro, embarcando em um aumento recorde de endividamento e, sobre essa base, conseguiram sustentar uma forte expansão do investimento e do consumo.

O boom da “nova economia” (empresas “dot.com”) foi expressão da bolha do preço das ações. Apenas em 1998-99, o mercado de ações americano cresceu US$ 5 trilhões, sem correspondência com um crescimento similar nos lucros das empresas: o índice do mercado de ações crescera 77%, mas os lucros das empresas subiram apenas 2%. O crescimento de valores das ações da Internet permitiu o financiamento quase gratuito de numerosas “dot.com”. Em muitos casos, tratava-se de empresas inviáveis criadas para aproveitar a “Internetmania” e enriquecer seus criadores. Dos 29 milhões de páginas criadas em 1999, apenas 20% se encontravam em funcionamento; o restante, só foi registrado. A maioria dessas empresas jamais obteve um centavo de lucro.

Os preços das ações subiram apesar da queda da taxa de lucro, assim como os investimentos novos exacerbaram a sobrecapacidade industrial. Companhias de acesso e vendas pela Internet abriram capital na Nasdaq e valiam mais do que ícones do capitalismo americano. Mesmo considerando séries de 10 anos para frente e projetando receita dobrando anualmente, ao final do período o múltiplo P/L (preço-lucro) ficava em 20. Os múltiplos P/L da Nasdaq atingiram quase o dobro do melhor momento do Dow Jones antes da queda de 1929. Depois de atingir a máxima de 5048 pontos em março de 2000, a Nasdaq desabou 78% num período de 18 meses, atingindo a cotação mínima de 1348 pontos.

Em 2000, a renda financeira que os EUA retiraram de suas relações econômicas com o resto do mundo foi superior ao conjunto dos lucros de suas próprias sociedades em território americano. Em 1980-2000, o “setor tecnológico” esteve mensalmente 13% acima do resto da economia, mas ficou 3% abaixo quando a tormenta bateu à porta. Em 2000, a “bolsa eletrônica” viveu sua primeira grande crise. O índice Nasdaq, que mede os valores dos papéis da Internet e de alta tecnologia, caiu 27% nas duas primeiras semanas de abril, e perdeu 39,3% em um ano. Essa queda repercutiu em todos os mercados vinculados à “nova economia”. Peter Drucker comentou: «Muitas dessas start-ups da Internet não são de negócios. São só jogadas nos mercados financeiros. Se há algum business plan é apenas para lançar um IPO [initial public offering] ou para ser comprada. Não para criar um negócio».

ÍNDICE DE COTAÇÃO DA BOLSA NASDAQ (EM MILHARES, ANUAL)

21 Nos quase vinte anos em que esteve no comando da economia dos EUA, Greenspan conseguiu manobrar a política monetária do FED, ajudando no imediato a impedir que a economia capitalista mundial desabasse em uma catástrofe econômica, mas também preparando uma catástrofe maior para o futuro. Mais importante, pilotou de fato a economia mundial no período de desabamento das “economias socialistas” da URSS e do Leste europeu, fato que, para ele, abria a possibilidade de um novo ciclo de expansão histórica do capitalismo, de duração indefinida.

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Para John Nesheim, «a época da Internet terminou; já não há mais dinheiro para dot.coms». O clima pessimista começou a atingir o acionista «popular», que planejara suas poupanças no portfólio bolsista no universo das «dot.com», e baseou seu orçamento de gastos em «stock-options»: “Foram derretidos 3,3 trilhões de dólares em capitalização bolsista ao longo de 2000, depois do crash. A queda abissal das cotações tornou estes acionistas - mais de 50% das famílias americanas - em consumidores retraídos que se sentiam agora pobres, o que criou um ciclo vicioso”, afirmou Peter Cohan, especialista norte-americanos sobre “nova economia”.

Máximos históricos de «crash» num só dia

14 de abril 2000 - Nasdaq - queda de 355,49 pontos - 10% 19 de outubro de 1987 - Dow Jones Industrial - queda de 508 pontos - 23% 28 de outubro de 1929 - DJI - queda de 39 pontos - 13% 29 de outubro de 1929 - DJI - queda de 31 pontos - 12% 6 de novembro de 1929 - DJI - 26 pontos - 10% 18 de dezembro de 1899 - DJI - 6 pontos - 9% Fonte: Dow Jones & Company, http://indexes.dowjones.com/ddcrash.html

Os analistas continuaram, no entanto, a falar da «correção» do Nasdaq, apesar da queda do índice (compósito) em 51%, entre o pico histórico ocorrido a 10 de março, e o final de 2000. A “correção” foi superior inclusive à ocorrida no «crash» do Dow Jones Industrial de 1987, e no de 1973/74. Só nos últimos seis meses de 2000, o PER (price-to-earnings ratio, o índice mais usado para avaliar a valorização capitalista) do Nasdaq caiu de 106 para 36, ou seja, ficou em 1/3. Os investidores viram o seu «portfolio» derretido em mais de 40%, entre janeiro de 2000 e janeiro de 2001. De 27 de março, segundo pico histórico do Nasdaq, até 14 de abril, o índice caiu 34%. Nessa “sexta-feira negra”, o Nasdaq caíu 355,49 pontos, cerca de 10%.

Datas de referência no NASDAQ em 2000

10 de março - pico histórico, com 5132,5 pontos

27 de março - 2º pico, com 5040 pontos 14 de abril - dia do «crash», com 3321,3 pontos Fecho do ano de 2000 com 2251,71 pontos Fontes: www.bloomberg.com e www.wallstreetview.com

A Microsoft viu as suas cotações baixarem de um pico histórico de 116,06 dólares em janeiro de 2000 para valores de 60 dólares. Outro gigante, a Intel, caíu de de 75,81 dólares para 36 dólares em seis meses. Os ganhos históricos do Nasdaq, 116% entre março de 1999 e março de 2000, se esfumaram. Desde o craque até final de 2000 foi de 527 o número de empresas abatidas. No início de 2001 já se contabilizavam mais 295. O problema desta «limpeza» era que não afetava apenas as «dot.com», mas também as famílias americanas que, desde 1998, entraram no jogo da bolsa, com o incentivo e facilidade trazida pelos brokers na Web. 50% das famílias norte-americanas tinham a maior parte de suas poupanças em papéis financeiros - em 1929 apenas 5%. O dinheiro derretido desde os picos de 2000 nos três índices (DJI, Nasdaq e S&P 500) superou US$ 4 trilhões.

Valorizações e desvalorizações dos IPO no NASDAQ

Ano Montante

(mil milhões)

IPO (número)

% de Valorização s/ preço de oferta

1997 1,03 34 330

1998 2,06 45 378

1999 24,1 292 88

2000 * 16,5 151 - 13 Fonte: www.commscan.com

Total do comportamento dos IPO nos EUA

Ano Número Fundos

(bilhões)

% Retorno s/ preço de oferta

1996 502 58 23 1997 390 52 24 1998 247 45 37 1999 486 93 276 2000 406 97 -18 Fonte: www.ipo-fund.com

O sinal de luz no fundo do túnel foi visto na euforia das transações registadas a 3 de janeiro de 2001 (mais de 3,1 milhões de operações num só dia, um máximo histórico) na sequência do anúncio pelo Federal Reserve Board de um corte de 50 pontos-base nas taxas de juros de referência. Mas essa decisão de Alan Greenspan

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foi uma operação de salvatagem do estrangulamento do Bank of America, relacionado com a falência técnica das duas empresas de electricidade da Califórnia, a Pacific Gas & Electric e a Southern California Edison, com a declaração do estado de emergência energético no Estado. As duas empresas tinham uma dívida de médio e curto prazo de 27 bilhões de dólares. Adam Hamilton chamou a atenção para os comportamentos em «iô-iô» que, historicamente, se verificam depois do momento do «crash». Eles trazem alguma animação de curta duração, servindo de antecâmara a quedas ainda mais profundas. O papel dessas euforias, no meio do colapso, é «uma espécie de bebedeira antes de cair no chão».22

Houvera, porém, ao longo de 2000, e nas primeiras semanas de 2001, uma injeção massiva de liquidez no sistema financeiro. O agregado monetário M3 disparou em dezembro de 2000 para um crescimento mensal anualizado de 16,13%, contra uma média anterior de 7,8%. Em janeiro, explodiu para uma taxa de 18,9%.

M3 - taxa de crescimento mensal anualizada (2000-2001)

Janeiro 2000 - 8,86% Fevereiro 2000 - 4,24%

Março 2000 - 14,34% (no auge da 'bolha') Abril 2000 - 9,38% Maio 2000 - 3,94% Junho 2000 - 7,7% Julho 2000 - 8,83%

Agosto 2000 - 9,89% Setembro 2000 - 8,76% Outubro 2000 - 3,91% Novembro 2000 - 3,11% Dezembro 2000 - 16,13% (aceleração da «intervenção») Janeiro 2001 - 18,9%

A intervenção financeira do Estado não salvou o Nasdaq. De 1996 a 2000, o índice Nasdaq subira de 600 a 5.000. Em 2000, com o “estouro da bolha” e em poucos meses o índice caiu para 2000, para recuar para a 800 dois anos depois, praticamente a mesma situação de 1996. Ações de empresas como a Microstrategy caíram de US$ 3500 para US$ 4. A quantia de US$ 3,33 trilhões que evaporou das mãos dos investidoresera um valor equivalente a um terço das residências dos EUA.

Milhões de trabalhadores perderam seus empregos e suas poupanças, aplicadas em fundos de investimento e fundos de pensão. Uma queima espetacular de capital excedente, somados o período de seis trimestres da crise da Ásia, o socorro financeiro à LTCM, em 1997/98, e os efeitos durante sete trimestres do estouro da bolha das empresas dot.com. Seria suficiente para retomar uma acumulação “sadia” (ou “virtuosa”) de capital?

22 Em 2000, entre abril e setembro, houve o ziguezague do índice Nasdaq entre 3300 e 4300, o que não impediu uma nova quebra abrupta em meados de setembro, que o empurrou para 2252 pontos.

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A Queda das Torres Gêmeas... e da Taxa de Juros

Em 2001, os atentados de 11 de setembro provocaram o fechamento da Bolsa de Nova York durante uma semana. Na reabertura, o índice Dow Jones sofreu a maior perda de sua história, de 684,81 pontos. As choradeiras sobre às perdas de “capital humano” sofridas pelas empresas com sede nas Torres Gêmeas seguiram-se, pouco mais de uma semana depois, à notícia de demissões em massa nessas mesmas empresas, Morgan Stanley à frente, cujos mortos foram em número menor que os demitidos. Antes do atentado de 11 de setembro, o 18 de abril de 2001 tornara-se importante para os EUA: a taxa de juros dos EUA, pela primeira vez, desceu abaixo da taxa da UE, uma diferença de até -1,25 depois de ter chegado a +2,75. Uma queda de 4%, com a taxa dos EUA perto -se de zero. Já antes do 11 de setembro, sintomas claros de crise eram já evidentes.

Para tentar salvar o possível, as acrobacias do FED de Greenspan, com as taxas de juros e as cotações do dólar, a conseqüente gangorra relativa à importação de capital estrangeiro para pagar o rombo corrente de mais de 500 bilhões de dólares dos EUA, e o intrincado jogo especulativo dos “fundos” (de pensão e investimento), mostravam sempre mais seu fôlego curto de manobras de para especuladores que apostavam na baixa, chamados de insider trading, beneficiários de “informações reservadas” que acumularam, em seu nome e em nome de seus comissionadores, centenas de milhões de dólares depois do desabamento das Torres Gêmeas.

O atentado não provocou a crise mundial, mas a colocou em evidência. Os EUA ficaram impelidos, por um lado, a exercer um “ato de autoridade”, pois do contrário revelariam sua incapacidade para defender o capitalismo, já não diante das massas revoltadas ou da queda financeira, mas diante do terrorismo. Por outro lado, correram o risco de que esse ato acentuasse a crise mundial e minasse essa autoridade. Ainda assim, o esforço político e militar efetuado pelos EUA; a força impressionante de seu poderio bélico, foi uma lição para aqueles que viram, nos atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono, um momento “mágico” capaz de demonstrar que com poucos recursos poderia-se revelar a vulnerabilidade do imperialismo. O imperialismo é vulnerável em razão do caráter cada vez mais agudo e da natureza de suas contradições históricas. Mas não o é frente a ações temerárias terroristas. Uma lição para quem reduz o imperialismo (e qualquer realidade social) ao “simbólico”, ou para os que substituem a luta de classes pela tela da TV. O imperialismo ianque respondeu ao ataque “simbólico” com toda a força de sua potência militar.

A destruição das torres de Manhattan provocou uma queda financeira que já estava latente em todas as bolsas. Depois de ter caído 40% no último ano, as ações das empresas tecnológicas se encontravam ainda sobrevalorizadas devido à queda ainda maior de seus lucros, ao crescimento de suas dívidas, e ao aumento ainda maior de sua capacidade ociosa; a utilização das redes de cabos de fibra ótica nas empresas de telecomunicações, caira 10%. A crise das novas tecnologias afetou o sistema bancário, que já não tinha condições de seguir financiando este setor. A economia mundial estava entrando em recessão. Na última semana de setembro de 2001, em que o iô-iô nas bolsas norte-americanas foi particularmente agudo, com subidas tentadoras seguidas de quebras frustrantes, os analistas financeiros discutiam acaloradamente se o Dow Jones (Industrial Average) e o Nasdaq teriam já batido no fundo (após os atentados) ou se os períodos de pânico ainda estariam por acontecer. O mundo das bolsas, no entanto, não vive dos desejos de alguns analistas e traders, nem de apelos patrióticos, mas do comportamento paralelo de vários tipos de segmentos de investidores grandes e pequenos, e estes do comportamento da economia no seu conjunto. O FED lançou mais de 600 bilhões de dólares de liquidez no mercado em 2001.

A taxa de inadimplência em títulos de dívida de empresas de alto risco, segundo relatório da Moody’s, atingiu o maior nível em dez anos em outubro de 2001. A inadimplência no financiamento imobiliário e falências pessoais também subiram. Na base dessa deterioração do crédito, encontrava-se o movimento de deflação global.23 Frente à ameaça, o FED entrou em ação: cortou os juros de seus fundos federais (parâmetro para o mercado interbancário e para os empréstimos às empresas e consumidores individuais) em 5 pontos percentuais, levando-os para 1,75%, deixando-os portanto no menor nível nominal em 50 anos.

23 Como acontece com a tendência à queda da taxa geral de lucro, só a deflação pode ocorrer no longo-prazo, na trajetória de vários ciclos econômicos. A inflação, não. Determinados pela necessária elevação da composição orgânica do capital e correspondente queda da taxa geral de lucro, os preços apresentam uma clara tendência à queda, à deflação.

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O Federal Reserve acabou reduzindo de 6,25 a 1% anual, entre 2001 e 2003, a taxa de juros interbancária (referência de base para todas as operações de crédito). Isto gerou uma catarata de créditos baratos para impulsionar o consumo. Em junho de 2001, o presidente Bush fez aprovar um corte de 1,35 trilhão de dólares nos impostos pagos pelos mais ricos, cerca de 6% da receita federal.24 Essas medidas, somadas ao funcionamento da “dupla” com a China, permitiram reverter a recessão, aparentemente.

O FED, porém, não conseguiu reerguer a produção industrial, em queda por 19 meses. Os economistas avaliaram com um otimismo exagerado a capacidade da queda dos juros de curto prazo do FED. A “política monetária ativa” de Greenspan, se defrontava com uma realidade inesperada, não prevista na “teoria quantitativa da moeda”: apesar das aparências, mesmo com as sucessivas reduções da taxa nominal de juros pelo FED, a taxa real de juros de curto prazo de todos os devedores americanos (empresas e indivíduos) ainda estava muito elevada. A Goldman Sachs constatou que “a taxa real de juros caiu apenas metade do que parece, por causa da queda simultânea da inflação esperada”. A “queda da inflação esperada” nada mais é do que deflação. A deflação americana poderia provocar taxas de juros reais elevadas, ainda que a taxa nominal do FED fosse reduzida a níveis próximos de zero. Essa é a razão pela qual o presidente do FED agiu agressivamente em 2001 para manter os juros abaixo da inflação em queda. Os EUA já começavam a viver o mesmo processo vivido pelo Japão e as economias asiáticas. Com inflação em queda e a possibilidade de um processo deflacionário, as taxas reais de juros nos EUA estavam ficando elevadas.

O crescimento econômico dos EUA na década de 1990 (entre 1982 e 2000 os EUA só tiveram nove meses de recessão, em 1991) mostrou assim seu caráter especulativo e parasitário, baseado na generalização das suas contradições econômicas para toda a economia mundial. As previsões de índices de crescimento mundial de 2,6% em 2001 e de 3,5% em 2002 foram rebaixadas para 2,4%. Em 2002, após dois anos de “recuperação”, a Nasdaq sofreu novamente queda. A falsificação das contas da empresa americana Enron e a fraude do grupo de telecomunicações WorldCom desestabilizaram as Bolsas, levando os dois gigantes de pés de barro à falência. A falência da Enron, o quinto monopólio mundial de energia, maior comercializador de gás e eletricidade dos EUA, evidenciou que tinha um fundo de previdência privada de seus trabalhadores de 2,1 bilhões de dólares, 60% investidos em ações da própria Enron. A falência reduziu em 95% o valor patrimonial da empresa, os seus trabalhadores perderam o salário e quase toda a aposentadoria.

A queda da Enron não foi excepcional, nem periférica, mas sintomática e situada no centro do circuito crise capitalista-especulação financeira-intervenção estatal. O conglomerado, com sede em Houston, Texas, era o sétimo na lista as 500 maiores empresas da revista Fortune, valia cerca de US$ 50 bilhões. Vendia eletricidade, gás natural e até água. Até poucos meses era considerada uma empresa muito rentável, louvada pelos teóricos do mundo dos negócios como a “corporação-modelo do século 21”. Seu presidente, Kenneth Lay, era amigo pessoal e financiador de George Bush Jr. A empresa entrou em falência por um montante equivalente à metade da dívida da Argentina. A empresa tinha ativos por US$ 70 bilhões, 3.500 subsidiárias e associadas em todo o mundo, ingressos anuais de US$ 100 bilhões, seu comércio eletrônico realizava transações diárias de US$ 5 bilhões. Enron utilizava um sistema de contabilidade enganoso e vários artifícios financeiros, para ocultar suas dívidas e perdas e inflar seus ingressos e benefícios. Os bancos operavam com muitas empresas afetadas com a queda da Enron. Também sofreram perdas as seguradoras que vendiam bonos de garantia utilizados para garantir contratos financeiros. Se abria a possibilidade de uma ruptura da cadeia de contratos e pagamentos, tanto nos EUA como internacionalmente.

As falências atingiram toda a economia norte-americana; em todas elas, verificou-se que os balanços contábeis eram adulterados. No caso da WorldCom os valores efetivamente fraudados foram muito maiores do que os US$ 3,5 bilhões citados inicialmente: atingiram a cifra de US$ 9,5 bilhões. Foi descoberto que muitas outras empresas também falsificavam seus balanços. A legislação americana foi modificada em caráter emergencial, com as empresas sendo obrigadas a declarar seus balanços sob novas regras. Posteriormente, executivos e diretores foram levados às barras dos tribunais e condenados. Os mercados mundiais registraram quedas inéditas: Frankfurt perdeu 43,9%, Paris 33,7% e Londres 24,8%. A Bolsa de São

24 Em maio de 2000, Grover Norquist, líder do Americans for Tax Reform, principal lobista antiimpostos nos EUA, anunciara que sua meta era cortar o governo pela metade até 2025: “Não quero abolir o governo, só reduzi-lo até um tamanho tal que eu possa arrastá-lo para o banheiro e afogá-lo na banheira”.

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Paulo também sofreu: uma grande parte das aplicações na Bovespa não era feita por brasileiros, mas pelos fundos de pensão dos EUA, e essas ações tiverem uma queda brusca, pois esses fundos haviam perdido mais de US$ 500 bilhões na Nasdaq. No Brasil, foram perdidos mais de 100 bilhões de reais.

Somadas, as principais falências da economia dos EUA, em duas décadas, somaram duas vezes o histórico calote argentino:

COMPANHIA MÊS DA BANCARROTA

TOTAL DE ACTIVOS PRÉ-BANCARROTA

Worldcom, Inc julho/02 $103.914.000.000

Enron Corp dez/01 $63.392.000.000

Texaco, Inc abril/87 $35.892.000.000

Financial Corp.of America set/88 $33.864.000.000

Global Crossinq Ltd. jan/02 $25.511.000.000

Adelphia Communcations junho/02 $24.409.662.000

Pacific Gas and Eletric Co. abril/01 $21.470.000.000

Mcorp março/89 $20.228.000.000

Kmart Corp jan/02 $17.007.000.000

NTL, Inc maio/02 $16.634.200.000

First Executive Corp. maio/91 $15.193.000.000

Gibraltar Financial Corp. fev/90 $15.011.000.000

Finova Group, Inc., (The) março/01 $14.050.000.000

HomeFed Corp. out/92 $13.885.000.000

Southeast Banking Corp. set/91 $13.390.000.000

Reliance Group.Holdings, Inc junho/01 $12.598.000.000

Imperial Corp.of America fev/90 $12.263.000.000

Federal-Mogul Corp. out/01 $10.150.000.000

First City Bancorp. Of Texas out/92 $9.943.000.000

First Capital Holdings maio/91 $9.675.000.000

Baldwin-United set/83 $9.383.000.000

Total $498.062.862.000

A queda tendencial da taxa de lucro se mostrava numa dimensão sem precedentes, pois a fuga dos investidores nem esperava a falência ou a depressão declaradas: ela se produzia diante da simples perspectiva do “lucro cessante”, que afetava a maioria dos países e os setores nos quais se apostava para uma recuperação de longo prazo da economia mundial, provocando a desvalorização geral do capital, as quedas bursáteis e a tendência para o colapso econômico. O governo norte-americano decidiu intervir para evitar o efeito dominó que atingiria empresas de todo o mundo: adotou políticas de aquecimento do mercado interno, com efeito multiplicador da renda. O setor escolhido para os incentivos foi o setor imobiliário, que recebeu políticas de redução na taxa de juros e nas despesas financeiras, além de induzir os intermediários financeiros a incentivar os clientes a investir no setor através de garantias do governo. O gráfico abaixo evidencia o crescimento fora do padrão das famílias proprietárias de residências a partir de 2002:

Os investidores internos e externos (principalmente bancos) viam segurança em investir em um setor que possuía garantias do governo dos EUA. Com este sistema operante, o mercado de crédito imobiliário foi expandido para uma “demanda reprimida” de baixo poder aquisitivo. O lastro dos empréstimos concedidos a partir do plano do governo, os subprime, era realizado totalmente em títulos negociáveis no mercado

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financeiro. Esses títulos eram securitizados e posteriormente “derivados” em intermináveis graus no mercado de valores norte-americano. A “securitização” permitiu aos títulos sua transformação em títulos livremente negociáveis, que passaram a ser vendidos para outros bancos, instituições financeiras, companhias de seguros e fundos de pensão pelo mundo afora, sistema julgado com alto patamar de segurança pelas agências classificadoras. A economia norte-americana conheceu assim um boom nos primeiros cinco anos do novo século.

UTILIZAÇÃO DA CAPACIDADE INSTALADA (ANUAL - %) DOS EUA

O Boom...erangue

Com a redução da taxa de juros e, especialmente, com a securitização dos títulos, que “difundia” o risco para o mercado, o crédito ao consumidor passou a crescer. Entre 2000 e 2005, o valor do mercado de imóveis cresceu mais de 50%, e houve um boom de novas construções. Metade do crescimento do PIB norte-americano no primeiro semestre de 2005 esteve ligado ao setor imobiliário, diretamente, por meio de construção de casas e consumo relacionado, como compra de mobília nova, ou indiretamente, pelo consumo com o dinheiro obtido do refinanciamento de hipotecas. Foi verificado um aumento vertiginoso nos valores dos imóveis de 2004 para 2007, com taxa de crescimento anual superior a 10%. Greenspan, no FED, reduzira a policy rate para abortar a crise da “nova economia” e impulsionar mais um ciclo de crédito nos EUA. Os preços dos imóveis residenciais foram às alturas. A valorização das casas impulsionou o endividamento acelerado das famílias.

Com elevações tão grandes nos preços dos imóveis, as dívidas contraídas também aumentavam, tornando as hipotecas mais longas ou mais caras aos bolsos dos clientes. Houve outra ação que pressionaria o estouro da bolha: o aumento dos juros pelo FED, pois os contratos subprime tinham cláusulas que permitiam a variação das taxas (ou seja, o aumento da taxa de juros no mercado imobiliário, que trabalhava com taxas de juros pós-fixadas, e que tinha se enchido previamente, por conta da baixa taxa de juros pré-fixada). Com a união desses dois fatores, os clientes que financiaram imóveis por esse sistema tornar-se-iam inadimplentes em massa, gerando desconfiança nas bolsas mundiais. Inchados pelos movimentos especulativos, os títulos derivativos acabaram tornando-se impossíveis de serem negociados, o que desencadeou um efeito dominó no sistema bancário internacional.

O que permite uma “simples” crise de confiança nos ativos imobiliários desencadear uma crise mundial? Em primeiro lugar, a separação entre produção e circulação de mercadorias proporcionada pelo crédito permite o desenvolvimento do mercado financeiro, ou a negociação de papéis que, embora criados com base na produção real, têm seus valores evoluindo sem relação direta com os valores reais que lhe deram origem. Trata-se de uma valorização especulativa. Em segundo lugar, os bancos credores, para garantir suas hipotecas, repassaram o risco das operações às empresas seguradoras, representadas principalmente pela AIG. Para maximizar as operações, os bancos, visto que suas operações já estavam com seus capitais garantidos pelas seguradoras, mantinham poucos dólares em caixa, para serem utilizados caso houvesse a necessidade de liquidez imediata. José Luis Fiori: “Toda crise financeira interna da economia americana pode afetar a economia mundial, pela corrente sanguínea do “dólar flexível” e das finanças globalizadas. E todos os seus ciclos internos de “valorização de ativos”, (em particular, imóveis, câmbio e bolsa de valores) se descolam com facilidade dos circuitos produtivos e mercantis, e se balizam pelas variações da dívida publica e da política de juros do governo norte-americano. Por isto, as “bolhas” são sempre uma ameaça potencial para a economia mundial, mas não são apenas “capital fictício”, nem são apenas “especulação”. São mais

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que isso: um ciclo específico de valorização do capital, só possível dentro de um sistema monetário e financeiro desregulado e atrelado diretamente ao endividamento publico do governo americano”. O gráfico abaixo demonstra o crescimento dos derivativos:

O “efeito cascata” sobre os papéis inviabilizou o pagamento de prêmio por parte das seguradoras, ao mesmo tempo que impossibilitou a cobertura da inadimplência por parte dos bancos, visto a pouca disponibilidade de capital para uso imediato, gerando assim falta de crédito para os demais setores da economia. A falta de crédito impede as firmas de investirem e mesmo de obterem o capital de giro necessário aos negócios cotidianos. As encomendas de insumos são suspensas e os trabalhadores demitidos. As dificuldades de pagamento das dívidas já assumidas levam às vendas de ativos que alimentam a deflação de preços. Não se conhece, nessas circunstâncias, onde está o “fundo do poço”. Todo mundo quer dinheiro. Para pagar créditos assumidos, em contrapartida de vendas que se tornam difíceis, para tocar os negócios do dia a dia, para se garantir contra o futuro. Com a interligação das economias nos âmbitos do comércio de mercadorias, grande quantidade de empresas multinacionais com sede nos EUA e bolsas de valores integradas, o efeito que inicialmente afetou apenas um setor expandiu-se para diversos setores de todo o mundo. Segundo Krugman, a falta de regulação no mercado e de intervenção nos momentos críticos foram os fatores que impulsionaram o efeito dominó. Isto é, o agravaram, mas onde esse “efeito” fora criado?

Os empréstimos imobiliários feitos por instituições americanas foram revendidos para financistas organizados em fundos de investimento, fundos de pensão e hedge funds, que encontravam garantia nas prestações dos imóveis e, em último caso, no próprio valor dos imóveis, que se elevaram consideravelmente com a especulação. Uma "inovação" teve lugar quando a operação passou a ocorrer com hipotecas para tomadores de "alto risco" – os subprime borrowers. O percurso da “inovação financeira” tomou rumo mundial sob o comando dos “grandes atores do mercado”. Os empréstimos inicialmente eram reagrupados em títulos caucionados em hipotecas (Mortgage-Backed Securities – MBS) que possuiam um mercado secundário altamente líquido e dinâmico nos EUA. Em seguida, esses MBSs eram adicionados a outros títulos (débitos de cartões de crédito, aluguéis de automóveis, "recebíveis" de corporações, etc.) e reagrupados em outros títulos hipotecários caucionados, operação de “inovação financeira” cujo produto denominou-se Collateralized Debit Obligations Securities, as CDO securities: títulos de créditos estruturados (“Obrigações de Débito Caucionadas”). Essas invenções financeiras dos bancos de investimento eram feitas para clientes específicos, não comercializadas abertamente. Segundo Richard Beales, "se colocou a questão sobre se de fato hedge funds, investment banks e até fundos de pensão e grupos de seguro sabiam quanto valiam os títulos que eles detinham".

Sobre essas bases, a economia mundial retomou o crescimento, a partir de 2002-2003, abrindo um novo ciclo periódico de expansão global da produção de capital e do comércio internacional. A taxa básica de juros dos EUA baixou para 1% em 2003. O crescimento das diversas regiões e países foi, no entanto, bastante desigual:

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Região/país 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Mundo 2,5 2,8 3,6 4,9 4,4 5,0 4,9

Países desenvolvidos 1,2 1,6 1,9 3,2 2,6 3,0 2,7

- Alemanha 1,2 0,0 -0,3 1,1 0,8 2,9 2,5

- EUA 0,8 1,6 2,5 3,6 3,1 2,9 2,2

- Japão 0,2 0,3 1,4 2,7 1,9 2,4 2,1

- Área do Euro 1,9 0,9 0,8 2,1 1,6 2,8 2,6

Países em desenvolvimento 3,8 4,7 6,2 7,5 7,1 7,8 7,9

- África 4,9 6,1 5,3 6,5 5,7 5,9 6,5

- América Latina e Caribe 0,7 0,4 2,1 6,2 4,6 5,5 5,6

- Brasil 1,3 2,7 1,1 5,7 3,2 3,8 5,4

- México 0,0 0,8 1,4 4,2 2,8 4,8 3,3

Ásia 5,8 6,9 8,1 8,6 9,0 9,6 9,7

- China 8,3 9,1 10,0 10,1 10,4 11,1 11,4

- Índia 3,9 4,6 6,9 7,9 9,1 9,7 9,2

Fonte: FMI, World Economic Outlook Database, 2008.

Desde a crise da Bolsa de Nova York de 2000 acentuou-se o entrosamento entre as economias de China e dos EUA, eixo da retomada econômica internacional desde 2002. O déficit fiscal norte-americano produziu um incremento das exportações chinesas aos EUA e outros países. Isto explica porque um incremento de 4% do PIB mundial produziu um crescimento de 12% do comércio internacional. Uma crise desse entrosamento faria desabar o comercio mundial. O yuan chinês acompanhou a desvalorização de 40% do dólar, enquanto o euro ficou 40% más caro, o mesmo que o yen japonês. Isto provocou uma drástica queda do crescimento de suas economias, inclusive com quebras industriais (em especial na Itália e Alemanha).

Enquanto a funcionalidade do capital especulativo para a acumulação mundial de capital prevaleceu, esta apresentou uma relativa calma, no período entre 2002 e 2007. As economias asiáticas, China e Índia, com os salários mais baixos do planeta, cresceram espantosamente. Também houve crescimento forte em alguns países latino-americanos, com base na elevação de preços das commodities, petróleo em especial; entre os “desenvolvidos” cresceu mais a economia estadunidense. Cresceram, em geral, as produções nacionais, os saldos no comércio internacional, o crédito, as reservas internacionais, etc.

