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UNIVERSIDADE METODISTA DE SˆO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CI˚NCIAS DA RELIGIˆO PROGRAMA DE PS-GRADUA˙ˆO EM CI˚NCIAS DA RELIGIˆO A crena no arrebatamento da Igreja: seus desenvolvimentos e transformaıes imagØticas ANDRA DOS REIS SEBASTIˆO Sªo Bernardo do Campo, janeiro de 2010

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A crença no arrebatamento da Igreja: seus

desenvolvimentos e transformações imagéticas

ANDRÉA DOS REIS SEBASTIÃO

São Bernardo do Campo, janeiro de 2010

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A crença no arrebatamento da Igreja: seus

desenvolvimentos e transformações imagéticas

por

ANDRÉA DOS REIS SEBASTIÃO

Orientador: Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira

Dissertação apresentada em cumprimento

às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para

obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo, janeiro de 2010

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A dissertação de mestrado sob o título �A crença no arrebatamento da

Igreja: seus desenvolvimentos e transformações imagéticas�, elaborada

por Andréa Dos Reis Sebastião foi apresentada e aprovada em 03 de

Março de 2010, perante banca examinadora composta por Paulo Augusto

de Souza Nogueira (Presidente/UMESP), Etienne Alfred Higuet

(Titular/UMESP) e José Adriano Filho (Titular/ UNIFIL).

________________________________________

Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________

Prof. Dr. Jung Mo Sung

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Literatura e Religião no Mundo Bíblico

Linha de Pesquisa: Estudos históricos-literários do Mundo Bíblico.

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aos meus pais,

Antonio Sebastião (in memoriam) e Eunice B. dos Reis Sebastião

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros e cordiais agradecimentos:

A Deus, pela vida, saúde, início e término deste curso.

À querida mãe, Eunice, pelas orações e compreensão pelas decisões que tomo.

À família: Paulo, Regiane, Gizele, Karine, Danielle e Gian, pelo incentivo.

À amicíssima Claudia dos Santos Rezende, que tão solicitamente me emprestou

o espaço e o silêncio de seu lar para que eu pudesse estudar.

À querida amiga Giane que, mesmo à distância, incentivou-me nesta empreitada.

Aos colegas de curso de um modo geral, em especial Ana Pinheiro dos Santos,

Santa Ângela Cabrera, Fernando Cândido da Silva, Ângela Maringoli, por

compartilharem conhecimentos e indicarem caminhos.

A todos os professores, por nos conduzirem pelos caminhos do conhecimento.

Ao meu orientador Paulo Augusto de Souza Nogueira, pelo incentivo inicial e

pela paciência ao longo do caminho.

E, por fim, às agências fomentadoras IEPG e CAPES, sem as quais muito

provavelmente esta dissertação não teria se realizado.

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Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos

ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que

transfigurará o nosso corpo humilhado conformando-o ao seu

corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si

todas as coisas.

(Filipenses 3,20-21)

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SEBASTIÃO, Andréa dos Reis. A crença no arrebatamento da Igreja: seus

desenvolvimentos e transformações imagéticas. São Bernardo do Campo:

Universidade Metodista de São Paulo, 2010.

SINOPSE

A crença no arrebatamento da Igreja faz parte de um sistema escatológico

fundamentalista que costuma ser chamado de dispensacionalismo pré-milenista. Seu

surgimento se dá a partir do século XIX, pelo ensino de John Nelson Darby, um

pregador evangélico britânico, fundador dos Irmãos de Plymouth. Seu ensino aguarda a

vinda de Cristo em duas etapas: uma, em secreto para a Igreja, há de levá-la ao Céu e

poupá-la dos sete anos de tribulação que se seguirão; e outra, num aparecimento

glorioso, ao final dos sete anos há de instaurar o reino milenial sobre a terra. O ensino

de Darby foi popularizado nas notas de rodapé da Bíblia de Referência Scofield,

publicada em 1909 por Cyrus I. Scofield, e ainda hoje se configura na crença

escatológica da maioria das igrejas evangélicas fundamentalistas, tanto nos EUA quanto

no Brasil. Em 2002 foi produzido o filme: Deixados para Trás que retrata esta crença

bem como sua atualização para épocas recentes. Contudo, um estudo mais aprofundado

desta crença expõe seu caráter de construto doutrinário, em que textos bíblicos de

perspectivas diferentes, do Antigo e do Novo Testamento, são unidos para formar um

quadro escatológico em vias de se cumprir.

