a criaÇÃo de municÍpios apÓs a …como a república populista (1945-1964), a nova república...

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Introdução O processo de redemocratização do Estado brasileiro, durante a década de 1980, transformou profundamente o ambiente político-institucional do país. Além da liberalização política, da amplia- ção da competição eleitoral e do incremento das liberdades civis – resultados de uma longa transi- ção política com a paulatina adoção de mecanis- mos típicos de regimes democráticos – houve uma redefinição do papel institucional dos diver- sos níveis de poder. Essa reorientação da estrutu- ra federativa brasileira favoreceu as unidades sub- nacionais, tanto pelo restabelecimento de compe- tências usurpadas pelo regime ditatorial, quanto pela criação, sobretudo no caso dos municípios, de novos mecanismos de autonomia política. O principal marco institucional dessa trans- formação política foi a promulgação da Constitui- ção de 1988. A partir dela construiu-se todo um arcabouço jurídico que consolidou o novo arran- jo democrático. A radicalidade destas transforma- ções gerou um novo ordenamento federativo, isto é, os constituintes não só estabeleceram as bases do Estado democrático, como também instituíram um novo “pacto federativo”. A redefinição da competência política dos entes federativos notabilizou-se pela ampliação do escopo de atuação dos Estados e municípios, sendo que os últimos conquistaram a mais ampla autonomia política da história republicana. 1 Ape- A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 * Fabricio Ricardo de Limas Tomio RBCS Vol. 17 n o 48 fevereiro/2002 * Esta é uma versão modificada de um texto original- mente apresentado no II Encontro da ABCP (PUC- São Paulo, 20 a 24/11/2000). Agradeço as obser- vações dos participantes do painel IP4 (“Federalismo, municipalização e poder local”), os comentários dos pareceristas anônimos da RBCS e, principalmente, a Argelina Figueiredo, por sua leitura detalhada e seus comentários esclarecedores. Inconsistências e desac- ertos são de minha inteira responsabilidade.

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Page 1: A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS A …como a república populista (1945-1964), a nova república (anos de 1980) e o per íodo atual, seriam caracterizados por uma descentralização

Introdução

O processo de redemocratização do Estadobrasileiro, durante a década de 1980, transformouprofundamente o ambiente político-institucionaldo país. Além da liberalização política, da amplia-ção da competição eleitoral e do incremento dasliberdades civis – resultados de uma longa transi-ção política com a paulatina adoção de mecanis-mos típicos de regimes democráticos – houveuma redefinição do papel institucional dos diver-

sos níveis de poder. Essa reorientação da estrutu-ra federativa brasileira favoreceu as unidades sub-nacionais, tanto pelo restabelecimento de compe-tências usurpadas pelo regime ditatorial, quantopela criação, sobretudo no caso dos municípios,de novos mecanismos de autonomia política.

O principal marco institucional dessa trans-formação política foi a promulgação da Constitui-ção de 1988. A partir dela construiu-se todo umarcabouço jurídico que consolidou o novo arran-jo democrático. A radicalidade destas transforma-ções gerou um novo ordenamento federativo, istoé, os constituintes não só estabeleceram as basesdo Estado democrático, como também instituíramum novo “pacto federativo”.

A redefinição da competência política dosentes federativos notabilizou-se pela ampliaçãodo escopo de atuação dos Estados e municípios,sendo que os últimos conquistaram a mais amplaautonomia política da história republicana.1 Ape-

A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988*

Fabricio Ricardo de Limas Tomio

RBCS Vol. 17 no 48 fevereiro/2002

* Esta é uma versão modificada de um texto original-mente apresentado no II Encontro da ABCP (PUC-São Paulo, 20 a 24/11/2000). Agradeço as obser-vações dos participantes do painel IP4 (“Federalismo,municipalização e poder local”), os comentários dospareceristas anônimos da RBCS e, principalmente, aArgelina Figueiredo, por sua leitura detalhada e seuscomentários esclarecedores. Inconsistências e desac-ertos são de minha inteira responsabilidade.

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sar de ser mencionado como organização políticaautônoma em quase todas as constituições repu-blicanas (exceto em 1937), somente em 1988 omunicípio conquistou uma autonomia plena, ob-tendo, de fato, o status de ente federativo. Esta si-tuação é extremamente peculiar, não sendo iden-tificável em outros países com organização fede-rativa. Na maioria das federações, ou, pelo menos,nos casos mais conhecidos, os municípios ou ou-tros níveis de poder local são divisões administra-tivas das unidades federadas que delegam dife-rentes níveis de autonomia aos governos locais.

Outra mudança institucional que favoreceu aampliação da autonomia política nas unidadessubnacionais foi o novo arranjo tributário e fiscal.O processo de descentralização fiscal teve, toda-via, início em meados dos anos de 1970, cami-nhando paralelamente à democratização. A pro-mulgação da nova constituição somente consoli-dou a oferta de recursos fiscais e as competênciastributárias de Estados e municípios.

A descentralização política e fiscal foi uma ca-racterística importante da redemocratização brasi-leira. Ela foi legitimada numa determinada culturapolítica, generalizada entre grupos políticos de di-ferentes matizes ideológicos, que associou demo-cratização à descentralização, tratando estes doistermos quase como sinônimos. Os impactos, os li-mites e o encaminhamento desse processo numambiente político democrático, apesar de não total-mente esclarecidos, têm sido objeto de estudo dediversos autores em diferentes especialidades dasciências sociais.2 Um dos aspectos desta nova insti-tucionalidade, no entanto, tem recebido atençãomarginal. Trata-se do processo de fragmentaçãodos municípios brasileiros. Algo que, entre 1988 e2000, gerou 1438 novos municípios – 25% de todosmunicípios existentes atualmente no Brasil.

Na literatura especificamente direcionada àtemática, a abordagem desse fenômeno políticotem sido guiada, geralmente, por orientações nor-mativas.3 Em virtude disto, ela tende a concentrar-se mais nos aspectos normativos e nas conse-qüências do que na identificação das causas. Asconstatações mais comuns relacionam o desempe-nho, a proliferação e o fortalecimento dos gover-nos locais, por um lado, ou o desequilíbrio fiscal,

a dinâmica da divisão territorial sem planejamen-to e a fragilização das esferas superiores de gover-no, por outro, à vitalidade e à qualidade da demo-cracia do país. Quando não foram simplesmenteesquecidas, as explicações sobre as causas e as in-terpretações históricas desse processo político tor-naram-se extremamente enviesadas.

Preencher parte dessa lacuna é o objetivodeste trabalho, por meio da identificação dascausas e da descrição dos mecanismos que de-terminaram a dinâmica geral e a variação esta-dual no processo de emancipações municipaisbrasileiro. A abordagem do objeto privilegia, porum lado, a investigação do arranjo institucionalresponsável pela moldagem do ambiente quetornou possível as decisões políticas que gera-ram as emancipações municipais; e, por outro, aprópria interação entre os atores políticos rele-vantes que produziu, por meio de processos de-cisórios relacionados, mas distintos, os dois prin-cipais resultados dessas decisões: a criação denovos municípios (por meio de leis ordinárias) ea transformação institucional na regulamentaçãodas emancipações para facilitar ou dificultar asmesmas (a legislação complementar).

A elaboração da problemática relacionada àsemancipações municipais tem uma fundamenta-ção teórico-metodológica sustentada pelo indivi-dualismo metodológico e pelos modelos de abor-dagem neo-institucionalista, que privilegiam umaaproximação do fenômeno pela definição das ins-tituições políticas como “regras do jogo”, que mol-dam a interação estratégica e determinam as pos-síveis escolhas aos atores políticos que decidem acriação de um novo município.4

A análise limita-se a uma esfera específica dedecisão política, o nível estadual, em que as regrase as decisões têm um efeito imediato sobre aemancipação de localidades. No entanto, para acompreensão histórica do processo, é interessantea incorporação de mecanismos institucionais dosoutros níveis no modelo explicativo geral e a per-cepção da interação entre atores políticos das trêsesferas de poder (federal, estadual e municipal) nadeterminação do fenômeno político investigado.

O estudo comparativo do processo emanci-pacionista segue dois objetivos específicos: a

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identificação dos mecanismos institucionais, osquais, como variáveis independentes do processo,determinaram a configuração do ambiente de de-cisão política que, por um lado, gerou a “explo-são municipal” contemporânea e, por outro, pro-piciou que esse fenômeno ocorresse de forma de-sigual nas diferentes unidades da federação; e ainterpretação da lógica do processo de interaçãopolítica, sobretudo os membros do executivo e dolegislativo estaduais, determinando que decisõespolíticas favoráveis ou contrárias às emancipaçõesfossem vitoriosas em cada Estado.

Emancipações municipais nas décadas de 1980 e 1990

Nas duas últimas décadas, foram criados mi-lhares de municípios no Brasil, sendo que a gran-de maioria dessas emancipações ocorreu após apromulgação da Constituição de 1988. A intensacriação de municípios não é um fenômeno recen-te. Nos últimos cinqüenta anos, a quantidade demunicípios foi quase quadruplicada. No entanto,apesar de constante, as emancipações não acon-teceram num mesmo ritmo em todas as décadas.Como pode ser visto na Tabela 1, entre 1950 e1970 a intensidade foi maior que no período atual,enquanto na década de 1970 o número de eman-cipações foi extremamente pequeno.

A sobreposição desses dados à história polí-tica contemporânea brasileira permite fazer umaassociação direta entre regime político e criaçãode municípios. Ou seja, períodos democráticos,

como a república populista (1945-1964), a novarepública (anos de 1980) e o período atual, seriamcaracterizados por uma descentralização política,institucional e fiscal que favoreceriam a maior in-tensidade de emancipações municipais. Ao con-trário, períodos ditatoriais, como o regime militar(1964-1985), devido a suas características centrali-zadoras, inibiriam a criação de um grande núme-ro de municípios. Esse tipo de correlação é limi-tada por ser muito genérica e não apresentar osmecanismos políticos e institucionais específicosque agiram em cada regime político para a ocor-rência das “ondas” ou “surtos” emancipacionistas.5

Há, sem dúvida, uma coincidência entre rit-mo emancipacionista e regime político. A relaçãoé correta quando identifica os períodos ditatoriaiscom a centralização político-administrativa. Seriainusitado se, no caso brasileiro, as ditaduras tives-sem promovido o contrário, incorporando em suaagenda política a desconcentração fiscal e política.O principal equívoco está na transposição inverti-da da lógica política ditatorial para as situações de-mocráticas. Nesse sentido, qualquer Estado demo-crático, incluindo o Brasil, apresentaria um únicoviés na repartição do “bolo” fiscal (em benefíciodas instâncias de poder local) e uma instabilidadeintrínseca de sua organização político-administrati-va e divisão territorial. Nenhuma dessas condiçõesparece ser necessária, mas elas são contingentes aoutros fatores políticos e institucionais mais espe-cíficos. Além disso, essa relação entre regime polí-tico e emancipações tem um sentido fatalista e éincapaz de explicar a diversidade do ritmo eman-cipacionista entre os Estados brasileiros.

A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 63

Tabela 1Quantidade de Municípios no Brasil – 1940/2000

REGIÕES ANOS

1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Norte 88 99 120 143 153 298 449 Nordeste 584 609 903 1376 1375 1509 1791 Sudeste 641 845 1085 1410 1410 1432 1668 Sul 181 224 414 717 719 873 1189 Centro-Oeste 80 112 244 306 317 379 463 TOTAL (Brasil) 1574 1889 2766 3952 3974 4491 5560

Fonte: IBGE e TSE.

