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Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia. A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de Capitais no Brasil – 1976/1986 Paula Marina Sarno 2006 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de

pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia.

A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de

Capitais no Brasil – 1976/1986

Paula Marina Sarno

2006

Universidade Federal do Rio de Janeiro – Instituto de Economia – Curso de

pós-Graduação em Economia – Doutorado em Economia

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A Criação da CVM e a Regulação do Mercado de Capitais

no Brasil – 1976/1986

Paula Marina Sarno

2006

Dissertação submetida para obtenção do título de do utor em economia

Orientador: Fernando J. Cardim de Carvalho

Banca Examinadora:

Fernando J. Cardim de Carvalho

Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima

Francisco Eduardo Pires de Souza

Marco Aurélio Cabral Pinto

Rogério Sobreira

27.03.2006

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Dedico a minha filha, Bia, e ao meu marido, Paulo, pela companhia, compreensão, paciência e, sobretudo,

pelo amor que recebo todos os dias;

À Euzenir, minha mãe, companheira, nos mais diferentes momentos e das mais variadas formas,

durante todo esse processo, mas que, sobretudo, sempre foi um referencial importante para mim de

dedicação à pesquisa e à ciência;

A meu pai, Geraldo, pelo enorme exemplo de integridade, persistência e amor ao que faz, que

sempre me inspirou..

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Agradecimentos Primeiramente, agradeço ao Prof. Fernando Cardim, pela ajuda e orientação que foram

fundamentais para o desenvolvimento desse estudo. Ter tido duas vezes a oportunidade de

tê-lo como orientador em minha trajetória na vida acadêmica, no mestrado e agora no

doutorado, foi motivo de grande estímulo e motivação. Ressaltando que, como não poderia

deixar de ser, os possíveis erros existentes e as opiniões aqui expressas são de minha

exclusiva responsabilidade.

Ao Roberto Tadeu, Superintendente Geral da CVM, que sempre esteve disponível para

ajudar e elucidar, em vários momentos desta tese, quando precisei recuperar e compreender

os fatos ocorridos durante o período investigado.

Agradeço à CVM a oportunidade que me foi dada e à Elizabeth Machado, Superintendente

de Relações com Empresa, pela possibilidade, no âmbito do programa de capacitação, de

dedicar-me integralmente à tese no período final de sua elaboração.

Aos amigos da CVM, em particular, Jorge Andrade e Fernando Vieira, pelos cuidadosos

comentários e sugestões, e Marcelo Vieira, Andréa Erthal e Maria Inês Duprat Avellar, pela

preciosa ajuda no trabalho de revisão.

Ao Marcelo Cidade pela possibilidade de contatar profissionais que atuaram no mercado no

período investigado e ao Dalton Boechat pelos comentários recebidos.

À Marilena Lacerda Tenório e à Nilza Nogueira pela ajuda no levantamento de informações

e referências bibliográficas.

À Soraia Jorge, Cristina Lara e Leila Vieira por terem me acompanhado bem de perto.

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S U M Á R I O

Página RESUMO 7 ABSTRACT 7 INTRODUÇÃO 8 1ª Parte - Mercado de capitais e regulação - a Abordagem Teóri ca 11 Capítulo 1 - Sistemas e Mercados Financeiros 12

1.1 - Sistemas Financeiros e Crescimento Econômico 12 1.2 - Mercado de Crédito e Mercado de Capitais 14

1.2.1 - Operações Intermediadas e Desintermediadas 14 1.2.2 - Mercado Privados e Mercados Públicos – A Questão Informacional 16

1.2.3 - Contratos padronizados e contratos idiossincráticos 18 1.2.4 - Relacionamento de longo prazo e negociação 19 1.2.5 - Exigências na Forma de Colaterais e Garantias 21 1.2.6 - Exit e Voice como mecanismos corretivos (disciplinadores) dos

Contratos financeiros 22 1.3 - Conclusão 25

Capítulo 2 - Teorias de Mercado: a leitura crítica à Hipótese dos Mercados Eficientes 28 2.1 - Introdução 28 2.2 - A Hipótese de Mercados Eficientes 28 2.3 - Críticas à Hipótese dos Mercados Eficientes 30 2.3.a) Comportamento irracional e as operações de arbitragem 30 2.3.b) Assimetria de informações 34 2.3.c) Incerteza 37 2.4 - Conclusão 41 Capítulo 3 - Monitoramento Privado e Regulação dos Mercados 43 3.1 - Introdução 43 3.2 - O Monitoramento dos Acionistas sobre as Empresas – Instrumentos e Vulnerabilidades 44 3.2.1 - O monitoramento dos investidores sobre as empresas 44 3.2.2 - O papel das instituições intermediárias 47 3.3 - Governança Corporativa 53 3.4 - As Operações de Aquisição Hostis e a Governança Externa à Firma 54 3.5 - Papel da Regulação para o Mercado de Capitais 55

Capítulo 4 - A Origem do Mercado de Capitais nos Estados Unidos e o Desenvolvimento da Regulação 58 4.1 - O Papel Inicial dos Bancos de Investimento e da Bolsa de NovaYork 58 4.2 - Desenvolvimento do Mercado e Proteção ao Acionista – a Questão Legal e Regulatória 64 4.3 - O Desenvolvimento da Regulação para o Mercado de Capitais nos Estados Unidos 67 4.3.1 - O fim do laissez faire e os diferentes modelos de sistema financeiro 67 4.3.2 - O Modelo Inglês de Regulação para o Mercado de Capitais 68 4.3.3 – O Modelo Americano do Mercado de Capitais 70 4.3.3.a) - O Sistema de disclosure 71 4.3.3.b) - O Sistema de auto-regulação: as Bolsas e o Mercado de Balcão 73 4.3.4 - Os Bancos e a Crise Financeira 76 4.3.5 - Vulnerabilidades do Modelo Americano de Regulação 78 4.4 - Conclusão 80 Conclusão 1ª Parte – Breve Sumário das Proposições Teóricas 81

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2a PARTE: CVM e a regulação sobre as companhias abertas no Brasi l - 1976/86 83 Capítulo 5 - O Ambiente Regulatório pré-reformas dos anos 70 84 5.1 - Constituição de Mercados de Capitais em Países em Desenvolvimento 84 5.2 - As Reformas Financeiras dos anos 60 e a Lei do Mercado de Capitais (Lei no 4728/65) 88 5.2.1 – Antecedentes 88 5.2.2 - Os princípios da divulgação de informações e da auto-regulação 90 5.2.3 - Bancos de Investimento 92 5.2.4 - Conceito de Sociedade Anônima de Capital Aberto (SACAs) 93 5.2.5 - Os Incentivos fiscais – a regulação dos fundos 157 95 5.3 - O Mercado de Capitais Brasileiro nos anos 70 98 Capítulo 6 - A CVM e A Regulação sobre as Companhias Abertas - 1976/1986 101 6.1 - A Criação da CVM - Princípios, Objetivos, Função e Poderes do Novo Órgão Regulador 101 6.1.1 - O quadro vigente à época e o papel da CVM 101 6.1.2 - Objetivos e desafios da análise proposta 103 6.1.3 - A Lei no 6.385/76 - princípios, função e poderes do novo órgão regulador 105 6.2 - A Questão da Divulgação de Informação das Companhias e o Papel Normativo da CVM 108 6.2.1 - O conceito de Companhia Aberta 108 6.2.2 - O registro das Companhias Abertas e a atividade normativa da CVM 110

6.2.3 - Insider trading 114 6.2.4 - O Registro de distribuição de ações mediante subscrição pública 118

6.2.4.a) A Instrução CVM no 13/80 118 6.2.4.b) A Instrução no 13 e os limites do princípio de disclosure

enquanto proteção ao investidor 120 6.3 - Proteção ao Acionista Minoritário na Lei das SA (Lei 6.404 de 15.12.76) 121 6.3.1 - A CVM e a Lei das S.A. 121 6.3.2 - Objetivos e desafios da Lei das S.A. 122 6.3.3 - Lei das S.A. e a proteção ao acionista 123 6.3.3.a) A instituição do dividendo mínimo obrigatório 124 6.3.3.b) Alteração do limite de participação das ações preferenciais,

a figura do controlador na Lei das S.A. 127 6.3.3.c) Vantagens econômicas das ações preferenciais 130 6.3.3.d) Ampliação do direito de preferência 133 6.3.3.e) Incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista 134 6.3.3.f) A instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle 136 6.3.3.g) Voto múltiplo 138 6.3.3.h) A Criação do agente fiduciário e a flexibilização dos contratos 138 6.3.4 - Como fica o acionista minoritário depois da Lei nº. 6404/76 ? 140 6.4 - A Segunda Fase das Reformas – O Papel dos Investidores Institucionais 141 Capítulo 7 - O Comportamento do Mercado de Capitais - 1978-86 146 7.1 - O Comportamento da Inflação e o Nível de Atividade 146 7.2 - O Mercado Primário 146 7.2.a) O segmento de debêntures 149 7.2.b) O segmento de ações 155 7.3 - Mercado Secundário de Ações 158 7.4 - As Emissões de Ações e os Demais Ativos da Economia 162 7.5 - As Emissões de Ações, a FBCF e o PIB da Economia 163 Conclusão 165

Referências Bibliográficas 170 Anexo I – Entrevistas 179 Anexo II – Tabelas 1 a 17 181

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Resumo

A tese examina o impacto da criação do órgão regulador específico do mercado de capitais - a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Diante da ineficiência dos mercados e da precariedade do monitoramento exercido pelos acionistas sobre as empresas emissoras e as instituições intermediárias, existe um papel importante a ser exercido pelo Estado, estabelecendo regras e monitorando o mercado e seus participantes. A análise do caso brasileiro teve dois objetivos: i) investigar se, no âmbito das reformas dos anos 70, a criação da CVM promoveu um ambiente de maior proteção para o investidor; ii) examinar quais foram os efeitos das medidas implementadas, de 1976 a 1986, pelo novo órgão regulador, sobre o mercado de capitais. Este último item analisa se a experiência brasileira neste período permite comprovar a proposição, sugerida pelos trabalhos da escola legal finance, de que mercados de capitais mais regulados seriam mais desenvolvidos. Verificou-se que a atuação da CVM gerou um ambiente de maior proteção ao acionista, em comparação às condições que vigoravam anteriormente, em especial devido à redução de emissões irregulares de valores mobiliários e a uma maior disponibilização de informações sobre as companhias abertas, além da introdução e ampliação de alguns dispositivos, previstos na Lei das S.A., de proteção ao acionista minoritário. No entanto, constatou-se que essas reformas não lograram promover efeitos positivos significativos sobre o nível de desenvolvimento do mercado de capitais, não sendo possível, então, diante da experiência do mercado de capitais no Brasil no período decorrido de 1976 a 1986, estabelecer uma relação direta positiva entre regulação e desenvolvimento do mercado.

Abstract

This thesis examines the impact of the creation, in 1976, of the Brazilian Securities and Exchange Commission - the federal agency responsible for regulating the national securities market. In view of gross market inefficiencies and lack of shareholder power to monitor both the publicly held companies and intermediate institutions, it was deemed necessary that the federal government establish standards and pass a series of laws to oversee the conduct of all concerned. In this respect, the objective of the thesis was twofold: 1) to determine whether the investor was, in fact, better protected as a result of the newly-created commission, set of standards, and rules; and 2) to examine the effects of these regulatory measures - gradually implemented between 1976 and 1986 - on the conduct of the securities market as a whole. Item 2 is further analyzed to determine if the Brazilian experience proved the contention, as suggested by the legal finance school, that the most highly regulated stock markets are also the most highly developed. The results showed that the protective measures instituted by the Commission, at least in comparison to the pre-1976 scenario, were able to create a safer environment for the shareholder by requiring that investors receive financial and other relevant information and by significantly reducing the number of irregular public offerings. In addition, the new corporate laws also determined that the minority shareholder be more fully protected. It was found, however, that these reforms did not appear to have had a significant effect on the level of development of the Brazilian securities market from 1976 to 1986. In this context, it was, therefore, not possible to establish a direct relationship between regulation and development of the securities market in Brazil during that period.

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Introdução

A importância do mercado de capitais é, de acordo com a visão mais comumente veiculada,

atribuída ao seu papel na formação de poupança para o investimento. Diferentemente, a

teoria pós-keynesiana nos oferece uma visão particular sobre esse tema. Keynes, em sua

visão do multiplicador da renda, defende que o investimento agregado enquanto gasto

autônomo não exigiria poupança agregada prévia. Isto porque, a obtenção por parte das

empresas de recursos para seus investimentos sob a forma de financiamentos bancários

dependeria da disposição dos bancos de elevar seu grau de alavancagem, e, portanto, seu

nível de fragilidade financeira. Mas, o mercado de capitais poderia exercer uma função

fundamental, qual seja: se a poupança gerada por esses investimentos, através do processo

do multiplicador da renda, pudesse ser direcionada para ativos de longo prazo, emitidos por

essas empresas, proveria-se o funding, que permitiria reduzir o risco dos investimentos em

capital fixo e garantir a estabilidade do processo de crescimento.

Dentre os vários fatores que influem no comportamento dos mercados de capitais, o presente

estudo se propõe a investigar qual papel pode ser reservado especificamente ao fator

regulação. A tese examina, mais especificamente, os impactos da criação da Comissão de

Valores Mobiliários como reguladora do mercado de capitais no Brasil, ao longo do período

compreendido entre 1976 e 1986. Tem como objetivo também avaliar, a partir da

experiência brasileira, as proposições que ressaltam o fator regulatório e legal como fatores

determinantes para o desenvolvimento desses mercados.

As regulações desenvolvidas para os sistemas financeiros podem ser subdivididas, grosso

modo, em dois tipos. A regulação prudencial, basicamente voltada para instituições

bancárias, que consiste em impor restrições em termos de composição de ativos e passivos e

em termos de riscos assumidos pelas operações do balanço. Seu objetivo é reduzir o risco de

falência dessas instituições e, por conseguinte, afastar o risco sistêmico e promover a

estabilidade do sistema financeiro como um todo. Nesse caso, os agentes regulados são as

instituições financeiras.

Uma segunda linha de regulação é aquela voltada à integridade e à eficiência dos mercados,

que é o caso da regulação adotada para o mercado de capitais, será esta, portanto, a linha

aqui abordada.

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Essa regulação consiste em definir regras de atuação para os agentes e instituições

participantes, as quais abrangem exigências de disponibilização de informações, regras de

especialização e conduta, dispositivos de proteção, proibição do uso de informação

privilegiada, de emissões irregulares etc. O objetivo é, fundamentalmente, proteger o

investidor e afastar práticas de manipulação, abusos e fraudes. Apesar de que essa regulação

atue sobre as instituições financeiras intermediárias (corretoras, bancos de investimento,

auditores independentes etc.) seu foco não é no balanço contábil dessas instituições, mas nos

produtos e serviços que oferecem.

A constituição de mercado de capitais desenvolvido, em particular, em países menos

desenvolvidos, tem-se demonstrado tarefa complexa. Para o caso brasileiro, foram vários os

momentos em que tal preocupação se fez presente na agenda dos Governos brasileiros na

forma da implementação de esforços regulatórios. Foi nos anos 60 que se deram as

primeiras iniciativas de mais vulto voltadas para o mercado de capitais no Brasil. Nos anos

70, o Governo brasileiro editou uma nova rodada de iniciativas mais profundas nessa

direção. Cumpre ressaltar que essas iniciativas se deram, portanto, bem antes dos processos

mais recentes de liberalização e de globalização financeira, que promoveram estímulo para o

desenvolvimento de mercados de títulos em vários países.

Vários são os motivos que têm sido levantados como empecilhos para a obtenção de

resultados mais sólidos nesse campo. Contudo, a finalidade principal desta tese é examinar

de que forma o desenvolvimento da regulação e a atividade de monitoramento, realizados

pela CVM, puderam contribuir para o mercado de capitais no Brasil. A análise abrange os

primeiros dez anos após a constituição do novo órgão regulador, com o intuito de observar

quais foram os primeiros impactos de sua atuação.

Visando a cumprir o objetivo almejado, serão analisados a regulação implementada e o

comportamento do mercado ao longo desse período.

A análise do mercado de capitais compreenderá os segmentos de ações e de debêntures.

Apesar de que hoje o mercado de capitais contemple gama mais ampla de títulos e valores

mobiliários, no período em análise, o mercado brasileiro consistia-se basicamente desses

dois segmentos.

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Nesse sentido, a tese prioriza a análise dos dispositivos legais e regulatórios voltados mais

especificamente para a atuação das companhias emissoras de ações e debêntures - as

companhias abertas. Dessa forma, serão examinados, fundamentalmente, a regulação que

tratou de divulgação de informações das companhias e os dispositivos mais importantes da

Lei das S.A., promulgada em 1976, que proveram suporte às atividades da CVM voltadas à

proteção do acionista minoritário.

Os capítulos estão subdivididos em duas grandes partes. A primeira apresenta a abordagem

teórica. O Capítulo 1 analisa as principais características que distinguem crédito e títulos

enquanto fonte de recursos para as empresas. O Capítulo 2 apresenta a Hipótese de

Mercados Eficientes – HME e as críticas a ela direcionadas por diferentes escolas. O

Capítulo 3 discute o monitoramento dos acionistas sobre as companhias emissoras de títulos

e o papel que pode ser exercido pelo Estado. O Capítulo 4 estuda a evolução do mercado de

capitais nos Estados Unidos, a partir do final do séc. XIX e a implementação de órgão

regulador específico e regulação no âmbito federal para esse mercado.

A segunda parte trata do caso brasileiro. O Capítulo 5 apresenta o ambiente regulatório para

o mercado de capitais resultante das reformas dos anos 60. O Capítulo 6 examina a atuação

normativa da CVM sobre as companhias abertas e os dispositivos da Lei das S.A. mais

importantes. O Capítulo 7 avalia o comportamento do mercado de capitais no período

compreendido entre 1976 e 1986.

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1ª parte:

Mercado de Capitais e Regulação - a Abordagem Teórica

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Capítulo 1 – Sistemas e Mercados Financeiros

1.1 – Sistemas Financeiros e Crescimento Econômico

Em economias com formas de organização mais primitivas, a possibilidade de expansão da

capacidade produtiva estaria condicionada à reserva de parte do produto corrente, ou

excedente, que, não sendo utilizado para consumo, poderia ser direcionado para a expansão

da produção futura.

Em economias modernas de mercado, onde a produção é organizada por empresas, a

ampliação da capacidade produtiva requer a compra de bens de capital que, por sua vez,

exige recursos disponíveis por parte da unidade investidora e, ainda, expectativa positiva

acerca do retorno monetário que a receita derivada desses investimentos possa originar.

Na literatura econômica, a relação entre desenvolvimento financeiro e desenvolvimento

econômico já havia sido ressaltada por Gurley e Shaw1, nos anos 50. Mais recentemente

uma literatura empírica tem analisado indicadores de desenvolvimento financeiro para

diversos países e confirmado uma relação positiva entre desenvolvimento financeiro e

econômico2.

A existência de transações financeiras entre os agentes torna possível às unidades que

desejem gastar mais do que os recursos próprios que têm disponíveis, a emissão de

obrigações financeiras, mediante as quais se obrigam a pagar no futuro um determinado

fluxo de recursos, em troca de recursos imediatos para efetuar seus planos de gastos

correntes.

O ofertante de recursos emprestáveis, por outro lado, troca poder de comando sobre recursos

no presente por promessa de recebimento de fluxo futuro, seja porque não possui a

capacidade empreendedora para utilizar esses recursos, ou porque o retorno esperado de

1 Gurley J. G. e Shaw, E. S. (1955). “Financial Aspects of Economic Development” in The American Economic Review, Vol. XLV, no 4, September. 2 Ver, por exemplo, Beck, Demirgüç-Kunt, Levine e Maksimovic (2000). “Financial Structure and Economic Development: Firm, Industry and Country Evidence”, mimeo, w.w.w.worldbank.org., agosto.

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seus próprios projetos é menos promissor do que os resultados prometidos pela unidade que

está a demandar recursos, não justificando os riscos que teria que correr.

Seria possível, assim, caracterizar unidades superavitárias como aquelas cujos gastos

correntes são menores que o poder de compra que elas têm disponível. Essas unidades

podem, assim, converter poupança em poupança financeira, mediante a aquisição de ativos

financeiros e, desse modo, disponibilizar recursos para as unidades deficitárias. As unidades

deficitárias são, então, as demandantes de poupança financeira. Dessa forma, o

desenvolvimento e o aprofundamento das relações financeiras viabilizam a separação entre

quem possui comando sobre a renda social e quem vai utilizá-la efetivamente (Carvalho et

al., 2000).

Supondo-se taxas de retorno diferenciadas para os ativos de capital e nível de investimento

desejado distinto por parte das unidades econômicas, existiria uma demanda potencial pelas

obrigações financeiras a serem emitidas, porque a decisão de investimento de uma

determinada unidade observaria, também, o custo de oportunidade de utilizar esses recursos

em projetos de outras unidades (Herring & Chaturspitak, 2000). Diante de tais condições, e

na medida em que existam instrumentos financeiros que interliguem os diferentes setores, a

emissão de obrigações permitiria melhorar a alocação de recursos entre os agentes e

promoveria, assim, um aumento do retorno do capital e do volume de investimento e, por

conseguinte, do crescimento econômico.

As instituições e mercados financeiros conformam os sistemas financeiros, que podem

apresentar diferentes níveis de desenvolvimento e sofisticação. São por intermédio das

instituições financeiras e dos mercados financeiros que se viabilizam as transações

financeiras as quais tomam a forma de obrigações financeiras ou promessas de pagamento.

Sistemas financeiros mais sofisticados permitem viabilizar a realização de transações

financeiras por meio dos títulos de propriedade, que são, na verdade, expectativas de

pagamento.

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1.2 - Mercado de Crédito e Mercado de Capitais

O mercado de crédito e o mercado de capitais se distinguem entre si, fundamentalmente,

pelo canal por meio do qual são transferidos os recursos mas, também, por outros aspectos

tais como o grau de disponibilização de informações e de padronização dos contratos, as

formas de monitoramento, mecanismos de garantia, tipos de relacionamentos estabelecidos,

etc, que serão analisados a seguir.

1.2.1 - Operações intermediadas e desintermediadas Uma forma básica de distinção entre as transações financeiras refere-se ao canal por meio do

qual é transferido o poder de compra da unidade superavitária para a unidade deficitária.

A intermediação financeira consiste no mecanismo pelo qual os recursos captados junto ao

público, que serão registrados no passivo das instituições financeiras, são disponibilizados

aos agentes deficitários, dando origem aos ativos que serão, também, registrados no balanço

dessas instituições. O exemplo mais representativo desse processo é a oferta de crédito

realizada pelos bancos comerciais a partir dos recursos captados via depósitos.

A outra modalidade de financiamento consiste na colocação de papéis no mercado. Nesta os

recursos são obtidos pelos agentes tomadores de forma direta junto ao público sem,

portanto, resultar em direitos e obrigações nos balanços das instituições financeiras

envolvidas. Nesse caso, essas instituições atuam como agentes colocadores, ou “corretores”.

Caso subscrevam esses papéis para posterior colocação no mercado, exercem função

adicional, que é a de prover liquidez a esses papéis adiantando recursos ao tomador, que

serão, de qualquer forma, obtidos mais a frente junto ao público. Esse é o caso das

operações de emissões primárias de títulos de dívida emitidos pelas empresas, de curto ou

longo prazo, como notas promissórias e debêntures, e de títulos de propriedade (ações), já há

muito disseminadas3. Nessas operações, destacam-se os bancos de investimento, como

instituições financeiras que tipicamente atuam como colocadoras e/ou subscritoras desses

papéis.

3As operações de securitização têm, mais recentemente, apresentado novas formas de operacionalização, nominadas de securitização secundária. Estas consistem, em linhas gerais, na atividade de “empacotar” uma coleção de obrigações e colocá-las na forma de títulos - Asset Backed Securities, junto ao tomador final.

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Os dois grupos de modalidades de financiamento apresentam algumas diferenças

importantes no que diz respeito ao tipo de risco assumido pelas instituições financeiras

envolvidas. No processo de intermediação financeira, a instituição bancária assume o risco

de crédito, ou seja, de não pagamento. Já no caso das operações de securitização, a

instituição financeira que atuar como subscritora está submetida ao risco de mercado, ou

seja, ao risco de perda de capital, caso o preço dos títulos caiam relativamente ao valor pelo

qual foram obtidos, ou mesmo ao risco de liquidez, caso não consiga encontrar tomadores

para esses papéis. Esses são riscos, no entanto, assumidos de forma temporária.

Evidentemente, ao atuar exclusivamente como organizadoras e colocadoras, ou “corretoras”,

essas instituições não se submetem a nenhum desses riscos, e, nesse caso, os riscos estão

sendo socializados integralmente entre os tomadores finais.

Desse modo, enquanto a colocação de títulos em mercado promove uma dispersão

horizontal do risco entre um grande número de investidores, a concessão de crédito pelas

instituições bancárias está associada a um modelo de distribuição vertical e intertemporal do

risco que se dá no âmbito do balanço dessas instituições (Sarcinelli, 1996).

Do ponto de vista do tomador de recursos, a socialização do risco de crédito, viabilizada

pela colocação de papéis, seria uma forma de reduzir o custo de captação de recursos

relativamente ao custo de obter crédito, somado ao fato de que o desenvolvimento de

mercados secundários daria liquidez aos estoques de papéis existentes, sendo mais um

atrativo para esses ativos. No entanto, essas vantagens dependeriam do cumprimento de um

conjunto de condições adicionais, como veremos adiante.

Os mercados primários de títulos consistem naqueles onde os ativos, depois de emitidos

pelas empresas, são distribuídos, ou seja, ofertados pela primeira vez, originando, no caso de

títulos de dívida, uma obrigação para o agente emissor e um direito para o detentor. Já no

caso de títulos de propriedade, as emissões no mercado primário permitem ampliar o capital

da empresa. A propriedade do capital torna o detentor do título de propriedade um sócio-

proprietário, repartindo os riscos do negócio, e a ela associa-se uma expectativa de

pagamento na forma de dividendos.

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Mercados secundários são aqueles nos quais os detentores dos ativos podem transacionar

tais direitos entre si. Os mercados de títulos costumam apresentar maior liquidez do que o

mercado de crédito.

De acordo com Zysman (1993) entre vários outros, a predominância em uma economia de

uma das duas modalidades de financiamento acima apresentadas é basicamente o que

permitiria classificar o modelo de sistema financeiro adotado nessa economia como um

modelo com base no mercado de capitais ou com base no crédito. Desse modo, com base

numa abordagem de estoques, o sistema financeiro com base em mercado de capitais

apresentaria, dentre os ativos detidos pelos agentes não financeiros, uma participação mais

significativa de títulos, enquanto que o sistema financeiro com base em bancos teria uma

maior participação de obrigações bancárias na forma de depósitos.

1.2.2 – Mercados privados e mercados públicos – a questão informacional

Os diferentes canais de transferência de recursos têm níveis bem distintos de transparência

de informações acerca das unidades deficitárias, fator este que diferencia os mercados

públicos dos privados. As empresas não financeiras serão o foco da análise no nosso caso.

Os mercados privados se distinguem pela existência de um baixo nível de transparência das

informações relativas à empresa demandante de recursos. O crédito bancário é um exemplo

de um instrumento transacionado em mercado privado. Para autores como Goodhart, na

presença de problemas de informação justifica-se a existência de instituições bancárias, sem

as quais os mercados financeiros seriam ditos incompletos. Os bancos especializam-se em

reunir informações facilitando as atividades de emprestar e tomar emprestado4.

Os bancos detêm informações acerca das empresas/clientes seja porque avaliam essas

empresas no momento em que decidem conceder o crédito, seja porque recebem

informações ao longo da vigência do financiamento. Dessa forma, ao reunir e levantar

informações, diz-se que os bancos produzem informações que, no entanto, não

disponibilizam e nem negociam, mantendo-as privadas e usando-as internamente.

4 Para Goodhart (1989), o aspecto informacional é determinante para explicar a existência de instituições que intermediam recursos: “With no private information financial intermediation would be irrelevant to economic activity as in the Miller-Modigliani analysis” (Goodhart, 1989).

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Por outro lado, em decorrência do uso privado de informações, os bancos podem auferir

rendas de informação (Gorton, 2002). De acordo com Fischer, isto se dá a partir do

momento que o banco detém a informação acerca do nível de risco de crédito da empresa.

Fischer propõe, assim, um modelo de dois períodos. No primeiro momento o banco

desconhece para que tipo de devedor está concedendo o crédito, mas provê o financiamento

na expectativa de que, no segundo momento, quando puder distinguir quais são as firmas

com boa qualidade de crédito, poderá obter rendas de informação. Portanto, terá um prejuízo

resultante de sua falta de informação, no primeiro momento, quando empresta para empresas

boas e ruins, e obterá ganhos num segundo momento, quando poderá distinguir as empresas

que são boas devedoras e usufruir disto por ser o único a deter esse conhecimento. Devido

às informações privadas que possui sobre essas firmas, relativamente à falta de informações

de seus concorrentes, deterá um poder de monopólio, podendo cobrar taxas de juros mais

elevadas do que as que seriam compatíveis com o nível de risco das mesmas. Por outro lado,

tal possibilidade reduziria o problema de seleção adversa no caso das firmas em questão,

que pagariam mais caro, mas não estariam submetidas ao racionamento de crédito5.

Com relação a esse aspecto, os bancos universais apresentariam uma vantagem com relação

aos bancos especializados, porque a partir da relação multifacetada com as empresas

tomadoras, derivada do diferenciado conjunto de serviços que oferece, podem obter uma

gama de informações sobre diferentes aspectos financeiros daquelas empresas, usufruindo

de economias informacionais de escopo. A regulação, no entanto, pode impedir ou dificultar

a ocorrência de economias desse tipo quando estabelece mecanismos do tipo Chinese walls,

que visam exatamente evitar a troca de informações não públicas entre diferentes setores de

uma instituição financeira.

Os mercados públicos caracterizam o espaço de negociação dos instrumentos de

financiamento direto, ações e títulos de crédito (de curto e longo prazo). Esses mercados

requerem um maior grau de disponibilização de informações acerca dos emissores dos

títulos, o que, por sua vez, requer a atuação de um conjunto de agentes e instituições que

irão elaborar, auditar, registrar, divulgar, coletar, analisar e interpretar tais informações. Por

conseguinte, esta maior transparência requer, por um lado, um sistema financeiro mais

5 Esse modelo é apresentado em Edwards and Fischer (1994) tendo como referência Fischer, K., tese de PH.D não publicada, University of Bonn, 1990.

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sofisticado no que se refere à diversidade de agentes e instituições atuantes e implicará, por

outro, custos para as empresas e para os investidores.

Uma maior transparência nos mercados públicos é obtida, em geral, em decorrência de

fatores como: demonstrações financeiras auditadas, emissão de títulos negociáveis que

estejam continuamente cotados no mercado, registros em instituições reguladoras, o

conhecimento público acerca dos contratos que estabelecem com seus fornecedores,

consumidores e mão de obra, etc.

1.2.3 – Contratos padronizados e contratos idiossincráticos

O crédito bancário resulta do estabelecimento de um acordo particular privado entre o banco

e o seu devedor, onde as condições e compromissos constantes do contrato de empréstimo

(custo, prazo, cláusulas restritivas, garantias) são desenhados caso a caso, de acordo com as

necessidades de financiamento do tomador e as necessidades de segurança do financiador,

frente à avaliação de crédito que possui. Estes são, em geral, contratos complexos e

estruturados que podem ser desenhados em conformidade com cada tomador. Em suma, são

os chamados contratos indiossincráticos ou contratos feitos sob medida, como denominam

Herring & Chaturspitak (2000) e são, por isso, transacionados no mercado de balcão. Em

decorrência, tais contratos apresentam uma menor substitutibilidade, sendo por tanto menos

líquidos.

Os títulos, sejam de propriedade ou de crédito, tendem a ser contratos mais padronizados e,

diferentemente do crédito bancário, dizem respeito a uma relação da empresa que se dá com

vários investidores anônimos simultaneamente.

Comparativamente aos contratos de crédito bancário, que tendem a ser mais minuciosos e

complexos, os contratos dos títulos corporativos de crédito seriam mais simples e objetivos.

Já no caso das ações, como ressalta Williamson (1984), os acionistas possuem com a

empresa um contrato em aberto sem proteções específicas. São estabelecidas regras gerais

relativas aos direitos e deveres dos acionistas e da companhia, usualmente previstas no

estatuto da companhia, e a distribuição de dividendos depende da ocorrência de lucro.

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1.2.4 - Relacionamento de longo prazo e negociação

Uma forma importante de distinguir o mercado de crédito e o mercado de capitais seria o

tipo de relacionamento que se constitui nas transações financeiras que se estabelecem.

Conforme afirmam Allen e Gale (2000):

“Any financial transaction involves time in an essential way, so any financial transaction

establishes a relationship of some sort between the parties to the transaction. For example, if a

firm sells bonds to investors, the investors become stakeholders in the company. But this is rather

loose kind of relationship. There may be a large number of investors and they can sell their bonds

at any time, so they have little incentive to monitor the firm and the firm has little incentive to

find out about them. On the other hand, if the firm obtains a loan from a bank, a different sort of

relationship, and it is more likely to be a long-term relationship. It may be a multifaceted

relationship, as the bank may be providing many different services to the firm. We should expect

this kind of relationship to provide different information flows and different incentives to monitor,

cooperate, and co-insure” (Allen and Gale, 2000, p. 315).

No caso do mercado de crédito, o possível estabelecimento de uma relação de confiança

entre as partes, propiciada pela relação bilateral existente, entre os demandantes e o banco

permitiria acordos implícitos. Nessas condições, menos importante seria o papel do contrato

em si, e mais fundamental seria o que está estabelecido entre as partes. Como está relação

não estaria, principalmente, regida por regras e instrumentos externos, pode ser considerada

como uma relação autogovernável (Rajan e Zingales, 1995).

Por outro lado, no caso dos detentores de títulos em circulação no mercado tende a se

estabelecer uma relação mais frouxa com os demandantes de recursos, onde não existiriam

acordos tácitos, mas somente as obrigações e direitos que estariam acordados

explicitamente.

A partir dessas considerações é possível considerar a realização de contratos ditos

incompletos como uma das conseqüências de relacionamentos de longo prazo no âmbito das

transações financeiras que envolvem banco e empresa. Tais contratos diferenciam-se dos

contratos completos porque não prevêem integralmente todas as contingências possíveis e

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permitem processos de renegociação como mecanismo de adaptação às contingências não

esperadas6.

Os contratos incompletos tornariam os processos de renegociação desejáveis,

principalmente, porque não seriam contraditórios com o poder disciplinador do

monitoramento7.

As atividades de renegociação, como também de monitoramento, são mais facilmente

exercidas quando há concentração de recursos no lado do ofertante. Isto se deve, em parte,

porque a concentração implica que há poder de decisão, mais difícil de ocorrer no caso dos

investidores pulverizados de títulos. Ademais, o rescalonamento ou a renegociação da dívida

é uma possibilidade concreta na relação banco/cliente, o que é, de certa forma, facilitado por

ser uma relação bilateral, e que envolve também um horizonte mais longo de tempo e outras

atividades e produtos, fatores que poderão ser pesados em conjunto.

Nas formas de financiamento direto, menores são as facilidades para as atividades de

monitoramento e de renegociação, devidas, em grande medida, a um maior grau de

pulverização dos ofertantes de recursos e a necessidades mínimas de padronização de ativos

negociados em mercado.

A existência de um relacionamento de longo prazo entre o banco e empresa traria, também,

implicações para a precificação do crédito. O financiador poderia oferecer uma taxa abaixo

do mercado no curto prazo e recuperar suas perdas com uma taxa acima do mercado no

6 A hipótese de constituição de contratos incompletos seria justificada para alguns autores devido aos custos de realizar contratos completos: “Because the high transaction costs of writing complete contracts, some potentially Pareto-improving contingencies are left out of contracts and securities” (Allen and Gale, 2000, p.319). Para outros o fator impeditivo não são os custos que decorrem da complexidade desses contratos, sob incerteza seria impossível estabelecer contratos completos porque não seria possível prever todas as situações possíveis (ver discussão Capítulo 2). 7 Para Dewatripont and Naskin (1995) a hipótese de contratos incompletos é entendida como crucial para a discussão do papel da renegociação. Isto porque no caso dos contratos ditos completos, a possibilidade de renegociação traria restrições, e, portanto, custos adicionais, ao tipo de contrato ou acordo que seria viável. Esses seriam derivados de problemas potenciais de inconsistência temporal decorrentes das dificuldades do financiador em manter o compromisso de recusar prover fundos adicionais, em caso de inadimplência do devedor. Isto porque a decisão de suspender o crédito seria uma decisão ótima numa perspectiva ex-ante, mas em termos ex-post poderia ser sub-ótima, caso, os fundos fossem considerados já perdidos e a empresa acenasse com um novo projeto lucrativo. Dessa forma, a possibilidade de renegociação tenderia a limitar o poder disciplinador do monitoramento na forma da ameaça de suspensão do crédito e ambas as partes tenderiam a ter seu bem estar reduzido ex-ante. Nesse caso, monitoramento e renegociação seriam atividades contraditórias. Allen and Gale (2000) duvidam da força empírica desse argumento teórico. Dentre os argumentos levantados por esses autores destaca-se o entendimento de que o efeito disciplinador da suspensão do crédito poderia ser mais limitado do que se supõe, devido à existência de outras fontes de financiamento.

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longo prazo (subsídios cruzados intertemporais), quando a firma estiver saudável e puder

arcar com seus pagamentos. O fator reputação, quando se trata de uma relação que se repete

no tempo, estimularia uma atitude de cooperação por parte dos bancos.

Entretanto, em contrapartida à cooperação, os bancos procurariam garantir poder de

monopólio a fim de auferir rendas de relacionamento ou rendas de reputação. Esse poder

visaria garantir o retorno no longo prazo, assegurando que nos momentos em que o banco

cobrasse uma taxa mais alta que a do mercado, compensando os períodos em que cobrou a

menor, as empresas não pudessem ir à busca de outros credores. Desse modo, os subsídios

cruzados parecem pressupor relação exclusiva, ou talvez, ao menos claramente diferenciada,

comparativamente aos demais bancos que viessem a prestar serviços à empresa.

1.2.5 – Exigências na forma de colaterais e garantias

Na medida em que o cadastro dos clientes é de acesso exclusivo do banco, ou seja, não está

disponível a outros intermediários, exceto a um custo (Allen and Galle, 2000) e, ainda que a

realização do valor imputado aos ativos correspondentes depende, em grande medida, da

habilidade do intermediário em realizá-lo (Rajan e Zingales,1995), resulta que os créditos

bancários possuem baixo grau de liquidez. Como ressalta também Llewelllyn (1999):

“asymmetric information means that the value of a banks assets´(loans) is based on inside

information possessed by the bank (because it manages the borrower´s payments account and has a

long term relationship with the customer) that cannot be transferred with credibility in a secondary

market or to another institution. Put another way, a banks´ assets (loans) are valued more highly on

a going-concern basis than on a liquidation or break-up of the bank” (Llewellllyn, 1999, p.14).

Em conseqüência decorre que, no caso de inadimplência dos devedores, os bancos não

poderiam recuperar os recursos emprestados facilmente e sem perdas. Em contrapartida os

bancos podem exigir colaterais, ou seja, ativos de propriedade dos tomadores de recursos

como garantia.

Fundamentalmente, as exigências na forma de colaterais facilitam a transação financeira

porque, primeiramente, é menor o custo de avaliar o valor dos ativos dados em garantia do

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que o valor da própria empresa, que depende de cálculo do fluxo de caixa futuro e, em

segundo, porque estabelece direitos dos credores sobre esses ativos.

No caso dos títulos de dívida as garantias assumem papel menos importante, seja devido ao

maior nível de transparência desses contratos, ou à existência de mercados secundários, ou

ainda porque suas condições estejam fortemente determinadas pelo rendimento oferecido e

pela percepção do mercado acerca do risco da empresa emissora. Em muitos casos esses

contratos podem não oferecer garantias ou apenas garantias flutuantes8.

No caso das ações, a empresa está compartilhando o risco com seus investidores, de forma

que os acionistas não possuem nenhum tipo de garantia, a sua parte no capital da companhia

varia com as condições financeiras e econômicas da empresa.

1.2.6 - Exit e Voice como mecanismos corretivos (disciplinadores) dos contratos financeiros

De uma maneira geral as transações de compra e venda de produtos e serviços envolvem o

risco de que ambas as partes não cumpram o que foi acordado. Tal risco costuma ser

contrabalançado com diferentes mecanismos de proteção, em grande parte, de caráter

preventivo, corretivo ou compensatório, conforme o caso9.

Os contratos de produtos e serviços financeiros não são diferentes. Os contratos financeiros

diferenciam-se dos contratos não financeiros por aglutinarem um grande número de

características especiais que elevam o risco mencionado, e que estão presentes nesses

últimos, porém, de maneira mais dispersa (Llewellyn,1999).

Dentre essas características, destaca-se o fato de que, num sentido mais geral, a qualidade

dos contratos financeiros não pode ser verificada a não ser com algum custo.

8 As garantias flutuantes asseguram um privilégio geral sobre o ativo da companhia, mas não impedem negociações envolvendo os bens que compõem esse ativo e, por isso, se diz que são flutuantes. 9 O mecanismo de proteção utilizado nos contratos privados vai depender de fatores como a freqüência com que o bem ou serviço são consumidos ou o seu nível de padronização. A falta de experiência do consumidor, ou seja, uma menor freqüência na utilização de um produto ou serviço, pode ser compensada pelo fato de que caso sejam produtos mais padronizados, poderão sofrer processos de classificação, que servirão de referência para o consumidor.

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Para vários casos o valor do contrato pode não estar sujeito a avaliações objetivas. Isto

ocorre, por exemplo, quando o valor de compra deve considerar os resultados de um longo

período de tempo ou quando esses resultados somente emergem após um determinado

período de tempo após a assinatura do contrato.

Observa-se, também, que quando se trata de transações financeiras de longo prazo prever

todas as contingências pode ser difícil ou impossível 10.

Destacam-se os problemas de informação associados ao fato de que as partes podem possuir

níveis de informação distintos - assimetria de informação e, em decorrência, problemas de

seleção adversa e de agente-principal.

Em geral, atribui-se, dependendo do tipo de contrato financeiro, seja de crédito, ou de título

de capital ou de dívida, diferentes mecanismos através dos quais as instituições financeiras,

e/ou detentores de títulos, exercerão sua influência sobre as empresas, visando garantir o

retorno dos recursos disponibilizados, reduzindo o risco de não cumprimento do contrato.

Nesse sentido, Zysman (1983) ressalta os dois mecanismos usualmente destacados como

fundamentais: o mecanismo de “saída” (exit) e o mecanismo de “voz” (voice).

Tendo inicialmente como referência o mercado de bens, o mecanismo de “saída” estaria

associado à decisão do consumidor de mudar para o produto de uma outra firma quando essa

declinasse em sua performance, comparativamente às demais. Constitui-se, portanto, num

mecanismo de mercado, ou seja, a mudança promovida pelo consumidor colocaria em

movimento forças de mercado11.

10 Segundo a escola neo-institucionalista, de acordo com o conceito de racionalidade limitada, estes custos estariam associados ao grau de complexidade que esse exercício encerraria e explicariam, por outro lado, a existência de contratos incompletos. De acordo com a escola pós keynesiana, sob incerteza seria impossível estabelecer contratos completos, dada a precariedade das informações disponíveis não seria possível prever em contrato todas as situações possíveis (ver discussão Capítulo 2). 11 Hirschman (1970) demonstra sua surpresa com o fato de que “...the precise modus operandi of the exit option has not received much attention (…) Most authors are content with general references to its ‘pressures’ and ‘disciplines” (p21). Adicionalmente, o autor ressalta que: “as far as I have been able to ascertain, no study, systematic or casual, theoretical or empirical, has been made of the related topic of competition’s ability to lead firms back to ‘normal’ efficiency, performance, and growth standards after they have lapsed from them” (p.22). Numa análise mais detida desse mecanismo seria possível contrapor, por exemplo, o entendimento geral de que estaria de antemão garantida a eficiência desse mecanismo pelo fato de que se supunha também garantida a rapidez com que seus efeitos deveriam se proliferar. No entanto, no entendimento de Hirshman a eficiência desse mecanismo não repousa, ao contrário do que usualmente se defenderia, na velocidade com que seus efeitos se disseminam:

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Com relação a esse mecanismo de “saída”, de acordo com Hirshman (1970), podem ser

observadas algumas características gerais. É um mecanismo cujas sinalizações podem ser

claramente definidas: ou o consumidor sai ou fica. Nesse caso, não há um confronto entre

consumidor e firma, o sucesso ou fracasso são observados através dos resultados estatísticos

que vão se apresentando. Esse é, então, um mecanismo impessoal. E, além disso, como a

esperada recuperação da firma com fraca performance seria um co-produto não intencional

da decisão do consumidor de mudar, pressupõe, também, mecanismo de correção indireto.

No caso dos títulos é a existência de mercados secundários organizados que permite que o

mecanismo de “saída”, em caso de discordância acerca das condições oferecidas pelo ativo

financeiro, possa ser largamente utilizado pelos investidores, porque simples, rápido e com

baixos custos. É evidente que tal possibilidade dependerá do atributo de liquidez do ativo

em questão, ou seja, a sua capacidade de ser trocado por moeda, ou seja, vendido,

rapidamente sem perda de valor 12.

Um segundo ponto a ser observado refere-se a como tal mecanismo poderia atuar de forma

corretiva. O subproduto esperado, porém não intencional, dos movimentos de saída e

entrada dos investidores seria: ao afetarem os preços no mercado secundário e, por

conseguinte, a procura e a alocação de fundos em favor desses ativos, promoveriam uma

pressão sobre as empresas emissoras ao definir quais as condições das colocações desses

ativos no mercado primário. Veja-se, então, que para o caso do mercado financeiro,

comparativamente ao caso do mercado de bens, agrega-se um fator adicional que faz o

subproduto esperado depender de um mecanismo ainda mais indireto, ou seja, dos efeitos da

atuação dos investidores de um determinado mercado sobre outro mercado.

“For competition (exit) to work as a mechanism of recuperation from performance lapses, it is generally best for a firm to have a mixture of alert and inert customers. The alert customers provide the firm with a feedback mechanism which starts the effort at recuperation while the inert customers provide it with the time and dollar cushion needed for this effort to come to fruition. According to traditional notions, of course, the more alert the customers the better for the functioning of competitive markets. Consideration of competition as a recuperation mechanism reveals that, although exit of some customers is essential from bringing the mechanism into play, it is important that other customers remain unaware of, or unperturbed by, quality decline: if all were assiduous readers of Consumer Reports, or determined comparison shoppers, disastrous instability might result and firms would miss out on chances to recover from their occasional lapses” (Hirschman, 1970, p.25). 12Para os mercados de títulos, a figura do market maker é essencial para garantir que haja uma permanente oferta e demanda do ativo sem significativas variações de preços. A capacidade deste em prover liquidez estará, por sua vez, condicionada a capacidade de obter recursos, que, em última instância, dependerá da liquidez proporcionada pelo Banco Central. Ver Davidson (1978).

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Já o mecanismo de “voz”, tendo como referência mais uma vez o mercado de bens, refere-se

à tentativa do consumidor de mudar a prática, a política ou os produtos da firma cujos

produtos ele consome. Em comparação ao mecanismo de “saída”, o mecanismo de “voz”

tende a ter um espectro mais amplo de sinalizações possíveis a serem dadas pelo

consumidor, tende a ser mais pessoal e caracteriza-se como um mecanismo corretivo direto.