Para Aglietta, o problema era que a taxa de poupança era baixa demais em alguns países, alta demais em outros. Os EUA, onde ela se tornou negativa, e a China,25 representavam os pólos extremos dessa distorção. De 1992 a 2001 a participação estrangeira na compra de títulos da dívida do Tesouro Americano, emitidos para equilibrar o déficit das contas do governo, passou de 17% para 31%.26 Parte do déficit era causado pela balança comercial negativa, da ordem de US$ 435 bilhões apenas em 2002, além da política econômica de Bush, de corte de taxas para operações financeiras, e de gastos com as encomendas à indústria da guerra.

Uma política econômica fundamental do governo Bush foi deflagrar as guerras do Iraque e do Afeganistão,27 aumentando violentamente os gastos armanentistas, estimulando assim um crescimento generalizado da

25 Na China, para Aglietta, além dos reflexos de entesouramento que mergulham suas raízes na história, lida-se com “uma poupança de precaução ante a degradação dos sistemas públicos de proteção social, de educação, de aposentadoria, diante do risco de perda de emprego nas empresas estatais subsistentes”, ou seja, a destruição das conquistas sociais da revolução chinesa, realizada pela burocracia que expropriou-a, politicamente. 26 Em 2001 ocorreu uma queda na compra de títulos, obrigando os EUA à emitir papel moeda, e não títulos, para o pagamento dos juros dos títulos vencidos, e desde então o interesse dos bancos centrais estrangeiros em títulos da dívida pública norte-americana foi declinante, dando preferência a papéis de vencimento em curto prazo, em função da queda do valor do dólar; nenhum Estado queria manter reservas monetárias baseadas numa moeda desvalorizada continuamente. Desde 2002 o dólar caiu 24%. Em 2006 a renda real da família norte-americana era mil dólares menor que em 2000. 27 Os EUA declararam uma “guerra mundial contra o terrorismo”, listando 28 organizações a serem combatidas, e definindo três “critérios legais” para a listagem: 1. A organização deve ser estrangeira.2. A organização deve participar em atividades terroristas como se define na Lei de Imigração e Nacionalidade. 3. As atividades da organização devem representar uma ameaça à segurança dos cidadãos norte-

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indústria militar e dos setores ligados ao provimento das Forças Armadas. Essas medidas significaram uma fuga para adiante, isto é, conseguiram suavizar a crise de 2001-2002, mas só adiaram as contradições do capitalismo norte-americano, elevando a níveis insuportáveis o endividamento das empresas, dos consumidores e do Estado.

O imperialismo norte-americano procurou ampliar os limitados objetivos da “guerra contra o terror” até uma completa colonização do Oriente Médio, incluindo o Golfo Pérsico e a Ásia Central, consideradas como regiões estratégicas não só para a produção e o transporte de petróleo, mas também para o controle político de todo o Oriente e a costa do Pacífico, e para o que seus estrategistas chamam de “tabuleiro euro-asiático”.28 Em 2005, as despesas militares dos Estados Unidos atingiram a soma astronômica de 500 bilhões de dólares, o equivalente às despesas militares do resto do mundo.

David Ignatius comentou, no Washington Post: “A única boa ação de Osama Bin Laden poderia consistir no fato de ter colocado em ação as forças que porão fim ao grande colapso econômico de 2001”. Lhe fez eco o Prêmio Nobel, e autor do famoso manual acadêmico de economia, Paul Samuelson: “Os esforços do bombardeio no Afeganistão e, possivelmente, em outras regiões, absorverão contingentes humanos e seus gastos darão alguma contribuição ao PIB”. Em boa hora (para o capital, não para os bombardeados). As “novas” guerras, porém, não involucravam somente a rivalidade comercial relativa ao petróleo e aos mercados de matérias primas da Ásia central, mas também uma manifestação irrefutável de que a restauração capitalista era um processo de violências e guerras. Seu fio condutor era e é a luta pela conquista econômica e política do espaço geo-econômico-político deixado pela dissolução da União Soviética, e pelo controle da restauração capitalista na China.

A dívida publica japonesa, por sua vez, ultrapassou 130% do PIB (a dívida pública bruta do Japão em 1990 era 69% do PIB). Os EUA pressionaram o Japão para apressar a baixa contábil dos “créditos podres” nos

americanos ou à segurança nacional (defesa nacional, relações exteriores ou interesses econômicos) dos EUA. Todos os critérios eram nacionais (a extrema-direita americana poderia explodir quantas “Oklahomas” desejasse, sem conseguir ser catalogada como “terrorista”). 28 Se tivessem que depender apenas das suas reservas e da sua produção, o petróleo dos EUA acabaria em pouco menos de dez anos. Os EUA são o maior consumidor mundial de petróleo, mais da metade importado. A dependência das demais potências (a exceção é a Rússia) é ainda maior: Japão, Alemanha, França, Itália dependem em quase 100% das importações. As reservas internacionais estão concentradas em quatro áreas: Arábia Saudita, Iraque, Venezuela e Ásia Central (ex-repúblicas soviéticas). As reservas de petróleo do Oriente Médio chegam a mais de 700 bilhões de barris, contra 30 bilhões dos EUA. O Oriente Médio e as repúblicas petrolíferas da Ásia Central passaram a ser jóia cobiçada pelos grandes grupos internacionais dos EUA e da Europa. Os EUA instalaram bases militares na Arábia Saudita, Turquia e Catar, como fruto da primeira guerra contra o Iraque. Antes da Guerra do Golfo, eram dez as bases americanas na Ásia Central, agora são 22. Joseph Stiglitz calculou o custo da guerra entre US$ 1,026 trilhão e US$ 1,854 trilhão. O governo de Bush Jr. estimara, em 2002, um custo de... US$ 60 bilhões. China e Índia, por sua vez, detendo um terço da população mundial, cresceram nas duas últimas décadas a uma taxa entre 6% e 10% ao ano. Até 2020 a China deveria aumentar em 150%, o seu consumo energético, e a Índia em 100%: nenhum dos dois tem condições de atender suas necessidades através do aumento de sua produção doméstica de petróleo ou de gás. China já foi exportadora de petróleo, mas hoje é o segundo maior importador do mundo, o que atende um terço de suas necessidades. Na Índia, sua dependência do fornecimento externo de petróleo é ainda maior e, nos últimos 15 anos, passou de 70% para 85% do seu consumo interno. Japão e Coréia do Sul são dependentes de suas importações de petróleo e de gás, contribuindo para a competição econômica e geopolítica dentro da Ásia.

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balanços dos bancos japoneses, mas eles não podiam fazer isso, pois esses créditos eram superiores à soma do capital registrado de todos os bancos. A “mágica” do governo japonês foi comprar as ações em poder dos bancos pelo seu valor contábil, com dinheiro do Tesouro público. A população reagiu com palavras não publicáveis. O Japão estava, desde a depressão da década de 1990, com quase quatro milhões de desempregados, correspondentes à 5,5% da PEA. A Fujitsu, maior fabricante de computadores do país, cortara mais de 5000 empregos, devido à queda das encomendas externas.

O chamado “ambiente regulatório”, ao longo desses anos, inspirou-se nos Acordos da Basileia, compostos por índices de capital em relação aos ativos, segundo tipos de riscos, por agências de classificação de risco, por modelos de autogestão armados pelos grandes players bancários, pela supervisão "à distância" por parte dos bancos centrais, e pela suposta disciplina de mercado na prática da transparência das informações. Os bancos centrais deixaram solta a capacidade do sistema de criar riqueza financeira em escala global, com participação direta e indireta dos bancos através de “organizações paralelas”. Elas, e seus instrumentos financeiros exóticos, ficaram conhecidas como shadow financial system. Um mundo de capital fictício-especulativo a operar, fora dos balanços dos bancos e da vista das autoridades monetárias, em expansão descontrolada, mas funcional às necessidades de valorização do imenso capital excedente acumulado.

Não era uma tendência recente. Segundo Paul McCulley, diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco, o global shadow banking system incluiu todos os agentes envolvidos em empréstimos alavancados que não têm (ou não tinham, pela norma vigente antes da eclosão da crise) acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto dos bancos centrais. Esses agentes tampouco estavam sujeitos às normas “prudenciais” dos Acordos de Basiléia.

Nessa definição, enquadram-se os grandes bancos de investimentos independentes (brokers-dealers), os hedge funds, os fundos de investimentos, os fundos private equity, os diferentes veículos especiais de investimento, os fundos de pensão e as seguradoras. Nos EUA ainda se somam os bancos regionais especializados em crédito hipotecário (que não têm acesso ao redesconto) e as agências quase-públicas (Fannie Mae e Freddie Mac), criadas com o propósito de prover liquidez ao mercado imobiliário norte-americano.29

Desde 1980 os mercados foram amplamente utilizados para a negociação de derivativos financeiros, com o que as instituições financeiras buscavam cobertura de riscos de câmbio, de juros e de preços de mercado de outros ativos. Especulavam também sobre a tendência desses preços ou efetuavam operações de arbitragem. As relações entre o sistema bancário e o shadow banking system, desde final da década de 1990, ultrapassaram a concessão de créditos ao "sistema sombra". Os mercados de balcão passaram a negociar derivativos de crédito e títulos outros que receberam a denominação ampla de "produtos estruturados". O sistema bancário e o shadow banking system se interpenetraram profundamente.

Nessas condições articial(financeira)mente criadas, poucas vezes se investiu e se produziu tanto na indústria e no agronegócio mundial; poucas vezes se expandiu com tanta liberalidade o crédito e o endividamento dos indivíduos, das empresas e dos governos; no comércio internacional, nunca se comprou, se vendeu e se gerou tanto superávit comercial (ou déficit, no caso dos EUA); poucas vezes os negócios nas bolsas de valores do mundo alcançaram níveis tão elevados. A necessidade das economias centrais de matérias primas foi apresentada como um êxito da periferia que, “graças aos programas de reforma (neoliberal)”, podia agora incrementar suas exportações, que cresceram espantosamente, dirigidas aos EUA, à Euopa e, finalmente, à China.

29 A Fannie Mae foi criada com a função de emitir garantias de títulos baseados em empréstimos hipotecários. A Freddie Mac tinha a função de adquirir e vender hipotecas convencionais das Savings & Loan, inclusive as não garantidas. O desenvolvimento do segmento de hipotecas securitizadas proporcionou a recuperação da construção residencial norte-americana apartir de 1992. A operação de securitização tem início quando a instituição originadora, que pode ser a Ginnie Mae, a Fannie Mae, ou um banco, cria uma outra instituição, denominada Specific-Purpose Vehicle – SPV, ou “veículo de finalidade específica” –, que compra parte do portfólio da instituição – hipotecas –, emitindo títulos lastreados nessas hipotecas, ou seja, MBSs. Os compradores (geralmente investidores institucionais, como fundos de pensão) requerem que esses títulos sejam de elevado grau de investimento (AA ou AAA). Para tal, a SPV recebia garantias de uma instituição financeira – do próprio banco originador, da FHA ou da Ginnie Mae – de forma que não se tornava difícil obter o grau adequado junto às agências classificadoras de risco: tornara-se consenso nos mercados financeiros que receberiam socorro do Tesouro em caso de desequilíbrios patrimoniais, pelo caráter público da FHA e da Ginnie Mae, ou pela importância da Fannie Mae e da Freddie Mac, too big to fail.

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No final do ciclo, devido à gigantesca superprodução de capital, começaram a aparecer, na economia norte-americana em primeiro lugar, os primeiros sinais de uma nova crise: desaceleração da produção industrial, elevação de estoques de imóveis não vendidos, deflação nos preços de produção internos dos principais bens de consumo duráveis e dos preços do comércio internacional de commodities. O déficit público aumentou, no terceiro trimestre de 2006, 3,9%, chegando a 6,8% do PIB: mais de US$ 225 bilhões em apenas três meses. O último recorde no déficit em conta corrente havia sido no último trimestre de 2005, US$ 217,1 bilhões: anualizado, o déficit ultrapassara US$ 650 bilhões.

Todo agravado pela estrutura da economia capitalista norte-americana: os EUA apresentam o mais baixo consumo final público (incluido o consumo militar) em percentagem do PIB, e estão entre os países que menos gastam com pagamentos de transferências para a segurança social, em um país em que metade dos habitantes possui apenas 2,5% da fortuna nacional; os 10% mais ricos detêm 70%. As despesas de consumo público, excluídos os gastos militares, foram de apenas 11,8% do PIB em 2007.

COMPONENTES DA DESPESA PÚBLICA EM 2007, PAÍSES SELECIONADOS30

O Enchimento da Bolha

América Latina, outro grande “mercado emergente”, conhecia um desempenho econômico convulsivo, expresso em quedas e altas abruptas do seu crescimento, o que punha em evidência economias com baixo

30 A despesa pública total (coluna 1) compreende: a) as compras diretas do Estado, que contribuem diretamente para a demanda agregada total e, b) as despesas que redistribuem rendimento e capital dentro da economia, tais como o pagamento de juros, pagamento de transferências para a segurança social, subsídios agrícolas e apoios ao investimento. As despesas de consumo final público (coluna 2) constituem a maior componente da parte das compras públicas da coluna 1, e incluem os gastos para fins militares. As transferências para a segurança social (coluna 3) englobam a totalidade dos esquemas de segurança social que cobrem o conjunto da comunidade. Os dados sobre os gastos militares (coluna 4) referem-se a 2006.

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grau de autonomia (financeira, industrial e comercial), altamente dependentes, portanto, das inflexões do mercado mundial. Nos primeiros anos do novo século, mais de 75% do PIB regional atingiu classificações de risco de crédito dentro do "grau de investimento", inédito. Em 2008, a região apresentava solvência, com 70% de sua dívida coberta por reservas internacionais - patamar acima dos índices verificados no Leste europeu, por exemplo. Durante o período 2003-2007, América Latina recebeu um volume recorde de investimentos estrangeiros, superior a US$ 300 bilhões. Suas multinacionais lançaram-se a outros mercados comprando importantes ativos, inclusive em países desenvolvidos. O PIB da região cresceu numa média de 5% anual entre 2003 e 2008, com um incremento médio de 3% no PIB per capita.

CRESCIMENTO DO PIB, BRASIL (1995 A 2008)

DESEMPREGO ABERTO, BRASIL (1996-2008) COMO % DA PEA

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Um fator alardeado foi a redução drástica das dívidas denominadas em dólares. Mas isto ocultou a natureza real do processo econômico, embutida na valorização monetária propiciada pela “estabilização”. A dívida externa foi “zerada”, a partir de que as reservas internacionais do país – o total de moeda estrangeira conversível, aceita no mercado internacional – superaram o montante da divida externa, pública e privada, o que criou a ilusão da superação da dependência financeira externa. Mas o endividamento assumiu outras características. O endividamento em condições de abertura à livre movimentação cambial de empresas estrangeiras e nacionais não podia ser aferido apenas pela dívida externa formal, em títulos e contratos do governo e de empresas privadas. A dívida real, passível de ser saldada em moeda conversível, devia ser avaliada em conjunto com a situação da dívida interna em títulos públicos, a dívida mobiliária federal, por ser viável a troca de títulos da dívida externa por papéis da dívida pública. Um título público brasileiro, por exemplo, que vence em 2045, oferecia 7,5% de interesse por cima da inflação, o mesmo título do Japão pagava somente 1%.31

31 Houve uma expressiva formação de reservas internacionais pelo Brasil, em decorrência dos saldos comerciais obtidos pela alta de preços - puxada pelo crescimento da demanda mundial de commodities - de produtos com forte peso nas exportações, e também pelo fato da taxa básica de juros brasileira – base da remuneração dos títulos públicos - ser muito elevada. Isto fez com que houvesse interesse dos investidores externos em negócios com os papéis da dívida pública brasileira: tornou-se excelente negócio – para grandes investidores – captar recursos no exterior, a taxas mais baixas, e aplicar esses recursos, a taxas mais elevadas, na dívida pública interna. O governo Lula isentou os fundos institucionais estrangeiros, que aplicassem recursos em títulos públicos, do imposto de renda sobre os rendimentos. Com

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As operações de carry trade no Brasil foram concentradas em investidores que tomavam empréstimos no Japão e na Suíça; depois, os EUA também viraram nova fonte de recursos, com seu juro básico em 2,25% ao ano, fornecendo dinheiro barato para quem quisesse arriscar no Brasil, onde o juro básico era de 11,25%. Se o real se valorizasse durante a operação, o ganho era ainda maior. No custeio da dívida pública, os gastos saltaram de 18,75% do orçamento federal, em 1995, no primeiro ano de FHC, para 42,45% em 2005, no terceiro ano da gestão Lula (um aumento de 126%).

Os sucessos econômicos do início do século XXI, quando, segundo os experts da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), América Latina viveu “uma grande festa macroeconômica”, foram, portanto, relativos. Houve altas taxas de crescimento, inflação reduzida aos menores patamares históricos e orçamentos equilibrados ou até com superávits. Ao mesmo tempo, 40 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza. O retrocesso da pobreza foi especialmente importante no Brasil, onde os programas sociais “focalizados” permitiram uma diminuição significativa da pobreza absoluta, coexistente, no entanto, com uma trajetória pouco alterada da concentração de renda. As condições criadas, de retrocesso relativo da pobreza mais acentuada, se encontraram vinculadas ao desempenho econômico da conjuntura, muito mais que a mudanças na produção e distribuição de renda. A constituição de uma população cuja sobrevivência depende de programas de ajuda social, não incorporados à estrutura institucional do país, se configurou como um paliativo de base instável.

Do ponto de vista comercial, a dependência da região em relação aos EUA e Europa continuou grande. Mais de 65% das exportações latino-americanas dirigem-se a essas duas regiões, com o restante indo para a Ásia e para parceiros regionais. Alguns países latino-americanos estão mais expostos; é o caso do México, cujo comércio é fortemente dependente dos EUA (que consome 80,75% de suas exportações; apenas 19,25% vão para o resto do mundo).32 E as economias continuaram muito dependentes da venda de matérias-primas (que representam mais de 60% das exportações da América Latina), todos os países ver-se-iam afetados negativamente pelas eventuais baixas dos preços do petróleo, do cobre ou da soja.33

No mundo como um todo, a “recuperação” de 2002-2007 testemunhou uma internacionalização sem precedentes do capital financeiro. O fluxo anual mundial de capitais pelas fronteiras nacionais cresceu para US$ 11,2 trilhões em 2007, mais de 20% do PIB mundial. Esse valor era de 1,1 trilhão, ou 5% do PIB global, em 1990. China entrou na OMC (Organização Mundial do Comércio), como vimos, em 2001. Foi o apogéu da “globalização”, expressão ideológica da internacionalização sem precedentes das forças produtivas, e também de sua inadequação à sobrevivência dos Estados nacionais. Pois o centro da “recuperação (ou expansão) mundial” foram os EUA, onde se acumulavam as contradições: o dólar atingira o seu menor nível em 15 anos em relação às demais moedas, o país enfrentava um crescente déficit público e um déficit externo, os chamados “déficits gêmeos”: em 2005, o déficit fiscal atingiu US$ 600 bilhões, e a dívida pública US$ 4 trilhões.

Em 2006, o ciclo expansivo dos EUA já mostrava sinais de esgotamento. A taxa de juros do Federal Reserve alcançara 5 %, depois de quinze elevações seguidas. O Banco Central Europeu (BCE) continuou mantendo sua taxa básica de juros na marca dos 2,5% ao ano. A taxa japonesa se manteve próxima de zero. Em 2005, o ouro ganhou em valorização de todas as principais divisas, aumentando 36% seu preço medido em euros e ienes, subindo com muita rapidez frente às principais moedas. Os especuladores exigiam taxas de juros mais

isso, aumentou a entrada de recursos em moeda forte no país, fazendo com que as reservas crescessem. Mas o custo financeiro é elevado: a remuneração dos credores dessa dívida é de 12% reais ao ano, uma carga de juros crescente. A dívida interna em títulos cresceu, ultrapassando R$ 1,3 trilhão, hipotecando o orçamento público como fonte de recursos para o Estado e para a realização de investimentos na infra-estrutura e nas políticas sociais. 32 E México teve que suportar, depois, medidas protecionistas, ditadas pela administração de Barack Obama, que proibiu (devido à pressão dos sindicatos) a entrada nos EUA de caminhões mexicanos, em que pese o estabelecido pelo Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN). Argentina, diversamente, vende 16,5% de seus produtos ao Brasil, 9,9% a Chile, 8% a China e 7,2% aos EUA. Brasil envia 47% de suas exportações para a União Européia e para a China; só 11,5% vai a para os EUA. 33 Argentina vende farinha e soja, milho e trigo. Só depois vem, na sua pauta de exportações, um produto manufaturado: automóveis de 1.5 a 3.0 de potência. Brasil tem uma pauta semelhante: os primeiros lugares nas exportações são para os minerais ferrosos, os derivados do petróleo, a carne e as aves. E, só depois, os automóveis. Chile vende mineral de cobre e seus derivados, depois outros metais e, finalmente, pasta química de madeira. Colômbia baseia suas exportações em combustíveis (46% do total), café, matérias plásticas, pérolas finas e flores (é óbvio que as exportações de cocaína não são computadas oficialmente).

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elevadas para seus empréstimos, evitando-se assim que o câmbio das moedas nacionais se desvalorizasse ainda mais frente ao ouro. Alan Greenspan considerava o preço do ouro um importante barômetro para sua política de juros: raciocinava com um teto máximo de US$ 500 para o metal; acima dele, seria hora de agir. Depois do ouro, o metal mais precioso é a prata. São as duas “moedas antediluvianas” de Keynes (“relíquias bárbaras”, chamava-as). Quando ocorre uma perda de confiança pronunciada nas contas públicas e nos lucros privados, elas reaparecem soberanas frente às principais moedas nacionais. Em 2005, o preço da prata subiu 89%, em dólares. Em abril de 2006, o preço da prata já tinha ultrapassado US$ 13 a ounce troy, preço não alcançado desde 1983: aumentava a tendência do ouro e da prata se tornarem as verdadeiras divisas internacionais, moedas de reserva, expulsando os desvalorizados dólar, euro e yen. Simultaneamente às variações dos preços do petróleo, do ouro e da prata, ocorria uma variação, no mesmo sentido, dos preços dos demais metais comercializados no mercado mundial (cobre, zinco, paládio). A variação dos preços dos metais mais consumidos na produção industrial mostrava a relação entre eles (e das matérias primas em geral) e a evolução do ciclo econômico, o processo de superprodução de capital e tendência à queda da taxa geral de lucro das diferentes economias industrializadas. Não se tratava de uma onda especulativa gerada autonomamente na esfera financeira e no mercado internacional de divisas.

O controle das fontes e das rotas de comércio das principais matérias consumidas na indústria capitalista global foi o principal motivo das guerras arquitetadas pelas potências, os EUA em primeiro lugar, nas áreas dominadas do mundo (América Latina, Ásia, Leste Europeu, África, Oriente Médio).34 No longo prazo, o aumento da extração e do volume dessas matérias primas, a regularidade dos fluxos de transporte em direção aos principais centros industriais e a redução dos seus preços, são condições imprescindíveis para amortecer a queda da taxa geral de lucro, no encerramento de cada ciclo econômico, evitar a crise geral, e relançar um novo período de expansão. O potencial da crise era proporcional ao gigantesco aumento de tamanho da economia mundial, da complexidade da “economia globalizada”, das transformações econômicas,35 e geopolíticas, e do incremento dos gastos armamentistas.

Em junho de 2006, a possibilidade de uma crise econômica global estava no horizonte. Os principais sinais foram emitidos pela economia dos EUA. A manchete da Bloomberg era: “As bolsas de valores dos EUA despencam e encerram a pior semana em um ano para suas cotações. As bolsas tropeçaram nas preocupações com a inflação, completando a pior semana para o índice Dow Jones em um ano, depois que o governo divulgou que os preços de importação subiram o dobro do previsto. Especulações de que a alta dos preços vai levar o Federal Reserve e outros bancos centrais a elevar as taxas de juros, abafando o crescimento econômico, desencadearam a maior queda dos mercados de capitais globais em mais de quatro anos”. O fantasma do “duplo mergulho” (deflação/recessão) voltava a assombrar agressivamente.

Faltava o estopim, que amadurecia na própria “alavanca” do ciclo expansivo. Nos EUA, a recuperação fora viabilizada, como vimos, pela desregulamentação do mercado de crédito imobiliário, impulsionada por Alan Greenspan. Em 1900 cerca de 30% das residências nos EUA eram hipotecas em 40% do seu valor. Houve, depois, um aumento considerável na quantidade de residências hipotecadas, e no percentual do valor hipotecado. O objetivo de dar ao capitalismo norte-americano uma base social ampla, favorecendo o advento de uma “sociedade de proprietários” (ownership society), era há quase um século. Desde 1913, uma lei permitia deduzir do imposto de renda os juros sobre os empréstimos para a habitação. A isenção foi estendida aos lucros com as vendas. Entre as medidas tomadas durante o New Deal para enfrentar os efeitos da crise de 1929, houve a criação de uma agência federal da habitação (Federal Housing Authority, FHA). Em 1970 mais de 60% das residências estavam hipotecadas em mais da metade do seu valor. Ao longo dos anos o governo criou diversas leis e agências de forma a fomentar e desenvolver o sistema habitacional:

• 1932, Federal Home Loan Bank System

34 Os organismos financeiros internacionais se adaptaram à estratégia dos EUA. A nomeação de Paul Wolfowitz no Banco Mundial foi parte disso. Antes de chegar à administração da máquina de guerra de Bush, como secretário Adjunto de Defesa dos EUA, Wolfowitz fora embaixador dos EUA na Indonésia, fornecendo armas para que este país massacrasse Timor Leste. Foi com base nessa experiência que montou o operativo para promover o genocídio contra o povo iraquiano e afegão, com mais de 100 mil crianças e jovens mortos somente no Iraque. A nomeação de Wolfowitz consolidou a tese da guerra infinita também no âmbito dos organismos financeiros internacionais. 35 Entre 1998 e 2008, a parte dos EUA nas importações mundiais caiu de 15,5% para 13,2%; a da China, Índia e Brasil, somados, passou de 3,1% para 9,8%, no mesmo período.

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• 1933, Home Owners Loan Corporation (HOLC), • 1934, Federal Housing Authority (FHA) • 1938, Federal National Mortgage Association (FNMA, ou “Fannie Mae”) • 1942, Federal Home Loan Bank Board, Federal Housing Administration • 1968, Government National Mortgage Association (GNMA, ou Ginnie Mae) • 1970, Federal Loan Mortgage Corporation (“Freddie Mac”) • 1974, Federal Savings and Loan Insurance Corporation (FSLIC)

A desregulamentação acelerada das décadas de 1990 e 2000 permitiu o crescimento rápido das empresas independentes de empréstimos hipotecários (o Federal Reserve reconheceu que não podia fiscalizá-las ou controlá-las). Em 2002, tais empresas ofereciam apenas 12% dos empréstimos, mas 62% dos mutuários tinham vínculos com elas. Em 2003, o objetivo da “sociedade proprietária” foi novamente fortalecido pela criação de um fundo de auxílio à primeira residência: o American Dream Downpayment Initiative.

Em sentido amplo, subprime (do inglês subprime loan ou subprime mortgage) é um crédito de risco, concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de juros mais vantajosa (prime rate). Em sentido mais restrito, o termo é empregado para designar uma forma de crédito hipotecário (mortgage) para o setor imobiliário, surgida nos EUA, e destinada a tomadores de empréstimos de maior risco. Esse crédito tem como garantia a residência do tomador e, muitas vezes, vinha acoplado à emissão de cartões de crédito. O termo é derivado de prime lending rate - a taxa de juros contratada com os tomadores mais confiáveis. Prime lending designa o crédito concedido aos tomadores confiáveis; subprime lending é o crédito dado àqueles tomadores que têm maior risco de inadimplência.36

As residências representam bens de capital para os proprietários e bens de consumo para os locadores. A política monetária, portanto, exerce enorme influência nas decisões no ciclo da construção. O mercado habitacional norte-americano foi fortemente integrado ao mercado de capitais, a partir da reestruturação e desenvolvimento da securitização de títulos hipotecários na década de 1980. As taxas de juros no mercado de hipotecas passaram a ter uma correlação com as taxas de juros de outros mercados de capitais. A diferença entre as duas taxas corresponde à remuneração do risco adicional envolvido no empréstimo dado a quem oferece garantias insuficientes. Por outro lado, numerosos créditos são concedidos a taxas variáveis. No caso dos créditos subprime,37 a taxa inicial podia ser atraente (teaser rate), ou seja, inferior à taxa fixa de um empréstimo “normal”. Para os credores, os empréstimos subprime eram considerados como individualmente arriscados - mas, coletivamente, seguros e rentáveis. A estimativa de rentabilidade baseava-se na hipótese de alta regular do preço dos imóveis, o que vinha acontecendo nos EUA desde 1945. Assim, se um devedor se tornasse inadimplente, era sempre possível revender a propriedade com lucro.

Composição das Hipotecas nos EUA

Total das Hipotecas - US$

Subprime - US$ bilhões

Parcela do Subprime no Total de Originações - % do valor

Subprime Securitizadas - US$

Subprime Securitizadas - %

2001 2215 190 8.6 95 50.4

2002 2885 231 8 121 52.7

2003 3945 335 8.5 202 60.5

2004 2920 540 18.5 401 74.3

2005 3120 625 20 507 81.2

2006 2980 600 20.1 483 80.5

36 Numa descrição reveladora, lê-se: “Subprime é a taxa de juros aplicada a pessoas com crédito ruim. As características desses empréstimos são cruéis. O tomador não precisa comprovar renda, seus juros são mais altos (no mínimo 2% a mais, em relação às taxas prime) e, freqüentemente, lhe eram oferecidas prestações menores nos dois primeiros anos. Reduzia-se a inadimplência no início e deixava o tomador sem condições de pagar, depois. Não era um mau negócio para os bancos, desde que o preço das casas continuasse aumentando”. Como se vê (ou se confessa), o crédito subprime era, na verdade, um sistema de expropriação das pequenas poupanças e da população mais pobre. 37 Incluídos os créditos "ninja", um tipo de subprime, concedido a tomadores que não podiam comprovar renda, nem emprego, nem a propriedade de ativos (No Income, No Job, (and) no Assets). A expressão foi cunhada pela HCL Finance, uma financeira da Califórnia, especializada em conceder empréstimos com documentação mínima, isto é, sem exigência de comprovação de renda, emprego ou depósitos bancários. "Ninja" era o nome de um dos seus produtos financeiros. A FCL ganhou destaque nos anos 2000, e ficou mais conhecida após a deflagração da crise do subprime, entre julho e agosto de 2007, como o principal exemplo de práticas desastrosas na concessão de empréstimos. O uso do termo "ninja" foi assim incorporado ao jargão do mercado, durante a crise de 2008. Por significarem um risco maior, esses tomadores também pagavam juros mais altos. O mercado se inundou de papéis lastreados nessas operações.

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Os créditos subprime incluíam desde empréstimos hipotecários até cartões de crédito e aluguel de carros, e eram concedidos a clientes sem comprovação de renda e com histórico ruim de crédito. George Soros afirma que Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve, foi advertido sobre o “comportamento abusivo” dos mercados de hipotecas subprime, mas não considerou seriamente as conseqüências daquelas práticas.38 As dívidas eram honradas mediante sucessivas "rolagens", o que foi possível enquanto o preço dos imóveis permaneceu em alta. Essa valorização dos imóveis permitia aos mutuários obter novos empréstimos, sempre maiores, para liquidar os anteriores, em atraso - dando o mesmo imóvel como garantia. As taxas de juros eram pós-fixadas, determinadas no momento do pagamento das dívidas. Como veremos, quando os juros dispararam, com a consequente queda do preço dos imóveis, houve inadimplência em massa. Metade dos “proprietários” só o eram no nome, pois possuiam apenas 10% do valor real de suas casas.