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A diferenciação no ritmo emancipacionistaentre os Estados motivou outras explicações sobreo processo que são, muitas vezes, menos plausíveisdo que a vinculação direta com o regime político.Essas tentativas de elucidar o problema são funda-mentadas em vários aspectos do processo emanci-pacionista (causas societais e políticas) e variammuito quanto à abordagem teórico-epistemológicaadotada. Porém, na maior parte dos casos, simples-mente não se sustentam diante de uma avaliaçãológica ou de um teste empírico mais elaborado.6

A onda emancipacionista não foi um fenô-meno totalmente nacional, mas concentrado emalguns Estados (ver Tabela 2). Em termos propor-cionais, a maioria dos Estados das regiões Norte e

Centro-Oeste se destacam, mas, quantitativamen-te, as emancipações nessas regiões não são tão re-levantes. O pequeno número de municípios em1980, as características de fronteira e a criação denovos Estados devem ter, juntamente com as de-terminações institucionais, motivado o altíssimoíndice relativo de emancipações nessas regiões.

Outra característica verificável é a similarida-de no incremento relativo das emancipações queocorreu em Estados com indicadores socioeconô-micos absolutamente distintos: Rio Grande do Sule Piauí dobraram a quantidade de municípios; oMaranhão apresentou um alto índice de emancipa-ções; Santa Catarina, Espírito Santo e Rio de Janei-ro ficaram um pouco acima da média brasileira. Os

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Tabela 2Quantidade, Incremento e População dos Municípios Criados (por Estados) – 1988/2000

ESTADOS MUNICÍPIOS INCREMENTO MUNICÍPIOS CRIADOS (por tamanho da população, em mil hab.) 1988 2000 Total (%) < 5 5 – 10 > 10 Total

RS 244 497 253 104% 207 82% 38 15% 8 3% 253 100% TO 6 139 133 2.217% 83 62% 33 25% 17 13% 133 100% MG 722 853 131 18% 65 50% 55 42% 11 8% 131 100% PI 116 222 106 91% 76 72% 27 25% 3 3% 106 100% SC 199 293 94 47% 71 76% 19 20% 4 4% 94 100% PR 311 399 88 28% 45 51% 32 36% 11 13% 88 100% MA 132 217 85 64% 12 14% 38 45% 35 41% 85 100% SP 572 645 73 13% 51 70% 12 16% 10 14% 73 100% GO 181 246 65 36% 50 77% 6 9% 9 14% 65 100% MT 82 139 57 70% 37 65% 12 21% 8 14% 57 100% PA 87 143 56 64% 4 7% 11 20% 41 73% 56 100% PB 171 223 52 30% 28 54% 11 21% 13 25% 52 100% BA 367 417 50 14% – 0% 12 24% 38 76% 50 100% RO 18 52 34 189% 7 21% 16 47% 11 32% 34 100% CE 152 184 32 21% – 0% 7 22% 25 78% 32 100% RJ 66 92 26 39% – 0% 10 38% 16 62% 26 100% ES 58 78 20 34% – 0% 9 45% 11 55% 20 100% PE 167 184 17 10% – 0% 4 24% 13 76% 17 100% RN 151 167 16 11% 12 75% 4 25% – 0% 16 100%MS 65 77 12 18% 2 17% 9 75% 1 8% 12 100% AP 5 16 11 220% 7 64% 2 18% 2 18% 11 100% AC 12 22 10 83% 4 40% 6 60% – 0% 10 100% RR 8 15 7 88% 4 57% 3 43% – 0% 7 100% AL 96 102 6 6% – 0% 3 50% 3 50% 6 100% AM 59 62 3 5% – 0% – 0% 3 100% 3 100% SE 74 75 1 1% – 0% 1 100% – 0% 1 100%

TOTAL 4121 5559 1438 35% 765 53% 380 26% 293 20% 1438 100%

Fonte: IBGE.

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Estados com baixos índices também apresentarama mesma discrepância socioeconômica – como,por exemplo, Sergipe e São Paulo. No geral, essesdados reforçam a objeção às hipóteses explicativasque se sustentam somente em aspectos sociais ouem algum tipo de teleologia funcionalista.

A descentralização política gerada pelaConstituição de 1988 determinou a transferênciada regulamentação das emancipações da Uniãopara os Estados. A autonomia institucional dos Es-tados, na elaboração da regulamentação e na de-cisão política, foi o fator preponderante para o rit-mo diferenciado na criação de novos municípios.Antes de 1988, em virtude da legislação federalrestritiva, havia poucos distritos legalmente eman-cipáveis fora das regiões de colonização do Nortee Centro-Oeste. Além disso, na segunda metadeda década de 1980, devido ao que parece ter sidouma crise de legitimidade das instituições geradasno governo militar, muitos municípios foram cria-dos desrespeitando a legislação vigente. A eficáciajurídica da Lei Complementar federal (LC) 01/67só ficou caracterizada quando a emancipação dealgum desses municípios foi objeto de disputa ju-dicial. Nos casos em que o processo tramitou semrecurso judicial, os municípios foram criados.7

Um outro aspecto relevante é a maior fre-qüência de municípios criados com pequena po-pulação (cerca de 74% dos municípios criados einstalados nas últimas duas décadas têm menos dedez mil habitantes). Na região Sul, estes perfazemmais de 90% do total. A emancipação municipalrecente é, fundamentalmente, uma questão queenvolve os micro e pequenos municípios do inte-rior. A diminuição das exigências à emancipaçãomunicipal pelas legislações estaduais, aliada a ou-tros componentes institucionais, está diretamenterelacionada à criação de municípios, visto quecerca de 75% destas novas entidades federativasnão poderiam existir dentro do quadro legal ante-rior à última Constituição.

Atores e estratégias no processo emancipacionista

Para compreender o processo de decisão po-lítica envolvido nas emancipações municipais,

identificarei algumas premissas a partir de brevesesquemas ideais sobre as preferências, as escolhase as estratégias dos atores diretamente envolvidosna criação dos municípios. O primeiro pressupos-to geral, implícito nesse esquema interpretativo,sustenta que os atores: 1) são indivíduos conscien-tes de suas preferências e agem racionalmente (es-colhem entre alternativas e definem suas estraté-gias na interação com outros atores em função desuas expectativas futuras) para que os resultadosdas decisões políticas atendam a seus interesses; 2)determinam a natureza de suas escolhas pela pers-pectiva de ganhos individuais (reeleição, maximi-zação da oferta de recursos fiscais, ganhos pecu-niários por esquemas fisiológicos, incrementoe/ou melhora das políticas públicas, etc.);8 3) e de-finem suas estratégias, em situações de interação,constrangidos pelas regras (instituições) e por suasexpectativas quanto às escolhas dos outros atorespolíticos envolvidos no processo decisório.

O segundo pressuposto sugere que as institui-ções políticas determinam as escolhas individuaisde duas formas: 1) as instituições constrangem asescolhas dos atores políticos, moldando suas estra-tégias como “regras do jogo” que arbitram sua in-teração com os outros atores que participam doprocesso decisório; 2) a própria dinâmica institu-cional determina não só as estratégias, mas tam-bém pode modificar as preferências e interessesdos atores políticos. Isto ocorreria por meio de umprocesso contínuo de retroalimentação. Isto é, aforma pela qual os atores políticos percebem, ne-gativa ou positivamente, as conseqüências dos re-sultados políticos, e o papel regulatório das institui-ções interfere nos sucessivos processos decisóriose na transformação dos interesses dos atores.

Diversos atores de todos os níveis federati-vos (de presidentes e ministros de Estado a verea-dores e eleitores de pequenas localidades interio-ranas) envolveram-se nas decisões políticas quegeraram os novos municípios e as instituições queregulamentaram o processo legal das emancipa-ções municipais. No entanto, a apreciação dessesatores é restrita ao processo de decisão políticaestadual, pois é nesta esfera de governo que a de-cisão de criação de municípios é definida.

No processo decisório estadual, há quatrotipos de atores políticos que participam das deli-

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berações, com maior ou menor capacidade dedeterminar a emancipação municipal. Existem aslideranças políticas locais, indivíduos que resi-dem na localidade e, na maior parte dos Estados,possuem a prerrogativa de iniciar o processo le-gal emancipacionista. Diante dos interesses emjogo (ampliação da oferta de recursos fiscais eatribuição de autonomia política na localidadeemancipanda),9 a estratégia dessas lideranças emrelação aos outros atores seria: a) com os eleito-res locais, mobilizá-los para que cooperem, vo-tando favoravelmente no plebiscito e auxiliandona pressão sobre a representação política; b)com os deputados estaduais: (i) quando nãohouver necessidade de subscrição de um depu-tado ao requerimento para realização do plebis-cito e/ou ao projeto de lei de criação do municí-pio, pressão sobre os membros da assembléiapara que votem favoravelmente, com ameaçasde retaliação eleitoral; e (ii) quando a subscriçãode um parlamentar for necessária, promessa derecompensa de votos ao deputado que apadri-nhar a iniciativa emancipacionista.10

Depois, há os eleitores que se manifestam noplebiscito. Caso a emancipação atenda aos seusinteresses, as estratégias na interação com outrosatores seriam semelhantes às descritas para as li-deranças locais.

Há também os deputados estaduais que, emvirtude das regras instituídas, possuem vários ins-trumentos para controlar o processo legislativodas emancipações e, efetivamente, participam detodas as fases do processo, interagindo com osoutros atores e detendo, formalmente, o direitode interromper a emancipação da localidade emqualquer momento do processo. Em cada mani-festação do legislativo, a maioria dos deputadosnão teria interesses significativos envolvidos. Paraessa maioria não haveria um interesse fundamen-tal na aprovação ou reprovação da emancipaçãodo município. Em virtude disto, parto do pressu-posto que o principal interesse da maioria dosdeputados é a continuidade de sua carreira polí-tica. Individualmente, cada deputado definiriasua estratégia e escolheria o que maximiza suachance de reeleição parlamentar ou de ocupaçãode outros cargos políticos.

Além disso, como as decisões legislativas sãocoletivas, a escolha individual dos parlamentaresestaduais dependeria, primordialmente, da intera-ção com os seus pares e da possibilidade de amaioria (exigida em cada votação do processo)dos membros da assembléia ter, individualmente,a expectativa de que os benefícios superariam oscustos políticos das escolhas realizadas. Como osinteresses das lideranças locais e do eleitoradotendem a ser predominantemente favoráveis àemancipação, as estratégias individuais dos depu-tados estaduais dependeriam dos constrangimen-tos institucionais e da estratégia adotada pelo exe-cutivo estadual. Se o executivo for favorável ouindiferente às emancipações municipais, a princi-pal estratégia individual dos deputados seria coo-perar com as lideranças locais e votar favoravel-mente à divisão municipal. Em função da perspec-tiva de ganhos de patronagem (inseridos em umalógica clientelista eleitoral)11 e/ou de construçãode uma rede fisiológica com aliados políticos nonovo município,12 haveria um reforço positivo àsexpectativas de futuro sucesso eleitoral. Caso nãohaja mecanismos que permitam vincular o parla-mentar à emancipação (como a subscrição da lei),mesmo que os benefícios eleitorais futuros sejammarginais, o voto individual contrário à emancipa-ção tenderia a gerar somente perdas para o parla-mentar, pela expectativa de retaliações eleitoraisque o mesmo teria na localidade emancipanda.