No mercado de crédito destaca-se a utilização do mecanismo de voz (voice), visto que os

intermediários financeiros usariam sua posição para opinar e exercer influência sobre os

negócios da empresa, ou seja, para monitorar as atividades da empresa credora. Nesse caso,

seria mais difícil a utilização de mecanismos de saída. Nesse sentido, Zysman ressalta as

especificidades da relação entre bancos e firmas quando do empréstimo de longo prazo,

devido aos riscos assumidos pelos bancos.

Dessa forma, numa primeira aproximação, dentro de uma lógica mais micro, ficam claros os

elementos disciplinadores básicos usualmente citados que sustentariam os dois tipos de

transação financeira: o monitoramento, ou “voz”, que predominaria no sistema com base em

bancos, e os mercados secundários, ou mecanismo de “saída”, no sistema com base em

mercados.

1.3 - Conclusão

Da discussão acima apresentada, deriva-se que títulos e crédito possuem características bem

distintas no que se refere a um conjunto bem amplo de aspectos. Além disso, tanto do ponto

de vista dos agentes deficitários, quanto dos agentes superavitários, estão associados, em

geral, custos, sejam monetários e/ou não monetários, às vantagens que cada tipo de

transação financeira, em tese, pode oferecer.

Dessa forma, o mercado de crédito bancário caracteriza-se por operações intermediadas que

são realizadas em mercados privados, podendo, assim, atender a demanda de recursos por

parte das companhias que possuam baixo de grau de transparência. Porém, ao possuírem

informações privilegiadas sobre as empresas, os bancos podem auferir rendas

informacionais.

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Já o mercado de títulos caracteriza-se por transações financeiras desintermediadas,

realizadas no âmbito do mercado público. Mercados mais transparentes seriam, em tese,

uma vantagem para o investidor e também para as empresas, que poderiam ter ampliadas

sua capacidade de obter recursos. No entanto, maior transparência implica custos para

ambos, monetários e não monetários, e um maior grau de sofisticação exigido para o sistema

financeiro.

Do ponto de vista da empresa, a socialização do risco de crédito, viabilizada pela colocação

de papéis, seria uma forma de reduzir o custo de captação de recursos relativamente ao custo

de obter crédito. No entanto, isso dependeria da formação de mercados secundários líquidos

para esses títulos, que dentre outros requisitos requer uma maior transparência de suas

informações.

Adicionalmente, as transações entre bancos e empresas tenderiam a gerar relações de mais

longo prazo e contratos idiossincráticos que permitiriam arranjos implícitos entre devedor e

credor, facilitados por uma maior possibilidade de negociação e de monitoramento. Porém,

em troca das vantagens que essa relação poderia oferecer para as empresas, os bancos

procurariam auferir rendas de reputação.

Comparativamente, nas formas de financiamento direto, devido, em grande medida, a um

maior grau de pulverização dos ofertantes de recursos e às necessidades mínimas de

padronização dos ativos negociados em mercado, são mais difíceis os arranjos implícitos e

as atividades de monitoramento e renegociação.

Diferentemente do crédito bancário e dos títulos de dívida, os acionistas possuem com a

empresa um contrato em aberto. São estabelecidas regras gerais, usualmente previstas no

estatuto da companhia, e a distribuição de dividendos depende da ocorrência de lucro. Os

acionistas também não possuem nenhum tipo de garantia - sua parte no capital da

companhia varia com as condições financeiras e econômicas da empresa.

Usualmente, apontam-se os mercados secundários líquidos, ou mecanismo de “saída”, como

o dispositivo de proteção do investidor contra o risco de não cumprimento do contrato para

o caso dos títulos. Por outro lado, o monitoramento ou “voz” seria o mecanismo de proteção

utilizado pelos bancos.

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No Capítulo que segue discutiremos como diferentes escolas do pensamento econômico

compreendem a eficiência do mecanismo de “saída”.

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Capítulo 2 – Teorias de Mercado: a leitura crítica à Hipótese dos Mercados Eficientes

2.1 - Introdução

A Hipótese dos Mercados Eficientes – HME teve origem no debate sobre teoria das finanças

e embasou igualmente os estudos de mercado relacionados à análise do comportamento dos

títulos financeiros. Essa hipótese dominou o entendimento do comportamento do mercado

de ativos financeiros pelo menos durante a década de 70 13, após a qual passou a ser

desafiada, primeiramente por estudos empíricos e, posteriormente, por desenvolvimentos

teóricos. Nessa seção serão discutidos seus preceitos básicos e analisados os argumentos

críticos apresentados às fundações teóricas dessa hipótese que foram desenvolvidos por

diferentes escolas.

A discussão discorre, principalmente, sobre a validade dessa hipótese no mercado de

capitais, e não no mercado de crédito, tendo em vista que a tese trata do regulador do

mercado de títulos. Nosso objetivo é investigar a eficiência do mecanismo de “saída” no

mercado de capitais, no sentido de em que medida consistiria num mecanismo de proteção

suficiente aos seus participantes.

2.2 – A Hipótese de Mercados Eficientes

O conceito de eficiência de Pareto, utilizado nas análises de equilíbrio geral para o caso do

mercado de bens, define que o sistema em equilíbrio apresentará um vetor de preços que

equilibrará a oferta e a demanda de bens e maximizará o bem estar social (ou a função

utilidade social), de forma que neste ponto não será possível melhorar o bem estar de um

indivíduo sem que se reduza o bem estar de outro. O conceito de eficiência para o mercado

de ativos requer algumas adaptações, como salienta Hermann:

“No mercado de ativo, o recurso escasso que limita o máximo relativo da função-utilidade não

são fatores de produção (como no mercado de bens), mas sim a informação a respeito das

condições de retorno e risco dos ativos. Neste mercado, portanto, o equivalente da alocação

13 O marco teórico para essa hipótese foi o artigo escrito por Fama publicado em 1970, intitulado “Efficient capital markets: A review of theory and empirical work”, publicado no Journal of Finance, 25:383-417.

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ótima de recursos que define a eficiência de Pareto no mercado de bens é a utilização ‘plena e

correta’ da informação disponível” (Hermann, 2002, p.62) (Grifo do autor).

Esta condição estará assegurada se a informação relevante estiver disponível para todos os

participantes ao mesmo tempo e se os preços dos ativos refletirem de forma rápida e correta

todas as informações relevantes disponíveis. Se assim for, o vetor de preços, ao se mover,

equilibra as ofertas de compra e de venda, de forma a encontrar o seu nível justo ou correto,

veiculando ou refletindo ele próprio todas as informações e eliminando as possibilidades de

ganhos de arbitragem. Conforme descreve Malkiel (1992):

“A capital market is said to be efficient if it fully and correctly reflects all relevant information

in determining security prices. Formally, the market is said to be efficient with respect to some

information set, φ, if security prices would be unaffected by revealing that information to all

participants. Moreover, efficient with respect to an information set φ, implies that it is

impossible to make economic profits by trading on the basis of φ” ( p. 739, 1992, Malkiel).

De acordo com a versão semi-forte da HME14, versão mais veiculada dessa teoria, os preços

refletiriam os fundamentos micro e macroeconômicos do mercado em questão, absorvendo,

além das informações relativas ao comportamento histórico dos preços dos títulos, todas as

informações públicas disponíveis, ou seja, balanços contábeis, notícias e anúncios relevantes

a respeito das empresas e dos títulos por elas emitidos.

Os investidores são racionais e valoram os títulos racionalmente, ou seja, de forma a refletir

seus fundamentos, qual seja, o valor presente líquido do fluxo futuro de caixa descontado,

ajustado a características de risco. Os preços incorporam todas as informações disponíveis

quase imediatamente, visto que os investidores ajustarão os preços para cima no caso de

uma informação boa e para baixo no caso de uma informação ruim, de forma que reflitam o

novo valor presente líquido do fluxo de caixa descontado correspondente ao título em

questão. Dessa forma a HME seria uma conseqüência do equilíbrio em mercados

competitivos com investidores plenamente racionais (Shleifer, 2000).

14 A HME, em sua versão fraca, afirma que os preços correntes refletem completamente as informações contidas nas séries históricas dos preços. Em sua versão forte, a HME afirma que toda a informação sobre as companhias que seja do conhecimento de qualquer participante do mercado se refletirá completamente nos preços. Para uma discussão mais detalhada ver Malkiel (1992).

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A ausência de racionalidade por parte de alguns indivíduos não constitui, porém, problema a

essa hipótese, supondo-se que os negócios dos indivíduos irracionais são aleatórios, ou seja,

não correlacionados, anulando-se entre si. Mesmo se supondo que os negócios dos

indivíduos irracionais são correlacionados, a defesa da HME ainda seria possível, se também

for possível supor que estes indivíduos são encontrados no mercado por arbitradores

racionais cuja atuação eliminaria sua influência sobre os preços.

Dessa forma, sendo válida a HME, o mercado por si só funcionaria de forma adequada, e o

mecanismo de “saída” funcionaria como forma de proteção aos agentes detentores de títulos,

por conseguinte, nesse contexto, à regulação não teria nenhum papel relevante a cumprir.

2.3 – Críticas à Hipótese dos Mercados Eficientes

À luz das críticas apresentadas pela teoria das finanças comportamentais e pelas escolas

neo-keynesiana e pós-keynesiana serão a seguir discutidas cinco das hipóteses que se

revelam cruciais a HME: comportamento racional, eficiência das operações de arbitragem,

ausência de custo de transação, ausência de custo de informação, ausência de incerteza.

2.3.a) Comportamento irracional e as operações de arbitragem

O objeto da teoria das finanças comportamentais – TFC é o estudo da falibilidade humana

em mercados competitivos (Shleifer, 2000). Essa escola tem como foco as conseqüências

sobre os preços e outras dimensões do mercado de um comportamento humano tendencioso,

ignorante e confuso no âmbito de mercados financeiros competitivos, em contraste com o

assumido pela HME.

O aspecto central para a teoria das finanças comportamentais no que se refere a sua crítica à

HME poderia estar representado na formulação da seguinte questão: o que poderia impedir a

utilização correta pelos agentes das informações relevantes disponíveis, de forma que os

preços não refletissem os chamados fundamentos? A questão que se coloca para essa teoria

não é a informação em si, mas o uso que os investidores fazem dela. Comportamento

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racional e eficiência das operações de arbitragem são as hipóteses da HME que são

discutidas por essa escola.

Uma primeira resposta a questão apresentada poderia ser: os investidores podem

transacionar com base em informações irrelevantes, ou seja, mais com base no ruído do que

na informação.

Os erros de julgamento derivariam, na teoria das finanças comportamentais, de opiniões e

preferências que estariam associadas a influências ou de ordem mais psicológica, quando

referindo-se a reações comportamentais e emocionais dos investidores frente a uma

determinada situação, ou de ordem mais cognitiva, relativas aos processos de apreensão e

percepção de uma dada situação. Em decorrência, os investidores não agiriam de forma

racional, e, portanto, sua conduta não estaria em conformidade com um determinado modelo

normativo, sendo caracterizados como “unsophisticated” ou “noise traders”.

Convém pontuar que a TFC não apresenta um modelo único, mas características de

comportamento que procuram dar conta de diferentes aspectos de operação dos mercados. O

objetivo dessa seção será apenas apresentar alguns dos aspectos e hipóteses que norteiam

alguns desses modelos. Fundamentalmente, a TFC identifica desvios comportamentais,

sejam de caráter individual ou coletivo, que podem ser classificados como de ordem

cognitiva ou de ordem emocional.

No âmbito dos desvios cognitivos de ordem individual ressalta-se, por exemplo, uma

“racionalidade limitada” que se origina das dificuldades do indivíduo, quando em situações

mais complexas, de observar e encontrar os fatos relevantes, de absorver um excessivo

volume de informações ou de mensurar a relação retorno-risco correspondente. Por isso, os

investidores teriam em mente pontos de referência que lhes serviriam de guia e poderiam se

comportar de forma a: rejeitar novos fatos que pudessem contrariar sua opinião e idéias pré-

concebidas, se ajustar insuficientemente a novas informações ou reagir exageradamente

quando essas informações forem finalmente confirmadas.

Dentre alguns dos demais comportamentos destacados, a teoria pontua o excesso de

confiança e a tendência à racionalização, que procuraria atribuir uma explicação a um

determinado evento mesmo que esse evento seja irracional. Os investidores construiriam

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opiniões mais baseadas na heurística do que na racionalidade bayesiana: consideram um

histórico recente e perguntam que situação mais ampla poderia representar, tendendo assim

a extrapolar histórias passadas recentes para um futuro distante. Os investidores poderiam

ainda fazer escolhas diferentes dependendo de como um determinado problema se apresente

(framing).

Em termos dos desvios coletivos de ordem cognitiva ressalta-se uma inclinação para seguir

a tendência observada no comportamento dos demais agentes (rational mimetic

expectations), e, ainda, os comportamentos que revelam uma obediência ou respeito a

autoridades – altos executivos das empresas (os CEOs, Chiefs Executive Officer),

Presidentes de Banco Centrais e especialistas, analistas ou jornalistas, que obtenham o status

de “gurus”.

Do ponto de vista dos desvios individuais e coletivos atribuídos aos aspectos de ordem mais

psicológica, a teoria ressalta, por exemplo, a aversão a perdas, que explicaria um

comportamento no qual o investidor demonstraria uma relutância em vender ações que

perdem valor. A aversão ao risco poderia, então, ser parcial e a aversão a perdas seria maior

que a urgência de ampliar oportunidades de ganhos.

Do ponto de vista dos desvios coletivos atribuídos aos aspectos de ordem mais psicológica,

destacar-se-iam os sentimentos coletivos definidos pela situação na qual num grupo ou

multidão os indivíduos tenderiam a perder suas próprias referências, e compartilhariam das

emoções coletivas, podendo tomar ações distintas e mesmo extremas que não tomariam

isoladamente. Tais desvios referem-se ao instinto de manada, que em sua versão mais

branda definiria a tendência de seguir a tendência dominante e em sua versão mais forte

justificaria corridas ou bolhas especulativas.

A segunda hipótese da HME criticada pela TFC consiste na atuação eficaz de arbitradores

racionais, ou seja, aqueles arbitradores que não seriam sujeitos a desvios psicológicos. Tais

agentes poderiam atuar na contraparte da demanda não sofisticada e trazer os preços de volta

aos fundamentos, o que seria suficiente para sustentar a HME, mesmo considerando a

hipótese de desvios comportamentais. A eficiência da arbitragem seria uma condição crucial

no entendimento da TFC, porque, de acordo com o seu argumento os erros não seriam

aleatórios, e, portanto, não se anulariam entre si.

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Define-se arbitragem como “the simultaneous purchase and sale of the same, or essentially

similar, security in two different markets at advantageously different prices”15. Espera-

se, assim, que, na presença de desvios, o arbitrador atue da seguinte forma: na situação em

que o preço do título estiver sobrevalorizado constituindo-se, portanto, numa compra

prejudicial, o arbitrador venderá a posição que possui desse título e se não o possuir venderá

a descoberto, e comprará outro título que seja essencialmente similar a este, e que não esteja

sobrevalorizado, hedgeando seu risco. Ao contrário, se o preço estiver abaixo do preço que

reflete os fundamentos, constituindo-se numa boa compra, o arbitrador comprará o título

subvalorado e venderá a descoberto títulos similares hedgeando seu risco. Espera-se, então,

que na presença desse mecanismo, os preços retornarão ao seu valor correto, caindo quando

estiverem sobrevalorizados e subindo caso contrário.

Contudo, de acordo com a escola de finanças comportamentais, essa descrição não seria

suficiente para descrever a realidade das operações de arbitragem, visto que não daria conta

de duas características básicas dessas atividades: requerem capital e implicam riscos

(Schleifer, 2000). Além disso, nem sempre vendas a descoberto são permitidas pela

regulação.

Nesse sentido, o primeiro ponto importante seria o fato de que para muitos títulos não

existiriam substitutos perfeitos ou quase perfeitos, impedindo que o arbitrador faça hedge de

sua posição e limitando, portanto, que atue ilimitadamente como comprador ou vendedor,

conforme o caso 16. Quanto menos perfeito for o título substituto mais exposto estará o

arbitrador ao risco de que as notícias acerca do título que esteja vendido sejam boas e as

notícias acerca do título que esteja comprado sejam ruins, o que ameaçaria sua estratégia de

hedge.

Porém, mesmo que existam esses substitutos perfeitos ou quase perfeitos, como os preços

não convergem para os valores fundamentais instantaneamente, os arbitradores incorreriam

em riscos, em especial de que o preço equivocado torne-se ainda mais distante de seu valor

correto antes que o desajuste desapareça. Assim, por exemplo, o arbitrador ao vender o ativo

16 De acordo com Shleifer, “an exact substitute for a given security is another security (or portfolio of security) with identical cash flows in all states of the world. A close substitute is a security (or portfolio) with very similar cash flows in all states of the world” (Shleifer, 2000, p.8).

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sobrevalorizado e comprar um substituto perfeito desse ativo cujo preço está a menor sofrerá

perdas no valor de sua carteira caso o preço do ativo que detém caia ou caso suba ainda mais

o preço do ativo sobrevalorizado. Tais perdas temporárias teriam que ser sustentadas até que

os preços convergissem.

Em suma, para a TFC, o comportamento irracional e a arbitragem limitada implicariam que

mercados eficientes seriam um caso especial, pouco provável de se sustentar em condições

plausíveis, seja porque os preços poderiam reagir à informação, mas em montante

insuficiente, ou porque poderiam reagir à não informação, ou ruído, que se expressaria

através de uma demanda desinformada.

2.3.b) Assimetria de informações

O aspecto central para a escola neo-keynesiana no que se refere a sua crítica à HME poderia

ser resumida na seguinte questão: é possível considerar que todos os agentes teriam acesso

pleno às informações relevantes? A questão, então, ressaltada por essa teoria é o grau de

acesso às informações e, portanto, a hipótese da HME que é criticada por essa escola é a de

ausência de custo de informação.

A hipótese de ausência de custos de informação presente na HME permite supor que todas

as informações relevantes estarão disponíveis a todos, ou que os agentes estão plenamente

informados. Para os autores alinhados à escola neo-keynesiana, a existência de assimetria de

informações contraria essa hipótese (Stiglitz e Weiss, 1981,1988; Stiglitz e Greenwald,

2003). A ocorrência de assimetria de informações define-se como a situação na qual um

lado da transação detém informações, em geral relativas a si mesmo, que o outro lado

desconhece. A partir desse entendimento, não seria possível assegurar que todas as

informações relevantes estariam sendo amplamente disseminadas.

Além disso, em se tratando de mercado financeiro, para vários casos não há como ter

previamente uma avaliação objetiva acerca do valor do contrato. Isto ocorre, por exemplo,

quando o valor de compra de um determinado ativo deve considerar os resultados a serem

obtidos durante um longo período de tempo ou quando esses resultados somente emergem

após um determinado período de tempo após a assinatura do contrato. O não atendimento

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dos resultados prometidos por esses ativos só seriam percebidos muito tempo depois,

quando já poderia ser tarde demais (Llewelllyn, 1999).

É possível descrever duas categorias de assimetria que estão associadas aos momentos ex-

ante e ex-post do estabelecimento da transação financeira. A primeira decorre da opacidade

de informações que seriam relevantes quando do momento de avaliação do ativo financeiro,

em especial, para a tipificação do tomador de recursos no que tange ao risco. Daí podem

originar-se problemas de seleção adversa devido às dificuldades de discernir o bom do mau

tomador 17.

A segunda categoria de assimetria estaria associada à dificuldade de obter informações ou

sinalizações acerca do comportamento do tomador de recursos ao longo do período de

vigência do contrato, que permitissem avaliar o esforço despendido para o cumprimento dos

compromissos especificados. Desta categoria originam-se os problemas de agência, ou risco

moral. Estes problemas existem quando é necessária a atuação de um “agente” para

maximizar a utilização de recursos que são de propriedade de outro, o “principal”,

ocorrendo, em decorrência, uma transferência do poder decisório, em alguma extensão, para

este primeiro. Assim, o “agente” para o qual foi passado o poder de comando sobre os

recursos pode, por exemplo, despender esforços insuficientes, ter uma preferência por

assumir riscos ou realizar gastos, ou ainda, ser pouco eficiente na tomada de decisões.

Ambas as categorias de assimetria dependem de duas condições importantes: a primeira,

derivada diretamente do conceito em questão, é que não seja possível haver uma capacidade

uniforme, ou seja, de todos os agentes, de observação de maneira direta das informações ou

das ações relevantes.

A segunda condição refere-se à existência de algum tipo de conflito de interesse potencial,

ou possível oportunismo, relativamente às partes envolvidas, que possa justificar um

desinteresse, ou mesmo intenção, de não revelar informações relevantes, e a concomitante

desconfiança acerca das informações que estão disponíveis da parte de quem disponibiliza

17 Um exemplo tradicionalmente utilizado é o da empresa de seguro que por não conhecer o risco de seus clientes levará em consideração a média de ocorrências passadas. Ao agir assim afastará os clientes potenciais que tendem a apresentar um menor risco, porque para esse grupo o custo definido em função do custo médio não compensará o benefício do seguro. Ao afastar o grupo de menor risco a empresa acabará elevando o risco médio de seus clientes.

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os recursos. São estes os casos de relações que se estabelecem entre o banco e o credor, o

arrendador e o arrendatário, o administrador de recursos e o investidor, o administrador da

empresa e o acionista.

Com relação ao mercado de títulos, no que diz respeito à relação entre o investidor potencial

e os administradores da empresa emissora do título, haveria pelo menos duas grandes

dificuldades que resultam de problemas de assimetria de informações. Primeiro, no que se

refere às ofertas de ações no mercado primário, haveria uma dificuldade do investidor

avaliar a situação econômica e financeira da companhia de forma a distinguir quais títulos

estariam sendo emitidos com um preço sobrevalorizado, o que acarretaria desvantagem para

os novos acionistas em relação aos antigos acionistas. Tal problema revelar-se-ia

especialmente grave quando a companhia está abrindo seu capital e realiza uma oferta

inicial de ações, visto que não haveria títulos transacionados no mercado secundário cujo

preço possa servir de parâmetro, e, também, para o caso de ações com baixa liquidez.

Em segundo, tem-se o problema de agência, que tem na relação acionista/administrador um

caso clássico (Jensen e Mecklin, 1976). O acionista possuiria, em geral, uma menor

capacidade de avaliar a situação da empresa do que os administradores da mesma.

Igualmente, teria dificuldade de obter informações que lhe permitisse examinar com

segurança a atuação desses administradores e averiguar se estariam ou não agindo de

maneira prejudicial à empresa e provocando efeitos negativos sobre os seus resultados.

Em decorrência dessa assimetria de informações, os investidores tenderiam a exigir um

desconto sobre o preço de todos os títulos. Por conseguinte, ocorreria uma seleção adversa,

na medida em que as empresas bem intencionadas se veriam desestimuladas a obterem

recursos no mercado de capitais (Choi and Fisch, 2003).

No que se refere à relação banco/credor, os demandantes de crédito possuiriam uma melhor

avaliação acerca da sua possibilidade de honrar seus compromissos do que o credor, o que

acarretaria uma assimetria de informação (Stiglitz e Weiss; 1981, 1988.)

Supõe-se que os que se dispõem a pagar uma taxa de juros mais elevada devem ser os piores

credores com relação ao risco de crédito. Assim, a taxa de juros cobrada pelo banco afetaria

o nível de risco da carteira de empréstimo via o efeito de seleção adversa. Uma taxa de juros

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elevada faria com que o banco selecionasse, na média, os projetos mais arriscados, porque

tenderia a atrair devedores do tipo amantes do risco, otimistas ou desonestos18.

Ao longo do período do empréstimo, a taxa de juros cobrada afetaria, também, o

comportamento dos tomadores de recursos ao aumentar a atratividade relativa de projetos

mais arriscados.

É como decorrência desse fato que a taxa de juros seria um mecanismo utilizado para

seleção/classificação dos tomadores de crédito (screening device). Como o retorno esperado

do banco decorrente de um empréstimo é uma função decrescente do nível de risco do

empréstimo haveria uma taxa de juros considerada ótima a qual maximizaria o retorno

ajustado ao risco do banco, acima da qual ele não emprestaria. O banco determinaria a oferta

de crédito em condição de racionamento, definido pelo montante no qual a demanda por

empréstimos correspondente a taxa de juros ótima excederia a oferta de fundos, isto porque

caso elevasse a taxa de juros acima desse valor ocorreria um decréscimo do retorno do

banco por dólar emprestado.

2.3.c) Incerteza

O aspecto central para a escola pós-keynesiana no que se refere a sua crítica à HME poderia

ser resumida na seguinte questão: as informações disponíveis seriam suficientes para que os

preços refletissem os fundamentos? A hipótese da HME criticada por essa escola é a de

ausência de incerteza.

De acordo com a HME, todos os agentes teriam acesso às informações, como também, as

informações passadas e correntes disponíveis seriam informações suficientes para que os

agentes tomassem a decisão correta. No âmbito da escola pós-keynesiana, a hipótese de

ausência de incerteza sustentada pela HME não refletiria as condições sobre as quais os

agentes deveriam tomar suas decisões, conforme analisa Davidson (1994):

18 Esses tipos caracterizam, respectivamente, aqueles devedores que implementam projetos arriscados com baixa probabilidade de sucesso mas com elevadas taxas de retornos se bem sucedidos; os que superestimam a probabilidade de sucesso do projeto e o seu retorno no caso de serem bem sucedidos; e, por último, os que não têm a intenção de pagar, e, portanto, estão indiferentes à taxa de juros acordada (Stiglitz e Weiss, 1988).

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“The economic system is moving through calendar time from an irrevocable past to an uncertain

and statistically unpredictable future. Past and present market data do not necessarily provide

correct signals regarding future outcomes. This means, in the language of statisticians, that

economic data are not necessarily generated by a stochastic ergodic process. Hicks has stated

this condition as ‘People know that they just don’t know’ (Davidson, 1994, p. 17).

Sob esse prisma, então, a HME estaria desconsiderando que, em especial quando se trata de

promessas de pagamentos futuros, os agentes não disporiam do conjunto de informações

relevantes que permitiria definir as condições de realização da transação financeira em

questão. A hipótese de incerteza não probabilística diferencia-se, assim, da hipótese de

assimetria, porque não corresponde a uma falha no acesso a informação, ou seja, na

extensão em que a informação está disponível. A hipótese de incerteza implica que o

desconhecimento ocorre não somente para uma das partes, mas para ambos os lados da

operação financeira.

Em contraste com o enfoque da HME, Keynes argumenta que o mercado de ações encerra

um dilema crucial cujos efeitos repercutem sobremaneira sobre o seu nível de eficiência.

Keynes considera, como ponto de partida, “a extrema precariedade da base de informações

sobre a qual nossas estimativas de retorno prospectivo são realizadas” (Keynes, CW vii.

149). Sendo, assim, a constituição dos mercados de ações reduz o risco do investimento

quando permite a transferência dos ativos entre os agentes, dando liquidez aos investimentos

já realizados, que caso contrário poderiam ser considerados irrevogáveis, e, portanto, pouco

atrativos. Por outro, ao facultar a reavaliação diária do valor dos investimentos realizados,

tais mercados permitem com que os preços desses ativos sofram a influência de fatores e

mudanças de curto prazo e afastem-se das considerações relativas às perspectivas de retorno

de longo prazo do investimento real e, portanto, dos fundamentos. Tais variações criam

instabilidade nesses mercados e podem, assim, prejudicar os novos investimentos. Dessa

forma, Keynes argumenta, no capítulo 12 da Teoria Geral:

“Com a separação entre a propriedade e a gestão que prevalece atualmente e com o

desenvolvimento de mercados financeiros organizados, surgiu um novo fator de grande

importância que, às vezes, facilita o investimento, mas que, às vezes, contribui sobremaneira par

agravar a instabilidade do sistema. Na ausência de Bolsas de valores não há motivo para se

procurar, com freqüência, reavaliar os investimentos que fazemos. Mas a Bolsa de valores

reavalia, todos os dias, os investimentos e estas reavaliações proporcionam a oportunidade

freqüente a cada indivíduo (embora isto não ocorra para a comunidade como um todo) de rever

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suas aplicações. [...] Todavia, as reavaliações diárias da bolsa de valores, embora se destinem,

principalmente, a facilitar a transferência de investimentos já realizados entre indivíduos,

exercem, inevitavelmente, uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente.

[...] Destarte, certa categorias de investimento são reguladas pela expectativa média dos que

negociam na bolsa de valores, tal como se manifesta no preço das ações, em vez de expectativas

genuínas do empresário profissional” (Keynes, 1982, p.126).

Tendo em vista a base precária de conhecimento de que dispõe os agentes, suas avaliações

são guiadas por uma convenção que consiste basicamente em “supor que a situação

existente dos negócios continuará por tempo indefinido, a não ser que tenhamos razões

concretas para esperar uma mudança” (Keynes, 1982, p.126). Esclarece, ainda, Keynes:

“Efetivamente, estamos supondo que a avaliação do mercado existente, seja qual for a maneira

que a ela se chegou, é singularmente correta em relação ao nosso conhecimento atual dos fatos

que influirão sobre a renda do investimento, e só mudarão na proporção em que variar o dito

conhecimento, embora no plano filosófico essa avaliação não possa ser univocamente correta,

uma vez que o nosso conhecimento atual não nos fornece as bases suficientes para uma

esperança matematicamente calculada. De fato, nas avaliações do mercado intervém toda a

espécie de considerações que são de modo algum relevantes para a renda esperada” (Keynes,

1982, p.127).

Dessa forma, “... o método convencional de cálculo (...) será compatível como um

considerável grau de continuidade e estabilidade em nossos negócios, enquanto pudermos

confiar na continuação do raciocínio” (Keynes, 1982, p.127) (Grifo do autor). No entanto,

uma convenção assim formulada possui bases reconhecidamente frágeis. Tal fragilidade

pode, ainda, agravar-se pela influência sobre os preços de outros fatores como o efeito

desproporcional que flutuações de lucros no curto prazo podem ocasionar, ou pelas

variações excessivas de opiniões em decorrência das notícias correntes, bem como pela

atuação especulativa dos investidores profissionais de mercado que consiste, muitas vezes,

em “prever mudanças de curto prazo com certa antecedência em relação ao público em

geral” ao invés de “fazer previsões abalizadas a longo prazo sobre a renda provável de um

investimento ao longo de sua vida” (Keynes, 1982, p.128).

Adicionalmente, em contraposição ao enfoque apresentado pela HME, Glickman (1994)

ressalta que as informações divulgadas ao mercado devem ser analisadas e interpretadas

pelos agentes detentores de títulos antes de originar algum tipo de resposta:

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“Efficient markets theorists present an image of information as something that exists objectively

and is ready for use. However, in themselves events are just isolated occurrences. They do not

come ready packaged as ‘information’. Before they can possibly become such, we must first

understand them in some way and register them as relevant to our concerns. We must interpret

them” (Glickman, p. 325, 1994) (Grifo do autor).

Do fato de que as decisões são tomadas de forma atomizada pelos diferentes participantes de

mercado líquidos sob incerteza não-probabilística, resulta que suas interpretações deverão

considerar não somente o seu julgamento pessoal, ou seja, como interpretam

individualmente uma determinada ocorrência ou evento, mas, também, em que extensão a

visão dos demais participantes poderá diferenciar-se da sua. Em decorrência, os eventos

divulgados podem estar sujeitos a pelo menos dois níveis de interpretação: como

potencialmente relevantes para a compreensão das condições inerentes à realidade e como

sugestivos de mudanças futuras no comportamento dos participantes do mercado

(Glickman,1994).

Tal possibilidade não parece ser considerada pela HME, que estaria, então, supondo que

todos os participantes do mercado possuam expectativas homogêneas em relação às

implicações da informação disponível (Hendricsen e Vanbreda, 1999). Sob essas condições,

a direção na qual um evento ou informação conduzirá o mercado não exigiria dois níveis de

interpretação.

Dessa natureza dual da informação, destacada por Glickman, decorre que a resposta do

mercado a um determinado evento poderia resultar do somatório de reações individuais dos

agentes, cada um operando de acordo com seu entendimento de qual foi o significado dado

pelo conjunto dos participantes do mercado ao evento em questão. Essa situação não será

eficiente do ponto de vista do mercado, no sentido em que define a HME. Isto porque, nesse

caso, os preços não refletirão as condições econômicas subjacentes. Considerando o

conceito de eficiência de mercado como comportando dois aspectos, o primeiro relativo à

velocidade com a qual o mercado reage e o segundo relativo à adequação da reação, deduz-

se que a falha aqui ocorreria em relação ao último aspecto mencionado.

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Vê-se que o mercado serve à sua função básica, qual seja, encontrar o preço que equilibra a

oferta e a demanda dos ativos, isso, porém, não nos diz nada acerca de quais informações

estão refletidas no preço e nem qual será o próximo equilíbrio. Isto porque esse processo

será consistente com qualquer trajetória, incluindo aquelas que violem a HME (Findlay e

Williams, 2000-2001).

Dada a precariedade do conhecimento e a fragilidade das convenções, é possível explicar a

sustentação de bolhas ou corridas especulativas a partir da natureza dual da informação

ressaltada por Glickman, quando o comportamento de cada indivíduo resume-se a seguir o

comportamento da maioria, afastando-se dos prognósticos individuais possíveis que poderia

construir.

2.4 - Conclusão

De acordo com a HME, a disponibilização das informações e a rapidez com que são

absorvidas seriam condições suficientes para assegurar que o movimento de compra e venda

levasse os preços para o que seria considerado seu preço justo. Enquanto forma de proteção

ao investidor e correção dos valores em mercado, o mecanismo de “saída” estaria sujeito, e

ao mesmo tempo reforçaria, a eficiência da sinalização a ser efetuada pelos preços no

sentido defendido pela HME.

Cumpre salientar que, de acordo com a HME, como não existem corridas especulativas, a

“saída” é um evento individual e, por isso, um mecanismo que pode ser assegurado a cada

investidor. Contudo, considerando a possibilidade de ocorrência de um processo de “saída”

coletivo, tem-se que esse mecanismo não poderá se efetivar para todos.

Resulta dos argumentos apresentados pelas três escolas acima analisadas, que não seria

possível afirmar que os preços dos ativos transacionados em mercado reflitam e veiculem

necessariamente o que seria o valor das empresas subjacentes ou os supostos fundamentos

do ativo em questão.

Em resumo, as críticas consistem, basicamente, no entendimento de que: os agentes podem

agir de maneira irracional, os arbitradores de forma limitada, as informações disponíveis ao

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mercado podem se revelar assimétricas e, também, incompletas e precárias, sendo

suscetíveis a especulações de curto prazo e a um processo de interpretação pelo investidor,

que leva em consideração a sua expectativa acerca da avaliação dos demais agentes.

Sob essas circunstâncias, a hipótese de mercados eficientes não se sustentaria. Isto porque as

informações relevantes não se refletiriam de forma plena nos preços, seja porque as

informações estão disponíveis a todos, mas os agentes não as utilizam corretamente, seja

porque não estão, na realidade, disponíveis a todos os agentes, ou seja porque são

incompletas ou insuficientes, indistintamente.

O mecanismo de “saída” requer que os preços reflitam e veiculem as informações

relevantes. Diante das condições acima descritas, o mercado por si só seria insuficiente

como mecanismo disciplinador das transações financeiras, tanto como mecanismo de

proteção ao investidor, quanto como fator corretivo dos preços dos valores emitidos pelas

empresas.

Dessa forma, é possível justificar teoricamente que as transações financeiras que envolvem

os emissores e os detentores de títulos, apesar da existência de mercados secundários

líquidos para esses ativos, demandariam, também, monitoramento contínuo. Este será o

assunto do próximo capítulo, que analisará o monitoramento sobre as transações financeiras

na forma de títulos e as implicações decorrentes.

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Capítulo 3 – Monitoramento Privado e Regulação dos Mercados

3.1. – Introdução

Diante de um enfoque menos simplista do que o apresentado pela HME e, por conseguinte,

pela provável ineficiência do mecanismo de “saída”, é possível atribuir espaço considerável

a ser exercido pelo mecanismo de “voz”. O monitoramento contínuo sobre os contratos que

envolvem títulos com mercados secundários organizados seria uma forma de discipliná-los e

reduzir as incertezas neles presentes.

De acordo com Stiglitz (1988), os processos de seleção/classificação de risco de crédito e o

monitoramento exercido pelas instituições bancárias seriam respostas ao problema de

assimetria de informações.

Jensen and Meckling (1976), assim como Stiglitz, associam o monitoramento como

resposta aos problemas de assimetria no âmbito das relações acionistas/administradores, e

definem os custos de agência como se compondo de três elementos: os custos de

monitoramento, os custos de prover garantias (bonding costs) e a perda nos resultados da

empresa que decorrem do esforço insuficiente promovido pelo administrador.

Ressalta Stiglitz que, no caso de ações, a atividade de acompanhamento e verificação do

cumprimento do contrato é ainda mais complexa. Isto porque, diferentemente do crédito

bancário onde estão determinadas parcelas fixas de pagamento, os pagamentos oriundos dos

títulos de capital dependem dos lucros auferidos pela empresa, e estes, por sua vez, podem

ser manipulados (Stiglitz, 2003). Cabe enfatizar, ainda, que além da vantagem informacional

do administrador com relação aos acionistas, destacada por Stiglitz, adiciona-se a posição de

poder do acionista controlador frente aos acionistas minoritários.

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3.2 – O Monitoramento dos Acionistas sobre as Empresas - Instrumentos e

Vulnerabilidades

3.2.1 - O monitoramento dos investidores sobre as empresas

O exercício do monitoramento pelos agentes privados sobre os títulos de capital e de dívida

emitidos pelas empresas sugere, então, que o mecanismo de “saída” tem seus limites como

forma de pressão e defesa dos ofertantes de recursos contra possíveis prejuízos. Dessa

forma, poderia ser possível compreender o mecanismo de “voz” como mecanismo adicional

de proteção utilizado pelos detentores de ativos com mercados secundários organizados.

O monitoramento a ser exercido por parte dos agentes privados, no caso os acionistas, sobre

a empresa emissora pode consistir: 1) no monitoramento ativo e contínuo pelos detentores

de grandes blocos de ações (na figura de investidores pessoa física possuidores de grandes

riquezas, instituições financeiras, investidores institucionais etc); 2) na eleição, delegação e

concentração do controle no Conselho de Administração (Board of Directors) que atuariam

enquanto representantes dos interesses dos acionistas, e a quem o CEO19 deverá prestar

contas; 3) em caso de situações extremas, na concentração do direito de voto por procuração

(proxy voting constests) ou nas operações de aquisições hostis (hostile takeover),

deslanchadas por raiders da empresa, ambos constituindo-se como mecanismos rápidos e

temporários de concentração de voto ou de propriedade, de maneira a resolver situações de

crise, substituir administradores ineficientes ou tomar decisões estratégicas.

Adicionalmente, observam-se os contratos de compensações aos executivos que visam

prover incentivos a fim de reduzir o conflito de interesses e a definição clara dos deveres

fiduciários atribuídos ao CEO, juntamente com os processos judiciais20 que visam,

19 CEO = Chief Executive Officer denominação em inglês para o cargo executivo mais importante de uma empresa. 20 Eizirik destaca os fatores que permitem compreender porque que esse tipo de processo revelou-se eficiente nos Estados Unidos: “A prática norte-americana permite a atuação de advogados especializados em mercado de capitais como uma espécie de empresários no negócio de promoverem ações judiciais contra aqueles que violam a lei. Isso é possível principalmente porque as class suits permitem ao advogado propor uma ação em favor não só de seu cliente, mas também de um grande número de clientes na mesma situação, os quais, entretanto, não procuraram advogado. Como os honorários do advogado serão fixados com base no montante de dinheiro que ele conseguir recuperar para todos os acionistas da mesma classe, isto constitui um incentivo bastante grande para a sua atuação” (Eizirik,1977. p.87).

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respectivamente, bloquear decisões nocivas aos interesses dos acionistas ou buscar

compensação para os prejuízos ocasionados por decisões passadas.

Os acionistas que detêm parcela expressiva do capital são capazes, em princípio, de eleger

membros do conselho de diretores que representarão seus interesses. Se tiverem a maioria

dos conselheiros podem demitir ou contratar o administrador, podem impedir a ratificação

de decisões que julguem desfavoráveis, etc. No caso dos acionistas controladores da

empresa, há especial interesse nos benefícios atribuídos ao direito de controle, dentre eles o

poder que exerce de monitoramento sobre os administradores das empresas21. No entanto,

esse poder poderá ser exercido a favor da companhia ou em defesa de benefícios pessoais.

Exatamente por isso as leis societárias costumam impor limites a esse poder para que não

haja abusos.

Dessa forma, a concentração do capital em grandes acionistas permite o exercício do

monitoramento sobre o administrador, mas trazem duas dificuldades adicionais: a

possibilidade de conluio com o administrador, em detrimento do acionista minoritário, e a

redução da liquidez no mercado secundário (Becht et all, 2002, p. 6).

Num sentido mais geral, o dilema poderia traduzir-se em como exercer um monitoramento

efetivo sobre a empresa de maneira a, por um lado, controlar o poder discricionário do

administrador, ou seja, dos executivos da empresa (management board), e, por outro,

garantir proteção aos direitos do acionista minoritário.

A questão crucial reside no fato de que os acionistas minoritários têm dificuldade de exercer

a atividade de monitoramento sobre a empresa de forma efetiva. Primeiramente, devido à

pulverização acionária, que enfraquece seu poder de controle e decisão. Neste ponto vale

mais uma vez fazer um paralelo com a utilização desse mecanismo no âmbito do mercado

de bens. Conforme ressalta Hirschman (1970):

“Voice is most likely to function as an important mechanism in markets with few buyers or

where a few buyers account for an important proportion of total sales, both because it is easier for

21 Uma série de decisões tomadas no interior das firmas como as escolhas de projetos, a contratação de pessoal e decisões de cunho mais operacionais estarão influindo nos resultados da companhia. Em grande parte, esses resultados dependem de quem tem o poder de tomá-las e com que objetivos, se para elevar a eficiência da empresa ou para obter benefícios privados.

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few buyers than for many to combine for collective action and simply because each one may

have much at stake and wield considerable power even in isolation” (1970, p41).

Em segundo lugar, existe também o problema do caroneiro (free-rider), que consiste no

comportamento no qual o investidor espera que os outros estejam monitorando por ele e que

decorre do fato de que os custos incorridos por quem monitora não seriam distribuídos mas

os benefícios decorrentes desta atividade sim. O monitoramento, como ressaltam alguns

autores, poderia ser entendido como um bem público, de forma que os custos serão

assumidos por quem exerceu a atividade, mas os benefícios que produzisse seriam

apropriados por todos os investidores, acarretando um desestímulo no monitoramento por

parte desses.

Com relação ao exercício do direito de voto na assembléia de acionistas, órgão maior de

deliberação da empresa, em tese, também existiriam dificuldades dos acionistas expressarem

diretamente seus interesses e exercer o controle sobre os executivos das empresas. Isto se

deve ao fato de que, devido às assimetrias de informação, o acionista sempre incorreria em

algum custo associado ao esforço de obter as informações e analisar a competência dos

executivos. Este custo desestimularia o exercício do voto de maneira “inteligente”, porque

seria comparado com um retorno relativamente negligível, dado que função da participação

do acionista no capital de empresa (Stiglitz, 1985, p.136). Isoladamente, os acionistas

poderiam, também, duvidar de sua capacidade de realmente interferir no rumo dos

acontecimentos e, por outro lado, iniciativas que visassem promover e organizar ações

coletivas, por exemplo, por meio de voto por procuração, tenderiam a apresentar um custo

elevado22.

Adicionalmente, em decorrência da falta de especialização dos acionistas e da duplicação de

esforços presentes na atividade de monitoramento, esta tende a ser excessivamente

complexa ou demasiadamente cara para os investidores individuais que detêm uma parcela

pouco expressiva do capital.

22 Para um investidor de pequeno porte as contestações que se viabilizam por meio da concentração de votos na assembléia de acionistas obtida mediante a reunião de procurações são um mecanismo pouco utilizado, devido aos custos para operacionalizar tal instrumento (Allen and Gale,2000; Chio and Fisch, 2003).

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Então, comparativamente, quanto mais pulverizada a estrutura de capital da empresa menor

tende ser o monitoramento a ser exercido diretamente pelo acionista e, por conseguinte,

maior será o poder discricionário do administrador. Allen and Gale (2000) descrevem os

efeitos de diferentes graus de concentração de capital sobre o monitoramento:

“In the extreme case, one person or a single family owns the firm, and there are significant

incentives to maximize its value. At the other extreme, shares are held by a large number of people,

with no single person holding a large stake; in this case nobody has no incentive to monitor the

management and ensure they are running the firm in shareholders’ interests. In an intermediate

case, one or more shareholders own a large stake, and many small shareholders have a few shares.

On this situation, the large shareholder may have an incentive to monitor the firm’s management

and ensure they maximize share value” (Allen and Gale, 2000, p. 102).

O monitoramento sobre o CEO poderia ser exercido indiretamente, no âmbito interno da

empresa, através dos que deveriam atuar enquanto representantes/intermediários dos

acionistas - o Conselho de Administração (board of directors), ao exercerem sua função de

controlar os executivos (management board). No entanto, a eficácia desse instrumento

dependeria, em grande medida, do grau de independência que esses conselheiros possuam

frente aos diretores da companhia. A situação ideal seria aquela na qual fosse possível ter

um conselho com relativo conhecimento acerca dos negócios da companhia, porém,

independente com relação à diretoria. Contudo, nem sempre isso ocorre23.

3.2.2 - O papel das instituições intermediárias

Diante das condições acima mencionadas é possível compreender a existência de um aparato

institucional complexo e sofisticado no âmbito dos mercados de capitais. Esses mercados

contam com uma série de instituições e agentes, chamados por alguns autores de

“intermediários”, cujas funções consistem em reduzir o custo de informação, ao

“intermediar informações”, e o custo de monitoramento, ao auxiliar os investidores a

atuarem de forma mais ativa e mais embasada (Choi and Fisch, 2003). São estes,

fundamentalmente: os analistas de investimento, os auditores independentes, os advogados e

23 De acordo, por exemplo, com algumas evidencias encontradas para vários países, verifica-se que: no Japão o CEO tem enorme poder de indicar os conselheiros, na Alemanha cargos executivos participam do Supervisory Board, nos Estados Unidos estudos empíricos demonstrariam certa fraqueza dos conselheiros em disciplinar os diretores. Ver discussão Allen and Gale, 2000, p.93 a 96.

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instituições que fornecem serviços relacionados à organização de contestações por meio da

reunião de procurações ou acompanhamento e consultoria relacionada ao voto nas

assembléias etc. Podemos incluir, também, ao considerar sua função informacional, os

bancos de investimento24. A atuação dessas instituições e agentes, como será discutida, não

está, porém, destituída de vulnerabilidades, e, na verdade, também não está a atividade do

regulador.

No caso do analista de investimento, sua função é reunir, avaliar e sintetizar as informações

e, ao final, prover o resultado de sua pesquisa e as recomendações para o mercado. A

atuação do analista permitiria que os investidores utilizassem o mecanismo de saída, na

medida em que as informações oferecidas por ele permitiriam ao investidor ajustar o preço

pelo qual estaria disposto a transacionar o título.