Palavras-chave: arrebatamento, dispensacionalismo, pré-milenismo, fundamentalista,

Darby, Scofield, Deixados para Trás.

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SEBASTIÃO, Andréa dos Reis. A crença no arrebatamento da Igreja: seus

desenvolvimentos e transformações imagéticas. São Bernardo do Campo:

Universidade Metodista de São Paulo, 2010.

ABSTRACT

The belief in the rapture of the church is part of a fundamentalist eschatological

system that is often called premillennial dispensationalism. Its appearance is noted to

start in the XIX century through the teachings of Jonh Nelson Darby, a british

evangelical preacher founder of the Plymouth Brethren. His teaching incompass the

coming of Christ in two steps. One in secret for the church, taking it to heaven and

saving it from seven years of tribulation that will follow, the second, a glorious return at

the end of seven years for establishment the millennial kingdom on earth, the teaching

of Darby were popularized in the footnotes of the Scofield Reference Bible published in

1909 by Cyrus I. Scofield, and it is still set in the eschatological beliefs of the majority

of the evangelical fundamentalist churches, both in the EUA and Brazil. In 2002, the

film was produced: Left Behind for portraying this belief as well as its update to recent

times. However, further study of this belief exposes its doctrinal construct character in

which biblical texts from different perspectives of the old and New Testaments are

united to form an eschatological framework about to be fulfilled.

Keywords: rapture, dispensationalism, premillennial, fundamentalist, Darby, Scofield

Left Behind.

Formatado: Inglês (EUA)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 12

CAPÍTULO I

1. O que é o arrebatamento? ............................................................................................15

1.1. Inserção do arrebatamento nas doutrinas escatológicas bíblicas..............................15

2. Arrebatamento e milênio .............................................................................................16

2.1. Pré-milenismo...........................................................................................................16

2.2. Pós-milenismo ..........................................................................................................19

2.3. Amilenismo ..............................................................................................................20

3. Dispensacionalismo.....................................................................................................20

3.1. A hermenêutica das Setenta Semanas de Daniel ......................................................22

4. A crença no arrebatamento segundo o dispensacionalismo ........................................25

4.1. Os textos em que se apoia ........................................................................................26

5. Quais as principais implicações da crença ..................................................................27

CAPÍTULO II

2. O surgimento da doutrina do arrebatamento da Igreja ................................................30

2.1. Origens nos EUA......................................................................................................30

2.2. Fundamentalismo e dispensacionismo nos EUA......................................................32

2.3. A Bíblia de Referências Scofield..............................................................................35

2.4. No Brasil...................................................................................................................37

2.4.1. Livros americanos de impacto no Brasil ...............................................................37

2.4.2. Resenha dos livros acima citados ..........................................................................37

2.4.3. Autores brasileiros importantes na escatologia .....................................................38

2.4.4. Formas de divulgação da doutrina no Brasil .........................................................39

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CAPÍTULO III

3. Análise do filme Deixados para trás ..........................................................................48

3.1. Por que a análise de um filme? .................................................................................48

3.2. Resumo do enredo ....................................................................................................50

3.3. Análise temática do filme Deixados para trás .........................................................56

3.3.1. O filme: ficção com status de verdade ..................................................................56

3.4. A hermenêutica bíblica do arrebatamento segundo o filme .....................................59

3.5. Conteúdo ideológico: suas ambiguidades e implicações..........................................65

3.5.1. A centralidade de Israel .........................................................................................64

3.6. A crítica ao capitalismo na ficção.............................................................................67

3.7. A imagem negativa a respeito dos árabes.................................................................70

3.8. Fusões em texto-imagem: a consolidação de uma crença ........................................73

3.8.1. Dinâmica texto-imagem e suas consequências para a significação da vida ..........74

3.8.2. O uso de signos como produtores e sustentadores de ideologias ..........................75

CAPÍTULO IV

4. Análise e crítica de textos fundantes ...........................................................................76

4.1. Exegese de 1 Tessalonicenses 4,13-18 .....................................................................76

4.1.1. Crítica textual ........................................................................................................76

4.1.2. Delimitação............................................................................................................77

4.1.3. Contexto maior ......................................................................................................79

4.1.4. Tradução formal ....................................................................................................79

Conclusão da exegese ......................................................................................................98

