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A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA: tecendo algumas reflexões Michele de Souza 1 Hélder Boska de Moraes Sarmento 2 Resumo: O artigo objetiva demonstrar a atualidade da “criminalização da pobreza” como resultado de uma prática histórica e de um discurso atual sobre a questão social. Para isto, busca evidenciar a disputa entre os diferentes discursos acerca da questão social. Nesse sentido, busca-se tecer algumas reflexões sobre o desenvolvimento da questão social no Brasil, destacando alguns marcos importantes acerca da constituição deste discurso. Diante dessas reflexões, são apresentadas algumas contribuições para o Serviço Social frente às demandas que lhe são colocadas no contexto de “criminalização da pobreza” e da “naturalização do social”. Palavraschave: Questão social, Serviço Social e criminalização da pobreza. Abstract: The objective article to demonstrate the present time of the “criminalização of the poverty” as resulted of one pract ical historical one and a current speech on the social matter. For this, it searchs to evidence the dispute enters the different speeches concerning the social matter. In this direction, one searchs to weave some reflections on the development of the social matter in Brazil, detaching some important landmarks concerning the constitution of this speech. In view of these reflections, some contributions for the Social Work are presented front to the demands that are placed to it in the context of “criminalização of the poverty” and of “naturalization of the social”. Key words: Social matter, Social Work and criminalization of poverty. 1 Mestranda. Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 2 Doutor. Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

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Page 1: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA: tecendo algumas reflexões · da questão social como produto das escolhas individuais, associando-as por sua vez a “naturalização do social”

A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA: tecendo algumas reflexões

Michele de Souza1

Hélder Boska de Moraes Sarmento2

Resumo: O artigo objetiva demonstrar a atualidade da “criminalização da pobreza” como resultado de uma prática histórica e de um discurso atual sobre a questão social. Para isto, busca evidenciar a disputa entre os diferentes discursos acerca da questão social. Nesse sentido, busca-se tecer algumas reflexões sobre o desenvolvimento da questão social no Brasil, destacando alguns marcos importantes acerca da constituição deste discurso. Diante dessas reflexões, são apresentadas algumas contribuições para o Serviço Social frente às demandas que lhe são colocadas no contexto de “criminalização da pobreza” e da “naturalização do social”. Palavras–chave: Questão social, Serviço Social e criminalização da pobreza.

Abstract: The objective article to demonstrate the present time of the “criminalização of the poverty” as resulted of one practical historical one and a current speech on the social matter. For this, it searchs to evidence the dispute enters the different speeches concerning the social matter. In this direction, one searchs to weave some reflections on the development of the social matter in Brazil, detaching some important landmarks concerning the constitution of this speech. In view of these reflections, some contributions for the Social Work are presented front to the demands that are placed to it in the context of “criminalização of the poverty” and of “naturalization of the social”. Key words: Social matter, Social Work and criminalization of poverty.

1 Mestranda. Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

2 Doutor. Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

Page 2: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA: tecendo algumas reflexões · da questão social como produto das escolhas individuais, associando-as por sua vez a “naturalização do social”

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo discute a “criminalização da pobreza”, inserida em um processo

onde o discurso acerca da questão social passa por uma disputa entre aqueles que

defendem ser a questão social produto das relações capital x trabalho e aqueles defensores

da questão social como produto das escolhas individuais, associando-as por sua vez a

“naturalização do social”.

Nesse sentido, busca-se tecer algumas reflexões sobre o desenvolvimento da questão

social no Brasil, percorrendo seus trajetos e traçando alguns pontos acerca da constituição

de seu discurso.

No decorrer da reflexão aqui estabelecida, os termos “criminalização da pobreza” e

“naturalização do social” estarão associados à questão social, visto que o primeiro é a

expressão política de como esta vem sendo tratada historicamente pelo Estado brasileiro e

a segunda é a forma como o discurso social explica a “questão social”, ou seja,

naturalizando-a.

Diante dessas reflexões, são colocadas algumas contribuições para pensar o Serviço

Social frente às demandas que lhe são postas nesse contexto de “criminalização da

pobreza” e de “naturalização do social”.

A perspectiva do estudo das particularidades da questão social e do cotidiano enquanto

espaço de intervenção do assistente social, aparecem aqui como possibilidades para serem

ampliadas suas estratégias de intervenção.