Vale destacar, porém, que a atuação dos analistas que proveriam as informações diretamente

ao mercado (sell-side analysts), em oposição àqueles que provêm informações a uma

instituição contratante, em geral, investidores institucionais (buy-side analysts), estaria

fortemente condicionada pelas dificuldades originadas da qualidade de bem público

associada à informação. Essas dificuldades decorrem do problema de apropriação, visto que

a informação não se esgota quando utilizada, ou seja, a produção e transferência da

informação não eliminam a possibilidade de que seja repassada novamente. Por conseguinte,

os investidores não pagantes terão acesso direta ou indiretamente aos resultados da pesquisa

realizada pelo analista (o problema do caroneiro - free-riding), e, portanto, os pagantes não

se beneficiariam plenamente do uso dessas informações. Dessa forma, o analista não

conseguiria vender a outros investidores os resultados de sua pesquisa, sendo obrigado a

cobrar um preço mais caro para os primeiros que o utilizem antes que se dissemine. Os

analistas tenderiam, por isso, a se focar em ações bem capitalizadas com um grande número

de compradores potenciais ou disponibilizariam suas pesquisas apenas a grandes

investidores institucionais que estariam dispostos a pagar elevadas comissões e não

disseminariam a informação para o público. Tratando-se do bem “informação”, existe,

ainda, o problema de fidedignidade, que decorre da dificuldade do comprador se assegurar

de que o produto vendido é, de fato, o produto que deseja.

24 Rajan e Zingales (1995) ressaltam o papel das entidades auto-reguladoras (como as bolsas de valores), as agencias de avaliação de risco e os auditores independentes no sentido de reduzir o custo de enforcement.

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Tais problemas, então, limitariam a atuação de analistas que não estivessem associados a

outras instituições financeiras (muitas vezes chamados de analistas independentes). Quando

esses agentes se associam a outras instituições financeiras torna-se possível o financiamento

de suas pesquisas por intermédio da transferência de recursos, ou subsídios, devido aos

efeitos nos negócios dessas instituições promovidos pela atividade do analista25. A esse

respeito afirmam Choi and Fisch (2003): “Evidence suggest that financial services firms

routinely use analysts coverage as a carrot (or stick) to induce issuers to hire the

intermediary for investment banking services” (Choi and Fisch, 2003, p. 288).

No caso dos serviços do analista, quem está pagando é a empresa emissora, ou seja, em

última instância, são todos os acionistas, o que evita o problema do caroneiro. A dificuldade,

porém, reside no fato de que embora os recursos sejam dos acionistas, quem tem o controle

dos mesmos são os administradores da empresa, cujos objetivos podem estar em contradição

com o objetivo de maximizar a capacidade dos investidores de avaliar a companhia. Há

neste caso uma situação potencial de conflito de interesse. A função do analista deveria ser

permitir aos acionistas e investidores terem uma avaliação correta acerca da situação da

empresa. Porém, o analista é contratado pelos administradores da companhia, cujo interesse

pode ser maximizar suas compensações ou sua reputação, por intermédio de elevados níveis

de otimismo acerca da empresa. Se assim for, a atuação do analista consistirá mais em uma

forma de vender os títulos da empresa do que em prover uma avaliação objetiva acerca da

mesma.

Já os auditores teriam a função de revisar e certificar as demonstrações financeiras da

empresa, de forma a garantir que as informações disponibilizadas sejam fidedignas. As

informações de balanço das empresas, que estão dentre o conjunto de informações

relevantes disseminadas ao mercado, representam uma estimativa da situação patrimonial e

financeira das empresas e enquanto tal pode apresentar falhas importantes. Os

procedimentos contábeis que resultam na configuração do balanço podem estar sendo mal

utilizados, seja por falhas de legislação, ou por dificuldades que são inerentes ao próprio

objeto ou operação a ser contabilizada, ou ainda, por interesse de constituir fraude26. Em

25 Com efeito, antes da desregulamentação financeira em 1975, era comum, nos Estados Unidos, a associação de analistas de investimento com as corretoras, sendo posteriormente mais comum a associação com os bancos de investimento. 26 Relativamente aos três fatores citados que poderiam distorcer as informações disponibilizadas alguns exemplos merecem ser citados.

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resumo, as informações podem ser em si uma fonte de problemas, muitas vezes de difícil

identificação pelo acionista, o que revela a importância da atividade do auditor.

Os serviços de auditoria são pagos pela empresa emissora sendo uma forma, portanto, de

evitar o problema do caroneiro. Contudo, da mesma forma que no caso do analista, o

potencial para o conflito de interesse reside no fato de que os administradores detêm um

controle substancial sobre a escolha do auditor, podendo, então, escolher aquele que atuará

de uma forma pró-administração. Pode, ainda, se dispor a contratar outros serviços da

instituição financeira, de banco de investimento, de consultoria ou de analista de

investimento, por exemplo, o que pode servir como um poder de negociação sobre a mesma.

No caso em que os auditores contratarem serviços de consultoria com a empresa a ser

auditada, ocorre um conflito de interesse potencial, na medida em que estariam auditando

operações que foram estruturadas no âmbito de uma mesma instituição financeira, perdendo

a necessária independência.

Os investidores estariam fracamente posicionados para disciplinarem os auditores. O

mecanismo de “saída” seria acionado somente quando os problemas virem à tona, o que

poderia demorar muito tempo.

Os bancos de investimento também exercem um papel em relação ao aspecto informacional.

Isto porque os efeitos dos seus serviços, quando promovem a realização de uma oferta

pública no mercado primário, projetam-se além das responsabilidades que têm para com a

empresa contratante. Como cabe a eles uma re-análise dos dados que se tornarão públicos,

na verdade, estão dando seu aval à operação de colocação, são assim co-responsáveis

A utilização de empresas de propósito específico pela Enron, decorrente de uma falha na legislação, permitiu que não fosse revelada ao público a real situação financeira dessa empresa. Como resultante da dificuldade relacionada à incerteza a respeito do fluxo incremental futuro resultante de um novo projeto ou investimento que esteja sendo implementado pela empresa existem diferentes critérios de contabilização possíveis. Num primeiro caso, a legislação pode recomendar a contabilização das despesas iniciais na forma de ativo no balanço (ativo diferido), quando fôr certo a obtenção de resultados positivos futuros, os quais, por sua vez, serão contabilizados enquanto receita nos resultados futuros da empresa. Uma segunda possibilidade, em caso de dúvida acerca dos resultados do novo investimento, seria a contabilização dos gastos com os novos projetos como despesa, como se fossem um gasto a fundo perdido, o que reduziria o resultado da empresa. A dificuldade em saber de antemão qual seria o melhor tratamento contábil reside na dificuldade de saber ao certo qual será o resultado futuro do novo projeto. No que se refere à fraude, destacam-se as falhas possíveis nos controles internos da empresa de forma a garantir a contabilização correta das operações financeiras e econômicas da empresa, o que constituiu uma das preocupações presentes na regulação americana conforme previsto na Lei Sarbanes Oxley.

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perante o público por garantir que as informações sejam verdadeiras, suficientes e corretas.

Atuam, dessa forma, quase como um auditor (Eizirick, 1984). Frente a tais condições, a

reputação dessas instituições tende a ser um fator importante para a confiança que os

investidores depositam nas informações que são disponibilizadas no decorrer desse processo

de colocação, e, portanto, no título que será emitido. Assim como no caso dos analistas e

auditores, sua atuação neste campo estará igualmente prejudicada se os serviços de banco de

investimento resultar de um comprometimento com uma posição pró-administração da

empresa em troca da venda de mais serviços financeiros a mesma.

Vê-se que, para o caso dos Bancos de Investimento, a situação de conflito com os interesses

dos investidores não ocorre somente no que diz respeito ao aspecto informacional. Quando

esses bancos atuam como subscritores, facilitando a colocação desses títulos no mercado

primário, a instituição financeira intermediária está se submetendo ao risco de mercado, ou

seja, ao risco de perda de capital, caso o preço dos títulos caiam relativamente ao valor pelo

qual foram obtidos, ou mesmo ao risco de liquidez, caso não consiga encontrar tomadores

para esses papéis. No entanto, verifica-se um processo pelo qual as instituições subscritoras,

exatamente com o objetivo de reduzir os riscos provenientes de uma possível queda no

preço dos títulos que viria a subscrever, poderiam forçar para baixo o preço de emissão dos

ativos, processo denominado em finanças como underpricing. Essas instituições também

poderiam atuar vendendo os títulos logo após a emissão, o que acarretaria uma pressão

baixista sobre os preços desses ativos. Este comportamento tende a ser mais comum nas

emissões primárias iniciais, visto que quando a companhia está abrindo seu capital

inexistem padrões concretos para a fixação dos preços de emissão27.

Tais fatos demonstram, portanto, a existência de um possível conflito de interesse entre as

instituições subscritoras, de um lado, e as empresas emissoras e seus acionistas, do outro,

visto que para as últimas o objetivo é justamente obter um preço de emissão tão alto quanto

possível, pois assim, estão obtendo mais recursos a um custo menor.

Além dos analistas, auditores e bancos de investimento observam-se, também, o

desenvolvimento de um conjunto de instituições que visam prover informações e assessoria,

auxiliando a atividade de monitoramento por parte dos acionistas, como: recomendações de

27 De acordo a experiência americana há evidências são de que tal procedimento ocorra (Stiglitz, 1985; Eizirik, 1983).

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voto, posicionamentos acerca das contestações mediante procurações, informações acerca de

governança etc 28. Os custos de tais serviços são, no entanto, reconhecidamente elevados.

Os investidores institucionais têm menos problemas associados às dificuldades de ações

coletivas, conforme ressaltam Choi and Fisch (2003): “an institutional investor with a

sizeable stake in a particular issuer should have, in theory, a much greater incentive than

dispersed individual shareholders to make expenditures that will increase the total value of

the company” (Choi and Fisch, 2003, p.279)

Ademais, como agregam recursos, podem prover serviços de informação, empregando seus

próprios analistas e possuem um maior potencial de centralizar o exercício de voto pelo

acionista. Dessa forma, os investidores institucionais podem exercer o monitoramento sobre

as empresas de maneira mais efetiva. Tem-se, ainda, que, para o acionista que detém

posições mais significativas do capital da empresa, como é, em geral, o caso dos

investidores institucionais, o mecanismo de saída pode não funcionar de forma eficiente,

porque a venda de uma posição significativa implicaria em uma desvalorização de suas

ações. Logo, o mecanismo de monitoramento pode, assim, assumir maior relevância29. Essas

instituições permitem, ao investidor, ainda, deter um portfólio diversificado com um volume

reduzido de recursos.

Contudo, os investidores institucionais possuem o seu próprio tipo de problema de agência

que decorre da atividade daqueles que devem atuar enquanto intermediários/gerenciadores

de recursos de terceiros. Os interesses dos administradores dos fundos podem divergir dos

interesses do fundo, e, portanto, de seus cotistas. Não obtêm esses administradores todos os

benefícios que resultariam de uma boa performance do fundo e são, também, classificados

de acordo com sua performance, o que em geral, privilegia os resultados de curto prazo,

concorrendo com os demais administradores, e, podem, inclusive, ser demitidos.

28 O ISS – Institutional Shareholder Services é, por exemplo, considerado o mais influente conselheiro independente para os investidores institucionais americanos em assuntos que serão objeto de votação nas asssembléias e de votações por procuração. 29 Com efeito, observou-se um enorme crescimento da participação desse segmento a partir da década de oitenta. Para as maiores empresas americanas de capital aberto 60% do capital em ações estão na mão dos investidores institucionais (Choi and Fisch, 2003).

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Há, ainda, a possibilidade de conflito de interesse dos administradores dos fundos com a

empresa emissora e, portanto, seus acionistas, caso ofereçam serviços diretamente à mesma,

na forma, por exemplo, de administração do fundo de pensão da companhia ou oferta de

serviços de banco de investimento, pelo qual evitariam desafiar os administradores da

empresa, a fim de manter seus contratos de serviços financeiros.

3.3 - Governança Corporativa

Mais recentemente, notadamente ao longo das últimas duas décadas, nota-se um

fortalecimento dos tópicos relacionados ao monitoramento exercido sobre as empresas pelos

acionistas e demais partes interessadas, prática conhecida como governança corporativa.

Assim, pode-se definir governança corporativa como: “o conjunto de práticas que tem por

finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes

interessada, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”

(Cartilha da CVM, 2002).

O exercício de governança pode ser analisado, na verdade, como um mecanismo de “voz”

que pode se estender a um espectro amplo de agentes e a um raio também amplo de atuação,

visto que define configurações de poder no interior da empresa.

Becht et all (2002) ressaltam que há uma analogia explícita entre o voto político e o voto

corporativo quando da origem da Lei das S. A. americana: “The term ‘corporate

governance’ derives from an analogy between the government of cities, nations or states and

the governance of corporations” (Becht et all, 2002, p. 6).

Becht et all (2002) atribuem o aumento da importância dos tópicos relacionados à

governança corporativa ao longo dos últimos 20 anos a fatores como: a onda de

privatizações, a reforma dos fundos de previdência e o crescimento da poupança privada, a

onda de takeover ocorrida nos anos 80, a desregulamentação e a integração dos mercados de

capitais, a crise asiática ocorrida em 1997/98, que chamou a atenção para as questões de

governança corporativa no âmbito dos mercados emergentes.

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3.4 - As Operações de Aquisição Hostis e a Governança Externa à Firma

As operações de aquisição hostis (hostile takeover) consistem na aquisição do controle da

empresa por grupo ou bloco de controle diverso (os chamados raiders), que são muitas

vezes uma outra empresa, sem a participação, presença e/ou concordância do administrador

da empresa alvo.

Essas operações seriam consideradas como um mecanismo eficiente de mercado, capaz de

oferecer uma alternativa para reduzir o excesso de poder discricionário por parte do

administrador. Isto porque elas atuariam como um mecanismo rápido e temporário de

concentração de propriedade que seria utilizado em caso de situações extremas, de maneira a

resolver situações de crise, substituir administradores ineficientes ou tomar decisões

estratégicas30.

Verifica-se, porém, que podem existir impedimentos objetivos a essas operações (managers

entrenchment). Dentre os fatores impeditivos destacam-se os mecanismos que exercem o

papel de dificultar ou impedir, muitas vezes de forma intencional, o desenvolvimento dessas

operações. Como exemplos têm-se: a emissão de direitos de subscrição de ações para que os

acionistas comprem ações da companhia a um preço insignificante, de maneira a elevar

rapidamente o capital da empresa e dificultar a aquisição do controle (poison pills), e a

eleição dos conselheiros de forma fracionada de maneira que leve tempo até que o

adquirente possa exercer efetivamente o controle (Allen and Galle, 2000). Nos EUA, por

exemplo, diferentemente do Reino Unido, o Conselho de Administração, em geral, deve

aprovar a mudança de controle31. Para países como Alemanha e Japão, padrões complexos

de propriedade do capital vigentes nas companhias controladoras dificultariam essas

operações porque impediriam a aquisição do número necessário de ações para a obtenção do

controle.

Por outro lado, não parece haver uma concordância acerca da funcionalidade dessas

operações. Becht et all (2002), Allen and Gale (2000) e Chapman (1999) resenham um

30 Esse mecanismo consistiria, segundo alguns autores, numa governança externa à firma, como contraponto aos mecanismos que seriam relativos à governança interna, e fomariam juntamente com as operações de aquisição amigáveis (tender take over) e as disputas na assembléia de acionistas proporcionada pela concentração do direito de voto por procuração (proxy voting constests), o chamado mercado de controle corporativo. 31 Ver Becht et all, 2002.

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conjunto de exemplos ou trabalhos empíricos que exemplificam ou estudam as dificuldades

para o funcionamento eficaz desse instrumento de governança no âmbito dos sistemas

americano e britânico, países onde essas operações ocorrem com mais frequência32.

Alguns dos resultados apurados a respeito dos impactos dessas operações sobre a

produtividade da empresa adquirida são ambíguos. Nesse ponto, citam-se inclusive as

dificuldades que podem se originar do próprio processo de financiamento dessas operações,

que muitas vezes são viabilizados com o comprometimento dos resultados financeiros

futuros da empresa, em pagamento das dívidas contraídas no processo de aquisição.

Por outro lado, os trabalhos que concluem por resultados positivos advindos desse processo

também não são conclusivos, seja porque apontam no sentido de que os resultados poderiam

decorrer de uma sub-avaliação ex-ante da empresa que foi adquirida, ou porque levantam a

possibilidade de uma transferência de valor em prejuízo de outros constituintes da empresa,

como os empregados, os fundos de pensão ou demais devedores, através da violação de

contratos implícitos anteriormente estabelecidos.

Ressalta, assim, Stiglitz: “Takeovers and other market mechanisms provide only a limited

discipline for managers and no markets mechanism can protect minority shareholders”

(Stiglitz, 1998, p.3)

Conclui-se que o monitoramento por parte dos acionistas apresenta vulnerabilidades, ou, em

outras palavras, é elevado o custo de transação para os agentes privados no que se refere aos

aspectos de monitoramento e verificação dos contratos.

3.5 - Papel da Regulação para o Mercado de Capitais

A hipótese da irrelevância dos custos de transação é uma das hipóteses assumidas pela

HME, que associam esses custos à viabilização do encontro das pontas vendedoras e

compradoras de um determinado mercado (os custos de corretagem, por exemplo, ou

emolumentos da Bolsa), e supõe serem, em grande medida, reduzidos pela organização

32 No campo teórico, Stiglitz (1985) e Allen and Gale (2000), sistematizam alguns dos problemas teóricos que envolveriam o próprio funcionamento e a constituição desse mercado: inconsistências que inviabilizariam o equilíbrio derivado do fato de que os acionistas procurariam pegar carona (free-rider) com os raiders (problema de free-rider entre acionistas e raiders) (Grossman and Hart, 1980) 32, a provável eliminação dos lucros devido a concorrência entre o raider inicial e os raiders potenciais (problema de free rider entre raiders).

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desses mercados. Contudo, deve-se considerar que custo de transação refere-se a todos os

custos incorridos para realização da transação e para sua validação, englobando, então, os

custos de pesquisa, de negociação e contratação, de monitoramento, de fazer cumprir, de

verificação, e de execução dos mecanismos de compensação, em caso de não

cumprimento33. No caso dos contratos financeiros em geral, como já comentado, esses

custos não são negligíveis. Em se tratando do mercado de ações, em decorrência dos

aspectos anteriormente analisados, são especialmente elevados os custos de verificação e

monitoramento desses contratos.

As dificuldades verificadas ocorrem tanto para o monitoramento direto a ser exercido pelo

acionista ou por seus supostos representantes, o Conselho de Administração, quanto com

relação aos intermediários ou auxiliares, que seriam agentes ou instituições externos a

empresa, cujo papel seria justamente reduzir as assimetrias de informação e o custo de

monitoramento.

Especialmente frágil é a posição do investidor individual e, em muitos casos, do acionista

minoritário (o acionista não controlador). Para ambos, tende a haver um desestímulo ao

monitoramento, devido a fatores como a duplicação de custos, o problema do caroneiro, o

problema de ação coletiva, a falta de especialização, existindo, ainda, no caso de utilizarem

o serviço do intermediário, as dificuldades de identificar adequadamente as situações que

envolvem conflito de interesse. Em particular, os acionistas minoritários, sejam investidores

individuais ou não, estarão expostos a situações de abuso de controle por parte do

controlador.

Diante dessas condições, ao governo pode ser atribuído um papel importante nesses

mercados, no sentido de regular, acompanhar e fiscalizar as companhias e proteger o

investidor. Para isto, são válidas as definições utilizadas por LLewelyn: regulação como o

estabelecimento de regras específicas de comportamento, e monitoração correspondendo ao

acompanhamento do cumprimento das regras.

Nesse sentido, pode-se destacar como medidas de Governo a serem implementadas com

objetivo de proteger o investidor e monitorar as companhias emissoras:

33 Para uma descrição detalha dos custos de transação ver Kreps, D. (1990). A Course in Microeconomics Theory. New York: Harvest Wheasheaf, Capítulo 12.

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I - formação de órgão regulador especializado que:

1) desenvolva regras de atuação e comportamento para os agentes atuantes nesse mercado,e

que, em especial, estabeleça:

a) exigências mínimas de disponibilização de informações que permitam aos agentes

obter as informações relevantes de forma padronizada, objetivando reduzir as assimetrias;

b) instrumentos que permitam coibir a prática do uso de informação privilegiada;

c) padrões de atuação e comportamento, quanto à integridade e a honestidade das

firmas e de seus empregados, e quanto à competência das instituições ou agentes que

ofereçam serviços financeiros, objetivando estabelecer padrões mínimos de atuação e

comportamento e reduzindo, assim, os problemas de seleção adversa;

2) realize um monitoramento sobre as empresas e demais agentes atuantes nesse mercado e

exerça um poder de enforcement derivado de seu poder de agência reguladora;

II) formulação de leis:

a) que protejam os acionistas minoritários contra os acionistas controladores;

b) que protejam os acionistas contra fraude;

c) que determinem uma padronização dos procedimentos contábeis.

Cabe destacar, ainda, como vantagens importantes associadas à atuação do órgão regulador,

a redução da duplicação de custos ocorrida na atividade de monitoramento realizada por

parte do investidor e as vantagens de economias de escala associadas à expertise acumulada

e ao desenvolvimento de sistemas próprios de monitoração por este órgão (Llewellyn,

1999).

Veja-se que o recurso, por parte dos investidores, a processos judiciais, no caso de sentirem-

se lesados, muitas vezes não substitui o papel da agência reguladora, já que processos

tendem a ter custos elevados, seus resultados são incertos e são usualmente demorados

(Llewellyn, 1999).

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Capítulo 4 - A origem do mercado de capitais nos Estados Unidos e o desenvolvimento da regulação 4.1 – O Papel Inicial dos Bancos de Investimento e da Bolsa de Nova York

Relativamente ao processo de formação do mercado de capitais nos EUA, Carosso (1970),

Calomiris & Ramirez (1996) e Coffee (2000) analisam o papel exercido pelos bancos de

investimento americanos na consolidação de um mercado de capitais líquido naquele país, a

partir do séc. XIX, num contexto onde vigorava, claramente, ausência de estruturas e de

instrumentos apropriados de regulação.

Ao final do séc. XIX, os significativos gastos iniciais necessários à construção de estradas

de ferro teriam dado origem às sociedades anônimas. A partir dos primeiros anos do séc.

XX, os fatores determinantes para o surgimento dessas sociedades eram: o caráter de

utilidade pública da atividade em questão e a quantidade de capital fixo necessário para

realização do empreendimento.

De acordo com Berle & Means (1932), a dissociação entre propriedade e controle

apresentara-se como uma característica fundamental da estrutura de capital das corporações

americanas, mais nitidamente a partir do séc. XX. Surgiria a partir daí duas outras

características que estariam associadas, de forma inevitável, à empresa de capital aberto

norte-americana: por um lado, o seu tamanho significativo, a partir da aglomeração de um

grande número de proprietários passivos, e, por outro, o mercado público de ações, que

viabilizava a oferta de recursos por parte desses proprietários34.

Ressaltam Berle & Means (1932), que somente teria sido possível contar, inicialmente, com

a participação significativa, enquanto acionistas, de indivíduos provenientes das classes mais

altas35. Nos períodos em que essas classes não puderam atuar enquanto demandantes de

ações, as empresas teriam promovido campanhas procurando angariar os clientes e

consumidores como seus acionistas. A formação de um mercado de pequenos investidores

34 Conforme citam Berle e Means (1932): “Dessa separação surgiram duas características quase tão típicas da empresa semi-pública quanto a própria separação - o tamanho e o mercado publico de ações’’ (Berle & Means, 1932, p.35). 35 Em 1916, mais de 57% de todos os dividendos das ações teria sido recebido pelos que declararam as 25 mil rendas mais elevadas, pelos dados do Imposto de Renda (Dados citados em Berle & Means, p.79, 1932).

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teria sido, no entanto, bem mais complexa do que poderia sugerir a análise desses autores.

Para compreendê-la é necessário analisar como se deu o desenvolvimento das atividades das

instituições financeiras na formação desse mercado.

A atividade de banco de investimento teve início com a colocação de grandes emissões de

títulos do governo por ocasião da Guerra Civil americana. Após a guerra, o desafio imposto

aos bancos num primeiro momento era convencer os investidores estrangeiros e americanos

de que valeria a pena investir em títulos de dívida emitidos pelas empresas ferroviárias.

A primeira experiência de colocação de bônus para uma dessas empresas, a Northen Pacific,

teria sido mal sucedida e causou a falência da Cooke & Co, principal banking house da

época, e desencadeou o pânico e a depressão de 1873 em Wall Street. Tal evento teria

demonstrado, dentre outras, as dificuldades de atrair o pequeno investidor que, por ocasião

da Guerra Civil americana, havia respondido aos apelos patrióticos da campanha de

colocação de títulos do governo (Carosso, 1970).

Após a falência da Cooke & Co, a liderança das atividades de banco de investimento passa

para os banqueiros internacionais cuja força iria residir, exatamente, em sua habilidade de

mobilizar grandes somas de recursos estrangeiros e domésticos e direcioná-los para a

construção e o aprimoramento das ferrovias americanas. Era necessário, então, redirecionar

a atividade de colocação de títulos, antes voltada para a colocação em massa da época da

guerra, para colocações que deveriam ser concentradas em emissões no exterior e na seleção

de clientela de grandes compradores americanos institucionais e individuais, ou seja, era

necessário atrair uma fatia mais sofisticada do mercado.

Para isso, um mecanismo importante encontrado, que foi entendido como uma inovação, foi

os bancos de investimento tomarem assento nos conselhos de administração das empresas

emissoras (Coffee, 2000)36. Dessa forma, os bancos de investimento, além de organizar,

36 Coffee (2000) descreve, assim, a atuação dos bancos de investimento nesse período:

“Foreign investors might buy debt and equity securities on the reputational capital of merchant bankers like J.P. Morgan, but this implied in turn that these agents had to develop a governance structure that enabled them to fulfill their representations to their clients that their investments were safe and sound. One means to the end was developed by J. P. Morgan& Co.: namely, placing a partner of the firm on the client’s board. Up until World War I, the American investment banking industry was extremely concentrated, and any flotation of more than $10 million invariably was underwritten by one of six firms, of which the largest was J.P Morgan & Co. Given their market power and the desires of distant investors for a “hands on” representative protecting their interests, it became common in the Unites States (but much less in the UK) for the investment banker to place one or more representatives on the issuer’s board. During the last two decades of the 19th Century, virtually every major US railroad developed close ties with one or more US investment banking firms,

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precificar e subscrever os títulos, atividades nas quais se utilizavam de sua reputação para

convencer os investidores de que possuíam informações seguras e positivas acerca da

empresa, também proporcionaram um monitoramento sobre a empresa emissora. A presença

desses bancos na administração da empresa teria, desse modo, proporcionado aos

investidores garantia acerca do valor futuro desses investimentos. Ressalta-se, também, o

fato de que protegeriam o público investidor contra pessoas ou grupos que pudessem

usurpar o controle da empresa, então pulverizado, sem o devido pagamento do prêmio de

controle 37 . Para os bancos, por outro lado, tal mecanismo proporcionava a possibilidade de

defender sua reputação.

Igualmente se observou, nesse período, por parte das companhias férreas, a prática de

utilizar repetidamente a mesma instituição financeira para colocar seus títulos, fortalecendo

a formação de relações estreitas dessa indústria com os bancos. Ao longo desses processos,

fortalecera-se o exercício da influencia dessas instituições sobre a política interna das

corporações a quem serviam, processo que se denominou de active investment banking.

A infra-estrutura financeira utilizada para a construção de ferrovias nos anos de 1870/1880

foi utilizada no início do Séc. XX para as necessidades financeiras de outros setores da

economia. Após o pânico de 1873, grandes corporações de outros setores da indústria

passaram também a demandar a atividade dos bancos de investimento com o intuito de

levantar recursos, muitas das quais empresas familiares que teriam se transformado em

empresas de capital aberto38. Em geral, as instituições financeiras líderes que atenderam as

corporações industriais promoveram transações que envolviam grande volume de recursos,

muitas vezes fusões ou conversão dos Trusts em companhias Holdings, que requeriam a

emissão de bônus ou ações preferenciais.

and the practice of partners from investment banks and officers of commercial banks going on the railroad’s board became institutionalized” (Coffee, p.30, 2000).

37 Para Coffee (2000), a separação entre controle e propriedade surge quando o mercado pode compensar os proprietários iniciais pela obtenção do controle pagando a eles o prêmio de controle em montante igual ou maior do que qualquer outra parte também interessada no controle pagaria. No caso dos EUA e do Reino Unido essa questão historicamente teria se traduzido numa questão próxima: como o público/mercado pode deter o controle e prevenir-se da usurpação por pessoas que pretendam obter o controle sem pagar o prêmio de controle? Para o papel exercido pelos bancos de investimento americanos nesse campo ver Coffee, 2000, p. 32 a 34. 38 Descreve, assim, Carosso (1970):

“Claffin´s success in reorganizing H. B. Claffin & Co. and selling a large part of his holdings led other businessmen to follow his example; during the early 1890´s a number of partnerships were capitalized as corporations, some of the important ones being Procter $ Gamble, P. Lorillard, and Westinghouse Electric” (Carosso, 1970,p.42).

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Para os bancos de investimento mais conservadores, as ações ordinárias emitidas pela

maioria das companhias industriais eram compreendidas como títulos especulativos.

Adicionalmente, existia por parte dos clientes certa relutância e falta de costume em deter

esses títulos. Em contraposição, as ações preferenciais gozavam de maior popularidade entre

emissores e investidores. Por parte dos investidores pesava o fato de que já possuíam maior

familiaridade com esses títulos, devidos às emissões das empresas férreas, e adicionalmente

proporcionavam uma maior garantia acerca do retorno que proporcionavam. Do ponto de

vista do emissor, pesava o fato de que, como, em geral, esses títulos não tinham direito a

voto, a emissão dessas ações proporcionava a possibilidade de obter recursos sem a perda do

controle.

Ao final dos séc. XIX e início do séc XX, os bancos de investimento começaram, então, a

participar mais ativamente dos processos de reestruturação das empresas, que antes eram

assumidas em maior escala pelos denominados promotores (promoters), corretores e

homens detentores de grandes fortunas, os quais formavam sindicatos para a distribuição

dos títulos das novas empresas. A participação mais ativa dos bancos de investimento se deu

mais nitidamente após a fusão que deu origem a Federal Steel Company, em 1898,

organizada por Morgan. Vários bancos comerciais se tornaram também bastante ativos

nessas operações, em especial, o National City Bank of New York.

A respeito do papel assumido pelas atividades de banco de investimento frente às

necessidades de recursos das grandes corporações americanas, ao final do séc. XIX,

descreve Carosso (1970):

“the country’s leading investment houses, reluctant earlier to underwrite such issues, now were

taking over the major responsibility for financing heavy industry and manufacturing, initiating

mergers and consolidations, distributing industrial bonds and preferred stocks, accepting

representations on the directorates of these corporations, and generally assuming the same

responsibilities for these companies that they did for railroad.

By the beginning of the twentieth century virtually all the principal railroads in the country and

many of the largest industrial corporations looked to the investment banker for their long-term

capital requirements” (Carosso, 1970, p.47) (grifo nosso).

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A distribuição ao público das grandes emissões se dava nos seguintes termos, conforme

também analisado por Carosso (1970):

“The number of private investment houses and commercial banks capable of meeting the

financials needs of these large borrowers was very small, at most no more than a dozen

institutions. Their services were eagerly solicited by a rapidly growing number of big businesses

dependent upon raising capital from the public (…) The reputation and influence of the leading

investment firms, such as J.P. Morgan, Kuhn, Loeb, and The First National Bank of New York,

rested upon their ability to distribute large quantities of securities by selling them to their

branches or correspondents abroad and to private and commercial banks, brokerage houses, and

trust and life insurance companies in the Unites States; such firms then resold the stocks or bonds

to the public or held them as investments” (Carosso, 1970, p.47).

As instituições envolvidas diretamente nas atividades de colocação de grandes emissões

dependiam, portanto, em grande medida, do suporte das demais instituições financeiras. A

fim de garantir essa assistência procuraram investir nessas instituições, obter representações

em suas diretorias ou adquirir o controle das mesmas.

A extensão do papel assumido pelos bancos de investimento até o período anterior aos anos

30 fica evidente na declaração proferida, em 1937, por W. Douglas, presidente da SEC

americana durante o período de constituição dessa entidade, para uma audiência que incluía,

praticamente, todos os banqueiros dos bancos de investimento mais importantes de Wall

Street daquele período:

“(T)he banker (should and will) restricted to underwriting or selling. Insofar as management

(and) formulation of industrial policies (…)The banker will be superseded. The financial power

which he has exercised in the past over such processes will pass into other hands” (W. Douglas,

Democracy and Finance 32, 41, 1940). (grifo nosso)

A Bolsa de Nova York (New York Securities Exchange – NYSE) teria provido, também, um

controle sobre a atuação de seus membros, além de definir critérios restritivos para as

empresas que desejavam listar ali as suas ações, exercendo, em certa medida, um

monitoramento sobre as empresas emissoras (Coffee, 2000). Estimava-se que para ser

listada na NYSE uma companhia deveria ser cinco vezes maior do que o exigido para

listagem na Bolsa de Londres (London Securities Exchange - LSE).

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A atuação da NYSE contrastava com a passividade presente na atuação das demais Bolsas

então existentes. Nesse sentido, fatores como a estrutura organizacional e a dinâmica

institucional desta Bolsa tiveram grande importância.

A NYSE detinha uma estrutura fechada e a admissão de novo membro dependia, portanto,

da obtenção do assento de algum membro. Essa Bolsa manteve, então, número constante de

participantes entre o período decorrido entre 1870 e 1905. Deste fato decorre a valorização

do assento na Bolsa e a caracterização dos membros como grandes firmas que ofereciam

uma gama diversificada de serviços financeiros, como a JPMorgan & Co, para as quais o

controle sobre as empresas que seriam ali listadas era uma forma de defender suas

reputações. O contraste era bem significativo se comparada com sua co-irmã a LSE, cujos

membros caracterizavam-se por um grande e crescente número de pequenas corretoras.

Adicionalmente, as comissões de corretagem na NYSE eram fixas desestimulando os

negócios de menor valor. Com um número pequeno e limitado de membros e elevado custo

para operações de menor vulto, a bolsa não era capaz de atender a todas as empresas que

teriam o interesse de serem ali listadas. Por conseguinte, teria optado, então, por limitar-se a

grandes volumes de negócios de maior qualidade, o que, por outro lado, era também uma

forma de limitar o risco de falência de seus membros.

A respeito do papel dos bancos de investimento e da NYSE, Coffee (2000), então, conclui:

“These twin developments - the development of a monitoring capacity by the NYSE and the

bonding mechanism first developed by US underwriters to attract foreign capital - constitute the

twin pillars that supported the development of a liquid equity securities market in the United

States. Such a public market arose far quicker in the Unites States than in the UK” (Coffee, p.39,

2000).

Os mecanismos analisados teriam sido particularmente importantes considerando que não

existia regulação e nem órgão regulador no âmbito federal. Na sua ausência era possível se

utilizar de arbitragens regulatórias, ou seja, as empresas podiam migrar para uma jurisdição

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estadual mais permissiva ou forçar emendas na lei que lhes dessem mais liberdade em

prejuízo do público investidor e havia, também, o risco de corromperem os juízes39.

Para o caso inglês, também alguns mecanismos extra mercado foram especialmente

importantes para o desenvolvimento do mercado de capitais na ausência de uma proteção

legal adequada ao pequeno acionista, a saber: as relações de confiança estabelecidas entre os

administradores das empresas e os investidores, assim como o papel da auto-regulação

exercida pela Bolsa de Londres (LSE), por motivos bem diferentes do que se observou com

respeito à atuação da NYSE. Nesse campo ressalta-se, em especial, o fato de que a LSE

centralizava praticamente todas as operações realizadas com títulos, incluindo mercado

primário e títulos públicos, e sempre exerceu sobre elas uma atividade de supervisão que era

aceita de forma voluntária pelo mercado e era facilitada pela concentração geográfica

significativa de suas atividades.

4.2 – Desenvolvimento do Mercado e Proteção ao Acionista – a Questão Legal e

Regulatória

No que se refere ao papel da regulação, a história de países desenvolvidos com experiências

bem sucedidas de desenvolvimento do mercado de capitais, o caso americano e inglês,

demonstra que foi possível o surgimento desses mercados apesar da ausência de estruturas

legais e regulatórias apropriadas. Nessa primeira fase, ao menos, para o caso americano, o

fator legal/regulatório não foi uma condição necessária, sugerindo que outros mecanismos

atuaram de forma a reduzir as incertezas desses contratos e proteger os investidores,

conforme acima discutido.

39 A batalha pelo controle da Erie Railroad, que teve seu início em 1860, oferece um exemplo concreto de alguns desses problemas. A luta pelo controle da ferrovia mobilizou dois grupos: Commodore Vanderbilt, de um lado, e Jay Gould e Daniel Drew, de outro. Os últimos, que eram conhecidos como os líderes da manipulação no mercado de ações naquele tempo, impediram o grupo adversário de comprar o controle da empresa ao promoverem uma operação de venda de bonds conversíveis em ações com um significativo desconto a seus aliados. Estes, por sua vez, ao converterem os bonds em ações diluiriam o poder de voto de Vanderbilt. Ambos os grupos utilizaram-se de ordens judiciais para tentarem fazer valer seus interesses. A corrupção teria sido o mecanismo de convencimento utilizado frente ao poder judiciário e ao final teria sido Gould, ao corromper um número suficiente de magistrados, quem teria feito aprovar lei que legitimava a tática utilizada por ele nesse caso (Coffee, 2000, p.28/29).

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Num sentido diverso, os trabalhos desenvolvidos pela escola legal finance40, a partir da

relação positiva encontrada entre o nível de desenvolvimento do mercado de capitais e o

nível de proteção dado ao acionista, para uma amostra de países num determinado período,

sugerem que uma regulamentação apropriada seria condição determinante para que esses

mercados se desenvolvessem. De acordo com esses estudos, a tradição legal do país, se

caracterizada como Civil Law ou Common Law41, determina o nível de proteção atribuído

ao acionista, e países que oferecem maior proteção legal ao acionista possuem um mercado

de capitais mais desenvolvido (maior relação capitalização bursátil/PIB, menor grau de

concentração, maior número de empresas de capital aberto, maior número de ofertas

públicas iniciais de ações - IPO etc.)42.

Cumpre ressaltar, no entanto, que a presença de estruturas legais adequadas como um fator

de sustentação dos mercados de capitais bem sucedidos existentes, como afirmariam os

indicadores de La Porta, não significa que esse seja um pré-requisito indispensável para a

formação desses mercados. A experiência histórica americana, como já anteriormente

analisado, sugere que esse não foi um requisito necessário na sua fase inicial de

desenvolvimento.

Adicionalmente, a evolução do mercado americano analisada na seção 4.1 corroboraria para

o entendimento de que o desenvolvimento da estrutura legal muitas vezes ocorreria

posteriormente às mudanças econômicas, e não o contrário. Dessa forma, afirma Coffee que:

“Viewed in retrospect, this sequence makes obvious political sense: legal reforms are enacted at

the behest of a motivated consistency that is protected (or at least perceives itself to be protected)

by the reforms. Hence, the constituency (here, dispersed public shareholders) must first arise

40 La Porta, Lopez de Silanes, Shleifer, Vishny (1997)- LLSV; La Porta, Lopez de Silanes e Shleifer (1998) - LLS e La Porta (Versão refinada de La Porta et. Al. 1996.) 41 Grosso modo, Common Law refere-se à tradição legal na qual as leis resultam, principalmente, dos precedentes das decisões judiciais, ou a jurisprudência. Essa tradição é fortemente disseminada na Inglaterra e suas coloniais, inclusive nos EUA. No caso da Civil Law, ao contrário, a formulação das leis é fortemente influenciada pelo código legal romano, pelo seu estudo nas universidades européias e sua prática pelos advogados, tendo as decisões judiciais um peso menos relevante. Aponta-se que seguiram essa tradição três famílias de leis, a francesa, a alemã e a Escandinávia. 42 Os países foram classificados de acordo com o índice de proteção ao acionista minoritário baseado no direito a voto, conforme previsto nas Leis das S.A., construído por LLSV(1998). O índice proposto de proteção ao acionista baseado nos direitos a voto soma um ponto para cada um dos cinco critérios: 1) base legal para que acionistas votem em assembléia através de procurações, 2) direito a representação proporcional no conselho de administração, 3) direito de retirar-se da companhia obtendo por suas ações o valor patrimonial quando certas decisões fundamentais (fusão, mudança de estatutos, etc.) são tomadas, 4) direito aos acionistas de subscrever novas emissões proporcionalmente ao capital detido, 5) porcentagem do capital necessário para convocar assembléia extraordinária (soma-se um ponto quando esse percentual é menor que 10 %)42.

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before they can become an effective lobbying force and an instrument of legal change” (Coffee,

2000, p.8).

Já a experiência inglesa demonstraria que o fator legal não se demonstrou fundamental nem

mesmo quando esse mercado já se encontrava bem desenvolvido. Conforme defendem

Franks, Mayer e Rossi (2005), a partir do cálculo do indicador de proteção ao investidor

proposto por LLSV (La Porta, Lopez de Silanes, Shleifer, Vishny, 1997) para a Inglaterra ao

longo do séc. XX, aufere-se que o mesmo muda significativamente nesse período, variando

de 1 a 5 pontos. Demonstra-se, portanto, um nível de proteção bem fraco no início do século

a despeito do elevado grau de desenvolvimento do mercado de capitais apresentado no país

ao longo desse período. Ademais, tais fatos contrapõem-se ao argumento de LLSV acerca da

importância da tradição legal de um país como determinante do grau de proteção que

apresenta. O caso inglês, país onde se originou a tradição do Civil Law, deveria, segundo a

tese desses autores, apresentar um elevado nível de proteção ao acionista.

Para o caso inglês, de acordo com Franks, Mayer e Rossi (2005), frente à fraca proteção

legal, o desenvolvimento do mercado ao longo da primeira metade do séc. XX, que se

expressava no alto volume de emissões e pulverização do capital das empresas, teria sido

fortemente calcado nas relações informais e de confiança que se estabeleceram entre os

acionistas e os membros do conselho de administração das empresas43. A importância das

relações de confiança aparece, também, no papel de auto-regulação exercido pelas Bolsas na

Inglaterra, já mencionado anteriormente.

Cabe ressaltar que os mecanismos extra mercado discutidos são bem específicos e resultam

da experiência histórica que se promoveu nesses países no âmbito de seus mercados. Na

ausência de mecanismos desse tipo, haverá espaço importante para os instrumentos

legais/regulatórios. No entanto, não é possível derivar destas experiências históricas bem

sucedidas uma relação positiva direta entre proteção e desenvolvimento desses mercados.

43 Evidencias dessas relações eram encontradas no âmbito das operações de aquisições e fusões, onde as ofertas para a compra de ações eram feitas sem discriminação de preço e com a participação dos conselheiros das empresas que sustentavam a convenção do preço equivalente ao tornar pública sua participação na dita oferta e ao dar recomendações aos acionistas acerca da mesma. Note-se que na ausência de tais relações as companhias, grupos ou investidores que pretendessem adquirir o controle de uma empresa poderiam adquirir a empresa alvo fazendo ofertas discriminatórias para um grupo seleto de acionistas procurando comprar o mínimo requerido para assegurar o controle.

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4.3 – O Desenvolvimento da Regulação para o Mercado de Capitais nos Estados Unidos 4.3.1 - O fim do laissez faire e os diferentes modelos de sistema financeiro

No séc. XX, ao longo das décadas de 30 e 40, diante da instabilidade demonstrada pelos

sistemas financeiros dos países desenvolvidos, a partir da Grande Depressão de 1929 e das

crises bancárias ocorridas no Japão, em 1927, e na Alemanha, em 1931, torna-se clara a

fragilidade dos regimes financeiros, que eram a essa altura em maior ou em menor extensão,

regimes de laissez faire. Verifica-se, a partir de então, mudanças promovidas nos objetivos

sociais e econômicos dos governos nacionais e soluções regulatórias bastante distintas no

âmbito do setor financeiro para os diferentes países.

Nesse contexto, o Estado sai de uma atitude mais ou menos laissez faire em direção a

implementação de uma regulação financeira e toma medidas ativas para modelar o sistema

financeiro.

De um lado, os Estados Unidos definem um modelo liberal de intervenção do Estado, com

foco no papel exercido pelos contratos privados e com base em regras de sanções que

garantissem o fair play nos mercados financeiros. Além disso, esse país adota fortes

restrições à participação dos bancos comerciais nesses mercados, de forma a impossibilitar

sua atuação enquanto bancos universais e, também, a impedir a expansão geográfica de suas

agências.

De outro lado, analisa Vitols (2001), a Alemanha e o Japão optam por um modelo não

liberal de regulação financeira. A Alemanha opta por um modelo corporativista calcado em

forte influência das associações dos bancos na definição da regulação a ser adotada para o

setor, reforça a posição dominante dos bancos vis a vis mercados, remove o Estado da

alocação de recursos aos setores da indústria, mas mantém os bancos públicos de poupança,

com a função de promover o desenvolvimento regional e prover crédito a empresas de

pequeno e médio porte. O Japão opta por uma orientação administrativa, utilizando sistemas

de licenciamento e reforçando a presença do Estado nas decisões de alocação de crédito. As

diferenças mencionadas teriam persistido apesar dos EU, no período pós II GM, tentarem

impor o seu sistema liberal na regulação financeira desses dois países.

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A participação dos Estados nacionais e diferentes objetivos adotados por cada um, a partir

do final da primeira metade do séc. XX, teriam tido um papel fundamental na determinação

dos modelos de sistema financeiro a serem adotados para esses países a partir de então. Isto

porque, essas definições, contrapondo-se ao estado de laissez faire que vigorava no período

anterior, deram um caráter nacional às políticas que foram estabelecidas, privilegiaram

claramente uma fonte de recursos em detrimento de outras, definiram qual seria a

participação direta do estado e, ainda, sobre que regras e emanadas de quem o sistema

financeiro deveria operar.

Os arranjos originalmente verificados no âmbito das relações entre as instituições

financeiras e o setor produtivo quando do processo de industrialização desses países teriam,

também, conformado importantes condições para o desenvolvimento de sistemas com base

em mercado ou de sistemas com base em bancos. Nesse sentido, ressaltem-se as relações

financeiras específicas que se conformaram entre banco e indústria nos distintos países, que

no caso americano se deram principalmente no âmbito do mercado de títulos, como já

analisado e, no caso alemão, por exemplo, via o fornecimento de crédito44.

4.3.2 - O Modelo Inglês de Regulação para o Mercado de Capitais

O desenvolvimento de uma regulação nacional nos Estados Unidos para o mercado de

capitais ocorreu no início dos anos trinta, quando não havia regulação nacional que provesse

normas e regras para a emissão e negociação de títulos e nem órgão específico responsável

pela sua implementação. Tal marco regulatório foi, sem dúvida, decorrente dos efeitos e das

inevitáveis preocupações que surgem com e após a Crise de 1929. Desde então o mercado

44 Nesse contexto destaca-se a especificidade das relações que se estabeleceram entre o capital industrial e bancário alemão e sua consolidação através da conformação dos bancos universais, que combinavam as atividades tradicionais de banco comercial com o fornecimento de crédito de longo prazo para investimentos. Gerschenkron explicita:

“the German banks, and with them the Austrian and Italian banks, established the closest possible relations with industrial enterprises. A German bank, as the saying went, accompanied an industrial enterprise from the craddle to the grave (...).Through the device of formally short-term but in reality long-term current account credits and trough development of the institution of the supervisory boards to the position of most powerful organs within corporate organizations, the banks acquired a formidable degree of ascendancy over industrial enterprises, which extended far beyond the sphere of financial control into that of entrepreneurial and managerial decisions” ” (Gerschenkron,1962. p.14).