O ciclo de crescimento econômico internacional iniciado em 2002, cuja rebarba beneficiou também os “mercados emergentes” (inclusive o Brasil, com o boom do agro-negócio) se aproximava em 2006 de um novo gargalo (antecipado pela crise da Bolsa de Tóquio e a nova queda espetacular das ações Yahoo) sem ter resolvido nenhum dos problemas estruturais que afetavam a economia mundial desde há mais de três décadas. Apesar da débil geração de renda nos EUA, o consumo privado cresceu até um recorde de 72% do PIB em 2007. O crescimento americano, com baixas taxas de juros e um inchaço artificial do mercado imobiliário, enfrentava agora a perspectiva do estouro da bolha imobiliária (que já levara à economia japonesa ao colapso). A Conferência de Prefeitos dos EUA, em carta dirigida ao Federal Reserve, advertiu, em 2005, que “cerca de 2.000.000 de famílias norte-americanas poderiam ver suas casas sob risco de alienação nos próximos meses”. A estimativa se revelaria modesta...

Mercado Imobiliário e Derivativos Abrem a Crise

O crédito imobiliário foi, durante décadas, a rede principal que protegeu economia dos EUA das grandes crises. Depois da “bolha da Internet”, o principal mecanismo de transmissão da queda das taxas de juros foi o crédito imobiliário, que sustentou assim a economia, evitando que a sobreacumulação no setor tecnológico se transformasse em uma recessão aguda ou numa depressão. Os lucros com a Bolsa de Valores são, nos Estados Unidos, a segunda fonte de enriquecimento patrimonial das famílias (20%). A primeira fonte (60%) provém dos lucros realizados na compra e na revenda das residências individuais. Por isso, o FED escolheu o imóvel residencial como base das medidas para paliar a quebra da bolsa de 2001, e relançar a economia por meio do consumo dos particulares. A expansão do mercado imobiliário se deu pelo crescimento na captação de empréstimos bancários via crédito hipotecário.

Para Aglietta e Berreri, a “demanda dinâmica” necessária para o crescimento dos EUA não poderia provir dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde a distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do consumo interno, e cujos excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos EUA. A demanda “também não poderia ter como origem as rendas salariais, cujo crescimento é fraco. Ela provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente, mas sua massa global é insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento rápido. A resposta a esse dilema encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o capitalismo contemporâneo encontra a demanda que permite realizar as exigências do valor acionário. Esse mecanismo atinge seu paroxismo nos EUA. Empurrando para o alto os preços dos ativos patrimoniais, o crédito desconecta o consumo da renda disponível”. Isto provocaria uma tendência a gerar, “em intervalos próximos, crises financeiras [mundiais] cujo epicentro são os EUA”.

O crescimento do mercado imobiliário, com base nesse tipo de financiamento, propiciou a elevação dos preços dos imóveis, o que, por sua vez, em um efeito auto-expansivo, possibilitou o refinanciamento das hipotecas de forma que o montante refinanciado de recursos permitia tanto o pagamento dos débitos

38 Tornado filósofo pela crise, Soros afirmou que “a conexão reflexiva existente entre as funções cognitiva e manipulativa introduz um elemento de incerteza e indeterminação nas duas funções, o que vale tanto para participantes do mercado quando para as autoridades financeiras encarregadas de formular as políticas macroeconômicas e de supervisionar e regular os mercados. Ambos agem a partir de um entendimento imperfeito da situação da qual participam... O sistema financeiro global foi construído sobre premissas falsas, baseadas em certos fundamentos da teoria econômica clássica, como a preferência dos agentes com base na racionalidade e no conhecimento perfeito, e na tendência dos mercados financeiros ao equilíbrio”. Não se trataria, assim, da natureza cega do mercado (capitalista), mas da imperfeição da cognitividade humana...

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anteriores quanto recursos adicionais utilizados para novas aquisições de imóveis, impulsionando ainda mais o efeito expansivo de elevação dos preços dos imóveis, o crescimento do mercado hipotecário, e a elevação do endividamento dos tomadores de empréstimos. Esse processo implicava o crescimento do consumo das famílias americanas, em função da alta do mercado imobiliário, expressa nos maiores preços dos imóveis. O crescimento da economia americana e da economia mundial teve como base esse processo de espiral dita “virtuosa”: riqueza (imobiliária)-consumo-produção-emprego-renda-riqueza-consumo.

INDICE DE PREÇOS DOS IMÓVEIS DOS EUA 1987-2007 (1º TRIMESTRE DE 2000 = 100)

Os preços subiram mais de 300%, saltando de 62 em 1987 para 189 em 2007. Com o processo de securitização e as “inovações financeiras” introduzidas, o boom do mercado residencial virou um frenesi, a taxa média de elevação dos preços dos imóveis foi de 6,4% ao ano no período 2000-2005, com o pico em 2005, quando os preços das residências sofreram uma elevação de 14%. Um informativo descrevia a compra de uma casa em maio de 2000: “Um americano com bom crédito (credit score) busca financiamento para comprar um imóvel de $ 200.000 em maio do ano 2000. Nesta época a taxa de hipoteca (mortgage prime rate) oscilava entre 9,50% e 10,50%. Ao chegar ao agente de crédito, diz-lhe que só pode pagar $ 1.000 por mês. Feitos os cálculos, a uma taxa de 10%, o agente diz que ele consegue financiar $ 118.000, precisando dar uma entrada de $ 82.000. Negócio fechado, o sujeito coloca suas economias e obtém o empréstimo”.

Na medida em que o mercado foi se aquecendo, os imóveis foram se valorizando, abrindo aos mutuários mais uma possibilidade: o "financiamento da diferença". Assim, uma pessoa que tivesse financiado um imóvel de US$ 200 mil, cujo valor de mercado tivesse aumentado para US$ 300 mil, poderia tomar mais US$ 100 mil emprestados, dando como garantia a mesma casa. Com esses recursos adicionais, os clientes podiam não só pagar suas prestações como também consumir mais. Esse sistema funcionava baseado no aumento de longo prazo do valor dos imóveis. A elevação dos preços dos imóveis permitia a ampliação dos empréstimos para novas compras de imóveis, que voltavam a elevar os preços dos imóveis, e assim por diante. US$ 1.000 ao mês podiam comprar um imóvel de $ 113.000 em maio de 2000 e um de US$ 211.000 em junho de 2003. Se o poder aquisitivo quase duplicava, podia-se esperar um grande avanço no número de compradores de imóveis.

Como a oferta era limitada houve desequilíbrio entre oferta e demanda, elevando os preços dos imóveis. Chegava o momento da renegociação da hipotéca: “Ao chegar ao agente de crédito, ele conta agora com um ativo que vale $ 400.000, o dobro do que valia no começo do contrato. Como a garantia do empréstimo é o imóvel, fica fácil o refinanciamento. A idéia é quitar os $ 80.000, as condições são as mesmas, 30 anos e $ 1.000 ao mês, só que a taxa de hipoteca é de 4% ao ano. O empréstimo, nas condições propostas, lhe daria um montante de $ 211.000, do qual, após quitar o débito anterior, sobraria $ 131.000. Com isso, o imóvel deste americano lhe permitiu, pagando os mesmos $ 1.000 por mês, um valor extra de $ 131.000 para gastar em outras atividades”.

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A renegociação permitia uma liberação de dinheiro que era gasta com bens de consumo (carros, viagens). Os norte-americanos estavam gastando o dinheiro de bens de capital (casas) em bens de consumo. Mas os juros começaram a subir e levaram as taxas de hipoteca a patamares próximos a 8% ao ano. Supondo que o contrato fosse com taxa variável, como a maior parte dos contratos nos EUA, a prestação tenderia a subir. Em vez dos $ 1.000, o tomador iria pagar $ 1.500. Na maioria das vezes recorria-se novamente ao banco para refinanciar a hipoteca e adequar a prestação ao orçamento. Como os imóveis nos EUA continuavam subindo fortemente, o banco aceitava fazer o refinanciamento, só que ficava com um percentual cada vez maior do imóvel, como garantia. Nessa ciranda financeira o problema não era a taxa de juros subir ou descer, mas sim se os imóveis parassem de subir. Nesse caso, o banco não teria mais interesse em refinanciar, e acabaria por tomar o imóvel do devedor.

Não eram todos os devedores que tinham problemas com o refinanciamento das hipotecas, mas boa parte estava obrigada a viver com uma prestação maior do que poderia pagar, o que o fazia reduzir o consumo de outros bens. O sistema era insustentável, pois não estava se criando valor e sim especulando com o valor dos imóveis. O governo estadunidense fomentara um mercado secundário de hipotecas capaz de tornar líquidos contratos de longo prazo, sob o comando de três instituições: Government National Mortage Association, Federal National Mortage Association e Federal Home Loan Mortage Corporation. Esse sistema altamente especulativo foi construído com garantias públicas diretas ou indiretas. Foi através das mesas dessas três instituições, públicas nas garantias, e privadas nos lucros dos capitalistas, que foi revendido para o sistema global, desde 2002, um estoque de títulos subprime de aproximadamente US$ 1,3 trilhão.

Segundo JohnTaylor, a crise resultou da adoção de uma política monetária excessivamente relaxada no início da década, que teria contribuído para inflar o preço dos imóveis nos Estados Unidos, e das ações vacilantes do governo norte-americano ao enfrentar a crise, que, ao agir de modo confuso, ampliou a “insegurança dos agentes”. Os especialistas do mercado chamaram esse alucinante vídeo-game especulativo de “nova arquitetura financeira”, que seria, para eles, a melhor forma de dispersar (e dissipar) o risco das operações, mantendo-se assim a eternidade do sistema. Mas isso seria verdadeiro se esse sistema fosse capaz de se tornar eternamente autônomo das condições reais do mercado imobiliário que o gerara, esquecendo (ou, melhor, desconhecendo) a “lei da gravidade” da economia, a lei do valor. No caso do sistema do crédito imobiliário, o ramo da construção civil é um ramo da indústria e obedece aos determinantes gerais da acumulação de capital.

Essa “arquitetura financeira”, portanto, dependia sempre da arquitetura real da indústria da construção civil e dos preços de novas casas no mercado imobiliário dos EUA. Essa evolução dos preços das casas, da mesma forma que a evolução dos preços das mercadorias em geral, acaba finalmente determinando, em um ponto do ciclo econômico, a tendência à elevação da taxa de juros das hipotecas, e a luz vermelha para as operações dos bancos. Enquanto o ciclo de alta na liquidez e no crédito internacional resolvia os problemas de liquidez dos tomadores de empréstimos, essa bolha especulativa apresentou um caráter supostamente “virtuoso” para a economia americana e mundial. Mas com o aumento da taxa de juros de curto prazo de 1% para mais de 5% e depois, para valores que se aproximavam de 10%, muita gente deixou de pagar as prestações.39 Houve assim inadimplência em massa dos clientes mais frágeis. A crise foi revelada ao público a partir de fevereiro de 2007. Os processos de despejo de moradias atingiram 180 mil só no mês de julho de 2007, duplicando em um ano. Eles ultrapassaram o milhão em agosto, concluindo com 2 milhões de despejos em 2007. A mesma “arquitetura” que fora criada para espalhar o risco e perpetuar o sistema especulativo agora transmutava sua função para poderosa agente espalhadora do prejuízo.

O crédito subprime fora criado em 2001, como vimos, para salvar o capital financeiro da crise das empresas de alta tecnologia, propiciando aos bancos de investimentos gerarem operações em derivativos, tendo como título garantidor as hipotecas subprime. “Derivativos” são operações financeiras pelas quais os bancos “securitizam” as hipotecas, assegurando-lhes a capacidade de tornarem-se títulos livremente negociáveis,

39 Foi a partir de 2004 que os limites desse processo artificial de valorização do capital começaram a se manifestar, com o inicio do processo de alta da taxa de juros americana. Entre 2004 e 2006 a taxa de juros subiu de 1% para 5,35%. Mas o crescimento das concessões de hipotecas no mercado subprime, e o aumento do consumo de luxo dos investidores estrangeiros, compensaram momentaneamente o efeito do aumento da taxa de juros.

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funcionando como meio de troca em operações financeiras. Os títulos foram assegurados por companhias de seguros e avaliados com boas notas por agências de classificação de risco. Desta forma, os papéis foram comprados por investidores do mundo todo, como os grandes bancos e os fundos de pensão. A securitização visava a reduzir os riscos por meio da criação das séries e da diversificação geográfica de títulos, de acordo com seu grau de risco. Isso acabou aumentando os riscos, gerando a transferência de titularidades de hipotecas de banqueiros que conheciam seus clientes para investidores que não os conheciam. Em vez de bancos e instituições de poupança e crédito aprovarem um empréstimo e mantê-lo em seus registros, os empréstimos eram passados a corretoras, temporariamente “armazenados” por “banqueiros de hipotecas” pouco capitalizados.

EVOLUÇÃO DA VENDA DE IMÓVEIS NOS EUA (1999-2007) EM MILHÕES DE RESIDÊNCIAS

A partir de 2006 houve redução do número de residências negociadas, mostrando correlação negativa entre as metas das taxas de juros do Federal Reserve e os imóveis negociados. Entre 2001 e 2004 as taxas de juros do FED mantiveram-se abaixo de 2% ao ano, enquanto as taxas de vendas dos imóveis aumentavam.

TAXA DE JUROS DO FEDERAL RESERVE

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Tudo parecia funcionar bem até Federal Reserve, em 2005, aumentar a taxa de juros do crédito disponível pelo mercado, onerando de forma insuportável os limites do mercado imobiliário, e criando uma onda de inadimplência, atingindo primeiro os pequenos proprietários de imóveis financiados, cujas oportunidades de safar-se eram impossíveis.

O aumento da inadimplência deveu-se ao reajuste das taxas de juros do financiamento para o nível das taxas de juros de mercado, que ocorreu exatamente no momento em que as taxas de juros básicas dos EUA estavam subindo. Os bancos começaram a retomar as casas dos inadimplentes. A grande oferta de imóveis resultante fez baixar bruscamente os preços e deixou evidente que bancos, corretoras, companhias imobiliárias, companhias de seguros e investidores em geral não só não conseguiriam obter lucros, como teriam pesadas perdas sobre o capital investido.

Os bancos passaram a rejeitar emprestar dinheiro com casas em garantia, e com isso muitas pessoas passaram a vender suas casas para pagar as hipotecas, pois não estavam conseguindo pagá-las. Com as casas caindo de preço estourou a bolha, num curto espaço de tempo. A explosão da bolha especulativa do setor imobiliário foi a faísca da crise geral do capital, não se limitava a “esgotar uma nova fase especulativa” como as precedentes (bolha das ações de alta tecnologia, ou das moedas dos “mercados emergentes”).

Na crise dos EUA, os títulos mais problemáticos foram os derivativos de crédito, ou CDS (credit default swaps). Como o mercado imobiliário ficou aquecido durante vários anos, as instituições bancárias tinham baixado, como vimos, os padrões de concessão de financiamentos para a compra de imóveis. As carteiras dos bancos com subprime eram em seguida atreladas a CDS, os derivativos de crédito. Toda a pirâmide foi afetada pela retração da oferta de crédito imobiliário, a redução dos preços dos imóveis, o que, por sua vez, expandiu a inadimplência e, com isso, o caráter “virtuoso” do processo se transformou, em razão da mesma lógica que o constituira, em “vicioso”.

A instituição financeira empacotava esses títulos e os repassava para outros bancos interessados em comprar o risco. A cadeia era retro-alimentada pelo próprio sistema, pois um CDS poderia ir passando de banco em banco, indefinidamente, com um novo derivativo nascendo a cada operação. Um exemplo de como o mercado, no dizer dos economistas, “se descontrolou” (mas ele é descontrolado por natureza, ou “cego”, como Marx já o dizia) está na explosão do valor "nocional" dos CDS. Em 2003, o ano começou com US$ 2,2 trilhões.

Em junho de 2007, a cifra já estava em US$ 54,6 trilhões. A produção de títulos inflados pela especulação, créditos e dívidas em lastro, dos estados nacionais e suas autoridades monetárias, permitiram que os ativos financeiros em circulação no planeta, momentos antes da crise, se situassem numa cifra superior a 600 trilhões de dólares, para um PIB mundial de US$ 60 trilhões.

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Greenspan e a FED haviam inflado a bolha imobiliária para dar tempo às corporações para se desembaraçar de seu excesso de capital e retomar o investimento. Mas no lugar disso, ao centrar-se em restaurar a taxa de lucros, as corporações desencadearam uma brutal ofensiva contra os trabalhadores. Elevaram a produtividade, menos pelo aumento dos investimentos nas plantas e em equipamentos, e mais através do recorte nos empregos, obrigando os trabalhadores remanescentes a utilizar os tempos mortos. Ao manter baixos os salários e extrair mais produção por pessoa, se apropriaram na forma de lucros de uma porção do crescimento do setor não-financeiro do PIB sem precedentes históricos.

As corporações não-financeiras, durante essa expansão, elevaram significativamente suas taxas de lucro, ainda que esse crescimento não chegasse aos já reduzidos níveis da década de 1990. O grau ao qual se havia elevado a taxa de lucro havia sido alcançado simplesmente pela via de elevar a taxa de exploração – fazendo com que os trabalhadores trabalhassem mais e por menos a hora. Mas, sobretudo, ao melhorar a rentabilidade por meio de se manter baixa a criação de emprego, o investimento e os salários, as empresas norte-americanas mantiveram baixo o crescimento da demanda agregada e, portanto, enterraram seu próprio incentivo para se expandir.

TAXA DE LUCROS E TAXA DE ACUMULAÇÃO (1962-2008)

Fonte: Marcel Roelandts, Le Cadre Méthodologique de la Théorie des Crises chez Marx et sa Validation Empirique

O espaço cinza no gráfico acima corresponde ào lucro financeiro, ou especulativo, à “bolha”. Segundo The Economist a bolha imobiliária mundial, entre 2000 e 2005, foi a maior de todos os tempos, superando a de 1929. A revista inglesa concluiu que “a moderação da recessão de 2001”, quando o país “recebeu a maior injeção monetária e fiscal de sua história, simplesmente substituiu uma bolha [de ações] por outra *imobiliária+” (culpando essa “moderação” pela catástrofe ulterior). Mas isso fizera possível um aumento sustentado do consumo e do investimento residencial que, juntos, impulsionaram a expansão.

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EUA: TOTAL DAS DÍVIDAS NO MERCADO DE CRÉDITO (EM % DO PIB)

O consumo pessoal mais a construção de moradias deram conta de entre 90 e 100% do crescimento do PIB dos EUA nos primeiros anos do novo século. Só o setor imobiliário foi responsável por quase 50% do aumento do PIB, que do contrário teria sido -2,3% no lugar de +1,6% (anual). Assim, junto com os déficits orçamentários de George W Bush, o recorde nos déficits dos lares permitiu obscurecer quão débil era a recuperação econômica subjacente. O incremento da demanda consumista respaldada com dívida, assim como crédito excessivamente barato, não só reviveu a economia norte-americana, como especialmente, pelo impulso de uma nova onda de importações e do aumento do déficit de conta corrente (balanço de pagamentos e comércio) a níveis recorde, alimentou de modo artificial o que parecia ser uma impressionante expansão econômica global. O crescimento do PIB dos EUA durante essa expansão, no entanto, fora o mais lento para qualquer intervalo comparável desde os finais da década de 1940, enquanto que o aumento de novas plantas produtivas e equipamento e a criação de empregos ficaram em um terço e dois terços respectivamente abaixo da média do pós-guerra.

Da Super-Expansão à Super-Crise (The Harder They Fall)

Os primeiros sinais da chamada “crise financeira” motivada pelo estouro da bolha no mercado subprime americano surgiram já no início de 2006, quando o preço dos imóveis registrou uma desaceleração na sua taxa de crescimento. E não vieram somente dos EUA: a 27 de fevereiro de 2007, a Bolsa de Xangai (China) caiu 8,9% em um único dia, gerando um efeito em cadeia que derrubou os indicadores globais do mercado financeiro. A economia mundial estava grávida de uma robusta crise econômica, irradiada pela economia chinesa. As perdas de Xangai irradiaram uma onda de desvalorizações e quedas no mercado internacional de capitais. Em março de 2007, o pessimismo dos capitalistas ainda não tinha desaparecido: a Bolsa de Nova York abriu o último pregão da semana em baixa, seguindo mais um dia de pessimismo nos mercados internacionais, agora por conta do dólar fraco e da valorização do iene japonês (a valorização do iene frente às outras moedas não era um sinal de superioridade econômica, mas um sinal da vulnerabilidade estrutural do capitalismo japonês, uma indicação invertida de que doravante as exportações japonesas iriam cair, e a principal economia asiática recairia no inferno da deflação de que se imaginava estivesse saindo). Finalmente, o crescimento da economia dos EUA durante o primeiro trimestre de 2007, inicialmente previsto em 1,3%, foi reduzido para 0,6%, a taxa mais baixa dos últimos quatro anos.

Foi ficando evidente que a globalização do capital financeiro, associada com o processo da restauração capitalista na China e Rússia, não abrira uma saída de longo prazo para o capital, ao contrário, criara um oceano de dívidas cobrindo todo o planeta, verdadeiras bombas-relógio. Algumas das bolhas já estavam em processo de explosão. Em seu informe anual de junho de 2007, o Banco Internacional de Compensações (BIS), o banco dos bancos centrais, fez soar o alarme acerca de que “as condições que conduziram à Grande Depressão dos anos 30 e às crises asiáticas dos 90 estão se refletindo no ambiente atual”. A sobreacumulação, com o monstruoso desenvolvimento do capital especulativo, estava se transformando, de uma benção para os especuladores e a oligarquia financeira, em seu pior pesadelo. O eixo que conectava a China em rápido crescimento, o mais importante centro de acumulação do capital mundial, com a sobreendividada economia norte-americana, que arcava com o peso de grandes déficits, eixo que funcionara

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nos anos posteriores ao choque financeiro do ano 2000 como força impulsionadora da recuperação, começava a ser sacudido com a queda de fevereiro na Bolsa chinesa, repetida a 30 de maio de 2007.

A economia japonesa era a primeira a sofrer o impacto direto das turbulências chinesas, porque ela depende totalmente das exportações para os EUA e União Européia. São essas duas grandes áreas da economia mundial as primeiras a manifestar ciclicamente a queda da taxa geral de lucro. A conseqüência imediata é a queda dos seus investimentos industriais, do emprego e da demanda por importações do resto do mundo, principalmente aquelas oriundas do Japão e China, seus maiores fornecedores de bens de consumo duráveis.40 O novo período de crise global que se anunciava, no entanto, não era determinado pelas turbulências asiáticas, importantes por anteciparem, na “superfície” da circulação mercantil, os sintomas mais profundos da doença mais grave, a superprodução de capital no próprio centro do sistema.

Esta última é gerada e impulsionada para a totalidade da economia mundial pelos EUA e, em menor medida, pela União Européia. É a elevação da produtividade e da taxa de exploração nas economias de ponta que estabelece o preço de produção regulador do mercado mundial e, consequentemente o nível da taxa de geral de lucro e o ponto de ruptura do ciclo econômico global. Os EUA, antes até da União Européia, foram os primeiros a manifestar os sintomas da superprodução de capital. Alan Greenspan, já ex-presidente do FED, declarou, na semana anterior aos abalos na Bolsa de Xangai, que a economia estadunidense poderia entrar em recessão no final de 2007, em entrevista ao Wall Street Journal: “Quando nos distanciamos tanto de uma recessão, invariavelmente algumas forças começam a se acumular para a próxima recessão e, de fato, estamos vendo os sinais. Nos EUA, as taxas de lucro começaram a se estabilizar, o que é um sinal precoce de que estamos nos estágios finais de um ciclo de expansão”. No entanto, a 25 de julho de 2007, “a economia mundial mantém um crescimento pujante”, dizia o FMI em uma atualização das suas projeções econômicas mundiais. Para os EUA, embora tivesse rebaixado seu crescimento previsto para 2007, de 2,2% para 2%, era afirmado que o país retomaria o crescimento e estaria já no potencial máximo no meio de 2008. O setor imobiliário? Sua “correção” estava continuando, e os riscos negativos para a demanda estavam diminuindo. Estava tudo tão bem, na visão do FMI, que, segundo ele, tinham aumentado as probabilidades de aumentos nas taxas de juros mundiais pelos bancos centrais.

Nesse momento, no Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) teve uma queda de 6,6%. Um abalo tão forte não ocorria desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Desde junho de 2007, os efeitos sobre os mercados financeiros, em especial sobre os bancos que possuíam ativos com maior exposição aos títulos das hipotecas norte-americanas, se espalharam pela economia americana, européia e, finalmente, asiática. Até julho de 2007, a economia mundial, certamente, atravessou um período de forte expansão: as empresas nunca lucraram tanto, a China crescia a 10% ao ano, o Brasil exportava matéria-prima em volumes e a preços recordes. Logo depois, as bolsas de valores e as moedas de todo o planeta foram abaladas por um terremoto. Em duas semanas, trilhões de dólares evaporaram dos mercados de ações sem que houvesse um ataque terrorista, como o de 2001, ou a quebra de um “país emergente” – como a Tailândia, em 1997, a Rússia, em 1998, ou o Brasil, em 1999.

A “descoberta” de que os americanos não estavam pagando as prestações dos financiamentos de suas casas espalhou pânico entre investidores em todo o mundo – muitos fundos de investimento possuiam parte de seus papéis lastreados nesses financiamentos. Como um segmento da população não conseguia pagar as suas parcelas, criou-se um temor de que os americanos pudessem também diminuir o seu ritmo de consumo. Grande parte dos empréstimos feitos nos EUA eram hipotecas longas - daí o medo que a alta inadimplência no setor subprime atingisse outros setores. Nas últimas décadas, a classe média norte-americana hipotecara em massa seus imóveis: empresas especializadas davam empréstimos e tomam as casas como garantia. Quando os juros estavam baixos, muita gente trocou de financiamento, recebendo dinheiro na troca. Muita gente se viu pagando dívidas maiores do que o bem a elas atrelado, o que acarretou um movimento de desistência por parte dos mutuários. Empresas e bancos envolvidos no setor vinham “maquiando” seus registros do estado dos pagamentos de créditos e da avaliação de imóveis, no melhor

40 Tanto o Japão quanto a China, diferentemente dos EUA e a UE, são economias “mercantilistas”, dependentes das exportações, da demanda externa, da dinâmica econômica dos EUA e da União Européia. “Mercantilismo” é o nome da doença japonesa e da Ásia em geral. É uma doença de economias coadjuvantes na economia mundial.

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estilo da “contabilidade criativa” (inventada antes pela Enron e a Worldcom para atrasar sua queda inevitável). Nouriel Roubini chamou a atenção para o fato de que a insolvência dos devedores hipotecários não se limitava àqueles de baixa qualificação, mas atingia também os de “primeiro nível”: calculou serem insolventes nada menos que 50% dos créditos hipotecários outorgados em 2005 e 2006...

O medo de retração da economia dos EUA, aliado à suspeita da existência de papéis “contaminados” nos fundos de investimentos, fez com que muitos investidores vendessem as ações que possuíam. Quando há muita gente querendo vender, o preço das ações cai. O conjunto do das ações em queda derrubou a cotação das bolsas de valores. Algumas empresas americanas começaram a mostrar números decepcionantes, caso das varejistas Wal-Mart e Home Depot, espécies de termômetros do consumo. Em agosto de 2007, os EUA cortaram 4.000 postos de trabalho – primeira queda do nível de emprego do país desde 2003. Valor Econômico constatava, a 17 de agosto, que “o mundo está(va) fora de controle”: “O mundo está de ponta-cabeça. Quem era pessimista há um mês, hoje é considerado otimista. De 19 de julho, quando bateu 58.124 pontos, até ontem, o Índice Bovespa perdeu 19,28%, percentual que, em dólar, chega a 30,81%, por conta da crise de liquidez iniciada com as perdas de fundos internacionais com títulos hipotecários de risco subprime”. O “risco de contágio” no sistema bancário rapidamente evoluiu para uma “crise de liquidez” (manifestação, na verdade, da crise de solvência) que potencializou o efeito recessivo, através da restrição do crédito às pessoas físicas e às empresas. O mercado acionário mundial também evoluiu para uma forte queda no preço das ações, com intensos fluxos de capitais partindo dos países periféricos com destino aos países desenvolvidos, para cobrir posições. Grandes instituições financeiras sofrendo de problemas de solvência tiveram que ser recapitalizadas, através de garantias, injeções de recursos, e nos casos mais extremos, como veremos, com os governos assumindo o controle de suas operações.

Deflagrada a crise imobiliária americana, e tendo ficado claro que ela contagiava os sistemas bancários e financeiros de países importantes, o Banco Central da Europa foi o primeiro – seguido pelos bancos centrais norte-americano e inglês – a iniciar uma operação de resgate do capital financeiro, ampliando a liquidez, reduzindo as taxas de juros, não apenas como “prestamista de última instância”, mas também comprador de títulos de agentes privados, quando estes não encontram no mercado compradores e estão necessitados de liquidez, e a conseguem trocando os títulos que possuem por títulos públicos, convertidos em dinheiro, para impedir que a desvalorização da riqueza financeira se agravasse, ou seja, que se tornasse pó a riqueza de papel acumulada durante o "boom financeiro".

A “crise imobiliária” americana não surpreendeu, mas sim surpreendeu a extensão com que ela penetrou os sistemas financeiros nacionais e as “inovações financeiras”. O aumento da inadimplência e a queda nos preços dos imóveis a partir de meados de 2006 reduziu o mercado de MBSs, que se acumularam nas carteiras dos bancos originadores que, por sua vez, não tinham cessado de emiti-los. Além disso, acreditando que a queda do preço de mercado das MBSs era fenômeno passageiro, muitos bancos incorporaram as SPVs (os “veículos de finalidade específica”, recipientes do portfólio da instituição com MBSs problemáticas) de forma que os bancos originadores que, teoricamente haviam transferido os riscos das hipotecas subprime para as SPVs e os investidores, voltaram a incorporá-los de forma crescente. As instituições financeiras que haviam segurado os títulos lastreados nas hipotecas subprime, tiveram que aumentar as provisões para perdas e dessa forma as perdas que deveriam cair sobre os investidores, conforme o pressuposto do modelo de securitização, cairam sobre as próprias instituições financeiras.

Segundo Gary Gorton: “O pânico de 2007 deveu-se à perda de informação sobre a localização e as dimensões dos riscos de perdas devido ao default de um número de ativos financeiros interligados, veículos de propósitos especiais (SPVs) e derivativos, todos relacionados às hipotecas subprime”. Na verdade, a crise mostrou que a dispersão do risco não diminuia o risco, como pressuponha o modelo de securitização. Com os mercados financeiros fortemente interligados, a crise de um mercado arrasta os demais. A bolha em um setor localizado dos EUA contaminou a economia do país e do mundo todo. O The Independent, da Inglaterra, titulou então: “Wall Street teme a próxima Grande Depressão”. Em junho de 2007, o banco de investimentos Bear Stearns (BS) anunciou o fechamento de dois fundos de hedge sob sua gestão (o banco disse que seus investidores não conseguiriam resgatar o dinheiro investido em seus fundos de alto risco). James Cayne, seu presidente, deixou antecipadamente um torneio de bridge em Detroit e voltou às pressas para Manhattan, para reuniões de crise. O quinto maior banco de investimento dos EUA, famoso por sua

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respeitabilidade, arrogância e ar cuidadosamente cultivado de exclusividade, estava em colapso. Apenas um aporte de US$ 30 bilhões do Federal Reserve poderia salvá-lo da ruína. O preço das ações do BS despencou mais de 80% em um dia. Em comparação ao valor das ações no início do ano, não restava nada além de cinzas. As perdas eram semelhantes às de muitas empresas da bolha de Internet durante a pior fase. JPMorgan compraria, em março de 2008, o banco por US$ 236 milhões (um ano antes, o banco valia US$ 18 bilhões).