2 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL

O Serviço Social, profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho social, tem

na questão social: “ [...] a base de sua fundação enquanto especialização do trabalho.

‘Questão Social’ apreendida enquanto o conjunto das expressões das desigualdades da

sociedade capitalista que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais social,

enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte

da sociedade.” (IAMAMOTO, 2006, p.126).

Por ser a questão social uma preocupação central da profissão é que se torna

necessário compreender os mecanismos e processos de criminalização (IAMAMOTO, 2008)

e de naturalização do social, passando a ser dimensionada para o campo do dever moral

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(Yasbek 2001).

A “naturalização” da questão social, segundo Ianni (in TAVARES, 2007, p.136),

implica “[...] um denso processo de criminalização que afeta os grupos e classes sociais

subalternas. Ora, ao que tudo indica, a criminalização se resolve via punição/repressão.”

O processo de “criminalização da pobreza” marca fortemente a história brasileira,

como demonstrando por Telles (2001) quando discorre sobre o “ modo de figurar o lugar da

pobreza na sociedade brasileira.” Pobreza transformada em natureza, como parte do

cenário brasileiro, imagem essa que neutraliza a própria história do país.

Para a autora, é necessário evocar esse passado, não em sua neutralidade, mas na

base de sua conflituosidade, “[...] importa perceber o lugar que a pobreza ocupa no

horizonte simbólico da sociedade brasileira.” (TELLES, p.34, 2001).

É nesse horizonte simbólico, que a pobreza tornou-se tema de opinião pública, e

objeto de estudos, para diversos especialistas. Os quais analisavam os modos de vida, os

costumes, as formas de sentir, as formas de amar, de viver e de morrer dessas populações,

com o intuito de “tipificar patologias sociais, crimes e comportamentos delinqüentes”

(TELLES, 2001, p.34).

Esses estudos de especialistas contribuíram para fazer da pobreza uma patologia,

um perigo social, por isso os estudos buscavam resolver essas anomalias que se

desenvolviam no seio de uma sociedade a se fazer moderna.

No cerne desses estudos cria-se a “cidade insalubre” aonde os pobres, gente

perigosa, suja, não pode dividir o cenário com a cidade limpa e organizada promulgada pelo

desenvolvimento que trazia a modernidade ao país. Um país que “precisava” de indivíduos

limpos, dóceis e disciplinados para o trabalho, para ordem e para o dever moral.

Segundo Telles (2001), foi “nessa espécie de confronto entre natureza e cultura” que

se desenvolveu a intolerância para com os pobres e a repressão em relação ao seu modo

de ser e estar no mundo. E nesse contexto, onde a pobreza é tratada como anomalia e o

social como natural, a questão social jamais poderia ser apreendida a partir do conflito

entre capital x trabalho.

A intervenção estatal, quando ocorria era de forma paternalista e assistencialista,

“[...] que propunha a legislação social não como um direito do trabalhador, mas como 'uma

preocupação de cunho sanitário e moral, tendo a família como seu objetivo e a casa como

seu campo de atuação. ' (GOMES, 1979:102 in TELLES, 2001,p.41)

Nos anos 1930, existem algumas alterações em relação à “pobreza”, como a

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legislação trabalhista implantada por Getúlio Vargas, criando uma separação entre

trabalhadores formais e não-formais. Aos trabalhadores formais, era atribuída a condição de

cidadão, enquanto os trabalhadores inseridos no mercado informal de trabalho eram vistos

como os “outros” “[...] não eram trabalhadores por mais que exercessem regularmente uma

atividade produtiva, não faziam parte do povo e não mereciam proteção do Estado [...]”

(TELLES, 2001, p.49).

Esse novo quadro social criado com a legislação trabalhista eleva ao patamar de

cidadãos somente aqueles inseridos no mercado formal de trabalho, relegando os demais à

própria sorte. “[...] repôs os pressupostos de um capitalismo selvagem e predatório: promete

a redenção da pobreza no mesmo ato em que a reproduz na figura do pobre desprotegido;

proclama os direitos, mas desfaz sua eficácia nas relações entre as classes”. (TELLES,

p.50, 2001)

É nessa conjuntura, que a questão social adentra a agenda pública, com todas as

contradições que envolvem esse processo.