4.2. Exegese de Apocalipse 20,1-6..................................................................................99

4.2.1. Tradução formal ..................................................................................................100

4.2.2. Análise do conteúdo ............................................................................................101

4.2.3. Delimitação da perícope ......................................................................................102

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4.2.4. Contexto anterior .................................................................................................102

4.2.5. Contexto posterior ...............................................................................................103

4.2.6. Análise exegética .................................................................................................103

4.2.7. Divisão da perícope .............................................................................................104

4.3. Crítica exegética do arrebatamento: convergências e divergências interpretativas

entre as duas passagens..................................................................................................107

CONCLUSÃO ..............................................................................................................110

BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................112

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INTRODUÇÃO

A doutrina do arrebatamento coletivo faz parte do conteúdo escatológico

bíblico particularmente a partir do corpus paulino. É um assunto que encontramos

principalmente em 1 Tessalonicenses 4,17 e 1 Coríntios 15,51-52, embora haja

perícopes nos Sinóticos, tais como Mt 24,40-41 e Lc 17,34-36, que são usadas para

corroborar a mesma crença. Ao longo da história cristã, o arrebatamento não teve

grande destaque, já que foi interpretado apenas como um apêndice da segunda

vinda de Cristo. Contudo, a partir do desenvolvimento do dispensacionalismo e de

sua ligação com o fundamentalismo, por volta do século XIX, o tema do

arrebatamento ganha importância, à medida que é visto como um marco final na

história da Igreja, que será seguido pela grande tribulação e pela implantação do

reino milenar de Cristo. Embora nem todo fundamentalista seja dispensacionalista,

uma parte quantitativa considerável pode ser assim definida. Esse movimento

evangélico, com sua visão escatológica bíblica característica, tem produzido

literaturas e filmes divulgando seu modo de crer. Por isso, uma de nossas tarefas

será a análise de um filme que aborda esta interpretação. Tal filme é uma obra de

ficção baseado numa série de best-sellers de mesmo nome: Left Behind (Deixados

para trás) e que teve ampla aceitação nos meios de semelhante fé. Aqui delineamos

nosso objetivo de entender como o tema do arrebatamento da Igreja é considerado

no mundo evangélico, e para isso será necessário confrontar formas de leitura

especialmente sugeridas pelo filme que, criando uma teologia escatológica de longo

alcance, determina a interpretação de textos particulares, entre eles, o texto

fundante de 1Ts 4,13-18. A construção da doutrina, portanto, se configura numa

montagem de textos bíblicos de escatologias diferentes, cujas divergências e

dissonâncias são preteridas em prol de um único e principal conteúdo escatológico.

Um dos pontos interessantes na elaboração escatológica que abordaremos é

que assuntos como o arrebatamento são costumeiramente ligados a interpretações

do livro do Apocalipse, embora não sejam necessariamente encontrados ali. Da

mesma forma, o milênio frequentemente é ligado a escritos paulinos, sem que

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Paulo, no entanto, tenha-o mencionado. Dessa forma, nota-se uma forte elaboração

escatológica através da junção e imbricação de perícopes bíblico-escatológicas.

Atualmente, conquanto se considere que o pensamento pós-moderno tenha

atingido todas as esferas da vida, muito ainda se recorre à Bíblia como fonte de

revelação de acontecimentos futuros. Convém, portanto, voltar a ela sempre novos

olhares e atualizá-los de acordo com o desenvolvimento histórico, mesmo porque as

apropriações feitas até agora influenciaram e ainda influenciam a leitura e o

comportamento das comunidades de fé, como também interagem na história e na

cultura.

O primeiro capítulo desta dissertação definirá o que é o arrebatamento da

Igreja propriamente dito, segundo a corrente dispensacionalista, bem como sua

inserção nas correntes escatológicas em que porventura figure. Nesse mesmo

capítulo elencaremos os principais textos ou versículos em que se apoia a crença,

ou mesmo que fazem parte da construção da mesma. Por fim, esboçaremos as

principais implicações da crença, tanto do ponto de vista de seus adeptos quanto de

seus opositores.

O segundo capítulo privilegiará a crença moderna no arrebatamento como

uma construção doutrinária de origem no eixo Inglaterra-EUA, embora sua

principal divulgação se deva aos EUA. Em seguida, abordaremos o

fundamentalismo e o dispensacionalismo nos EUA pelos principais livros

divulgadores do tema, em especial os que tiveram impacto no Brasil. Por fim,

exporemos as principais formas de divulgação da crença escatológica no Brasil.