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de capitais americano é considerado como o mais regulado e tem sido uma referência

importante para os demais países.

É importante ressaltar, contudo, que existem outros modelos de regulação para o mercado de

capitais que se caracterizaram por uma menor presença da atividade reguladora exercida

pelo Estado. Nesse sentido, destaca-se, em especial, o modelo de regulação inglês. A

Inglaterra é exemplo singular de um país que desenvolve um mercado de títulos já no final

do séc. XVII e cujo modelo de regulação do mercado de capitais foi durante um longo

período fortemente calcado na força da auto-regulação.

Tal possibilidade parece ter sido sustentada em grande medida, além da tradição que foi

sendo construída ao longo do tempo nesse mercado, por um conjunto de fatores dentre os

quais: concentração e sofisticação do mercado; normas jurídicas válidas nacionalmente; a

realização de quase todas as transações com títulos no âmbito das Bolsas, inclusive quase

todas as emissões primárias mais importantes, e também transações com os títulos

governamentais; proximidade geográfica da indústria que se localiza em sua maioria no

setor da cidade denominado City of London; a atividade de supervisão sobre o mercado ter

sempre sido exercida pelas entidades auto-reguladoras; e, mais recentemente, a fusão das

Bolsas da Grã Bretanha e Irlanda em 1973, originando a Bolsa de Valores de Londres com

sete unidades administrativas, e resultando em grande capacidade de centralização da

entidade auto-reguladora (Castro e Eizirick, 1974).

As entidades auto-reguladoras na Inglaterra exerciam a supervisão e a regulação de seus

membros sem possuírem poderes delegados pelo governo, ou seja, as regras definidas pela

Bolsa não poderiam ser caracterizadas como normas jurídicas:

“No caso das entidades auto-reguladoras na Inglaterra, suas regras não devem ser caracterizadas

como normas jurídicas; não estão incluídas dentro de um sistema de normas jurídicas e não

apresentam o aspecto de coação. Qualquer penalidade aplicada pela bolsa pode ser ou não aceita

pelo membro punido; caso não aceite, a pena não pode ser aplicada à força” (Castro e Eizirick,

p.81, 1974).

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4.3.3 - O Modelo Americano de Regulação do Mercado de Capitais

A discussão sobre qual deveria ser o modelo a ser implementado para a regulação americana

na década de trinta foi motivo de disputas num ambiente onde as discussões acerca de qual

seria a melhor forma de inserção do Estado na economia se proliferavam. A era do New

Deal, que foi inaugurada com o governo de Roosevelt em 1933, refletia uma visão na qual

se entendia como necessária à atuação do governo num formato de colaboração entre este e

o mercado, conforme o objetivo acordado, numa concepção, pode-se dizer, mais

cooperativa.

Contudo, do ponto de vista da regulação nacional para o mercado financeiro, e, mais

especificamente, para o mercado de capitais, coube ao governo, no modelo adotado, o papel

de supervisor do mercado e não de agente atuante ou colaborador. Não faltaram propostas

dos assessores do governo e de membros do Congresso no sentido de uma presença mais

ativa do Governo no sistema financeiro, como por exemplo, a nacionalização dos maiores

bancos. Nesse sentido, o modelo vitorioso significou uma derrota da parte dos que se

alinhavam mais fortemente com as proposições do New Deal, conforme ressalta Vitols

(2001):

“the national regulatory regime established for financial markets drew heavily on precedents

from the populist and progressive eras. This approach which was established in areas such as

antitrust, railroad, and other utility regulation, involved congressional delegation of rule-making

authority to independent agencies. These rules are intended to define fair play in markets where

some actors are considerably stronger than others or enjoy significant information advantages.

Rule making is guided by administrative law and the enforcement of these rules can be triggered

by private actors through recourse to the judicial system” (Vitols, 2001, p.190).

Para o segmento do mercado de capitais foi adotado, então, o enfoque de formação de

agências, no qual o governo exercia um papel de supervisor, ou seja, sua atuação visava

corrigir os erros atribuídos ao mercado.

Relativamente ao modelo de regulação vitorioso duas características foram consideradas as

mais importantes: o sistema de auto-regulação e o sistema de divulgação de informações

(disclosure). Esses dois sistemas definiam, como veremos adiante, as características das

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funções de supervisão e de prover informações para o investidor, que seriam exercidas pelo

órgão regulador nesse novo modelo.

A partir dos poderes outorgados pelas leis aprovadas pelo congresso, a agência deveria

desenvolver um conjunto de regras e práticas que visavam regular o mercado e os agentes

que nele atuam. Esta função poderia ser entendida como a atividade onde a agência

reguladora teria uma participação menos passiva no novo modelo.

Adicionalmente, uma característica importante também merece ser mencionada o fato de

que, como ressaltam Castro e Eizirick (1974), a atuação do governo no mercado de capitais

deveria visar especificamente esse próprio segmento, e diferentemente da regulação para

outros setores da economia, não estava subordinada a um planejamento econômico global.

4.3.3.a) O sistema de disclosure

Até o período da Crise de 1929, havia certa passividade por parte do público diante da

atuação dos insiders, visto que costumavam atuar no mercado de ações utilizando seus

conhecimentos acerca dos negócios internos da companhia. Ademais, não existia uma

uniformidade no nível de exigência sobre as empresas emissoras com relação às

informações a serem prestadas ao público em geral e aos acionistas em particular, visto que

variava de acordo com a Bolsa em que estava sendo transacionado o título.

O princípio de divulgação de informações ao público, ou transparência (disclosure), como

ressalta Eizirick (1984), teria sido defendido já em 1914 por um Ministro da Suprema Corte

dos EU, que sustentava para o mercado de capitais uma legislação semelhante à imposta aos

fabricantes de alimentos - a Pure Food Law, a qual havia criado a obrigatoriedade de

divulgação dos ingredientes utilizados na confecção dos produtos. A intenção era através

dessa divulgação permitir que os consumidores pudessem ter a possibilidade de avaliar a

qualidade do produto adquirido.

Mediante a promulgação da Lei de Valores Mobiliários de 1933 - Securities Act of 1933,

criou-se a agência reguladora do mercado de capitais americano – a Securities and

Exchange Comission (SEC) e definiu-se o estatuto de divulgação de informações

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(disclosure) para as emissões primárias. Este estatuto exige das empresas emissoras que

forneçam aos investidores informações acerca dos títulos emitidos. As empresas devem

registrar suas emissões junto a SEC, provendo informações como: descrição das

propriedades e negócios da companhia; descrição da quantidade de ações oferecidas e sua

relação com os demais títulos representativos do capital da empresa; informações sobre a

direção da companhia; relatórios financeiros assinados por auditores independentes.

A exigência de registro junto à agência reguladora foi compreendida e implementada como

um recurso, na verdade, meramente instrumental visto que seu objetivo foi obrigar os

emissores a fazer o disclosure. A atuação do regulador aprovando o registro da emissão não

visa agregar nenhuma informação adicional à operação, a não ser a de que todas as

informações exigidas foram apresentadas. A SEC não assume a responsabilidade por checar

a veracidade dessas informações. A SEC também não assegura a qualidade do título

emitido. É o investidor, que de posse das informações disponibilizadas, deve avaliar o

investimento, assim como, ao analisar os ingredientes que constam na composição dos

alimentos, o consumidor avalia a qualidade do produto em mercado45 .

Nesse aspecto, observa-se, contudo, o papel atribuído às instituições e profissionais que

assegurariam a qualidade, veracidade das informações e dariam suporte aos investidores nas

suas decisões. Na seção 11 do Securities Act de 1933, por ocasião da colocação de títulos no

mercado primário, no registro da emissão ou nos prospectos de venda, atribuiu-se

responsabilidade pela prestação de informações falsas ou omissão de informações sobre fato

relevante ao emissor e à instituição financeira intermediária colocadora e subscritora da

operação, bem como, também, aos demais profissionais, como os auditores, que tenham se

responsabilizado pela preparação das informações disponibilizadas.

Por intermédio do Securities Exchange Act de 1934, o Princípio de Disclosure foi estendido

também às ações registradas na Bolsa. Tal medida determina a divulgação de informações

periódicas acerca da companhia emissora dos títulos. O objetivo é que os acionistas possam

exercer seu direito de voto e possam, também, avaliar a oportunidade de vender suas ações

45 No entanto, como ressaltado no Capítulo 1, os contratos financeiros, por aglutinarem um grande número de características especiais, tendem a ser mais complexos que os contratos não financeiros, e, portanto, as condições de proteção do consumidor no âmbito do mercado de bens tendem a ser mais simples do que as exigidas para o mercado de ativos financeiros.

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no caso de ofertas públicas, assim como, visa impedir a prática do insider trading (Eizirik e

Porto, 1974).

Dessa forma, para as ações já emitidas requisita-se o registro junto à Bolsa e junto à SEC

(Seção 12 da lei), e a atualização de Relatórios anuais e periódicos (Seção 13 da lei). Os

Relatórios Anuais devem conter, além do balanço anual auditado, informações acerca da

composição de acionistas com direito a voto, nome, profissão e número de ações,

remuneração dos diretores, participação de assessor ou diretor em transações importantes da

companhia, opções de compra e seu exercício etc. Relativamente ao insider trading

especifica-se, na Seção 16 da lei, que os acionistas com participação no capital da

companhia acima de 10% deveriam enviar relatórios periódicos à SEC .

Em 1942, por intermédio da Regra no 5, com base na Seção 10-b do Securities Exchange

Act, foi declarado ilegal a conduta de qualquer pessoa que, ao negociar ações, prestasse

declarações falsas ou incorretas sobre um fato material ou omitisse um fato material46.

Em 1968 e 1970 o Securities Exchange Act sofreu emendas adicionais que visaram impedir

o uso de informações privilegiadas (insider trading) ampliando o princípio de disclosure

para qualquer grupo que visasse obter o controle da companhia (tender offers - compra

direta) ou para pessoa ou grupo que visassem adquirir mais de 10% das ações da companhia.

4.3.3.b) - O sistema de auto-regulacão: as Bolsas e o mercado de balcão

No período anterior a crise de 1929 as Bolsas de ações americanas consistiam em órgãos

voluntários, cuja condução e regulação de seu funcionamento interno eram da

46 A primeira vez que tal Regra foi aplicado com todo seu rigor foi, somente em 1959, no caso exemplar envolvendo a companhia Texas Gulf Sulphur Company. A Texas Gulf Sulphur Company era a maior produtora mundial de enxofre. Informações acerca de perfuração que teria permitido a descoberta pela citada companhia de novas reservas de zinco e cobre não teriam sido veiculadas pela empresa ao público. No entanto, enquanto isso diretores e funcionários diretamente envolvidos na descoberta em questão adquiriram ações da empresa no mercado diretamente ou através de seus prepostos. Após divulgação em jornais canadenses a cerca da descoberta, a diretoria teria vindo a público procurando amenizar a dimensão dessas revelações, e após alguns dias, divulgou informação reafirmando a importância das ditas descobertas. A SEC entrou em juízo e a corte de segunda instância reformou a sentença da primeira instância, que teria sido contrária e condenou os insiders que teriam comprado ações após a citada descoberta, visto que seria considerada Material Information, e também condenou a empresa por declaração enganosa. A Corte definiu que entendia como Fato Material, para efeito da Regra 10 B-5, aquela que é levada em conta por investidor médio para a compra, venda ou manutenção de ações, ou que provoca impacto sobre o mercado de ações (ver Eizirick ,1974).

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responsabilidade exclusiva dos seus membros. Estas instituições gozavam de grande

autonomia visto que estavam sujeitas a pouca ou nenhuma regra. Por outro lado, as

atividades realizadas no mercado de balcão não possuíam nenhuma forma de auto-

regulação.

Algumas conseqüências dessa situação puderam ser observadas ao longo do período que

culminou na crise de 1929. Existia, por exemplo, uma diferenciação entre os níveis de

exigência de divulgação de informações das empresas requeridas pela Bolsa de Nova York e

os definidos para as demais Bolsas americanas. Devido a isso, foi possível observar, à

medida que se elevava o fluxo de operações de caráter especulativo, uma certa migração em

favor desse último grupo, como analisou Galbraith (1988):

“as transações da Bolsa de Nova York não mais constituíam bom indicador do interesse total na

especulação de títulos. Muitas ações novas e empolgantes - da Shenandoah, da Blue Ridge, da

Pennroad, da Insul Utilities - não constavam do grande quadro da Bolsa (...) A maioria das

empresas que o quisesse podia ter suas ações admitidas à negociação. Algumas delas, porém,

achavam prudente, e muitas outras achavam conveniente, não responder às indagações bastante

simples que a Bolsa fazia para obter informações. Dessa forma, muitas ações eram

transacionadas no mercado secundário, na Bolsa de Boston, ou em outras bolsas. Embora as

negociações da Bolsa de Nova York continuassem maiores do que as de todas as outras juntas,

sua posição relativa sofrera certo abalo (...) no verão de 1929 as bolsas de Boston e São

Francisco, normalmente indolentes e até a de Cincinnati, estavam experimentando um boom.

Em vez de apresentar um pálido reflexo do que acontecia em Wall Street, elas possuíam vida e

personalidade próprias. Certas ações ali negociadas não eram admitidas em Nova York, algumas

de excepcional sabor especulativo” (Galbraith, 1988, p. 60).

Adicionalmente, as atividades de manipulação de mercado eram freqüentes no período em

questão e, mais importante ainda era o fato de que nelas estavam amplamente envolvidos os

profissionais de mercado:

“naquele período ferviam as associações e coligações - em resumo, manipulações em grande

escala. No decorrer de 1929, mais de cem emissões foram objeto de operações desse gênero na

Bolsa de Nova York, de que participaram associadas da Bolsa ou seus prepostos. As operações

eram de natureza um pouco variada, mas, basicamente, uma série de operadores reunia seus

recursos para forçar alta de determinada ação (...) Essas compras elevavam a cotação da ação e

despertavam o interesse das pessoas (...) tudo correndo bem, o público comprava e o papel

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passava a subir por si mesmo (...). Nesse ponto o gerente se desfazia de tudo, retirava uma

porcentagem do lucro e dividia o resto com seus investidores” (Galbraith, 1988, p.71) 47.

O sistema de auto-regulação foi instituído mediante o Securities Exchange Act de 1934 que

regulou o mercado de títulos e os negócios realizados pelos profissionais de mercado -

dealers and brokers. Mediante esse instrumento legal foram delegados poderes às entidades

auto-reguladoras, ou seja, às Bolsas e, à NASD, após sua constituição, as quais passaram a

ter a responsabilidade de desenvolver normas para as negociações e conduta dos seus

membros. À SEC coube atuar diretamente sobre o mercado ou por intermédio das entidades

auto-reguladoras, exercendo, também, a função de supervisionar as atividades dessas

últimas. Dentre alguns dos objetivos a serem perseguidos e atribuições a serem exercidas

diretamente pela SEC, sobre as Bolsas e os negócios nelas ocorridos, contidas nesse ato

legal, constam: a exigência de registro das corretoras e de Bolsas; a extensão do Princípio de

Disclosure a todas as ações listadas em Bolsa, implicando na exigência de apresentação de

Relatórios anuais e trimestrais por parte das companhias emissoras que transacionam seus

títulos no mercado de balcão ou de Bolsa; a proibição de manipulação de preços ou o uso de

esquemas de manipulação na compra ou venda de títulos; a autoridade de suspender as

corretoras de suas atividades no mercado de títulos etc.

Foi por intermédio do Maloney Act de 1938, constituído enquanto uma emenda a Seção 15 -

A do Securities Act, que a legislação previu a formação de entidades auto-reguladoras, antes

inexistentes, para o mercado de balcão48. Com a promulgação dessa lei foi possível ocorrer

um acordo entre a SEC e a indústria em torno da constituição de uma única associação auto-

reguladora, a NASD - National Association of Securities Dealers, que foi formada e

registrada em 1939, e que começou a funcionar em 1940. Diferentemente das Bolsas, nesse

mercado não havia uma centralização física das operações, constituiu-se numa rede de

informações através da qual as instituições intermediárias espalhadas geograficamente

operavam em nome de seus clientes. Desde 1981, essa funcionalidade passou ser exercida

de maneira tecnologicamente bem mais avançada por intermédio de seu sistema - NASDAQ

- National Association of Securities Dealers Automated Quotations System.

47 Informações obtidas no Stock Exchange Practices, Relatório de 1934. 48 Define-se como mercado de balcão no âmbito das transações efetuadas no mercado de capitais aos negócios efetuados diretamente pelas instituições intermediárias, portanto, fora de bolsa.

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4.3.4 - Os Bancos e a Crise Financeira

Para alguns autores, a crise de 29 poderia ser analisada enquanto o começo de uma longa

crise financeira que se alastrou por vários anos e culminou na crise bancária de 1933.

No que se refere mais especificamente ao colapso da Bolsa, ao longo do ano de 1929, vários

foram os momentos que demarcaram uma inter-relação entre os bancos e o mercado de

capitais americano no período analisado. Um dos mais significativos foi quando em 24 de

outubro, diante do primeiro momento de grande pânico, que teria se instalado a partir da

queda abrupta das cotações, os banqueiros resolveram reunir recursos para apoiar o mercado

e conter a crise. O anúncio de tal decisão teria sido capaz de acalmar o mercado, muito

embora o valor do montante efetivamente disponibilizado não chegou a se saber ao certo49.

Um outro momento foi quando se tornaram públicas as operações de manipulação no

mercado de títulos, envolvendo banqueiros e dois dos mais importantes bancos de Wall

Street: Chase National Bank e o National City Bank 50.

Em 1933, foi o arcabouço regulatório voltado às atividades das instituições bancárias que

passou por importantes mudanças. Dentre as mudanças que repercutiram mais diretamente

sobre o mercado de títulos, destaca-se a provision Glass-Steagall, contida no Banking Act de

1933, que tornou obrigatória a separação da função dos bancos de investimento da função

dos bancos comerciais, e proibiu a esses últimos de se filiarem a qualquer corporação

engajada em atividades de emissão, subscrição e colocação de ações, títulos, debêntures,

notas e outras securities. Restringe-se, assim, fortemente a participação dos bancos

comerciais no mercado de títulos, de forma a impedir sua atuação enquanto bancos

universais. Foram, também, estabelecidas restrições à expansão de suas agências, atingindo

de forma mais significativa os bancos que apresentavam à época uma atuação em escala

nacional.

Dessa forma, objetivou-se reduzir o poder dos bancos e separar as atividades especulativas

do mercado de títulos das atividades de banco comercial, dificultando crises de caráter

sistêmico.

49 Ver Galbraith, 1988, p. 90/91. 50 Ver Galbraith, 1988, p. 132/138.

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Em termos gerais, as motivações que ensejaram tais regulamentações teriam sido de ordem

basicamente econômica e política, justificadas pelo apelo ao sentimento reconhecidamente

disseminado na sociedade americana de desconfiança em relação as grandes instituições

financeiras e na necessidade de delimitar seu poder, e, especificamente, na defesa do

argumento no qual a Crise de 29 teria tido como causa o excesso de poder dessas

instituições.

Segundo Roe (1989), a regulação financeira americana nos moldes então implementados

teria sido também decisiva para o processo de dissociação entre propriedade e controle

observado nas corporações americanas, de forma que, como afirma esse autor: “The Berle-

Means corporation is an adaptation, not a necessity” (1989, p.73).

Isto porque, tal regulação teria impedido, ou tornado altamente custoso ou delimitado a

participação de instituições financeiras (bancos, empresas de seguros, fundos de pensão,

fundos de investimento) enquanto detentoras dos títulos de propriedade, justamente os

investidores que teriam os recursos para deterem parte substancial do capital, ou mesmo

exercerem o controle sobre as grandes corporações. Conforme analisa Roe (1989):

“ Influence was direct: prohibitions on banks and bank holding companies - the institutional

players with half of the money - from owning and controlling, prohibitions on insurance

companies from owning stock for a half-century (and now limiting their ownership), and tax

penalties on mutual funds owning control blocks. And influence was indirect: i ) fragmented

investors talking to one another must act trough the SEC’s proxy machinery, ii) schedules have

to be filled with the SEC, iii) groups that own 10% or more of an industrial company’s stock

risk imposition of 16B liability, forcing disgorgement of any short-swing profits, iv) an

institution wishing to obtain influence and control will be subjected to many enhanced duties

and liabilities (Roe, 1989, p.27).

Em suma, o conjunto de medidas implementadas nos anos 30, segundo diferentes autores,

teriam tido impactos estruturais diferenciados de grande importância: primeiro, por definir

as condições para que o sistema financeiro americano se tornasse um sistema altamente

segmentado e especializado; segundo, por constituir as bases para a constituição do modelo

com base em mercado nos Estados Unidos, na medida em que teria favorecido o mercado de

capitais enquanto forma de financiamento das empresas (Vitols, 2001); e, por último, por

estimular uma maior pulverização do capital das empresas, na medida em que teria

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impedido a participação de instituições financeiras enquanto detentoras e, portanto,

controladoras do capital das empresas (Roe, 1989).

4.3.5 - Vulnerabilidades do Modelo Americano de Regulação

O sistema de auto-regulação facilitou, em grande medida, o trabalho da agência reguladora

norte americana, que tenderia a se tornar bem mais difícil se não pudesse transferir parte de

suas atribuições para as entidades auto-reguladoras, em especial no caso do mercado de

balcão americano.

Contudo, uma desvantagem importante atribuída a esse mecanismo refere-se às dificuldades

das Bolsas em assumir adequadamente a função de fiscalizadores dos agentes de mercado

que são seus sócios membros. No caso americano, as primeiras dificuldades ficaram

evidenciadas durante a crise financeira, ocorrida entre 1967 e 1970, que veio a afetar o

sistema de regulação como um todo.

A referida crise demonstrou a incapacidade das entidades auto-reguladoras em fazer com

que os brokers/dealers cumprissem regras de padrões financeiros mínimos. Frente ao

crescimento significativo do volume de negócios com títulos, ocorrido ao longo da década

de 60, teria sido possível observar que as corretoras não teriam conseguido se ajustar

adequadamente. Diante do crescimento do seu nível de atividade, chegou-se a evidenciar,

em alguns casos, falhas no cumprimento do prazo para entrega de ações ao cliente. Com a

queda do volume de negócios, observada em 1969/70, e conseqüente queda das cotações das

ações, várias instituições não foram capazes de fazer frente à queda abrupta de suas receitas,

provocando a falência de enumeras corretoras51.

O ocorrido demonstrou a possibilidade de falhas no sistema de auto-regulação: a vigilância

sobre a atividade dos brokers era deficiente, o fundo de garantia (Trust Fund) da NYSE não

foi eficaz enquanto sistema de proteção aos clientes das firmas membros, os clientes das

firmas não-membros estavam sem cobertura às perdas.

51 Para descrição dos efeitos da crise sobre as corretoras ver Porto e Eizirick, 1974.

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Em decorrência desses acontecimentos foram implementadas, então, novas medidas

regulatórias por intermédio do Securities Investor Protection Act (1970). Esta lei criou o

SIPC (Securities Investor Protection Corporation), entidade que congregou todos os

brokers-dealers (membros e não membros) e que teria a finalidade de cobrir prejuízos em

até 50 mil dólares por investidor, nos casos de liquidação de um broker-dealer.

Já o segundo braço do modelo de regulação para o mercado de capitais adotado, o sistema

de disclosure, veio a partir do final dos anos 60 revelar algumas de suas vulnerabilidades.

Dentre os vários casos de irregularidade ocorridos à época, destacou-se o caso do Equity

Funding Corporation of America que se constituiu em um exemplo de comportamento

fraudulento envolvendo falsificação de apólices de seguros e publicação de informações

financeiras fictícias, e também, apresentou falhas no sistema de auto-regulação52 .

No caso descrito, a Bolsa teria falhado ao ter aceito o registro da empresa, falharam as

instituições que subscreveram seus títulos, que deveriam ter examinado as contas da

companhia, e os auditores que aprovaram suas demonstrações financeiras. Tal exemplo,

conforme salienta Eizirik e Porto (1974): ''evidenciou ainda a dificuldade de se detectar as

práticas fraudulentas por mais sofisticado que seja o processo de disclosure" (Eizirik e

Porto, p.74, 1974).

Dessa forma, nos anos 60 foi possível constatar que os princípios adotados nos anos 30 para

a regulação do mercado de capitais nos EUA não estavam desprovidos de vulnerabilidades,

e que a regulação exigia um processo permanente de desenvolvimento e aprimoramento cuja

necessidade poderia ser, muitas vezes, percebida somente após períodos de crises e

instabilidades.

52 A Equity Funding Corporation of America era uma companhia de seguros de vida e de investimentos, os prêmios do seguro seriam pagos com recursos provenientes da aquisição, por parte do investidor segurado, de cotas de um fundo mútuo de investimentos. A companhia apresentou, no início de 1973, um crescimento fabuloso e seus ativos eram estimados em 750 milhões de dólares. A fraude consistiu na falsificação de apólices de seguros e publicação de informações financeiras fictícias por meio do qual a companhia induziu o público a comprar títulos de sua emissão, tendo se apropriado de forma fraudulenta, no conjunto das operações realizadas no período, de cerca de 400 milhões de dólares do público investidor (Eizirik e Porto, p. 72/73, 1974).

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Além disso, o ocorrido demonstrava que a regulação sobre esses mercados poderia reduzir

as assimetrias de informações existentes, mas dificilmente eliminá-las, ou seja, a atuação do

Governo tem seus próprios limites. Conforme ressalta Stiglitz (1998):

“The experience of the Unites States shows, however, that even with all legal protections, the

informational problems are so severe that equity will still play only a limited role in new finance”

(Stiglitz, p.13, 1998).

4.4 – Conclusão

A partir da observação da evolução histórica do mercado de ações nos EU, constatou-se que

um ambiente regulatório adequado não foi condição de desenvolvimento para o mercado de

capitais nos EU, assim como, também, não para o mercado inglês. Evidenciou-se, assim,

que essas experiências contrariaram a escola legal finance, cujos trabalhos sugerem o

aspecto legal como determinante para o desenvolvimento desses mercados.

Verificou-se que, para os casos analisados, mecanismos extra mercado específicos puderam

exercer, até um determinado período, um papel importante em reduzir as incertezas nesses

mercados. No entanto, para o caso americano, a crise de 29 teria demonstrado que o

mercado por si só não seria capaz de prover sistemas de monitoração e informação

adequados e, como resposta, criou-se, nos anos 30, um órgão regulador específico e

desenvolveu-se uma regulação no âmbito federal voltados para o mercado de capitais.

Tal regulação apresentou dois princípios básicos, o da divulgação de informação e o da

auto-regulação. A partir do final dos anos 60, diante da crise da Bolsa e de vários casos de

fraude, foram introduzidas novas alterações na regulação americana. O ocorrido teria

demonstrado que a regulação pode reduzir, mas não eliminar, as ineficiências existentes no

mercado de títulos.

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Conclusão 1ª Parte - Breve Sumário das Proposições Teóricas

No Capítulo 1, averiguou-se que títulos e crédito possuem características bem distintas no

que se refere a um conjunto bem amplo de aspectos, e que às facilidades ou benefícios que

cada tipo de transação financeira pode prover também estão associados, em geral, seus

devidos custos, monetários e/ou não monetários. Observou-se que, dentre as diferentes

características analisadas para esses contratos, atribui-se, usualmente, também mecanismos

distintos de proteção contra o risco de não cumprimento do contrato, monitoramento ou

“voz” para os bancos, e mercados secundários ou “saída” para os títulos.

No Capítulo 2, examinaram-se as críticas de diferentes escolas de pensamento às hipóteses

assumidas pela hipótese dos mercados eficientes (HME) e concluiu-se que, diante de

hipóteses menos simplistas do que as assumidas pela HME, os mercados não são eficientes,

sendo, portanto, falho o mecanismo de “saída” como dispositivo de defesa do investidor

detentor de títulos transacionados em mercados secundários organizados.

No Capítulo 3, concluiu-se que, não sendo válida a HME e sendo, portanto, falho o

mecanismo de “saída”, existe um papel para o mecanismo de “voz”, ou monitoramento.

Verificou-se que os investidores individuais e os minoritários, por várias razões, encontram

dificuldades em monitorar de forma adequada as companhias e seus administradores e que,

também, existem dificuldades em assegurar que as instituições financeiras intermediárias e

auxiliares atuantes nesse mercado exerçam suas atividades de forma adequada. Por

conseguinte, existe um papel para o Governo, estabelecendo normas e leis que protejam os

investidores e realizando um monitoramento sobre o mercado.

No Capítulo 4, constatou-se que as experiências de constituição do mercado de capitais, no

caso americano e inglês, contrariaram a escola legal finance, cujos trabalhos sugerem o

aspecto legal como determinante para o desenvolvimento desses mercados. Para o caso

americano, a crise de 29 teria evidenciado as falhas do mercado em prover sistemas de

monitoração e informação adequados e, como resposta, criou-se órgão regulador específico

e desenvolveu-se uma regulação no âmbito federal voltados para o mercado de capitais. A

partir do final dos anos 60, os princípios básicos adotados, de divulgação de informação e de

auto-regulação, demonstraram mais claramente seus pontos de vulnerabilidade. Igualmente,

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as fraudes e crises ocorridas nesse período corroboraram para o entendimento de que a

atuação do Governo, no sentido de reduzir as ineficiências do mercado, também apresenta

seus limites.

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2a PARTE: A CVM e a Regulação sobre as Companhias Abertas no Brasil - 1976/86

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Capítulo 5 – O Ambiente Regulatório pré-reformas dos anos 70

5.1 - Constituição de Mercados de Capitais em Países em Desenvolvimento

Mercados de capitais desenvolvidos caracterizar-se-iam, num modelo ideal, pela presença de

firmas emissoras de grande porte, mercados secundários bem organizados e o

desenvolvimento de sistemas de informação e supervisão. No caso dos países em

desenvolvimento como poderiam se constituir mercados de capitais dessa natureza? Em

muitos casos, devido às dificuldades encontradas, arranjos em direção a modelos com base

em crédito consistiram na solução obtida para os países de industrialização tardia53.

Com efeito, é possível constatar que condições impeditivas para o desenvolvimento do

mercado de capitais tendem a se auto-reforçar nas economias menos desenvolvidas. Por um

lado, a possibilidade de constituir mercados secundários líquidos, em geral, encerra-se num

círculo adverso definido pelo dilema: baixo nível de densidade do mercado impede a

formação de liquidez e baixa liquidez impede o crescimento do mercado.

Necessário pontuar, ainda, os riscos oriundos dos efeitos decorrentes de processos de

transformação de mercados de baixa liquidez em mercados mais líquidos. Mercados com

pouca profundidade estão expostos a significativas variações de preços e, portanto, estarão

mais suscetíveis, ao longo desse processo, a movimentos especulativos. Esse poderá ser um

fator de desestímulo à entrada de novos participantes54.

Por outro lado, na ausência de sistemas de financiamento apropriados, as empresas tendem a

ter uma capacidade de crescimento atrelada aos lucros retidos, o que, nos casos dessas

economias, pode significar um limite permanente à sua expansão. As empresas podem,

ainda, ter uma estrutura de financiamento com elevado grau de fragilidade financeira,

decorrente da necessidade de financiar investimentos de longo prazo por meio de recursos

obtidos sob a forma de empréstimos. Ademais, diante desse quadro, como o pagamento das

dívidas contraídas depende dos lucros, as empresas estarão fortemente suscetíveis a

53 “Companies tend to turn to bank financing when the growth rates they choose to pursue exceed the capital they can obtain from retained earnings and securities issues. This is why credit-based systems tend to be tied to late and rapid growth; investigation will show that in late-developing countries the state has helped to organize the provision of financial resources” (Zysman, 1983, p.63). 54 Ver em Studart, 1995/96.

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variações no nível de renda. No caso de redução do nível de atividade e queda de suas

vendas, as empresas tenderão a recompor suas margens de lucros por meio de uma elevação

dos preços de seus produtos, gerando pressões inflacionárias.

A análise desenvolvida em 1932 por Berle & Means teve como referência a experiência

americana, e entendeu que o processo de dissociação entre propriedade e controle seria

inevitável, afirmando, assim:

“Esse sistema promete ser tão abrangente quanto o sistema feudal em sua época. Exige que

examinemos tanto suas condições quanto suas tendências, para entendermos a estrutura sob a

qual se baseará a ordem econômica do futuro” (1932, p.38)55.

No entanto, constatou-se que o processo de separação entre propriedade e controle das

empresas não se verificou, por exemplo, nas economias em desenvolvimento. Ademais, no

caso de diversos países desenvolvidos, essa dissociação entre a propriedade e o controle das

empresas não teria atingido o nível e a extensão ocorridos nos EUA 56.

Em decorrência do acima exposto, encontram-se resistências, por parte dos proprietários das

empresas em abrir o capital, ou mesmo expandir a base de acionistas, devido ao receio de

perderem o controle de suas empresas. Nesses casos, como ressaltam Becth et all (2002) e

Roe (2002), permanecem, em larga escala, estruturas onde predominam empresas de

propriedade familiar ou sob o controle de grupos específicos, e, por conseguinte, não há

pulverização do capital da empresa entre os chamados, por Berle & Means, de proprietários

passivos.

Ademais, vale lembrar que o processo de abertura do capital implica custos. Dentre os

custos incorridos pelas empresas basicamente verifica-se: o custo de underpricing57, as

despesas administrativas (taxa de registro, auditorias etc) e a perda de confidencialidade de

suas informações.

55 Esse entendimento fica igualmente claro quando afirmam Berle & Means: “Essa organização da atividade econômica se apóia sobre duas vigas mestras, tendo cada uma delas possibilitado a ampliação da área sob controle unificado. O sistema fabril, base da Revolução Industrial, levou um número cada vez maior de trabalhadores a se colocar diretamente sob uma única administração. Depois disso, a sociedade anônima, cujos efeitos são igualmente revolucionários, colocou a riqueza de inúmeras pessoas sob o mesmo controle central” (Berle & Means, 1932, p.34). 56 “with the exception of the US some form of concentration of ownership and/or voting control is the most common corporate governance arrangement in OECD and developing countries” (Becht at all ,p.80, 2002). 57 Ver conceito de underpricing no Capítulo 3.

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Além de implicar custos monetários e não monetários inevitáveis, a abertura de capital

implica benefícios que são incertos, porque estão condicionados à liquidez de suas ações no

mercado. Como benefícios usualmente apontados têm-se, principalmente, a redução do

custo de capital e a maior facilidade para obtenção de recursos (Barros et al, 2000).

Do ponto de vista do acionista, diante de uma estrutura de capital concentrada, a figura do

administrador tende a se confundir com a figura do acionista controlador, na medida em que

o primeiro estará, na verdade, representando o segundo. O problema de agência e de

assimetria de informações, bem como de conflito de interesses, ficaria, nesse caso, mais

claramente definido na relação acionista controlador e acionista minoritário, podendo

originar situações de abuso de controle.

Vale notar, ainda, que os mercados de capitais caracterizam-se por atenderem,

principalmente nos seus segmentos mais tradicionais, ou seja, no mercado de ações e

debêntures, às demandas de recursos provenientes do segmento de empresas de maior porte.

Nesse caso, as necessidades de recursos das pequenas e médias empresas podem ficar

desassistidas58.

Da mesma forma, o setor bancário, usualmente, apresenta estrutura concentrada e também

direcionada ao atendimento das grandes empresas.

Em decorrência desse conjunto de fatores, tendo em vista as necessidades de recursos para o

financiamento e, principalmente, o desenvolvimento dessas economias, demonstra-se a

importância de prover fontes adicionais de recursos, a partir de experiências bem sucedidas.

Esta necessidade pode ser exemplificada pela experiência coreana que, além de adotar

políticas de estímulo ao desenvolvimento do mercado de capitais, atribuiu importante papel

às instituições financeiras públicas voltadas para o desenvolvimento.

58 Nesse ponto as exceções são possíveis, mas tendem a referirem-se a desenhos mais específicos. Destaca-se nesse sentido o exemplo chileno. Contrariando as características normalmente associadas a esses mercados nas economias mais avançadas, o mercado chileno de debêntures destaca-se pela participação expressiva de empresas emissoras de menor porte. Isto, segundo Glen & Pinto (1994), é decorrência da elevada concorrência dos fundos privados chilenos que faz com que as emissões de pequeno valor encontrem preços competitivos.

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Dessa forma, são claras as dificuldades estruturais que podem ser encontradas para a

consolidação de mercados de capitais em economias em desenvolvimento que possam

representar uma fonte importante de recursos para as empresas.

No que se refere ao papel da regulação, a história dos países desenvolvidos com

experiências bem sucedidas de desenvolvimento do mercado de capitais - os casos

americano e inglês - demonstram que foi possível o surgimento desses mercados, apesar da

ausência de estruturas regulatórias apropriadas. Nessa primeira fase, ao menos, o fator

legal/regulatório não foi uma condição necessária, e, além dos estímulos oriundos dos

ganhos esperados com essas operações, foram importantes os mecanismos que atuaram de

forma a reduzir as incertezas desses contratos e proteger os investidores, conforme discutido

no Capítulo 4. Cabe ressaltar que os mecanismos extra mercado ressaltados são bem

específicos e resultam da experiência histórica que se promoveu nesses países no âmbito

desses mercados. Na ausência de mecanismos dessa natureza haverá um papel importante

para os instrumentos legais/regulatórios, com o intuito de proteger o investidor, como

analisado no Capítulo 3. No entanto, não foi possível se depreender da análise dessas

experiências históricas bem sucedidas uma relação positiva direta entre proteção e

desenvolvimento desses mercados.

A esse respeito, situação inteiramente diversa é configurada no caso dos países em

desenvolvimento, visto que os processos de abertura dos capitais domésticos a investimentos

estrangeiros de portfólio têm imposto um concomitante processo de uniformização dos

padrões de informação, harmonização da regulamentação e dos mecanismos de supervisão.

Dessa forma, uma questão que se apresenta, para o caso de mercados de capitais ainda

incipientes ou pouco desenvolvidos, é se a implementação de uma regulação apropriada

pode ser fator de desenvolvimento desse mercado.

A história do mercado de ações e, em especial a Crise de 1929, teria revelado as

insuficiências e falhas do mercado e a necessidade de regulação. Trata-se de direitos de

propriedade que representam expectativas de pagamento transacionados em mercados

públicos na presença de um conjunto de instituições de suporte privadas. Nesse caso, as

forças de mercado se revelaram insuficientes para promover espontaneamente um sistema

de informação eficiente, assim como para reduzir a níveis apropriados o risco de conflito de

interesse entre os diferentes agentes que ali atuam.

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No Brasil, desde meados dos anos 60, realizaram-se esforços no sentido de aprimorar os

instrumentos regulatórios voltados para o mercado de capitais. No nosso caso, foi, porém, o

estouro da bolha especulativa, ocorrido em 1971, e a posterior fuga dos investidores, o

marco a partir do qual o Governo implementou reformas mais profundas, como a

promulgação da Lei das S.A. e a criação de órgão regulador especificamente voltado para

regular, supervisionar e fiscalizar esse mercado.

A 2ª parte desse trabalho pretende analisar o arcabouço legal e regulatório do mercado de

capitais no Brasil resultante das reformas implementadas a partir de 1976, destacando-se, em

especial, os instrumentos de proteção ao investidor, com enfoque no período relativo aos dez

primeiros anos de atuação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Nessa parte investigam-se as características principais que nortearam as reformas que se

iniciaram com a promulgação da Lei no 6.385 e da Lei no 6.404, ambas em 1976, e que

deram seguimento por meio dos atos normativos expedidos pelo novo órgão regulador e

com as medidas voltadas para a atuação dos investidores institucionais. Objetiva-se verificar

em que medida as mudanças significaram, de fato, um avanço no que diz respeito a

proporcionar instrumentos adequados de proteção aos acionistas das companhias abertas.

Adicionalmente, analisa-se o comportamento do mercado ao longo desse período,

ressaltando as possíveis implicações das mudanças legais e regulatórias promovidas.

5.2 - As Reformas Financeiras dos anos 60 e a Lei do Mercado de Capitais (Lei no

4728/65)

5.2.1 - Antecedentes

Em meados de 60, o sistema financeiro em operação no Brasil já demonstrava sua

inadequação frente às exigências da economia, em especial diante dos desafios impostos

pelo fim do ciclo de crescimento e frente às mudanças estruturais da economia que

resultaram do esforço consubstanciado no Plano de Metas (1956/60).

Na ausência de fontes privadas que provessem recursos de longo prazo para os

investimentos privados, o crescimento consubstanciado nos anos 50 havia sido financiado,

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primordialmente, por recursos públicos, destacando-se o papel do BNDE e do Banco do

Brasil, e, por empréstimos externos.

A partir de 1962 ocorreu a reversão do ciclo de crescimento que teria se iniciado no final

dos anos 40. O crescimento do PIB cai de 10,3% em 1961, para 5,2% em 1962 e 1,6% em

1963, enquanto a inflação anual de 40% em 1959 chegou a 90% em 1964.

Por outro lado, a indústria de bens de consumo duráveis, que liderou o crescimento do setor

industrial no período do Plano de Metas, requeria mecanismos de financiamento de médio

prazo ao consumo.

Considerando o tripé constituído pelas três fontes de financiamento - os recursos públicos,

privados nacionais e estrangeiros - a reforma financeira de 1964/65 teve o objetivo de

consolidar, no contexto acima destacado, o braço privado e promover, ainda, uma maior

abertura da economia ao capital externo, mas dando seguimento ao papel fundamental até

então atribuído aos bancos públicos.

Constavam como fatores usualmente considerados impeditivos para o desenvolvimento do

mercado de ações a inflação, que tendia a concentrar o mercado em torno das ações mais

rentáveis, o acesso difícil a informações, a desorganização das Bolsas, o monopólio dos

corretores públicos que criavam condições propícias a manipulações, e os excessivos

impostos 59.

A reforma representada pelas denominadas Lei Bancária (Lei no 4595/64) e Lei do Mercado

de Capitais (Lei no 4728/65) tinha, nitidamente, o intuito de constituir um sistema financeiro

à semelhança do sistema financeiro americano: competitivo, segmentado e com importante

papel do mercado de capitais como fonte de recursos de longo prazo.

Do ponto de vista institucional, a reforma reconfigurou completamente o sistema financeiro

brasileiro. Dentre as mudanças institucionais implementadas destacam-se a criação do

Conselho Monetário Nacional, como órgão disciplinador, e a criação do Banco Central,

como órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro e do mercado de capitais.

59 Ver Almeida, J.S.G. (1984).

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Adicionalmente, a reforma criou os bancos de investimento, as sociedades de investimento e

os fundos de investimento.

5.2.2 - Os princípios da divulgação de informações e da auto-regulação

A Lei no 4.728/65 foi a primeira disciplina voltada basicamente, ainda que não

exclusivamente, para o mercado de capitais. Essa lei continha, a espelho da legislação

americana, os dois princípios fundamentais que nortearam a legislação daquele país,

introduzidos nos anos trinta por meio do Securities Act de 1933 e do Securities and

Exchange de 1934: o princípio de divulgação das informações e o princípio da auto-

regulação.

Com efeito, a divulgação de informações encontrava-se dentre as finalidades e as atribuições

do CMN e do Bacen, previstas na Lei no 4.728/65, a saber: facilitar o acesso do público a

informações sobre os títulos ou valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as

sociedades que os emitirem; proteger os investidores contra emissões ilegais ou

fraudulentas; evitar modalidades de fraude ou manipulação; assegurar a observância de

práticas comerciais eqüitativas por todos aqueles que exerçam, profissionalmente, funções

de intermediação; regular o exercício da atividade corretora de títulos mobiliários e de

câmbio.

Nesse sentido, era da competência do Banco Central, de acordo com o disposto na Seção I

da Lei no 4.728/65, registrar títulos e valores mobiliários para efeito de sua negociação nas

Bolsas de Valores e registrar as emissões de títulos ou valores mobiliários a serem

distribuídos. Cabia também a esse órgão regulador fiscalizar as sociedades emissoras de

títulos ou valores mobiliários negociados na Bolsa relativamente à publicidade de sua

situação econômica e financeira, à sua administração e à aplicação dos seus resultados, à

proteção dos interesses dos portadores de títulos e à utilização de informações não

divulgadas ao público em benefício próprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que a

elas tenham acesso, em virtude dos cargos que exerçam.

A Lei no 4.728, conforme previsto nos art. 19 e 20, determina a obrigatoriedade desses

registros. Nenhuma emissão de títulos ou valores mobiliários poderia ser lançada, oferecida

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publicamente, ou ter iniciada a sua distribuição no mercado sem estar registrada no Banco

Central, assim como somente poderiam ser negociados nas Bolsas de Valores os títulos ou

valores mobiliários de emissão das empresas registradas no mesmo.

A obrigatoriedade dos registros visava garantir a disponibilidade dessas informações ao

público.

No que se refere ao registro das empresas emissoras compete ao CMN expedir normas

gerais relativas a informações, documentos, periodicidade, padrões de organização contábil,

etc.

Por sua vez, relativamente ao pedido de registro dos títulos ou valores mobiliários emitidos

pelas companhias, compete ao CMN, de acordo com a Lei no 4.728, estabelecer normas

gerais sobre as informações que deviam ser prestadas relativas: à situação econômica e

financeira, administração e acionistas que controlam a maioria de seu capital votante, às

características e condições dos títulos ou valores mobiliários a serem distribuídos e às

pessoas que participarão da distribuição. Previu, ainda, que deviam ser apresentados os

prospectos e quaisquer outros documentos a serem publicados, ou distribuídos, para oferta,

anúncio ou promoção de lançamento da emissão.

Completando os requisitos para o funcionamento do sistema de divulgação de informações,

o art. 5º da Lei no 4.728 no seu, caracterizou o sistema de distribuição de títulos ou valores

mobiliários como aquele constituído pelas: Bolsas de Valores e sociedades corretoras que

sejam seus membros; instituições financeiras autorizadas a operar no mercado de capitais; e

sociedades ou empresas que tivessem por objeto a subscrição de títulos para revenda, ou sua

distribuição no mercado, e que sejam autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Seria por

meio desse sistema de distribuição que podiam ser feitas as colocações de títulos ou valores

mobiliários (art. 16).

E, por último, conforme exemplificado pela referida Lei, a colocação ou distribuição de

títulos ou valores mobiliários nos mercados financeiros e de capitais a negociação, oferta ou

aceitação de oferta para negociação e aquela que ocorre:

a) mediante qualquer modalidade de oferta pública;

b) mediante a utilização de serviços públicos de comunicação;

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c) em lojas, escritórios ou quaisquer outros estabelecimentos acessíveis ao público;

d) através de corretores ou intermediários que procurem tomadores para os títulos.

Já o sistema de auto-regulação, o segundo princípio assumido pela reforma, se encontrava

previsto, no art. 6 da Lei no 4.728, que estabeleceu a autonomia administrativa, financeira e

patrimonial das Bolsas de Valores e a supervisão de suas operações pelo Banco Central, de

acordo com regulamentação expedida pelo CMN. A função das Bolsas de fiscalizarem seus

membros, evidentemente fundamental para a complementação do sistema de auto-regulação,

foi disposta mediante Resolução do CMN no 39/69, na medida em que estabelece como

objeto social das Bolsas “preservar elevados padrões éticos de negociação e comportamento

para seus Membros e para as sociedades emissoras de títulos e valores mobiliários,

fiscalizando seu cumprimento e aplicando penalidades aos Membros e às sociedades

emissoras que deixarem de corresponder aos referidos padrões” (Grifo nosso).

Por meio dessa Resolução, a reforma também promoveu importantes mudanças no

funcionamento das Bolsas. A figura do corretor público, cargo hereditário e vitalício

nomeado pelo Governo, representava, no entendimento dos reguladores, um desestímulo ao

exercício eficiente da profissão. Tal figura foi substituída pela sociedade corretora, sujeita à

autorização e fiscalização do BACEN.