Por outro lado, a simples oposição do exe-cutivo estadual às emancipações não alteraria asestratégias dos legisladores. Somente quandoexiste uma sólida coalizão de governo (indepen-dentemente de ser programática ou fisiológica),com maioria absoluta dentro da assembléia, have-ria espaço para uma terceira estratégia individualentre os parlamentares. Neste caso, os deputadostenderiam a cooperar com o executivo estadual,por compromissos partidários e/ou receio de per-das futuras (demissão de correligionários em car-gos do governo, cancelamento de investimentosem sua base eleitoral, cortes no financiamento desuas campanhas eleitorais, ameaça de expulsãopartidária, perda de votos entre eleitores queapóiam o programa governista etc.), a despeito daexpectativa de retaliação eleitoral pelos eleitoresda localidade emancipanda.

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O quarto ator político, o executivo estadual,poderia expressar várias preferências. Todas con-sistentes dentro desta base dedutiva. O executivopoderia ser contrário, favorável ou indiferente emrelação às emancipações, não havendo como de-terminar a priori o interesse dominante e qual es-colha seria mais racional. Na interação com oseleitores e legisladores estaduais seria plausívelque o governador viesse a apoiar as emancipa-ções, primeiro, por motivações eleitorais, porexemplo, em Estados com eleitorado pouco ex-tenso, quando essas envolvem parcela significati-va do mesmo ou, ainda, quando houvesse expec-tativa de competição acirrada em eleições futurasem que a soma do eleitorado das localidadesemancipandas tivesse um peso expressivo. Segun-do, para manter maiorias fisiológicas no legislati-vo, em que o apoio à produção de leis clientelis-tas poderia beneficiar parlamentares da base go-vernista. Terceiro, por razões político-ideológicas.

O executivo poderia também se opor àsemancipações, tentando impedi-las através de

ameaças de sanções diretamente sobre os deputa-dos da base governista ou da utilização de seu di-reito de veto, exigindo que uma maioria absolutafosse formada para que esse viesse a ser derrubado.Essa oposição poderia ocorrer por motivos pragmá-ticos, vinculados, por exemplo, a restrições de or-dem orçamentária; ou por razões político-ideológi-cas, como princípios partidários e/ou programáticosdo governo. O governante estadual também pode-ria ser, simplesmente, indiferente pelos mais varia-dos motivos, não atuando nem favorável nem con-trariamente à fragmentação territorial. Nesse caso,ou mesmo quando o governo fosse favorável, de-veria ocorrer uma grande autonomia do poder le-gislativo, o que resultaria, provavelmente, em umaseqüência de decisões favoráveis às emancipações.

Todos os quatro tipos de atores participamdo processo decisório sobre a criação de novosmunicípios. Sem a iniciativa das lideranças locais(nos casos em que esta é imprescindível ao pro-cesso legislativo) ou a votação plebiscitária, seriaimpossível haver divisão municipal. Porém, des-

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Figura 1Forma da Interação entre os Atores Políticos no Processo Decisório Estadual

LiderançasLocais

Eleitores

DeputadosEstaduais

ExecutivoEstadual

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de que o processo tenha sido iniciado, o centrodecisório é deslocado para o poder executivo epara os deputados estaduais, e o resultado de-pende das estratégias desenvolvidas por essesatores (Figura 1).

Portanto, caso os atores interajam conformea racionalidade anteriormente descrita, com osdeputados estaduais aprovando as emancipa-ções, seria a variação na estratégia do executivoestadual e sua capacidade em implementá-la(medida pelo tamanho da coalizão governista, semajoritária ou minoritária), diante da mediaçãodo arranjo institucional existente, que determina-

ria a intensidade emancipacionista em cada Esta-do (Tabela 3).

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Tabela 3Resultado do Processo Legislativo da

Emancipação Municipal

Posição do Executivo Estadual em Relação à Emancipação

Favorável ou ContrárioIndiferente

Majoritária Aprovação Rejeição

Minoritária Aprovação Aprovação

Tamanhoda CoalizãoGovernista

Figura 2Processos de Criação de Municípios (emancipações)

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Os mecanismos político-institucionais no processo emancipacionista

A forma geral pela qual o contexto institucio-nal determina o processo de emancipação e suavariação nos Estados pode ser visualizada na Fi-gura 2. Nesse esquema, diferentes conjuntos deinstituições têm papéis específicos na moldagemdo ambiente em que ocorrem as decisões políti-cas que produziram as leis de criação dos municí-pios. A configuração histórica estabelecida, entreo arranjo institucional e as escolhas dos atores po-líticos, resultaria numa maior ou menor intensida-de do fenômeno em cada unidade da federação.

Existem três tipos distintos de instituiçõespresentes no processo emancipacionista: delimi-tadoras (federais, estaduais e municipais), defi-nem o estoque de localidades emancipáveis, istoé, as localidades ou distritos passíveis de serem le-galmente emancipados; estimuladoras (legislaçãoque regulamenta a transferência de recursos aosmunicípios, o FPM e os fundos estaduais forma-dos pelo ICMS), ampliam o interesse das lideran-ças políticas e do eleitorado das localidades emquestão, sobretudo a partir da década de 1980,devido ao grande incremento das transferênciasde recursos fiscais aos municípios; e processuais(Constituição Federal, legislação federal e estaduale regimentos internos das assembléias legislati-vas), determinam a forma pela qual o processo le-gislativo deve seguir até a promulgação da lei e apossibilidade de interferência de cada ator políti-co durante esse processo, “vetando” ou “alavan-cando” a criação dos municípios.

As instituições delimitadoras são as regras,contidas nos dispositivos constitucionais e nas leiscomplementares ou ordinárias, que estabelecemquais comunidades têm o direito de pleitear suatransformação em município. A relevância dessetipo de regra no jogo decisório é o seu carátereminentemente restritivo, que determina o esto-que de localidades emancipáveis em cada Estadoe quem deverá se manifestar (plebiscito) para queocorra a emancipação.

Nesse arranjo, o papel institucional de cadaesfera federativa não é equivalente, havendo, in-clusive, uma reorientação do centro decisório nas

últimas duas décadas. A partir de 1988, as delimi-tações federais tiveram dois encaminhamentoscompletamente distintos. Inicialmente, seguindouma tendência descentralizadora geral da rede-mocratização, havia somente duas restrições cons-titucionais: a preservação da “continuidade e uni-dade histórico-cultural do ambiente urbano” e aexigência da consulta plebiscitária às “populaçõesdiretamente interessadas” (Brasil, 1988, p. 21).

Em 1996, no que parece ter sido uma rea-ção ao ritmo emancipacionista, o Congresso Na-cional (por iniciativa do executivo federal) pro-mulgou uma emenda à constituição (n. 15) quedeu um novo caráter centralizador à matéria, li-mitando drasticamente a autonomia estadual re-cém-conquistada. A esfera federal retomou a prer-rogativa de regulamentar o período hábil para arealização das emancipações. Além disso, a nor-ma constitucional passou a exigir um “estudo deviabilidade” do novo município e, o ponto maisrestritivo, a estender a consulta (plebiscito) aoeleitorado de todos os municípios envolvidos(Noronha, 1996, pp. 111-112).

Já o mecanismo delimitador da esfera muni-cipal permaneceu inalterado durante todo o pe-ríodo. Aos municípios e seus governantes compe-te decidir, por meio de leis municipais, sobre acriação ou extinção de distritos em seu território.Este mecanismo é marginal no processo emanci-pacionista. Contudo, não é destituído de determi-nações, pelo menos nos Estados em que a regula-mentação (lei complementar) somente admite amunicipalização de distritos municipais.

O papel mais extenso e substancial sobre aregulamentação das emancipações coube, até1996, à esfera estadual.13 A capacidade de legislarsobre a regulamentação das emancipações, pormeio de leis complementares, foi um dos princi-pais mecanismos que gerou as condições propí-cias para a recente onda emancipacionista e, emgrande parte, determinou o seu ritmo diferencia-do por Estado, sobretudo porque o caráter per-missivo da maioria das regulamentações esta-duais, quando comparadas à delimitação impostapela LC federal 01/67, ampliou o estoque de loca-lidades emancipáveis.

A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 69

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De forma distinta, as instituições estimulado-ras reúnem os mecanismos de repartição fiscalque proporcionam aos municípios um volume mí-nimo de recursos, independentemente de existir ofato gerador da receita no território desses mes-mos municípios. Os recursos fiscais municipaistêm origem em quatro fontes: 1) recursos de arre-cadação própria, que são as taxas de serviços e osimpostos de competência municipal, como oIPTU (predial e territorial), Imposto de Transmis-são Inter Vivos e ISS (serviços); 2) recursos trans-feridos de impostos estaduais e federais em virtu-de da fonte de receita estar no território do muni-cípio, que correspondem a alíquotas específicasdesses impostos, como a tributação sobre atos efuncionários do poder municipal (100%), o ITR(propriedade rural, 50%), o IPVA (veículos, 50%),o ICMS (mercadorias e serviços, 18,75%) e parteque compete ao Estado como ressarcimento doIPI (produtos industrializados, 1,875%) pela isen-ção de exportações; 3) recursos transferidos defundos, que englobam impostos estaduais (ICMS)e federais (FPM), sem qualquer contrapartida nageração dos impostos;14 e 4) recursos de transfe-rências voluntárias (convênios, obras etc.).

A maioria dos municípios criados nas últimasduas décadas depende diretamente das transferên-cias federais para o seu funcionamento. A receitatributária própria é incapaz de sustentar sequer oscargos políticos gerados pela emancipação (prefei-tos, vereadores, secretários municipais).15 Alémdisso, em geral, a atividade econômica nesses mu-nicípios é incipiente e sem fontes geradoras de im-postos, tornando inexpressiva a participação dire-ta nos tributos estaduais e federais. Portanto, é oFPM que garante a sobrevivência da maior partedas unidades emancipadas. Em virtude disso, so-mente o terceiro tipo de receita é considerado aquium mecanismo institucional que estimula as eman-cipações municipais.

Entre os atores da localidade (lideranças eeleitorado), a garantia dos recursos provenientesdo FPM é, provavelmente, uma das principais mo-tivações às emancipações. Formado por uma par-cela dos impostos federais (22,5% do IPI e IR),desde a década de 1970, os recursos disponíveis aesse fundo vêm sendo incrementados, mais que

quadruplicando entre 1975 e 1993.16 Do total dofundo, 10% são destinados às capitais dos Estados,3,6% formam um fundo adicional para os municí-pios do interior com grande população (mais de156.216 habitantes) e o restante, 86,4%, é destina-do a todos municípios do interior.17

A distribuição do fundo aos municípios dointerior segue dois parâmetros. O primeiro é opopulacional. Os municípios são divididos emdezoito faixas que recebem um coeficiente departicipação. O menor coeficiente é 0,6, atribuídoaos municípios com menos de 10.188 habitantes;o maior coeficiente é 4, para os municípios compopulação superior a 156.216 habitantes.18 Esteera o único critério existente até 1990, o queigualava as transferências das cotas do FPM paratodos municípios brasileiros de uma mesma faixapopulacional.

Entretanto, a legislação que regulamenta atransferência do FPM foi alterada, certamente devi-do à concentração das emancipações em alguns Es-tados. Os congressistas modificaram os critérios dedistribuição do FPM, criando índices de participa-ção fixos por UF.19 Isso fechou o circuito de perdase ganhos interestadual, gerado pelas ondas emanci-pacionistas da década de 1980. Na década seguinte,o jogo de soma zero (pela partilha do FPM atravésdas emancipações) restringiu-se ao conjunto dosmunicípios de cada Estado.