No terceiro capítulo apresentaremos uma análise do filme Left Behind

(Deixados para trás), o qual, com sua ênfase na verossimilhança, dá a uma

montagem doutrinal um aspecto de realidade objetiva. O uso de recursos

imagéticos, bem como as fusões entre texto bíblico e imagem fílmica consolidam de

certa forma o caráter de constructo que a crença promove. Finalmente, exporemos

algumas ambiguidades da crença retratada no filme, bem como as principais

implicações dessa hermenêutica.

O quarto capítulo tem como conteúdo a exegese da principal passagem

bíblica em que o tema do arrebatamento da Igreja se apoia: 1Ts 4,13-18. Optamos

por fazer também uma conexão como o livro de Apocalipse, especificamente com o

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capítulo 20,1-6, por ser este um texto importantíssimo para a elaboração da

escatologia dispensacionalista, e levantamos, a princípio, a suspeita de que há uma

irreconciliável compreensão de temas escatológicos entre Paulo e João. Assim,

esperamos compreender melhor, entre outras coisas, o desenvolvimento e o status

que a crença no arrebatamento da Igreja alcançou atualmente.

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CAPÍTULO I

1. O que é o arrebatamento?

O arrebatamento (secreto ou coletivo) da Igreja é uma doutrina cristã evangélica

que promove a crença de que a Igreja será arrebatada (raptada) por Cristo para estar

com ele nos Céus, antes do milênio, com base em textos como 1Ts 4,13-18 e 1Cor

15,51-52, entre outros. Há três correntes interpretativas desta crença: 1) Jesus arrebatará

a Igreja antes da Grande Tribulação; 2) Jesus arrebatará a Igreja na metade da Grande

Tribulação; 3) Jesus arrebatará a Igreja após a Grande Tribulação. No entanto, a crença

no arrebatamento não é estática nem tampouco inconteste no meio cristão.

1.1. Inserção do arrebatamento nas doutrinas escatológicas bíblicas

Os ensinos sobre o arrebatamento1 estão íntima e inseparavelmente ligados ao

assunto da chamada segunda vinda de Cristo2. Ao longo da história da Igreja e da

interpretação bíblica, a segunda vinda de Cristo é corroborada por passagens bíblicas

neotestamentárias como Mt 24,30; 25,19-31; 26,64; Jo 14,3; At 1,11; 3,20-21; Fl 3,20;

1Ts 4,15-16; 2Ts 1,7-10; Tt 2,13; Hb 9,28 etc. Para falar de uma segunda3 vinda de

Cristo, o grego do NT usa basicamente três termos principais:

I. Apocalypsis (desvendamento, revelação): indica a remoção do que obstrui a

visão de Cristo: 1Cor 1,7; 2Ts 1,7; 1Pd 1,7-13; 4,13.

II. Epiphaneia (aparecimento, manifestação): sair a partir de um substrato oculto

com as ricas bençãos da salvação: 2Ts 2,8; 1Tm 6,14; 2Tm 4,1-8; Tt 2,13.

1 Arrebatamento usado no sentido de arrebatamento coletivo ou, como preferem alguns, arrebatamento

secreto, com base em textos como 1Ts 4,13 e 1Cor 15,58. 2 Embora, para a corrente dispensacionalista, sejam eventos distintos. 3 Na Bíblia não existe o termo �segunda vinda�; ele surge na história da interpretação para designar o

retorno do Messias (Jesus).

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III. Parousia (presença): vinda que precede a presença ou que resulta na presença:

Mt 24,3; 27,37; 1Cor 15,23; 1Ts 2,19; 3,13; 4,15; 5,23; 2Ts 2,1-9; Tg 5,7-8;

2Pd1,16; 3,4-12; 1Jo 2,28.

Assim, a segunda vinda, referida em várias passagens e em contextos diferentes

tem dado, no decorrer dos séculos, lugar a diversas interpretações e crenças.

Ao assunto da segunda vinda soma-se costumeiramente nos tratados de teologia

sistemática o milenismo e suas correntes, nas quais também se insere o arrebatamento.

2. Arrebatamento e milênio

O milenismo ou milenarismo é dividido em correntes interpretativas sempre

tendo como referência a segunda vinda. São três as correntes milenaristas conhecidas:

a pré-milenista;

a pós-milenista;

a amilenista.