A característica do Estado brasileiro, muito própria desde 1930, não é que ele se sobreponha a ou impeça o desenvolvimento da sociedade civil: antes, consiste em que ele, sua expressão potenciada e condensada (ou, se quiser, seu resumo), tem conseguido atuar com sucesso como um vetor de desestruturação, seja pela incorporação desfiguradora, seja pela repressão, das agências da sociedade que expressam os interesses das classes subalternas. (NETTO, 1996, p.19)

Essa característica salientada por Netto, a da operatividade do Estado brasileiro em

desestruturar a classe subalterna, também é desenvolvida por Iamamoto em seu livro

“Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche”. No qual aborda a questão da “revolução

passiva” de Gramsci, que indica:

[...] a prática restauradora das classes dominantes, que, ao se defrontarem com pressões populares carentes de iniciativas de articulação unitária, introduzem mudanças reais, que derivam progressivamente em alterações na composição anterior das forças ante o poder. A revolução passiva inclui um vetor de “restauração” - por ser uma reação à possibilidade de uma efetiva e radical transformação de “baixo para cima” - e outro vetor de “renovação” - uma vez que várias demandas populares são incorporadas e implementadas pelos antigos grupos dominantes (COUTINHO, 1989: 122 in IAMAMOTO, 2008, p.134)

A “revolução passiva” é uma constante na história do Brasil, embora nos momentos

que a burguesia não conseguiu utilizá-la de modo eficaz, fez uso da repressão, como nas

várias revoltas populares que marcaram a história brasileira, embora, a história “oficial”,

constantemente as negue.

A Constituição de 1988, dentre as lutas populares, por justiça, cidadania, igualdade,

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foi a mais exitosa, conseguindo trazer para a agenda pública, as demandas dos setores

subalternos3. Esse processo também foi fruto de negociações, consensos, e conflitos visto

que nem todas as demandas populares foram incorporadas em sua redação.

Entretanto, mesmo com todas as contradições que permearam a constituinte, ela

trouxe uma importante contribuição para a publicização da questão social no Brasil

enquanto conflito capital x trabalho. Com ela, a figura dos setores subalternos

caracterizados como marginais, é destituída no que tange ao marco jurídico-legal.

Em seu lugar se reconhece a cidadania dos setores subalternos, suas necessidades

sociais e, acima de tudo, são reconhecidos como sujeitos de direitos. Porém, tão logo

aprovada, a constituição começou a ser alvo de reformas, desenhava-se no cenário

brasileiro as reformas neoliberais devotas da despolitização da “questão social”.

No processo de reformas neoliberais, as velhas práticas de “psicologização do

social” são retomadas levando, segundo Iamamoto, ao “risco de cair na pulverização de

inúmeras 'questões sociais', onde as famílias e os indivíduos são culpabilizados pelas

situação de empobrecimento vivenciada, levando a perda da “[...] dimensão coletiva e o

recorte de classe da questão social, isentando a sociedade de classes da responsabilidade

na produção das desigualdades sociais. (IAMAMOTO, 2008, p.162).

Nesse contexto, surge a discussão em relação à “nova questão social”,

principalmente em relação “[...] a necessidade de enfrentamento da mesma no marco das

transformações em curso na sociedade contemporânea. Essa discussão teve forte influência

no contexto europeu, em especial, da escola francesa. (TAVARES,2007, p.124)

Os autores Rosanvallon e Castell tiveram expressivo destaque nessa discussão.

Para Tavares a obra de Rosanvallon, “[...] 'naturaliza' as alterações no mundo da produção,

demonstrando que sua grande preocupação é manter as relações existentes. Sua lógica

encontra-se fundamentada nos princípios liberais, uma vez que a seguridade social

encontra-se atrelada à noção de contrato entre o Estado e cidadãos.” (TAVARES, 2007,

p.125)

Catell, por sua vez, assume a centralidade do trabalho, porém exclui a perspectiva

da luta de classes, concebendo o trabalho a partir da visão integradora de Durkheim.

(IAMAMOTO, 2008)

Por esses fatores que as obras de Castell e de Rosanvallon, são alvo de críticas de

3 Para Yazbek [...] a subalternidade diz respeito à ausência de protagonismo de poder, expressando a

dominação e a exclusão. (2001, p.34).

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Tavares (2007) e Iamamoto (2008), pois os autores não têm a luta de classes como eixo

fundante da questão social.