Mesmo com a perspectiva de redução dosvalores do FPM transferidos aos municípios, emEstados com grande número de emancipações,criar um novo município continua sendo umgrande negócio para as pequenas localidades dointerior. O fundo garante a fragmentação de pe-quenos municípios com pouca ou nenhuma per-da para aquele que foi desmembrado, já que oônus (o jogo de soma zero) distribui-se entre to-dos os municípios do Estado. Na maioria dos ca-sos, os ganhos proporcionais (incremento doFPM per capita) geram pouca oposição da sede àemancipação, quando se pensa cada caso indivi-dualmente, porque só há benefícios aos atoresmunicipais, tanto da localidade desmembradaquanto da sede municipal.

Finalmente, o terceiro conjunto de institui-ções (processuais) reúne os mecanismos endóge-

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nos ao funcionamento dos parlamentos estaduaise as regras que delimitam a interação entre os ato-res políticos no processo legislativo de criação deum novo município ou de alteração da regula-mentação estadual sobre os critérios mínimos exi-gidos à emancipação. Esses mecanismos moldama interação política, constrangendo as estratégiasdos atores políticos nos diversos momentos de de-cisão até que a lei de emancipação ou a legisla-ção complementar seja promulgada.

Alguns mecanismos processuais têm origemna Constituição e determinam tanto as linhas ge-rais do processo emancipacionista quanto as nor-

mas básicas do funcionamento dos legislativos es-taduais. Como esses dispositivos são constantes (anecessidade de maioria absoluta para a aprovaçãode leis complementares e derrubada de vetos oumaioria simples para leis ordinárias, o direito deveto total ou parcial do executivo estadual e a uni-cameralidade do poder legislativo estadual), nãoexplicam as diferenças no ritmo e na intensidadeda criação de municípios nem a dinâmica institu-cional nos Estados.

Existem também muitas características co-muns no processo decisório estadual instituídopelas legislações complementares estaduais (Figu-

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Tabela 4Processo de Decisão Política

Instâncias e Oportunidades de Veto na Tramitação da Lei de Criação de Município

INSTÂNCIAS DE VETO

Legislativo Estadual

Executivo Estadual

Instância Eleitoral

OPORTUNIDADES DE VETO (*)

1. Comissões (Especializada e/ouConstituição e Justiça)apresentar parecer contrário ao pedido de plebiscito.

2. Plenário rejeitar pedido de plebiscito.

4. Plenário não derrubar o Veto do Governador aoplebiscito (quando esse é aprovado por lei).

6. Plenário não aprovar a Lei de criação do município.

8. AL não derrubar o Veto do governador à Emanci-pação.

3. Governador Vetar o plebiscito (quando esse éaprovado por lei).

7. Governador Vetar a lei de criação do município.

5. Eleitores votando majoritariamente contra a eman-cipação ou abstenção de mais de 50% do eleitora-do.

9. Futuras votações para o executivo e legislativo es-tadual influenciando as decisões políticas.

TENDÊNCIA DE O VETO OCORRER, TENDO EM VISTA OS INTERESSES DOS ATORES

Pouco Provável, só quando há oposição sistemática àemancipação ou fidelidade a um executivo contrário.

Pouco Provável, só quando há oposição sistemática àemancipação ou fidelidade a um executivo contrário.

Pouco Provável, mas pode ocorrer devido à existênciade maioria governista sólida e comprometida progra-mática ou fisiologicamente com o executivo.

Pouco Provável, após haver a aprovação popular emplebiscito e devido aos interesses dos legisladores napatronagem.

Extremamente Improvável, após a assembléia ter apro-vado todo o processo, somente em casos atípicos.

Indeterminada, dado que há várias possibilidades ra-zoáveis quanto aos interesses dos governadores nasemancipações.

Indeterminada, dado que há várias possibilidades ra-zoáveis quanto aos interesses dos governadores nasemancipações.

Improvável, antes da emenda n. 15/1996, ocorrendo sóem casos excepcionais.Muito Provável, após a emenda, com exceção dasemancipações em micromunicípios.

Provável somente para o legislativo, onde uma quanti-dade pequena de votos pode definir a reeleição; nocaso do executivo parece desprezível, pelo menos emEstados com eleitorado extenso.

Fonte: Legislação Complementar Estadual.(*) As oportunidade de veto 3 e 4 só estão presentes nos Estados em que a lei complementar exige a aprovação darealização do plebiscito através de lei ordinária (somente no Rio Grande do Sul). Nos outros Estados, o plebiscito éaprovado por resolução ou decreto legislativo, não havendo oportunidade de veto do executivo.

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Figura 3Fluxograma do Processo Decisório das Emancipações

(Oportunidades de Veto que as “Instituições” atribuem aos atores políticos)

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ra 3 e Tabela 4). A mais relevante é a disparidadede oportunidades de veto atribuída aos atores po-líticos. As prerrogativas dos deputados estaduaisexcedem a de todos os outros atores, maximizan-do, nas situações em que há convergência naspreferências da maioria dos parlamentares, a ca-pacidade dos membros do poder legislativo im-plementar seus interesses.

Há, portanto, uma grande desvantagem ins-titucional do executivo estadual. Como possui so-mente uma opção reativa (o veto), enquanto osdeputados estaduais controlam todos os passos datramitação, quando o executivo for contrário àsemancipações necessitaria de uma maioria parla-mentar governista sólida e confiável e de umagrande capacidade de controle externo sobre essabase de apoio para exercer suas preferências e re-duzir a probabilidade de decisões favoráveis àsemancipações. Já aos eleitores cabe apenas umveto direto (plebiscito) e outro vinculado às ex-pectativas eleitorais dos deputados, sendo que aoperação desse último maximizaria a autonomiado legislativo, pois favoreceria a consolidação deum tipo de clientelismo eleitoral com os deputa-dos agindo como policy brokers.

Quando o executivo opõe-se às emancipa-ções, a existência de uma maioria parlamentar go-vernista é condição prévia para que essa escolhaseja implementada pela Assembléia Legislativa.No entanto, não é suficiente. Maiorias não confiá-veis e mecanismos processuais, cuja ocorrêncianas leis complementares estaduais é variável, po-deriam determinar uma autonomia, mesmo quepontual, do poder legislativo. A principal variávelcomparativa desse tipo encontra-se na iniciativado processo legal das emancipações. Ao contráriode outras leis ordinárias, cuja iniciativa é estendi-da aos deputados, às comissões e ao executivo,algumas leis complementares estaduais atribuemaos atores locais a prerrogativa de iniciar o pro-cesso de criação dos municípios. Nesses casos, aproposição legislativa só iniciaria sua tramitaçãomediante a solicitação de um número mínimo deeleitores da localidade em questão.20

A oportunidade, ou mesmo a exigência, dasubscrição parlamentar na lei de criação de muni-cípios torna a mesma dependente, para sua apro-

vação, da barganha alocativa entre os parlamenta-res (logrolling), dado que essa seria entendida,pelo parlamentar que tomou a iniciativa e porseus pares, como uma lei clientelista. Diante daoposição do executivo, com maioria governista, àemancipação, os custos de oportunidade política,tanto da apresentação da lei quanto da barganhacom os outros deputados para sua aprovação, au-mentariam a ponto de se tornarem proibitivos.Aprovar a lei nessa situação seria quase impossí-vel, dado que o deputado teria de retribuir bene-fícios a seus pares que compensassem a provávelretaliação do executivo. Além disso, a expectativade retaliação, entre os deputados da base gover-nista, inibiria inclusive a subscrição de leis de cria-ção de municípios.

Por outro lado, quando a subscrição é proi-bida, tanto os custos da iniciativa e da barganhaquanto a ameaça de retaliação sobre deputados in-dividuais inexistem. Como os parlamentares nãocontrolam a iniciativa e não podem se negar a re-ceber os pedidos de emancipação, a quantidadedestes dependerá das lideranças locais. Sua trami-tação e aprovação no parlamento dependeriam docálculo individual dos deputados sobre os benefí-cios eleitorais em apoiar o executivo ou as eman-cipações e do custo de possíveis retaliações doeleitorado local ou do executivo, que é zero paraos parlamentares oposicionistas e pequeno, caso amaioria governista seja frágil, sobretudo se muitosdesses deputados estiverem dispostos a não apoiara posição do executivo. Desta forma, a proibiçãoda iniciativa parlamentar constitui-se um mecanis-mo que limita as sanções do executivo e amplia apossibilidade de autonomia política do legislativo,principalmente quando a demanda por emancipa-ções for suficiente para envolver os interesses demuitos parlamentares governistas.

Definição das hipóteses e operacionaliza-ção das variáveis no estudo comparativo

O arranjo institucional gerado pela Consti-tuição de 1988, conforme visto, atribuiu um papelcentral ao poder legislativo estadual na decisãosobre as emancipações municipais, tanto pelo

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deslocamento da regulamentação à esfera esta-dual, quanto pelo domínio formal do processodecisório, devido às oportunidades de veto atri-buídas aos deputados estaduais. Além disso, oprocesso emancipacionista estadual possui umescopo mais amplo do que apenas a decisão sobreas leis de emancipação. Este incorpora, da regu-lamentação estadual (institucionalização), a defi-nição das exigências mínimas à criação de novosmunicípios e da forma pela qual deve tramitar oprocesso legislativo. Juntamente com o resultadoda interação entre o legislativo e o executivo, adinâmica dessas instituições delimitadoras e pro-cessuais determinam o ritmo e a intensidadeemancipacionista nos Estados.

Essa dinâmica envolve também a continuida-de dos eventos e das decisões que resultaram nacriação de municípios e na alteração das regula-mentações das emancipações. Como pode ser vis-to na Figura 4, os resultados políticos e suas con-seqüências (intencionais ou não-intencionais) têmuma capacidade de retroalimentação sobre a defi-nição/transformação dos interesses dos atores po-líticos e, portanto, sobre como novas escolhas se-rão tomadas em momentos subseqüentes.

Isto poderia ser exemplificado por mudançasde estratégia adotada pelo executivo. Conforme oraciocínio proposto anteriormente, o executivonão possuiria um interesse dominante logicamen-te dedutível, sendo, portanto, muito dependente

de como suas expectativas são alteradas pelasconseqüências dos resultados políticos. Numa si-tuação em que as conseqüências do processo fo-rem muito incisivas, haveria inclusive a possibili-dade de redefinição dos interesses e das estratégiade alguns parlamentares.

Portanto, decisões contraditórias, tomadaspor um mesmo ator no curso do processo, não se-riam, necessariamente, originadas pela falta de ra-cionalidade desses atores ou da escolha entremúltiplas situações aceitáveis, mas, talvez, peloestabelecimento de uma nova racionalidade queprovocasse a mudança nas escolhas e estratégiasadotadas. Isto permitiria a transformação, por ve-zes radical, de algumas instituições (regulamenta-ções estaduais) sem que houvesse substituiçãodos atores ou mudanças na coalizão governista, oque também poderia ocorrer, obviamente, quandoos resultados eleitorais alterassem os atores noprocesso decisório.

Dessa forma, o estudo comparativo do pro-cesso emancipacionista nos Estados – a explicaçãode suas causas, da variação em seu ritmo e inten-sidade e da dinâmica institucional – se faz pormeio de um conjunto de hipóteses que relacionamas proposições sobre a racionalidade instrumentaldos atores políticos, os mecanismos institucionais,os resultados eleitorais e o policy feedback. Asduas primeiras hipóteses procuram determinar avariação do processo emancipacionista (Figura 5).