5.2.3 - Bancos de Investimento

A Reforma Financeira previa, no âmbito do seu objetivo de segmentar e especializar o

sistema financeiro brasileiro, instituições com funções definidas e instrumentos próprios de

atuação. Bancos comerciais seriam responsáveis pelas operações de curto prazo, tendo como

fonte de recursos os depósitos à vista e como ativos, empréstimos e descontos de duplicatas.

As financeiras responderiam pelas necessidades de prover crédito de médio prazo,

especialmente, para o financiamento de bens de consumo duráveis, tendo como fonte de

captação os aceites cambiais.

Nesse contexto, destacava-se, a criação dos bancos de investimento instituições que

exerceriam papel chave no desenvolvimento do mercado de capitais, a exemplo do ocorrido

no mercado americano. No projeto original da reforma, a fonte de captação dessas

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instituições consistiria em títulos de prazo superior a um ano com correção monetária,

colocados no mercado interno e junto a instituições bancárias estrangeiras, e do lado do

ativo praticariam operações relacionadas com a concessão de crédito a médio e longo

prazos, por conta própria ou de terceiros, subscrição para revenda e distribuição no mercado

de títulos e valores mobiliários. Dessa forma, essas instituições responderiam pelo crédito de

mais longo prazo e fortaleceriam o processo de capitalização das empresas.

No entanto, os acontecimentos não evoluíram conforme o esperado. As dificuldades de

colocação de títulos de mais longo prazo no mercado interno teriam acarretado uma pressão

por parte dos bancos de investimento e, posterior flexibilização da gestão financeira após as

reformas. Dessa forma, essas instituições acabaram passando a realizar operações voltadas

ao financiamento de capital de giro de curto e médio prazo, com a conseqüente tendência de

encurtamento dos prazos também nas suas operações do lado do ativo. Não se constituíram,

portanto, no suporte que se previa ao mercado de capitais.

5.2.4 - Conceito de Sociedade Anônima de Capital Aberto (SACAs)

A expressão sociedade anônima de capital aberto havia sido definida em 1964 por lei que

visava proporcionar incentivos fiscais às companhias cujas ações estivessem distribuídas

entre o público (Lei Fiscal no 4.506, de 30.11.64). Nesse caso era o critério de dispersão das

ações, que permitia caracterizar as empresas como de capital aberto. As companhias

deveriam ter pelo menos 30% de ações com direito de voto, cotadas em Bolsa de Valores,

pertencentes a, no mínimo, 200 acionistas, sendo que nenhum deles poderia ser titular de

ações representativas de mais de 3% do capital da companhia.

A Lei de Mercado de Capitais (Lei no 4.728/65) eliminou os requisitos definidos pela antiga

lei, e concedeu poderes ao CMN para instituir periodicamente as condições necessárias às

sociedades anônimas para serem consideradas de capital aberto.

As primeiras exigências fixadas definiam uma série de critérios, com um nível elevado de

detalhamento, que comprovassem um elevado grau de negociabilidade, ou liquidez, dos

títulos emitidos em Bolsas de valores, e também de dispersão da propriedade do capital das

empresas (Resoluções do Banco Central no 16 e 26, de 10.02.66 e Circular do Bacen no 32,

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de 04.66) 60. Esses critérios eram, no entanto, de difícil operacionalidade e, ainda, não

asseguravam uma expansão do grau de pulverização do capital.

Posteriormente, mediante a Resolução no 106/68, do CMN, foram abolidas as exigências de

liquidez, no caso de registro simples, e mantidas as exigências relativas ao grau de dispersão

do capital, sendo novidade a obrigatoriedade de que o capital da companhia estivesse

progressivamente ampliando sua dispersão61. Assim, essa Resolução definiu como

requisitos para que as empresas continuassem a se beneficiar de incentivos fiscais a

comprovação de dois em dois anos de que o número de acionistas minoritários ordinaristas,

e sua percentagem, com relação ao capital, haviam aumentado em 10%, comparativamente

às ações antes adquiridas, até que o público em geral, detivesse 49% do capital da

companhia.

A simplificação das exigências teria tornado mais realista o grau de exigência e facilitado

sua operacionalidade tendo sido fator de contribuição para a expansão do número de

SACAs.

Por meio da Resolução do Banco Central no 176, de 1971, foram introduzidas novas

modificações. As exigências relativas à expansão da dispersão do capital na forma dos

acréscimos das ações em poder do público passaram a poder ser computadas com base no

somatório das ações ordinárias e preferenciais, e não unicamente com base nas primeiras,

como havia sido anteriormente determinado. Tal alteração teria sido um fator adicional de

estímulo para o aumento do número de companhias registradas porque permitia às empresas

ampliarem o grau de dispersão do capital, conforme exigido, mediante aumento de capital

via subscrição de ações, mas sem o risco de perda de controle, ao emitirem ações

preferenciais.

60 Por meio das Resoluções do CMN no 16 e 26, de 10.02.66 e Circular do Bacen no 32, de 04.66, exigia-se : a) com relação ao grau de negociabilidade: a ocorrência de operações de compra e venda pelo menos um vez por semana e cinco vezes ao mês, envolvendo valores de no mínimo CR$ 8 mil semanais e Cr$ 40 mil mensais, sendo que o volume mensal de ações negociadas deveria ser superior a 0,25% do número de ações emitidas; b) com relação ao grau de dispersão da propriedade: 15% do capital deveria estar distribuído a pelo menos 500 pessoas físicas e jurídicas, cada uma possuidora de um mínimo de 100 e no máximo 20 mil ações. Adicionalmente, empresas em fase de lançamento de ações ao público podiam ser consideradas companhias de capital aberto se estivessem se empenhando para obter elevado grau de negociabilidade de suas ações. E, ainda, num prazo de 180 dia após a publicação das Resoluções, empresas seriam declaradas de capital aberto caso tivessem ações efetivamente cotadas nas Bolsas de valores e seu capital com direto a voto pertencesse, pelo menos, em 30%, a mais de 200 acionistas, que não poderiam ter cada um mais de 3% do capital. 61 Para o critério de dispersão, a Resolução do Banco Central no 106/68, estipulou que pelo menos 20% de suas ações ordinárias deveriam estar distribuídas ao público entre um número mínimo de acionistas, de acordo com o Estado em que localizava-se a companhia.

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A partir de 1968, conforme será analisado mais adiante, cresce o número de companhias

registradas.

5.2.5 - Os Incentivos fiscais – a regulação dos fundos 157

O governo militar assumiu em 1964, em uma conjuntura de crescimento da economia

praticamente nulo e inflação. Adotou-se à época uma política monetária de cunho mais

restritivo, ainda que com um programa gradualista de metas, tendo em vista a preocupação

em torno de uma recuperação do crescimento. As metas monetárias nem sempre foram

atingidas, mas, em 1966, a política monetária foi especialmente restritiva, o que acoplado

com uma política fiscal que já se revelava restritiva desde 1964, resultou em um quadro

fortemente recessivo, com impactos especialmente negativos sobre o setor produtivo, que,

em decorrência cresceu em média 2,6% ao ano no período decorrido entre 1962 e 1967. Tal

cenário resultou em processos de falências e concordatas, fundamentalmente por parte das

pequenas e médias empresas, bem como, em um elevado nível de evasão fiscal.

Esse processo de reversão do ciclo de crescimento, que se deu a partir de 1962, revelou os

limites do sistema de financiamento adotado para o setor privado, que havia vigorado na

fase de ascensão. O setor privado que financiara seus investimentos, basicamente, com

linhas de crédito de curto prazo junto às instituições privadas, encontrava dificuldades de

administrar o descasamento entre as receitas oriundas desses investimentos e o vencimento

das obrigações, num contexto, então, de queda de suas vendas, e, concomitante redução de

sua capacidade de autofinanciamento.

Observou-se, igualmente, um processo de ampliação por parte das empresas de investimento

em ativos não-produtivos, basicamente imóveis, uma das formas que teriam encontrado de

se defender contra a desvalorização da moeda.

Nesse contexto, a implementação dos incentivos fiscais definidos por meio do Decreto-Lei

no 157/67 espelhava as preocupações existentes em torno da necessidade de capitalização

das empresas. Afirmava-se, assim, em sua exposição de motivos: “Seria, (...) deplorável que

o governo concedesse uma dedução de imposto para estimular a compra de ações em Bolsa,

contribuindo para sua valorização, sem ter a certeza da imediata conjugação desse

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movimento com a capitalização das empresas e o declínio da pressão sobre o crédito. A

situação da Bolsa é uma conseqüência. A causa está na descapitalização das empresas, cada

vez mais corroídas pelos exageros do apelo ao crédito. O essencial e urgente consiste em

suprir capital às empresas, por meio de aquisição de ações novas ou debêntures, em prazo

longo de vencimento”.

O incentivo previsto no Decreto-Lei 157/67 consistia na isenção de uma parte do Imposto de

Renda para pessoas físicas e jurídicas e destinação dos recursos assim provenientes às

instituições financeiras autorizadas que deveriam, por meio de fundos de investimento - os

Fundos de Investimento 157, aplicá-los na compra de ações e debêntures novas, emitidas

por empresas.

As empresas deveriam, cumulativamente, aplicar os recursos provenientes do aumento de

capital em capital de giro, assegurando a proporção entre dívida e capital próprio, sendo,

para efeito dessa lei, consideradas como capital próprio às debêntures conversíveis em ações

de prazo mínimo de três anos. Esse Decreto procurava também estimular as empresas a

reduzirem a participação no seu imobilizado dos ativos não produtivos.

Dessa forma, diante do quadro de elevada fragilidade financeira das empresas, a

implementação de incentivos fiscais reforçavam os objetivos originais da reforma financeira

de 1964/65 consubstanciando uma tentativa de desenvolver o mercado de capitais e

capitalizar as empresas.

Adicionalmente, essa iniciativa representou um esforço de atrair, estimular e educar os

investidores individuais, que se esperava, poderiam, a partir dessa experiência, continuar a

investir nesse mercado. Isso se justificaria porque, por exemplo, os incentivos não se deram

de forma direta na forma de subsídios ou redução fiscal às empresas emissoras. Ao

contrário, o sistema de Fundos-157 representou um esforço institucional razoável, por meio

de um sistema de operação de certo engenhoso, no qual contribuintes se transformavam em

investidores de fundos.

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Contudo, foram inúmeras as modificações na legislação que se procederam desde sua

implementação em 196762. Dentre elas ressalta-se algumas medidas implementadas em 1972

e 1974 que permitiram que os Fundos 157 pudessem exercer melhor sua função de

investidores institucionais ao alargar o tempo de permanência dos recursos no fundo -

inicialmente, de apenas dois anos - e ao permitir uma significativa elevação dos recursos

disponíveis no sistema.

Considerando o mercado primário como um todo, esses fundos representaram, em média, no

período 1975/78, uma participação em torno de 20% no volume total de colocações

registradas (ver Tabela 14 - Anexo).

No que se refere ao mercado de Bolsa, os fundo-157 tiveram papel pouco significativo no

giro dos negócios, representando, com base numa amostra dos 20 maiores fundos, 4,25 %,

em média, do volume total negociado na BVRJ e BOVESPA, no período 1976/78 (ver

Tabela 15 - Anexo).

Esses fundos tiveram, no entanto, papel importante como supridor constante de recursos

líquidos. Os dados disponíveis para o período decorrido entre 1975 e 1977 demonstram

entrada líquida de recursos de aplicações em Bolsa por parte dos fundos-157 em

comparação a saída líquida de recursos dos fundos mútuos (Ver Tabela 15 - Anexo). E, no

que se refere ao valor da carteira consolidada, desde 1974, se confirmaram como o principal

investidor institucional brasileiro, superando os fundos mútuos, e perdendo essa posição

somente em 1982, para as entidades fechadas de previdência privada.

No entanto, apesar das inúmeras modificações observadas, alguns problemas se mantiveram

ao longo do tempo. Do ponto de vista do investidor, conforme destaca os diagnósticos

elaborados pela CVM à época (CVM, 1978 e 1979), ao menos dois aspectos se revelaram

especialmente negativos: i) a não obrigatoriedade legal de distribuição dos rendimentos na

forma de dividendos ou juros dos títulos que compunham a carteira dos fundos em favor dos

62

As inúmeras modificações na legislação que se procederam desde sua implementação se referem a um conjunto bem amplo de aspectos a saber: alocação dos investimentos no mercado primário e secundário, critérios das empresas a serem beneficiadas, percentuais de dedução do imposto de renda, tempo de permanência dos recursos no sistema, forma operacional de utilizar o benefício, exigências relativas à atuação das instituições administradoras, critérios de diversificação da carteira dos fundos etc.

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cotistas dos fundos e ii) as limitadas ou inadequadas informações prestadas pelos fundos aos

seus cotistas.

Tais fatores poderiam explicar o pouco interesse da parte dos contribuintes/investidores nas

aplicações do fundo e nos resultados delas provenientes63. O pouco interesse poderia

originar-se, em parte, também, porque o investidor dos fundos poderia já se considerar

satisfeito com o ganho inicial relativo ao montante não pago ao fisco, que não lhe requeria

nenhum esforço adicional de poupança. Fatores como as constantes mudanças de regras, em

especial, o alargamento do período de indisponibilidade das cotas e o resgate parcelado

poderiam ter sido fatores de desestímulo, de confusão e desinformação por parte dos

contribuintes/investidores.

Em decorrência desse conjunto de fatores, observou-se concentração da administração dos

fundos em um número restrito de grandes instituições, em geral associadas aos grandes

conglomerados financeiros, não tendo o montante aplicado nos fundos 157 uma relação com

o retorno proporcionado (ver Tabela 16 - Anexo). Ao que tudo indica, as grandes

instituições financeiras teriam assumido uma participação privilegiada nesse mercado

devido à sua extensa rede de captação, constituída de um grande número de agências

bancárias.

Medidas que procuraram enfrentar a algumas das dificuldades acima descritas foram

implementadas, somente em 1978, quando a CVM já respondia como órgão regulador do

mercado de capitais. Serão, assim, analisadas mais adiante.

5.3 - O Mercado de Capitais Brasileiro nos anos 70

O processo de queda nas taxas de crescimento da economia vivenciado durante o período

1962/67 foi revertido, e uma nova fase expansiva se conforma no período 1967/74 com o

chamado “Milagre” econômico, fase na qual o crescimento médio do produto industrial

correspondeu a 13%. Tal comportamento foi, basicamente, sustentado, no âmbito externo,

63 Os dados disponíveis indicam, por um lado, um grau de ociosidade na utilização dos incentivos por parte dos contribuintes, demonstrado pela não utilização das cautelas dos CCAs disponibilizadas pela SRF, e, por outro, a permanência de um volume considerável de recursos no sistema dos fundos – 157 mesmo após a data de resgate.

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pela liquidez vigente no mercado internacional, e, no âmbito interno pelo elevado nível de

capacidade ociosa pré-existente e por uma política monetária e fiscal mais folgada.

Relativamente à expansão do número de Sociedades Anônimas de Capital Aberto e a

atuação dos fundos -157 é possível verificar diferentes fases nesse período. O período de

1966 a 1969, constituiu-se numa primeira fase, denotando crescimento rápido do número de

SACAs que atingiu um total de 296, tendo nesse resultado grande participação os fundos-

157 que atuaram praticamente como única fonte de recursos novos no mercado primário.

Em grande medida, a euforia decorrente do período de crescimento econômico acelerado, a

elevação dos lucros, aliadas ao sentimento crescente à época, de que o mercado de capitais

seria capaz de proporcionar grandes resultados financeiros a quem nele aplicasse seus

recursos, trouxeram para o mercado de Bolsa, notadamente a partir de 1970 um grande

número de investidores individuais. Tal movimento acabou por acarretar um crescimento

desproporcional dos preços das ações e do volume de negócios ao longo do primeiro

semestre de 1971, e, com ele a inevitável queda posterior das cotações, a partir do segundo

semestre, quando essas expectativas revelaram-se demasiadamente otimistas, conformando,

a partir de então, um quadro de crise e de estagnação do volume de negócios. Tal quadro vai

se recuperar, de forma mais significativa, somente em 1976, com a expansão do nível de

atividade econômica, resultante de um novo ciclo de crescimento, que, no entanto, se

revelou bem menos sólido que o ciclo de crescimento anterior.

O movimento de expansão do mercado secundário entre 1967/71 parece ter tido, juntamente

com a aceleração da atividade econômica, efeitos claros sobre o mercado primário de títulos.

Em 1971 ocorreu um volume recorde de emissões. Nesse período, no entanto, a participação

dos investidores institucionais foi diminuta, destacando-se a participação dos investidores

individuais.

Considerando o período 1968/73 como um todo, verificou-se uma expansão extraordinária

do número de Sociedades Anônimas de Capital Aberto (SACAS) que cresceram de 289, em

1968, para 400, em 1971, chegando a 610, em 1973, ou seja, dobraram em cinco anos. Tais

resultados espelham, em grande medida, os efeitos dos incentivos fiscais atribuídos às

companhias abertas, principalmente a simplificação dos critérios para efetuação desse

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registro, em 1968 e em 1971, conforme destacado anteriormente, e a fase de crescimento

econômico, e, em especial, o período de auge das Bolsas.

No entanto, o mercado primário sofreu os efeitos dos reveses no mercado secundário, sendo

o ano de 1972 o ponto de inflexão na curva de crescimento das SACAS, o que refletiu,

também, o processo de desaceleração do crescimento da economia. O processo de abertura

de capital foi pouco significativo no período decorrido entre 1974 e 1977 e o total de

SACAS, entre as novas empresas que se registraram e as que cancelaram seu registro,

chegou a decrescer, a partir de 1974, e atingiu o número de 551 empresas, em 1977, em

comparação com 610 empresas em 1973. Nessa fase, é possível que os fundos de

investimento – 157 tenham exercido algum papel no sentido de fazer com que esse número

não viesse a cair ainda mais.

A crise de 1971, que resultou na fuga dos investidores da Bolsa e queda abrupta dos preços e

volumes negociados, representou a pá de cal nas esperanças de que o mercado de capitais

pudesse vir a representar naquele momento o papel de destaque desejado no processo de

financiamento do crescimento econômico no Brasil.

O primeiro choque do petróleo em 1972 impôs novos desafios à política econômica e ao

desenvolvimento econômico. Apesar da elevação da liquidez internacional, devido à

rolagem dos petrodólares, a economia demonstrava desequilíbrios no saldo de transações

correntes, que derivavam das pressões sobre as importações oriundas da elevação dos preços

do petróleo e do processo acelerado de crescimento das importações em curso.

Em tal cenário, a implementação do II PND, em 1974, consistiu num esforço de enfrentar tal

situação ampliando a produção nacional de setores considerados fundamentais, que

representavam um gargalo e pressionavam nossa pauta de importações. Reedita-se a

institucionalidade do financiamento de longo prazo do investimento vivenciada no período

do Plano de Metas, com base no investimento público e empréstimos estrangeiros,

novamente, portanto, sem o braço privado.

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Capítulo 6 – A CVM e A Regulação sobre as Companhias Abertas - 1976/1986

6.1 - A Criação da CVM - Princípios, Objetivos, Função e Poderes do Novo Órgão

Regulador.

6.1.1 – O quadro vigente à época e o papel da CVM

No âmbito dos esforços empreendidos pelo governo à época, destacou-se a criação de órgão

regulador específico e especializado para o mercado de títulos e valores mobiliários. Seguia-

se, assim, o desenho institucional implementado para o regulador do mercado de capitais

nos Estados Unidos, como analisado no Capítulo 4 e, também, o caso francês, tendo em

vista a criação pelo Governo da França da “Comissão de Operação de Bolsa”, em 1967.

Dessa forma, mediante a Lei no 6.385, de 07.12.76, criou-se a Comissão de Valores

Mobiliários.

Tal medida sugeria que o entendimento à época por parte do Governo brasileiro era de que o

Banco Central não estava sendo capaz de abraçar, na dimensão necessária, a tarefa de

regulador do mercado de capitais e que, por outro lado, um órgão especializado estaria mais

preparado para vencer os desafios que se colocavam. Defendem, assim, Lamy Filho e

Pedreira (1992):

“A experiência de 1971 convenceu a muitos da necessidade de atribuir-se a um órgão especializado

do Governo federal a competência para policiar o mercado, que a Lei no 4.728/65 cometera ao

Banco Central. Desde sua criação, o Banco Central ganhara diversas outras atribuições (...) e no

conjunto de todas as suas atividades a função de fiscalizar os mercados de capitais ficava

necessariamente relegada a um dos seus departamentos, sem os meios nem o status indispensáveis

para o exercício eficiente dessa função” (Lamy Filho e Pedreira, 1992, p.138).

Por outro lado, os desafios que se colocavam para o novo órgão regulador não eram, de fato,

pequenos. A fuga dos investidores do mercado secundário devido ao colapso da Bolsa em

1971, a ocorrência usual de emissões irregulares no mercado primário, o fato de que eram

transacionadas na Bolsa tanto ações de companhias de capital aberto como de capital

fechado, e que não estavam submetidas a um acompanhamento específico do regulador,

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tornavam o mercado de capitais um ambiente bastante hostil para o investidor não

especializado. Conforme relatam Lamy Filho e Pedreira (1992):

“milhares de investidores perderam suas economias, em pouco tempo, na voragem das cotações

artificiais e das maquinações de alguns empresários e intermediários inescrupulosos. E tudo sem

defesa eficiente do público investidor e sem que nenhuma sanção ocorresse, num processo oposto

ao que seria desejado para a criação de um forte mercado de capitais de risco” (Lamy Filho e

Pedreira, 1992, p.138).

Evidentemente, um ambiente dessa natureza caracterizava-se por disponibilização precária

de informações e, portanto, elevado nível de assimetrias, insuficiência do nível de

monitoramento exercido pelos investidores e pelo órgão regulador, e inadequação dos

instrumentos de proteção, em especial, do investidor individual e dos acionistas

minoritários.

No que se refere à velocidade da resposta dada pelo Governo brasileiro poder-se-ia avaliá-la

como tendo sido um pouco baixa. De fato, a Lei no 6385 e a Lei das S.A. são promulgadas

cinco anos depois da crise de 1971. No entanto, considerando o exemplo do ocorrido no

mercado americano, que se encontrava a um nível de desenvolvimento bem superior, e cuja

resposta à Crise de 29 veio três anos depois, a resposta no caso brasileiro parece não ter sido

tão demorada. Deve-se considerar, ainda, o esforço que aqui se procedeu de editar a Lei

Societária.

No que concerne à adequação das medidas tomadas pelo Governo brasileiro, pode-se dizer

que foram, em tese, condizentes com o apontado no capítulo 3, em especial, no que se refere

a: 1) formação de uma agência reguladora especializada que desenvolva regras de atuação e

comportamento para os agentes atuantes nesse mercado, determine exigências mínimas de

disponibilização de informações e realize um monitoramento sobre as empresas e demais

agentes atuantes nesse mercado; 2) formulação de leis que protejam os acionistas

minoritários contra o os acionistas controladores.

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6.1.2 – Objetivos e desafios da análise proposta

O objetivo principal desse capítulo consiste em examinar o papel que pôde exercer o novo

órgão regulador nesse contexto, tendo como limite temporal os dez (10) anos seguintes a sua

criação, e analisando mais de perto os pontos 1) e 2) acima destacados, de forma a verificar

se, de fato, foram cumpridos os objetivos neles apontados.

Contudo, analisar como ficou o mercado de capitais no Brasil no período pós CVM,

comparado ao período anterior, apresenta alguns desafios importantes. O mais importante

deles é que, num sentido geral, as atividades de regulação, de monitoramento e de

supervisão a serem exercidas pela CVM, dadas as circunstâncias, poderiam ter, num

primeiro momento, repercussões sobre o mercado mais associadas a aspectos de ordem

qualitativa do que quantitativa, como, por exemplo, a ordenação das emissões no mercado

primário.

Nesse sentido, iremos examinar os esforços regulatórios realizados pela CVM no sentido de

organizar o mercado primário e afastar as emissões consideradas irregulares, dentre eles a

expedição da Instrução CVM no 13, normativo específico que visou a regulamentar o

registro de emissões de ações e debêntures.

Igualmente, serão analisadas as várias Instruções expedidas pela CVM voltadas à

normatização do registro de companhia aberta, visando a regularizar as informações

prestadas por essas empresas ao investidor e ao público em geral. Nesse caso, o papel da

CVM seria, através do monitoramento, melhorar a qualidade e a quantidade das

informações, ou mesmo, em casos mais extremos, proceder ao cancelamento de ofício do

registro de companhia aberta no caso das empresas que de fato não atuavam enquanto tal.

Cumpre-se ressaltar, igualmente, as iniciativas da CVM que pudessem prover formas mais

eficazes de disseminação ao público das informações que eram prestadas pelas companhias

abertas. Isto porque, como afirma Jorge Hilário Gouveia, presidente da CVM de 1979 a

1981, o Banco Central havia atuado como um depositário de informações. Estas ficavam

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arquivadas no órgão regulador, mas não havia nenhum mecanismo por meio do qual as

informações pudessem ser disseminadas no mercado ou para o público em geral64.

Estiveram também nitidamente presentes na política adotada pelo novo órgão regulador

medidas que objetivavam dar uma maior visibilidade a sua atuação. Procedimentos como a

adoção de audiência pública para as propostas de novos atos normativos a serem editados, a

edição de Notas Explicativas para os atos normativos expedidos e o julgamento público para

os processos administrativos.

Esse conjunto de fatores deveria, assim, ter contribuído para que, num sentido geral, a CVM

pudesse ter exercido um papel importante de ordenação do mercado, de fortalecimento do

mercado oficial e de redução do mercado paralelo.

Outro desafio importante encontrado para o desenvolvimento da análise comparativa

proposta resulta da descontinuidade das séries estatísticas, cuja análise permitiria avaliar

indiretamente, via o comportamento do mercado, a atuação do novo órgão regulador. No

caso das emissões primárias, a metodologia que foi utilizada pelo Banco Central não era

compatível com a metodologia que passou a ser utilizada pela CVM65. No caso ainda das

estatísticas relativas ao número de companhias abertas, também, não faz sentido a

comparação entre os períodos pré e pós CVM, porque em lugar do conceito adotado pelo

Banco Central de Sociedade de Capital Aberto (SACA), associado a incentivos fiscais,

adotou-se, a partir da criação da CVM, conceito distinto, o de companhia aberta66. Por

conseguinte, a análise se baseará, principalmente, nas informações disponíveis

correspondentes ao próprio período de 1976-86.

64 Conforme esclareceu Jorge Hilário Gouveia, Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981 e membro do primeiro Colegiado da CVM de 1977 a dezembro de 1979, em entrevista concedida em 26.01.06. 65 O Banco Central considerava para efeito do valor registrado das emissões as sobras das emissões. As sobras correspondem ao saldo que vai para o público, e resultam da dedução do total emitido pela companhia do montante correspondente ao exercício de preferência pelos atuais acionistas e do cumprimento do montante subscrito relativo às garantias assumidas em contrato pelas instituições financeiras subscritoras. Diferentemente, a CVM computa como valor das emissões o total emitido pela companhia, considerando, portanto, o montante relativo ao exercício de preferência pelos acionistas da companhia e ao cumprimento das garantias acordadas. Adicionalmente, o Banco Central permitia as companhias cancelarem, posteriormente, a parcela do valor das emissões registradas que não tinha sido absorvida pelo mercado, o que implicava ajustes constantes do valor das emissões, muitas vezes realizadas em anos posteriores ao seu registro. Diferentemente, a CVM expediu parecer no qual expressava entendimento diverso: as emissões uma vez não totalmente absorvidas deveriam ser anuladas, não deveria ser permitido, à princípio, sua homologação parcial. Isto porque, no entendimento da CVM, as justificativas que fundamentaram a emissão, apresentadas pela companhia no momento do registro, serviam de base à decisão do investidor e levavam em consideração o total de recursos a serem captados. 66 O conceito de companhia aberta será analisado mais adiante.

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Convém observar, por último, que também não seria possível comparar diretamente a

atividade de monitoramento e fiscalização sobre as companhias exercida pela CVM com a

atuação do Banco Central, devido à dificuldade de estabelecer indicadores adequados para

quantificar tais atividades, bem como, para avaliar sua eficácia. Além disso, dados a esse

respeito não chegaram a ser disponibilizados pelo Banco Central.

Considerando os objetivos e desafios mencionados, a discussão acerca do papel exercido

pela CVM, após as reformas de 1976, consistirá em três linhas de análise: i) atividade

normativa promovida pela CVM – voltada para divulgação de informações das companhias

abertas, ii) os direitos dos acionistas minoritários previstos na Lei das S.A. cujos

dispositivos é dever da CVM defender e, quando for o caso, regulamentar, e iii) o

comportamento do mercado de ações e debêntures no período 1976-86. Este último ponto

será analisado ao longo do Capítulo 7.

6.1.3 – A Lei no 6.385/76 - princípios, função e poderes do novo órgão regulador

Os fundamentos e princípios a serem seguidos pela CVM foram estabelecidos por meio do

Voto CMN no 426, de 21.12.78. Dentre os fundamentos, destaque especial foi dado ao

investidor individual por dois motivos, conforme ressaltado no Voto CMN: i) “Este, em face

de seu menor poder econômico e menor capacidade de organização, precisa de proteção, de

forma a resguardar seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias,

dentro da orientação de que seus riscos fiquem limitados apenas ao investimento

realizado...”; ii) “Além disso, o investidor individual é o protagonista da maior relevância no

processo de dispersão da propriedade e de diversificação dos centros de decisão, o que

contribui para aumentar a eficiência do mercado”.

Como princípios, o Voto CMN no 426/78 previu: i) auto-regulação e ii) divulgação de

informações, reforçando as linhas básicas já presentes na Lei no 4.728/65 e, adicionalmente,

iii) qualificação para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários, definindo

a obrigatoriedade de registro de intermediários, com o objetivo de assegurar a presença de

profissionais honestos, capazes e experientes, e iv) definição de regras de conduta para esses

profissionais objetivando dotar o exercício de atividades nesse mercado de padrões éticos.

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No que se refere ao princípio de divulgação de informações, a CVM esclarece em suas

diretrizes que a instituição optará por não emitir juízo de valor acerca das informações

recebidas:

“Abrem-se duas grandes opções para a ação do órgão regulador, partindo-se do pressuposto de que as

forças de mercado e os interesses particulares não são suficientes para assegurar a existência de um

sistema de informações eficiente. A primeira é a de este órgão determinar quais as companhias

elegíveis para captação de recursos junto ao público, a partir de sua própria análise das informações

por elas fornecidas, expondo aos interessados as razões que nortearam sua decisão. A segunda,

escolhida pela CVM, é a de não exercer tal julgamento de valor, zelando apenas pelo fornecimento

adequado de informações, por parte das companhias, ao público investidor. Este, com base nos

elementos colocados à sua disposição, tomará a decisão de adquirir ou não valores mobiliários por ela

emitidos” (Voto CMN no 426/78).

O princípio de divulgação de informações já havia sido previsto na Lei no 4.728, afirma-se,

no entanto, que teria sido adotado basicamente em termos formais, visto que era discutível a

qualidade e a fidedignidade das informações prestadas pelas companhias ao Banco Central

(Eizirick, 1977). Além disso, não havia formas de acesso por parte do público a essas

informações, como acima assinalado, e a regulação voltada para utilização de informação

privilegiada também não era adequada, como será analisado adiante.

Contudo, valem ressaltar, principalmente, os limites desse princípio quando adotado num

mercado de capitais pouco desenvolvido como o brasileiro. O

princípio de divulgação de informações supõe que informação é a melhor forma de proteger

o investidor, o que, por sua vez, supõe que ele terá acesso a mesma e saberá utilizá-la de

forma apropriada. Em termos gerais, as dificuldades de monitoramento para o investidor

individual já foram apontadas no capítulo 3. Essas são, no entanto, ainda maiores, em um

mercado de pouca tradição e reduzido conhecimento e costume por parte dos agentes acerca

do funcionamento e opções de investimento existentes no mercado. Nessas condições, não é

possível assegurar que o investidor, em particular o investidor individual, saberá utilizar as

informações de maneira correta. Ao contrário era a situação do mercado de capitais

americano, já com um nível de desenvolvimento considerável nos anos 20 e 30, quando esse

princípio foi então implementado. Esse ponto poderá ser exemplificado mais

detalhadamente pela pouca importância dada pelo investidor ao prospecto, que será

analisado adiante na seção 6.2.4.b.

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Ainda que, no caso brasileiro, um maior acesso às informações das empresas emissoras

poderia estimular também uma maior especialização por parte dos profissionais de mercado,

tendo em vista que a característica mais predominante à época era a de profissionais com um

perfil mais comercial, ou seja, de vendas, do que propriamente analistas de mercado67.

Diante da falta de conhecimento do investidor individual, o papel a ser exercido pelo órgão

regulador torna-se, então, de maior relevância. Cumpre destacar, notadamente, a

importância que adquire a atividade da CVM de fiscalizar as companhias abertas

priorizando “aquelas que não apresentam lucros em balanço ou as que deixam de pagar o

dividendo mínimo obrigatório”, conforme previsto na Lei no 6385/76.

A Lei nº. 6.385/76 enumerou como valores mobiliários os seguintes títulos: ações, partes

beneficiárias, debêntures, cupons desses títulos, bônus de subscrição e certificados de

depósito de valores mobiliários. A lei autorizou que outros títulos criados ou emitidos pelas

sociedades por ações fossem considerados valores mobiliários, a critério do CMN. Ficaram,

assim, excluídos desse conceito os títulos da dívida pública e os títulos cambiais de

responsabilidade de instituição financeira 68.

Conforme dispõe a Lei no 6.385/76, dentre as competências da CVM estão regulamentar as

disposições nela contidas e fiscalizar as companhias abertas, a emissão, distribuição,

negociação e intermediação de valores mobiliários no mercado, a organização,

funcionamento e operações das Bolsas de valores, a administração de carteiras e custódia de

67 Conforme esclareceu Jorge Hilário Gouveia, Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981 e membro do primeiro Colegiado da CVM de 1977 a dezembro de 1979, em entrevista concedida em 26.01.06. Marco Albino, que atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80, em entrevista concedida em 10.01.2006, ressaltou que eram pobres os instrumentos analíticos utilizados para avaliação das empresas, não era comum, por exemplo, o cálculo do fluxo de caixa. 68 Posteriormente, a Lei nº 10.198/01 ampliou bastante o conceito de valor mobiliário definindo que “constituem valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/76, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço de empreendedor ou de terceiros”. A Lei nº 10.303, também de 2001, ainda ampliou mais esse conceito, considerando como valores mobiliários todos os contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes. Nos anos subseqüentes, uma série de outros títulos, resultado da própria expansão dos instrumentos existentes no mercado, passou a ser considerada como valores mobiliários, ampliando, em grande medida, os limites de atuação da CVM. Foram estes: quotas de fundos de investimento em valores mobiliários; audiovisual, certificados representativos de contratos mercantis de compra e venda à termo de energia elétrica.

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valores mobiliários69, a auditoria das companhias abertas70 e os serviços de consultor e

analista de valores mobiliários71.

No que se refere ao poder disciplinador da CVM sobre as instituições e agentes por ela

regulados, a Lei no 6.385/76 dispôs que a Comissão teria poderes, no exercício de suas

atribuições, para examinar registros contábeis, livros ou documentos, intimar para prestar

esclarecimentos, apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais ou práticas não

eqüitativas.

No sentido de punir os infratores responsáveis pelas irregularidades apuradas, a CVM

poderá aplicar no âmbito do processo administrativo sancionador penalidades previstas na

lei como advertência, multa, suspensão do cargo de administrador ou conselheiro fiscal,

inabilitação temporária, até vinte anos, para o exercício desses cargos, suspensão de

autorização ou registro, cassação de autorização ou registro.

6.2 - A Questão da Divulgação de Informação das Companhias e o Papel Normativo da

CVM

6.2.1 – O conceito de Companhia Aberta

A Lei no 6.404, de 15.12.76, (art. 4º) e a Lei no 6.385, de 07.12.76 (art.9º, inciso V, e art.8º,

Inciso IV) estabelecem que somente os valores mobiliários de companhias registrada na

CVM poderiam ser distribuídos no mercado e negociados em Bolsa ou no mercado de

balcão72. Definem, igualmente, esses dispositivos legais, que a companhia é aberta ou

69 A atividade de custódia é privativa de instituições financeiras e Bolsas de valores, sendo definida como a atividade que envolve depósito para guarda, e registro e controle de recebimento de dividendos e bonificações, resgate, amortização ou reembolso e exercício de direitos de subscrição. Sendo que o depositário não tem poderes, salvo autorização expressa do depositante em cada caso, para alienar os valores mobiliários depositados ou reaplicar as importâncias recebidas. 70 Aos auditores cabe auditar, com exclusividade, as demonstrações contábeis de companhias abertas e de instituições, sociedades ou empresas que integram o sistema de distribuição e intermediação de valores mobiliários. 71 A CVM é, por conseguinte, responsável por controlar, além dos registros das companhias abertas e da emissão pública de valores mobiliários, os registros das empresas de auditoria contábil ou auditores contábeis independentes, administradores de carteiras de valores mobiliários de outras pessoas; consultor e analista de valores mobiliários; agentes autônomos e sociedades corretoras de valores mobiliários; e a atividade de custódia de valores mobiliários. 72 São realizados no denominado mercado de balcão os negócios com valores mobiliários ocorridos fora da Bolsa, mas que envolvem o concurso de instrumentos e agentes de mercado. Esses negócios se diferenciam das negociações particulares, onde comprador e vendedor em contato direto e sem concurso de qualquer

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fechada conforme estejam seus valores mobiliários admitidos ou não à negociação no

mercado de Bolsa ou de balcão, ou seja, companhia aberta é aquela cujos valores

mobiliários são negociados publicamente. Introduziu-se, assim, na legislação o conceito de

companhia aberta, e, com ele a exigência deste registro no órgão regulador.

Tendo em vista a transferência das responsabilidades do Banco Central para a CVM,

determinou-se, por meio da Resolução do Bacen no 436, de 20.06.77, que as sociedades

anônimas emissoras de títulos e valores mobiliários negociáveis em Bolsa e nos demais

integrantes do sistema de distribuição, já registradas naquele banco segundo o regulamento

previsto na Resolução do Bacen no 88, de 30.01.68, e que tivessem seus valores admitidos à

negociação nesses mercados estariam automaticamente registradas na CVM, e seriam,

conseqüentemente, consideradas companhias abertas. Havia, no entanto, sociedades cujos

valores mobiliários negociados em Bolsa não tinham registro no Banco Central. Para esses

casos, a lei deu um prazo dentro do qual essas empresas deveriam, então, obter seu registro.

Dessa forma, as que tinham seus títulos negociados em Bolsa foram automaticamente

registradas na CVM para negociação de seus valores mobiliários nesse mercado, e as que

não tinham seus valores mobiliários ali negociados foram consideradas registradas na CVM

para negociação de seus valores mobiliários em mercado de balcão. A referida Resolução

previa, porém, que os valores mobiliários admitidos à negociação em Bolsa não poderiam

ser negociados no mercado de balcão.

Adicionalmente, em face da existência das sociedades já registradas no Banco Central na

forma de sociedades anônimas de capital aberto (SACA), que respondiam a critérios de

dispersão (exigência de elevação gradual de sua dispersão) e faziam jus a incentivos fiscais,

decidiu-se por: revogar as Resoluções no 106 e no 176, que definiam os requisitos de

dispersão do capital dessas sociedades e unificar os diferentes conceitos, considerando, a

partir de então, como sociedades anônimas de capital aberto todas as companhias abertas

(Resolução do Banco Central no 457, de 21.12.77).

instrumento de mercado buscam concretizar uma operação, não estando, por isso, sujeitos aos mecanismos legais.

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Como resultado dessas alterações, duplicou-se o número de companhias abertas de 552 para

1086, sendo que as companhias que possuíam o certificado de SACA até janeiro de 1977

poderiam ainda gozar dos benefícios vigentes.

6.2.2 - O registro das Companhias Abertas e a atividade normativa da CVM

Em relação às companhias abertas, a Lei 6.385 atribui à CVM competência para expedir,

dentre outras normas, sobre a natureza das informações que devam divulgar e periodicidade

da divulgação; padrões de contabilidade, relatórios e pareceres de auditores independentes;

informações que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores,

relativas à compra, permuta ou venda de ações emitidas pela companhia e por sociedades

controladas ou controladoras; divulgação de deliberações da assembléia geral e dos órgãos

de administração da companhia ou de fatos relevantes etc.

A partir de junho de 1978, a CVM assume plenamente suas funções73 e desenvolve esforços

no sentido de editar uma série de instruções com o intuito de normatizar o processo de

disponibilização das informações pelas companhias, por ocasião de seu registro como

companhias abertas e dos registros das emissões de seus títulos.

Os desafios que se colocavam para a CVM, como acima salientado, referem-se a problemas

relativos à fidedignidade das informações e à viabilização do acesso por parte do mercado e

do público a essas informações. Vale frisar, também, que não havia à época do Banco

Central procedimentos de registros para as empresas, mas somente para as emissões. Dessa

forma, não havia um acompanhamento periódico, mas a renovação de um conjunto de

informações a cada nova emissão realizada pela companhia. O registro de SACAS era

realizado para controle das empresas que iriam gozar de incentivos fiscais.

Dentre o conjunto de publicações ordenadas pela Lei nº 6.404/76 constam as demonstrações

financeiras consideradas obrigatórias sendo estas o Balanço Patrimonial (BP), a

Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (DLPA), a Demonstração do Resultado

do Exercício (DRE) e a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos (DOAR).

73 A Resolução CMN no 435 determinou que a CVM deveria assumir plenamente suas funções a partir de 30.06.78.

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Define a Lei Societária que essas demonstrações contábeis devem ser complementadas por

notas explicativas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis, necessários para

esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício, devem conter o

parecer do auditor, e devem ser elaboradas ao fim de cada exercício social e submetidas à

aprovação da Assembléia Geral. Importante inovação introduzida pela Lei das S.A. foi a

obrigatoriedade de correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido, visando

a eliminar as distorções produzidas pela deterioração do poder de compra da moeda nas

demonstrações financeiras.

Além das demonstrações financeiras constam da Lei das S. A., por exemplo, outras

exigências de publicação, como as relativas às atas das assembléias da companhia e as

Reuniões do Conselho de Administração quando produzirem efeitos perante terceiros.

A CVM editou a Instrução no 02, de 04.05.78, determinando que as companhias, além de

efetuar as publicações ordenadas em lei, as quais devem ser publicadas na localidade em que

se situa a sede da companhia, deverão, também, publicar em jornal de grande circulação,

editado na localidade em que se situa a Bolsa de Valores na qual a companhia tenha

verificado, no último exercício, maior volume negociado de valores de sua emissão e,

quando não listada em Bolsa, publicar na capital do estado em que se situa a sede da

companhia.

Boa parte das informações de que trata o registro da companhia são ordenadas pela própria

lei que estabeleceu sua disseminação pela imprensa. Nesses casos, a Instrução CVM no 09

estabelece que devam ser também enviadas à CVM e às Bolsas. Para as informações

requeridas para o registro não determinadas como de publicação obrigatória na Lei

Societária devem ser apenas enviadas à CVM e às Bolsas, não sendo necessária sua

publicação.

Tal aspecto revelou o papel previsto para a CVM e para as Bolsas como disseminadoras de

informações: “o que está por trás da obrigatoriedade de envio da peça de informação à CVM

não é a idéia de informar a CVM, mas, sim, de informar o público investidor” (Nota

Explicativa CVM no 15/79). Cabe, assim, ao órgão regulador a função de estabelecer

sistemas diretos e indiretos para fazer com que tais informações estejam disponíveis

publicamente.

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Até 1985, o esforço de garantir o acesso do público às informações prestadas pelas

empresas foi viabilizado pela CVM através, basicamente, de um sistema de microfilmagem,

além de um serviço de envio de informações via Fax. A partir de 1984, a CVM envidou

esforços no sentido de construir as condições para ampliar o acesso do público a essas

informações, dando os primeiros passos no sentido de constituir um banco de dados com

informações das empresas e sua disseminação através da Rede Nacional de Comunicações –

terminais de vídeo, telex, microcomputadores cujos primeiros resultados começam a

aparecer em 1985.

Vários dentre os atos normativos expedidos pela CVM resultaram numa maior padronização

das informações prestadas pelas empresas, de forma a permitir posterior informatização,

arquivamento e disseminação dos dados ao mercado com vistas à implementação de projeto

de divulgação via terminal de computador.

No período decorrido entre os anos de 1978 e 1987, a CVM expediu uma série de

normativos que dispõem sobre as informações a serem divulgadas pelas companhias para

efeito do registro74. Esse conjunto de normas significou uma evolução nos procedimentos

relativos ao registro de companhia aberta, permitindo uma maior simplificação e

padronização do fornecimento de informações, mediante a determinação de formulários

específicos para as Informações Anuais, Informações Trimestrais e Informações sobre

Demonstrações Financeiras, a simplificação de procedimentos de atualização e a

determinação de multa nos casos de não atualização do registro.

Mediante esse esforço normativo, foi possível, também, especificar as informações

referentes ao registro de companhia, subdividindo-as em informações periódicas, as quais

deveriam ser, portanto, constantemente atualizadas, e as consideradas eventuais. Foram

consideradas como informações periódicas: as informações trimestrais, as informações

anuais (dentre elas constando o estatuto social), o relatório da administração e cópia das

demonstrações financeiras acompanhada do respectivo parecer do auditor independente.

Foram consideradas eventuais as informações sobre atos e fatos relevantes ocorridos nos

negócios da empresa, que deveriam ser enviadas à CVM concomitantemente à sua

74 São estas: a Instrução no 9, de 11.10.79, a Instrução no 22, de 15.04.82, a Instrução no 32 (que revoga a Instrução no 9), de 16.03.84, a Instrução no 39, de 07.11.84, a Instrução CVM no 41/85 e, por fim, a Instrução no 60, 14.01.87, que consolida os três últimos normativos citados.

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divulgação ao público, já prevista pela Lei das S. A. (parágrafo 4o do art. 157). A Instrução

CVM no 32 exemplificou mais detalhadamente quais seriam as informações eventuais a

serem prestadas, complementando os exemplos de ato ou fato relevante constantes na

Instrução CVM no 3175.

O fechamento do registro de companhia aberta foi previsto por meio de dois normativos.

Tendo em vista que o fechamento de capital de uma companhia significa que seus valores

mobiliários não serão mais admitidos à negociação no mercado secundário, é importante a

definição de regras prévias de forma a defender o interesse dos acionistas.

A Instrução CVM no 03, de 17.08.78, determinou os requisitos e procedimentos necessários

a serem cumpridos pelas empresas para que a CVM efetuasse o pedido, apresentado pelas

mesmas, de cancelamento do registro de companhia aberta. Dispôs esse normativo acerca

dos critérios de deliberação pela companhia e de validade do pedido de fechamento,

determinando, ainda, como condição necessária, que os acionistas minoritários titulares de

75% das ações em circulação no mercado deveriam aceitar oferta pública de aquisição a ser

feita pelo acionista controlador ou, deveriam concordar expressamente com o cancelamento

do registro. Essa Instrução visava a garantir que o acionista minoritário, que discordasse do

fechamento do capital da companhia, pudesse se desfazer das ações que, a partir de então,

não poderiam mais ser negociadas em mercado.