Pereira (2001) também rejeita a idéia de “nova questão social”, argumentando que

não houve alterações na base da “velha questão social”, pois a relação capital x trabalho

não foram alteradas na sociedade contemporânea. ”[...] Trata-se, pois, da velha dominação

capitalista, a qual sob novas roupagens subordina mundialmente às necessidades do

capital, grandes parcelas de trabalhadores.” (TAVARES, 2001, p.130)

Pereira ainda coloca que a pobreza absoluta, o desemprego estrutural, a violência

urbana, são temas que ainda não adentram a agenda pública, mesmo estando

freqüentemente sob o foco da mídia. “[...] apesar de produzirem e reproduzirem efeitos

deletérios, nunca se transformaram em uma questão de caráter social que obrigasse os

poderes públicos a tomar medidas decisivas para o seu mais eficaz equacionamento.

(PEREIRA,2001, p.59).

As reflexões de Pereira abrem um espaço para se pensar à questão da

“criminalização da pobreza”, que precisa urgentemente ser colocada na pauta da agenda

pública4.

Nesse sentido, o Serviço Social pode contribuir de maneira relevante para tornar a

“criminalização da pobreza”, pauta da “agenda pública”, por ser uma demanda que é posta

cotidianamente aos assistentes sociais em seu exercício profissional.

Entretanto, antes de contribuir de maneira mais efetiva com esse processo, os

assistentes sociais têm que superar as dificuldades enfrentadas no desenvolvimento da

ação profissional em criar estratégias de intervenção, que venham a atender essas

demandas.

Dificuldades essas, que podem ser atribuídas aos limites desta área em discutir as

particularidades em que se expressa essa criminalização e oferecer subsídios teóricos e

políticos para seus profissionais.

Segundo Iamamoto a questão social tem sido abordada mais em sua dimensão

genérica, correndo o risco de esvaziá-la de suas particularidades “[...], perdendo o

movimento e a riqueza da vida, ao desconsiderar suas expressões específicas que desafiam

4 Conforme denúncia o mapa da violência de 2006, lançado pela Organização dos Estados Ibero-americanos

para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), que durante o período de 1994 a 2004, realizou uma pesquisa com

jovens na faixa de 15 a 24 anos. O estudo revelou que 93% das vítimas de homicídio no Brasil são homens de

raça negra e que “os jovens negros têm um índice de vitimização 85, 3% superior aos brancos. (

ATHAYDE,2007, p.56).

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‘a pesquisa concreta de situações concretas’ (como violência, o trabalho infantil, a violação

dos direitos humanos, os massacres indígenas)”. (2008, p.164)

Essa dimensão da particularidade expressa em sua dimensão cotidiana, também é

abordada por Westphal em 2005, em seu ensaio “Vida cotidiana e relação indivíduo-

sociedade: um tema no/ do Serviço Social?”

O ensaio discute como o debate acerca da vida cotidiana e a relação indivíduo-

sociedade, são incorporados na produção teórica do Serviço Social.

Para a realização do ensaio a autora analisou como o estudo acerca da vida

cotidiana realizado por Berger/Luckmann, alinhados à sociologia compreensiva, e da

autora Agnes Heller, quando ainda se alinhava a perspectiva marxista, foram incorporados

na produção teórica do Serviço Social.

Westphal constatou que embora a categoria cotidiano, seja constantemente citada

na produção teórica do Serviço Social, existe pouca reflexão acerca da mesma. Colocando

à necessidade de problematizar os fenômenos que são objetos do Serviço Social, como a

vida cotidiana, que embora seja incorporada na produção teórica, essa ocorre de forma

naturalizada, como uma “realidade dada”.

Diante dessa questão a autora coloca um dilema-desafio para o Serviço Social. Ao Serviço Social fica colocado um dilema-desafio. Este é concernente ao conjunto do arcabouço teórico que tem orientado as reflexões acadêmico-científicas e práticas do Serviço Social, no sentido dele abarcar a amplidão e a complexidade da realidade social, ou seja, da permanente revisão das fontes técnico-científicas. O dilema refere-se ao aspecto de seu desenvolvimento como campo científico, ou seja, da relação entre o analisar, refletir e pesquisar processos sociais e ao mesmo tempo neles intervir. (Westphal,2005,p.35)

Diante das questões colocadas por Iamamoto (2008) e por Westphal (2005), verifica-

se que para o Serviço Social possa contribuir para colocar a crítica da “criminalização da

pobreza” na pauta da agenda pública, torna-se necessário discutir as particularidades em

que essa se expressa, tais como: o policiamento das famílias, a perseguição aos

movimentos social, à violência policial, o preconceito contra os modos de ser e estar das

populações periféricas, etc.