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Figura 4Processo de decisão política (mudanca institucional)

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Quanto mais favorável for a posição estadualsobre as emancipações (resultante da relação deforças na interação executivo/legislativo) e quan-to maior o estoque de localidades emancipáveis,maior a ocorrência relativa de emancipações mu-nicipais no Estado.

A institucionalização/alteração da regula-mentação e o sentido desta (facilitar/dificultar asemancipações) dependerão da interação entreexecutivo e legislativo estadual e do tama-nho/consistência da coalizão de governo existen-te no legislativo estadual (constituída pelos resul-tados eleitorais ou por alianças políticas posterio-res): (a) quando for minoritária, a lei promulgadatenderia a facilitar as emancipações (comparadaao status quo); (b) quando for majoritária, comapoio vigoroso, o sentido da lei dependeria do in-teresse do executivo em facilitar/dificultar asemancipações; (c) quando for majoritária, comapoio frágil, o sentido da lei dependeria de barga-nhas pontuais entre o executivo e o legislativo.

As duas hipóteses seguintes especificam adeterminação dos constrangimentos institucionaise históricos sobre as decisões políticas no proces-so emancipacionista e a disponibilidade de locali-dades emancipáveis, sendo que a primeira rela-ciona a variação das instituições às estratégias dos

atores na interação executivo/legislativo e, em de-corrência, à posição política estadual predominan-te sobre as emancipações.

A expectativa de autonomia do legislativoserá maior quando as lideranças locais possuírema exclusividade na iniciativa de criação de muni-cípio e for minoritária ou majoritária, mas frágil, acoalizão governista na Assembléia Legislativa.

A extensão do estoque de localidades eman-cipáveis variará conforme a permissividade da re-gulamentação sobre as emancipações e a quanti-dade de localidades (distritos, vilas, lugarejos) nãoconstituídas em município no Estado.

A últimas três hipóteses descrevem a deter-minação dos resultados eleitorais e das aliançaspolíticas posteriores sobre as coalizões governis-tas, o feedback dos resultados políticos sobre asinstituições e como as conseqüências do processoalteram as escolhas dos atores.

Quanto mais intensamente as conseqüências(intencionais/não intencionais) dos resultados dasdecisões políticas (emancipações e regulamenta-ção) forem percebidas de forma negativa pelosatores políticos (principalmente o executivo),maior a probabilidade de que sejam contrários àcriação de novos municípios.

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Figura 5Hipótese (diagrama geral)

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Quando os resultados das decisões políticasalterarem o contexto institucional das emancipa-ções, poderão ocorrer mudanças no equilíbrio dasrelações de forças entre o executivo e o legislati-vo (posição favorável ou contrária às emancipa-ções) devido à variação nos mecanismos institu-cionais que constrangem o processo de interação.

O tamanho e o tipo de coalizão de governo(apoio dos deputados estaduais ao executivo)serão determinados pelos resultados eleitorais epelo momento de sua definição: (a) majoritária evigorosa, quando a maioria absoluta dos mem-bros do parlamento que apóia o executivo resul-ta de acordos partidários anteriores aos resulta-dos eleitorais; (b) majoritária e frágil, quando amaioria absoluta é formada por alianças políticasposteriores à eleição; (c) minoritária, quando a

maioria da assembléia não participa da coalizãode apoio ao executivo.

O teste empírico das hipóteses é realizadopor meio de um conjunto de variáveis e indicado-res da historicidade, dos resultados políticos, dosmecanismos institucionais e da motivação dos ato-res em relação às emancipações. A descrição dasvariáveis, os valores atribuídos e a caracterizaçãode sua variação estão expostos na Tabela 5.21

O valores são atribuídos de forma crescente(conforme a expectativa de aumento na intensida-de do processo emancipacionista estadual): quan-to mais baixo o valor atribuído às variáveis depen-dentes, menor a ocorrência dos resultados ou me-nos permissiva será a regulamentação criada ou aorientação de suas possíveis transformações pos-teriores; quanto mais baixo o valor atribuído às

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Tabela 5Atribuição de Valores às Variáveis do Processo Emancipacionista

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Figura 6Relação entre o Estoque (Distritos Emancipáveis) e as

Emancipações (Valores Relativos)

variáveis independentes e seus indicadores, me-nos provável será a ocorrência dos fenômenosdescritos pelas variáveis dependentes. Portanto,as hipóteses terão maior validade explanatóriaquando, diante das evidências empíricas das uni-dades de comparação (Estados), mais freqüentefor a variação no mesmo sentido entre as variá-veis independentes e dependentes.

Verificação das hipóteses

A verificação das hipóteses será realizada emduas fases. Na primeira, com dados de todos os Es-tados brasileiros, é avaliada parcialmente a valida-de da primeira hipótese por meio da correlação en-tre o estoque de localidades emancipáveis e a in-tensidade das emancipações nos Estados. Somentena segunda fase, a partir de informações recolhidasem estudos de caso com uma amostra de cincounidades da federação (Bahia, Pernambuco, RioGrande do Sul, Santa Catarina e São Paulo),22 com-pleta-se a avaliação da validade explanatória das

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quatro primeiras hipóteses apresentadas anterior-mente. Em ambas, o processo emancipacionistabrasileiro é separado em períodos, que correspon-dem aos anos em que houve criação de municípios– no momento seguinte à promulgação da Consti-tuição (1988-1990) e nos anos que antecederam aseleições municipais (1991-1992 e 1993-1996).

A primeira hipótese afirma que deverá crescera intensidade relativa de emancipações municipaisquanto maior for a disponibilidade relativa de loca-lidades emancipáveis e mais favorável for a posiçãopolítica estadual resultante da interação entre oexecutivo e o legislativo estaduais. Isolando so-mente uma das variáveis independentes, a disponi-bilidade (ESTOQUE),23 é possível perceber que, ape-sar de seu potencial explicativo restrito (quandodesassociada da interação entre executivo/legislati-vo), essa correlação não é espúria, dado que amaior parte dos surtos emancipacionistas estaduaisse enquadra nas suas diretrizes (Figura 6).

No final da década de 1980, a maioria dosEstados não tinha editado suas leis complementa-res regulamentando as emancipações, o que man-teve a validade da LC federal 01/67. Somente San-ta Catarina, Ceará, Tocantins, Bahia, Rondônia eAcre editaram leis próprias nessa década, mas ostrês últimos definiram exigências semelhantes àlegislação da ditadura militar, não ampliando seuestoque de distritos emancipáveis. Os dados dis-crepantes desse período, sem contar os Estadosdo Norte e Centro-Oeste, com suas característicasatípicas de fronteira de colonização, envolvemtrês Estados: Rio Grande do Sul, São Paulo e Riode Janeiro. No primeiro, a lei federal foi simples-mente esquecida, isto é, no processo decisório es-tadual gaúcho dos anos de 1980, a delimitação doestoque emancipável não foi definida pelas regras(legado institucional do regime militar), mas so-mente pelos interesses dos atores (executivo,legislativo e lideranças locais). Portanto, os muni-cípios foram criados sem a observância das restri-ções institucionais. Este fato, que explica a discre-pância de sua classificação, também ocorreu emoutros Estados, mas em nenhum caso com aintensidade verificada no Rio Grande do Sul.

Os outros dois Estados (São Paulo e Rio deJaneiro), que expressam em todos os períodos

(1990/1992/1996), independentemente da legisla-ção ou da relação entre o executivo e o legislati-vo estaduais, a existência de uma grande disponi-bilidade de localidades emancipáveis sem a cor-respondente intensidade relativa de emancipaçõesmunicipais, não revelam algo atípico, mas uma li-mitação explanatória da quarta hipótese (sobre adeterminação do estoque emancipável). Essa, porsua vez, revela a incapacidade de tratar a proba-bilidade desigual de emancipação entre distritosurbanos de municípios populosos e distritos ruraisde pequenos municípios do interior. Como, dife-rentemente da maioria das UF’s, a maior parte dosdistritos de Rio de Janeiro e São Paulo se enqua-dra no primeiro tipo, de fato, o que ocorre é aexistência de uma grande disponibilidade de dis-tritos emancipáveis com baixa probabilidade deemancipação. Porém, como todos são legalmentepassíveis de serem emancipados, não seria possí-vel excluir os distritos urbanos do estoque eman-cipável desses Estados.

Nos dois períodos subseqüentes (1992/1996),quando todos os Estados já haviam regulamenta-do as emancipações e, portanto, as irregularida-des foram sensivelmente reduzidas, as outras ca-racterísticas discrepantes continuaram a ser obser-vadas, tanto em relação aos Estados com concen-tração de distritos urbanos, quanto em relação aosextremos e à volatilidade dos Estados da regiãoNorte. Por outro lado, a comparação entre os trêsperíodos indica elementos relevantes na dinâmicahistórica dos surtos emancipacionistas.

Tabela 6População Mínima(*) Requerida na

Emancipação Municipal

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UF Leis População Complementares

União LC 01/67 10.000(**) PR 56/91 5.000 RS 9070-9089/90 1.800 SC 01/89 5.000

29-33/90,34/91 1.79637-42/91,135/95 5.000

ES 13/91 8.600 87/96,100/97 Proibido a divisão

de municípios emancipados nos últimos 50 anos

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Primeiro, é possível notar o esgotamento doestoque de localidades emancipáveis nos Esta-dos, seja por mudanças restritivas nas leis com-plementares estaduais, como nos casos de SantaCatarina, Pará, Tocantins, Ceará e Mato Grosso(Tabela 6), seja pela simples diminuição do mes-mo em função da transformação dos distritos emmunicípios, como em Mato Grosso do Sul, Goiâ-nia, Paraná e, inclusive, Rio Grande do Sul, sejapelo acúmulo dos dois fatores. O inverso tambémé verdadeiro, com a lei sendo mudada para faci-litar as emancipações, expandindo a disponibili-dade emancipável, caso, por exemplo, de MatoGrosso, Maranhão e Paraíba.

Segundo, mesmo não sendo possível de-monstrar diretamente a partir da relação entre asvariáveis, é dedutível a oscilação nas decisões po-líticas estaduais sobre a emancipação municipal e,portanto, na interação entre executivo e legislati-vo, tanto pela mudança institucional, quanto pelaradical diferença de intensidade emancipacionistanos diferentes períodos num mesmo Estado.

Terceiro, a correlação entre o estoque e asemancipações é menos evidente conforme o pro-cesso emancipacionista avança na década de 1990.Conforme cresce a resistência dos atores políticoscontrários às emancipações, menor é a capacidadede conversão do estoque emancipável dos Estadosem novas municipalidades. Nesse sentido, a deter-minação fundamental da intensidade emancipacio-nista estadual encontra-se na interação entre oexecutivo e o legislativo estaduais e nos mecanis-mos que definem o processo legislativo, sendoque o tamanho do estoque é tanto resultante des-sa interação (na eventual alteração das leis com-plementares) quanto uma delimitação da potencia-lidade emancipacionista de cada Estado.