Livre funcionamento do mercado? Nada disso: foi uma operação de resgate, pelo Estado, do capital falido: o FED criou uma linha de crédito especial para emprestar dinheiro com garantia em títulos de pouca liquidez, mas de baixo risco, e concedeu um desses empréstimos ao BS, prestes a quebrar, mas que tinha papéis que podia usar como garantia (o BS não conseguiria vender esses papéis senão com enormes perdas). O passo seguinte foi a venda do banco quebrado, com o dinheiro do empréstimo (e a dívida), a preço simbólico, para outro banco (JPMorgan). O dinheiro emprestado estava coberto por boas garantias, e o comprador também recebia garantias do vendedor quanto à qualidade do que estava adquirindo. Assim, se o “buraco” fosse maior que o inicialmente avaliado, os acionistas vendedores seriam responsáveis por indenizar o comprador pela diferença (os vendedores perderam tudo o que tinham em ações do BS). Por último, o comprador contaria com o compromisso do FED de manter a linha de crédito para o carregamento dos papéis de pouca procura, até que eles fossem vendidos e a dívida quitada.41

Em agosto de 2007, o banco francês de investimentos BNP Paribas anunciou a seus investidores que eles tampouco conseguiriam resgatar seus investimentos, devido à "completa evaporação da liquidez" do mercado (menor oferta de dinheiro): o BNP congelou o saque de três de seus fundos de investimentos, que tinham recursos aplicados em créditos gerados a partir de operações hipotecárias nos EUA, alegando dificuldades em contabilizar as reais perdas desses fundos, e copiou durante um período o “corralito” implementado pelo ex-ministro argentino Domingo Cavallo, em 2001 (limitação a uma pequena soma fixa que os clientes podiam retirar de seus fundos, uma expropriação virtual deles). França curvou-se diante da Argentina...

Primeiro, as perdas se limitavam a um punhado de bancos, mas depois começaram a se empilhar em alturas vertiginosas por todo o setor financeiro, à medida que as empresas eram forçadas a dar baixas cada vez maiores nos livros, primeiro US$ 200 bilhões, depois US$ 400 bilhões, então US$ 600 bilhões. Os cavalheiros em ternos caros provaram ser assaltantes de bancos. Somas recordes viraram fumaça. Na segunda metade de 2007, o Citigroup, sozinho, deu baixa em mais de US$ 24 bilhões em dívidas, ruins em conseqüência de seus empreendimentos especulativos. Nenhuma gangue de ladrões jamais poderia roubar tanto dinheiro de um cofre bancário. O senso da magnitude de suas próprias ações foi completamente perdido no processo. O corretor de ações francês Jérôme Kerviel, por exemplo, perdeu em “apostas” 4,9 bilhões de euros (US$ 7,6 bilhões) em dinheiro de seu empregador, o Société Générale. "Você perde o senso das somas envolvidas quando está neste tipo de trabalho", declarou: "Você se deixa levar" (pelos lucros, claro).

O banco de investimento Goldman Sachs contabilizou uma perda total para todo o setor de mais de US$ 1,1 trilhão: "Esta se tornou a nova gripe aviária", disse Barry Ritholtz: "Ela infectou todo mundo". Apenas a casta dos presidentes e seus altos executivos provou ser resistente. Só duas grandes instituições financeiras, o Citigroup (seu maior acionista é o príncipe saudita Al Waleed Bin Talal) e o Merrill Lynch, substituíram seu comando: os ex-presidentes-executivos partiram com enormes pagamentos em seus bolsos. Stan O'Neal, ex-presidente-executivo do Merrill Lynch, recebeu um pacote de rescisão de contrato de US$ 161 milhões, a empresa sob seu comando tinha perdido cerca de US$ 9 bilhões em só um ano. O ex-presidente-executivo do Citigroup, Chuck Prince, e Chuck O'Neal, do Merrill Lynch, foram forçados a suportar as críticas e escárnio dos legisladores durante uma audiência no Congresso. O Wall Street Journal escreveu que as ações do JPMorgan tinham melhor desempenho que as de seus concorrentes, afinal, elas só haviam perdido 13%...

“Do outro lado” (da sociedade de classes) quase três milhões de famílias americanas estavam em situação de inadimplência. O fluxo total real de dinheiro aos lares, que havia aumentado a uma taxa anual de cerca de

41 A operação descrita foi feita várias vezes no Brasil entre 1995 e 1998. Em vez de BS, os nomes seriam, entre outros, Nacional, Bamerindus, Econômico, Boavista, Bandeirantes e América do Sul. Algumas operações envolveram a linha de crédito conhecida como Proer, outras as linhas de redesconto bancário do Banco Central. Desta vez, foram os EUA a se curvarem diante do Brasil...

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4,4% em 2005 e 2006, havia caído a quase zero. A tentativa dos clientes, como último recurso, de se desfazerem de suas casas no mercado, pressionou para baixo os preços de todos os imóveis nos EUA, inclusive aqueles que estavam sendo financiados a taxas prime. Com o excesso de oferta, o preço dos imóveis entrou em queda livre. As pessoas começaram a entregar os imóveis às empresas de financiamento. Muita gente devia mais do que o valor da casa. O mercado como um todo se reduziu, e todas as operações feitas com imóveis como garantia ficaram a descoberto. As financiadoras ficaram com os imóveis – agora, com seu valor aviltado – e sem o dinheiro; portanto, sem recursos para honrar os títulos que haviam emitido. Isso acabou por provocar a falência de financeiras e, em efeito cascata, de instituições maiores. As empresas resolveram ir ao mercado vender ações para fazer dinheiro.

Em 2007 foram 1,3 milhão de imóveis com hipotecas não-pagas em que o banco ou a financeira retomaram o imóvel. Pelo menos cinco milhões de famílias iriam ser afetadas. Mínima consolação: em East Hampton, destino popular de descanso para banqueiros de Nova York e administradores de fundos hedge, o número de casas à venda aumentou 40%. Até mesmo leilões de execução hipotecária chegaram à luxuosa comunidade litorânea.42 O endividamento das famílias norte-americanas crescera espantosamente: entre 1993 e 2006 o passivo financeiro das famílias “comuns” subiu de 89% para 139% da receita pessoal disponível. O superendividado consumidor norte-americano atuou como “consumidor em última instância” da superprodução capitalista mundial, mas ao custo inescapável de agravar os desequilíbrios da economia mundial.

EUA: DÍVIDA EM RELAÇÃO À RENDA DAS FAMÍLIAS (1975-2009)

Fonte: Anwar Shaikh. The first great depression of the 21st century, outono 2010.

A crise se manifestou primeiro no segmento de mercado mais arriscado, o dos tomadores de empréstimos com histórico de inadimplência. Seu processo de expansão e “contágio” se deu devido a que, ao aumentar a inadimplência, os credores passaram a sofrer também com problemas de liquidez e solvência, toda vez que os ativos que eles tinham para receber foram desvalorizados e, portanto, seus compromissos financeiros não tinham mais garantia de pagamento. Com isso, esses credores (inicialmente, os bancos financiadores das hipotecas e detentores de derivativos imobiliários) saíram a vender parte de seus ativos para saldar suas obrigações. A securitização dos empréstimos imobiliários ampliou o processo. O movimento de venda de

42 A Ferrari e a BMW informaram uma queda de 22% a 27% nas vendas, enquanto as vendas da Jaguar caíram em mais de 50%. Alden Cass, psicólogo especializado em problemas enfrentados por corretores de ações (!), concluiu que 20% dos corretores de Nova York sofriam de depressão, três vezes mais do que os norte-americanos em geral: "Os corretores que mostram os maiores sinais de depressão, ansiedade, esgotamento emocional e baixa capacidade de superação também são os mais bem-sucedidos financeiramente". Também pudera: desde janeiro de 2007, o valor das ações de James Cayne, o charmoso ex presidente, no Bear Stearns, desvalorizara de US$ 1,2 bilhão para US$ 13,4 milhões...

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ativos provocou a redução de seus preços e reforçou a pressão pela alta da taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras, agravando mais a crise. Como os juros estavam baixos na Europa e no Japão, esses fundos, que ofereciam retornos maiores, tornaram-se atraentes para os pequenos e grandes investidores. Criou-se uma pirâmide de investimentos de cerca de um trilhão de dólares, por meio da qual a poupança de milhões de empresas e aposentados, europeus e japoneses, foi usada para financiar a construção e compra de casas nos EUA. Segundo a Moody’s, no momento em que a bolha imobiliária se desinflasse completamente, os preços das moradias teriam caído 20% em termos reais, a maior queda de preços na história norte-americana do pós-guerra. Devemos concluir, com Luiz Gonzaga Belluzzo, hoje mais notório como presidente do Palmeiras do que como economista, que a “crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos é uma reprodução de crises que assolam o capitalismo desde o século XIX, a partir da criação de um sistema bancário e financeiro articulado com grandes empresas”?

Não. Esta era (é) uma crise muito maior. O problema que se iniciou com as hipotecas subprime espalhou-se por todas as obrigações colaterais, pôs em perigo as empresas municipais de seguros e resseguros, e ameaçou arrasar o mercado de swaps, trilionário. As obrigações dos bancos de investimentos em compras alavancadas se tornaram um passivo. Os hedge funds, criados para ser supostamente neutros em relação aos mercados, tiveram que ser resgatados. O mercado de commercial-papers ficou paralisado, e os instrumentos criados pelos bancos para tirar as hipotecas de seus balanços já não conseguiam mais encontrar fontes externas de financiamento (funding). O golpe final veio quando o mercado de empréstimos interbancário - núcleo do sistema financeiro – parou.

Os bancos centrais de todos os países “desenvolvidos” injetaram no sistema financeiro mundial um volume de recursos inédito, e estenderam créditos para papéis financeiros e instituições nunca socorridas anteriormente. O sistema bancário internacional começou a sentir os estertores de seu próprio fim. Os bancos de investimentos foram as primeiras vítimas da crise, já que sua principal mercadoria – os títulos negociáveis – transformaram-se, do dia para a noite, em pó. Desmoronou-se assim um castelo de cartas construído a partir do pressuposto de que um título de crédito lastreado em financiamentos sem qualquer garantia, exceto a sua própria existência, seriam capazes de salvaguardar o mundo da crise anterior gerada pelas mesmas crenças e expectativas.

Alan Greenspan, presidente do FED durante o período da euforia (de 1987 a 2006), aproveitou para candidatar-se ao Prêmio Nobel da Tatutologia, para não dizer coisa pior. Segundo Greenspan, a queda nos preços das moradias e os prejuízos bancários aconteceram porque houve deterioração na confiança da solvência das partes. "Essa confiança é fator-chave quando se vive em situação de incerteza": "As pessoas tendem a retroceder, a investir menos e, em muitos aspectos, rebaixar muito o volume de atividade dos mercados financeiros". Ou seja, quando a casa rui, seus moradores tendem... a ficarem apreensivos. Esse é o nível de quem comandara durante longo período a instituição econômica mais importante do capital (norte-americano e mundial). O estrategista-mor dos EUA, Henry Kissinger, aproveitou para teorizar: “As características comuns (das crises) são a especulação despudorada e a subestimação sistêmica do risco. A cada década o papel do capital especulador aumenta. Para este capital, o atributo essencial é a agilidade. Entrando quando enxerga uma oportunidade e procurando a porta de saída ao primeiro sinal de problema, o capital especulador transformou meras oscilações em bolhas e ciclos de desaquecimento econômico em crises”.43

A prolongada política de baixos juros, implementada pelo Banco Central dos EUA e seguida na Europa e no Japão, tornara possível a formação da bolha imobiliária e a criação dos novos mercados de crédito para financiá-la. Os juros muito baixos estimularam a tomada de empréstimos imobiliários, tendo as próprias casas como garantias. Esse aumento da procura por casas fez subir seus preços, possibilitando novos empréstimos com a mesma garantia. Essa maior procura também estimulou a construção civil e outros setores produtivos, ampliando a sobreacumulação de capitais e superprodução de mercadorias. A espiral especulativa foi estimulada com a criação de novos tipos de empréstimos (inovações financeiras),

43 Não sem acrescentar que “esses problemas são as conseqüências desagradáveis do grande sucesso. O debate sobre as deficiências do processo não devem descambar para ataques contra a sua estrutura conceitual básica, conforme tem ocorrido freqüentemente na campanha presidencial”.

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destacando-se os sem garantias adequadas pelos padrões anteriores, e o repasse dos riscos para fundos interessados em altos riscos/altos lucros, via securitização, que magnificou o contágio mundial da crise.

TAXAS DE JUROS REAIS EM DIVERSOS PAÍSES 2007-2008

Fonte: UNCTAD. The Global Economic Crisis., United Nations, 2009.

Até mesmo as instituições criadas com a finalidade de investigar as atividades desenvolvidas pelos organismos do sistema financeiro demonstraram incapacidade de compreensão dos inúmeros dados estatísticos disponíveis, cuja compreensão não era possível nem mesmo para seus próprios criadores. A expansão dos títulos subprime e derivados decuplicara de 2004 para 2007, ano em que se estima que, de todos os valores negociados nos mercados mundiais das hipotecas, apenas 10% tinham lastro real.

O tamanho da bolha atingida, no final do ano de 2007, foi de 60 trilhões de dólares, equivalente a quatro vezes o PIB norte americano, ou o valor de depósitos bancários de todo mundo, ou ainda entre 100% e 110% do PIB mundial, configurando a maior bolha especulativa da história. A partir do início de 2008, o índice Dow Jones já permitia a visualização da magnitude da queda:

A Mundialização da Crise

A queda nos preços de imóveis arrastou vários bancos para uma situação de insolvência, repercutindo fortemente sobre as bolsas de valores de todo o mundo. Como os empréstimos subprime eram dificilmente liquidáveis, isso é, não geravam nenhum fluxo de caixa para os bancos que os concediam, esses bancos arquitetaram uma estratégia de securitização desses créditos. Para diluir o risco dessas operações duvidosas os bancos americanos credores juntaram-nas aos milhares, e transformaram a massa daí resultante em derivativos negociáveis no mercado financeiro internacional, cujo valor era cinco ou mais vezes superior ao

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das dívidas originais. Assim, criaram-se títulos negociáveis cujo lastro eram esses créditos "podres", com venda e compra, em enormes quantidades, desses títulos lastreados em hipotecas subprime, que provocou o alastramento da crise para todo o mundo. Tais papéis obtiveram o aval das agências internacionais de classificação de risco (Standard & Poor's, Fitch e Moody's), que lhes deram sua chancela máxima - AAA - normalmente dada a títulos tão sólidos quanto os do Tesouro dos EUA. Com essa benevolente classificação de risco, tanto os investidores como os fundos de investimento e os bancos passaram a disputar a aquisição desses títulos, no mundo todo, e esses títulos passaram a servir como garantia para a tomada de novos empréstimos bilionários, alavancados na base de 20 para 1. A partir de julho de 2007, a crise do crédito hipotecário provocou uma crise geral no sistema financeiro e falta de liquidez bancária, ou seja, falta de dinheiro disponível para saque imediato pelos correntistas dos bancos.

Mesmo os bancos que não trabalhavam com os chamados "créditos podres" foram atingidos. O banco britânico Northern Rock, por exemplo, não tinha hipoteca-lixo em seus livros, mas adotava uma estratégia arriscada - tomar dinheiro emprestado a curto prazo (a cada três meses) às instituições financeiras, para emprestá-lo a longo prazo (em média, vinte anos), aos compradores de imóveis. Repentinamente, as instituições financeiras deixaram de emprestar dinheiro ao Northern Rock, que, assim, no início de 2007, acabou por se tornar o primeiro banco britânico a sofrer intervenção governamental desde 1860. Na seqüência, os bancos centrais foram conduzidos a injetar liquidez no mercado interbancário, tentando evitar o “efeito dominó”, com a quebra de outros bancos. Os principais bancos centrais do planeta, o BCE, o Federal Reserve americano e o Banco do Japão, além de entidades da Austrália, Canadá e Rússia, intervieram e liberaram bilhões de dólares em recursos aos bancos.

Em agosto de 2007, o BCE investiu 95 bilhões de euros no setor bancário, para melhorar a liquidez. Em seguida, mais 108,7 bilhões de euros foram investidos. O Federal Reserve dos EUA cortou pela metade a taxa de juros para empréstimos a bancos, para 5,75%. Em setembro, o FED cortou os juros básicos nos EUA em 0,5%, depois de 4 anos sem mexer na taxa. A decisão pretendia estimular novos pedidos de empréstimos e conter parte da retração no crédito. Antes disso, porém, o FED, o BCE e o Banco do Japão despejaram juntos quase 500 bilhões de dólares no mercado, para socorrer bancos e conter a escassez de dinheiro, a maior cifra do gênero na história. Diante da persistência da crise, as medidas não tiveram efeito. O FED voltou a reduzir os juros em meados de janeiro de 2008. Desta vez, o corte foi de 0,75% - o maior desde outubro de 1984. O novo titular do Federal Reserve, Ben Bernanke, aprovou uma restituição a contribuintes com renda até 75 mil dólares anuais e um subsídio aos isentos.

Nos jornais de negócios, os fundos estatais da China, dos Emirados Árabes e dos Tigres Asiáticos, antes pintados como conspiradores contra o livre mercado e a segurança do Ocidente, viraram cavaleiros prontos a salvar os grandes bancos privados, incapazes de administrar seus próprios riscos.44 O presidente George W. Bush finalmente anunciou, no início de 2008, as linhas gerais de um pacote para “salvar” a economia americana. O plano, de 140 bilhões de dólares, equivalia a combater o câncer com aspirina. Ignorava a própria lógica da crise: não era que a crise financeira tivesse contaminado o chamado “lado real” da economia (o industrial e comercial). Este já estava integralmente inserido na lógica do capitalismo contemporâneo, a do parasitismo financeiro.

A crise se tornou geral para todo o capital, e também mundial, em maior grau para as economias que mais se acoplaram a essa lógica, em primeiro lugar os EUA. Nos nove primeiros meses de 2008, os principais

44 “Será o caso de aceitar que os comunistas ou os terroristas se tornem proprietários dos bancos?”, indagou Jim Cramer, analista especializado em notícias financeiras: “Pode ser qualquer um, contanto que solucione o problema, porque nós estamos desesperados”. A entrada quase simultânea de fundos soberanos – fundos governamentais, quase sempre originários de países classificados como emergentes, cujo poder de fogo financeiro é estimado em cerca de US$ 3 trilhões – no capital de grupos financeiros foi bem recebida pelos bancos, que não se cansavam de glorificar as vantagens que proporcionavam investidores “maciços, passivos e pacientes” da Ásia e do Oriente Médio. Antes da crise, a maior parte desses fundos não era bem-vinda. Entre 2005 e 2006, anulou-se a compra da petrolífera Unocal, pelos chineses; e a de seis portos norte americanos, por Dubai. Mas, em maio de 2007, o regime de Beijing tornou-se proprietário, por US$ 3 bilhões, de 10% do fundo de investimentos Blackstone. A 29 de setembro, o fundo soberano CIC (China Investment Corporation) resolveu “salvar” o banco de negócios Morgan Stanley, injetando nele US$ 10 bilhões. Os fundos soberanos aceitaram submeter-se a certas restrições: nenhuma representação nos conselhos de administração; proibição de ultrapassarem certos limites (10%, por exemplo), além dos quais os reguladores passariam a ter direito a exercer um controle. Valendo-se de suas gigantescas reservas de câmbio (cerca de US$ 1,5 trilhão) China já ameaçou lançar mão da “arma nuclear financeira” que esse dinheiro representa

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índices das Bolsas perderam mais de 25%. Em 17 de fevereiro desse ano, o ministro das finanças britânico anunciou a nacionalização do banco Northern Rock. Em maio-junho, o Banco UBS (Suíça), um dos mais afetados, lançou ações no valor de US$ 15,5 bilhões para cobrir parte de suas perdas. A 19 de junho, o FBI prendeu 406 pessoas, incluindo corretores e empreiteiros, como parte de uma operação contra supostas fraudes em financiamentos habitacionais. Em setembro, finalmente, o tradicional banco de investimentos Lehman Brothers, com mais de 150 anos de existência e um dos pilares financeiros de Wall Street, o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, registrou perdas de US$ 3,9 bilhões nos três meses anteriores a agosto, e anunciou processo de concordata após não achar comprador.

NÍVEL DE ATIVIDADE (LEADING INDICATORS) NA ZONA DO EURO, ESTADOS UNIDOS E CHINA

A crise se alastrou pelo setor bancário europeu com a nacionalização parcial do grupo belga Fortis, para garantir sua sobrevivência. O Federal Reserve, então, anunciou um pacote de socorro de US$ 85 bilhões para evitar a falência da seguradora AIG, a maior do país: o governo assumiria o controle de quase 80% das ações da empresa e o gerenciamento dos negócios, e injetou 85 bilhões de dólares: “O governo recebeu telefonemas dos principais centros financeiros mundiais: Tóquio, Frankfurt, Paris, Londres. E todos dizendo o mesmo: 'vocês estão loucos? A AIG está envolvida até o pescoço em negócios internacionais. Se vocês deixarem que ela vá à falência, o caos se instalará pelo mundo”, informou Arthur Cashin, corretor em Wall Street. Somente a ajuda estatal para salvar a AIG custou, até meados de 2008, 182 bilhões de dólares ao governo norte-americano. Logo depois, o outro gigante do setor de hipotecas dos Estados Unidos, o Washington Mutual, foi fechado por agências reguladoras e vendido para seu adversário, o Citigroup. O Lehman Brothers fora “sacrificado” para salvar o maior grupo financeiro mundial, exatamente o Citigroup, que comprou também o Wachovia, quarto maior banco americano, em um acordo de resgate com apoio das autoridades norte-americanas: o Citigroup absorveria “até” US$ 42 bilhões dos prejuízos do Wachovia (o restante, de montante indeterminado, mas alto, seria absorvido pelo Estado, isto é, pelo contribuinte).

Ainda assim, a crise se agravou no início de outubro com quedas de quase 10% em vários mercados mundiais. Nouriel Roubini estimou que os prejuízos das instituições financeiras norte-americanas aproximavam-se de US$ 3,6 trilhões, atingindo metade dos bancos e corretoras dos EUA. Isso implicava a insolvência total do sistema bancário, porque este começava a funcionar com um capital de US$ 1,4 trilhão. Quando a chamada economia da produção (ou “real”) vai bem, e acompanhada de valorização financeira dos ativos (ações nas bolsas de valores, imóveis) cabe ao Estado não atrapalhar. Quando começam as desvalorizações e crises econômicas, o Estado é convocado pelos “mercados” para tomar providências destinadas a evitar o "pior" (para o capital): as perdas patrimoniais privadas. Mas o desenrolar da crise provaria que o Estado, em primeiro lugar a dívida pública, não era a solução, mas parte, e finalmente o centro, do problema. A crise das bolsas apenas refletia a crise de superprodução na economia mundial, e a expansão do volume de capital fictício, com US$ 144 trilhões aplicados em ativos financeiros em todo o mundo, entre duas e três vezes o PIB mundial. Só até 2008, nos EUA, mais de 1 milhão de residências foram leiloadas.

As medidas contra a crise foram tomadas em separado pelos governos implicados. A 29 de setembro de 2007, a Câmara de Representantes dos EUA rejeitou o pacote de medidas de ajuda governamental ao setor financeiro, por 228 votos contra e 205 a favor. O pacote (“Plano Paulson”, de Henry Paulson, secretário do Tesouro americano) previa a liberação de recursos do Tesouro, de até US$ 700 bilhões, para a compra de

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títulos podres de crédito hipotecário. O governo ficaria com ações das instituições socorridas.45 O mega-pacote transferia para o FED (governo federal) o controle das instituições financeiras regulamentadas pelos Estados onde estavam localizadas, o que deveria ter importantes consequências políticas para os EUA. Paulson justificou: "Nossa estrutura reguladora atual não foi estabelecida para lidar com o sistema financeiro moderno". Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França e Islândia, do seu lado, anunciaram a nacionalização de vários bancos. Os governos de Irlanda e Dinamarca agiram garantindo depósitos e créditos e intermediando fusões e vendas de instituições. Esse tipo de nacionalização parcial temporária, chamado de "injeção de equity", era a solução defendida por vários economistas. Era também a solução preferida de Ben Bernanke, o novo presidente do FED.

O plano de Bernanke-Paulson foi repudiado por resgatar com fundos públicos os banqueiros. E o pacote de US$ 700 bilhões de Bush virou café pequeno perto do que os capitalistas europeus anunciaram. Inglaterra, 1,3 trilhão de dólares; com isso, Gordon Brown, seu primeiro-ministro, transformou-se no grande herói dos capitalistas em todo o mundo. A Alemanha de Angela Merkel, 850 bilhões. França, quase 500 bilhões. Holanda, mais de 270 bilhões. No fim da fila, o Estado português que não conseguiu liberar mais do que 20 bilhões de euros (27 bilhões de dólares) para os banqueiros lusitanos. Os recursos dos mega-pacotes foram desviados dos Tesouros nacionais para estatização de fatias enormes de bancos e financeiras. Os EUA de Bush, seguindo o modelo de Gordon Brown, anunciaram a liberação de US$ 250 bilhões para a “estatização” de uma fatia dos grandes bancos de Wall Street. O plano americano permitiu evitar a queda do banco de investimentos Morgan Stanley, que finalmente foi adquirido a preço de banana pelo grupo japonês Mitsubishi UFJ Financial Group.

Logo após a Câmara dos EUA ter rejeitado a proposta de socorro ao setor financeiro, em 29 de setembro, a Bolsa de Valores de São Paulo, a terceira maior do mundo em valor de mercado, chegou a cair 10,16% (a 45.622,61 pontos) e teve suas operações interrompidas (circuit break). Os bancos centrais dos EUA, Europa e Japão emprestaram em ação concertada US$ 395 bilhões aos seus bancos em apenas três dias, 9, 10 e 13 de agosto de 2007. A continuidade desses “empréstimos de liquidez” fez aquela enorme cifra quase multiplicar-se por dez, se aproximando de US$ 3,5 trilhões, aproximadamente 25% do PIB dos EUA. Se considerarmos em relação ao total de créditos imobiliários subprime dos EUA, estimado em US$ 2 trilhões, esses empréstimos já corresponderiam quase ao dobro de todo o estoque.

Como em toda crise, estava em curso um processo de reconcentração do capital, em escala mundial, pondo suas esperanças numa recuperação baseada na China, também afetada pela crise, o que levou ao pacote chinês de 4 trilhões de yuanes (586 bilhões de dólares). Paulson declarou: «Os EUA têm interesse em que a China permaneça próspera e estável, queremos que a China se transforme em co-responsável do sistema internacional». O capital apelava para o “salva-vidas chinês”, comandado pelo... Partido Comunista. Os preços das ações chinesas vinham batendo recordes até outubro de 2007. Entre outubro de 2006 e outubro de 2007, auge do ciclo, as ações em Xangai e em Shenzen subiram aproximadamente 200%. Mas, quando começaram a cair, não se recuperaram mais. As duas sofreram uma pesada desvalorização, que se acelerou em 2008, quando foi queimado aproximadamente um terço do capital cotado nas duas bolsas.

O governo chinês decidiu esfriar o motor do investimento e até mesmo, em alguns setores (imobiliário, siderúrgico e automobilístico), proibir quaisquer novos investimentos. No entanto, apesar dessas medidas , teve dificuldades para frear os gastos no imobiliário, nas infra-estruturas rodoviárias e nas construções de outras fábricas. Essa situação se deveu, em parte, às províncias e aos industriais locais. As províncias buscam afirmar sua autonomia frente ao poder central, encorajando a implantação de indústrias locais, e os industriais locais tentam se aproveitar da euforia geral. A desvalorização do capital na China e demais “economias de baixo custo” da Ásia poderia ser rapidamente interrompida pelos seus capitalistas sem alimentar a espoleta da crise planetária? Isso era praticamente impossível. Eles também queriam adotar medidas regulatórias para o mercado de derivativos.

45 O plano também contemplava a criação de uma super agência encarregada da conduta empresarial e da proteção dos consumidores, a qual realizaria muitas das funções da atual Comissão de Valores e Câmbio.O plano também eliminaria o caráter federal das poupanças, desdobrando a Agência de Supervisão de Instituições de Poupança - Office of Thrift Supervision - ao órgão regulador bancário nacional, a Autoridade Controladora da Moeda. O projeto previa ainda a criação de uma Comissão Federal de Originação Hipotecária para estabelecer padrões mínimos recomendados para corretores de hipotecas.

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A ISDA (Associação Internacional de Trocas e Derivativos) disse que ninguém conhecia o valor exato de derivativos voando pelo mercado mundial que, na maioria dos casos, são contratos privados (“de gaveta”) entre duas partes. Um exemplo da controvérsia são as estatísticas divulgadas pela ISDA e pelo BIS (Banco para Compensações Internacionais), organização internacional que centraliza dados financeiros mundiais para todos os bancos centrais. Nas tabelas do ISDA, o valor de contratos derivativos era de US$ 454,5 trilhões. Já nas estatísticas do BIS, o valor era de US$ 596 trilhões. Como seja, o PIB mundial, nas maiores estimativas, não ultrapassava US$ 60 trilhões!

TAXA DE LUCRO DAS CORPORAÇÕES FINANCEIRAS E NÃO FINANCEIRAS (%) 1981-2006

Fonte: G. Sottile. Declino economico e crash finanziario

Em abril de 2008 se contabilizava que, desde o início da crise, em agosto de 2007, os bancos tinham perdido US$ 200 bilhões. O Merrill Lynch registrara prejuízo de US$ 24 bilhões. O prejuízo maior viera do maior banco, o Citigroup, que registrou uma perda trimestral de US$ 5,11 bilhões (contra um lucro de US$ 5 bilhões no trimestre equivalente do ano precedente), o segundo prejuízo consecutivo do banco (o Citigroup era o banco norte-americano que mais perdera com a crise, US$ 35 bilhões). Na Europa, o banco Union des Banques Suisses (UBS), apresentou a maior de todas as perdas, US$ 37,4 bilhões. O Bank of America, o mais importante banco comercial dos Estados Unidos, apresentou perda no lucro em 77% no primeiro trimestre de 2008. Outros bancos importantes como o JP Morgan, Goldman Sachs etc. também apresentaram perdas, superiores a 50% do lucro registrado anteriormente. O Crédit Suisse e o Deutsche Bank anunciaram também que estavam sofrendo depreciações maciças de seus haveres. Sem falar nas demissões em massas dos trabalhadores (Citgroup, 9.000 demissões. depois de 4.200 no primeiro trimestre; Merrill Lynch, 4.000; a empresa de energia AT & T, 4.600 trabalhadores).

Em agosto e setembro de 2008, o alcance da crise chegou ao auge, com a estatização dos gigantes do mercado de empréstimos pessoais e hipotecas - a Federal National Mortgage Association (FNMA), conhecida como "Fannie Mae", e a Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), apelidada de "Freddie Mac" - que estavam quebradas (as hipotecas em seu poder valiam menos que as dívidas acumuladas para financiá-las). Fannie e Freddie são bancos privados, embora criados mediante lei, ou seja, bancados pelo Estado. Por isso, acumularam uma dívida de US$ 5,5 trilhões (nada menos que metade do mercado hipotecário norte-americano, e um trilhão superior à divida do próprio Tesouro dos EUA), com um capital que não ultrapassava... US$ 70 bilhões (1,5% de seu balanço). Falidas, o valor de suas ações despencou 90% em um ano. Mas suas hipotecas não eram junk, ao contrário, eram as mais solventes do mercado. E não era só um problema dos EUA: grande parte da dívida dessas financeiras se encontrava fora do país, no Japão e na China, uma soma de US$ 1,3 trilhões, ou seja, um percentual enorme do superávit comercial dos colossos asiáticos. Disse Martin Wolf, do Financial Times: “Os gastos desse segmento (hipotecário) vêm superando sua renda há mais de uma década. Esses gastos foram a contraparte individual mais importante do persistente superávit dos EUA na conta de capital (ou de seu déficit em conta corrente)”. A “crise dos EUA” foi, portanto, mundial desde o início. Com uma dívida superior à do próprio país, as “gêmeas” se tornaram não-resgatáveis, pondo em risco a qualificação da dívida pública dos EUA (AAA), isto é, sua condição de refúgio universal del capital mundial.

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Logo em seguida, veio o pedido de concordata do Lehman Brothers, e a venda, ao Bank of America, da corretora Merrill Lynch, uma das maiores do mundo. A cascata de falências e quebras de instituições financeiras provocou a maior queda do índice Dow Jones e de bolsas de valores internacionais desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Em 16 de setembro, o Lehman Brothers fechou um acordo para vender partes do banco ao britânico Barclays. No mesmo dia, as ações da American International Group Inc. (AIG), a maior empresa seguradora dos Estados Unidos, caíram 60% na abertura do mercado. Ao longo do dia, o Federal Reserve tentou convencer os bancos JPMorgan e Goldman Sachs a conceder um crédito de emergência de US$ 75 bilhões para ajudar a AIG. Enquanto isso, a Moody's e a Standard & Poor's rebaixavam a classificação dos créditos da empresa, em razão das expectativas de novos prejuízos na área de seguros de hipotecas.