A Instrução CVM no 29, de 13.01.84, previu as situações para cancelamento de ofício do

registro de companhia aberta. Tal normativo visava permitir a CVM atuar de forma a

garantir que o cadastro de empresas abertas, empresas essas que podem demandar recursos

do público e ter seus valores negociados publicamente, fosse constituído daquelas que como

companhias abertas, de fato, atuassem. Previu, assim, essa Instrução que a CVM efetuaria o

cancelamento do registro na hipótese de não colocação efetiva, junto ao público, da

totalidade das ações cujo registro de emissão fosse causa eficiente da concessão do registro.

Dispôs também esse normativo que a CVM poderia cancelar o registro no caso das empresas

que não tivessem adaptado seus estatutos à Lei das S. A., e que não tivessem, até a data da

entrada em vigor da Instrução, prestado as informações periódicas exigidas pela regulação.

75 Este ponto será aprofundado na próxima seção.

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Com efeito, com base nessa Instrução, a CVM promoveu o cancelamento do registro de

cerca de 176 empresas que, em 1984, encontravam-se em situação totalmente irregular76.

No que se refere ainda aos aspectos relacionados à divulgação de informações, destaca-se

um outro conjunto de Instruções também expedidas no período em análise. Relativamente a

procedimentos contábeis, destacam-se a Instrução CVM no 1, de 27.04.78 e a Instrução

CVM no 15, de 03.11.80, que dispõem a respeito dos ajustes decorrentes de avaliação de

investimento relevante de companhia aberta em sociedades coligadas e em sociedades

controladas, e acerca das demonstrações financeiras consolidadas de companhia aberta. Foi,

também, expedida a Instrução CVM no 38, de 13.09.84, que regulamenta a função do

auditor independente no âmbito do mercado de valores mobiliários.

Em sua atividade fiscalizadora sobre as companhias, a CVM exerceu seu poder para

determinar a republicação, com correções ou aditamentos, de demonstrações financeiras,

relatórios ou informações divulgadas, e, especificamente no ano de 1985, determinou a

republicação de demonstrações financeiras de cerca de 40 empresas77.

Esse conjunto de iniciativas teria repercutido de forma positiva no sentido de regularizar a

situação das companhias abertas. Na avaliação da CVM, observou-se uma melhoria no nível

informacional mínimo das companhias e uma sensível diminuição no índice de

inadimplência quanto aos prazos para encaminhamento das informações78.

6.2.3 - Insider trading

A regulação para o mercado de capitais, como já demonstrava sua evolução em outros

países79, deve não somente estabelecer determinações acerca de divulgação periódica das

informações por parte das companhias, mas também procurar impedir que os agentes de

dentro da empresa, os chamados insiders, na posse de informações em caráter privilegiado,

usufruíssem dessas informações em seu benefício, antes que essas sejam amplamente

76 Fonte Relatório Anual CVM - 1985. 77 Fonte Relatório Anual CVM – 1985. 78 Relatórios Anuais da CVM - 1984 e 1985. 79 Para a evolução da regulação voltada para insider trading no caso americano e outros ver Eizirick, 1987, capítulo 4.

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divulgadas. Tal prática consiste em negociação com base em informação privilegiada ou

insider trading. Não sendo possível impedir, por várias razões, que alguns agentes, os de

dentro da empresas ou os que a eles tenham acesso, venham a ter acesso a informações que

ainda não sejam de conhecimento do público, a legislação deverá proibir que usem essas

informações em benefício próprio.

Sob esse aspecto, os instrumentos legais e regulatórios disponíveis antes da Lei no 6.404/76,

no caso a Lei no 4.728 (art 3º) e a Resolução no 88, se revelavam ainda insuficientes,

primeiro por não definirem com precisão quem seriam os agentes passíveis de punição por

essa prática, e, segundo, por não deixar claro, no caso dos administradores das companhias,

que não se tratava somente de divulgar as informações relevantes, mas também de não

usufruir delas em benefício próprio, antes que fossem divulgadas (Eizirick, 1977).

A Lei das S.A., por outro lado, previu claramente o enquadramento dos administradores da

companhia pelo uso de informações privilegiadas, mas não proibiu expressamente o

controlador, que teria, inclusive, maiores possibilidades de acesso e utilização de tais

informações. Muito embora a prática de insider trading pelos controladores pudesse já ser

compreendida pela doutrina como modalidade de abuso de poder, e, portanto, já estaria

prevista na Lei Societária, entendia-se que, dado a importância do tema, seria importante

defini-la de forma expressa. Mesmo porque não estava citada nas modalidades

exemplificativas de abuso de poder constantes no art. 117 da Lei das S.A..

Os dispositivos que tratam do uso de informações privilegiadas - insider trading - estão

previstos na Lei das S.A., principalmente nas seções relativas ao dever de lealdade e do

dever de informar do administrador.

Refere-se o art. 155 ao dever do administrador de “seguir com lealdade à companhia e

manter reserva sobre seus negócios”, devendo guardar sigilo sobre informações não

divulgadas e não obter vantagem da utilização dessa informação nos negócios com

títulos emitidos pela companhia, e zelando para que subordinados ou terceiros de sua

confiança não o façam.

Já o dever de informar, previsto no art. 157, consiste em prevenção contra a prática de

insider trading quando se refere às informações que o administrador deverá prover aos

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acionistas com relação aos seus negócios com valores mobiliários emitidos pela companhia,

opções de compra de ações, benefícios ou vantagens que esteja recebendo da companhia e à

divulgação de qualquer ato ou fato relevante ao público.

A Lei das S.A. prevê a possibilidade de não divulgação das informações caso fira interesses

legítimos da companhia, cabendo, no entanto, à CVM, nesses casos, a decisão final.

A Lei Societária considerou como insiders, e, portanto, passíveis de punição pela prática de

negociação com base em informação privilegiada, os administradores da companhia (ou

seja, os diretores, os membros de conselho de administração e do conselho fiscal) e os

empregados da companhia.

A CVM, por meio da Instrução no 8, de 08.10.79, havia estendido o conceito de insider aos

intermediários financeiros e aos demais participantes do mercado ao vedar a eles o uso de

prática não eqüitativa. Prática não eqüitativa foi caracterizada na citada Instrução como:

“aquela de que resulte, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, um tratamento para

qualquer das partes, em negociações com valores mobiliários, que a coloque em uma indevida

posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da operação”.

Havia, porém, uma expectativa de que a CVM expedisse instrumento normativo específico

acerca da prática do uso de informação privilegiada, que pudesse complementar a legislação

nos pontos referidos.

Nesse contexto, revelou-se importante a Instrução CVM no 31, expedida em 1984, que

permitiu: i) a regulamentação da figura do insider, e, em especial, a ampliação do seu

conceito, ii) a caracterização e exemplificação das modalidades de fato ou ato relevante,

assim como, iii) as determinações acerca da divulgação dos mesmos.

Como aspecto fundamental desse normativo destaca-se, então, a ampliação significativa

da figura do insider, na medida em que estendeu a vedação do uso de informação

privilegiada: 1º) aos controladores; 2º) a todos que, em virtude de cargo ou posição dentro

da companhia, ou ainda em razão de função profissional, venham a ter conhecimento de

informação relativa a ato ou fato relevante não divulgada, e 3º) a qualquer pessoa que,

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embora não se enquadre nas condições previstas anteriormente, venham a obter informações

dessa natureza.

Com relação aos demais aspectos ressaltados, para efeito da Instrução CVM no 31/84 (Art.

1º) considerou-se informação relevante, e, portanto, de divulgação obrigatória qualquer

deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou

qualquer outro ato ou fato ocorrido nos seus negócios que possa influir de modo ponderável

na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou na decisão dos

investidores em negociar com aqueles valores mobiliários; ou, ainda, de exercerem

quaisquer direitos associados a esses valores.

Dentre as modalidades de ato ou fato relevante exemplificadas na Instrução CVM no 31/84

(Parágrafo único) destacam-se: mudanças no controle da companhia, fechamento de capital

da companhia, incorporação, fusão, cisão, transformação ou dissolução da companhia,

mudanças significativas na composição do ativo da companhia; alteração nos direitos e

vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia; requerimento de concordata, de

falência; celebração ou extinção de um contrato significativo para a companhia, qualquer

descoberta, mudança ou desenvolvimento na tecnologia ou nos recursos da companhia que

possa vir a alterar significativamente os seus resultados etc.

De acordo com o disposto no art. 2º dessa Instrução, o dever de comunicar e de divulgar é

dos administradores da companhia aberta, em especial, do diretor de relações com o

mercado. É este quem deve comunicar, imediatamente, à CVM e à Bolsa de Valores em que

seus valores mobiliários sejam mais negociados, bem como divulgar pela imprensa, ato ou

fato relevante ocorrido nos negócios da companhia.

Apesar dos atos ou fatos relevantes poderem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se

os administradores entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da

companhia (art. 4º), deverão ser divulgados imediatamente, se a informação escapar ao

controle ou a cotação das ações da companhia apresentar oscilações atípicas.

Em suma, tendo em vista as falhas da regulação anterior às reformas e as necessidades de

complementação à Lei 6.404, a Instrução CVM no 31/84 teria significado uma importante

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contribuição à regulação sob as companhias abertas no período, particularmente, no aspecto

de divulgação de informações.

Um aspecto negativo a ser levantado foi o tempo levado pela CVM até que expedisse

normativo regulamentando essa matéria. Apesar de que sua necessidade já se fazia sentir

desde a Lei no 6.404, precisou-se de oito (8) anos para que a CVM regulamentasse a

matéria.

6.2.4 - O Registro de distribuição de ações mediante subscrição pública

6.2.4.a) A Instrução CVM no 13/80

A Lei no 6.385/76 teria consistido em importante avanço ao definir mais claramente o

conceito de oferta pública que na Lei no 4.728/65 (ver seção 5.2.2) era citado apenas como

uma das modalidades de colocação de títulos.

De acordo com a Lei no 6.385/76 e para efeito da Instrução no 13, considera-se pública a

subscrição de ações quando ofertadas mediante a utilização de alguma forma de propaganda

direcionada ao público, ou quando caracterizando-se pela procura de novos subscritores que

não os atuais acionistas, ou, ainda, quando realizada mediante a negociação em local aberto

ao público80. Tal definição permite, então, caracterizar as emissões públicas que deverão

efetuar registro na CVM e proceder ao cumprimento das exigências cabíveis81 82.

A necessidade de registro de distribuição mediante subscrição pública, normatizado por

meio da Instrução CVM no 13/80, visa a responder à situação específica na qual existe uma

pressão de venda sobre o investidor por parte da companhia. Entendeu, assim, o regulador

80 Para efeito da Instrução no 13, considera-se pública a subscrição de ações quando ofertadas mediante: I – a utilização de listas ou boletins de subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II – a procura de novos subscritores não acionistas por meio de empregados, administradores ou através de pessoas físicas ou jurídicas integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários; III – a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação, quando dirigida a não acionista da sociedade emissora. 81A ocorrência constante de emissões irregulares, ou seja, sem registro, no período analisado será discutida no Capítulo 7. 82O conceito de oferta pública ensejou algumas discussões. Para alguns este conceito não deveria constituir-se somente dos meios utilizados na colocação de títulos, mas também pela observância dos elementos que qualificariam os ofertados. As críticas residiam no fato de que caso os ofertados constituem-se de investidores qualificados, ou exclusivamente dos empregados ou administradores da companhia, poderiam estes prescindir da proteção que seria conferida pelo registro da emissão.

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que tal situação se diferencia daquela na qual o investidor, por sua própria iniciativa e na

ocasião em que julgar oportuno, se dirige ao mercado para comprar ou vender valores

mobiliários83.

Além disso, deve-se considerar, também, que a pressão de venda está dirigida a novos

investidores em potencial. Com efeito, no caso de subscrição privada, ou seja, em que a

colocação é feita somente entre os atuais acionistas, no exercício de sua preferência, não há

necessidade de registro da emissão, porque se subentende que os elementos necessários para

a sua tomada de decisão já estão disponíveis por meio dos procedimentos de atualização do

registro da companhia. Sendo por isso, no caso de subscrição privada, exigido por meio da

citada Instrução que a companhia não esteja inadimplente em relação às informações

periódicas prestadas pela companhia à CVM.

O pedido de registro deverá conter as informações acerca da operação incluindo contrato de

distribuição, contrato de garantia, condições de integralização, modelo de boletim de

subscrição, declaração de sobras, minuta do prospecto.

O prospecto é considerado como documento da maior importância porque condensa todas as

informações relevantes sobre a própria emissão e sobre a empresa, de forma a permitir uma

avaliação acerca do investimento por parte do investidor. Este documento deverá estar

disponível em número suficiente para ser distribuído a todos subscritores no local da

distribuição.

Além dessas informações, a companhia deverá apresentar estudo de viabilidade econômico-

financeira do empreendimento, obrigatório nos seguintes casos: i) de constituição da

companhia por subscrição; ii) emissão de ações em fase pré-operacional, iii) quando a

perspectiva de rentabilidade da companhia vier a ser admitida, na justificativa do preço da

emissão, como parâmetro prevalecente, dentre os 3 (três) estabelecidos pelo art. 170 da Lei

das S.A., e iv) emissão de ações que represente parcela substancial de recurso em relação ao

patrimônio líquido da companhia, visando à expansão, diversificação das atividades ou

investimentos em coligadas e controladas.

83 Ver Nota Explicativa CVM no 15/97.

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A responsabilidade sobre as informações prestadas à CVM é dos administradores da

companhia, cabendo à instituição líder da distribuição verificar sua suficiência e qualidade.

A concessão do registro pela CVM não implica garantia da veracidade das informações

prestadas ou do sucesso do empreendimento.

Conforme prevê a Instrução no 13 em seu art. 13, o registro poderá ser denegado nas

hipóteses de inviabilidade ou temeridade do empreendimento ou inidoneidade dos

fundadores ou, ainda, no caso de não cumprimento das exigências previstas.

A CVM poderá suspender a distribuição que esteja ocorrendo em condições diversas das

exigidas ou quando esta for ilegal ou fraudulenta.

6.2.4.b) A Instrução no 13 e os limites do princípio de disclosure enquanto proteção ao

investidor

Já haviam sido comentados anteriormente os limites do princípio de divulgação de

informações como proteção ao investidor para o caso do mercado brasileiro. O prospecto,

como acima analisado, seria a peça chave para a divulgação das informações aos

investidores acerca da emissão e da empresa emissora. Contudo, apesar de que o amplo

acesso ao prospecto nos locais de distribuição seja uma das determinações mais importantes

da Instrução no 13, no que se refere ao aspecto de divulgação de informações ao público,

essa determinação não era cumprida em muitos casos.

Tal fato demonstra pouco interesse por parte do investidor nesse documento, visto que este

poderia ser por ele exigido e sugere que o investidor não sendo capaz de avaliar as

empresas, estivesse a seguir a opinião de um intermediário.

Outros fatores que caracterizaram as emissões primárias ocorridas nesse período podem

também explicar tal desinteresse. Ao longo do período 1980/86, observou-se que a quase

totalidade das emissões adotavam o sistema de procedimento diferenciado, que significava

que a instituição intermediária organizadora da subscrição teria um poder de colocar a

emissão discricionariamente, em oposição ao sistema de garantia de acesso, no qual se

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garante o acesso a todos os investidores interessados na subscrição. Resulta, então, que

muitos investidores ficavam de fora, não podendo participar.

Além disso, verificou-se ocorrer uma pressão por parte das instituições intermediárias para

que o preço de lançamento das emissões fosse estabelecido abaixo do preço de mercado, a

fim de cobrir eventual variação do preço de mercado durante o período em que os acionistas

estejam exercendo o seu direito de preferência, até a efetiva distribuição das ações no

mercado.

Tendo em vista, então, a tendência dos preços de lançamento das emissões estarem fixados

abaixo do mercado, ocorre que em momentos de expansão das emissões, os quais estão em

geral acompanhados de uma elevação dos preços das ações em Bolsa, como foi o caso do

ocorrido no período de 1984/86, os lucros se tornam garantidos. O investidor não estava,

assim, preocupado em avaliar a empresa e seu projeto de investimento, mas em conseguir

acesso à emissão e obter esse lucro certo (Medeiros, 1987).

6.3 - Proteção ao Acionista Minoritário na Lei das SA (Lei 6.404 de 15.12.76)

6.3.1 - A CVM e a Lei das S.A.

A Lei no 6.404/76, embora seja a lei que ordena quaisquer sociedades anônimas, contém

dispositivos que regulam especificamente as sociedades que captam recursos do público, as

sociedades anônimas abertas ou companhias abertas. Uma vez assim constituídas, as

companhias serão objeto de regulação, acompanhamento e fiscalização por parte da CVM.

Dessa forma, no exercício de suas atribuições, quando apura as denúncias ou reclamações

dos investidores, no exercício de sua atividade de acompanhamento ou de punição das

irregularidades, cabe à CVM defender os preceitos da Lei das S.A. e utilizar seus

dispositivos, bem como, também cabe regulamentar as matérias que estiverem nela

expressamente previstas, assim como, também, na Lei no 6.385/76.

Visto que a Lei no 6.404/76 é um dos instrumentos principais da CVM no exercício de suas

atividades de normatização, monitoramento e punição das irregularidades cometidas pelos

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agentes atuantes no mercado de capitais, torna-se fundamental analisar os avanços e

retrocessos que a promulgação dessa lei significou no que se refere, em especial, à defesa

dos acionistas minoritários.

6.3.2 – Objetivos e desafios da Lei das S.A.

Apesar das dificuldades interpostas a partir do colapso da Bolsa em 1971, nota-se

persistirem os esforços de desenvolver o mercado de capitais. Já em 1973, preocupações

dessa natureza estavam presentes nos pronunciamentos do, então, Presidente Geisel que,

antes mesmo de sua posse, enfatizava a necessidade de uma reforma da legislação de

sociedade por ações. Essa intenção foi reafirmada, em início de 1974, na primeira reunião

ministerial. Pouco depois eram nomeados pelo governo os juristas Alfredo Lamy e José Luis

Bulhões Pedreira para elaborarem o projeto de reforma (Andrezo e Lima, 2002).

O papel que iria se reservar a tal iniciativa já estava esboçado em trabalho desenvolvido por

Alfredo Lamy, anterior ao projeto de lei. Em tal estudo, destacava-se enfoque distinto

daquele que vigorava na prática passada das empresas, quando a escolha da forma societária

se fazia por motivos variados, mas não com o intuito de dirigir a empresa para o mercado de

ações. Dever-se-ia compreender, como ressaltou Lamy no citado estudo:

“(...) quando uma sociedade anônima resolve abrir seu capital ela não pratica apenas um mero ato

de economia interna de empresa, ela aciona mecanismos de crédito público, por cuja idoneidade e

regular funcionamento deve responder o Governo (...)” (Citado em Mattos Filho, 1980, p.48).

Na Exposição de Motivos da 14ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico,

realizada em 1974, ficava explicitado o entendimento dominante, à época, a respeito do

papel a ser cumprido pela reforma:

“(...) as Sociedades Anônimas Abertas são parte do sistema financeiro, como os bancos comerciais

ou de investimento, as Bolsas, as sociedades de crédito e financiamento e, em conseqüência,

requerem tratamento orgânico e sistemático” (Exposição de Motivos, CDE no 14, 25.06.74).

Na mesma reunião, restou clara a importância dada à reforma societária no âmbito da esfera

econômica, e não somente jurídica, quando decidiu-se, motivado por proposta defendida

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pelo então Ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen, deslocar da competência do

Ministério da Justiça para o Ministério da Fazenda a reformulação da lei, que deixa de fazer

parte do capítulo do direito das obrigações do Código Civil e passa a ter vida autônoma.

O anteprojeto da lei, em sua Exposição de Motivos, frisava qual seria o desafio a ser

enfrentado pela nova lei:

“A mobilização de poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial

exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o

respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais sem imobilizar o empresário em suas iniciativas

oferecem atrativos suficientes de segurança e rentabilidade” (Exposição de Motivos no 196,

24.06.76, Ministério da Fazenda).

6.3.3 – Lei das S.A. e a proteção ao acionista

A Lei das S.A. promulgada em 1976 estabeleceu, em seu art. 109, como direitos essenciais

do acionista dos quais não poderiam ser privados nem por determinação do estatuto da

companhia nem por deliberação da assembléia de acionistas:

1) Participar dos lucros sociais;

2) Participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;

3) Fiscalizar a gestão dos negócios sociais de forma direta ou indireta;

4) Ter preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em

ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, na proporção de

ações que possuírem;

5) Retirar-se da sociedade, nos casos previstos na lei.

Tais princípios referem-se a aspectos bem distintos, no que diz respeito à discussão

apresentada nesse trabalho, dos quais destacamos: os atrativos na forma de rendimentos

proporcionados pelos títulos emitidos, as garantias de condições de monitoramento por parte

do acionista e do debenturista, que constitui o mecanismo de voz, ou a definição de deveres

e obrigações daqueles que deveriam representá-los e, a garantia de mecanismos de saída

extra mercado, em condições específicas.

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À luz dos direitos acima expostos, a discussão dessa seção trata dos dispositivos da lei que

foram considerados mais importantes de acordo com os tópicos assinalados a seguir.

- Com relação ao direito de todos os acionistas participarem do lucro:

a) instituição do dividendo mínimo obrigatório

- Com relação aos direitos e vantagens atribuídos ao acionista minoritário:

b) aumento da participação das ações preferenciais no capital

c) vantagens econômicas das ações preferenciais

d) ampliação do direito de preferência

e) incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista

f) instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle

- Com relação ao monitoramento a ser exercido pelo acionista e pelo debenturista

g) criação da função do agente fiduciário dos debenturistas

h) voto múltiplo para acionistas ordinaristas

Tendo como referência os pontos acima destacados, a Lei das Sociedades Anônimas será

analisada, ressaltando-se as mudanças que proporcionou em relação aos dispositivos já

existentes no Decreto-Lei no 2.627 que, desde 1940, regia o funcionamento das sociedades

anônimas no Brasil84.

6.3.3.a) – A instituição do dividendo mínimo obrigatório

Considerado como um dos institutos mais importantes introduzidos pela Lei no 6.404/76,

que não constava do regime legal anterior, ressalta-se a determinação do dividendo mínimo

obrigatório.

84 A Lei das S.A. de 1976 teria representado, em comparação ao Decreto Lei no 2.627/40, uma reorientação da tradição que havia se iniciado com o Código Comercial de 1850, oriundo da legislação portuguesa, o qual teria sido, por sua vez, copiado da legislação francesa. Isto porque, em termos jurídicos, teriam sido visíveis as referências e similaridades das mudanças propostas e efetivadas com o modelo americano.

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A determinação do dividendo mínimo obrigatório, conforme estabelecido no art. 202 da Lei

das S.A., de 1976, visou a impedir a prática, que se verificava como usual das companhias,

de capitalizarem indefinidamente seus lucros não os distribuindo aos seus acionistas.

Constituindo a companhia lucros estes poderiam ter dois destinos, serem distribuídos aos

acionistas na forma de dividendos ou serem destinados às reservas de lucros85. As reservas

referem-se a parcelas do patrimônio líquido da empresa referentes a um fim específico.

Além das reservas de lucros, tem-se a conta de lucros e prejuízos acumulados, constituída

sem fim específico, dos saldos de lucros que não foram distribuídos e nem destinadas às

reservas86.

O direito aos lucros sociais decorre da própria Lei Societária, mas o exercício desse direito

depende evidentemente da existência de lucros acumulados até aquela data, apurados nos

termos a Lei das S.A.. No caso do dividendo obrigatório, o limite é o lucro líquido do

exercício. Nos demais casos, visando à distribuição de lucros, podem também ser

destinados, além do lucro líquido do exercício, os lucros acumulados e as reservas de

lucros87.

O instituto do dividendo mínimo obrigatório não impõe um percentual obrigatório de

dividendos a ser seguido, mas define regras mínimas dentro das quais poderão ser

estabelecidos e limites bem restritivos dentro dos quais poderão ser modificados. Dessa

forma, o artigo 202 dispõe que a companhia tem liberdade, quando de sua constituição, para

adotar qualquer percentual, contanto que definido no estatuto da companhia com precisão e

85 As reservas de lucros constituem-se de cinco contas que correspondem a: reserva legal, única reserva cuja constituição é obrigatória por força da lei, que por sua vez estabelece limites a sua constituição (art. 193), tem como objetivo oferecer uma margem de segurança aos credores; reserva para contingências, destina-se a constituir margem de segurança contra riscos prováveis que a companhia pode vir a sofrer em exercício futuro (ex: ação judicial); reserva estatutária, são previstas em estatuto e independem da decisão assemblear, uma vez constituída assume caráter permanente até que haja uma nova decisão (ex: reserva para resgate de partes beneficiárias), reserva de lucros a realizar, correspondem ao resultado líquido positivo da equivalência patrimonial mais os lucros das operações a prazo a realizar após o término do exercício social seguinte (constituída de resultados que serão realizados a partir do final exercício seguinte); reserva de retenção de lucros, objetiva atender às necessidades previstas em orçamento de capital, que se refere basicamente a projetos de investimento, e sofre revisão anual. Além das reservas de lucros, que se originam do lucro do exercício, existem outras reservas, dentre elas a reserva de capital, constituída por contas como ágio obtido na colocação de ações, prêmios recebidos na colocação de debêntures etc que possuem certa conotação com o capital mas que não o integram. 86 Essa conta foi posteriormente desautorizada. A Lei 10.303/01 vedou a não destinação dos resultados a um fim específico. 87 Existe uma exceção para o caso de ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos cumulativos, se prevista a vantagem em estatuto pode receber seu dividendo prioritário à conta de reserva de capital (art. 201). Ver dividendos das preferenciais a seguir.

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minúcia, de forma que o acionista tenha o exato conhecimento de seus direitos e que não

fique a mercê do exercício do poder de decisão dos controladores e órgãos de administração.

O dividendo mínimo obrigatório define-se, nas palavras de Tavares Borba, como “uma

espécie de compromisso mínimo, exprimindo a parcela do lucro que não poderá a sociedade

deixar de distribuir” (p.468).

No entanto, no caso de omissão do estatuto, a lei determina um percentual obrigatório que

corresponde a 50% do lucro líquido ajustado (LLA) 88. E, ainda no caso de estatuto omisso,

quando a assembléia geral resolver introduzir norma sobre a matéria e definir um percentual

para o dividendo obrigatório, a Lei determina o limite mínimo de 25% do LLA.

Compreende-se que tais regras são válidas, também, para os casos de imprecisão do estatuto,

posto que estes, ao não cumprirem as condições exigidas se equiparariam aos casos de

omissão89.

A lei exige, também, que as decisões relativas à modificação do dividendo mínimo

obrigatório devam ser aprovadas em assembléia de acionistas por, no mínimo, metade do

capital votante (art. 136, Inciso III).

88 “O chamado lucro líquido ajustado não é senão o lucro líquido do exercício, diminuído das importâncias destinadas à reserva legal, reserva para contingência e reserva de lucros a realizar e, ao mesmo tempo acrescido das parcelas que, anteriormente destinadas a essas duas últimas reservas, tenham sido no exercício considerado objeto de desconstituição, face à superação da contingência ou à realização do lucro” (Tavares Borba, 2003, p. 469) . O lucro líquido ajustado (LLA) é calculado, portanto, antes que seja constituída a reserva estatutária e a reserva de retenção de lucros, não sendo, assim, por elas prejudicado. Já a reserva legal, a reserva para contingência e a reserva de lucros a realizar, como mencionado, reduzem a base de cálculo do dividendo obrigatório. Essa definição sofreu modificações introduzidas pela Lei 10.303/2001. 89 Ainda que não expresso claramente na lei, alguns entendem que, sendo o objetivo desse dispositivo impedir que o percentual estabelecido como dividendo obrigatório se reduza para percentual menor de 25% do LLA, tal regra valeria, igualmente, nos casos de estatuto não omisso, quando a companhia resolver alterar o percentual estabelecido, devendo então respeitar, também, o limite mínimo de 25% do LLA. Na opinião de Tavares Borba (2003): “Maiores razões até estariam a atuar no caso do estatuto expresso, pois, aí, a vontade estatutariamente manifestada é que estaria sendo objeto de modificação” (Tavares Borba, 2003, p.469).

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6.3.3.b) Alteração do limite de participação das ações preferenciais, a figura do

controlador na Lei das S.A.

Se o dividendo obrigatório revelou-se como um dos aspectos positivos da reforma mais

comumente destacados, a alteração na proporção do capital votante e não votante das

companhias parece ter sido um dos pontos mais criticados.

Carvalhosa define, assim, ações preferenciais: “Ações preferenciais são aquelas às quais o

estatuto outorga determinados privilégios patrimoniais, em relação às ordinárias, podendo,

em contrapartida, deixar de conferir-lhes o direito de voto, ou restringi-lo” (Carvalhosa,

1997, p.349).

A Lei no 6.404 facultou a ampliação da proporção das ações preferenciais no capital,

alterando de 50% para 2/3 o limite de participação dessas ações no capital das empresas.

Dessa forma, o legislador deu seguimento ao princípio da vantagem econômica concedida às

ações preferenciais, conforme prevalecia até então, contrariando a opinião daqueles que

defenderam a extinção das ações sem direito a voto.

No argumento oficial presente na Exposição de Motivos da Lei, o aumento do limite para

emissões de ações preferenciais era recomendado devido:

“(...) a orientação geral do projeto de ampliar a liberdade do empresário privado nacional na

organização da estrutura de capitalização de sua empresa (...)” (Exposição de Motivos no 196,

24.06.76, Ministério da Fazenda).

Com o novo regime, esperava-se, na verdade, promover um estímulo ao mercado, uma vez

que, do lado da demanda de recursos, haveria um estímulo à captação via emissão de ações

preferenciais, porque assim os controladores não estariam correndo o risco de perder o

controle da empresa. Já do lado dos ofertantes de recursos, a medida poderia permitir que

fossem atraídos aqueles investidores que não estariam tão interessados em monitorar as

decisões de investimento da companhia, ou que se disporiam a desistir de sua participação

em troca de uma vantagem econômica compensatória, em relação às ações ordinárias.

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128

Com relação ao novo percentual permitido, a crítica maior reside em suas conseqüências

sobre o grau de dispersão do capital votante das empresas. Sendo permitido emitir até dois

terços do capital da empresa na forma de ações preferenciais (sem direito a voto ou com

voto restrito), tornou-se possível adquirir e manter o controle das empresas com apenas 51%

das ações ordinárias, ou seja, 16,6% do capital total da empresa, se emitidas ações

preferenciais em um número máximo, ou ainda, com um percentual menor do capital total,

no caso de emissão de ações ordinárias ao portador 90.

Nessas condições, o acionista não-controlador, a quem denominamos de minoritário, seja

ordinarista ou preferencialista, estaria, supostamente, ainda mais exposto a possíveis

decisões unilaterais dos acionistas controladores que poderiam implicar o declínio da

situação econômico/financeira da empresa, ameaçando o valor do capital investido, como

mudança de objeto social91, transferência de débitos da empresa acionista controladora

(muitas vezes uma empresa fechada) para a sociedade controlada (muitas vezes uma

empresa de capital aberto), fusões que impliquem prejuízo patrimonial e operacional,

diversas fórmulas de “fechamento branco de capital” 92 etc.

Com a proporção anterior ficavam à margem das decisões os acionistas titulares de ações

representativas de 50% do capital social. No novo sistema, ao reduzir o colégio eleitoral, os

acionistas com poder de voto na assembléia geral tenderiam a ser, basicamente, os próprios

controladores.

A Lei das S.A. de 1976, nesse campo, previu alguns dispositivos importantes que

procuravam oferecer mecanismos compensatórios capazes de reduzir os riscos potenciais de

abusos acima exemplificados.

90 A posse de ações ao portador não dava direito de voto aos seus titulares, conforme o disposto no art. 112 da Lei das S.A., somente os titulares de ações nominativas, endossáveis e escriturais podiam exercer esse direito. A Lei no 8.021, de 1990, aboliu as ações ao portador. 91 O objeto da empresa, que deve estar definido de forma precisa e completa pelo estatuto da companhia (art. 2º, parágrafo 2º), refere-se ao conjunto de atividades econômicas desenvolvido por ela. 92 O fechamento branco de capital pode resultar da realização de ofertas públicas de compra de ações pelas próprias empresas visando a tirar as ações de mercado, expediente que foi utilizado pelas companhias privatizadas porque para essas o edital de privatização proíbe o cancelamento do registro enquanto companhias abertas. Cosern, Cerj e Geração Tietê são exemplos de empresas que adotaram esse procedimento (Sirimarco, H., 2.000).

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Nesse particular, destaca-se a introdução na Lei Societária da caracterização da figura do

controlador, da definição de suas obrigações e da previsão de situações que poderiam vir a

caracterizar abuso de controle.

De acordo com o disposto na Lei das S.A. de 1976, art.116, controlador é aquele que detém

a maioria permanente de votos e usa seu poder para dirigir a companhia. Determina também

a lei que deverá usar esse poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e

deverá respeitar os direitos e interesses dos acionistas.

Mediante esses dispositivos o poder da companhia torna-se, assim, personalizado.

Diferentemente, no sistema anterior vigorava, em tese, a soberania efetiva da assembléia,

porque fundava-se a antiga lei no sistema majoritário, no qual os que possuíam 50% mais

um do capital votante eram aqueles que perante a lei definiriam os rumos da companhia.

Ademais, torna-se possível atribuir aos controladores responsabilidade acerca dos atos

praticados e decisões tomadas em prejuízo da companhia e de seus acionistas (Eizirik,

1997)93. Conforme o disposto no art. 117, o acionista controlador responde pelos danos

causados por atos praticados com abuso de poder. Dentre as modalidades exemplificativas

do exercício abusivo de poder presentes na Lei Societária destacam-se: orientar a companhia

para fim estranho ao objeto social; promover a liquidação da companhia próspera, ou a

transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou

para outrem, vantagem indevida, promover alteração estatutária, emissão de valores

mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da

companhia, aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por

favorecimento pessoal, etc.

93 Conforme analisa Eizirik (1997):

“Ao permitir a Lei das S.A. a perfeita identificação do poder de controle e ao atribuir ao acionista controlador determinados deveres (art. 116, parágrafo único), operou a superação da ‘ficção democrática’ na companhia, cuja aplicação, na prática, acarretava a diluição da responsabilidade nas decisões da assembléia geral ou dos órgãos de administração. O art. 117, caput, dispõe que ‘o acionista controlador responde pelos danos causados pelos atos praticados com abuso de poder’. Ou seja, pode o acionista controlador ser civilmente responsabilizado e obrigado a indenizar os prejuízos que causar, decorrentes de ato praticado com abuso de poder” (Eizirik, 1997, p. 98) (grifos nossos).

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6.3.3.c) Vantagens econômicas das ações preferenciais

O Decreto-Lei no 2627/40 já previa vantagens econômicas na forma de dividendos aos

titulares de ações preferenciais.

Para Lei no 6404/76, considerando a previsão da faculdade de ampliar a participação das

preferenciais no capital das empresas, era ainda mais evidente a importância da política de

dividendos a ser atribuída a essas ações, em contrapartida da perda do direito de voto.

Ademais, veja-se a importância de vantagens econômicas atribuídas às ações preferenciais

quando se trata de empresas cujas ações possuam baixa liquidez no mercado. Nesses casos,

os acionistas preferencialistas, que já não têm como exercer um monitoramento mais

efetivo, também não têm a possibilidade de se retirarem facilmente do investimento, ao se

sentirem insatisfeitos com os resultados ou com a administração da companhia. Tais

vantagens poderiam ter ampliado a atratividade dessas ações, ao oferecer retornos que não

na forma de ganhos de capital, e, ainda, tenderiam a atrair para o mercado o investidor com

perfil menos especulativo, cujo interesse estaria voltado aos rendimentos de longo prazo

proporcionados pelas empresas.

No entanto, segundo a crítica predominante, a Lei no 6.404/76 não garantiu vantagens

efetivas a essas ações na forma de dividendos, tendo sido, também, esse aspecto amplamente

criticado. As vantagens previstas aos titulares das ações preferenciais na lei foram as

seguintes:

“Art. 17- As preferenciais ou vantagens podem consistir: I – em prioridade na distribuição de dividendos

fixos ou mínimos; II – em prioridade do reembolso do capital, com prêmio ou sem prêmio; III - na

acumulação das vantagens acima enumeradas”.

O entendimento predominante foi que a formulação da Lei Societária nesse tópico teria sido

falha, primeiramente, pelo seu grau de imprecisão. Chegou a prevalecer na doutrina o

entendimento de que as vantagens apontadas no mencionado no art. 17 eram condições

necessárias a serem atribuídas ás ações preferenciais. No entanto, era possível, dada a

redação não impositiva do dito artigo, que diz que “podem consistir”, que fossem as

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vantagens citadas compreendidas meramente como exemplificativas dos possíveis direitos a

serem atribuídos a essas ações94 .

Além disso, também devido ao grau de imprecisão, as duas vantagens elencadas (inciso I e

II) poderiam ser compreendidas como optativas e não cumulativas, assim haveria a

possibilidade de que a vantagem das ações preferências pudesse estar definida somente com

base no reembolso do capital (inciso II), situação esta que ocorre somente quando da

liquidação da companhia, evento eventual ou aleatório, o que não permite definir uma

vantagem precisa a essas ações. Esta seria uma vantagem efetiva somente no caso das

empresas com prazo determinado de duração, por exemplo, o caso das sociedades de

propósito específico (Carvalhosa, 1997).

Nos termos da lei, à distribuição dos dividendos mínimos e fixos seria atribuída prioridade

(inciso I) que consiste de privilégio no qual está assegurada primeiramente aos acionistas

preferencialistas a distribuição de dividendos, antes que estes sejam distribuídos aos demais

acionistas. Assim, conforme define Tavares Borba (2003):

“enquanto o acionista preferencial não for contemplado com todo o dividendo que lhe estava

estatutariamente destinado, nenhuma atribuição será feita aos titulares de ações ordinárias. Se o

dividendo prioritário das ações preferenciais consumir todo o lucro a ser distribuído, as ações

ordinárias nada perceberão” (Tavares Borba, 2003, p.231).

O dividendo fixo se diferencia do mínimo visto que o acionista não participará dos lucros

remanescentes após a distribuição do montante a ele correspondente. No caso do dividendo

mínimo, caso o lucro comporte a distribuição de um dividendo superior ao por ele

estabelecido, permite ao acionista titular de ações preferenciais participar em igualdade de

condições com o acionista ordinarista na distribuição do restante do lucro.

Sendo definidas como prioritárias, essas duas categorias de dividendos requerem, então, a

definição de regras precisas que permitam sua quantificação prévia, seja, por exemplo,

enquanto um percentual do capital social, do patrimônio líquido, ou do valor nominal da

ação definido em estatuto, ou, ainda, um valor nominal especificado.

94 Esse foi, por exemplo, o entendimento de Tavares Borba (2003, p.224)

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No entanto, nos anos posteriores a promulgação da Lei 6.404/76, foi possível verificar nos

estatutos das companhias uma ausência de regras claras e precisas para a distribuição dos

dividendos prioritários aos acionistas preferencialistas, impedindo a garantia efetiva das

vantagens a eles prevista em lei95.

Ademais, foi possível observar que com o intuito de inviabilizar a distribuição de dividendos

prioritários aos acionistas, as companhias praticaram uma série de abusos, como considerar

como vantagem das ações preferenciais a mera prioridade temporal de recebimento de

dividendos com relação às ordinárias, ou considerar como dividendo fixo ou mínimo

determinado percentual do lucro do exercício - o que, como vimos, impede uma

determinação prévia do seu valor (Eizirik, 1997).

As brechas deixadas pela lei contribuíram, em grande medida, para que, na prática, os

dividendos não viessem a se caracterizar como um atrativo efetivo no mercado de capitais

brasileiro. Verificou-se, assim, que os resultados auferidos por esses títulos consistiam-se

basicamente dos ganhos de capital, resultantes das operações de compra e venda em

mercado, em especial, proporcionado pelos títulos que possuíam liquidez.

Somente em 1997, portanto, mais de vinte (20) anos depois, com a promulgação da Lei no

9.457, que a Lei no 6.404 recebeu nova redação nesse tópico, estabelecendo, em adição às

vantagens opcionais existentes, uma vantagem compulsória que se aplicava às ações

preferenciais que não contassem com dividendo mínimo ou fixo que consistiu: “no direito a

dividendos no mínimo 10% (dez por cento) maiores do que os atribuídos às ações

ordinárias”. Por meio desse dispositivo, a Lei das S.A. logrou por determinar algum tipo de

vantagem econômica das ações preferenciais frente às ordinárias.

Tendo sido as vantagens econômicas atribuídas às ações preferenciais uma compensação

pela supressão do seu direito de voto, entende a Lei no 6.404, e já o sustentava o Decreto-Lei

no 2.627/40, que, no caso de não pagamento dos dividendos a que fazem jus, as ações

preferenciais readquirem, temporariamente, o direito que lhes foi suprimido. Dessa forma,

dispõe o art. 111, parágrafo primeiro, da Lei das S. A.:

95 Como exemplifica Tavares Borba, isto ocorria, por exemplo, com o Banco do Brasil S.A., cujo estatuto fazia menção a prioridade na distribuição de dividendos as ações preferenciais, mas não definia nenhum tipo de regra por meio da que ele pudesse ser calculado (Tavares Borba, 2003, p.234 ).

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“As ações preferenciais sem direito a voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia,

pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos deixar de pagar os

dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais

dividendos não forem cumulativos ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso” (Grifo

nosso).

Veja-se, porém, que, apesar da importância desse dispositivo, é necessário que o estatuto

defina com precisão as vantagens das ações preferenciais, visto que somente no caso de

essas estarem estabelecidas de forma expressa e precisa, na forma de dividendos mínimos ou

fixos, poderão os acionistas gozar dessa prerrogativa.

Uma prática encontrada nas companhias, visando a contrariar os objetivos estabelecidos na

Lei das S. A., foi o pagamento de dividendos não cumulativos apenas no exercício em que

os titulares de tais ações estariam na iminência de adquirir o direito de voto.

Adicionalmente, a Lei no 6.404/76 prevê que somente os acionistas titulares das ações

preferenciais podem alterar os seus próprios direitos, e as alterações devem ser aprovadas

pelos titulares de mais da metade das ações preferenciais ou de uma respectiva classe, se

forem as modificações relativas somente a uma classe (arts. 121 e 130).

A Lei no 6.404/76 prevê, também, o direito de retirada aos acionistas minoritários que

tenham discordado de decisões tomadas pela companhia relativas a alterações nas

preferências ou vantagens das ações preferenciais (art. 137). O direito de retirada será objeto

de análise mais adiante.

6.3.3.d) Ampliação do direito de preferência

O direito de preferência constitui da prerrogativa atribuída aos acionistas da companhia no

caso de aumento de capital, de subscreverem prioritariamente as ações da companhia na

proporção de sua participação no capital da empresa, de acordo com o tipo ou classe de que

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são titulares96. O direito de preferência visa a impedir a diluição da participação dos

acionistas minoritários mediante aumento do capital da companhia.

A Lei das S.A. de 1976 ampliou o direito de preferência, que de acordo com o Decreto –Lei

no 2.627/40 era exercido somente no caso de emissão de ações, também para as partes

beneficiárias97, as debêntures conversíveis em ações e os bônus de subscrição98.

A Lei das S. A. de 1976 ao estender esse direito aos valores emitidos pela companhia acima

citados visou a impedir que a emissão desses instrumentos também pudesse ser utilizada

como instrumento de diluição da participação dos acionistas.

O preço da emissão também pode ser motivo de diluição da participação dos acionistas

minoritários. O art. 170 da Lei no 6.404/76 objetivando impedir a diluição injustificada da

participação dos antigos acionistas previu como critérios possíveis de fixação do preço de

emissão: cotação das ações no mercado, valor de patrimônio líquido e as perspectivas de

rentabilidade da companhia.

6.3.3.e) Incremento nas situações que dão direito de retirada ao acionista

O direito de retirada, na definição de Eizirik, constitui em:

“direito que o acionista tem de, ao discordar de certas deliberações da Assembléia Geral, nos casos

previstos em lei, retirar-se da Sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações” (Eizirik, 1997,

p.61).

Nesses casos, é obrigação da companhia pagar aos acionistas dissidentes o valor de suas

ações.

96 No caso de subscrição pública, após o ato da companhia no qual se decide aumentar o capital e o registro da emissão no órgão regulador, os acionistas exercem seu direito de preferência. As sobras, ou seja, o montante não absorvido pelos atuais acionistas, poderão ser rateadas entre os próprios acionistas, vendidas em Bolsa, ou direcionadas à subscrição pública por meio das instituições integrantes do sistema de distribuição. 97 Partes beneficiárias são títulos negociáveis, estranhos ao capital social, sem valor nominal e que conferem aos seus titulares o direito de participação nos lucros anuais da companhia até o limite de 10%. Além disso, são conversíveis em ações. 98Bônus de subscrição representam o direito de subscrever certo número de ações a um determinado preço, durante um determinado período, no caso de aumento de capital da companhia.

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O Decreto-Lei no 2.627, de 1940, já previa o regime de recesso. Dentre os motivos que

ensejavam esse direito, a lei anterior já especificava: criação de ações preferenciais,

alterações nas preferências ou vantagens das ações preferenciais, criação de novas classes de

preferenciais mais favorecidas, mudança de objeto essencial da sociedade, incorporação da

sociedade em outra, ou sua fusão, e cessação do estado de liquidação, mediante a reposição

da sociedade em sua vida normal (arts 107 e 150).

A novidade apresentada pela Lei no 6.404/76, nesse aspecto, foi estender esse direito a

outras alterações que viessem a ser promovidas pela companhia. No regime dessa lei,

passaram, então, a possuir também a prerrogativa ao direito de recesso os acionistas

dissidentes das empresas que houvessem promovido as seguintes alterações em seus

estatutos: aumento de classe existente de ações preferenciais, sem guardar proporção com as

anteriores (art. 136); alteração do dividendo obrigatório (art. 202); cisão da companhia (art.

230); dissolução da companhia deliberada em assembléia geral (art. 206); participação da

companhia em grupo de sociedades (arts. 265 e 270); desapropriação de ações de controle

da companhia (art. 236); aquisição por sociedade aberta do controle de sociedade mercantil,

quando a transação importar em investimento relevante (art. 256); e incorporação de todas

as ações para sua constituição em subsidiária integral de outra companhia (art. 252).

Entende-se que não se pode condenar o acionista a permanecer em uma empresa que não

atende mais aos seus interesses e por cujas modificações ou descaracterizações sofridas não

se constitua mais, de fato, na empresa que anteriormente havia aderido99. Refere-se,

portanto, a um instrumento de proteção aos acionistas não-controladores, conforme

esclarece Carvalhosa (1997):

“Trata-se, com efeito, de corretivo do princípio majoritário, no sentido de que, à frente de algumas

modificações mais importantes do estatuto social, a lei protege o acionista individual que se

considere prejudicado por tais modificações. Dá-se lhe o direito de liquidar sua parte no capital

social, sem necessidade de, para tanto, encontrar comprador para ceder as respectivas ações”

(Carvalhosa, 1997, p.742).

99 O motivo que enseja a atribuição ao direito de recesso em benefício do acionista dissidente pelo legislador pode ser bem exemplificado quando observados os casos de fusão e incorporação. No caso da fusão, que se constitui em operação na qual se unem uma ou mais companhias para formar uma nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228), desaparecem as companhias que foram inicialmente envolvidas na operação, cabendo aos seus acionistas direito de recesso. No caso da incorporação que se constitui em operação mediante a qual uma ou mais sociedades são absorvidas por uma outra, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227), tem-se que a companhia incorporada é extinta, cabendo, então, aos seus acionistas o direito de recesso.