Esses aspectos da dinâmica nos surtos eman-cipacionistas e nas regulamentações (leis comple-mentares) estaduais indicam que as hipóteses so-bre o policy feedback permitiriam ampliar a com-preensão dos processos decisórios, sobretudo naanálise mais detalhada dos Estados. A percepçãodas conseqüências dos resultados políticos e dastransformações institucionais, pelos atores políti-cos, motiva o redimensionamento dos interessesdos mesmos a respeito da fragmentação munici-

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UF Leis População Complementares

MG 19/91 3.00024/92 2.000

37-39/95 2.000RJ 59-61/90 6.393SP 651/90 1.000AL 01/90 7.000

06/91 7.00011/92 5.500

BA 01/89 12.54102/90 8.000

CE 11659/89 5.00001/91 10.213

MA 17/93 1.000PB 01/90 2.000

24/96 5.000PE 01/90 10.000

14/96 10.00015/96 Proibido

emancipações até 1999

PI 06/91 4.000RN 102/92 2.558SE 01/90 6.000AC 23/89 2.088

35/91 1.500AM 07/91 965AP 01/92 948PA 01/90 5.000

27/95 10.000RO 31/89 6.155RR 02/92 2.471TO 01/89 2.000

05-06/92 1.20009/95 3.000

GO 02/90 3.00004/90 2.000

MS 58/91 9.63562/91 5.781

MT 01/90,08-09/91 3.04023/92 4.000

Fonte: Lei Complementar federal e estadual, IBGE (Conta-gem 96, Censo 91).(*) Quatro Estados utilizam o eleitorado (RS, SP, MG e MA).(**) Menos para os Estados com menos de 2 milhões dehab., quando prevalecia 0,5% da população. Segundo osdados do “Censo de 1991”, a população municipal mínimapara essas UF seria: AC (2.088 hab.), AP (1.446 hab.), MS(8.901 hab.), RO (5.663 hab.), RR (1.087 hab.), SE (7.459hab.) e TO (4.599 hab.).

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pal, sobretudo entre o executivo. Não creio quese trate de um problema de irracionalidade ou deincomensurabilidade nas escolhas dos atores, masa revisão da racionalidade pela alteração das pre-ferências, ou da ordem de preferências, de algunsatores envolvidos no processo decisório.

Isto pode ser melhor demonstrado na verifi-cação das três primeiras hipóteses com os dadoslevantados na amostra dos Estados. Segundo aprimeira hipótese, a intensidade relativa das eman-cipações é determinada pela posição políticaresultante da interação entre o executivo e o legis-lativo estaduais dentro dos limites dados pela dis-ponibilidade de localidades emancipáveis em cadaEstado. Isto é, sem decisões políticas favoráveis, adisponibilidade de localidades emancipáveis nãoresulta na criação de novos municípios. Comotambém não basta existir posição favorável, senão houver o que ser emancipado.

Uma posição estadual contrária é descritaquando nenhuma ou proporcionalmente poucasemancipações resultam da oposição do executivoseguida da concordância de uma maioria gover-

nista na assembléia. Uma posição é favorável (emgraus distintos) quando o executivo apóia ou é in-diferente às emancipações; é contrário, mas nãopossui maioria governista; ou possui maioria, masesta não segue a posição do executivo (ver a dis-tribuição dos dados na Tabela 7).

A determinação associada das duas variá-veis independentes (estoque e interação executi-vo/legislativo) sobre a intensidade emancipacio-nista estadual é razoavelmente demonstrada naBahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e SantaCatarina. Quando não houve oposição do execu-tivo, ou quando esta foi ineficaz, ocorreu sempregrande intensidade de emancipações nesses Es-tados – como na Bahia (1990), no Rio Grande doSul (1990, 1992 e 1996) e em Santa Catarina(1990 e 1992). Isso somente não aconteceu quan-do a disponibilidade de distritos emancipáveisera reduzida – caso de Pernambuco (1990 e1992) e Santa Catarina (1996). Quando o execu-tivo foi contrário e encontrou apoio parlamentar– Bahia (1992 e 1996) –, nenhum município foicriado, mesmo havendo demandas locais trami-

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Tabela 7Relação entre a Posição Estadual (Executivo/Legislativo) e a Intensidade Emancipacionista

Relativa dos Estados (comparada à intensidade média das emancipações nas UF’s)

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tando, apoio de parlamentares e citações naconstituição estadual sobre a emancipação dedeterminados distritos. Esse também foi o casode Pernambuco (1996), que, no entanto, criou al-guns poucos municípios, possivelmente devido àmaior fragilidade da coalizão governista.

Além disso, a descrição de variações na po-sição estadual favorável às emancipações, indica-da pela variação no tamanho da coalizão gover-nista e na postura do executivo, demonstra pos-suir relevância explicativa. Essa relação é identifi-cável pela redução da intensidade emancipacio-nista conforme aumenta a resistência do executi-vo. Seja nos Estados com relativa estabilidade naregulamentação estadual (Bahia, Pernambuco eRio Grande do Sul), seja, como no caso de SantaCatarina, verificável pelo impacto das alteraçõesna legislação complementar nos períodos subse-qüentes, facilitando as emancipações em 1990,quando o executivo era minoritário, e dificultan-do-as em 1991, quando havia maioria governista.

Em São Paulo, como na correlação com adisponibilidade de distritos emancipáveis, tam-bém a posição favorável na interação entre o exe-cutivo e o legislativo estaduais não determinouuma alta intensidade relativa de emancipaçõesmunicipais. Portanto, não é possível demonstrarempiricamente a capacidade explicativa da pri-meira hipótese nesse caso. Contudo, como jámencionei anteriormente, há uma limitação naquarta hipótese, dado que a disponibilidade dedistritos emancipáveis não especifica a probabili-dade de emancipações. Nesse sentido, os dadossobre o estoque emancipável deste Estado indu-zem uma alta expectativa emancipacionista quejamais ocorreu, apesar de o legislativo estadualdecidir favoravelmente à criação de municípiossem nunca observar a oposição do executivo. Por-tanto, não foi o processo decisório o fator restriti-vo ao incremento municipal no Estado. Como emSão Paulo a iniciativa da emancipação cabe exclu-sivamente às lideranças locais e a maior parte doestoque de distritos encontra-se nos municípiosmuito populosos, sobretudo na capital, possivel-mente a falta de estímulos fiscais não motivou oingresso de demandas emancipacionistas dessetipo na Assembléia Legislativa.

Por outro lado, na relação entre as decisõespolíticas estaduais e a quantidade de emancipa-ções verifica-se também uma razoável adequaçãoda terceira hipótese: a tendência de autonomiapolítica do legislativo estadual quando as lideran-ças locais possuem a exclusividade da iniciativalegislativa (proibição de subscrição parlamentar àlei) e a coalizão governista é frágil. Sempre queessas duas condições ocorreram simultaneamente– em Santa Catarina (1992), São Paulo (1992) e RioGrande do Sul (1996) –, a maioria governista nãoseguiu a posição contrária do executivo. Quandonenhuma existiu – Bahia (1992 e 1996) –, o exe-cutivo não teve dificuldade em sustentar sua posi-ção contrária às emancipações. Porém, na ausên-cia da primeira, Pernambuco (1996), o executivoconseguiu limitar a autonomia parlamentar, mes-mo que de forma menos vigorosa.

Isto parece demonstrar que, quanto mais di-fícil for para associar a lei de criação de municí-pio à iniciativa individual de um parlamentar,maior será a possibilidade de ocorrência de deser-ções na base de sustentação governista. Pelo me-nos quando essa é frágil. Isto é, quando for for-mada após o resultado eleitoral, seguindo o quese convencionou chamar regra do situacionismo.Entretanto, sem a restrição desse mecanismo ins-titucional, a maior fragilidade da coalizão gover-nista não seria suficiente para que parte dos par-lamentares ignorasse a ameaça de retaliação doexecutivo. Essa proibição à iniciativa legislativados deputados na emancipação transforma a bar-ganha individual (logrolling) entre os parlamenta-res em uma cooperação onde não há a expectati-va de ganhos eleitorais individualizados. Quandoos deputados aprovam a esse tipo de lei de eman-cipação, não aceitando pressão do executivo, res-pondem a uma iniciativa local referendada pelasoberania popular em uma consulta plebiscitária.

Finalmente, há um último aspecto do processoemancipacionista estadual abordado no conjunto dehipóteses explicativas, mas vinculado a um proces-so decisório distinto do anterior: a dinâmica na re-gulamentação estadual da divisão municipal. A se-gunda hipótese sustenta que a produção/alteraçãode leis complementares estaduais, bem como suaorientação normativa, depende de como o tamanho

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e a consistência da coalizão governista na assem-bléia determinam o equilíbrio de forças entre oexecutivo e o legislativo estaduais (Tabela 8). A es-tabilidade ou a mudança dessas instituições desem-penha um papel fundamental na potencialidadeemancipacionista dos Estados pela definição da dis-ponibilidade de localidades emancipáveis. Como énecessário a maioria absoluta da assembléia paraaprovar a regulamentação, a alteração na LC (pararestringir ou facilitar as emancipações) exige uma re-composição da posição estadual sobre a criação demunicípios e um grande investimento do poder quetoma a iniciativa na alteração, sobretudo quandonão há coincidência entre a posição do executivo eda maioria parlamentar sobre o teor da mudança.

Na amostra investigada, houve dois casos emque uma única lei complementar foi editada apósa transferência constitucional da competência so-

bre a regulamentação aos Estados. No Rio Grandedo Sul e em São Paulo, a primeira lei foi editadaem 1990 com critérios extremamente permissivos,comparada à LC federal 01/67. Em ambos a inicia-tiva legislativa partiu da assembléia em situaçõesque havia uma posição estadual favorável àsemancipações nos dois poderes, sendo que o exe-cutivo não possuía condições (coalizão governis-ta majoritária) ou simplesmente não desejava de-finir critérios mais rigorosos. No RS, o executivoera minoritário e, em SP, a coalizão governista foiformada por negociações posteriores à eleição.

Nos períodos seguintes de emancipações, oexecutivo dos dois Estados opôs-se à criação denovos municípios, mas a ausência de maioria só-lida não permitiu que a regulamentação fosse al-terada para restringir as emancipações. Isso foimuito mais claro no Rio Grande do Sul, onde as

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Tabela 8Relação entre a Posição Estadual (Executivo/Legislativo), o Tipo de Coalizão de Apoio ao

Executivo no Parlamento(*) e a Dinâmica da regulamentação Estadual (1989-1996)

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propostas de lei complementar do executivo fo-ram sistematicamente arquivadas. A estabilidadeinstitucional, tanto neste Estado quanto em SãoPaulo, resultou da incapacidade do executivo(com apoio frágil ou minoritário) em impor alte-rações restritivas e da preferência da maioria dosdeputados em manter o status quo permissivo àcriação de municípios.

Em Santa Catarina, onde houve sucessivasalterações na LC, também é possível demonstrar acapacidade explicativa dessa hipótese. A primeiraedição da regulamentação estadual foi mais per-missiva do que a lei federal, mas como produziaum estoque limitado de localidades emancipáveis,os legisladores estaduais alteraram a LC amplian-do a permissividade das exigências legais. Apesarda oposição do executivo, sua base de apoio mi-noritária na assembléia tornou possível a sucessi-va facilitação das emancipações.

No período seguinte, após as eleições esta-duais de 1990, por iniciativa do executivo, a leifoi novamente alterada, só que, seguindo a opo-sição do governador às emancipações, num sen-tido restritivo. No entanto, apesar de conseguiraprovar a regulamentação, esta foi continuamen-te objeto de casuísmos legais que isentaram todasas emancipações de seus critérios mais rígidos.Uma coalizão majoritária frágil explicaria as con-tínuas barganhas entre o executivo e o legislati-vo, que beneficiaram a posição favorável à cria-ção de municípios. Na última alteração da LC, nalegislatura seguinte, os parlamentares novamentefacilitaram a emancipação municipal, que nuncahavia sido efetivamente dificultada. Essa últimamudança não teve a oposição do executivo que,naquele momento, era sustentado por um apoiominoritário na assembléia.