2.1. Pré-milenismo

O pré-milenismo assumiu distintas formas com o passar do tempo. Irineu, por

exemplo, nos primeiros séculos da Igreja cristã acreditava que o mundo duraria seis mil

anos, conforme os seis dias da criação. Ao fim desse período, os sofrimentos e

perseguições aos fiéis aumentariam culminando no aparecimento do Anticristo, com

toda sorte de iniquidade que, após ser completada, seria ofuscada com o aparecimento

glorioso de Cristo triunfando sobre todos os inimigos. Tal aparecimento seria

acompanhado da ressurreição física dos santos e o estabelecimento dos mil anos do

reino de Deus na Terra, correspondendo ao sétimo dia da criação, ou seja, ao dia de

repouso. Neste tempo, então, Jerusalém seria reedificada, a terra frutificaria com

abundância e prevaleceriam a paz e a justiça. Quando os mil anos chegassem ao fim,

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sobreviria o juízo final e apareceria uma nova criação, na qual os remidos viveriam

eternamente na presença de Deus.

Nos séculos subsequentes à interpretação patrística, a ideia acima sofreu

algumas alterações que confirmaram algumas ideias e especificaram acontecimentos

considerados claramente escatológicos. O desenvolvimento do tema levou-o a este

enredo fundamental: o advento de Cristo está próximo e visível, pessoal e glorioso. Será

precedido por tais eventos: a evangelização de todas as nações, a conversão de Israel e

seu estabelecimento na Terra Santa, a grande apostasia, a grande tribulação e a

revelação do homem do pecado (Anticristo). A Igreja, portanto, passará pela grande

tribulação (no caso do pré-milenarismo antigo). Ao grandioso evento da segunda vinda

somam-se outros que se impõe sobre a Igreja, Israel e o mundo. Os fiéis que já

morreram serão ressuscitados, e os que vivem serão transformados (arrebatados), e

juntos serão transladados para encontrar-se com o Senhor em sua vinda. O Anticristo e

seus aliados serão mortos. Os gentios se converterão a Deus em grande número e

participaram do reino terreno de Cristo, onde haverá justiça e paz, como profetizaram os

profetas no Primeiro Testamento. Após esse período de mil anos, os mortos restantes

ressurgirão para que se siga o juízo final e a subsequente criação de novos céus e nova

terra.

No segundo quartel do século 19 surgiu uma nova forma de pré-milenismo

muito atrelado ao chamado dispensacionalismo4 seguido na Inglaterra e na América. Os

novos conceitos foram popularizados principalmente pela Bíblia de Scofield e se

disseminaram amplamente. Essa �nova� concepção premilenista apresenta uma filosofia

da história da redenção própria, na qual Israel desempenha o papel principal, e à Igreja

cabe um papel de interlúdio. A Bíblia é dividida em livro do Reino e livro da Igreja. Ao

descrever o procedimento de Deus para com o homem na história da redenção, elabora

uma sequência de alianças e dispensações (sete no total). Dependendo do programa

escatológico deduzido desta concepção, é possível encontrar ideias de que haverá duas

segundas vindas, duas ou três (ou até quatro) ressurreições5 e também três juízos, e a

existência de dois povos de Deus (segundo alguns, separados eternamente, Israel

habitando na terra e a Igreja no Céu). A escatologia elaborada por essa concepção é a

seguinte: a volta de Cristo é iminente, podendo ocorrer a qualquer momento, pois não

4 Segundo nota da Bíblia Scofield, dispensação é um período de tempo durante o qual o homem é provado

quanto à obediência a alguma revelação específica da vontade de Deus. 5 Cf. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p.654.

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há eventos preditos que devam precedê-la (já que a evangelização às nações

fracassará6). Todavia, sua vinda consistirá em dois eventos distintos, separados um do

outro por um período de sete anos. Assim, primeiramente ocorrerá a parousia, quando