O governo norteamericano não tinha mais alternativa do que nacionalizar Fannie e Freddie, mas a operação de resgate produziu novos problemas. Os fundos gastos para essa operação (ao redor de US$ 200/300 bilhões) impediram sua repetição com outras instituições financeiras com problemas, como o gigantesco banco de inversão Lehman Brothers, que se deixou colapsar. A quebra do Lehman Brothers se transformou no canalizador de uma avalanche de quebras, uma intensificação da contração do crédito global, e do pânico em todo o mundo. Em coincidência, a venda forçada do Merrill Lynch, no fim de semana de 13/14 de setembro de 2008, seguida pelo resgate de último minuto da companhia de seguros AIG por parte do FED, demonstrou que a catástrofe financeira global não havia finalizado. Em seis meses, fora desmantelado todo o quadro dos bancos de inversão de Wall Street: Bearn Stern, Lehman Brothers, e até Goldman Sachs e o Morgan Stanley, que tiveram que ser reclassificados e postos sob a autoridade do FED. Seguiu-se uma série de dramáticas intervenções do Estado, tanto nos EUA como na Europa, que superaram tudo o que se sucedera depois da explosão da crise em 2007.

O FED norteamericano e outros bancos centrais seguiram uma política monetária expansiva de redução das taxas de juros; foram introduzidos estímulos fiscais, cortes impositivos que favoreciam aos ricos com problemas, mas a espiral da crise mundial continuou aprofundando-se, ameaçando todo o sistema. Depois do descalabro do Lehman Brothers, o plano Paulson de US$ 700 bilhões fora introduzido para comprar os "ativos tóxicos" e aliviar ao sistema financeiro: dessa soma, 250 bilhões foram redirigidos pelo governo Bush para recapitalizar e nacionalizar parcialmente os nove bancos mais fortes do país. O plano atacava como principal problema a liquidez, quando o verdadeiro núcleo do problema era a insolvência. A "securitização" disseminara globalmente os riscos e ofuscara os perigos de quebra, destruindo qualquer qualificação creditícia e congelando as linhas de crédito. A carteira de empréstimos dos bancos estava “sobre-estendida”, às vezes 60 vezes mais que seus ativos, candidatos à quebra. O plano outorgou algum alívio temporário a Wall Street enquanto o contribuinte pagava a conta. Transferiu outra parte da enorme dívida privada à dívida pública dos já sobre-endividados EUA. Com o crescimento do seu déficit, crescia a necessidade de inversores estrangeiros para financiá-lo, e a qualificação creditícia dos EUA se deteriorou. A relação da dívida total dos EUA com o PIB, que era de 163% em 1980, de 240% em 1990, saltou para 346% em 2007. Agravou-se enormemente com os acontecimentos de 2007/08, incluindo a soma de US$ 5 trilhões de passivos do Fannie e Freddie e os 700 bilhões do plano Paulson. No final de 2009 os países ricos atingiram um déficit em seu orçamento equivalente a 10% de seus PIB. A bolha estourara plenamente, mas não era o fim da estória.

A crise estourou nos EUA como poderia ter rebentado na Europa, uma vez que a regulamentação em ambos lados do Atlântico era quase nula. No mundo financeiro tudo se baseia em expectativas, ou melhor, numa cadeia de expectativas e de confiança, que estava quebrada. O financiamento “irracional” do consumo fora uma das vias para o capital escapar da grave crise de superprodução presente desde a década de 1970. Acreditava-se que as “bolhas” criadas poderiam explodir “em suaves prestações”, fazendo com que o capital achasse, no final do percurso, um novo patamar “sadio” para seu processo de acumulação e reprodução ampliada. O mercado de derivativos se expandira de 100 a 516 trilhões de dólares entre 2002 e 2007, segundo a estimação do BIS, e até 585 trilhões segundo outras estimativas. Com o estouro dessa gigantesca bolha, os bancos nos EUA perderam 66% de seu valor, em um ano. General Motors, 90% de seu valor; General Electric, 50%; Tenaris, 70%... em quatro meses. Ficaram nessa situação em conseqüência da queda de sua expectativa de benefícios, por um lado, e de seu endividamento extraordinário, pelo outro.

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Houve uma reação em cadeia no mercado internacional: em ação imediata e pouco coordenada (para dizer o mínimo), os bancos centrais dos EUA, Japão e UE despejaram bilhões de dólares para atenuar o movimento dos especuladores e retirar dinheiro de aplicações inseguras – como nos países periféricos. O governo britânico introduziu o plano de Gordon Brown para quase nacionalizar oito grandes bancos. Juntos, a Grã-Bretanha, Alemanha e França anunciaram em 13 de outubro mais de US$ 222 bilhões de nova liquidez para os bancos e cerca de US$ 1 trilhão em garantias de empréstimos interbancários. Mas essa ação foi limitada. A sintonia das grandes potências era frágil e o máximo que os bancos centrais podiam fazer era estender no tempo a ocorrência de uma crise maior. Os cortes de taxas de juros por parte do FED, duas vezes em outubro de 2008 (e movimentos similares do BCE, do Banco de Inglaterra, do Banco do Japão e de outros bancos centrais da Ásia) poderiam ter um efeito efêmero nos voláteis mercados acionários, mas eram incapazes de reverter a contração da economia mundial. Estava encerrado o ciclo da economia do endividamento, que alimentou a superação da crise pós-1970. A queda das bolsas afetara o mundo todo desde o início da crise supostamente “americana”,46: na Índia, os preços das ações caíram 31% em Mumbai; no Japão a queda foi de 31%, e no Vietnã, “economia em expansão”, a desvalorização foi de 53% (em Mumbai, investidores irados queimaram o retrato de um regulamentador de securities):

BOLSAS/Índices Outubro 2007/ Maio 2008

Janeiro 2008/ Maio 2008

Nova York – Down Jones (-) 8.5 % (-) 3.3 %

Frankfurt – DAX (-) 10.9 % (-) 12.0 %

Tókio – Nikkei (-) 20.0 % (-) 9.0 %

Xangai – SH COMP. (-) 38.5 % (-) 33.0 %

Shenzen – SZ COMP. (-) 29.0 % (-) 32.0 %

Fonte: Bloomberg

A crise atingiu todo o planeta, com a queda brutal da bolsa e da moeda na Turquia, a crise da Hungria, a renovada crise da Indonésia e a suspensão das operações da bolsa da Índia (um dos países “estrela” da globalização) depois de uma queda de dez pontos em seus índices. Um Estado após outro se somou à lista de países em default: Islândia, Hungria, Ucrânia, Bielorrússia, Cazaquistão, Romênia, Bulgária, Paquistão, Indonésia, Filipinas. Um após outro lançaram chamados desesperados ao FMI. O FMI respondeu aos chamados de Hungria e Ucrânia, mas sua munição era muito limitada: aproximadamente 250 bilhões de dólares. Não podia jogar o papel de salvador, só exacerbaria os problemas sociais e políticos ao impor suas conhecidas condições draconianas aos países que recebem suas "ajudas".47

A crise no mercado dos créditos imobiliários dos EUA, absolutamente inchado, foi a mais anunciada da história. Contraiam-se créditos e mais créditos, em uma ciranda financeira na qual muitas vezes o valor a ser pago superava em até oito vezes o custo do imóvel financiado. Mas o que não se esperava é que a crise tomasse a dimensão que tomou, ameaçando uma bancarrota geral. A crise deflagrou uma guerra de moedas, uma tendência para uma desvalorização brutal do dólar e para uma queda do comércio mundial. A reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2008, em Hong Kong, terminou em praticamente nada, uma promessa de reduzir os subsídios agrícolas pagos pelos governos dos Estados Unidos e da Europa a partir de 2013.

46 As perdas em Xangai foram espetaculares. A engenheira Si Dansu declarou: "Dediquei a minha vida inteira ao país. Após me formar fui para o interior, e trabalhei como engenheira em uma fábrica de Xangai até me aposentar. Investi quase toda a minha poupança e fundos de aposentadoria no mercado dez anos atrás. Mas agora estou sem um centavo. Todas as minhas ações despencaram". Entre 15% e 20% dos lucros anunciados na “era dourada” por companhias que ofereciam ações ao público em Xangai e que não estavam envolvidas com o setor bancário ou financeiro, originaram-se dos ganhos com o comércio de ações, ou seja, ninguém estava a salvo. Ping Na, companhia estatal que colocou as suas ações à venda em 2006, a preços que dispararam até US$ 144 em Xangai, depois viu as cotações despencarem até US$ 50. Muitos vinham apostando que o governo não permitiria que o mercado de ações entrasse em colapso antes das Olimpíadas de Pequim. Demorou dois anos para que se passasse de 1.000 para 6.000 pontos, mas só dois meses para que houvesse uma queda de 6.000 para 3.500. 47 A declaração de default de Hungria foi adiada graças um pacote de resgate de urgência do FMI, o BCE e o Banco Mundial, de 25 bilhões de dólares. Itália, por sua vez, é a quarta economia da Europa, arcando com o peso da terceira maior dívida pública do mundo, um trilhão de dólares, ultrapassando a França: somada ao grande déficit fiscal e a gastos governamentais que chegam a quase 50% do PIB, (e em que pese uma das arrecadações por impostos mais altas do mundo, 43% do PIB), elas tornaram impossível que o governo italiano pudesse proporcionar resgate aos gigantes italianos Intesa e Unicredit, muito expostos na Europa central e nos Bálcãs.

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Em um sistema em que tudo estava em queda, se mantinham gigantescos subsídios, financiando produtores agrícolas dos países ricos, um índice de guerra comercial, que passava para o sistema monetário, por meio das desvalorizações para a disputa dos mercados em situação de recessão. A previsão do crescimento da economia mundial de 5% foi revisada para baixo, com uma contração geral do mercado. A bolha imobiliária dos EUA era o elo mais fraco do circuito especulativo internacional, mas a crise era geral (ou seja, também da “economia real”).

A produção de máquinas nos EUA já caira 5,7% no 4º trimestre de 2007, e 2,8% no 1º trimestre de 2008. Acompanhando os ramos produtores de máquinas, a totalidade das manufaturas dos EUA – soma dos ramos produtores de bens duráveis e de bens não-duráveis – caiu em dois trimestres consecutivos: queda de 0,4%

no 4º trimestre de 2007 e de 0,3% no 1º trimestre de 2008. O relatório da OCDE apontava, pela primeira vez, uma reversão (downturn) também para Alemanha e China.

Os Limites da Resposta dos Estados Capitalistas

Era o fim de um ciclo histórico de mais de 30 anos, com o qual se saira da crise do petróleo e de liquidez internacional, por meio da especulação financeira. Naquele momento se criou o mercado dos petrodólares e, a partir daí, a especulação financeira internacional cresceu até atingir a cifra de 500-600 trilhões de dólares, de derivativos e outros tipos de títulos. O número de instrumentos financeiros, criados dentro do processo de inovações financeiras, que caracterizou esta fase, é vasto, encabeçado pelos derivativos financeiros e os bônus corporativos, instrumentos que jogaram papel central no estouro da crise.

Essa saída mostrara seu limite histórico. Para o analista de negócios Greg Wood, um possível fracasso na operação para salvar a AIG seria duas vezes pior do que a quebra do Lehman Brothers. No entanto, a AIG conseguiria rapidamente a proteção necessária para evitar a falência. Em troca, o governo norte-americano passou a deter 79,9% de participação no controle acionário do grupo, e o gerenciamento de seus negócios, estatizando-o, ainda que, em teoria, temporariamente. Posteriormente, um segundo pacote de ajuda financeira governamental no valor de US$ 37,8 bilhões se fez necessário. A crise apontava para a estatização temporária do sistema bancário, especialmente nos EUA e na Inglaterra.

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No Brasil, cogitou-se que o Banco Itaú viesse a absorver a filial brasileira da Merrill Lynch, e que o Unibanco pudesse vir a aumentar a sua participação na filial brasileira da AIG. Os empresários reivindicaram fundos do Estado para sair de seu estado de bancarrota, mas nenhum Estado do planeta tinha (nem tem) os meios financeiros para salvar o capital em seu conjunto. O governo dos EUA comprometeu trilhões de dólares para assistir a seus grupos mais poderosos, dinheiro tirado também dos gastos sociais, que obrigaria a um endividamento maior do Estado. O círculo da crise do capital fechar-se-ia na falência financeira do Estado.

As instituições financeiras seriam taxadas se o governo tivesse perdas por mais de cinco anos após a operação de bailout. Posteriormente, foram introduzidas algumas modificações no pacote de socorro aos bancos, de modo a atenuar seu aspecto de presente a “executivos inescrupulosos”. O custo total foi ampliado de US$ 700 bilhões para US$ 850 bilhões, dos quais até US$ 700 bilhões seriam usados para comprar títulos podres, conforme o projeto original. Outros US$ 150 bilhões foram acrescentados pelo Senado, na forma de cortes de impostos e incentivos fiscais. Após campanha de pressão, que envolveu o presidente Bush, o secretário Paulson, e o novo presidente do Federal Reserve, Bernanke, além dos candidatos à Presidência dos EUA, Barack Obama (Partido Democrata) e John McCain (Partido Republicano), o Senado dos EUA aprovou o projeto, em 1º de outubro de 2007, por 74 votos a favor e 25 contra. O pacote voltou à Câmara, para ser votado novamente, sendo aprovado e sancionado pelo presidente. A política econômica do futuro governo (o de Obama) já estava fechada: os eleitores foram chamados a sancioná-la, em 2008, votando em qualquer um.

O Wall Street Journal afirmou que o pacote não resolveria o problema fundamental da crise do setor imobiliário: o preço dos imóveis continuaria caindo, pois os principais sustentáculos do crescimento da economia - gastos dos consumidores, empresas e governo, e as exportações - continuavam se esfarelando. A demanda externa por bens americanos, que ajudou o setor industrial a evitar uma desaceleração mais profunda, devia secar à medida que as maiores economias mundiais entrassem em recessão, e nações como China e Índia perdessem o fôlego. Na melhor das hipóteses, os analistas esperavam um aumento da taxa de desemprego nos EUA, de 6,1% para 8%.

A vitória eleitoral de Barack Obama expressou a necessidade, tanto dos governantes, como dos governados, de superar a situação insuportável herdada dos anos do governo de Bush: deterioração das condições de vida, crescimento do desemprego, dívida pública, corporativa e dos consumidores, em crescimento imparável, déficits gigantescos, recessão e catástrofe financeira, junto com um impasse, igualmente catastrófico na "guerra contra o terrorismo" no Oriente Médio e Ásia Central e do Sul. O primeiro "Programa Obama" de enfrentamento da crise, divulgado em fevereiro de 2009, não encarou o problema de que a grande maioria dos bancos e instituições financeiras norte-americanas estavam insolventes, não pondo medidas para a retomada do crédito aos consumidores e às empresas, em vez disso injetando capital adicional e comprando ativos "podres" (com pelo menos US$ 1 trilhão para essa tarefa). No âmbito do estímulo à demanda agregada, foi anunciado um programa de US$ 838 bilhões de gastos com infraestrutura, programas de transferência de renda, auxílios a governos estaduais e locais, cortes de impostos etc. O governo deixou em aberto muitos pontos, revelando que a disputa pela fatura da crise continuava aberta entre as diversas frações do capital (e sob a potencial ameaça dos principais afetados, os trabalhadores).

Revelou-se novamente a tendência deflacionária, em virtude da derrubada do crédito: pela primeira vez em 40 anos a criação de crédito foi negativa nos EUA. Isto exatamente quando os bancos centrais abriam quase sem limites as torneiras da emissão monetária para resgatar os bancos falidos, mostrando que o dinheiro não refluia sobre o comércio e a produção: “resgate” do capital não é sinônimo de recuperação econômica. O aumento do preço e dos contratos no mercado do petróleo, que funcionou momentaneamente como reserva de valor, implicava a possibilidade de uma derrubada planetária da atividade econômica. E os balanços de General Motors e General Electric, as duas maiores empresas industriais, mostravam que essa era uma possibilidade iminente. A General Motors e a Chrysler precisaram de mais de US$ 17 bilhões para continuar em operação e evitar milhares de mais demissões em empregos diretos e indiretos.

O desemprego aumentou consideravelmente: em 2008, nos EUA, a taxa de desemprego oficial foi de 7,2% - a pior desde 1993. Além disso, Espanha se uniu às nações que enfrentavam quebras de imobiliárias e bancos, assim como Inglaterra e Irlanda, com Itália, Alemanha e França enfrentando índices de recessão. Na

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Europa, começaram também a ocorrer reações operárias. Um dia de paralisação nacional aconteceu na Bélgica. Os operários da Renault na França receberam o presidente Nicolas Sarkozy, que visitava a empresa, com um dia de greve em protesto contra os planos de demissão. Em divesas empresas francesas, os trabalhadores recorreram ao sequestro (ou “retenção”) de seus executivos, diante das demissões. A luta mais espetacular foi na Grécia, onde o assassinato de um jovem estudante deflagrou manifestações enormes, que enfrentaram a polícia e o exército nas principais cidades do país. A perplexidade inicial cedia seu lugar à reação e à luta.

As exportações “periféricas” - que dependem de fontes externas de financiamento - tenderam a sofrer imediatamente os efeitos da redução da oferta internacional de crédito. Além disso, a queda da demanda nos EUA afetou as exportações - do Brasil e da América Latina, e também em outros países, como a China que, sendo grande exportadora para os EUA, tendeu a experimentar uma desaceleração no seu crescimento. De imediato, esperava-se que a taxa de crescimento do PIB chinês caísse cerca de 1%, mas essa queda foi bem maior, chegando a 4%, embora mantendo a taxa alta (mais de 6% ao ano) comparada com os países centrais. O governo chinês fixou uma meta de crescimento de 8% anual. Mas, no primeiro trimestre de 2009, a economia chinesa sofreu uma queda brusca nas suas exportações, e o PIB cresceu à menor taxa dos últimos dez anos: 6,1% em relação ao primeiro trimestre de 2008. No trimestre anterior, o país crescera 6,8%, em comparação com o mesmo período, no ano anterior. Estes números indicavam que seria difícil cumprir a meta de crescimento.

Desde 2006, China crescera a aproximadamente 10% ao ano.48 Em meados de 2008, o Wall Street Journal soou o alarme: “A economia chinesa está finalmente perdendo o furor. Os investimentos em fábricas e infra-estrutura, há muito o principal motor do crescimento do país, começaram a enfraquecer. Está mais difícil conseguir financiamento. As construtoras sentem os efeitos dos limites ao crédito imposto pelo governo no final de 2007. Algumas empresas, apertadas pela alta de preço das matérias primas, estão divulgando lucro menor, o que as deixa com menos capacidade de expansão. Levando-se em consideração a alta de custos, o investimento cresceu 18% ou menos este ano, depois de ficar entre 23% e 25% maior na maior parte do ano passado. A pesquisa anual com indústrias concluiu que os lucros no primeiro bimestre de 2008 subiram 16,5% em relação há um ano; mas em 2007 esse percentual chegou a 36,7%. Entre empresas de capital aberto, tanto na indústria pesada quanto na leve, mesmo as de bom desempenho agora estão sofrendo”.

A preocupação das autoridades norte-americanas consistiu em comprar ativos ilíquidos do sistema financeiro, privatizando os lucros e socializando as perdas. O secretário do Tesouro Paulson chegou a ser chamado de “socialista”. Outros acusaram seu pacote de não tratar do problema da brutal descapitalização sofrida pelas instituições financeiras. Estas, depois de haverem visto cerca de 16 trilhões de dólares dos recursos de seus clientes serem torrados na fogueira das bolhas especulativas, estavam sem condições de ofertar o crédito que a economia (capitalista) necessita para funcionar. As estatizações capitalistas visam salvar o capital do próprio capital, nas costas dos trabalhadores, através de demissões, congelamento de salários, da miséria em todas as suas formas.

A restauração das clássicas crises catastróficas (só que agora com um potencial de destruição mil vezes maior) não poderia ser completa sem a presença do desabastecimento e da elevação a nível proibitivo para a maioria das pessoas dos preços dos alimentos de base, a crise alimentar de 2007-2009, filha do deslocamento da especulação financeira dos setores falidos para setores “novos”:49 o número de pessoas que passam fome no mundo cresceu, em 2009, em mais 40 milhões; desde 2007, em mais 150 milhões,

segundo a ONU,50 com 1 bilhão de pessoas, 15% da humanidade, morando em favelas em todo o mundo,

48 A magnitude da desaceleração dos países exportadores de commodities dependeria, em grande medida, do que acontecesse à economia chinesa. Enquanto o crescimento chinês se mantivesse alto, países que exportam para a China tenderiam a sofrer menos com os efeitos da crise. No caso do Brasil, isto é particularmente válido com relação aos alimentos (grãos e cereais, soja e óleos comestíveis), dos quais o Brasil é grande produtor e a China é grande importador. 49 O que incluiu o preço do barril de petróleo, que alcançou a marca dos cem dólares em meados de 2008. No ano, o preço do petróleo subiu 60%. Chegaria a US$ 120. Em 2003, o barril de petróleo estava cotado a US$ 25, e em 1998 a US$ 11... 50 Entre 2005 e 2008, o preço médio mundial dos alimentos aumentou 85%. Em 2008 começou uma situação de catástrofe no continente africano: os preços dos gêneros alimentícios de primeira necessidade aumentaram em poucos meses, com os aumentos dos preços do trigo, do arroz e do óleo nos mercados mundiais; as más colheitas locais e a inexistência de qualquer controle dos preços. A explosão dos preços

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cifra em constante crescimento. O Banco Popular da China (BC do país) elevou em 0,5 ponto percentual a reserva obrigatória dos bancos (para o recorde de 16%) como medida para conter a alta dos preços, retirando recursos da economia. Era o 13º aumento seguido do compulsório desde março de 2007.

Depois de décadas de “desregulamentação” neoliberal e privatização, a intervenção do Estado ocupou novamente o centro do cenário, começando com injeções de capital sem precedentes, cortes nas taxas de juros, intervenções e nacionalizações, em 2007 e 2008, nos EUA e na Grã-Bretanha, logo estendidas para o mundo. Mas não foi um revival do “Estado de Bem Estar” nos países capitalistas desenvolvidos. O Estado não “expandiu”, mas destruiu os serviços públicos (saúde, educação etc.) privatizando-os, e acumulava déficits e dívida pública para garantir recursos para salvar banqueiros e outros capitalistas: o fortalecimento do estado capitalista como último recurso salvador do capitalismo em bancarrota. E a ciranda financeira voltou velozmente. Perguntados sobre se os hábitos especulativos tinham mudado com as novas regras financeiras (o “endurecimento da supervisão financeira global”), analistas responderam: "Não! Simplesmente porque os estímulos são os mesmos. Executivos continuam ganhando bônus milionários sobre lucros rápidos". Os negócios sofreram modificações, "mas as pessoas [os capitalistas] perderam um monte de dinheiro e o querem de volta", o mais rápido possível e a qualquer preço. Repetiu-se assim a sequência especulativa de finais dos anos 1990 e 2007, mas com uma diferença decisiva: o contexto da bolha não é de crescimento da economia e sim de recessão e estagnação.

As nacionalizações capitalistas, “a negação do capitalismo dentro do próprio capitalismo”, são uma ação extrema para salvar o capital. Dentro do marco desse regime social, a nacionalização joga a crise sobre os ombros dos trabalhadores através da dívida pública, do desemprego, da inflação. Por outro lado, é uma manifestação objetiva do processo de preparação e transição para a propriedade coletiva dos produtores sob administração e controle dos próprios produtores. O fetiche do Estado, suprema expressão do fetichismo do mercado e do capital, criou ilusões para os próprios capitalistas. Para eles, o Estado, expressão de uma relação social, se transforma em uma coisa ou poder supremo capaz de absorver todas as dívidas e sustentar todos os capitais em bancarrota: a bancarrota do Estado (liquidação do crédito público, calote da dívida pública, colapso do sistema monetário, rompimento das relações inter-estatais) passou a ser a condensação da crise. O Estado, mediador das contradições sistêmicas, se transforma em um centro de intenso conflito político entre os diferentes grupos de interesses capitalistas privados, da mesma forma que com os trabalhadores e as massas populares.

A pergunta “quem pagará pela crise?” se transforma na pergunta central e mais discutida. Ao mesmo tempo, a pergunta “quem governa a sociedade?” e, por conseguinte, a centralidade do poder estatal em si, se converte na maçã da discórdia. Os choques entre o Estado, os interesses dos grupos capitalistas e as massas alimentam a instabilidade e as crises políticas. As tendências bonapartistas repressivas passaram a crescer; ao mesmo tempo, todo tipo de manobras democratizantes, como as introduzidas pelo governo de Obama, surgiram para desviar e neutralizar o descontentamento popular. Logo que se agravou a crise, em setembro de 2008, os capitalistas e seus governos trataram de encontrar saídas, em três direções: 1) Buscando estabelecer novas regras internacionais: uma “nova arquitetura financeira” ou um “Breton Woods II”; 2) Olhando para China, cuja taxa de crescimento impressionante dos últimos anos a fez aparecer como uma possível locomotora que salvaria a economia mundial de sua queda vertiginosa; 3) Sobretudo, mediante uma intensa intervenção estatal, injetando enormes pacotes de “resgate” para um sistema bancário e uma indústria que desmoronavam, introduzindo nacionalizações e estatizações.

As esperanças de um novo Breton Woods, de uma nova ordem mundial para sair do caos, demonstraram seus limites logo. A primeira reunião do G20, em novembro de 2008 em Washington, foi um fiasco. A sucessiva reunião do G20, em Londres, evitou um aberto naufrágio, porém, não alcançou nenhum de seus objetivos (novas regras financeiras internacionais, pacotes de estímulo para a Europa). O êxito mais significativo foi a promessa de aumentar as reservas do FMI em 500 bilhões de dólares, para chegar a 1,1 trilhão, incluindo 250 bilhões em linhas de crédito em Direitos Especiais de Transferência, para ajudá-lo a ter

também afetou à Ásia, motivando motins da fome: o preço médio de uma refeição básica aumentou em 40% no espaço de um ano. Muitas pessoas passaram a não poder comer mais do que uma refeição por dia. O impacto da alta dos preços foi diferenciado: nos países “desenvolvidos” a cesta básica de alimentação representa 14% da renda média, na África subsaariana, ela representa 60%.

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um papel mais ativo no “resgate” de paises sob ameaça imediata de calote (os países da Europa Oriental). Os bancos europeus tinham investimentos de 1,6 trilhões de dólares nestes países e na Turquia. As somas estavam sempre atreladas, por imposição do FMI, a medidas draconianas de austeridade e cortes sociais. Os EUA, por sua vez, buscaram utilizar sua hegemonia e o papel do dólar como moeda de reserva internacional, emitindo enormes quantidades de dinheiro para sustentar seus pacotes, como o plano Paulson ou o posterior plano de Obama. Porém, o oceano de “ativos tóxicos” era tão ilimitado, imprescindível e venenoso que o esforço se tornou tarefa de Sisifo. Os EUA injetaram 1,2 trilhões de dólares na sua economia: seu endividamento e seus déficits alcançaram dimensões astronômicas. A UE passou a culpar os EUA por gastar recursos para resgatar sua própria bancarrota, criando pressões insuportáveis e ameaçando com a desarticulação da UE e sua união monetária.

A China, por outro lado, provou ser parte do problema, mais do que solução. A recessão mundial a impactou com força; janeiro de 2009 mostrou a pior queda nas importações (-41,3% no ano precedente) e nos investimentos estrangeiros diretos (-32,7%), assim como uma queda nas exportações de 17,5%. Apesar de um audacioso plano de estímulo de 500 bilhões de dólares, o crescimento PIB chinês caiu para 6,1% no primeiro trimestre de 2009, metade dos 13% de 2007 e menor que as cifras do quarto trimestre de 2008. As taxas de crescimento de 12% e 13% haviam acabado. Analistas começaram a ver o perigo do “descontentamento crescente que pode desencadear protestos e distúrbios”, com razões enraizadas na própria estrutura sócio-econômica: “No nível mais básico, a economia chinesa se estruturou, nas últimas três décadas, para ser alimentada pelas exportações e pelos investimentos estrangeiros. Juntos, continuam sendo a coluna vertebral da economia chinesa. São fortes na época de atividade econômica global, porém um peso morto em época de retração global. Internamente, só cerca de ¼ dos 1,3 bilhões de chineses são realmente economicamente ativos, membros da “classe média” ou estratos superiores. Este é um número que deixa cerca de 1 bilhão de pessoas no mais profundo sofrimento”, disse a revista de análises estratégicas Stratfor, em abril de 2009.

A queda na demanda mundial de exportações chinesas devida à contração do comércio mundial, a fuga do capital estrangeiro, devida à bancarrota mundial, e à ausência de um mercado interno capitalista desenvolvido, deixaram China vulnerável às pressões da crise mundial. Uma virada para desenvolver um mercado interno não seria possível sem extrapolar as contradições entre o campo e a cidade, levando a um descontentamento massivo e levantamentos sociais. O processo de restauração capitalista produziu grandes lucros para o capital estrangeiro e para uma “classe média” local, criando a ilusão de uma China que se elevava à hegemonia mundial no século XXI. O processo de restauração capitalista na China teve um papel fundamental para os EUA ao financiar seus gigantescos déficits e sustentar a melhora da economia mundial no período 2002-2007: a crise pôs em questão o acordo econômico entre China e Estados Unidos.

A Rússia também entrou em sua pior crise desde os tempos do calote de 1998, comovida pela queda do preço do petróleo (posterior à sua elevação especultiva), o colapso do rublo e a bancarrota da maioria dos oligarcas sob as pressões do capital financeiro mundial. O Leste europeu se transformou em um buraco negro, ameaçando tragar o sistema bancário europeu. A euforia do ocidente, que se seguiu ao colapso dos estados “socialistas” 1989-1991, e a abertura de um caminho de integração da ex URSS ao mercado capitalista mundial, deixaram de ser o sonho histórico do capitalismo. O bonapartismo de Putin não representou um retorno aos tempos soviéticos, nem um renascimento do espaço econômico da antiga União Soviética; não foi um regresso a uma distorcida forma de transição ao socialismo, mas outra via ao capitalismo e à integração ao mercado mundial, depois do impasse e colapso da primeira etapa da restauração capitalista sob a “terapia de choque” de Yeltsin, no calote da Rússia em 1998. O regime de Putin foi obrigado a renacionalizar parcialmente o setor estratégico da economia, o setor energético, e a revitalizar algumas indústrias; beneficiara-se do astronômico aumento dos preços do petróleo no período 2000/2006 para criar um Fundo de Estabilização para cancelar a dívida externa, pagar os atrasos das pensões e acumular provisões para futuros choques financeiros. O enorme crescimento do Estado sob a supervisão da antiga KGB, agora FSB, era o produto de pressões externas do capital financeiro e das pressões internas da desintegração da vida econômica e social. Com a UE importando da Rússia 49% do seu gás (e, em projeção, 80%, por volta de 2030), o governo Putin buscou transformar Rússia num gigante mundial da

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energia (ou seja, num país exportador primário), unificando e reestatizando parcialmente suas empresas produtoras.