Na Bahia e em Pernambuco as alterações dalei sempre ocorreram diante de coalizões gover-nistas majoritárias no parlamento. Possivelmente,em virtude do controle do executivo sobre a basegovernista, em ambos os estados a primeira edi-ção da lei definiu critérios tão ou mais rígidos quea LC federal 01/67. Na Bahia, onde houve logo emseguida uma posterior facilitação, essa continuoua restringir a disponibilidade de localidades eman-cipáveis de forma semelhante à LC federal.

Em Pernambuco, a única alteração ocorreupara dificultar ainda mais as emancipações. Possi-velmente, como naquele momento o executivoera apoiado por uma base majoritária (mas frágil),o governador, apesar de sua oposição manifestaàs emancipações, teve de barganhar com o legis-lativo, aceitando a criação de alguns municípiosem troca da aprovação de uma lei complementarque proibisse novas emancipações por quatroanos. Essa estratégia permitiu ao executivo evitarque os legisladores pudessem ser tentados a, nummomento decisório seguinte, desertar da base deapoio e aprovar a criação de novos municípios.Na Bahia, por outro lado, a existência de uma só-lida e confiável coalizão governista, em todas aslegislaturas da década de 1990, tornou desneces-sário inovações legais para restringir as emancipa-ções quando o executivo se opunha à criação denovos municípios.

Em todos os Estados da amostra foi possívelconstatar uma razoável relação entre o tama-nho/tipo da maioria governista e o sentido da mu-dança institucional: facilitação das emancipaçõesquando havia uma coalizão governista minoritáriano parlamento estadual; dependente da posiçãodo executivo quando existia um apoio majoritário;e barganhas sobre os resultados quando esseapoio era frágil. Contudo, a capacidade explicati-va das hipóteses levantadas devem ser tratadascom uma certa ressalva, devido à limitação de seuconteúdo à amostra e do caráter qualitativo dosvalores atribuídos às variáveis explicativas.

Conclusão

A investigação do processo emancipacionistaindica que a intensa divisão municipal brasileira sófoi possível devido ao novo arranjo institucionalresultante da Constituição de 1988. Em conjunto,vários mecanismos promoveram as bases favorá-veis à multiplicação de municípios: a consolidaçãoda descentralização fiscal estimulou as demandaslocais pela emancipação de pequenas localidadesdo interior; a transferência da regulamentação dasexigências mínimas às emancipações municipaispara o nível estadual, num momento em que os

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recursos do FPM eram divididos nacionalmente eque democratização e descentralização eram trata-dos ideologicamente como sinônimos, favoreceu,na relação entre os atores políticos estaduais (exe-cutivo e legislativo), a posição que desejava pro-duzir leis mais permissivas à criação de municí-pios, ampliando a disponibilidade de localidadesemancipáveis; os procedimentos necessários àpromulgação das leis de criação de municípiosatribuíram um papel central aos legisladores esta-duais que, em virtude de suas expectativas eleito-rais, aprovaram a maior parte das demandas locaisemancipacionistas.

Além disso, o estudo comparativo entre os Es-tados demonstrou que a intensidade emancipacio-nista possui uma variação, na maior parte dos Es-tados, determinada conforme: a disponibilidade delocalidades emancipáveis, a posição resultante darelação de forças entre o executivo e o legislativoestaduais e a presença de mecanismos institucio-nais que favoreceram a autonomia do legislativo.Isto é, somente o esgotamento da real capacidadeemancipacionista estadual, a oposição de um exe-cutivo com coalizão majoritária (solidamente apoia-do) e/ou a ausência de restrições institucionais aoclientelismo (falta de incentivo à cooperação parla-mentar), diante da manutenção dos estímulos fis-cais aos eleitores e lideranças dos pequenos muni-cípios e das expectativas futuras dos deputadosquanto a sua carreira política, foram capazes de in-terromper os surtos emancipacionistas nos Estados.

Contudo, como historicamente a oscilaçãoentre coalizões governistas majoritárias e minori-tárias nos Estados geraram, eventualmente, meca-nismos permissivos à criação de municípios (pormeio de leis complementares), manteve-se cons-tante um alto índice de emancipações no Brasil.Isto é, a interrupção desse processo em um Esta-do (pelo esgotamento da disponibilidade emanci-pável ou por posições políticas contrárias) foi,normalmente, seguida de novos surtos emancipa-cionistas em outra unidade da federação (pela al-teração da LC e/ou por um novo equilíbrio entreo executivo e o legislativo favorável às emancipa-ções). Em virtude desse fato, como na ditaduramilitar, o governo federal voltou a intervir no pro-cesso para cessar a criação de novos municípios.

Sem a necessidade de alteração do regime políti-co, a recentralização das regras (emenda 15/96)alterou o arranjo institucional que favorecia asemancipações municipais.

No entanto, como a maior parte dos estímulosfiscais à criação de municípios foi mantido e as ex-pectativas eleitorais futuras dos parlamentares po-dem gerar novas decisões favoráveis, é possível quesurtos emancipacionistas, mesmo que com intensi-dade menor, continuem a ocorrer no futuro. Porém,dada as imposições sobre a consulta plebiscitária, asdivisões territoriais, provavelmente, deverão ser to-das restritas a pequenos e micro municípios dointerior (os mais frágeis e dependentes do FPM),exatamente a situação menos desejada pelo atorpolítico responsável pela formulação da emendaconstitucional – o executivo federal.

NOTAS

1 Sobre a institucionalidade municipal no federalismobrasileiro, ver Montoro (1974), Mello (1993), Ataliba(1987) e Affonso e Silva (1995).

2 Sobre a relação entre descentralização e democrati-zação no Brasil são interessantes as seguintes refe-rências: Arretche (1996), que aborda a confusão nouso desses termos, polemizando sobre a contínuavinculação entre eles na literatura; este aspecto tam-bém está presente nos trabalhos de Tobar (1991) eUga (1991); o debate sobre a descentralização fiscale a fragilidade dos municípios em Gomes e Macdo-well (2000); a relação entre cidadania e estruturasde governo local em Fischer (1993), que apresentasubsídios sociológicos relevantes ao debate; sobre aheterogeneidade do processo de descentralizaçãodas políticas sociais, ver Castro (1991), Arretche(1998) e Almeida (1995); sobre o aumento do poderpolítico dos governantes estaduais, ver Abrúcio(1998); a respeito da ideologia municipalista, verMelo (1993); e, sobre a defesa das emancipações,são relevantes os trabalhos dos técnicos do Ibam/RJe Cepam-FPFL/SP, como Bremaeker (1991; 1993),Jacobi (1990; 1991) e Mello (1991; 1992).

3 O alinhamento de posições segue o seguinte padrão:entre os ministros federais e técnicos de institutos li-gados à união ou aos Estados é comum a manifes-tação contrária às emancipações – ver, por exemplo,Gomes e Macdowell (2000), Paraíba (1994), SãoPaulo (1991) –; já entre políticos regionais (ligadosao legislativo) e ONG’s (Ibam/RJ e Cepam/SP), a

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posição emancipacionista é a mais destacada – ver,por exemplo Bremaeker (1991; 1993; 1996), Gaspa-rini (1990), Mello (1991; 1992; 1993), Noronha(1996), Mincarone (1991) e Nunes (1992). Entre ostrabalhos acadêmicos há estudos favoráveis, comoos de Klering (1991; 1998) e Vizzotto (1997), e al-guns que poderiam ser classificados como sem ali-nhamento ideológico, como Shikida (1998), Mesqui-ta (1992) e Tomio (1998).

4 Sobre os fundamentos da abordagem neo-institucio-nalista, ver Limongi (1994), Crawford e Ostrom(1995), Immergut (1996), Lowndes (1996), Marques(1997), Hall e Taylor (1997).

5 Este tipo de explicação, que define o regime políti-co como variável independente da intensidade deemancipações municipais, está presente na literatu-ra – em Carvalho (1957), Gasparini (1989) e Mazzil-li (1993) – e tem sua melhor construção e argumen-tação desenvolvida por Gomes e Macdowell (2000).Similarmente, Shikida (1998) relaciona a estruturado federalismo brasileiro à ocorrência do fenômenopolítico emancipacionista, por meio do conceito“restrição orçamentária não rígida”, no qual as trans-ferências intergovernamentais (FPM), em regimesdemocráticos, incentivariam os atores a decidir fa-voravelmente pela emancipação onde fosse possí-vel ampliar a disponibilidade de recursos às locali-dades emancipadas.

6 Há explicações orientadas por uma abordagem fun-cionalista, como a de Bremaeker, segundo a qual asemancipações municipais responderiam a “uma ló-gica extremamente racional” (1991, p. 33). Outra ex-plicação similar é desenvolvida por Mesquita. Utili-zando uma abordagem sistêmica, a autora defineque as causas últimas das emancipações municipaisestariam no processo de modernização (Mesquita,1992, p. 170). Há, ainda, outras explicações para ofenômeno, como a apresentação de causas institu-cionais em Mello (1992); as explicações das eman-cipações pelas motivações dos atores locais (Bre-maeker, 1993; Noronha e Cardoso, 1995; Klering,1991 e 1998); e a hipótese de Abrúcio (1998), sus-tentando que a multiplicação de municipalidadesseria o produto da existência de um “modelo hob-besiano e predatório” na federação brasileira.

7 O caso do município de São João do Polêsine-RS,antigo distrito de Dona Francisca-RS, revela essetipo de ocorrência. O município, que somou a po-pulação de 2583 habitantes na “Contagem de 1996”do IBGE, só conseguiu se emancipar em 1992, pormeio dos critérios da Lei complementar estadual9.070/90. Em 1986 o município já havia pleiteado aemancipação, que foi declarada inconstitucional de-vido a um recurso julgado pelo STF. Entretanto, no

mesmo ano, outros municípios gaúchos foram cria-dos apresentando população aquém da exigida naLC 01/67: 10 mil habitantes. Porém, nenhum dessesteve sua emancipação questionada juridicamente(Vizzotto, 1997, p. 70).

8 Isto não significa excluir a possibilidade de algunsatores serem motivados, eventualmente ou sempre,por valores político-ideológicos ou normas sociais,orientando suas escolhas por uma racionalidadenão instrumental. Da mesma forma, comportamen-tos irracionais também poderiam ocorrer durante asdecisões presentes no processo emancipacionista.Entretanto, segundo os pressupostos deste trabalho,a conduta egoísta, racional e instrumental é utiliza-da quando interpreto dedutivamente a motivaçãodos atores políticos que interagem no processo de-cisório das emancipações municipais.

9 Utilizando fórmulas sobre o valor de transferênciasadicionadas aos municípios quando estes se divi-dem (tendo como variáveis a população do municí-pio, a população da localidade emancipanda e asfaixas de coeficientes do FPM), Shikida criou ummodelo dedutivo que determinaria: 1) haver o inte-resse local favorável às emancipações sempre que asoma das cotas do FPM gerada pela nova situaçãoseja maior que o FPM do status quo; 2) “[...] a me-lhor resposta de cada município à ação emancipa-cionista do outro é – igualmente – adotar a estraté-gia da emancipação” (1998, pp. 23-30).