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O entendimento implícito da atribuição da prerrogativa do recesso parece ser, portanto, de

que se tornaria necessário assegurar a possibilidade de saída do investimento quando os

acionistas não tivessem como se desfazer dessas ações no mercado. Dessa forma, tais

prerrogativas visavam a atender, em especial, os casos dos acionistas titulares de ações com

baixa liquidez100.

De acordo com a Lei das S.A., o direito de recesso implica, então, o reembolso que se

constitui em operação mediante a qual a companhia paga aos acionistas dissidentes o valor

das suas ações. Esse valor, de acordo com o disposto no art. 45, não pode ser inferior ao

valor de patrimônio líquido das ações.

Posteriormente, a Lei no 9.457, de 1997, alterou a Lei no 6.404/76 estabelecendo que o valor

do reembolso pode ser inferior ao valor de patrimônio líquido das ações se estipulado com

base no valor econômico da companhia (fluxo futuro de caixa), a ser apurado em avaliação.

6.3.3.f) A instituição da Oferta Pública no caso de alienação de controle

A Lei das S.A. de 1976 introduziu, conforme disposto nos arts. 254 e 255, a obrigatoriedade

de que o adquirente do controle acionário de companhia aberta promovesse oferta pública de

aquisição de ações dirigida aos acionistas minoritários, ao mesmo preço pago ao alienante

do controle. Além disso, previu que tal operação deveria ser submetida à autorização da

CVM.

Com base nas determinações da Lei das S.A. a CVM passa, então, a fazer o

acompanhamento das operações de alienação de controle das companhias e das ofertas

públicas correspondentes, visando a garantir que as companhias sigam o previsto na lei. Ao

longo do período 1981-1985 chegaram a ser analisados pela CVM em torno de 64 casos de

alienação de controle101.

100 Tal entendimento ficou claramente expresso na Lei Societária quando das modificações introduzidas pela Lei no 9.457, de 1997. Essa Lei negou o direito de recesso, nos caso de fusão, incorporação e formação de grupo, ao titular de ações que: a) integrem índices gerais representativos de carteiras de ações admitidas à negociação em Bolsas de futuros; ou b) sejam emitidas por companhias nas quais mais da metade do total das ações emitidas encontre-se em circulação no mercado, subentendendo que, nesses casos, a liquidez proporcionada por essas ações possibilitaria a saída do acionista via mercado. 101 Ver Relatório Anual CVM – 1982 e 1985.

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O fundamento desse instrumento foi eliminar os abusos constatados nos processos de

transferências de controle de bancos, ocorridas ao final dos anos 60, nos quais o acionista

controlador havia sido beneficiado por receber, pela venda do controle, um sobrepreço em

muitas vezes superior ao valor de mercado das ações (Eizirick, 1997).

O texto da lei teria suscitado controvérsia a respeito do alcance da expressão acionista

minoritário, se estavam sendo contemplados todos os acionistas não controladores, os

preferencialistas e ordinaristas, ou somente os minoritários titulares de ações ordinárias. Tal

controvérsia foi esclarecida pela Resolução no 401, do CMN, de 22.12.76, que dispôs que o

instituto em questão referia-se somente às ações com direito a voto.

Existia um debate acerca de qual seria a justificativa econômica para estender o sobre preço

relativo ao poder de controle aos acionistas minoritários. No entanto, é possível perceber

que quanto mais pulverizado o capital da companhia mais evidente é a justificativa para a

oferta pública, porque sob essas circunstâncias o controle pode ser adquirido pela compra

gradual das ações em mercado, sem, portanto, a garantia do pagamento do prêmio de

controle aos acionistas que tenham vendido suas ações. A oferta pública impediria que isso

ocorresse ao determinar um preço único e dar condições a todos os acionistas detentores das

ações em circulação de participarem.

Vale ressaltar que o direito de recesso, ou “tag-along”, foi suprimido pela Lei no 9.457/97,

com o objetivo de reduzir o custo das operações de aquisição de controle no contexto do

programa de privatização dos anos 90.

Esse instituto foi restaurado em 31/10/2001, pela Lei no 10.303, que restabeleceu o direito

ao acionista minoritário detentor de ações ordinárias de vender suas ações sempre que

ocorrer uma mudança de controle, e, determinou que este preço não devesse ser inferior a

80% do preço pago ao controlador.

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6.3.3.g) Voto múltiplo

Tendo em vista as dificuldades de monitorar por parte dos acionistas minoritários, já

anteriormente analisadas, a lei pode prever mecanismos que facilitem e reduzam os custos

envolvidos.

No que se refere à participação, ou monitoramento, a ser exercido pelo acionista, a Lei das

S.A. previu a possibilidade do voto múltiplo na eleição dos conselheiros aos acionistas que

representem, no mínimo, um décimo do capital social com direito a voto. Sendo que,

existindo ou não previsão no estatuto, esses acionistas podem requerer a adoção do processo

de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do

Conselho, sendo reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato

ou distribuí-los entre vários. Tal procedimento permite a concentração de votos dos

acionistas minoritários em favor de um ou mais candidatos que possam vir a representar

seus interesses. Nos caso em que o número de membros do Conselho de Administração seja

inferior a cinco, foi facultado aos acionistas que representem 20%, no mínimo, do capital

com direito a voto a eleição de um dos membros do Conselho.

Ao não prever, nos dispositivos acima citados, a possibilidade de participação também dos

acionistas preferencialistas, a Lei das S.A. de 1976 foi bastante restrita. Alterações nesse

dispositivo só foram ocorrer em 2001. A Lei no 10.303, aprovada em 31/10/2001, alterou a

Lei das Sociedades Anônimas, introduzindo, sob esse aspecto, mudanças na legislação mais

avançadas, quais sejam: o direito de participação de um representante no Conselho de

Administração das empresas eleitos por portadores de ações preferenciais que representam

pelo menos 10% do capital, e de acionistas minoritários (ordinários e preferencialistas) que

representem até 15% das ações.

6.3.3.h) A Criação do agente fiduciário e a flexibilização dos contratos

Com relação às debêntures ocorrem grandes mudanças. Primeiramente, a Lei Societária cria

a função do agente fiduciário dos debenturistas, que torna-se figura obrigatória no caso das

emissões realizadas pelas companhias abertas a serem distribuídas ou admitidas à

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negociação no mercado. A lei reconhece, assim, a necessidade de proteger os debenturistas,

cuja capacidade de monitoramento é especialmente frágil, como já analisado na 1ª parte.

A CVM, em 23.11.83, emitiu a Instrução no 28, que dispôs acerca do exercício da função de

agente fiduciário dos debenturistas.

Dentre as funções desse agente, destaca-se o papel de informar os debenturistas acerca da

execução das obrigações assumidas pela companhia, dos bens garantidores das debêntures

etc. O papel do agente fiduciário pode, no entanto, ir bem além incluindo, por exemplo,

manter em custódia bens dados em garantia, efetuar os pagamentos de juros, amortização e

resgate, como também, no caso de inadimplência, executar os bens dados em garantia ou

requerer a falência da companhia.

A Lei das S.A. promulgada em 1976 permitiu, também, uma maior flexibilização nas

decisões relativas à emissão de debêntures e nas garantias associadas a esses títulos. Em

especial, a lei permitiu que as debêntures pudessem ter garantia móvel ou não ter garantia,

além das garantias reais já anteriormente previstas102.

No que se refere à assembléia de debenturistas, já era um instituto existente na lei anterior,

mas passa a poder ser convocada pelo agente fiduciário, pela companhia emissora, por

debenturistas que representem 10%, no mínimo, dos títulos em circulação, e pela CVM.

Anteriormente, os debenturistas tinham como proteção apenas a realização eventual de

assembléia de debenturistas, o que era ineficaz, pois, em geral, somente ocorria quando a

companhia emissora tinha interesse em modificar as condições das debêntures em circulação

ou estava inadimplente.

102 As debêntures com garantia real são aquelas asseguradas por hipoteca, penhor etc., podendo ser gravados bens da própria companhia emissora ou de terceiros. As garantias móveis ou flutuantes asseguram um privilégio geral sobre o ativo da companhia, possuem, assim, preferência sobre quaisquer outros títulos de dívida, mas não impedem negociações envolvendo os bens que compõem esse ativo e, por isso, são flutuantes. As debêntures subordinadas são as debêntures resgatáveis (em caso de liquidação) depois de pagos os outros credores, somente possuem preferência sobre o ativo remanescente da companhia em relação aos acionistas da companhia. As debêntures sem preferência ou quirografárias concorrem em igualdade, no caso de liquidação com os créditos desprovidos de qualquer privilégio.

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6.3.4 – Como fica o acionista minoritário depois da Lei no 6.404/76?

Analisando os aspectos discutidos nos itens de “a)” a “h)” pode-se concluir que em se

tratando de proteção ao investidor, a Lei das S.A., promulgada em 1976, trouxe como

aspectos positivos importantes a introdução do instituto do dividendo obrigatório, a

introdução da oferta pública no caso de alienação de controle, a ampliação dos fatores que

proporcionam direito de retirada por parte do acionista dissidente, a ampliação do exercício

do direito de preferência e, ainda, a introdução do agente fiduciário.

Expande-se, dessa forma, o elenco de instrumentos e dispositivos legais que podem ser

acionados pelos acionistas e pela CVM em sua atividade de acompanhamento, fiscalização e

punição das irregularidades cometidas. Alguns desses dispositivos exigiram do órgão

regulador a implementação de novas rotinas de monitoramento, como o acompanhamento

das ofertas públicas decorrentes de alienação de controle. Também a Lei Societária exigiu

da CVM esforços normativos adicionais que se evidenciaram, por exemplo, na

regulamentação das atividades do agente fiduciário.

Contudo, a Lei no 6.404/76 não se demonstrou de todo coerente. Os efeitos propiciados pela

lei foram fortemente determinados pelo fato de a carta legal ter facultado a ampliação da

participação das ações preferenciais no capital das empresas, reforçando o modelo com base

no princípio da vantagem econômica concedida aos preferencialistas, como contrapartida a

perda do direito de voto.

Com relação a esse modelo, vale dizer, primeiramente que, apesar das críticas, ao que tudo

indica, ele não chegou a ser realmente implementado, e, por conseguinte, também não foi

testado. Isto porque as vantagens econômicas prometidas aos titulares de ações preferenciais

não se efetivaram, contribuindo para isso a imprecisão da lei, como já analisado.

A garantia de uma vantagem efetiva aos preferencialistas na forma de dividendos, que

fossem previamente determinados e prioritariamente distribuídos, poderia ter exercido um

papel de estimular a desconcentração dos negócios, normalmente restrito a um grupo

reduzido de ações. As vantagens na forma de dividendos permitiria, ainda, atrair para o

mercado o investidor com perfil menos especulativo.

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Dessa forma, limitou-se as possíveis vantagens a serem oferecidas pelo modelo, restando

algumas desvantagens. A Lei 6.404/76 facilitou, ao possibilitar o controle da companhia

com a posse de uma parcela menor do capital total, a concentração do capital votante e, com

isso, deixou os acionistas minoritários mais expostos ao abuso dos controladores. A lei teria,

dessa forma, ampliado os desafios a serem enfrentados pela CVM.

Não obstante tal exposição tivesse sido contrabalançada na lei, em alguma medida, com a

introdução da figura do controlador, a previsão de seus deveres e atribuições, bem como, a

exemplificação de abusos que por ele poderiam ser cometidos.

No que se refere aos dispositivos previstos na lei que viabilizariam uma maior participação

nas decisões por parte dos acionistas minoritários, ficaram limitados aos minoritários

ordinaristas, deixando, portanto, de fora os preferencialistas, que, em geral, representam a

maior parte dos acionistas minoritários das companhias.

É necessário, porém, dizer que a lei refletiu, na verdade, a contradição que encerra o

desenvolvimento desses mercados em países onde se constata forte concentração da

propriedade do capital.

6.4 - A Segunda Fase das Reformas – O Papel dos Investidores Institucionais

As reformas ocorridas no âmbito do mercado de valores mobiliários podem ser subdivididas

em duas fases. A primeira fase constituída de aspectos mais estruturais tem como principais

alicerces a Lei no 6.385, que determinou a criação da CVM, e, a Lei no 6.404, que

consolidou uma nova sistemática de funcionamento das sociedades anônimas, e, em

especial, das companhias abertas, como analisamos acima. Em tese, esse esforço teve como

objetivo, fundamentalmente, promover instrumentos que permitissem uma maior proteção

do acionista, no que se refere aos seus direitos patrimoniais, de monitoramento, de obter

informações, de retirada, de exercício de preferência etc.

Uma segunda fase da reforma consistira em medidas que visavam a garantir, diretamente, a

expansão do mercado de valores mobiliários, atraindo um maior volume de recursos

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142

aplicados em valores mobiliários. Destacam-se, nesse sentido, principalmente, as medidas

tomadas relativas aos investidores institucionais.

Dessa forma, em 1977, a Lei no 6.435 regulamentou a atividade das Entidades Fechadas de

Abertas de Previdência Privada (EFPP e EAPP). Concomitantemente, a CVM coordenou

grupo de trabalho responsável pela determinação do regime de diversificação das aplicações

das reservas técnicas dessas Entidades, que resultou na elaboração da Resolução no 460/78,

do CMN. Esta Resolução estabeleceu que deveria ser canalizados para o mercado de valores

mobiliários parcela significativa dos recursos que estivessem assim disponíveis. Dado o

porte das instituições de previdência fechadas e o crescimento acelerado de suas reservas, já

em 1980, primeiro ano que se dispôs de dados consolidados para esse segmento, assumiram

a posição de segundo investidor institucional mais importante nesse mercado. Sua carteira

de ações e debêntures perdia somente para os fundos – 157. Em 1982, o valor de sua carteira

em ações e debêntures ultrapassa a carteira desses fundos, assumindo, então, o primeiro

lugar do ranking (ver Tabela I).

Além disso, o Decreto-Lei no 79.459, de 30.03.77, criou o Fundo de Participação Social, que

consiste numa sub-conta do Fundo de Participação – PIS-PASEP e teve como objetivo

proporcionar aos trabalhadores participação nos resultados das empresas. Suas aplicações

consistiam, preferencialmente, em ações e debêntures emitidas por companhias abertas

controladas por capital nacional, que deveriam representar no mínimo 60% do patrimônio

do fundo. Na prática investiram quase a totalidade de sua carteira em ações e debêntures.

Já os Fundos Mútuos de Investimento gozaram de vantagens fiscais. Os rendimentos

auferidos pelos fundos não sofriam tributação. Ao final de 1982 essa situação foi

parcialmente alterada, quando se determinou a incidência de imposto de renda na fonte

para os rendimentos dos fundos exceto, porém, para os obtidos no mercado monetário e os

provenientes das aplicações em ações e debêntures. O intuito foi, dessa forma, estimular os

administradores dos fundos a aplicarem nesses ativos.

Em 1984, foram criadas as categorias de Fundos de Ações e Fundos de Renda Fixa

permitindo uma maior flexibilidade na composição das carteiras, e por meio do Comunicado

CVM/Bacen no 16 possibilitou-se que os fundos mútuos de investimento e as entidades

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143

fechadas de previdência privada operassem tanto na compra vendedora quanto compradora

no mercado de derivativos, desde que cobertos.

No que se refere aos investidores dos fundos-157, ao final da década de 70, como já

discutido anteriormente, apontaram-se vários problemas que, do ponto de vista do

investidor, haviam persistido desde a implementação do sistema, notadamente, a não

obrigatoriedade de distribuir rendimentos aos cotistas, bem como a deficiência das

informações que a eles eram prestadas pelos administradores dos fundos.

Um outro ponto levantado à época, foi que dentre as empresas que haviam recebido a

categoria de empresas abertas várias se constituíam, na verdade, em empresas “pseudo-

abertas” porque, tendo aberto seu capital com vistas unicamente a usufruir do sistema de

incentivos fiscais, não tinham, na verdade, o intuito de atuar enquanto tal. Tal problema

agravara-se com o fato de que era significativo o número das empresas que, anteriormente

registradas no Banco Central como SACAs, haviam sido transferidas para a jurisdição da

CVM, após a sua criação.

Procurando responder a essas dificuldades, a Resolução no 470/78, do CMN, dentre outros

dispositivos, determinou:

- que os fundos deveriam fixar política de distribuição de rendimentos em dinheiro a seus

cotistas oriundos dos rendimentos auferidos pelos fundos sob a forma de dividendos ou de

bonificações em dinheiro e de juros de debêntures conversíveis em ações e aplicações;

- que os fundos deveriam prestar informações semestrais aos cotistas acerca do número e

valor de cotas possuídas, rentabilidade, cotas livres para resgate e prazos para resgate, além

de relatórios anuais, constando informações acerca da carteira e rentabilidade do fundo, taxa

de administração etc;

- que os fundos deveriam seguir novos critérios de diversificação que reduzem os

percentuais máximos de concentração da carteira em valores de emissão de uma só

companhia (de 5% para 4%) e de participação no capital das companhias (de 20% para

10%);

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- que a absorção de sobras de ofertas públicas de emissões de valores mobiliários por um

fundo individualmente ou pelo grupo de fundos participantes deveriam responder a

determinados limites103;

- a flexibilização das regras especificadas no item anterior para os dois primeiros

lançamentos de empresas com pouca liquidez e com mais de 90% das ações em poder do

acionista controlador.

O aumento das exigências de diversificação, além de visar a reduzir o risco da carteira dos

fundos, pretendia estimular os fundos a investirem em valores emitidos por companhias que

não tivessem ainda aplicações significativas. Com as novas regras de diversificação e a

flexibilização das regras para absorção de sobras, previstas no último item acima citado, o

regulador tinha a intenção de estimular as empresas com capital mais concentrado – as

pseudo-abertas, a promoverem emissões públicas, tendo os fundos como indutores do

processo de pulverização do capital dessas companhias.

Não houve, no entanto, tempo hábil para que esse conjunto de mudanças pudesse repercutir

significativamente no funcionamento do sistema, e que para novos ajustes necessários

pudessem ser feitos. Já a partir de 1980, a regulamentação dos fundos – 157 sofreu, no

âmbito de uma política de governo que optou pelo fim dos incentivos fiscais, novas

mudanças, primeiramente pela redução nas alíquotas de dedução do imposto de renda, e,

portanto, redução do valor disponível para aplicação nos fundos104. Tais efeitos sobre os

recursos disponíveis do sistema chegaram a ser abrandados pela legislação, por meio do

aumento do prazo de resgate dos recursos aplicados nos fundos. Mas, em 1981, as alíquotas

sofreram nova redução, e, posteriormente, determinou-se que abril de 1984 seria o prazo

limite para aporte de novos recursos ao sistema. Por fim, a Resolução no 1.023/85, do CMN,

103 Tal medida visava, também, a reduzir a concentração das operações de subscrição de ações e debêntures em um número reduzido de instituições que utilizavam os fundos de investimento 157 por elas administrados, como subscritores das sobras não absorvidas pelo mercado. Disso derivava ao menos três conseqüências. Primeiro, tornava-se desnecessária a realização de esforços de venda e de colocação desses títulos que fossem mais eficazes e agressivos por parte dessas instituições, impedindo uma maior expansão do mercado, e contribuindo para a pequena participação do investidor pessoa física nas emissões primárias (Nota:citar dados). Em segundo lugar, impedia a desconcentração do mercado de underwriting – dominado pelas instituições associadas aos conglomerados financeiros, visto que usufruíam de vantagem sobre as instituições independentes, porque cobravam taxa de garantia e colocação, mas o risco inerente ficava, na verdade, por conta dos fundos que administravam. Por último, as empresas emissoras eram oneradas porque estavam pagando por um serviço efetivamente não prestado pelas instituições contratadas (CVM, 1979). 104 De 1975 a 1979 vigorou para determinação da alíquota de dedução do imposto de renda na forma desses incentivos fiscais o Decreto-Lei no 1.338, que determinava uma alíquota que variava de 10 a 24%, conforme o nível de renda bruta do contribuinte. Em 1980, o Decreto-Lei no 1.841 definiu um intervalo menor de 8% a 18% e, em 1981, o Decreto-Lei no 1.887 definiu uma alíquota mais baixa, variando de 0 a 12%.

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determinou que os fundos-157 deveriam se transformar em fundos mútuos de investimento,

ou serem incorporados a essas instituições.

TABELA I - CARTEIRAS DE AÇÕES E DEBÊNTURES DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS – 1980/84

(Em Cr$ bilhões)

1980 1981 1982 1983 1984* TIPOS DE INVESTIDOR VALOR EM % VALOR EM % VALOR EM % VALOR EM % VALOR EM %

EFPP 37,4 33 91,2 38 238,9 43 1.259,4 45 2.926,5 45

Fundos Fiscais 54,3 48 104,9 44 213,2 38 827,7 29 1.712,7 26

Fundos Mútuos 4,1 3 6,4 3 26,7 5 404,0 14 1.004,5 16

Cias. Seguradoras 12,2 11 22,5 9 44,8 8 130,8 5 324,5 5

FPS 4,4 4 9,6 5 23,6 4 155,6 6 411,3 6

EAPP ND - ND - 4,4 1 27,7 1 54,3 1

Soc. De Investimento 1,3 1 2,4 1 4,0 1 14,2 - 33,9 1

T O T A L 113,7 100 236,9 100 555,6 100 2.819,4 100 6.467,7 100

* Posição em 30.9.84

EFPP - Entidades Fechadas de Previdência Privada EAPP – Entidades Abertas de Previdência Privada FPS - Fundo de Participação Social FONTE: Comissão de Valores Mobiliários- CVM – Relatório Anual - 1984

Apesar das modificações na composição da participação dos diferentes tipos de investidores

institucionais, em seu conjunto, não parecem ter atraído um maior volume de recursos para

aplicações em valores mobiliários. Ao que tudo indica se efetuou um efeito substituição, no

qual o crescimento, que decorreria dos recursos novos provenientes principalmente das

aplicações das Entidades Fechadas de Previdência Privada, foi compensado, num primeiro

momento, pela redução dos recursos novos provenientes dos incentivos fiscais. Num

segundo momento, com a extinção dos fundos 157, o aumento das aplicações das EFPP foi

compensado pelo próprio decréscimo da carteira desses fundos (a esta altura já incorporada

a carteira dos fundos mútuos) à medida que os investidores efetuavam seus resgates.

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Capítulo 7 – O Comportamento do Mercado de Capitais - 1978-86

7.1 – O Comportamento da Inflação e o Nível de Atividade

Em 1977/80 a economia caracterizou-se por taxas de crescimento positivas, porém, bem

mais modestas do que as apresentadas no período do Milagre Econômico (1968/73). A

inflação, medida pelo IGP-DI, da FGV, apresentou uma trajetória de crescimento acelerado,

tendo dobrado de 1979 a 1980, após o choque do petróleo ao final de 1979.

Durante o triênio 1981/83, devido, em grande medida, à política econômica de caráter

recessivo, que visava ao controle da inflação e ao ajuste das contas externas, a economia

vivenciou um processo recessivo, tendo decrescido 5,6 % em média ao ano. A política

ortodoxa logrou obter o equilíbrio da contas externas, mas não conseguiu controlar o

processo inflacionário. A inflação manteve-se elevada, ainda que estável, em torno de 100%

ao ano em 1980, 1981 e 1982. Contudo, em 1983, retomou uma trajetória de aceleração,

atingindo 211 %.

O quadro recessivo se reverteu a partir de 1984 quando se delineou uma fase de recuperação

do nível de atividade. O produto industrial cresceu 6,1%, em 1984 e 8,3%, em 1985, e atinge

aproximadamente 11%, em 1986. A inflação, porém, continuou crescente, apresentando-se

em torno de 224% e 235%, nos anos de 1984 e 1985, respectivamente.

7.2 – O Mercado Primário

Conforme já mencionado, nos anos 70 era constante a ocorrência de emissões irregulares de

valores mobiliários. Assim, a CVM assumiu suas atividades num contexto em que empresas

que não possuíam o registro de companhias abertas, e/ou que não procediam ao registro de

suas emissões, negociavam publicamente os valores mobiliários por elas emitidos. Ao que

tudo indica, tal situação teria sido propiciada por uma atuação insuficiente do Banco Central

no combate a essas irregularidades, somada a atuação no mercado de capitais de empresas

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que teriam se beneficiado dos recursos provenientes dos fundos voltados ao

desenvolvimento regional – FINAM e FINOR105, oriundos de incentivos fiscais.

Diante desse quadro, a CVM direcionou grande parte de seus esforços no sentido de

combater e punir tais atividades, fazendo cumprir o determinado na Instrução no 13/80, já

analisada no Capítulo 6. De acordo com a opinião de profissionais que atuavam no mercado

naquele período, a atuação da CVM teria sido bem sucedida, permitindo a ordenação desse

mercado106.

Nessa direção, também ressaltou Scinio (1998):

“A CVM funciona, pois, no mercado secundário ou terciário, como agente controlador, tentando

evitar a repetição do boom vivido pelas Bolsas de Valores no final de 1970 e princípio de 1971 e no

policiamento do mercado primário, impedindo que se repitam os fracassos tantas vezes verificados

no passado, quando os incorporadores, os idealizadores das sociedades anônimas, apresentavam

projetos faraônicos, de viabilidade apenas aparente, faziam o lançamento de ações, recebiam as

entradas e às vezes mais, e não se complementava sequer o processo de criação pela inviabilidade

total da implementação do mesmo” (Scinio, 1998, p.29).

Com efeito, as estatísticas de inquéritos instaurados pela CVM permitiram constatar,

nitidamente, uma redução desses problemas a partir do final dos anos 80. De 1979 a 1986

foram cerca 73 inquéritos administrativos instaurados pela CVM envolvendo a apuração de

irregularidades na colocação pública de ações e debêntures 107. Nos dez anos seguintes de

1986 a 1997, o número de inquéritos instaurados envolvendo esse tipo de irregularidade caiu

para 23.

105 FINAM – Fundos de Investimento da Amazônia e FINOR – Fundos de Investimento do Nordeste. 106 Assim, afirmou Marco Albino, que atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80, em entrevista concedida em 10.01.2006 107 De 1980 até junho de 1987, os inquéritos instaurados resultaram no indiciamento de 744 pessoas das quais 679 receberam punições na forma de advertência, multas e inabilitação. Ver Eizirick, 1992, p.22.

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Tabela II - Número de Inquéritos Instaurados e Julgados pela CVM Envolvendo

Irregularidades Relacionadas com Emissões Públicas 1970-2005

Fonte: Coordenação de Controle de Processos – CCP - CVM Obs: a partir de 2002 estão sendo considerados também os Termos de Acusação

No que diz respeito ao volume de emissões de ações e debêntures registradas regularmente

no órgão regulador, no período compreendido entre 1979 e 1986, foi possível verificar pelo

menos três fases: de recuperação de 1979 a 1981, de decréscimo de 1982 a 1983 e de

expansão de 1984 a 1986.

Número de Inquéritos

Instaurados

Número de Inquéritos

Julgados

1979 1 0 1980 10 2 1981 26 12 1982 14 13 1983 17 13 1984 1 12 1985 3 11 1986 1 0 1987 4 2 1988 5 3 1989 2 3 1990 3 0 1991 2 1 1992 3 0 1993 3 0 1994 1 5 1995 0 3 1996 0 1 1997 2 1 1998 0 1 1999 1 0 2000 0 0 2001 0 1 2002 1 0 2003 4 1 2004 1 1 2005 7 0 Total 112 93

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Os anos de 1979 a 1981 caracterizaram um período mais favorável para o mercado primário,

comparativamente ao período pós Boom das Bolsas, ocorrido em 1971. O processo de

abertura de capital, que teve desempenho insignificante nos anos de 1978 e 1979, se

acelerou a partir de 1980. Foram concedidos 41 novos registros de companhias abertas em

1980, 67 em 1981, e 86 em 1982.

O número total de empresas que efetuaram emissões, incluindo as que realizaram sua

primeira emissão, também demonstrou uma trajetória de expansão, apresentando um

incremento de 74 empresas em 1979 para 338 empresas no ano de 1982 (ver Anexo - Tabela

2).

7.2.a) O segmento de debêntures

Ao comparar as variações do valor nominal das emissões de ações e debêntures registradas

na CVM em relação ao comportamento do nível de preços no período decorrido entre 1979

e 1981, medido pelo IGP-DI, constatou-se crescimento em termos reais, como podemos

observar no Gráfico II a seguir.

Gráfico I - Emissões Registradas de Ações e Debêntures e Inflação

-100,00

0,00

100,00

200,00

300,00

400,00

500,00

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

Ano

Var

iaçõ

es %

Variação Nominal deEmissões de Ações eDebentures %

Inflação IGP-DI(variação Anual %)

Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.

Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2

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150

Contudo, cumpre destacar que o cenário positivo nessa primeira fase foi puxado,

basicamente, pelo segmento de debêntures, que cresceu de forma significativa no período

79/81, em especial em 1981, conforme podemos verificar nos Gráficos II e III a seguir.

Gráfico II - Emissões de Debêntures e Inflação

(200,00)

-

200,00

400,00

600,00

800,00

1.000,00

1.200,00

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

Ano

Var

iaçõ

es %

Variação Nominalde EmissõesRegistradas dedebênturesInflação IGP-DI(Variação Anual)

Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.

Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2

Gráfico III - Emissões de Ações e Inflação

(100,00)

-

100,00

200,00

300,00

400,00

500,00

600,00

700,00

1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987

Ano

Var

iaçõ

es %

Variação Nominalde EmissõesRegistradas deAçõesInflação IGP-DI(Variação Anual)

Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.

Obs: para valores ver Anexo – Tabela 2

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151

Em decorrência do acima exposto, considerando o valor total das emissões registradas em

1981 na CVM, há um salto da participação do valor registrado relativo às debêntures em

comparação à participação dos valores relativos às emissões de ações. As emissões de ações,

que eram ao longo da década de 70 majoritárias, reduziram no período em questão,

drasticamente, a sua participação. Tal quadro, contudo, como se pode verificar na Tabela III

a seguir se reverte totalmente a partir de 1984.

TABELA III – PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES E DEBÊNTURES NO VALOR DAS EMISSÕES REGISTRADAS (%)

ANO % DEBÊNTURES/TOTAL EMISSÕES

% AÇÕES/TOTAL EMISSÕES

1980 28 72

1981 86 14

1982 79 21

1983 74 26

1984 36 64

1985 16 84

1986 10 90

Fonte: Relatório Anual da CVM Obs: para valores ver Anexo - Tabela 2

O crescimento absoluto e relativo do segmento de debêntures também pode ser verificado a

partir dos números de empresas que participaram das emissões. Dentre as 194 empresas que

abriram seu capital no período 1980/82, cerca de 70 %, ou seja, 138 empresas, o fizeram

mediante emissão de debêntures.

Considerando as 721 empresas que efetuaram registro de emissão na CVM ao longo do

período de 1980 a 1982, 444, ou seja, cerca de 62%, efetuaram emissões de debêntures.

Em resultado do predomínio das emissões de debêntures, verificou-se que, de 1981 a 1985,

a grande maioria dos novos registros de companhia aberta visou à negociação em mercado

de balcão, mas o mercado de balcão também foi a opção em alguns casos de empresas que

abriram seu capital por meio de emissão de ações.

O crescimento do mercado de balcão foi motivo de preocupação por parte do órgão

regulador, tendo em vista que as negociações nesse mercado não ofereciam visibilidade e

padrões de transparência adequados. Soma-se a isso o fato de que os registros de companhia

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152

aptas a negociar no mercado de balcão eram os que, em geral, apresentavam maiores

problemas no que se refere à atualização das informações.

Visando enfrentar essa situação, a CVM expediu a Instrução no 42, de 28.01.85,

determinando às sociedades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários o

arquivamento de informações acerca de cada operação realizada no âmbito do mercado de

balcão. Dessa forma, deveriam ficar à disposição da CVM, sendo também obrigatório o

envio semanal de informações consolidadas sobre essas operações. A partir daí também

foram crescentes os esforços do órgão regulador no sentido de oferecer condições para a

formação de um mercado de balcão organizado para esses valores.

Como já analisado, a Lei no 6.404/76 trouxe ao segmento de debêntures um número

significativo de mudanças, seja nas modalidades possíveis de garantias a serem associadas a

esses títulos, seja no aspecto concernente ao monitoramento, determinando a

obrigatoriedade da figura do agente fiduciário. No entanto, não parece ser possível atribuir

principalmente a essas modificações o crescimento obtido por esse segmento no período. A

performance positiva do segmento de debêntures pode ser atribuída, em grande medida, a

despeito do quadro recessivo que se delineava na economia, a um conjunto de medidas

econômicas e financeiras implementadas nesse período. Tais medidas afetaram a

rentabilidade e a liquidez dos investimentos em renda fixa e, em especial, dificultaram ou

desestimularam o acesso das empresas a outras fontes de recursos, estimulando o segmento

de debêntures.

Em agosto de 1979 assumiu o Ministro Delfim Neto e o Governo adotou uma política de

controle sobre o processo inflacionário, que vigorou até o final de 1980, com base no

reforço do aparato institucional de controle direto sobre os preços, criando a SEAP

(Secretaria Especial de Abastecimento e Preços). Com esse mesmo objetivo, o Governo

decidiu reduzir o impacto da correção monetária por meio do expurgo do petróleo e

derivados do IPCA (índice de preços ao atacado), então a base de cálculo para a correção

monetária. Tal medida visava desinflar a circulação financeira indexada, reduzir as pressões

sobre o giro da dívida pública - via redução dos rendimentos dos títulos públicos (ORTN e

LTN) - e reduzir o efeito transmissor e propagador da correção monetária sobre o

comportamento dos preços via taxas de juros nominais.

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Dentre as medidas implementadas, que influíram sobremaneira no rendimento relativo dos

ativos, destacaram-se: o expurgo do IPCA- índice de preços ao atacado, que reduziu a

atratividade dos títulos pós-fixados; a elevação do prazo do CDB e o tabelamento das taxas

de juros de captação das instituições financeiras, que diminuiu a competitividade dos títulos

de renda fixa com correção pré-fixada – CDB e Letras de Câmbio, e a redução dos juros

sobre as aplicações na caderneta de poupança.

No âmbito do pacote de medidas fiscais adotado para área de transações externas o Governo

promoveu uma maxidesvalorização do câmbio (que corrigiu o cruzeiro em 30% em relação

ao dólar). O segundo choque do petróleo, a “inflação corretiva” derivada da promoção de

reajustes nos preços e tarifas do setor público, somada ao efeito negativo sobre os preços

decorrentes da maxidesvalorização e a redução do prazo de reajuste salarial de anual para

semestral teriam promovido um efeito adverso sobre o nível de preços.

Em 1980, com o objetivo de quebrar as expectativas inflacionárias, o Governo somou ao

tabelamento dos juros, a prefixação da correção monetária (45%) e cambial (40%), que se

mostrou rapidamente como sendo irrealista e estreitou ainda mais a rentabilidade relativa

das aplicações em títulos de renda fixa.

Mas, dentre as medidas, destacou-se, em especial, a limitação da expansão do crédito

bancário em 45%. Diante do crédito interno limitado e do externo pouco atrativo, em termos

de custos e risco, o mercado de debêntures revelou-se para as empresas como uma

alternativa interessante. O tabelamento da correção cambial não teria sido suficiente para

estimular os empresários a tomar recursos no exterior. Entendia-se que tal medida deveria

durar somente por certo período, e novas maxidesvalorizações poderiam ocorrer, o que

elevaria em muito o valor das dívidas contraídas em moeda estrangeira, as quais são, em

geral, de longo prazo.

Para os investidores de uma maneira geral, apesar de que as debêntures seriam corrigidas

pela correção monetária pré-fixada, inexistiam alternativas que oferecessem maior

rentabilidade. No que se refere aos bancos, limitados em suas outras formas de aplicação,

encontraram nas debêntures uma forma de aplicação atrativa, e se revelaram como os

investidores mais importantes nesse segmento no período. Já os Fundos de Pensão foram,

também, grandes demandantes de debêntures, na medida em que se ajustavam às

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determinações da Resolução no 460, do CMN. Esse conjunto de fatores explicava o

crescimento respeitável do mercado de debêntures em 1979 e em 1980.

Ao final de 1980 a inflação salta de 50% para 100% e o Governo decide por tomar medidas

econômicas de cunho mais ortodoxo. Dessa forma, ocorre a liberação do tabelamento dos

juros, extingue-se a prefixação da correção monetária e da correção cambial. Ainda assim,

teve-se no relaxamento do controle exercido sobre os preços da economia uma expansão da

margem de lucro das empresas, tornando mais atrativos os títulos por elas emitidos. Além

disso, a permanência da limitação do controle sobre o volume de crédito interno, o realismo

cambial e as altas taxas de juros praticadas no mercado externo, tornavam ainda mais

interessante o lançamento de debêntures como forma de captar recursos. Em 1981 o volume

total registrado de emissões de debêntures cresceu 898% em termos nominais, em

contrapartida a uma inflação, medida pelo IGP-DI, de aproximadamente 95% no período.

A partir de 1982, o mercado de debêntures sofreu os impactos negativos de uma série de

medidas, que dificultaram sobremaneira o seu desenvolvimento e abrandaram as taxas de de

crescimento do volume de emissões. Primeiro, em 1982, por meio das Resoluções de nos 755

e 756, do CMN, limitaram-se as aplicações dos bancos comerciais em debêntures. Depois,

em 1983 por meio da Resolução no 794, do CMN, acabou-se com a compulsoriedade das

aplicações em debêntures simples por parte da EFPP, estabelecendo um limite máximo para

essas aplicações. Essa Resolução eliminou também o limite máximo para aplicação em

ações e debêntures conversíveis em ações, com intuito claro de desestimular os

investimentos em debêntures simples.

Diante disso, em 1983, as debêntures conversíveis passaram a dominar o segmento de

debêntures, consistindo em 75% do valor das emissões registradas no período, entretanto,

não chegam a apresentar crescimento em termos reais no período analisado.

Ainda no mesmo ano, dentre um conjunto de medidas que visavam aperfeiçoar os

mecanismos de arrecadação tributária, o Decreto-Lei no 2.071, de 20.12.83, equiparou os

deságios constantes nas operações com títulos aos juros auferidos nas transações financeiras.

Passou-se, assim a tributar o deságio e qualquer rendimento pago, tais como os prêmios de

repactuação e/ou continuidade, pelas mesmas alíquotas previstas para os juros. Essas últimas

medidas tiveram um forte impacto sobre o mercado de debêntures, tendo sido, porém, em

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parte abrandadas pela sistemática imposta pelo Decreto-Lei no 2.133, de 26.06.84. Por fim,

em 1984, foi eliminado o controle quantitativo sobre o crédito.

Pode-se concluir, então, que medidas econômicas e financeiras implementadas no período

1979/1980, diante das condições externas vigentes, promoveram um efeito positivo indireto

sobre as emissões de debêntures, explicando, em grande medida, o crescimento verificado,

enquanto que, posteriormente, medidas que repercutiram direta ou indiretamente sobre esse

segmento acarretaram o arrefecimento do processo de crescimento anteriormente observado.

As mudanças na legislação societária, já comentadas, podem ter se constituído, como um

aspecto favorável, na fase de crescimento, mas, ao que tudo indica, não foram fator

determinante.

7.2.b) O segmento de ações

O mercado primário de ações acompanhou, em linhas gerais, as fases de recessão e de

crescimento da economia. Em 1978 e 1979 as emissões de ações apresentaram um

crescimento real inexpressivo, e sofreram, ainda, uma forte queda em 1981, refletindo,

provavelmente, o quadro recessivo da economia e a redução da entrada de novos recursos no

sistema 157, a partir da redução dos incentivos fiscais. O ano de 1982 demonstrou, apesar do

quadro recessivo, recuperação das emissões de ações, mas esse crescimento, em termos

reais, foi inexpressivo (ver Gráfico III).

Ademais, este comportamento foi, em grande parte, explicado pelo crescimento significativo

das emissões realizadas pelas instituições do setor financeiro no período 1982/83,

relativamente aos demais tipos de empresa. Em 1981, as instituições bancárias eram

responsáveis por cerca de 26% do total das emissões. Essa participação subiu para,

aproximadamente, 45% em 1982, sendo ainda elevada em 1983, quando respondeu por

cerca de 40%. Em 1994 essa participação cai para cerca de 21%, se aproximando da

observada em 1981 (ver Tabela IV).

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156

TABELA IV – VALOR DAS EMISSÕES DE AÇÕES POR TIPO DE EMPRESA EMISSORA

(VALORES EM Cr$ MILHÕES)

EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS Empresas Estrangeiras Empresas Estatais Empresas Privadas

Intermediários Financeiros

TOTAL

ANO Ações Debêntures Ações Debêntures Ações Debêntures Ações Debêntures* Ações Debêntures

1978 2 - 306 450 4.561 - 3.186 - 8.055 450

1979 - 320 971 - 8.103 1.663 6.068 - 15.142 1.983

1980 73 2.065 1.321 502 23.400 12.953 9.487 709 34.281 16.229

1981 - 12.292 6.875 13.845 13.277 105.133 6.956 30.759 27.108 162.029

1982 - 21.108 4.932 11.686 42.187 271.450 37.385 11.873 84.504 316.117

1983 - 16.310 - 15.860 87.057 339.024 57.552 32.825 144.609 404.019

1984 - 42.004 46.559 28.230 720.100 356.528 208.934 125.655 975.593 552.417

* Empresas de leasing

FONTE: Relatório Anual – CVM, 1984.

Em contraste com os anos de 1982 e 1983, o biênio 1984/85 foi, visivelmente, de

recuperação e crescimento do mercado de capitais, sendo que, nessa fase, o crescimento se

deveu ao comportamento do segmento de ações (ver Gráfico III). Dessa forma,

acompanhando a recuperação do nível de atividade econômica, 1984 foi o primeiro ano,

dentro do período analisado, no qual o valor registrado das emissões de ações apresentou

crescimento real. Por conseguinte, revertendo a tendência da primeira fase do período,

observa-se que as emissões de ações assumiram uma participação maior relativamente às

debêntures no valor total de emissões registradas, atingindo 64% em 1984, e chegando a 90

% em 1986.

No que tange ao mercado secundário de ações, o controle exercido sobre a liquidez da

economia em 1984 teria sido um dos fatores que determinaram uma maior atratividade dos

ativos de renda variável comparativamente aos ativos de renda fixa. Medidas como a

elevação do prazo mínimo de aplicação em depósito a prazo de 90 para 180 dias, a dilatação

do prazo para resgate das cotas dos Fundos de Renda Fixa de 10 para 30 dias e a elevação

do IOF sobre operações financeiras com prazos inferiores a 30 dias reduziram a liquidez

dessas aplicações, num contexto de incerteza, decorrente do momento de transição política.

Assim, apesar da recuperação dos rendimentos das aplicações em renda fixa, devido à

elevação dos juros e à instituição da correção monetária plena no segundo semestre do ano,

observou-se uma performance positiva no mercado secundário de ações, com elevação do

volume de negócios e das cotações.

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157

O mercado primário de ações recebeu os estímulos do mercado secundário, visto que o

aumento das cotações permitiu que as emissões pudessem ser realizadas a preços

condizentes com o valor patrimonial das empresas. Por outro lado, a recuperação do nível de

atividade, ao acarretar a expansão dos gastos com investimentos, aumentou a demanda por

novos recursos por parte das empresas.

Em 1985, porém, apesar do quadro positivo do mercado de Bolsa e do maior crescimento do

produto da economia dos últimos anos, as emissões de ações apresentaram um crescimento

real pouco expressivo, não tendo correspondido, assim, ao crescimento observado no ano

anterior.

O ano de 1986 foi um período atípico e semelhante, em vários aspectos, ao boom de 1971. O

novo cenário econômico produzido a partir da implementação do Plano Cruzado trazia

queda abrupta da inflação, o fim da correção monetária, perspectivas de estabilidade e de

crescimento que delineavam um cenário positivo para a economia e estimulavam as

aplicações em ações. A expansão das cotações foi, por sua vez, fator de estímulo ao mercado

primário de ações. Tal cenário reverteu-se já no segundo semestre, com reflexos mais

rápidos sobre o mercado secundário, como seria de se esperar, gerando certo descompasso

com o mercado primário que ainda refletia as boas notícias da primeira metade do ano. Para

o ano de 1986, verificou-se: crescimento de 70% no número de empresas que abriram seu

capital (são 42 empresas comparadas com 25 no ano anterior), 150 empresas emitiram

ações, o maior número apresentado no período analisado, e o valor total das emissões

cresceu cerca de 360% em termos nominais, com uma inflação no período de 60%.

Como tendência mais importante verificada nas emissões de ações no período decorrido

entre os anos de 1981 e 1986, vale ressaltar a queda na participação das emissões registradas

de ações ordinárias, relativamente às emissões de ações preferenciais. As ações ordinárias,

que representavam 57% do valor das emissões de ações registradas em 1982, caíram, em

1986, para 19% (ver Tabela V).

Esses números confirmam o interesse que se esperava despertar ao facultar a ampliação da

participação das preferenciais no capital das empresas, a partir das modificações

introduzidas na Lei Societária. Tal instrumento confirmou-se, assim, ao longo desse período,

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como o instrumento principal por meio do qual as companhias puderam obter novos

recursos no mercado primário de ações, sem promover alteração no controle da companhia.

TABELA V - PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERENCIAIS NAS EMISSÕES

REGISTRADAS – 1981 /1986 (%)

Fonte: Relatório Anual da CVM Obs: para valores ver Anexo – Tabela 4

7.3 - Mercado Secundário de Ações

Com relação aos negócios em Bolsa, comparando as variações do valor negociado de ações

em termos nominais com o comportamento do nível de preços no período, medido pelo IGP-

DI, observa-se crescimento real somente a partir do ano de 1983 (ver Gráfico IV e Anexo –

Tabela 7).

Gráfico IV - Volume de Negociação de Ações nas Bolsas Brasileiras

-100,000,00

100,00200,00300,00400,00500,00600,00700,00800,00

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

ANO

Var

iaçõ

es A

nuai

s (%

)

Variação Nominal doVolume deNegociações de Ações

Inflação - IGP-DI(Variação Anual)

Fonte: Dados de Volume de negócios: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, ano de 1989; Dados IGP-DI: FGV. Obs: para valores ver Anexo – Tabela 7

ANO % ON %PN

1981 57 43

1982 48 52

1983 37 63

1984 26 74

1985 29 71

1986 19 81

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Analisando-se a relação entre o volume de negócios com ações e o PIB da economia

observa-se queda no biênio 1981/82 e recuperação também somente a partir de 1983 (ver

Anexo - Tabela 7).

Como reflexo do esvaziamento do mercado secundário de ações, ao longo dos anos 70,

observou-se uma trajetória de queda do número de empresas de capital aberto listadas nas

Bolsas brasileiras, que de 604, em 1974, cai para 553 em 1977. Essa trajetória de queda

reverte-se em 1978/80, provavelmente devido às exigências da CVM de registro em Bolsa

para obtenção de registro de companhia aberta, porém, uma tendência clara de crescimento,

só vai se dar em 1986 (ver Anexo - Tabela 9).

No que se refere ao nível de concentração dos negócios, observou-se um processo de

desconcentração ao longo de toda a década de 70. Em contraste, no período 1980/85

verificou-se uma clara reversão dessa trajetória, com uma elevação da participação nos

negócios das cinco, dez, cinqüenta e cem ações mais negociadas. As 10 ações mais

negociadas que representavam cerca de 39% em 1980 pulam para 61% em 1985, as 50%

mais negociadas crescem de 66% em 1980 para 81% em 1985 (ver Anexo - Tabela 8). O

nível de concentração chega a apresentar queda em 1986, mas continua a crescer a partir de

1987.