Mas a semi-estatização de setores estratégicos da economia, combinada com golpes a algumas oligarquias, não significava um retorno ao período anterior a 1991. As antigas formas de governo, os todo-poderosos serviços secretos, foram usados para outros propósitos: estabilizar a economia e fazê-la funcionar sob parâmetros capitalistas. Nenhuma parte significativa do Fundo de Estabilização foi usada para renovar a infra-estrutura ou os serviços sociais; a principal preocupação foi pagar os banqueiros internacionais e cooperar com as demandas do sistema financeiro mundial. Combinar uma economia de extração de petróleo e matérias-primas com um forte laço com o capital financeiro internacional não é a via para o socialismo, nem para a soberania nacional. As desigualdades entre as regiões cresceram, e somente uma elite, na região central da Federação Russa ao redor de Moscou, se beneficiara com a recuperação econômica de 2002-2007. Os EUA começaram a se preocupar com a Rússia reforçada sob Putin, e com seu papel reafirmado na política mundial e no Oriente Médio, na Europa, nos Bálcãs; e sobretudo pela incerteza da reabsorção da Rússia no mercado capitalista mundial: Bush concedeu a Putin (nomeado “homem do ano” pelo Times) a honra de uma pescaria privada à beira do Potomac. A Rússia estava em crise, mas o “unilateralismo” dos EUA de Bush Jr. se espatifava ainda mais contra a crise econômica mundial...

América Latina e “Emergentes” na Crise

George Soros considerou que embora uma recessão no mundo desenvolvido fosse mais ou menos inevitável, China, Índia, e alguns países produtores de petróleo, estariam numa vigorosa contra-tendência, o que tornaria menos provável que a crise financeira causasse uma recessão global, devendo provocar uma realinhamento radical da economia mundial, com o relativo declínio dos EUA, a ascensão da China e de outros países do mundo subdesenvolvido. No entanto, a tese do descolamento dos países ditos “emergentes”, que por serem supostas potências em ascensão poderiam escapar da crise, revelou-se um mito. Na Rússia, em uma semana, os pregões da bolsa foram interrompidos quatro vezes, numa tentativa de impedir a fuga de capitais. Somente em um dia, a Bolsa de Moscou caiu 19%. O governo russo foi obrigado a suspender o funcionamento da bolsa por dois dias para não ruir completamente o sistema financeiro.

Para a maioria dos economistas, no entanto, as conseqüências para a economia do Brasil seriam menores, pois o país estaria com melhores fundamentos econômicos, e seus bancos mais sólidos. Mas a crise estava potencialmente presente no Brasil desde o seu início, em agosto de 2007. O crescimento da Bolsa foi alimentado, no Brasil, por bancos locais que recorreram à liquidez internacional, ou seja, ao endividamento. Em apenas cinco dias, empresas brasileiras perderam 227 milhões de dólares de seu valor. A repentina desvalorização da cotação das empresas brasileiras, mas também de outros países, era o primeiro sinal da crise. Houve divulgação de perdas consideráveis da Aracruz Celulose, do grupo Votorantim, da Sadia.

Depois de um (breve) período de ilusões no “desacople” (decoupling) da sua economia da crise econômica mundial, América Latina toda começou a sentir diretamente seus efeitos, em primeiro lugar pela redução de suas exportações, que reduziram drasticamente os saldos favoráveis da balança comercial de suas principais economias, e também pelas restrições de crédito, vinculadas ao credit crunch internacional. Em 2008, houve ainda uma forte expansão: Argentina (7%); Brasil (5,2%); Chile (3,2%); Equador (6,52%); México (1,3%); Peru (9,8%), Venezuela (3,2%), tiveram desempenho positivo. No terceiro trimestre de 2008, a crise do subprime dos EUA virou abertamente uma crise financeira internacional de grandes proporções.51 Em decorrência, no primeiro trimestre de 2009, na América Latina, o PIB da região caiu 3%, com destaque para a brutal queda do México: 9,31%. A recessão começou “oficialmente” no quarto trimestre de 2008. Ainda em dezembro de 2008, a CEPAL previa para 2009 um crescimento de 1,9%, mas, em abril de 2009 já estimou uma contração de -0,3% (em junho elevou-a para -1,7%). Durante o quarto trimestre de 2008, México, Brasil, Argentina e

51 A crise, na verdade, era global desde seu início, porque a “bolha” imobiliária não foi apenas norte-americana, mas internacional; a especulação nas Bolsas de Valores incluiu também bancos e intermediários financeiros europeus e asiáticos; o mundo está mais “integrado” do que nunca, pela via do comércio exterior e dos fluxos financeiros; finalmente, porque na “arquitetura” financeira mundial os EUA atuam como “compradores de última instância” mediante o financiamento de seus “déficits gêmeos” (fiscal e do balanço de pagamentos) através da captação da poupança externa.

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Chile registraram quedas anualizadas do PIB de -10,3%, -13,6%, -8.3%, e -1,2%, respectivamente. No primeiro trimestre de 2009, México registrou uma queda anualizada sem precedentes, -21.5%.

A queda do emprego no subcontinente, no primeiro trimestre de 2009, atingiu um milhão de vagas, calculando-se uma perda total de até quatro milhões até o final de 2009. O México sofreu especialmente a crise, embora com desemprego ainda baixo, pelos padrões regionais (mas em crescimento, de 4,9% para 6,1%), sobretudo nos setores que “puxaram” seu crescimento no período recente, o setor automotivo, que emprega quase 600 mil trabalhadores. As exportações mexicanas de veículos caíram 57% já em 2008, a GM de Guanajuato deixou em paro técnico 10 mil funcionários, e 6.600 em outras três fábricas. Volkswagen demitiu 900 trabalhadores, Delphi (fabricante de auto-partes), 1.700. A 1° de abril de 2009, o governo mexicano anunciou ter recebido do FMI uma linha de crédito preventivo (dentro da recém criada FCL, Linha Flexível de Crédito) de 47 bilhões de dólares, para socorrer as empresas (outro país latino-americano que usou essa linha foi a Colômbia, com US$ 10,5 bilhões).

Os dados da conjuntura latino-americana começaram a mudar drasticamente. A crise mundial possuia mecanismos de transmissão, vinculados à contração da demanda mundial: comércio externo e matérias-primas. Segundo a CEPAL, os termos de troca da região caíram 15% durante 2009. Os preços dos produtos primários despencaram com a crise, depois da alta especulativa das commodities em 2008. Em fevereiro de 2009, os preços tinham sofrido quedas: petróleo -51%, alimentos -18%, arroz -50,6%, milho -47,9%, trigo -41,9%, metais -49%, cobre -37,9%. As quedas de remessas de migrantes afetaram, sobretudo, México, Bolívia, Equador, e quase toda América Central e o Caribe (estas últimas, além disso, sofrem também com a acentuada queda de ingressos pelo turismo, basicamente de europeus, norte-americanos e japoneses). As contas nacionais paulatinamente se ressentiram de arrecadações menores. E a situação do mercado mundial consentiu cada vez menos uma saída baseada num novo ciclo de endividamento. Os fluxos de remessas, aplicações e investimentos diretos entraram em queda, enquanto as emissões de títulos de dívidas a serem realizadas em 2009 foram dominadas pelos países da OCDE (os EUA lançaram US$ 2 trilhões, dentro de um total de US$ 3 trilhões na OCDE), deixando pouco (ou nenhum) espaço para os “emergentes”.52 A dependência financeira da região é a sua grande vulnerabilidade, somada ao escasso desenvolvimento do mercado interno e à crescente fuga de capitais, vinculada aos mecanismos generalizados de “desalavancagem” e de aversão ao risco, que provocam uma fuga em direção aos ativos e países “mais seguros”, um fator de crise ligado ao setor bancário. Nos anos 1990, considerou-se que a forte internacionalização do sistema financeiro era positiva para fugir das crises: a partir de 2008, verificou-se o contrário.

EVOLUÇÃO DO PIB BRASILEIRO (VARIAÇÃO ANUAL)

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0,8

-2,9

5,4

7,87,5

3,5

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-0,5

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4,4

2,2

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52 O Instituto de Finanças Internacionais do FMI previu que a entrada de capital privado nos “mercados emergentes” cairia para 165 bilhões de dólares em 2009, uma queda forte em relação aos 466 bilhões de 2008, e ao recorde histórico de 929 bilhões de 2007, devido à saída de recursos dos mercados de dinheiro e de capitais em direção dos Bônus do Tesouro dos EUA e outros instrumentos “seguros”.

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José Serra distinguiu a crise latino-americana da “europeu-norte-americana” pelo fato de que “na América Latina em geral, assim como na Ásia, o contágio veio dos subprodutos da crise, principalmente a retração brusca das finanças e do comércio. Não houve colapso de instituições financeiras importantes. As únicas exceções mais sérias foram as perdas em derivativos no México - US$ 4 bilhões no último trimestre de 2008 - e no Brasil - estimadas em US$ 25 bilhões. Houve, sim, uma acentuada redução na oferta de crédito às atividades produtivas, em decorrência da perda de linhas de crédito estrangeiras”. Chile e Peru eram mais vulneráveis à crise que o Brasil, devido à sua maior dependência comercial, mas adotaram rápidos pacotes anticíclicos de grande envergadura, coisa que o Brasil, segundo Serra, não fez. Mas ainda era cedo para dizer que na América Latina não haveria colapso financeiro, e que a própria crise estava encerrada mundialmente. O problema do “canal de contágio” da crise é subordinado, diante de uma crise de natureza sistêmica e mundial. O raciocínio de Serra fez aparecer a segunda ilusão da crise (depois daquela do decoupling): que a crise seria mais “suave” na América Latina: esse tipo de análise se esgota no aspecto conjuntural, não tocando nos problemas estruturais (históricos) da economia latino-americana, que a crise, como uma catarse, pôs em evidência.

O principal deles é que, transcorrida mais de uma década, as experiências nacionalistas fracassaram na tentativa de estruturar um Estado nacional independente, e de iniciar um processo de industrialização capitalista autônomo, derrubando a supremacia do capital financeiro. As nacionalizações têm poupado os bancos, o aspecto decisivo da gestão do capital. Não criaram uma burguesia nacional, nem estruturaram uma etapa de transição nesse sentido, sob hegemonia do Estado. Em vez disso, criaram uma “boliburguesia” (chamada na Venezuela de “boligarcas”), ou o “capitalismo de amigos” da família Kirchner, através da burocracia governamental (que sangra financeiramente o Estado). Nas nacionalizações realizadas, os empresários (externos e internos) receberam fortes compensações, até maiores do valor em Bolsa de seus capitais.

O uso dos recursos fiscais extraordinários para compensar os capitais nacionalizados bloqueou a possibilidade de um desenvolvimento econômico independente. O capital estrangeiro, forçado a sair da esfera industrial, retornou sob a forma de capital financeiro, usando as indenizações para a compra da dívida pública. Maurice Lemoine afirmou que “os países latino-americanos fortaleceram os laços entre si e com o Oriente (e) estão cada vez menos dependentes dos EUA”, o que significa substituir a análise objetiva pelo wishful thinking. O governo brasileiro, por exemplo, pensou poder “navegar” a crise graças aos recordes na exportação de etanol (5,16 bilhões de litros exportados em 2008, de 24,5 bilhões produzidos) e de biodiesel, que tinham por destino principal os EUA. Os governos “progressistas” latino-americanos batalharam, em diversos fóruns internacionais (OMC especialmente) pela abertura dos mercados dos EUA e da Europa, fortemente protegidos por barreiras tarifárias e não-tarifárias, às exportações primárias da América Latina.

As nacionalizações das telecomunicações e da eletricidade na Venezuela foram indenizadas aos monopólios aos preços de mercado, incluindo o capital instalado e as expectativas de ganâncias futuras. A nova associação com os monopólios internacionais do petróleo para a exploração do Vale do Orinoco não diverge do que se negociou na Rússia ou na Argélia: um acordo estratégico para a exploração do mercado mundial e da renda dos hidrocarbonetos. No caso da Bolivia, os monopólios ficaram com o direito a registrar como próprias uma grande parte das reservas de gás e petróleo, e ainda a possibilidade de condicionar os futuros contratos.

Na Venezuela, a elevação da renda da maioria empobrecida da população não ocorreu às custas do capital, nem pela modificação das relações entre o capital e o trabalho, mas pelo uso dos enormes recursos fiscais, o que criou contradições incontornáveis ao processo bolivariano, uma inflação a taxas crescentes, e uma forte corrupção da burocracia chavista, civil ou militar. Os acordos de Venezuela com o Mercosul serviram para grandes negociatas (como a compra da dívida pública argentina), mas fracassaram como programa de autonomia nacional. A crise mundial golpeou o Brasil, onde as demissões se contaram em centenas de milhares e o desemprego bateu recordes. Os superávits comerciais enormes pertenciam ao passado, o país começou a registrar déficits fiscais e a primeira queda absoluta de arrecadação desde 2003. Os subsídios do governo de Lula ao grande capital, industrial e financeiro, somaram mais de 300 bilhões de “renúncia fiscal”, ameaçando as reservas em divisas.

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Venezuela e Bolívia, quando favorecidas pela conjuntura favorável do mercado mundial, impulsionaram importantes campanhas de saúde e de educação (que nunca seriam feitas pelas velhas oligarquias desses países), mas não avançaram em sentar as bases econômicas da autonomia nacional, para sustentar a longo prazo os planos populares e os programas sociais. Concluíram dilapidando a renda extraordinária (diferencial) da produção mineira, na crença de que os preços internacionais não cairiam nunca. A nacionalização parcial, na Bolívia, das três principais jazidas petroleiras, não só preservou os “direitos adquiridos” pelos grupos multinacionais que as detinham,53 também fracassou em manter os investimentos previstos e aumentar a produção. A queda dos preços dos hidrocarbonetos fez entrar em crise as nacionalizações parciais, e abriu a via para uma nova etapa de concessões às multinacionais.

As limitadas reformas fiscais, com aumento dos impostos sobre o petróleo e o gás, ofereceram uma vantagem passageira no marco de preços internacionais elevados. A crise mundial ameaça em especial o governo de Equador, cujo petróleo financia, não só a economia nacional, mas também a dolarização, até agora mantida. Para mantê-la, o governo Correa começou um recorte de importações, e uma moratória da dívida externa (pela primeira vez, um governo de América Latina declarou o caráter ilegítimo e imoral dessa dívida). Na Argentina, as multinacionais passaram a expatriar capitais (isto é, levá-los para sua própria “pátria”), ao mesmo tempo demitindo milhares de trabalhadores (na maioria dos casos sem indenização), exatamente as empresas que mais fizeram fortuna com os Kirchner: bancos, montadoras de automóveis, produtoras de alimentos. O governo Kirchner recortou as indenizações trabalhistas, favorecendo sua fantasmagórica "burguesia nacional", duas semanas antes da vitória eleitoral presidencial de Cristina Kirchner (derrotada eleitoralmente depois, nas legislativas de junho de 2009). Na nova Constituição boliviana, por sua vez, se estabeleceu a preservação dos direitos adquiridos pelos grandes proprietários, ou seja, a supremacia do grande capital da soja no Oriente, e a concentração do grande capital agrário na região andina. Desse modo pactuou-se, em nome da “soberania alimentar” (baseada na produção de subsistência) e da preservação do meio ambiente, com os interesses agrários exportadores, e com a produção contaminante pelo uso de agrotóxicos.

Os países mais desenvolvidos da América Latina foram os mais afetados pela crise mundial. A “periferia emergente” do capitalismo global enfrentou, em 2009, pagamentos externos por valor de 8 trilhões de dólares, uma dívida principalmente contraída pelas multinacionais, superando em muitos casos as reservas internacionais. Na Argentina, em 2008, se registrou uma saída de capitais de US$ 20 bilhões: uma parte da dívida foi contraída para expatriar capitais. Não é verdade, portanto, que no ciclo econômico 2002-2007 as nações dependentes se transformaram em credoras no mercado mundial: com o aumento da dívida privada externa, se mantiveram como devedoras netas; os superávits comerciais foram a garantia financeira do endividamento privado. O capital financeiro internacional apropriou-se do excedente comercial gerado pelo aumento dos preços e dos volumes exportados.

A crise mundial golpeou à América Latina devido à sua fragilidade financeira e comercial, e à sua fraca estrutura industrial. Os governos da América Latina afirmaram inicialmente que driblariam a crise com a “solidez” das reservas dos bancos centrais. Mas a queda das Bolsas regionais, a saída de capitais e a desvalorização das moedas deixaram sem base esses argumentos. Propostas como a da "Declaração de Caracas", defendendo o fortalecimento da ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) e o Banco do Sul, novas instituições econômicas reguladas, e um acordo monetário latino-americano para enfrentar a crise, viraram crescentemente irrealizáveis. Projetos que não conseguiram avançar durante o período de crescimento econômico, ficaram com menos fundamento sólido diante da crise. A crise precedente, na virada do século, gerara as insurreições que derrubaram os governos de direita no Equador (2000), na

53 Na nova Constituição boliviana, o artigo 8º das Disposições Transitórias diz: "En el plazo de un año desde la elección del órgano ejecutivo y del órgano legislativo, las concesiones sobre recursos naturales, electricidad, telecomunicaciones y servicios básicos deberán adecuarse al nuevo ordenamiento jurídico. La migración de las concesiones a un nuevo régimen jurídico en ningún caso supondrá el desconocimiento de derechos adquiridos". Esses “direitos” beneficiam grupos como Repsol, Total, Petrobras, Shell, Enron (falida nos EUA, continuou operando na Bolívia), Vintage, British Gas, British Petroleum, Canadian Energy y Pluspetrol, que ainda hoje adquirem o gás boliviano pela metade do preço internacional. No setor mineiro, os "direitos adquiridos" são os do consórcio internacional Glencore, do magnata petroleiro suíço israelense Marc Rich, de quem Time disse ser “o empresário mais corrupto do planeta". Desde 2005, Glencore recebeu grandes jazidas do governo de Carlos Mesa.

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Argentina (2001) e na Bolívia (2003-2005). Agora, seriam os governos nacionalistas e de frente popular os que teriam que administrar a crise e aplicar planos de ataque aos trabalhadores.

O projeto da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) era um instrumento de pressão (dos EUA) sobre Europa e sobre as economias em transição para o capitalismo, especialmente a chinesa, lhes opondo América Latina como uma plataforma de exportação dos capitais norte-americanos, mas não dava ao empresariado latino-americano a possibilidade de abrir o mercado norte-americano à sua produção agrícola, eliminando os subsídios aos produtores do Norte. A ALCA foi morrendo em meio à crise mundial de 1997-2002. Depois disso, a integração de América Latina à economia mundial escorou-se no aumento de preços das matérias primas e no crescimento do endividamento (a penetração do capital financeiro na América Latina foi a mais alta da história). A rodada de Doha da OMC, na qual se chegara a um acordo do Brasil com Europa e os EUA, entrou em crise pela oposição da Índia e da Argentina. Brasil acordara com os EUA exportar etanol sem impostos desde América Central, em troca da autorização de inversões norte-americanas na indústria dos biocombustíveis no Brasil.

Os projetos unificadores latino-americanos entraram em crise. Gasoduto do Sul, Banco do Sul, entrada de Venezuela ao Mercosul, não saíram do papel. A moeda comum Brasil-Argentina seria só um recurso contábil para compensar saldos de pagamentos externos. A autonomia da ALBA proposta por Chávez é desmentida pelos compromissos simultâneos de seus países com outros acordos. O processo econômico passou a operar em favor da desintegração de América Latina. Brasil, por sua vez, reforçou sua aliança financeira com os EUA, em oposição à decisão argentina e chilena de nacionalizar os fundos de pensão privados. Brasil reduziu o consumo e o preço do gás boliviano. UNASUR aparece como um projeto que favorece os interesses do empresariado brasileiro para “integrar” uma indústria militar regional sob seu controle, e para impulsionar gastos em infra-estrutura para suas empresas. Mas pôs o Brasil no limiar da ruptura diplomática com Equador, devido às violações trabalhistas e ambientais da Odebrecht no país (o BNDES respaldou financeiramente a obra com empréstimo de US$ 243 milhões, que o Equador foi obrigado a quitar). Evo Morales nacionalizou o consorcio petroleiro Chaco, do qual faz parte a empresa argentina Bridas, devido à negativa daquele a aceitar os termos das nacionalizações bolivianas. As bandeiras “integracionistas” se transformam crescentemente em ficção política, em face dos conflitos regionais que se acumulam, expressando os diversos (e contraditórios) interesses empresariais de cada país.

O “time” de Obama para América Latina não deixou enxergar nenhuma renovação ou “novidade”. Seus membros principais (Dan Restrepo, Robert Gelbard, Jeffrey Davidow, Arturo Valenzuela, Vicki Huddleston) são veteranos da administração de Bill Clinton, que já se exerceram nos cargos respectivos. A reunião de Trinidad-Tobago, logo no início de seu mandato, além de alguma aproximação com Chávez, deixou como saldo a iniciativa política de reingresso de Cuba na OEA, o que deixaria o antigo “Ministério de Colônias” como único marco “integrador” real da América Latina (e com os EUA).54 O governo cubano recusou a iniciativa. O fim do bloqueio a Cuba foi apresentado como o “fim da guerra fria na América Latina”. O apaziguamento entre os EUA e Cuba, a normalização de Cuba com a UE, serviriam para estabilizar politicamente à América Latina, oferecendo o fim do isolamento de Cuba.

O destino de Cuba está, agora, inserido no contexto latino-americano, e também na sua própria crise política interna, contextos que o governo de Raul Castro tenta “navegar” propondo uma espécie de “via chinesa”, com um papel central das Forças Armadas (que controlam mais de 60% da economia cubana). A sucessão do governo cubano passou a enfrentar enormes dificuldades: alta dos preços das matérias-primas agrícolas, gravidade dos desastres provocados por três ciclones consecutivos, crise econômica mundial, baixo crescimento cubano, forte dependência das importações, fraca produtividade, dualidade monetária e hiper-centralização burocrática. As margens de manobra para implementar as mudanças anunciadas em 2007 com o objetivo de modernizar o aparelho produtivo ficaram limitadas. Em 2008, as importações de alimentos e petróleo representaram US$ 5 bilhões, o que corresponde à metade do potencial de exportação de Cuba,

54 Os EUA recriaram a IV Frota para América Latina, com sede na Flórida, e navios em atividade na América do Sul, Central e no Caribe. A frota existiu entre 1943 e 1950. Isto se deu em meio a fatos como a ação da Colômbia contra as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no Equador, ou o que os EUA chamam de “corrida armamentista” do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e a sugestão do presidente Lula de que seja criado um Conselho Regional de Defesa na América do Sul. América Latina não só “entrou” na crise econômica mundial, mas também na crise política internacional.

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incluindo a comercialização de bens e serviços à Venezuela. A descentralização dos circuitos agrícolas cubanos, o usufruto das terras concedido a pequenos camponeses, a “substituição de importações” apoiada na agricultura privada e a nova política de salários apontam na reativação de uma “economia de mercado”, que cria as bases para uma restauração capitalista. Os trabalhadores passaram a ser pagos de acordo com sua produtividade, com seu salário-base fixado sem consulta às grades salariais nacionais. Diversos sistemas de remuneração começaram a coexistir nas empresas. Mas o contexto para desenvolver uma transição ao capitalismo, como a ocorrida em Rússia e na China, mudou internacionalmente, tanto econômica como politicamente.

A crise econômica mundial re-propôs os problemas estruturais do desenvolvimento histórico latino-americano: independência nacional, questão agrária, desenvolvimento industrial autônomo, dependência financeira, miséria social, subordinação política, unidade continental. E o fez em condições de crise política.

Persistência e Aprofundamento da Crise

A virada mundial em direção ao capital financeiro, desde os anos 80, e sua globalização nas últimas décadas, caracterizada por sucessivas quebras, produziu uma gigantesca pirâmide de capital especulativo para sustentar o sistema. O processo chegou ao clímax no período 2002 – 2007, logo após a crise internacional (1997 – 2001), com a produção de todo tipo de bolhas e exóticos instrumentos financeiros (chamados “tóxicos”). O mercado de derivados alcançou a proporção mítica de 550-600 trilhões de dólares. A desproporção entre esse capitalparasitário, que exacerbou a crise de super-acumulação de capital produtivo, por um lado, e a mais-valia mundial que pode ser extraída da exploração dos produtores diretos, pelo outro, pôs enormes obstáculos ao processo de valorização do capital. Apesar da crise impulsionar a tendência de se elevar a taxa de exploração (mais-valia relativa e absoluta) através de todos os meios de relações de trabalho “flexibilizadas”, a desproporção faz com que não seja possível superar a crise com os meios habitualmente empregados no segundo pós-guerra. Não são as técnicas estabelecidas para extrair a mais-valia que vai chegando ao limite, é a própria mais-valia como forma social do produto excedente, e com ela a lei do valor como princípio regulador da vida econômica, que demonstra seus limites históricos e seu caráter retrógrado.

Para o capital, a crise é o único meio de sair da crise. Deve destruir gigantescas somas de capital acumulado para restabelecer a taxa de lucro e recomeçar o processo de acumulação. O FMI estimou em 2009 que haviam sido “perdidos” 4,1 trilhões de dólares no sistema financeiro, e as perdas continuavam crescendo. Essa soma, embora gigantesca, representa uma parte pequena do capital especulativo e produtivo que deveria ser destruído.55 A crise implica, portanto, na destruição massiva do capital excedente, das forças produtivas mundiais, e antes de tudo, da força social mais importante para a produção: a classe operária.

Por sua própria natureza este seria um processo prolongado: não um colapso, instantâneo e automático, nem um queda eterna em um abismo sem fim. A crise mundial implica não só em rearranjos e ajustes econômicos, controle de “gastos excessivos” e de paraísos fiscais além-mar, mas também um vasto processo de desestabilização, desintegração e reorganização de todas as relações sociais através de conflitos políticos agudos e violentos enfrentamentos nacionais e internacionais. A crise se converte em um enigma sem solução se a separamos do caráter transitório de nossa época, a era do capitalismo em declínio. A gigantesca Torre de Babel do capital fictício, a estrutura de crédito global que se ergueu nas últimas décadas, deixou de ser um instrumento de expansão global para converter-se em um fator de desintegração global e de crise, manifestação da transição histórica do capitalismo ao socialismo.

O capital, em 2009, gritou vitória quando o Índice Mundial MSCI, que mede todos os principais mercados de ações, cresceu 59% desde março – o maior ganho desde seu início em 1970. Isso equivale ao "maior crescimento nas bolsas desde os anos 30", de acordo com um analista que não percebeu a ironia de suas palavras. No início do ano Ben Bernanke assinalou que antes do fim do ano começariam a ver-se sintomas

55 Sob o pseudônimo “Andrew Jackson”, alguém perguntou: “Is $ 1 trillion a Big Number?”, para responder: “Well, it does take one's breath away that the IMF now estimates that the financial crisis will result in $1 trillion in losses, about four times the total booked as losses to date by large financial institutions. I'm not entirely assure of the appropriate denominator to judge the percentage impact of this crisis on total financial system assets, but global bank assets total $ 71 trillion and global private debt securities total another $ 43 tri llion. Total global bond, equities and bank assets combined come to a hefty $ 190 trillion, of which $ 133 trillion are in North America and the EU combined”.

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claros de superação da crise, e por volta do mês de agosto anunciou que "o pior da recessão ficou para trás". A Bolsa de Nova York teve, entre abril e junho de 2009, sua maior alta em dez anos, sendo acompanhada pelas principais bolsas de valores do mundo. O que houvera fora o estancamento provisório do sangramento financeiro, que só preparava crises mais extensas.

Embora a crise de superprodução, agravada pela especulação financeira, fosse artificialmente congelada pela intervenção estatal, o excedente de capitais em relação às condições de sua valorização continuava a existir, e a taxa de lucro ainda não fora recomposta numa extensão que permitisse à economia voltar a funcionar sem a salvaguarda da maciça injeção de recursos públicos. À medida que o sistema financeiro se valeu dos recursos do Estado para retomar a ciranda da valorização financeira do capital, novas ondas especulativas começaram a se formar nas bolsas de valores, e muitas delas retornaram aos mesmos patamares de supervalorização de antes de setembro de 2008. O que ocorria nos mercados financeiros estava em desacordo com o real estado da economia.

TAXA DE DESEMPREGO (EUA)

Haviam sido diminuídas as espetaculares perdas dos últimos 18 meses graças a uma onda sem precedentes de liquidez financiada pelos governos. Bancos, que receberam trilhões de ajuda, estavam novamente se envolvendo em especulação de alto risco e lutando contra tentativas de se regular e limitar tais atividades. Os líderes políticos e dos bancos centrais do mundo conseguiram, através de enormes intervenções estatais, inchar uma nova bolha financeira, de vida curta, e abrindo caminho para novas ondas de pânico financeiro, numa recessão de “duplo mergulho”, em formato de W. A capitalização das bolsas do mundo se reduzira à metade; as perdas em instrumentos da dívida alcançavam três trilhões de dólares, e a destruição da dívida continuava; existia uma "quase desintegração do sistema bancário do mundo ocidental", segundo o Financial Times, apesar de uma intervenção sem precedentes dos Estados.

A economia mundial se contraira, com recessão generalizada em todo o “mundo desenvolvido” e mais de 20 milhões de novas perdas de postos de trabalho. As condições de fome já produziam distúrbios nos países do "Terceiro Mundo", a queda dos preços das matérias-primas acelerara a perspectiva de bancarrota dos países exportadores. A injeção de liquidez pelos governos, medidas de salvamento dos bancos e programas de estímulo (corte de impostos e apoio à vendas de carros e casas), serviram para amortecer a queda econômica, mas ao custo de déficits recordes e da piora dos desequilíbrios da economia global. Na melhor das hipóteses, havia uma estabilização da economia em seu novo e baixo patamar do final de 2008. Um editorial do Financial Times (27 de julho de 2009) resumiu: "Muito dessa recuperação reflete as leis da física. Se você deixa algo cair no chão, isso quica". O comércio mundial, que impulsionara o crescimento econômico por décadas, sofrera sua primeira contração desde 1982, mas desta vez a queda foi muito maior – cerca de 10%. A EU experimentou uma queda de 4,1% do PIB em 2009. A previsão da OCDE para a economia americana era uma queda de 2,8%: "Estamos indo para um longo período de economia fraca, doente", disse Joseph Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial.

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O FMI calculou que os países ricos gastaram US$ 9,2 trilhões em apoio estatal ao setor financeiro, enquanto as “economias emergentes” gastaram um igualmente impressionante US$ 1,6 trilhão. Governos nos principais países capitalistas transferiram as perdas do setor financeiro para o setor público, nas costas dos que pagam impostos: o "socialismo para os ricos", acompanhado de cortes salariais, privatização e cortes orçamentários. Na Letônia, sob a pressão do programa do FMI e da UE, metade dos hospitais foi fechada, e o salário de professores foi cortado em um terço para garantir cortes orçamentários. A Islândia, arruinada por seus bancos privatizados, foi ordenada pelo FMI a cortar o orçamento estatal em um terço.

No Japão, que embarcou no estímulo estatal bem antes dos outros países, entre 1994 e 2007 a renda doméstica anual caiu 16%. O crescimento da pobreza foi um dos fatores responsáveis pela imensa queda de votos que expulsou os Liberais Democratas do governo em 2009 (o Partido Liberal Democrata [PLD], que governou o país por 54 dos últimos 55 anos perdeu quase dois terços das cadeiras que tinha no Parlamento, recuando de 303 para 119) , um terremoto político que se prolongou em 2010, com a queda ultra-rápida do novo governo. O preço das propriedades caiu mais de 50% após o estouro de sua bolha financeira em 1990, continuando em queda por treze anos, para depois se estabilizarem, e tornarem a cair a partir de 2007.

As políticas de “estímulo estatal” tiveram pouco impacto no desemprego em todo o mundo. Na China, 41 milhões de empregos sumiram em 2008-2009, um recorde mundial, com perda de 3,4 milhões de empregos por mês. Nos EUA, 6,9 milhões de empregos sumiram no mesmo período. Isso levou o desemprego para mais de 25 milhões em termos reais, ou seja, contando com os subempregados e aqueles que desistiram de procurar emprego, o que diminuiu o consumo e aumentou as taxas de inadimplência em empréstimos. A OCDE previu a perda de outros 25 milhões de empregos, sem falar em que mais de um sexto das companhias americanas impuseram férias não-remuneradas aos trabalhadores, e 20% pararam de pagar a previdência (privada) de seus empregados. Na crise japonesa (1990-2003) salários em queda criaram um círculo vicioso de menor demanda de consumo e crescimento do endividamento doméstico, trajetória seguida depois pelo restante do mundo capitalista.