Essas particularidades da questão social expressas na vida cotidiana, já estão

enraízas na formação da sociedade brasileira, que não causam mais estranhamento, o

mesmo ocorre com algumas práticas do Serviço Social. Para muitos assistentes sociais

realizar uma visita domiciliar, e depois comentar “sobre os padrões de higiene” de

determinado grupo familiar é uma ação incorporada a sua prática profissional, totalmente

destituída de sua dimensão reflexiva.

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Contudo, a partir dessas práticas muitas vezes naturalizadas no exercício

profissional, torna-se necessário refletir: qual a contribuição da área de conhecimento para

“desnaturalizar” o apreendido acerca da questão social?. É preciso investir nesta resposta

para que os assistentes sociais em sua intervenção não contribuam para o processo de

“criminalização da pobreza” e de “naturalização do social”, mas com o processo de

desconstrução do discurso social que as constroem.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo debateu a “criminalização da pobreza”, inserida no processo onde

o discurso acerca da questão social passa por um processo de disputa entre grupos com

posições políticas muito distintas. De um lado a uma perspectiva que analisa a questão

social enquanto produto dos conflitos entre capital x trabalho, de outro, a tendência que

interpreta a questão social enquanto produto das escolhas individuais, associando-as por

sua vez a “naturalização do social”.

Através do estudo, pode-se perceber o quanto às medidas de “ajuste social”,

“psicologização do social”, ainda se fazem presente nos debates públicos que buscam

“explicá-la”, bem como a dimensão punitiva/repressiva liga ao “combate” da questão social.

No que tange ao Serviço Social, sobretudo aquele setor alinhado a teoria crítica,

muito ainda precisa se avançar no debate teórico, em relação às demandas que são

colocadas aos assistentes sociais ligadas a “criminalização da questão social”.

Embora se tenha um grande número de estudos que discutam a questão social

enquanto preocupação central do Serviço Social, analisando-a em sua trajetória e conflitos.

Ainda há uma lacuna na produção teórica, no que tange a estudar as particularidades da

questão social, bem como a dimensão cotidiana em que ela se expressa, conforme

deflagrado por Iamamoto (2008) e Westphal (2005).

Acredita-se que esses estudos devam ser realizados pela área de conhecimento do

Serviço Social, mesmo que com as transformações no mundo do trabalho e a redução das

políticas sociais, restringem-se as possibilidades de realização de pesquisa pelos

profissionais que intervêm diretamente na realidade social em seus diferentes espaços

sócio-ocupacionais.

Assim, conclui-se que ainda há lacunas na produção teórica sobre as

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particularidades da questão social, bem como a dimensão cotidiana em que ela se

expressa, isto exige, um maior alinhamento entre as agendas de pesquisa e as demandas

que são colocadas para os profissionais de Serviço Social para que possam articular de

forma mais efetiva aquilo que tanto defendem, uma maior associação entre teoria e prática.

REFÊRENCIAS

ATHAYDE, Phydia d. Um Tiro no Futuro. Carta na Escola.São Paulo, n.13,54/59, fevereiro. 2007. IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de Capital e Fetiche: Capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2008. IAMAMOTO, M.V. As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas no Serviço Social contemporâneo. Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006, p.116-196. NETTO, José P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1996. PEREIRA-PEREIRA. Potyara. A Questão Social Serviço Social e Direitos de Cidadania. In: Temporalis,n.3, ABEPSS, ano 2, jan/jun. de 2001. TAVARES, Maria Augusta da Silva. O debate contemporâneo acerca da questão social. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo, ano 92, p.118-138, 2007. TELLES, Vera da Silva. Pobreza e Cidadania. São Paulo: Editora 34, 2001. WESTPHAL, Vera Herweg. Vida cotidiana e relação indivíduo-sociedade: um tema no/do Serviço Social?, 2005.mimeo. YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza e Exclusão Social: expressões da questão social no Brasil. In: Temporalis,n.3, ABEPSS, ano 2, jan/jun. de 2001.