Um fator explicativo possível do processo de concentração dos negócios em Bolsa teria sido

o retorno, nos anos 80, do investidor individual, que havia se afastado totalmente dos

investimentos em Bolsa depois de 1971, e cujo perfil de investimentos, em geral, tende a

concentrar-se nas ações mais negociadas. Os dados disponíveis para 1983 e 1984

demonstravam elevada participação do investidor individual relativamente aos investidores

institucionais (ver Tabela VI). Não existem dados para a década de 70, mas, segundo

depoimento de profissionais de mercado que atuaram nessa época, os investidores

individuais eram responsáveis pela imensa maioria dos negócios realizados nesse período.

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TABELA VI - PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS (AGREGADOS) NOS

NEGÓCIOS DA BVRJ E DA BOVESPA – 1983/84

PERÍODO BVRJ (%) BOVESPA

Janeiro/1983 4,13 13,00

Fevereiro 5,42 21,00

Março 4,40 22,00

Abril 5,27 20,00

Maio 5,07 20,00

Junho 4,63 16,00

Julho 4,14 20,00

Agosto 4,81 21,00

Setembro 8,06 17,00

Outubro 7,68 12,00

Novembro 7,42 13,00

Dezembro 7,25 13,00

Janeiro/1984 7,16 16,00

Fevereiro 6,26 17,00

Março 7,85 19,00

Abril 6,17 19,00

Maio 6,41 18,00

Junho 5,60 21,00

Julho 6,00 16,00

Agosto 8,79 14,00

Setembro 6,96 14,00

Outubro 7,00 11,00

Novembro 6,07 10,00

Dezembro 5,90 8,00

FONTE: Bolsas de Valores do Rio de Janeiro e de São Paulo

O comportamento das estatísticas de concentração do mercado também poderia ser

atribuído, em alguma medida, à atuação dos fundos 157, enquanto principal investidor

institucional ao longo dos anos 70 e, a partir do início da década de 80, à redução das

aplicações desses fundos. Tendo em vista as exigências, a partir de 1974, de que 80% das

aplicações desses fundos deveriam ser em ações e debêntures de empresas privadas

nacionais, estavam praticamente de fora de suas aplicações os títulos emitidos pelas grandes

empresas estatais108, que dominavam o mercado. Ademais, os fundos 157 deveriam respeitar

os critérios de diversificação estabelecidos pela legislação. Dessa forma, os fundos-157

108 Destacavam-se entre as empresas cujas ações eram mais negociadas a Petrobrás, a CVRD e o Banco do Brasil.

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poderiam ter contribuído, para promover a distribuição dos negócios entre um número maior

de empresas. A redução da importância dessas instituições pode ter resultado numa maior

concentração, visto que a procura por maiores rendimentos deveria estimular os demais

investidores institucionais a concentrarem suas operações nos títulos emitidos pelas

empresas com maiores perspectivas de retorno e menores riscos. Contudo, a participação

dos Fundos-157 no volume de negócios não era significativa, porque não tendiam a realocar

os ativos que já constavam em sua carteira. Sua participação nos negócios de Bolsa era, na

verdade, mais ativa no momento em que aplicavam os novos recursos que entravam no

sistema -157.

A partir do segundo semestre de 1984 cresce a atuação dos investimentos coletivos

voluntários na forma de Clubes de Investimento e os dados disponíveis relativos ao número

de Clubes constituídos, o número de participantes e o Patrimônio líquido (PL) desses

condomínios demonstraram enorme crescimento em 1986 (ver Tabela VII)109. Vale registrar

que o PL em junho de 1986 dos clubes de investimento chegou a representar 6,5% do total

de ações e debêntures na carteira das EFPP nesse mesmo período 110.

O crescimento da atuação desses Clubes foi motivo de atenção por parte do órgão regulador,

tendo motivado a edição da Instrução CVM no 40, de 07.11.84. Tal Instrução dispôs sobre a

constituição e o funcionamento dos Clubes de Investimento, identificados como os

condomínios constituídos de pessoas físicas para aplicação de recursos comuns em títulos e

valores mobiliários111.

TABELA VII - EVOLUÇÃO DOS CLUBES DE INVESTIMENTO - 1986

(valores em Cr$ milhões)

Fonte: CVM - RA CVM - 1986

109 Ver CVM - Relatório Anual, 1984, p19. 110 Ver RA CVM – 1986. 111 Tais Clubes devem seguir as normas estabelecidas na mencionada Instrução quando vinculados à sociedade corretora, banco de investimento ou sociedade distribuidora As normas editadas na mencionada Instrução dispuseram acerca do estatuto, do registro na Bolsa, do requisito para captação de recursos junto ao público, da remessa de informações aos condôminos, da administração da carteira etc.

MÊS Nº DE CLUBES Nº DE PARTICIPANTES

PATRIMÔNIO LÍQUIDO (CR$ MILHÕES)

Janeiro 2.218 67.390 1.411.600,00

Junho 2.860 93.578 4.652.800,00

Setembro 2.900 87.462 3.182.100,00

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7.4 - As Emissões de Ações e os Demais Ativos da Economia

Considerando os demais ativos financeiros da economia, pode-se verificar a partir dos dados

disponibilizados pelo Banco Central do Brasil relativos à composição da poupança

financeira, na economia brasileira, calculada com base na variação dos saldos no período

decorrido entre 1969 e 1978, visível crescimento da participação dos títulos de renda fixa

emitidos pelas instituições financeiras e pelo Tesouro Nacional em detrimento dos títulos de

renda variável (ver Anexo - Tabelas 10A e 10B e 11). Destacam-se, em particular, os

depósitos de poupança e os títulos públicos federais, cuja participação na poupança

financeira cresce, respectivamente, de 3% e 9% em 1971 para, aproximadamente, 14% e

15% em 1976, mantendo-se, em aproximadamente, 13% e 14% em 1978.

Como resultado verifica-se, no que se refere aos ativos de renda fixa, uma nova composição

entre haveres monetários (papel moeda em poder do público e depósitos à vista) e não

monetários (depósitos a prazo, depósitos de poupança, títulos públicos etc.) nitidamente em

direção a esse último agregado (ver Anexo - Tabelas 12A, 12B e 12C).

Já a participação total dos títulos de renda variável na poupança financeira, relativamente

aos ativos de renda fixa, na qual estão computadas as ofertas públicas de ações, as ofertas

privadas, a capitalização das reservas no âmbito do balanço das empresas e a carteira dos

fundos, sobe de 45%, em 1969, para 55%, em 1971, e cai, significativamente, para 24% em

1978. Dessa forma, esses ativos não acompanham o crescimento observado para os ativos de

renda fixa no período 1971/76 e perdem sua posição (ver Anexo Tabelas 10A e 10B.

Dada a descontinuidade da série, não é possível observar como se comportou a composição

dos diferentes ativos na poupança financeira ao longo da década de 80. Com o objetivo de

analisar, ainda que indiretamente, como se comportaram as ações relativamente aos demais

ativos financeiros, e na falta de outros indicadores possíveis comparáveis para esse período,

optou-se por observar, então, a relação entre o valor das emissões públicas de ações e a

variação do saldo dos haveres não monetários. Não foram considerados, portanto, os

haveres monetários, cujo comportamento está associado basicamente às necessidades de

pagamento dos gastos correntes.

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Comparando os resultados obtidos para esse indicador na década de 70 aos anos disponíveis

da década de 80112, é possível verificar que mesmo no período em que o volume de emissões

foi mais significativo (1985/86), a proporção entre as emissões públicas de ações e haveres

não monetários (variação) não superou a participação verificada nos anos anteriores.

Pelo contrário, no ano do boom (1971) a relação emissão de ações/variação dos haveres não

monetários chegou a atingir 14,7% e considerando, ainda, os anos que o precederam, ou

seja, para o triênio 1969/1971, esse indicador foi em média de cerca de 9% (ver Anexo -

Tabela 13). Comparativamente, no ano de 1986, no qual o movimento das emissões é

muitas vezes entendido como similar ao período do boom de 1971, esta relação foi de,

aproximadamente, 1,6%, e na média, de 0,72%, no período de 1984/1986. Assim, os valores

observados para a relação mencionada nos anos 1982/1986 estão certamente mais próximos

do período pós boom, que foi marcado por uma paralisia do mercado de ações, quando, em

média, considerando o período 1972/76, esse indicador foi de 1,3%.

Em suma, os dados analisados sugerem que, apesar do crescimento do mercado primário no

período de 1984/86, as ações mantiveram uma participação diminuta na poupança

financeira, relativamente aos ativos financeiros de renda fixa.

7.5 - As Emissões de Ações, a FBCF e o PIB da Economia.

O comportamento do valor das emissões frente ao comportamento do valor dos produtos e

serviços da economia pode ser explicado, em grande medida, pelos fatores conjunturais

acima analisados.

No caso das debêntures, verificou-se que incentivos circunstanciais e indiretos ocorridos nos

anos de 1979/81, como anteriormente analisado, promoveram esse segmento, o que explica

uma participação crescente das emissões em relação ao PIB e a FBCF num contexto da

taxas negativas de crescimento da economia e, por conseguinte, de queda dos investimentos.

Com exceção desse período, a participação das emissões totais registradas sobre o PIB e a

112 Foi possível adequar as informações de registro de emissões disponíveis na CVM à metododogia do Banco Central, mas somente para os anos de 1982 a 1986. Ver nota metodológica nas Tabelas 10A e 10B.

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FBKF pode ser explicada majoritariamente pelo comportamento das emissões de ações (ver

Anexo – Tabela 3).

Já o valor das emissões de ações em relação à FBCF demonstra forte relação com o

comportamento do nível de atividade. A participação das emissões de ações em relação à

FBCF foi em média 1,07% para o período de crescimento baixo (1978/80), 0,65% para o

período de queda do nível de atividade (1981/83) e 1,76% no período de taxas de

crescimento mais significativas (1984/86) (ver Anexo – Tabela 3).

A relação emissões de ações/PIB apresenta performance bem similar à relação emissões de

ações/FBCF para os diferentes períodos em destaque (ver Anexo – Tabela 3). O

comportamento desses indicadores reflete as decisões de investimento por parte das

empresas, tendo em vista que as emissões, representando a obtenção de novos recursos no

mercado, tendem a se acelerar, relativamente aos bens de investimento e aos produtos e

serviços produzidos na economia, quando as empresas dilatam os planos de expansão de sua

capacidade produtiva. Contudo, os dados não parecem evidenciar a ocorrência de algum tipo

de mudança estrutural significativa em termos das relações observadas. De qualquer forma,

a série não é suficientemente longa para derivarmos conclusões a esse respeito. O que se

pode evidenciar é que as emissões de ações e debêntures ocorridas mantêm ao longo dos

anos observados uma magnitude pouco significativa em relação à economia com um todo.

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Conclusão

Avaliando a contribuição da CVM para o mercado de capitais no Brasil, no período que

segue à sua criação, mais especificamente de 1976/86, com base nos elementos examinados

ao longo da 2ª parte, é possível depreender algumas conclusões importantes que serão a

seguir elencadas.

Com relação ao esforço normativo realizado pela CVM, em especial quanto à divulgação de

informações, teria sido promovido, de fato, um aperfeiçoamento da regulação. Apesar das

dificuldades originadas da transferência do cadastro das SACAs, herança do Banco Central,

que era constituído de empresas que não atuavam, realmente, como companhias abertas, os

esforços normativos e de monitoramento da CVM foram promovidos no sentido de melhorar

a qualidade, reduzir a inadimplência no cumprimento das exigências de prestação de

informações, ampliar o acesso do público às informações das empresas, além de ter

regulamentado a divulgação de fato relevante e a coibição da prática de negociação com

base em informação privilegiada. Muito embora esse esforço seja permanente, não se tendo

atingido uma situação ideal, as evidências são de que resultados importantes,

comparativamente à situação que vigorava anteriormente, foram obtidos nessa direção.

Dessa forma, ao que tudo indica, houve um maior grau de disseminação das informações das

companhias – e, supondo também um maior grau de fidedignidade dessas informações - a

redução das assimetrias de informações e o aumento da eficiência do mercado dependeriam

da utilização de maneira adequada dessas informações por parte dos investidores. Contudo,

tal exigência não parece ter sido cumprida, o que se pode demonstrar pela pouca

importância dada pelos investidores aos prospectos no caso das emissões primárias,

conforme destacado na seção 6.2.4.. Isto pode ser explicado, em grande parte, pela pouca

tradição do mercado de capitais no Brasil, somadas às dificuldades gerais de monitorar dos

acionistas, já amplamente discutidas no Capítulo 3.

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Não obstante, os efeitos decorrentes de um maior acesso às informações se fariam sentir

mais claramente sobre os investidores institucionais, instituições financeiras etc. que, dado o

grau deficiente de abertura de informações para o mercado que vigorava até então, já

consistia em um avanço. Vale ressaltar, também, o estímulo que poderia proporcionar no

sentido de uma maior especialização dos profissionais de mercado, como já mencionado.

Assim, poder-se-ia dizer, que no aspecto relativo à redução das assimetrias de informações,

há evidências de que os resultados da atuação da CVM, pelos motivos expostos, foram

positivos, tendo ficado, contudo, aquém do esperado.

No que se refere aos esforços de normatizar e punir a prática de emissões irregulares,

juntamente com o conceito de companhias abertas e o novo registro exigido, constatou-se

que a atuação da CVM permitiu proporcionar um quadro mais claro acerca de quais

empresas poderiam captar recursos do público e em que condições. Dessa forma, suas

iniciativas teriam contribuído para um maior ordenamento do mercado, reduzindo o

mercado paralelo e fortalecendo o mercado oficial. Assim, as evidências são de que a CVM

tenha contribuído para a conformação de um mercado mais seguro, no sentido de com

menor incidência de operações irregulares.

A Lei das S.A., de 1976, trouxe, por um lado, uma série de avanços com relação à proteção

ao acionista minoritário, que gerava novas tarefas a serem exercidas pelo órgão regulador.

Estas, como analisado, foram, de fato, assumidas pela CVM, como o acompanhamento das

ofertas públicas decorrentes de alienação de controle. Não obstante, os pontos falhos da lei,

já anteriormente analisados, representaram um fator negativo para os resultados que a CVM

almejava alcançar.

A Lei Societária exigiu também esforços normativos adicionais, que foram realizados pela

CVM, a exemplo da regulamentação do agente fiduciário e do auditor independente.

Em se tratando das atividades de supervisão, a CVM demonstrou-se atenta aos movimentos

do mercado ocorridos no período, como foi observado no Capítulo 7. Nesse sentido, o órgão

regulador respondeu com novos atos normativos quando assim se fez necessário, conforme

foram os casos das Instruções que regularam a prestação de informações nos negócios

ocorridos no âmbito do mercado de balcão e a relativa aos clubes de investimento.

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Assim, a partir dos pontos acima ressaltados, do ponto de vista do arcabouço institucional

regulatório, desenhado pelas reformas dos anos 70, e diante dos desafios que se colocavam

no período, as evidências são de que a CVM teria atuado na direção correta e cumprido, em

grande medida, um papel importante.

Para uma avaliação acerca dos efeitos da criação do novo órgão regulador mais

especificamente sobre o desenvolvimento do mercado, cumpre examinar como ficaram os

aspectos relativos à estabilidade, liquidez e magnitude desses mercados no período em

análise.

Em relação ao aspecto liquidez, não há evidências de sua ampliação, nem no mercado

primário, nem tampouco no mercado secundário. Os dados de emissões registradas ao longo

do período 1976/86 demonstram a permanência de uma elevada descontinuidade das

emissões, de um número reduzido de empresas emissoras e de um número bastante tímido

de ofertas iniciais de ações. Mesmo comparativamente ao total de empresas registradas

como companhias abertas, permaneceu bem restrito o número de empresas que utilizaram

esse mercado como fonte de recursos. Para o segmento de ações, no ano de 1986, em que se

verificou a maior quantidade de empresas participantes - foram 150 dentre as 1.015

companhias abertas registradas – as empresas emissoras não atingiram sequer 15% do total.

No que tange ao segmento de debêntures, por exemplo, o ano de 1982, em que ocorreu a

maior participação de empresas emissoras, 256 empresas dentre as 1.135 empresas

registradas como companhia abertas realizaram emissões, o que representou 22% do total

(ver Anexo – Tabelas 1 e 2).

No mercado secundário, o elevado grau e mesmo aumento da concentração dos negócios em

torno de um número reduzido de ações, durante o período 1980/85, demonstrou que a

liquidez estava restrita a um grupo ainda mais restrito de ações. Ademais a evolução

insignificante do número de companhias listadas nas Bolsas, na maior parte do período

analisado, não permitia evidenciar qualquer trajetória de expansão desse mercado.

Os dados de emissões analisados também não evidenciam uma maior estabilidade por parte

desse mercado. Ao contrário, o valor de emissões de ações em termos reais demonstrou, no

período, um elevado grau de instabilidade, mostrando-se bastante suscetível a variações

conjunturais (ver Gráfico III). Já as emissões de debêntures, exceto pelo crescimento atípico

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ocorrido em 1980/82, mantiveram um crescimento nominal abaixo da inflação no resto do

período (ver Gráfico II).

É possível também observar, a partir dos dados analisados, que o mercado de capitais

manteve magnitude pouco significativa. As emissões de ações e debêntures mantiveram,

mesmo nas fases de crescimento do mercado, reduzida participação em relação aos demais

ativos financeiros, e também, com relação à economia como um todo. Inclusive os dados

disponíveis para os anos 80 parecem indicar uma perda de importância das emissões de

ações relativamente aos ativos de renda fixa, se comparados com os resultados obtidos nos

anos 70 (ver Anexo - Tabela 13).

Não é possível afirmar se ao longo do período analisado as instituições de mercado se

tornaram mais sólidas. Fatores que não foram objeto de análise nesse estudo seriam,

certamente, importantes para avaliar esse aspecto, em especial, a regulação voltada às

instituições auto-reguladoras e às instituições intermediárias.

Do acima exposto, pode-se concluir que a CVM teria contribuído para o ordenamento do

mercado e, em menor extensão, para sua maior eficiência. Por outro lado, os dados

disponíveis não demonstram que a atuação do novo órgão regulador tenha contribuído para

os aspectos relacionados ao desenvolvimento do mercado como liquidez, estabilidade e

magnitude.

Em suma, ainda que as reformas dos anos 70 tenham definido um novo quadro tanto

institucional/regulatório quanto no mercado a partir dos aspectos já ressaltados e, nesse

sentido, um ambiente de maior proteção para o investidor, estas não se revelaram suficientes

para a consolidação das condições de desenvolvimento sustentável desse segmento.

Relembrando a discussão teórica apresentada na 1ª parte da tese, no caso brasileiro, a

exemplo das experiências americana e inglesa analisadas, não foi possível evidenciar uma

relação direta entre regulação e leis e o desenvolvimento do mercado de capitais. Isto

porque, naqueles países se conseguiu atingir certo nível de desenvolvimento sem um

ambiente legal e regulatório adequado, e aqui pelo aprimoramento legal e regulatório sem

desenvolvimento do mercado. Dessa forma, os resultados obtidos não corroboram em favor

das proposições que sustentam que maior proteção ao investidor implica necessariamente

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em mercados de capitais mais desenvolvidos - a relação entre esses dois fatores parece

menos direta e evidente do que pregam seus defensores.

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ANEXO I – ENTREVISTAS

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Entrevistas: - Sr. Jorge Hilário Gouveia, foi membro do primeiro Colegiado da CVM, de 1977 a

dezembro de 1979, e Presidente da CVM no período de dezembro de 1979 a julho de 1981.

- Sr. Roberto Tadeu Antunes Fernandes, foi inspetor da CVM desde sua criação, foi

Superintendente de Fiscalização (1988/2002), e Superintendente de Acompanhamento de

Mercados e Intermediários (2003/2004), e é, atualmente, Superintendente Geral da CVM.

- Sr. Suli da Gama Fontaine, analista da CVM desde sua criação, foi Superintendente de

Relações com Empresas, Superintendente de Desenvolvimento de Mercado e

Superintendente Geral da CVM.

- Sr. Carlos Reis atuou na corretora Marcelo Leite Barbosa (1966/72), foi diretor da

Corretora Marca (1972/80) e da Prime Corretora a partir de 1980, foi presidente da Bolsa de

Valores do Rio de Janeiro de 1992 a 1994 e de 1998 a 2001, hoje é presidente da Comissão

Nacional de Bolsas.

- Sr. Nei Carvalho – atuou como profissional de mercado nos anos 70 e 80 e foi membro do

primeiro colegiado da CVM.

- Sr. Marco Albino atuou como profissional do mercado nos anos 70 e 80, hoje é diretor da

da Positiva DTVM.

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ANEXO II – TABELAS

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182

TABELA 1 – NÚMERO DE REGISTROS DE COMPANHIAS ABERTAS – 1978 /1987

N O V O S R E G I S T R O S ANO

TOTAL

Total Novos Ações Debêntures Bolsa Mercado Balcão

REGISTROS CANCELADOS

1978 1058 7 7 0 - - 6

1979 1061 11 10 1 - - 8

1980 1037 41 26 18 - - 65

1981 1070 67 18 49 8 59 34

1982 1135 86 16 71 4 82 21

1983 1153 42 8 34 2 39 24

1984 980 34 18 13 14 20 206

1985 994 39 25 9 19 20 25

1986 1015 51 42 1 45 6 30

1987 999 13 7 2 - - 34

( - ) Dado não informado Fonte: Relatórios Anuais da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, vários números. Obs 1: Os novos registros, em geral, envolvem emissão com vistas a abertura de capital, a exceção refere-se a empresas

que já detenham um nível elevado de dispersão da propriedade de seu capital, sendo, nesse caso, dispensadas desse procedimento. Por isso, o Total de novos pode ser maior que o somatório dos efetuados por meio de emissões de ações e debêntures.

Obs 2:Total Novos 1985 está considerando que três empresas foram incorporadas e, após a incorporação,houve simultaneamente o cancelamento dos antigos registros e a concessão da condição da capital aberto para a empresa resultante da incorporação.

Obs 3:Total Novos 1986 está considerando que quatro empresas abriram seu capital mediante distribuição secundária de ações.

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TABELA 2 – VALOR DAS EMISSÕES REGISTRADAS DE AÇÕES E DEBÊNTURES, VARIAÇÃO ANUAL, NÚMERO DE EMPRESAS EMISSORAS E INFLAÇÃO - 1978 /1987

(VALORES EM Cr$ MILHÕES)

DEBÊNTURES EMISSÕES AÇÕES EMISSÕES EMISSÕES TOTAIS ANO

Valor Variação Anual %

Nº de Empresas Valor

Variação Anual %

Nº de Empresas Valor Variação %

Inflação IGP-DI

(variação Anual %)

1978 450,00 - 2 8.121,20 - 73 8.571,20 - -

1979 1.983,50 340,78 7 15.142,90 86,46 72 17.126,40 99,81 77,225

1980 13.662,43 588,80 44 34.281,50 126,39 123 47.943,93 179,94 110,24

1981 162.029,30 1.085,95 144 27.108,30 (20,92) 72 189.137,60 294,50 95,20

1982 316.117,50 95,10 256 84.504,60 211,73 82 400.622,10 111,82 186,72

1983 404.019,50 27,81 118 144.609,00 71,13 67 548.628,50 36,94 210,99

1984 552.417,13 36,73 71 975.593,27 574,64 114 1.528.010,40 178,51 223,81

1985 713.838,70 29,22 37 3.641.596,00 273,27 110 4.355.434,70 185,04 235,10

1986 1.808.020,54 153,28 9 16.295.037,66 347,47 150 18.103.058,20 315,64 65,03

1987 1.069.799,00 (40,83) - 15.300.555,00 (6,10) - 16.370.354,00 -9,57 415,87

Fonte: Dados de emissões: Relatório Anual da CVM, vários números; inflação: Fundação Getúlio Vargas.

TABELA 3 - PARTICIPAÇÃO DO TOTAL DAS EMISSÕES E DAS EMISSÕES DE AÇÕES NO PIB E FBKF - 1978 /1989

ANO Emissões Totais/FBKF %

Emissões Totais/PIB %

Emissões de Ações/FBKF %

Emissões de Ações/PIB %

1978 1,06 0,24 0,97 0,22

1979 1,23 0,29 1,10 0,25

1980 1,63 0,38 1,14 0,27

1981 3,24 0,79 0,46 0,11

1982 3,58 0,82 0,77 0,17

1983 2,52 0,50 0,72 0,13

1984 2,32 0,44 1,59 0,28

1985 1,85 0,33 1,37 0,28

1986 2,58 0,52 2,32 0,47

1987 0,64 0,15 0,59 0,14

1988 5,05 1,23 0,71 0,17

1989 2,03 0,54 0,69 0,18

Fonte: Dados de emissões: Relatórios Anuais - CVM, vários números; PIB, FBKF e FBK: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE- Contas Nacionais.

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TABELA 4 - VALOR E QUANTIDADE DE TÍTULOS DAS EMISSÕES DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERENCIAIS REGISTRADAS NA CVM – 1982 /1986

(Valores em Cr$ MILHÕES)

ORDINÁRIAS PREFERENCIAS TOTAL ANO Qde. Títulos (milhões) Valor

Qde. Títulos (milhões) Valor

Qde. Títulos (milhões) Valor

1982 17.091 40.364,00 24.219 44.141,00 41.310 84.505,00

1983 23.502 53.690,00 40.018 90.919,00 63.520 144.609,00

1984 125.741 257.571,00 367.564 718.022,00 493.305 975.593,00

1985 458.379 1.051.381,00 895.835 2.590.216,00 1.354.214 3.641.597,00

1986 883.775 3.040.793,00 3.780.876 13.313.224,00 4.664.651 16.354.017,00

Fonte: Relatório Anual da CVM, anos de 1986 e 1988

TABELA 5 - PARTICIPAÇÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS E PREFERÊNCIAIS NO TOTAL DAS EMISSÕES DE AÇÕES REGISTRADAS - 1982 / 1986

ANO % ON %PN

1982 48% 52%

1983 37% 63%

1984 26% 74%

1985 29% 71%

1986 19% 81%

Fonte: Elaborada com base nas informações disponíveis no Relatório Anual da CVM, anos de 1986 e 1988

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TABELA 6 – EMISSÕES DE AÇÕES REGISTRADAS NA CVM POR TIPO DE EMPRESA – 1982 / 1986 (Valores em Cr$ MILHÕES)

ANO

EMPRESAS ESTRANGEIRAS

EM % EMPRESAS ESTATAIS

EM % EMP. PRIVADAS NACIONAIS

EM % TOTAIS

1982 - - 5.062,00 5,99 79.443,00 94,01 84.505,00

1983 - - - - 144.609,00 100,00 144.609,00

1984 - - 39.697,00 4,07 935.896,00 95,93 975.593,00

1985 1.500,00 0,04 84.000,00 2,31 3.556.097,00 97,65 3.641.597,00

1986 210.000,00 1,28 1.086.811,00 6,65 15.057.206,00 92,07 16.354.017,00

Fonte: Relatório Anual da CVM, ano de 1986. ( - ) Dado não informado

TABELA 7 – VOLUME, VARIAÇÃO NOMINAL E PARTICIPAÇÃO NO PIB DAS NEGOCIAÇÕES DE AÇÕES NAS BOLSAS BRASILEIRAS E INFLAÇÃO - 1979 /1987

(Valores em Cr$ MILHÕES)

ANO VALORES VARIAÇÃO NOMINAL % INFLAÇÃO IGP-DI (Variação Anual %)

VOLUME NEGOCIADO/PIB %

1979 68.822 50,04 77,25 1,15

1980 147.918 114,93 110,24 1,18

1981 151.422 2,37 95,20 0,63

1982 393.506 159,87 186,72 0,81

1983 1.571.700 299,41 210,99 1,44

1984 10.248.377 552,06 223,81 2,95

1985 79.314.588 673,92 235,10 6,07

1986 259.601.787 227,31 65,03 7,41

1987 252.002.831 -2,93 415,87 2,27

Fonte: Dados de Volume de negócios: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, ano de 1989; Dados IGP-DI: FGV; Dados PIB: IBGE - Contas Nacionais.

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TABELA 8 - PARTICIPAÇÃO DAS AÇÕES MAIS NEGOCIADAS NAS BOLSAS BRASILEIRAS (%) – 1974 /1989

ANO 5 MAIS 10 MAIS 50 MAIS 100 MAIS

1974 65,1 65,3 87,6 93,6

1975 77,7 80,7 93,2 96,7

1976 70,7 74,5 90,7 95,5

1977 63,7 68,1 88,8 94,9

1978 51,4 55,7 81,6 90,8

1979 26,0 34,5 65,1 80,6

1980 30,9 38,6 66,2 81,1

1981 42,4 51,5 73,6 85,0

1982 49,8 55,9 76,7 85,9

1983 42,3 49,5 73,4 85,3

1984 50,5 57,7 78,5 88,2

1985 54,4 61,2 80,8 89,1

1986 46,8 54,8 73,7 83,6

1987 54 59,1 79,5 88,4

1988 67,4 71,1 84,8 90,9

1989 58,4 64,1 82,6 90,1

Fonte: Relatório Anual da Comissão Nacional das Bolsas de Valores - CNBV, anos de 1980 e 1989

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TABELA 9 - NÚMERO DE EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO REGISTRADAS NAS BOLSAS BRASILEIRAS

ANO NÚMERO DE EMPRESAS 1974 604

1975 582

1976 573

1977 553

1978 591

1979 603

1980 614

1981 609

1982 607

1983 593

1984 601

1985 609

1986 654

1987 646

1988 634

Fonte: Relatório Anual do Conselho Nacional das Bolsas de Valores - CNBV vários números. Obs: O Total é o resultado das admissões, deduzidos os cancelamentos e os registros não renovados no Registro Nacional de Títulos e Valores Mobiliários que computava as bolsas dos estados de SP/RJ/MES/RS/BA/PR/RE/ERJ/SC/BR/ST/RN/AL/CE.

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TABELA 10A - VALORES E PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA FIXA E RENDA VARIÁVEL NA POUPANÇA FINANCEIRA *– 1969 / 1973 (Variação dos saldos em Cr$ milhões)

TOTAL / PERÍODO 1969 1969% 1970 1971 1971% 1972 1973

Haveres Monetários 6.953 0,22 7.200 10.802,00 0,18 17.609 30.006

Haveres não Monetários 5.739 0,18 10.683 20.037,00 0,33 31.017 43.428

Depósitos de Poupança

563 0,02 1.188 1.680,00 0,03 3.952 6.409

Depósito a Prazo Fixo

665 0,02 2.340 5.049,00 0,08 7.571 8.794

Letras de Câmbio

1.614 0,05 2.113 6.833,00 0,11 6.897 14.559

Letras Imobiliárias

551 0,02 812 1.121,00 0,02 1.887 1.502

Títulos da Dívida Pública Federal **

2.346 0,08 4.230 5.354,00 0,09 10.710 12.164

Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal

- - - - - - -

Fundos de Poupança Compulsória (FGTS, PIS e PASEP)

1.228 0,04 1.513 3.012,00 0,05 4.663 10.968

Reservas Técnicas de Empresas Seguradoras

192 0,01 226 85,00 0,00 287 276

Sub-total Títulos de Renda Fixa

14.112 0,45 19.622 33.936,00 0,55 53.576 84.678

Emissões de ações e debêntures*** **** *****

16.501 0,53 15.354 24.762,00 0,40 28.607 42.690

Em dinheiro 612 0,02 6.813 17.053,00 0,28 15.525 21.288

Por oferta pública registrada no órgão regulador (Bacen)

468 0,02 531 2.946,00 0,05 649 913

Outras

5.652 0,18 6.282 14.107,00 0,23 14.876 20.500

Por incorporação de Reservas e outras

10.381 0,33 8.541 7.709,00 0,13 13.082 21.402

Fundos Mútuos de Investimentos

473 0,02 552 2.379,00 0,04 (1.446) (525)

Fundos Fiscais de Investimento (DL. 157)

106 0,00 (25) 355,00 0,01 111 692

Sub-total Títulos de Renda Variável

17.080 0,55 15.881 27.496,00 0,45 27.272 42.857

Total - Poupança Financeira Bruta

31.192 - 35.503 61.432,00 - 80.848 127.535

Fonte: Dados até 1979 – Relatório Anual do Banco Central do Brasil vários números. * A partir de 1978 o Bacen não publicou mais os dados relativos a série de poupança financeira. ** Os dados para títulos públicos federais a partir de 1985 não considera os títulos em poder das Autoridades Monetárias *** Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível

saber ao certo. **** Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis. ***** A partir de 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável passou a não incluir as debêntures. Obs: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 19777 e os valores

encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão.

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189

TABELA 10B - VALORES E PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA FIXA E RENDA VARIÁVEL NA POUPANÇA FINANCEIRA *– 1974 / 1978

(VARIAÇÃO DOS SALDOS EM Cr$ MILHÕES )

TOTAL / PERÍODO 1974 1975 1976 1976% 1977 1978 1978%

Haveres Monetários 31.350 54.152 69.000 0,182 93.925 141.051 0,174

Haveres não Monetários 43.664 119.400 150.031 0,395 242.432 382.432 0,470

Depósitos de Poupança

14.803 26.309 52.305 0,138 69.741 104.959 0,129

Depósito a Prazo Fixo

7.660 21.097 18.564. 0,049 59.922 94.395 0,116

Letras de Câmbio

7.788 13.201 12.583 0,033 17.241 48.901 0,060

Letras Imobiliárias

1.770 650 842 0,002 1.030 1.280 0,002

Títulos da Dívida Pública Federal **

9.458 49.726 56.341 0,148 86.603 117.357 0,144

Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal

2.185 8.417 9.396 0,025 7.895 15.540 0,019

Fundos de Poupança Compulsória (FGTS, PIS e PASEP)

21.593 30.720 57.658 0,152 94.831 89.688 0,110

Reservas Técnicas de Empresas Seguradoras

545 (1.7445) 1.724 0,005 2.796 4.337 0,005

Sub-total Títulos de Renda Fixa

97.152 202.527 278.413 0,733 433.984 617.508 0,760

Emissões de ações e debêntures*** **** *****

52.976 81.574 98.164 0,259 134.522 189.426 0,233

Em dinheiro 24.038 36.229 37.705 0,099 49.296 74.788 0,092

Por oferta pública registrada no órgão regulador (Bacen)

538 504 803 0,002 1.343 3.721 0,005

Outras

23.500 35.725 36.903 0,097 47.953 71.067 0,087

Por incorporação de Reservas e outras

28.938 45.343 60.459 0,159 85.226 114.638 0,141

Fundos Mútuos de Investimentos

(392) (161) (252) (0,001) 281 188 0,000

Fundos Fiscais de Investimento (DL. 157)

778 1.911 3.346 0,009 6.711 5.821 0,007

Sub-total Títulos de Renda Variável

53.362 83.324 101.258 0,267 141.514 195.435 0,240

Total - Poupança Financeira Bruta

150.514 285.851 379.671 - 575.498 812.943 1,000

Fonte: Dados até 1979 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil vários números. * A partir de 1978 o Bacen não publicou mais os dados relativos a série de poupança financeira. ** Os dados para títulos públicos federais a partir de 1985 não considera os títulos em poder das Autoridades Monetárias *** Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não é possível

saber ao certo. **** Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem disponíveis. ***** A partir de 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável passou a não incluir as debêntures. Obs: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 19777 e os valores

encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão.

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190

TABELA 11 - PARTICIPAÇÃO DOS TÍTULOS DE RENDA VARIÁVEL E TÍTULOS DE RENDA FIXA NA POUPANÇA FINANCEIRA – 1969-78

(% com base nas variações anuais dos saldos)

ANO RENDA FIXA RENDA VARIÁVEL

1969 45,24 54,76

1970 55,27 44,73

1971 55,24 44,76

1972 66,27 33,73

1973 66,4 33,6

1974 64,55 35,45

1975 70,85 29,1

1976 73,33 26,67

1977 75,41 24,59

1978 75,96 24,04

Fonte: Relatório Anual do Banco Central do Brasil, vários números.

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191

TABELA 12A - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1969/74 (Valores em Cr$ MILHÕES)

TOTAL / PERÍODO 1969 1969% 1970 1971 1972 1973 1974

Total 44.475 62.358 93.197 141.823 215.203 291.695

Haveres Monetários 28.234 0,63 35.434 46.236 63.845 93.835 125.185

Haveres não Monetários 16.241 0,37 26.924 46.961 77.978 121.368 166.510

Depósitos de Poupança 893 0,02 2.081 3.761 7.713 14.122 28.925

Depósito a Prazo Fixo 2.100 0,05 4.440 9.489 17.060 25.811 33.471

Letras de Imp. e Exp. Do BB - - - - - - -

Letras Câmbio 6.172 0,14 8.295 15.118 22.015 36.574 42.608

Letras Imobiliárias 1.195 0,03 2.007 3.128 5.015 6.517 8.287 Títulos da Dívida Pública Federal 5.881 0,13 10.111 15.465 26.175 38.344 47.802

Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal - - - - - 5.417

Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981;dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986. Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M.

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TABELA 12B - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1975/80 (Valores em Cr$ MILHÕES)

TOTAL / PERÍODO 1975 1975% 1976 1977 1978 1979 1980

Total 465.275 - 684.306 1.020.663 1.544.619 2.574.688 4.342.002

Haveres Monetários 179.345 0,39 248.345 342.270 483.090 836.090 1.428.234

Haveres não Monetários 285.930 0,61 435.961 678.393 1.061.529 1.738.598 2.913.768

Depósitos de Poupança 55.234 0,12 107.539 177.280 288.689 523.464 984.777

Depósito a Prazo Fixo 54.568 0,12 73.132 133.054 226.457 409.660 639.227

Letras de Imp. e Exp. Do BB - - - - - -

Letras Câmbio 55.809 0,12 68.392 85.633 130.968 186.684 274.775

Letras Imobiliárias 8.937 0,02 9.779 10.809 10.900 12.949 16.062 Títulos da Dívida Pública Federal 97.548 0,21 153.889 240.492 357.850 521.528 848.385 Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal

13.834 0,03 23.230 31.125 46.665 84.313 150.542 Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981; dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986. Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M.

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TABELA 12C - PRINCIPAIS HAVERES FINANCEIROS – 1980/1986 (Valores em Cr$ MILHÕES)

TOTAL / PERÍODO 1980% 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1986%

Total - 10.569.964 24.179.294 69.354.000 201.003.000 803.700.000 1.599.226.000 -

Haveres Monetários 0,33 2.503.686 4.266.707 8.666.000 27.698.000 111.976.000 452.145.000 0,28

Haveres não Monetários 0,67 8.066.278 19.912.587 60.688.000 173.305.000 691.724.000 1.147.081.000 0,72

Depósitos de Poupança 0,23 2.484.889 5.642.841 18.154.000 62.510.000 217.637.000 329.841.000 0,21

Depósito a Prazo Fixo 0,15 1.560.197 3.544.095 9.647.000 39.256.000 149.164.000 352.770.000 0,22

Letras de Imp. e Exp. Do BB - - - - - - - -

Letras Câmbio 0,06 493.607 1.785.280 4.697.000 9.816.000 32.833.000 43.473.000 0,03

Letras Imobiliárias 0,00 26.563 43.181 79.000 135.000 127.000 372.000 0,00 Títulos da Dívida Pública Federal 0,20 3.087.930 7.863.351 25.436.000 53.081.000 258.489.000 359.219.000 0,22 Títulos da Dívida Pública Estadual e Municipal 0,03 413.092 1.033.839 2.675.000 8.507.000 33.474.000 61.406.000 0,04

Fonte: Dados de 1969 - Relatório Anual do Banco Central do Brasil- Bacen de 1973; dados de 1970/72 - Rel. Bacen de 1974; dados de 1973 - Rel. Bacen de 1975; dados de 1974 - Rel. Bacen de 1976; dados de 1975 - Rel Bacen de 1977; dados de1976 e 1977 no Rel do Bacen de 1978 Rel. Bacen de 1980; dados de 1979 - Rel Bacen de 1981; dados de 1980 1981 – Rel. Bacen de 1982; dados de 1983 Rel. Bacen de 1985; dados de 1984, 1985 e 1986 – Rel. Bacen de 1986. Obs: a partir de 1984 os dados para títulos públicos federais consideram somente os títulos fora das A. M.

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TABELA 13 – VALORES DE EMISSÃO DE AÇÕES (CRITÉRIO DAS SOBRAS) E VARIAÇÃO ANUAL DE HAVERES NÃO MONETÁRIOS E RELAÇÃO EMISÃO DE AÇÕES SOBRE HAVERES NÃO MONETÁRIOS (VARIAÇÃO)

(Valores em Cr$ milhões)

ANO EMISSÕES DE AÇÕES

(CRITÉRIO DAS SOBRAS) 1 2 3 4 HAVERES NÃO MONETÁRIOS

(VARIAÇÃO ANUAL DOS SALDOS) EMISSÃO DE AÇÕES/VARIAÇÃO ANUAL

DE HAVERES NÃO MONETÁRIOS % 1969 468,00 5.739,00 8,15 %

1970 531,00 10.683,00 4,97 %

1971 2,946,00 20.037,00 14,70 %

1972 648,90 31.017,00 2,09 %

1973 913,00 43.428,00 2,10 %

1974 538,00 43.664,00 1,23 %

1975 504,00 119.400,00 0,42 %

1976 803,00 150.031,00 0,54 %

1977 1.343,00 242.432,00 0,55 %

1978 3.721,00 382.432,00 0,97 %

1979 - 677.069,00 -

1980 - 1.175.170,00 -

1981 - 5.152.510,00 -

1982 32.892,49 11.846.309,00 0,28 %

1983 38.226,87 40.775.413,00 0,09 %

1984 408.580,21 112.617.000,00 0,36 %

1985 1.303.720,71 518.419.000,00 0,25 %

1986 7.038.589,67 455.357.000,00 1,55 %

( - ) Dados não disponíveis. Fonte: Dados de emissões até 1979: Relatório do Banco Central do Brasil, vários números; dados de emissões de 1982 a 1986: Centro de Consulta-CVM; dados de variação de haveres não monetários: Relatório Banco Central do Brasil, vários números. Nota metodológica: Os dados para emissões públicas de ações nos anos 80 foram estimados a partir do cálculo do valor das sobras para cada emissão registrada na CVM (preço de lançamento multiplicado pela quantidade de títulos correspondentes as sobras) de acordo com registros nos mapas de registro de emissão de ações - Centro de Consulta- CVM, de forma a compatibilizar os dados com a metodologia que era utilizada pelo Banco Central. Obs. 1: Até 1975 os dados do Bacen para emissões de títulos de renda variável incluía debêntures. Obs. 2: Pelo menos a partir de 1976 os dados de emissões públicas não incluem as ofertas iniciais, nos anos anteriores não

é possível saber ao certo. Obs. 3: os dados de emissões para 1979 e 1980 disponíveis na CVM não permitem calcular o valor das emissões de acordo

com o critério de sobras, que era adotado pelo Bacen. Obs. 4: Os dados para emissão pública registrada em 1984 não estão computando os valores para janeiro, por não estarem

disponíveis. Obs. 5: As eventuais diferenças existentes entre os valores aqui registrados para emissões públicas até o ano de 1977 e os

valores encontrados em outras tabelas se devem, em geral aos cancelamentos que ocorriam posteriormente ao registro da emissão, em muitos casos em anos posteriores ao ano do registro, visto que o Bacen permitia a homologação parcial da emissão. Optamos por registrar os valores publicados mais recentes.

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TABELA 14 - A PARTICIPAÇÃO DOS FUNDOS - 157 NO MERCADO PRIMÁRIO (Valores em Cr$ milhões)

COLOCAÇÃO EFETIVA NO MERCADO

ANO REGISTROS DE AÇÕES

PARA OFERTA PÚBLICA

DE REGISTROS DO ANO

DE REGISTROS DE ANOS ANTERIORES

TOTAL COLOCADO

VALOR APLICADO PELO SISTEMA DL 157 NO

MERCADO PRIMÁRIO *

% DO TOTAL

COLOCADO

75 493 182 504 686 69 10.1

76 1.373 461 802 1.263 321 25.4

77 1.905 676 3.343 2.019 657 32.5

78 9.363 2.536 3.721 6.257 975 15.6

FONTE: Boletim do Banco Central do Brasil, vários números. Nota metodológica: Deve-se considerar que os valores aplicados pelos fundos estão superdimensionados devido ao fato de que enquanto os dados para as emissões totais não consideram os recursos captados em decorrência do exercício de direitos por parte dos acionistas das companhias, os valores subscritos pelos fundos estão computando as ações que estes subscreveram no exercício do seu direito de preferência.

TABELA 15 - A ATUAÇÃO DOS FUNDOS 157 NO MERCADO SECUNDÁRIO (Valores em Cr$ milhões)

ATUAÇÃO DO SISTEMA DL 157*

ANO MOVIMENTO

TOTAL DA BVRJ E DA BOVESPA

Compras Vendas Fluxo Liquido

Compras + Vendas

% do Movimento Total

FLUXO LÍQUIDO DOS FUNDOS MÚTUOS

EM BVs 75 26.677 512 141 371 653 1.2 (689)

76 28.061 1.669 747 922 2.416 4.3 (549)

77 37.696 2.736 1.471 1.265 4.207 5.6 (384)

78 52.960 3.173 2.649 524 5.822 5.5 (273)

1º Sem/78 28.213 1.555 1.379 176 2.934 5.2 (173)

2º Sem/78 24.747 1.618 1.270 422 2.888 5.8 (100)

JAN/78 4.734 288 190 98 478 5.0 (29)

JAN/79 3.977 266 252 14 518 6.5 ND

* Amostra dos 20 maiores Fundos Fiscais FONTE: Boletim do Banco Central do Brasil, vários números

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196

TABELA 16 - COMPARAÇÃO ENTRE RENTABILIDADE E CAPTAÇÃO DE UMA AMOSTRA

SELECIONADA DE FUNDOS FISCAIS

(Valores em Cr$ milhões)

RENTABILIDADE (%) FUNDOS FISCAIS

73/78 78 PATRIMÔNIO LÍQUIDO *

CAPTAÇÃO PREVISTA EM

79 BRADESCO 234.9 26.7 4.277 2.000

ITAÚ 248.3 26.0 2.963 1.200

UNIBANCO 241.1 28.2 1.926 800

REAL 184.8 26.5 1.659 700

NACIONAL 206.9 23.8 943 400

SUB-TOTAL 11.768 5.100

BRASCAN 487.7 33.6 119 200

FINASA 279.1 16.8 625 200

BOZANO 342.6 49.0 178 100

BOSTON 306.2 48.6 51 40

AMÉRICA SUL 285.0 33.0 233 80

SUB-TOTAL 1.206 620

* Em 31/12/78. O patrimônio líquido é o resultado de captações efetuadas em anos anteriores e a rentabilidade auferida.

FONTE: Bacen, ANBID, BOVESPA e Administradores de Fundos 157.

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197

TABELA 17 - TAXAS DE VARIAÇÃO ANUAL DO PIB E DO PRODUTO INDUSTRIAL E PARTICIPAÇÃO DA FBKF NO PIB

Ano

Produto Interno Bruto

Produto Industrial

Formação Bruta de Capital Fixo (% PIB)

1970 10,4 11,9 18,8

1971 11,3 11,9 19,6

1972 12,1 14,0 20,2

1973 14,0 16,6 21,4

1974 9,0 7,8 22,8

1975 5,2 3,8 24,4

1976 9,8 12,1 22,5

1977 4,6 2,3 21,4

1978 4,8 6,1 22,2

1979 7,2 6,9 23,0

1980 9,1 9,1 22,5

1981 -3,1 -10,4 21,0

1982 1,1 -0,4 20,4

1983 -2,8 -6,1 16,1

1984 5,7 6,1 15,5

1985 8,4 8,3 16,7

1986 8,0 11,3 18,5

1987 2,9 1,0 19,7

Fonte: IBGE – Contas Nacionais