A ação conjunta internacional mostrou logo seus limites, e foi incapaz se sobrepor ao acirramento da guerra comercial. No agudo conflito entre a China e os EUA sobre pneus, o regime chinês protestou com vigor contra a decisão do governo dos EUA de impor uma nova medida protecionista, com tarifas de até 35% sobre os pneus chineses (os pneus só são responsáveis por 1,5 bilhões dos 340 bilhões de dólares, valor total das exportações chinesas aos EUA). Companhias americanas se opuseram à medida de seu governo, pois muitas são donas das fábricas de pneus chinesas, atingidas pelas novas tarifas. 17 dos estados do G20 tomaram medidas protecionistas uns contra os outros. A indústria da aviação dos EUA e Europa (Boeing e Airbus) se engajaram em um duelo pelo domínio do mercado mundial, com a Europa/Airbus perdendo um crucial julgamento da OMC por subsídio “injusto”.

Quando a crise se agravou em setembro/outubro de 2008, os governos europeus intervieram para evitar o colapso dos principais bancos e companhias: os governos de Bélgica, Holanda e Luxemburgo nacionalizaram o banco Fortis, o maior empregador privado da Bélgica, foi nacionalizada a britânica Bradford & Bingley, que tinha a maior porção do mercado de hipotecas imobiliárias, o governo alemão resgatou ao gigante dos empréstimos comerciais, Hypo Real Estate, e anunciou que garantiria os depósitos de todos os correntistas, e o governo britânico nacionalizou e recapitalizou os oito maiores bancos do país pela via da compra de ações preferenciais. Mas os Estados capitalistas da Europa reagiram frente à crise sobre linhas nacionais. Fez-se evidente a ausência, na UE, de um equivalente à Reserva Federal norteamericana, capaz de impor um plano em todo o âmbito da Eurozona.

A UE não é um "super Estado", tem uma moeda comum em 16 de seus 27 membros, mas carece de um sistema de impostos ou de um orçamento único. Pelo Tratado de Maastrich, nenhum país da EU poderia ter um déficit fiscal mair do que 3% do PIB, nem dívida pública superior a 70% do PIB, mas a maioria dos países incorporadfos mais recentemente, e alguns dos “originais” (Inglaterra) ultrapassam largamente esses índices. O BCE tem a tarefa exclusiva de manter a inflação por debaixo da taxa estipulada pelo Tratado de Maastricht (2%), mas lida com uma inflação anual superior a 3,6%. O limite estabelecido pelo Tratado, de manter o déficit público por debaixo de 3%, foi abandonado. Os líderes capitalistas europeus reclamaram a

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imposição de novas regulações internacionais, ao mesmo tempo em que ignoraram suas próprias regulações européias.

EUROPA: DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO 2000-2008 (% DO PIB)

Na Rússia, as reservas de capital do Estado ficaram bastante fortes - as terceiras no mundo (devido ao aumento dos preços do petróleo nos sete anos anteriores a 2008) – mas a contração internacional do crédito infringiu golpes devastadores aos oligarcas e ao setor privado, subitamente incapazes de afrontar os créditos obtidos para projetos ambiciosos, particularmente em energia e matérias-primas. Em setembro/outubro de 2008, as duas bolsas russas perderam mais de 75% de sua capitalização, desde seu teto em maio desse ano. O Estado efetuou enormes injeções de liquidez (90 bilhões de dólares) depois dos colapsos das bolsas russas do dia 16 de setembro e 6 de outubro, e em resposta aos temores sobre a estabilidade dos bancos russos. O Kremlin atacou os oligarcas para forçá-los a repatriar e injetar de 10% a 30% sua riqueza total nos mercados e nos bancos para reabilitar o sistema financeiro.

O Estado russo consolidou seu controle sobre os ativos privados, mas isto não foi suficiente para deter a crise. Os oligarcas, muito ricos em ativos, são muito pobres em liquidez; alguns dos mais poderosos, como Oleg Deripaska, o homem mais rico da Rússia, teve que liquidar parte de seus ativos para conservar liquidez. O hipertrofiado Estado construído sob o bonapartismo de Putin teve suas bases materiais sacudidas. Após forçar aos oligarcas a pagar parcialmente pela crise, meteu a mão em suas reservas, que baixaram de US$ 600/650 bilhões em agosto, para 515 bilhões, em outubro de 2008, com a fuga de capitais em pleno desenvolvimento.

A dívida externa russa total, em junho, ascendia a US$ 527 bilhões, dos quais 228 bilhões eram de responsabilidade dos bancos privados ou governamentais. Os bancos russos dependem do acesso ao capital estrangeiro para financiar tudo, desde empréstimos para automóveis até os gastos das empresas de energia e minerais. Com o rublo se desvalorizando frente ao dólar, a dívida externa em dólares cresceu. A reestabilização da economia russa sob o regime de Putin se sustentou, em seu conjunto, sobre um só pilar: a energia. Com a queda dos preços do petróleo e das matérias-primas, esse pilar foi desmoronando.

Quando Ben Bernanke foi indicado para um novo mandato de quatro anos como presidente do Federal Reserve pela administração Obama, foi aclamado por ter "evitado uma segunda Grande Depressão". Mas, em 2009, 92 bancos norte-americanos faliram, comparados à 25 em 2008 e a três em 2007. A maioria das falências foi de bancos regionais, mas incluiu o Colonial Bank, 6ª maior falência bancária da história

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americana: os bancos regionais passaram por uma explosão de atrasos nos pagamentos, sobretudo nos estados mais atingidos pela recessão, como Califórnia e Geórgia. O não pagamento de cartões de crédito representa ainda outra bomba-relógio para os bancos.

O preço dos imóveis nos EUA continuou em queda, apesar de reduções de tributos e outras medidas para aliviar o setor, ameaçando mais problemas para os maiores bancos. O preço dos imóveis caiu 32% desde o pico de 2006. Para Nouriel Roubini, mais de mil instituições financeiras poderiam falir: "O sistema financeiro está seriamente danificado, e não só os bancos". A crise já custou 25 vezes mais de que a da década de 1930 (23.108 dólares por pessoa, contra 821 dólares por pessoa na “Grande Depressão”, medidos na cotação atual do dólar). Para o New York Times (12 de setembro de 2009), "um ano após o colapso do Lehman Brothers, a surpresa não é o quanto as coisas mudaram na indústria financeira, mas o quão pouco mudaram". Os maiores bancos americanos e europeus demitiram mais de 300 mil empregados entre 2007 e finais de 2009. Ao mesmo tempo, a maioria dos executivos manteve seus empregos, com seus salários voltando aos níveis anteriores à crise.

As políticas estatais tiveram pouco efeito sobre os níveis de dívidas ruins ou “tóxicas”. "Os problemas são maiores do que em 2007, antes da crise", disse Joseph Stiglitz, em 2009: "Nos EUA e em muitos outros países, os bancos ‘grandes demais para falir’ se tornaram maiores ainda". Nos EUA pós “resgates estatais”, três bancos – JPMorgan Chase, Wells Fargo e Bank of America – passaram a concentrar 30% de todos os depósitos. Segundo Stiglitz: "Repetindo o desastre da Savings&Loans de 1980, os bancos estão usando má contabilidade (eles são permitidos de contabilizar papéis tóxicos sem rebaixar o valor, esperando que eles voltem a ter valor). Pior ainda, estão sendo permitidos a tomar empréstimos baratos do Banco Central dos EUA, sem caução e simultaneamente tomando posições arriscadas. Mas isto não vai levantar a economia rapidamente. E se a aposta não vingar, os custos aos contribuintes será ainda maior".

O retorno dos lucros bancários veio pelos bancos de investimento (através da chamada inovação financeira, quer dizer, da especulação) em vez de vir do lado dos bancos comerciais (que fazem empréstimos e agem mais amplamente). A melhora no mercado de ações e títulos, recuperação dos preços das commodities, e a retomada de fusões corporativas abriram novas oportunidades para a especulação. Mas a esperança maior seria que a China viesse ao resgate da economia mundial, puxando o mundo para fora da recessão. Em 2006, no seu pico de crescimento econômico, o premier chinês Wen Jiabao afirmou que sua economia era "desequilibrada, instável, descoordenada e insustentável". E depois passou a sofrer os efeitos da crise mundial:

CHINA - PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) - TAXA DE CRESCIMENTO REAL (%)

.

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Ano Produto Interno Bruto (PIB) - Taxa de Crescimento Real (%)

2000 7

2001 8

2002 8

2003 8

2004 9.1

2005 9.1

2006 10.2

2007 10.7

2008 11.9

2009 9

Isso obrigou o regime chinês a lançar seu próprio pacote de estímulos em novembro de 2008, no valor de US$ 600 bilhões, com uma injeção recorde de crédito – 1,2 trilhão de dólares em oito meses – por bancos estatais, sob regime monetário "frouxo". Esses novos empréstimos (em 60% dirigidos para a especulação), mais do que o pacote, mantiveram o crescimento chinês. A quantidade de novos empréstimos foi um recorde mundial, equivalente a quase 25% do PIB, com os bancos "atirando dinheiro pelas portas". Isso parcialmente reverteu o colapso de produção sofrido devido à queda nas exportações (que caíram 22%, também em oito meses).

O problema da China não é só aumentar a produção, diante de um mercado mundial em vias de estreitamento, mas a demanda interna, dados os baixos salários chineses e o declínio do comércio mundial, problemas agravados pelas rivalidades regionais, desperdício, duplicação de projetos e corrupção. Com um desequilíbrio entre os investimentos (que atingiram 45% do PIB) e consumo (apenas 35% do PIB), os investimentos gerados pelo regime de liberação de crédito foram responsáveis por quase 90% do crescimento do PIB em 2009. Odesperdício destes investimentos é geralmente subestimado por comentaristas econômicos, impressionados só pelo tamanho das cifras.56

ENTRADA E SAÍDA DE INVESTIMENTOS EXTERNOS DIRETOS (IED) NA CHINA (US$MILHÕES)

A China tem 7.000 siderúrgicas, o dobro do que tinha em 2002, com capacidade de produzir 660 milhões de toneladas de aço anualmente, mas, de acordo com o Ministério da Indústria e Tecnologia, a demanda total para consumo doméstico e exportação é de apenas 462 milhões de toneladas; a capacidade utilizada caiu de 83% para 74%. Mais da metade dos novos empréstimos dos bancos chineses foi para canais puramente especulativos – o mercado de ações e o imobiliário. Quando essa bolha estourar – o mercado de ações de Xangai cresceu improváveis 90% em 2008 – uma onda de calotes bancários ocorrerá. Da mesma maneira, a subida nos preços de propriedade se deveu amplamente a alta liquidez. A emergência da China é portanto frágil. O consumo interno chinês é de cerca de 1,5 trilhão de dólares, comparado a 22 trilhões somados dos EUA e Europa: para compensar 1% de queda no consumo dos países ocidentais, deveria haver um aumento de 15% do consumo chinês. As políticas chinesas tiveram um efeito mínimo sobre a criação de empregos e o crescimento da demanda mundial. É um segmento de cerca de 10% da população – “afluentes” moradores das cidades – que conta pela maior parte do consumo na China. Em outubro de 2008, o Banco Popular da

56 Um secretário regional do PCCh disse: "Construir uma ponte é PIB, demoli-la é mais PIB, e a reconstruir de novo é também mais PIB. Uma ponte contribuiu três vezes para o PIB, gastando imensos recursos sociais, mas formando riqueza social real apenas uma vez".

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China previu que durante os próximos dois anos os preços das casas baixariam entre 10% e 30%, furando assim a bolha imobiliária chinesa; o banco se preocupa por uma possível crise de liquidez que afetaria severamente não somente as companhias imobiliárias, mas também os bancos comerciais que dedicaram entre 20% a 40% de seus empréstimos totais ao setor imobiliário. Os cortes nas taxas de juros bancárias são também um indicador do esfriamento do crescimento chinês.

IED NORTE-AMERICANOS NA CHINA (EM%)

Governos e empresários de todo o mundo apelaram para o aumento da exploração, com intensificação do ritmo de trabalho e da produtividade, cortes de custos, retiradas de direitos, demissões etc. Segundo relatório da OIT de 2009, o mundo teria cerca de 250 milhões de desempregados. Um bilhão de pessoas está passando fome no mundo: se considerarmos a insuficiência na alimentação, essa cifra passa para três bilhões. A ONU reconheceu que uma em cada seis pessoas passa fome. O desemprego, só nos EUA, chegou já a 9,5% da população ativa, o maior índice em 26 anos, 15 milhões de desempregados “oficiais” (com exiguas, ou ridículas, 100 mil recontratações mensais, para uma destruição de 8,5 milhões de postos em 2008-2009, e um afluxo superior de jovens, legais ou ilegais, ao mercado de trabalho). Os patrões aproveitaram para reduzir direitos e rebaixar salários. Na GM dos EUA, ainda que os metalúrgicos tenham aberto mão de direitos históricos, pelo menos 35 mil perderam seus postos de trabalho.

Em dezembro de 2009, o default da dívida de um empório paraestatal do Emirado de Dubai foi desprezado como um fato isolado, sem capacidade para alterar a recuperação econômica internacional. Mas esse default era, em um pequeno país considerado inabalável devido à sua riqueza e renda petroleira, um sintoma da situação de todo o sistema financeiro mundial, que não pode encarar suas dívidas. O FMI estimou as perdas dos grandes bancos, até finais de 2010, em US$ 3,5 trilhões, só levando em conta os balanços públicos, mas não o sistema financeiro satélite desses bancos, o shadow bank system. O default de Dubai encareceu a taxa de juros dos contratos “derivados” em todos os centros financeiros de Europa e dos EUA. Afetou os bancos ingleses e o Citibank, os mais golpeados pela derrubada mundial, e suscitou abalos também nos “países emergentes”, que viram fugar-se os capitais voláteis que tinham ingressado em massa nos últimos meses. O dólar subiu e o restante das moedas, inclusive o euro, começou a cair, com exceção do ouro, em constante alta, evidenciando a tendência para o afundamento do sistema monetário internacional. O "fim do começo" da crise levou alguns a declararem finda a própria crise. Dubai e o estouro da "bolha islâmica" indicaram, ao contrário, o início de uma nova fase.

Crise do Estado e Dívida Pública

O problema da dívida pública foi ocupando um lugar central com o desenvolvimento da crise, com a possibilidade de default de vários países europeus, e a ameaça de confiscação de milhões de moradias de trabalhadores em todos os países. A crise capitalista mundial destrói a vida de milhões de pessoas em todo o planeta, condenando-as à expropriação, ao desemprego, à indigência e à miséria, submetendo-as às guerras e à repressão do Estado. Ao mesmo tempo, a resistência cresceu, inicialmente aos poucos. Ela já se manifestara na tendência crescente à rebelião, particularmente de parte de uma nova geração de trabalhadores com empregos precários e mal pagos: desde a rebelião dos subúrbios em 2005 e a mobilização contra o CPE (Contrato de Primeiro Emprego) na França, em 2006, até a mobilização da juventude grega contra a privatização das universidades segundo as diretivas da União Européia, em 2006-2007, e a rebelião, no mesmo país, de dezembro de 2008. Existia já uma onda ascendente de lutas sociais,

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greves de massas, ocupações e rebeliões populares, desde Europa até o Caribe (Guadalupe). As demissões, o fechamento de fábricas e o desemprego criaram inicialmente confusão, frustração e uma atitude defensiva. As burocracias sindicais se mostraram incapazes e sem vontade de enfrentar a catástrofe capitalista ou sequer organizar uma mobilização parcial contra ela. Pressionaram o Estado e os capitalistas para chegar a um acordo, através de concessões e retrocessos, abandonando muitas das conquistas e posições ganhas.

Os próprios capitalistas tiveram que admitir que a crise não era um episódio cíclico nem um distúrbio conjuntural, e que não afetava somente o setor financeiro, mas toda a economia capitalista, dominada pela super-expansão do capital financeiro, que durante décadas invadiu, interligou e controlou a economia mundial. Esse é o significado do “fim a onda ideológica neoliberal que dominou o mundo nos últimos 30 anos no quadro da hegemonia americana”, nas palavras de Bresser Pereira (ou de Martin Wolf: "lembre a sexta-feira, 14 de março de 2008: foi o dia em que o sonho de um capitalismo de livre mercado morreu"). O prognóstico do FMI, em abril de 2009, previa uma retração de 1,3% na economia mundial, derrubando a previsão anterior de 0,5%, realizada em janeiro de 2009. Um ano antes, em 2008, o FMI prognosticava um crescimento de 3,8% do PIB para 2009. No final de 2009, o espectro dos defaults soberanos, desde Dubai e Grécia até a Irlanda, sacudiu o conjunto da Eurozona e à União Européia, e revelou o impacto catastrófico das montanhas de dívidas dos Estados capitalistas em todo o planeta, começando pelos própios EUA, desmentindo as precipitadas afirmações de recuperação. Em maio de 2010, a OCDE constatou que as dívidas públicas dos 30 “países industrializados” ultrapassavam US$ 43 trilhões (65% do PIB mundial), tendo aumentado quase sete vezes desde 2007, perfazendo 94% do PIB nos EUA e... 420% na Inglaterra.

O oceano de derivativos, por sua vez, retrocedeu só um pouco. Sua função, de qualquer modo, é vital para o capitalismo contemporáneo, não pode ser abolida sem precipitar um colapso. Novas bolhas enormes de capital financeiro se formaram quando a liquidez disponível foi dirigida massivamente, uma vez mais, para atividades especulativas. A OCDE enfatizou que “a economia mundial está na mais profunda e sincronizada recessão de nossas vidas, causada por uma crise financeira mundial e aprofundada por um colapso do comércio mundial”. Nos EUA, a queda da produção industrial se compara com a da “Grande Depressão” da década de 1930. No Japão, já caiu tanto quanto nos EUA nos anos 1930. Grã Bretanha e os países da zona do euro entraram em recessão, com retração de 4,2% do PIB em 2009, e uma recessão pior em 2010. A economia alemã se retraiu 5,3%, a sua maior queda, excluindo a devastação posterior à II Guerra e as profundezas da Grande Depressão (1932), quando a economia se retraiu aproximadamente 7,5%. O PIB da Alemanha equivale a três vezes a produção somada de seus vizinhos da Europa Central: foi inevitável que a queda tivesse efeitos no restante da Europa.

A nova etapa da crise consistiu na passagem da quebra financeira, detonada pela crise imobiliária nos Estados Unidos, a uma quebra dos Estados, causada pelos próprios mecanismos capitalistas que procuraram evitar o colapso do sistema financeiro e do mercado mundial. A emissão monetária gigantesca do Federal Reserve em benefício dos bancos dos EUA foi a base da especulação nas Bolsas em 2009, e da especulção com a dívida pública no país e no exterior. A emissão de moeda e o crescimento agudo dos déficits não resolveram os problemas originais, e colocaram problemas novos: a perspectiva da quebra do próprio Estado e dos bancos centrais, sob a forma da inflação fora de controle. Em 2009, o déficit fiscal dos EUA atingiu US$ 1,4 trilhão, 10% do PIB, seu maior montante desde 1945. A dívida federal em relação ao PIB ultrapassaria 100% em 2012 (ela se situava abaixo de 40% em 1980, e abaixo de 60% em 2000).

A crise imobiliária não foi resolvida, nos EUA continuou a crescer o calote das hipotecas. O estancamento industrial não foi superado, e a situação dos bancos tampouco foi saneada, mas dissimulada com a "contabilidade criativa", que lhe permite manter créditos incobráveis no seu valor original, e a nova onda especulativa com fundos de Estado para lucrar com operações de curto prazo, nas bolsas e nos países “emergentes”. Nos países “desenvolvidos”, a relação entre o crédito e o PIB se manteve em torno de 400% (não ultrapassava 50% nos “anos gloriosos” da década de 1950), tendo atingido (o crédito) o volume de US$ 33 trilhões em 2007 (com o credit crunch caiu abaixo dos US$ 30 trilhões). O incremento sem precedentes da produtividade do trabalho (ou seja, da taxa de mais-valia), que deixou embasbacados os apologistas do capital, não conseguiu contra-balançar a tendência para a superprodução, em condições em que o poder adquisitivo dos trabalhadores está estancado (ou falido, no caso do mercado hipotecário norte-americano). O crédito jogou o papel decisivo na expansão do mercado mundial e na integração nele das economias

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“subdesenvolvidas” (e ex-“socialistas”): como o feitiço que se volta contra o feiticeiro, ele (na forma de crédito privado ou público) se torna agora o grande fator de bancarrota do mercado mundial capitalista.

Os “aquecimentos” especulativos, por isso, são cada vez mais curtos, e seus limites mais explosivos, porque não podem anular a tendência fundamental da crise capitalista: a impossibilidade de uma saída sem uma quebra massiva de capitais, com a conseguinte destruição de riqueza social e de forças produtivas, o aumento do desemprego e da pauperização. A tendência objetiva ao desmoronamento se manifesta como concorrência entre capitais e seus Estados. O keynesianismo não tem receitas para esta ocasião: só “funciona” em fases expansivas, não em fases de contração econômica, já que o capitalismo em decomposição não garante o pleno uso de recursos e o pleno emprego, nem sequer na fase ascendente dos ciclos. Foi inútil frente à crise de 1930, mas serviu como uma arma de contenção do proletariado após a última guerra mundial. Os novos episódios da crise puseram muito cedo fim às afirmações relativas à sua superação a partir da segunda metade do ano 2009. O fracasso da tentativa de salvar aos bancos com subsídios e emissão de dinheiro podia recolocar a variante, descartada no pico da crise de 2008, de uma nacionalização integral do sistema financeiro. Esta, no entanto, é uma possibilidade remota, frente ao ritmo desigual da crise nos diversos países, e proporia um choque entre as potências capitalistas, além de uma dissolução dos blocos econômicos existentes (na década de 1930, a autarquia econômica foi a base para a marcha até a segunda guerra mundial). Seria um último recurso do capital para enfrentar a dissolução das relações sociais.

É claro que um capitalismo de estado deveria vencer a resistência dos capitais individuais e dos interesses opostos dos diferentes Estados imperialistas, porque as nacionalizações deveriam generalizar-se para evitar uma desintegração financeira internacional e para coordenar a reativação. Os conflitos e choques que suscitaria, obrigaram a optar por um plano de resgate, que agora está fazendo água, e que foi imposto por Wall Street para sua própria salvação. A variante nacionalizadora pode ressurgir como resultado das novas derivações da crise, que podem colocar uma quebra do mercado mundial pela via de uma queda generalizada de moedas e de desvalorizações selvagens. É essa queda, a eventualidade de um isolamento econômico de países e regiões, e uma onda de protecionismo e guerras comerciais, o que trataria de evitar uma política de estatização capitalista.

O Estado é o bastião do capital como órgão de dominação política e repressão. É em função disto, não em virtude de sua capacidade financeira, que pode impor às classes exploradas todos os sacrifícios necessários para restabelecer a acumulação capitalista e todos os reordenamentos sociais e políticos necessários para eles. O suposto remédio representado pela intervenção do Estado é uma fantasia. Da bancarrota não se pode sair com o aumento da demanda agregada, pois ela traria mais gasto e déficits fiscais. De maneira inversa, o corte dos gastos sociais e dos salários acentuaria a recessão e a crise fiscal. Ao final do caminho, o resultado é o mesmo: o capital necessita de destruição de recursos, e maior vulnerabilidade e exploração da força de trabalho, para sair da crise mediante uma nova concentração de capitais internacional.

Com taxas de juros vizinhas a zero, os fondos financeiros rumaram para as Bolsas e o mercado de títulos públicos para inchar suus balanços deteriorados com ganhos especulativos. O sistema fiscal foi obrigado a um novo endividamento para absorver os fundos gerados pelos resgates. Os estímulos estatais contra a

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recessão foram financiados através desse mecanismo especulativo. A dívida pública dos EUA passou de 40% para 100% do PIB (a de Espanha, de 30% para 80%). Em vez de tirar de seus balanços os “ativos tóxicos”, os bancos incorporaram novos ativos com essas características, os títulos públicos. A insolvência fiscal é um produto este financiamento parasitário. A crise bancária gerou uma crise fiscal, que acentuou a crise bancária e reabriu a crise monetária. Apesar da gigantesca injeção de fundos públicos, a oferta monetária global – o crédito – diminuiu.

A recessão mundial não expressa só uma crise de superprodução do capital, mas também o colapso das bases do processo de acumulação capitalista do último período histórico. Não é só um fracasso do “modelo neoliberal”, nem dos “excessos da especulação financeira”, que seria possível corrigir com os métodos capitalistas adequados. A própria globalização do capital financeiro foi resultado de um longo processo histórico de desenvolvimento das contradições do capitalismo. Os déficits fiscais não são o apanágio exclusivo de Europa. Nos EUA, o saldo fiscal negativo atinge US$ 200 bilhões mensais. A sobrecapacidade de produção, por sua vez, é mundial: afeta tanto às economias com déficit comercial como àquelas que têm excedente. China sofre uma sobrecapacidade de produção superior à dos EUA, é o país que mais precisa de uma saída para sua superprodução (o programa de estímulo de Obama supõe gastos de 5% do PIB dos EUA, o da China equivale a 25% de seu PIB). O governo chinês enfrenta a necessidade de enxugar sua própria industria excedente, que na siderúrgia já opera sem rentabilidade, sustentada pelo gasto estatal ou por empréstimos que equivalem a subsídios. As exportações representam, em China, 60-70% do PIB (só 25%, nos EUA): China depende mais dos mercados externos. O investimento chinês supera em muito o consumo interno, evidencia de uma situação de superprodução.

Um novo pico da crise atingiu o velho continente europeu. O colapso dos regimes stalinistas na Europa oriental, na década de 1990, fora visto inicialmente como a grande oportunidade histórica para o imperialismo europeu, em primeiro lugar para o motor de sua integração: o eixo franco-alemão. O Tratado de Maastricht, de 1992, como base da UE e do lançamento do euro e, depois, da sua expansão até as fronteiras da Rússia, viu-se acompanhado por um auge do crédito e pela realocação de indústrias da Europa ocidental na Europa central e nos Bálcãs, reforçando a idéia de uma ascensão do imperialismo europeu. A crise mundial a questionou: as restrições do Tratado de Maastricht não são respeitadas, o euro sofre enormes pressões, e a bonança nos países do Leste sob os novos regimes converteu-se em um pesadelo para os bancos europeus e seus respectivos países. Apesar de uma avalanche de créditos ao Leste - e uma guerra devastadora da OTAN que destruiu a ex Iugoslávia - a restauração capitalista na Europa central e nos Bálcãs mostrou sua fragilidade, e pôs de manifesto que dependia fundamentalmente da arrecadação de capital estrangeiro, mais do que de estruturas capitalistas enraizadas localmente. O Leste transformou-se em um buraco negro que ameaça absorver o Oeste em seu vazio, para usar a metáfora de George Soros.

A desestabilização dos regimes políticos concentra-se particularmente na União Européia. Na França, Sarkozy sofreu uma derrota plebiscitária nas eleições regionais: não logrou superar 35% nem sequer no segundo turno e perdeu em 21 das 22 regiões do país. O Partido Socialista, com o apoio dos ecologistas e da “Frente de Esquerda” (PC e outros) no segundo turno alcançou 54%. A Frente Nacional do fascista Le Pen obteve mais de 10% no primeiro turno, conseguindo chegar ao segundo turno em várias regiões. Na Itália, em um quadro de grande crescimento da abstenção, a coalizão de centroesquerda perdeu 4 das 11 regiões que governava, cedendo à direita as mais povoadas e industrializadas. Berlusconi perdeu votos em todo o país, e seu triunfo em algumas regiões obedece ao avanço da ultradireista Liga do Norte. Os resultados eleitorais asseguram a continuidade do impasse da situação política italiana. Na Alemanha assistimos a uma crise do governo Merkel com seus sócios liberais, a uma acentuação das tendências protecionistas e a um ataque em regra contra as conquistas operárias do passado. Na Grã-Bretanha, o governo trabalhista foi derrotado nas eleições, e estão progredindo as tendências “eurocéticas”.

A União Européia foi particularmente golpeada pela crise. A bancarrota capitalista da Grécia não foi um caso isolado. Grécia está no topo da lista de uma larga série de países da UE com déficits enormes e dívidas esmagadoras: Irlanda, Espanha, Portugal, Itália e outros. Os defaults soberanos ameaçam os bancos que são emprestadores superexpostos, assim como também a sustentabilidade da União Monetária Européia. Países como Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha ficaram com suas economias com insuportável grau de endividamento.

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A crise grega foi tão anunciada quanto à do subprime: com uma economia débil, um déficit público de aproximadamente 3,5% do PIB, um déficit de pagamentos superior a 15% do PIB, e uma dívida total, pública e privada, de meio trilhão de dólares, tinha seu sistema bancário superexposto nos Bálcãs, particularmente na Bulgária e na Romênia. Com a liquidação massiva de títulos do Estado grego (mais de três bilhões de dólares nos últimos dez dias de outubro de 2008) planos de “reajuste” foram aplicados, com ataques aos salários, direitos sociais e aposentadoria dos funcionários públicos. No setor privado, o centro foram as demissões. A Grécia se situou no centro da crise européia, com uma dívida pública em torno de 300 bilhões de euros (o equivalente a US$ 400 bilhões, ou R$ 700 bilhões de reais, quase 50% da dívida barsileira, com uma população quase vinte vezes menor). Para tentar minimizar a situação precisou refinanciar mais de 50 bilhões de euros em dívidas. A queda da Grécia traçou uma divisão no processo de falência global, entre a crise do banco de investimentos Bear Stearn em 2007 até a crise do Lehman Brothers no final de 2008.

A dívida da Grécia é a mais elevada na historia de um país com 11 milhões de habitantes (cada grego nasce devendo 40 mil dólares...). O aumento do déficit orçamentário também foi o mais elevado dos últimos 16 anos: o país foi cobrado pelo BCE para que reduzisse esse déficit, de valores de 13,6% do PIB, quatro vezes a porcentagem permitida pela UE. Foram impostas medidas de austeridade, “economizando” 4,8 bilhões de euros (menos de 2% da dívida pública), para tentar resolver a crise, condição para receber a ajuda de US$ 140 bilhões de 15 países europeus: congelamento e redução de salários dos funcionários públicos, cortes nos fundos de pensão e aumento dos impostos, aumento do preço da gasolina. O governo aumentou a idade para a aposentadoria, economizando dinheiro no sistema de pensões. O aspecto fundamental da crise griega não é seu déficit fiscal, mas a bancarrota de seus credores, a banca internacional, em especial européia. O desequilíbrio das contas gregas consiste em uma crescente acumulação de débitos não pagos aos fornecedores e contratistas nacionais.

Grécia prometeu uma consolidação fiscal de 11% do PIB ao longo de três anos, somada às medidas já adotadas, visando atingir um déficit de 3% até 2014, em comparação aos 13,6% em 2009. As medidas

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voltadas aos gastos do governo produziriam economias de 5¼% do PIB ao longo de três anos: aposentadorias e salários serão reduzidos e então congelados por três anos, com a abolição do pagamento dos bônus sazonais. As medidas tributárias produzirão 4% do PIB. Mesmo assim, a previsão é de que a dívida pública atinja um pico de 150% do PIB, bem superior à dos EUA. Bastou que fosse conhecido o pacote de resgate da Grécia para que fosse evidente que seu default seria inevitável: o aumento da soma do resgate de 60 para 140 bilhões de euros demonstrou a insolvência do Estado grego. A repercussão mundial derrubou as Bolsas de Madri e Milão, mas também caíram as de Nova York, Xangai e São Paulo. O pacote de austeridade provocou uma recessão econômica que só agrava a incapacidade do Estado para pagar a dívida pública.

Martin Wolf resumiu as dúvidas do grande capital diante da crise grega: “Presuma, por um momento, que tudo siga de acordo com o plano. Presuma também, que os juros médios sobre a dívida da Grécia a longo prazo sejam de apenas 5%. O país então precisaria de um superávit primário de 4,5% do PIB, com uma receita igual a 7,5% do PIB dedicada ao pagamento de juros. A população grega suportará o fardo ano após ano após ano?”. A resposta foi dada pela classe operária e a juventude: já não está “suportando”. Houve massivos protestos por causa das medidas, que ocasionaram mortes de funcionários de um banco após uma mobilização em Atenas. Logo após os bancários entraram em greve, até se chegar à greve geral em 5 de maio de 2010. O objetivo do pacote foi reduzir o orçamento da Grécia em 30 bilhões de euros.