10 Na maior parte dos Estados, a regulamentação pro-mulgada após a Constituição de 1988 reproduziu aregra presente na legislação federal anterior (LC01/1967). Nesses, a iniciativa do processo legalemancipacionista continuou restrita à demanda po-pular local. No entanto, em alguns Estados (MA,BA, RN, AP, GO e MS) a nova legislação criou a exi-gência da subscrição de um parlamentar à iniciativalocal, enquanto em outros (PB, PE e AC), os mem-bros do legislativo e do executivo estaduais ganha-ram o direito de iniciar o processo sem a necessida-de de demanda prévia dos eleitores da localidadeemancipanda.

11 A noção de “clientelismo eleitoral” é consideradadistinta do clientelismo de tipo tradicional, em queas “amarras” entre clientela e patrono, devido a umasituação histórica, econômica e culturalmente arrai-gadas, são extremamente fortes. No tipo eleitoral, apatronagem por meio da alocação concentrada derecursos públicos está diretamente relacionada aoresultado eleitoral, e a clientela tem o direito, pelomenos, à escolha de qual patrono irá eleger. Dessaforma, o clientelismo eleitoral não é apenas compa-tível com as regras democráticas e sua instabilidadequanto aos resultados políticos futuros, mas também

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necessita minimamente disso para sua reprodução elegitimidade. Para mais detalhes sobre a relação en-tre clientelismo e eleições, ver Avelino (1994, p.228), Castro (1988, pp. 65-68) e Santos (1995).

12 O fisiologismo é tratado aqui como distinto da prá-tica do clientelismo e de sua forma pertinente a esteesquema: o clientelismo eleitoral. Como bem defineCouto, “o que caracteriza o fisiologismo [nas rela-ções executivo/legislativo] é o fato de que a barga-nha política ocorre através da transferência de re-cursos diretamente para o controle dos legisladores,ao passo que o clientelismo se baseia na transferên-cia de recursos do Estado para a base político-eleito-ral dos parlamentares”. O fisiologismo é um meca-nismo que, num segundo momento, pode servir àatuação clientelista dos parlamentares pela utiliza-ção dos recursos que esses têm sob controle (Cou-to, 1998, pp. 48-49).

13 No Brasil, com exceção do período entre 1967 e1988 (regime militar) e após 1996 (emenda 15/96),os Estados sempre foram o nível de governo res-ponsável pela regulamentação das emancipaçõesmunicipais (Barreto, 1971).

14 Os recursos dos fundos estaduais são provenientesda arrecadação de ICMS (6,25% do total) e a sua dis-tribuição entre os municípios segue critérios esta-duais (população, área, atividade econômica etc.).O estímulo desse fundo às emancipações varia con-forme os critérios de distribuição e, principalmente,o nível de desenvolvimento econômico estadual.Porém, em nenhuma unidade da federação os valo-res dos fundos do ICMS superam as transferênciasfiscais do FPM.

15 Segundo Gomes e Macdowell (2000), em média, osmunicípios brasileiros com menos de 10.000 habi-tantes geram menos de 10% de sua receita por es-forços fiscais próprios.

16 A história do FPM começa nos anos de 1940. AConstituição de 1946, no § 4o o art. 15, determinoua transferência, “em partes iguais” aos municípiosdo interior, de 10% da arrecadação do Imposto deRenda. A Emenda Constitucional n. 5 de 1961 am-pliou a participação dos municípios nesse impostopara 15% e incrementou o fundo com 10% da recei-ta sobre o imposto de “consumo de mercadorias”. Oregime militar, por meio da Emenda Constitucionaln. 18 de 1965, instituiu uma nova ordem tributáriaque criou o FPM, diminuindo a participação dosmunicípios para 10% do IR e do IPI, além de deter-minar a forma de aplicação da maior parte dessesrecursos. Em 1969, por meio da Constituição impos-ta pela junta militar, o FPM foi reduzido para 5% doIR e IPI. A partir de meados da década de 1970, aparticipação do FPM sobre esses tributos foi sendo

paulatinamente aumentada, até atingir 22,5% em1993, conforme norma estabelecida pela Constitui-ção de 1988 (Barreto, 1971; Brasil, 1988).

17 Essa divisão do FPM é determinada pela Lei federal5.172 (25/10/1966) e pelo Decreto Lei 1.881(27/08/1981).

18 Haviam dois outros coeficientes (0,2 e 0,4) queeram atribuídos a municípios menores. No entanto,estes foram extintos em 1981 (pelo Decreto Lei1.881), o que ampliou os recursos destinados aosmicromunicípios.

19 As cotas estaduais no FPM foram criadas pela LeiComplementar federal 62 (28/12/1989).

20 Certamente alguns parlamentares podem estimularas iniciativas de emancipação das lideranças locaise muitos devem procurar obter o reconhecimentodo eleitorado local, manifestando-se publicamentepela criação do município ou vinculando uma deci-são favorável à sua atuação parlamentar. Entretanto,isto não retira o papel do mecanismo que atribui aprerrogativa única aos eleitores locais na iniciativada emancipação, seja para restringir a capacidadede sanção do executivo sobre sua base de apoio,seja para desvincular formalmente a lei de criaçãode município do conjunto de leis clientelistas apro-vadas pelo parlamento.

21 Não foram atribuídos valores a quatro variáveis des-critos no diagrama geral das hipóteses. Ao indicadorINTERESSES, porque descreve, de forma simplificada,o modelo de expectativas sobre a racionalidade dasescolhas dos atores políticos envolvidos no proces-so decisório. Desta forma, a não ser que exista evi-dência contrária, será sempre atribuído à maioriados parlamentares o interesse dominante favorávelàs emancipações, enquanto o interesse do executi-vo será dependente, prioritariamente, da percepçãodesses atores sobre as conseqüências do processoemancipacionista, o que somente é verificável naamostra de Estados (BA, PE, RS, SC e SP) em que oprocesso emancipacionista foi investigado commaior detalhamento. Já a variável LOCALIDADES é umindicador quantitativo contínuo da disponibilidadede distritos, vilas ou lugarejos nos ESTADOS, enquan-to as outras duas variáveis (MUDANÇA INSTITUCIONAL eCONSEQÜÊNCIAS) expressam o feedback entre os resul-tados políticos (dinâmica institucional e percepçãodas conseqüência pelos atores) e suas causas (me-canismos institucionais e preferências dos atorespolíticos), envolvendo o processo emancipacionistana historicidade política. Como tal, essas variáveis,bem como as hipóteses a elas associadas, comple-mentam a explicação do fenômeno. Os indicadoresderivados dessas variáveis serviriam à interpretaçãohistórica do processo emancipacionista, sobretudo

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nos estudos de caso que possam aprofundar a in-vestigação da criação de municípios, o que não é oobjetivo deste texto.

22 Os Estados da amostra foram selecionados, em1998, no início do levantamento empírico que for-neceu os dados para a minha tese de doutorado,pelo cruzamento de duas variáveis: intensidadeemancipacionista relativa (abaixo/acima da médianacional) e dinâmica da legislação complementarestadual (facilitar/manter o status quo/dificultar asemancipações). Disto resultou seis grupos de Esta-dos, sendo que em cada um foi selecionado umaunidade para o levantamento empírico (realizadoentre 1988 e 1990), com exceção da combinação“abaixo da média/LC alterada para facilitar as eman-cipações”, visto que não havia informações de ne-nhum Estado que se enquadrasse nessa situação.

23 Na relação, somente os distritos municipais (regis-trados pelo IBGE) foram definidos como localida-des, visto que esse é o único dado disponível. Noentanto, na maioria dos Estados, as leis não exigemque a localidade emancipanda seja um distrito legal-mente constituído.

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A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOSAPÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Fabricio Ricardo de Limas Tomio

Palavras-ChaveRelações executivo-legislativo;Emancipações municipais; Federação;Instituições políticas; Processodecisório estadual.

Este artigo analisa o processodecisório estadual e o arranjo insti-tucional (transferências fiscais, com-petências dos entes federativos eprocedimentos legislativos) quegeraram, entre 1988 e 2000, 1.438novos municípios no Brasil (25% dototal). A abordagem enfatiza o papeldos mecanismos institucionais naorientação das estratégias dos atorese na determinação dos resultadospolíticos. A interpretação e os dadosempíricos fundamentam duashipóteses explicativas: 1) o processoemancipacionista é resultante dosmecanismos (arranjo institucional)que moldaram um ambientefavorável às decisões de criação demunicípios; e 2) a variação estadualresultaria: (a) de como a regulamen-tação alterou a disponibilidade delocalidades emancipáveis; (b) danatureza da interação entre o execu-tivo e o legislativo; (c) do tama-nho/tipo da coalizão governista e(d) da existência de dispositivoslegais (sobre a iniciativa e a trami-tação da proposição) que ampliarama autonomia do legislativo estadualnesse processo decisório.

THE CREATION OF MUNICIPALITIES AFTER THE 1988 CONSTITUTION

Fabricio Ricardo de Limas Tomio

KeywordsExecutive/legislative interaction:New municipalities; federation;Political institutions; State decisionprocess.

This article examines the decisionprocess in states governments andthe political-institutional context(intergovernmental flow of funds,competences of governmental enti-ties in federation, legislatives pro-ceedings) that produced, between1988-2000, the proliferation of 1,438new municipalities in Brazil (25%from total of municipalities). Theapproach emphasizes the role ofinstitutional mechanisms on direc-tion of actors’ political strategies anddetermination of politics outcomes.The interpretation and empiricresearch produced the followinghypothesis to explain this politicalprocess: 1) the new municipalities’proliferation process is resultantfrom mechanisms (institutionalarrangement) which shaped afavourable situation to decisions thatcreated the municipalities; and 2)the state variation in process shallhave resulted from: (a) how theregulations changed the availablequantity of localities/towns to beable to turn municipalities, (b) kindof interaction between executive/legislative, (c) size/type of govern-ment coalition in state parliamentand (d) existence of legal provision(about initiative and procedure oflegislative proposition in the stateparliament) which enlarged theautonomy of state parliament ondecision process to create munici-palities.

LA CRÉATION DE COMMUNESAPRÈS LA CONSTITUTION DE 1988

Fabricio Ricardo de Limas Tomio

Mots-clésIntéraction exécutif/législatif;Nouvelles municipalités; Féderation;Institutions politiques; Processus dedécision régionales.

Cet article analyse le processus dedécision régional (au niveau desÉtats de la Fédération) et l’arrange-ment institutionnel (transferts fis-caux, compétences des organesfédératifs et procédures législatives)engendré entre 1988 et 2000 par1.438 nouvelles communes au Brésil(1/4 du total des communes exis-tantes). Notre approche met l’accentsur le rôle des mécanismes institu-tionnels dans l’orientation des straté-gies des acteurs et dans la détermi-nation des résultats politiques.L’interprétation et les donnéesempiriques permettent l’élaborationdes hypothèses explicatives sui-vantes: 1) le processus d’émancipa-tion résulte de mécanismes(arrangement institutionnel) qui ontformé un environnement favorableaux décisions qui ont créé les com-munes; et 2) les variationsrégionales résulteraient: (a) de lamanière dont la réglementation amodifié la possibilité de localitésémancipables, (b) de la nature del’interaction exécutif/législatif, (c) dela taille/type de coalition au sein dugouvernement, et; (d) de l’existencede dispositifs légaux (par l’initiativeet le cheminement bureaucratiquede la proposition) qui ont augmentél’autonomie du législatif régionaldans ce processus décisionnel.

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