Resistência e Levantes Operários

Para Peter Westaway, economista-chefe do setor europeu da Nomura International: “Esta crise não é só da Grécia. É sobre a integridade do euro como um todo”. A Grécia não é o único país da zona do euro a violar a regra do déficit orçamentário (3%): na Grã-Bretanha, que não está na zona do euro, esse déficit também chega a 13% do PIB (seu “plano de austeridade” prevê o corte de 25% dos gastos públicos), na Espanha a 11,2%, na Irlanda a 14,3%, e na Itália a 5,3%. Os bancos de toda Europa estão, por outro lado, fortemente expostos na Grécia. A Alemanha já apresenta altas taxas de desemprego com jornadas de trabalho reduzidas, e com a dívida pública alcançando o limite máximo aceito pela UE. Operadores de câmbio demonstraram medo de que países com grandes déficits no orçamento - Grécia, Espanha e Portugal - abandonassem o euro, o que poderia permitir a desvalorização de sua moeda e, assim, “melhorar sua competitividade”. Os trabalhadores gregos continuaram reagindo com uma série de protestos, com três grandes greves gerais, que atingiram escolas, hospitais, e praticamente paralisaram o transporte público.

Na Espanha, um pacote de austeridade reduziu em 5% os salários públicos em 2010, e fez um corte de 600 milhões de euros nos investimentos públicos. Essas medidas foram exigências do FMI, que já comprometeu três trilhões de dólares para “enfrentar a crise” nesses países. Na Espanha, o pacote de austeridade foi enfrentado com uma massiva paralisação nacional dos trabalhadores, convocada pelas centrais sindicais. Os trabalhadores de outros países também reagiram com grandes manifestações. A resistência dos trabalhadores europeus já é bem superior à que vimos em 2008. Nas condições da crise, a classe operária européia começa a manifestar-se. Greves de massas, mobilizações massivas, ocupações de fábricas, tomada de reféns de patrões por trabalhadores, revoltas de jovens e operários. As greves gerais na Grécia e Turquia, as greves e as manifestações na França e Espanha, as numerosas ocupações de fábricas na Itália, são uma mostra da crescente combatividade do proletariado contra o desemprego massivo, a flexibilização trabalhista, as reduções salariais, a destruição dos sistemas sociais.

A rebelião grega resumiu os problemas políticos a serem resolvidos. A rebelião não foi dirigida por nenhum partido ou força organizada sobre a base de um projeto político com programa. Mas não foi só expressão de espontaneidade de uma juventude que se rebela contra a repressão policial. Houve tentativas de avançar para uma greve geral política. Muitas experiências das lutas passadas foram revividas e superadas; as burocracias foram desafiadas e expulsas em muitas ocasiões. Junto com o monopólio estatal da violência, foi desafiado o controle da classe dominante sobre as informações, os meios de comunicação e a cultura. As exigências de uma reorganização das relações sociais sob bases socialistas, pela retomada da vida em todas as suas manifestações, se expressaram em espaços ocupados, em assembléias gerais abertas e em centros de ação. Le Monde escreveu com temor que “Grécia está sem Estado”, em agosto de 2008, durante a grande mobilização popular, mas a classe operária não estava preparada para derrotar o regime capitalista e tomar-lhe o poder político.

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A inédita centralização do capital financeiro no Estado levou para uma onda de protecionismos nacionais e isolacionismos, que aumentaria a temperatura das relações internacionais a graus insuportáveis. A conseqüência seria um descontrole bélico que derivaria da indissolúvel unidade entre economia do imperialismo e guerra mundial em um quadro de aumento do protecionismo econômico entre as nações (como na década de 1930). O abafamento da crise do crédito privado se manifestou na forma muito mais corrosiva da crise do crédito público. Os economistas do capital provaram restaurar a paz no mercado de crédito privado destruindo o crédito público. Pagaram caro por isso, não se poderia inundar o mercado com papel moeda sem nenhuma conseqüência na economia, um processo que encontrou seu limite fiscal, na forma de um incontrolável déficit público.57 Para a explosão desse déficit age não apenas o aumento descomunal das despesas fiscais com os mega-pacotes de salvamento dos bancos e outras empresas privadas, mas, simultaneamente, a forte redução das receitas fiscais motivada pela queda do nível de atividade econômica em todo o mundo.

A luta pelo mercado mundial ganha cada vez mais peso na crise, evidenciada na disputa sino-americana pela taxa de cambio do yuan. China pareceu ceder à pressão norte-americana pela revalorização de sua moeda, descolando o yuan do dólar, ao qual estava atrelado desde 2008. Na verdade, China substituiu o regime de câmbio fixo frente ao dólar por outro flotante, em que a taxa de câmbio será ajustada, diariamente, à uma cesta de moedas, e submetida às decisões do governo, o que não era o que os EUA desejavam, uma revalorização explícita. No meio desse enfrentamento, aconteceu a desvalorização espetacular do euro, que afetou o principal mercado de exportação da China, a UE (os EUA vêm em segundo lugar). Mas a decisão de flotar o tipo de câmbio é também uma potencial concessão ao grande capital internacional, como passo necessário para a liberalização do mercado de câmbio e o acesso do capital externo ao mercado financeiro de China.

A restauração capitalista na China, porém, é um processo não concluído, devido ao papel de arbitragem excepcional que ainda possui a burocracia estatal, na ausência de uma burguesía nacional consolidada; ao monopólio do crédito e do mercado financeiro pelo Estado; à não resolução do problema da propriedade privada da terra, que continua explorada em regime de usufruto por milhões de camponeses. O Estado chinês tem ainda uma enorme tarefa de confisco social pela frente, para estruturar uma sociedade e um mercado capitalistas. A adoção de um currency board e a flotação do yuan pode possibilitar a substituição do controle estatal pela arbitragem do capital financiero sobre o regime monetário e o acesso do capital estrangeiro ao mercado financeiro da China, o que colocaria um passo decisivo em direção da plena restauração capitalista.

O crescimento chinês, que converteu o país na "fábrica do mundo", baseou-se no canibalismo dos setores nos quais a revolução chinesa havia expropriado ao capital (empresas estatais, sistema bancário estatal) para impulsionar uma economia liderada pelas exportações ao mercado mundial e não pela demanda local, nem pelas ganâncias no mercado doméstico. Um forte desenvolvimento capitalista foi impulsionado sobre premissas não capitalistas (por exemplo, os empréstimos são outorgados pelos bancos estatais sem seguir

57 Martin Wolf diagnosticara, em 2008: “A elevação no endividamento do governo americano será conseqüência quase inevitável de qualquer crise prolongada. Um salto na dívida pública representa um aumento invisível nas obrigações privadas de longo prazo. Mas o caso atual envolve a socialização de dívidas privadas: os prudentes pagam pelos perdulários. Há um meio de escapar à armadilha do endividamento público: a inadimplência coletiva conhecida como inflação. Ao destruir o poder aquisitivo do dinheiro, o governo pode engendrar acelerada redução no endividamento em toda a economia, à custa dos credores, especialmente os idosos e os estrangeiros. A inflação é um imposto mágico sobre os credores, cujos proventos são transferidos aos devedores”.

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critérios capitalistas) e, em última instância, sobre a superexploração de uma força de trabalho vasta e barata, disciplinada por um regime stalinista, a serviço do capital mundial. As desigualdades sociais entre as zonas industriais costeiras, abertas ao mercado mundial, e as zonas rurais do interior, alimentaram ondas imparáveis de migrantes internos até às cidades, agitação rural e contínuas rebeliões camponesas e greves operárias, inicialmente “selvagens” (sem organização).

China necessita uma taxa de crescimento anual de 9 a 10% para absorver a aproximadamente 24 milhões de pessoas que se incorporam cada ano à força de trabalho, e os 12/14 milhões de camponeses pobres que migram ao setor urbano industrial. Qualquer diminuição da taxa de crescimento por baixo dessa marca cria milhões de novos desempregados e mais material explosivo para novas rebeliões. Uma aterrisagem forçada da economia chinesa, de 12% a um crítico 6% de crescimento anual, significaria um golpe mortal para a legitimidade e a estabilidade do regime burocrático restauracionista. O governo do Partido Comunista Chinês está pressionada por um duplo limite: manter uma alta taxa de crescimento, concentrando seus esforços nas zonas costeiras e enfrentando as conseqüências externas, a contração norte-americana e do mercado mundial, e internas, pela desintegração do interior agrário; ou cortar os laços que unem a China com o mercado mundial e construir “para dentro” um mercado interno (capitalista). Os dois processos não podem senão exacerbar as contradições.

A restauração do capitalismo na China suporia a abertura de um enorme leque de possibilidades para o capital mundial; até agora, porém, acentuou as tendências de crise, ao aumentar a capacidade de produção muito mais do que o mercado para absorvé-la. A restauração capitalista limitou as possibilidades de uma transição econômica chinesa para o capitalismo baseada em uma classe média agrária (o campo é o maior mercado potencial da China). A injeção na economia, por parte das autoridades do Estado chinês, de um imenso pacote de estímulo de 4 bilhões de yuanes no último ano, não se sobrepôs à crise de capacidade ociosa (a capacidade ociosa na siderurgia já era, em 2005, de 120 milhões de toneladas, mais do que a produção anual do Japão, segundo produtor mundial). Isso levou a novas bolhas na Bolsa e à especulação imobiliária. A gigantesca desproporção entre uma economia dirigida à exportação, e um mercado interno inadequado e subdesenvolvido, em uma formação social econômica ainda híbrida, posta diante de uma recessão internacional, destrói as tentativas da burocracia restauracionista do Partido-Estado chinês para estabelecer um equilíbrio social entre clases, assim como entre o campo e os centros industriais. As tensões e lutas sociais crescem, expondo a falácia da suposta "sociedade harmoniosa com socialismo de mercado".

As taxas de câmbio fixas ou deliberadamente fracas da Ásia e seu enorme superávit de conta corrente se concentram no Japão, China, Taiwan e Hong Kong. Em que pese as medidas de Obama para duplicar as exportações norte-americanas, elas não aumentaram, e o déficit comercial dos EUA (assim como sua dívida externa) não pararam de crescer: o déficit fiscal e o endividamento público dos EUA são, em termos relativos e absolutos, os maiores do mundo: os Estados Unidos precisariam, para não entrar em default, um corte de gastos equivalente a 9% do seu PIB (que equivale a 25% do PIB mundial), isto é, 1,3 trilhões de dólares, uma facada no orçamento que provocaria uma catástrofe social e econômica. Sendo Europa o centro aparente da crise mundial, esse centro continua localizado nos Estados Unidos, com um endividamento total insuperável. A taxa oficial de desemprego dos EUA, 9.5%, está grosseiramente subestimada, não levando em conta às pessoas que já não procuram emprego, nem as que só trabalham meio período.

As condições objetivas para a transição social (socialista), em escala internacional, se desenham no horizonte. O seu amadurecimento se mede pelo grau de internacionalização das forças produtivas (ao longo de todo o último século, o comércio mundial cresceu mais rápido do que a produção, as transações externas de capital superaram cada vez mais os negócios internacionais de mercadorias) e o reforço simultâneo das fronteiras nacionais, contradição que tornou obsoletos, simultaneamente, o Estado capitalista e a utopia stalinista do “socialismo em um só país”. A crise mundial marcou um limite decisivo à vitória político-ideológica obtida pelo imperialismo com o chamado “fim do socialismo”, isto é, a degringolada da burocracia dirigente da ex-URSS e países satélites. Em menos de uma década, a ilusão dessa “vitória” dissipou-se, pois o processo político que levou à dissolução da URSS teve lugar, historicamente, no quadro de uma crise excepcional do capitalismo mundial, depois da derrota norte-americana no Vietnã e no Sudeste asiático.

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Resumindo: entre 1970 e 1990, a taxa de crescimento da economia mundial caiu pela metade da registrada nas duas décadas precedentes. Produziu-se uma seqüência de crises econômicas, interrompidas por "recuperações" extremamente frágeis e curtas. Em 1973, estourou a "crise do petróleo"; em 1975/77, a crise inflacionária nos países imperialistas; em 1980, a recessão e inflação nos EUA; em 1982, a crise desatada pela dívida latino-americana; em 1987, a crise derrubou Wall Street; em 1990/92, se combinou a recessão norte-americana com a crise financeira nos EUA (companhias de poupança e empréstimos), as desvalorizações européias e o início da larga e inconclusa depressão japonesa; em 1997, caiu a Ásia; em 1998, a Rússia; um ano mais tarde, o Brasil; e logo a Argentina, a Turquia, a “bolha” da Internet e a Bolsa de Wall Street. A colonização capitalista da Rússia e das ex repúblicas soviéticas teve um caráter essencialmente destrutivo, porque se estreita cada vez mais o lugar para sua produção em um mercado mundial saturado de mercadorias e capitais excedentes. Isto tambem vale, crescentemente, para a China. A queda de preços do petróleo e do gás, e a própria recessão européia, podem levar também à economia de exportações primárias da Rússia para o colapso.

A desintegração da URSS fora celebrada pelo capitalismo como "o final do comunismo" e da própria história; agora o próprio capitalismo enfrenta sua própria implosão em seus centros metropolitanos, nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. O mito pós 1989/91 de um aparentemente triunfante sistema capitalista liberal, incluída a fantasia de um "mundo unipolar" com centro no "indisputado" império norteamericano, entrou em colapso.

A superpotência capitalista mais forte do planeta, os Estados Unidos, e não somente o evaporado "mercado de hipotecas subprime", tem se transformado no "maior ativo tóxico" do sistema mundial. Trotsky previu há quase um século que, ao ascender até a hegemonia mundial, os EUA acumulariam todas as contradições mundiais em suas bases. Essa dinamite, acumulada durante um século de expansões e crises, explodiu em condições de declínio histórico da produção capitalista, expressa na queda, real e tendencial, da taxa de lucro das corporações não financeiras dos EUA, motor da economia mundial no pós-guerra.

TAXA DE LUCROS DAS EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS DOS EUA (1947-2010)

Fonte: Anwar Shaikh. The first great depression of the 21st century, outono 2010.

Os gráficos que seguem, em valores deflacionados, exibem a tendência de queda (a linha de queda está representada nos gráficos pela seta) da economia mundial desde os anos 1960 até o ano 2007. Os gráficos revelam uma linha tendencial de queda do produto real em torno da qual ocorrem picos alternadamente para cima e para baixo.

A evolução do produto mundial tem a mesma estrutura do PIB dos EUA. A taxa bruta de lucro nos Estados Unidos declinou fortemente da segunda metade dos anos 1960 até os anos iniciais da década de 1980, quando recuou, no intervalo, em 70 pontos, ou seja, de 170 para 100. Passou a crescer, a partir daí, até o ano de 1996, quando ocorreu uma nova desaceleração, passando por uma nova subida, entre 2001 e 2005, voltando a experimentar queda brusca. O derradeiro pico para cima de peso da taxa de lucro aconteceu nos anos de 1966 a 1968, correspondendo ao último pico dos "anos de ouro" (ou “trinta anos gloriosos”).

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VARIAÇÃO ANUAL REAL DO PRODUTO MUNDIAL BRUTO (EM %)

Fonte: Giuseppe Sottile, Declino economico e crash finanziario, 2010.

No período 2002/06, a espiral da crise foi desviada e dois motores interconectados, a expansão do crédito nos EUA e o crescimento industrial da China, conduziram ao crescimento da economia mundial. Os dois motores estão parando. A contração da economia mundial tenta eliminar a massa de capital excedente que obstrui o processo de acumulação capitalista. O colapso do mercado subprime nos Estados Unidos desatou uma avalanche financeira internacional de quebras e uma contração global do crédito, seguidos por uma subida sideral e, depois, por uma dramática queda nos preços do petróleo e das matérias-primas, mas, sobretudo, por uma baixa e uma recessão sincronizadas da economia mundial. As três décadas de globalização do capital financeiro, depois de uma série de choques, terminaram em catástrofe.

O processo de operações de resgate alcançou um decisivo ponto de inflexão com a nacionalização dos gêmeos gigantes Fannie Mae e Freddie Mac, que controlam as quatro quintas partes do colapsado mercado hipotecário norteamericano. O governo norteamericano não tinha mais alternativa que transgredir seus princípios capitalistas. Não podia permitir que duas empresas patrocinadas pelo governo, com uma dívida igual a 40% do PIB do país, simplesmente entrassem em colapso, criando o caos no sistema financeiro internacional, uma corrida contra o dólar e uma declaração de default por parte dos EUA. A “solução”, porém, só adiou o problema, empurrando-o, piorado, para o futuro (mais ou menos imediato).

A lei promulgada por Obama a e 22 de julho de 2010, chamada de “Dodd-Frank”, sobre a reforma do sistema financeiro dos EUA, com 2 mil páginas, foi qualificada de “histórica”, por estabelecer uma série de regulações mínimas, depois de 35 anos de leis desregulamentadoras (qualificadas como responsáveis pela crise), com o enquadramento dos “produtos financeiros derivados” tornando-os “transparentes”, a criação de uma nova agência protetora dos consumidores para protegé-los dos “créditos predadores” (mas só depois de milhões deles terem sido levados à miséria) e também... a adoção oficial do conceito de estabelecimentos financeiros too big to fail (embora apregoando o não uso de dinheiro público para salvar instituições financeiras).

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A lei, aprovada no Senado por 60 votos contra 39, foi qualificada de “vitória do lobby bancário” (derrota do lobby financeiro). Pela chamada “cláusula Volker” (de Paul Volker, o ex presidente do FED de Carter e Reagan, que voltou ao centro da cena) bancos e fundos só poderão investir 3% do capital próprio em operações de hedge e de private equity (aquisição de participações ou controle de empresas para reestruturação) para conter as operações com derivativos. As agências de classificação de risco serão “supervisionadas” (sem que se saiba quem “supervisionará” os “supervisionadores”).

Nada de impostos progressivos e redistributivos. Na verdade, o que se fez foi realmente inédito: proclamar que o Estado deve subsidiar a não-falência do grande capital financeiro (que esfrega as mãos, ao mesmo tempo em que houve, em atitude contrita e cabisbaixo, os reproches feitos por alguns legisladores e o presidente contra seus “excessos” do último período) em uma lei que, no fundo, garante (ou pretende fazê-lo) a sobrevivência do chamado “modelo Goldman Sachs”, entidade financeira “predadora” (cotada na Bolsa de Wall Street desde 1999) que tira mais de 80% de seus lucros do financiamento da pura especulação (expropiando pequenos poupadores, e calotando, quando necessário, médios e grandes investidores). Isto sem falar em que os aspectos “intervencionistas” (ou “estatizantes”) da nova lei seriam regulamentados pelas câmaras de representantes (com uma atividade febril, regada com “presentes”, do lobby financeiro norte-americano, sem violar nenhum princípio legal ou jurídico, pois essa atividade está sacramentada pela lei, nos EUA). Em algum (pouco) tempo, para William Hanford, “reguladores e banqueiros voltarão a achar que são mais inteligentes e que têm sistemas de gestão superiores”, ou seja, cometerão “erros mais sofisticados” (e mais catastróficos).

O capital não é uma “coisa”: é uma relação social. A presente crise não é conjuntural ou cíclica, como aquelas que no pós-guerra foram chamadas de “recessões” (1948-49; 1952-53, 1957-58, 1960-61, 1966-67, 1970-71), mas uma crise que atinge limitações estruturais do capitalismo: no pós-guerra o capital usou as possibilidades do gasto armamentista, do desenvolvimento parasitário, da formação de capital fictício, do desenvolvimento artificial das nações atrasadas com vistas à criação de mercados para exportar seus capitais e mercadorias. O capital mundial fez isso de modo sistemático e esgotou seus recursos nesse plano. A natureza histórica da crise diz respeito a que esta afeta, com as relações de produção capitalistas, o conjunto do sistema edificado em cima delas, ou seja, que se refere ao longo prazo e a contradições múltiplas na vida econômica, política e social. A explosão dos cimentos do sistema está movendo as bases da sociedade, mudando as relações sociais e internacionais. Uma saída do impasse somente pode encontrar-se através de uma série de confrontações históricas entre o capital e o trabalho. As crises do século XXI (novas tecnologias, subprime, produtos financeios derivados, dívida pública) concentram todos os aspectos que as crises precedentes conseguiram, até certo ponto, encarar separadamente.

A crise iniciada em 2007 é culminação e superação das crises prévias. O capital mundial busca, por isso, uma saída de conjunto, pois não consegue simplesmente “passar por cima” de suas contradições econômicas, políticas e nacionais. O Estado-Nação capitalista se revela incapaz de enfrentar uma crise globalizada, feita possível por uma globalização capitalista que interconectou as partes nacionais da economia mundial de maneira muito mais profunda do que no passado. Não é a posse do último recurso econômico que salvaria ao sistema capitalista. Pelo contrário, devido à crise do sistema capitalista global, o Estado sucumbe diante do peso do sobreendividamento, da ruína das finanças públicas e da incapacidade de pagar a dívida, que o leva ao default. A crise capitalista mundial demonstrou não somente o total fracasso do neoliberalismo anti-keynesiano, mas também de qualquer intervencionismo estatal neo-keynesiano.58 Quando o Estado intervém entre interesses no conflito, converte-se no foco de todas as tensões sociais, em mediador que transforma a crise econômica em uma crise social que afeta a todas as classes e estende a miséria das massas, aprofundando a delibração e a mobilização em torno à questão do poder político.

As massas trabalhadoras podem, ao contrário, superar esses obstáculos, pois possuem claros interesses em comum, que superam as nacionalidades respectivas, e que as opõem pelo vértice ao regime social

58 Sem dúvida, ainda que o Estado não possa converter-se no último recurso econômico, continua sendo o último recurso político da burguesia, o centro de seu poder político com o monopólio da força. Seu papel crescente entre os interesses capitalistas em conflito, e entre o capital em seu conjunto e os trabalhadores, reforça a tendência a obter poderes de exceção e governar através de medidas de emergência, que já se observaram na crise da globalização capitalista de inícios deste século, e no frenesi da "guerra contra o terrorismo".

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imperante. Não há espaço para concessões históricas à classe operária, como sucedeu depois da Segunda Guerra Mundial; pelo contrário, a "generosidade" para com os banqueiros e financistas é completada com a destruição dos serviços sociais (educação, saúde, aposentadorias e pensões, etc.) e das condições de vida da população empobrecida.

Nas últimas décadas, houve um refluxo do movimento operário e da consciência de classe, um fortalecimento da dominação ideológica da burguesia, especialmente depois do colapso da União Soviética. Mas não aconteceu uma derrota histórica da magnitude da ocorrida nos anos 1920 e 1930, com a vitória do fascismo em países imperialistas como Itália e Alemanha. Pelo contrário, o que se manifesta é a crescente incapacidade da classe dirigente para governar em meio às suas contradições políticas e econômicas, enquanto a capacidade de combate do proletariado não foi destruídoa. A partir da segunda metade dos anos 1990, uma nova e crescente radicalização começou a manifestar-se: as greves de massas em 1995 na França, as revoltas “antiglobalização” (no global) que se estenderam de Seattle a Genova, a segunda Intifada palestina, o Argentinazo, as manifestações de massas contra a guerra imperialista em Iraque em 2003, o fracasso da "guerra contra o terrorismo" no Iraque e no Afeganistão, a derrota da invasão israelense ao Líbano em 2006.

Houve uma recomposição da classe operária mundial, com a incorporação de milhões de novos trabalhadores, que protagonizam combates de classe, na Grécia, França, Itália, Alemanha, passando pela América Latina, sem esquecer a recuperação da classe operária russa e polaca na Europa do leste, os trabalhadores sul-africanos, e a classe operária chinesa, que começa a levantar a cabeça com greves extraordinárias, merecendo até um editorial da The Economist. As paralisações de 24 horas das burocracias sindicais gregas foram impostas pela pressão da crise e o descontentamento general da população. É um método que não leva à vitória: seis paralisações gerais na Grécia não torceram o braço do governo de Papandreou.

As greves chinesas aconteceram em empresas estrangeiras e arrematam um longo período de preparação, com a emergência de representantes eleitos, organizados previamente, à margem do sindicalismo oficial, controlado pela burocracia do PCCh, representantes coesionados com a massa de milhares de grevistas, e com posições e reivindicações claramente classistas. O poder burocrático recuou pela primeira vez em muitos anos (lembrar do massacre da Praça Tienanmen, em 1989), mostrando fraqueza política e temor a provocar uma rebelião geral nas grandes empresas. Sem direitos políticos, a classe operária chinesa pavimenta o caminho para conquistar o contrato coletivo de trabalho, em um país em que as normas trabalhistas são fixadas unilateralmente pelo Estado ou pelas empresas.

No segundo trimestre de 2010, o PIB chinês ultrapassou o japonês, tornando-se o segundo do mundo. Mas a agricultura continua a ser a principal fonte de renda para mais de 30% da PEA da China (contra menos de 2% nos EUA, e 6% na Coréia do Sul): os salários operários urbanos (em média US$ 1500 anuais, pouco mais US$ 100 mensais) continuam atraentes para os rurais, com renda ainda menor. Para chegar a uma PEA agrícola equivalente a 10% da PEA total, ponto em que se equilibrariam os salários de ambos os setores, China

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precisaria criar 150 milhões de empregos urbanos. Com uma taxa de crescimento de 8% anual, isso levaria ainda 30 anos (com políticas de restrição da natalidade), uma performance mais do que incerta diante do retrocesso dos mercados externos e do acirramento da concorrência mundial. Os salários médios na China já atingiram a casa dos US$ 400 mensais, perdendo o “privilégio” dos saláios miseráveis para Tailândia (US$ 250), Indonésia (US$ 200), Filipinas (pouco mais de US$ 100) e, sobretudo, Vietnã (menos de US$ US$ 100).

Em diversas fábricas importantes da China foram obtidos, mediante greves, reajustes salariais de 15% (em média, reclamava-se 20%): a Toyota Motors (360 mil veículos por ano, com salários de 1500 yuans – 175 euros, ou 200 dólares – mensais, e prestes a desbancar a GM do mercado chinês), de salários um pouco mais elevados do que a média chinesa, viu-se assim mesmo paralisada pela greve nas fábricas de auto-partes. O fato das greves se concentrarem nas empresas estrangeiras parece mais uma astúcia para aproveitar o discurso nacionalista oficial do que uma “onda nacionalista operária” chinesa. O chefão (CEO) da General Electric declarou, em assembléia mundial do patronato do setor (julho de 2010): “China me preocupa muito, não estou seguro que ela deseje nosso sucesso (no país)”, uma clara chantagem ao governo, ameaça de fuga de capitais, caso não use os meios (capitalistas) habituais contra as greves. Patrões japoneses se surpreenderam com a resistência chinesa aos seus métodos fabris ultra-autoritários (correntes no Japão) e suspeitam a presença do fantasma da sangrenta ocupação japonesa da China, entre 1931 e 1945.

Os porta-vozes do grande capital chinês já temem uma explosão operária federal: “O governo deve abrir-se à idéia da criação de sindicatos pela nova geração de trabalhadores migrantes, e de aceitar plataformas de negociação entre patrões e trabalhadores” (lembremos que isso está proibido na China),59 editorou a importante revista financeira Caijing em junho de 2010. Num caso extremo, a fábrica Foxconn (terceirizada taiwanesa de Dell, Apple e Hewlett-Packard, dos EUA) em Shenzhen, houve onze suicídios depois do anúncio de demissões em massa devidas à delocalização da firma: a fábrica adiou seus planos e anunciou reajustes salariais de 70%, diante do escândalo nacional provocado pela onda de suicídios.

10 milhões de trabalhadores imigrantes, por sua vez, trabalham nos estados árabes do Golfo: Arábia Saudita, Omã, Kuwait, Bahrein, Catar e Emirados Árabes Unidos. Recebem salários que vão de 93 a 131 euros por mês, por jornadas de trabalho de 12 horas ou mais. Em outubro de 2008, houve uma onda de greves nos estaleiros de Dubai: enfrentaram a polícia à pedradas, 4500 operários foram presos. O governo anunciou

59 Em 2008, diante do início de movimentos reivindicativos, prevendo a possibilidade de uma onda descontentamento, o governo chinês elevou, em média, 30% os salários, e estabeleceu leis obrigando o patronato a assumir seguro saúde e aposentadoria de seus empregados.

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inicialmente a sua expulsão (de todos!), mas decidiu afinal expulsar apenas 159, dos quais 90 indianos. Em novembro, a greve de 40 mil trabalhadores asiáticos da construção em Dubai levou o governo a ordenar aos ministros e às firmas de construção a reverem os salários e a definirem um salário mínimo, para diminuir a agitação operária nessa terra sem sindicatos nem direitos trabalhistas, com uma classe operária da mais variada origem nacional. Da China até Dubai, na Ásia, um novo gigante operário começou a levantar a cabeça: o imenso continente asiático será o teatro dos maiores confrontos sociais no próximo período histórico, saltando da rabeira para a vanguarda da luta de classes.

As espoletas do “duplo mergulho” econômico, isto é, da depressão em uma escala sem precedentes no passado, são: a crise fiscal dos países da UE; a dívida pública (a expectativa é que ela ultrapasse, pela primeira vez, 100% do PIB dos EUA em 2012); a derrubada do consumo nos EUA (queda dos preços das casas e ações em colapso destruíram 20% da riqueza dos assalariados dos EUA: 50 milhões deles não conseguiram comprar alimentos suficientes em 2009); a dívida ascendente do Japão (equivalente a quase 200% de seu PIB); a continuidade da queda do mercado hipotecário norte-americano, o principal mercado de dívidas, com vencimentos da ordem de nove trilhões de dólares, equivalentes a 65% do PIB do país, ou 13% do PIB mundial.

No horizonte há falências em grande escala, danos catastróficos contra os trabalhadores, reestruturação econômica e social de conjunto. Esse é também o caminho que conduz para a revolução social, que nasce quando a contradição entre as relações de produção e as forças produtivas se torna incontornável. Até os setores menos organizados e mais recentemente estruturados da classe operária mundial começaram, como estamos vendo, a se mobilizar. O movimento de classe existe, e tem uma dimensão mais extensa geograficamente, e mais internacional, do que em qualquer era do passado. Falta-lhe, porém, uma estratégia política comum, um programa, uma organização, que é a principal tarefa política posta para a atual geração. Toda a perspectiva do socialismo, isto é, da humanidade, está posta na solução dessa tarefa.

A bancarrota capitalista, por outro lado, acentua a depredação da natureza e a destruição do meio ambiente. A busca por recompor a taxa de lucro agrava as tendências à degradação dos recursos naturais. Se sob o capitalismo o meio natural sempre foi considerado como um recurso cujo uso e abuso está ao serviço da valorização do capital, as épocas de crise acentuam seu caráter parasitário. Setores ambientalistas, em nome do “decrescimento”, promovem uma involução para formas de produção atrasadas e ultrapassadas, sob o argumento de que desse modo se preservaria o meio ambiente, em momentos em que a própria bancarrota capitalista paralisa a produção, com fábricas inativas e milhões de trabalhadores incorporados compulsivamente às fileiras dos desempregados. Essa abordagem conservadora expressa o pessimismo que se estendeu entre amplos setores que fizeram parte dos movimentos antiglobalizadores. Não é o desenvolvimento das forças produtivas a causa da depredação ambiental e do desastre ecológico, mas seu uso e distorção no quadro das relações de produção capitalistas, historicamente esgotadas.

A crise capitalista é a oportunidade e a perspectiva da revolução social, e com ela a possibilidade de um desenvolvimento harmônico das forças produtivas e da reorganização da economia mundial sobre novas bases sociais, conforme as necessidades da vida social e não dos lucros de um punhado de magnatas. O otimismo frente às oportunidades que oferece a crise não deriva de um fatalismo objetivista, é a expressão mais genuína do subjetivismo revolucionário, que abre o caminho para o socialismo. A mais profunda e abrangente das crises capitalistas será um teste da capacidade de sobrevivência da humanidade, pondo à prova as lições da história.

Setembro de 2010

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