Cristo aparecerá nos ares para encontrar seus santos. Todos os fiéis falecidos

ressurgirão, e os que estiverem vivos serão transformados e arrebatados nos ares para

celebrar as bodas do Cordeiro, e estarão para sempre com o Senhor. Enquanto Cristo e

sua Igreja (e com ela o Espírito Santo) estiverem ausentes da terra, haverá um período

de sete anos (ou mais) dividido em dois pares, em que sucederão várias coisas: o

Evangelho do Reino será pregado pelos crentes judeus remanescentes, e resultarão

muitas conversões. O Senhor retomará suas relações com Israel. Na segunda metade

desse período de sete anos, haverá uma tribulação sem precedentes; o Anticristo será

revelado e parte da ira de Deus será derramada sobre a humanidade. No fim dos sete

anos dar-se-á a vinda do Senhor (segunda etapa, não para seus santos, mas com eles

para julgar as nações, Mt 25,35). Os fiéis que morreram durante a grande tribulação

serão ressuscitados7 (segunda ressurreição para os fiéis); o Anticristo será destruído e

Satanás será preso por mil anos, quando então será estabelecido o reino milenar, um

reino concretamente visível, terrestre e material, reino dos judeus, teocrático e de

realeza davídica. O trono de Cristo será estabelecido em Jerusalém, no Monte Sião, que

voltará a ser o local central de culto. Após o milênio, Satanás será solto por um breve

lapso de tempo; ocorre a guerra entre Gog e Magog contra Jerusalém, porém esta vence

porque um fogo advindo do céu devorará seus inimigos. Após esse curto período de

tempo, os ímpios ressuscitarão para comparecer ao juízo perante o Trono Branco,

conforme Apocalipse 20,11-15. E então haverá novos céus e nova terra.

Essa é uma visão geral da elaboração pré-milenarista; contudo, não é de forma

alguma unívoca mesmo entre os que a professam. Conquanto ela procure abarcar todos

os temas e textos bíblicos a respeito do fim dos tempos numa única doutrina, não

consegue, entretanto, alcançar suficiente coesão e coerência, de maneira que há

inúmeras opiniões, indefinições e incertezas entre os pré-milenistas.

Essa interpretação tem sido a mais influente na escatologia cristã evangélica.

6 Neste ponto há divergências: alguns crêem que, para que haja o arrebatamento, antes é necessário haver a

reconstrução do templo judaico. 7 Aqui há uma junção com o livro de Apocalipse 20,5-6, que no entanto diverge do mesmo, já que o

Apocalipse fala apenas em duas ressurreições.

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19

Tempo atual Segunda vinda nos ares

Sete anos (3/5 + 3/5)

literal

Segunda vinda terrena

Milênio

2.2. Pós-milenismo

Afirma que o retorno de Cristo será depois do milênio, o qual se espera para

durante (era cristã) ou no fim da dispensação do Evangelho. Existem, então, duas

formas teóricas de interpretação pós-milenista: uma espera a realização do milênio por

influência sobrenatural do Espírito Santo, e a outra, por um processo natural de

evolução.

Uma forma mais antiga de pós-milenarismo ocorreu entre alguns teólogos

reformados da Holanda, que esperavam o milênio para as proximidades do fim do

mundo, imediatamente antes da segunda vinda de Cristo. Predominava entre eles a ideia

de que o Evangelho se propagaria gradativamente pelo mundo todo, tornando-se assim

muito mais eficiente e rico de bênçãos espirituais. Nesse tempo os judeus também

compartilhariam das bênçãos do Evangelho. Posteriormente, alguns teólogos

reafirmaram esta visão dizendo que o milênio será �um período dos últimos dias da

Igreja militante, quando, sob a influência especial do Espírito Santo�, o espírito dos

mártires reaparecerá, a verdadeira religião será grandemente revigorada e revivida, os

membros da Igreja de Cristo tomarão tal consciência de seu poder em Cristo que

triunfarão sobre os poderes do mal de maneira jamais concebida. A idade de ouro da

Igreja será então seguida por um breve período de apostasia, um terrível conflito entre

as forças do bem e as do mal, e pela ocorrência simultânea do advento de Cristo, da

ressurreição geral e do juízo final.

Uma forma bem recente de pós-milenismo é de um tipo bastante influenciado

por ideias modernistas8. Visto que o homem moderno é pouco receptivo a ideias e

esperanças milenistas do passado, e pouco afeito à dependência de Deus, ele não espera

que uma nova era seja introduzida pela pregação do Evangelho juntamente com a obra

do Espírito Santo, muito menos como resultado de mudanças cataclísmicas. Antes,

8 Modernista aqui, refere-se ao pensamento atrelado ao cientificismo que permeou o Séc. XIX, o qual

unido às descobertas da Ciência contestava dogmas e crenças religiosas tradicionais.

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20

acredita que o milênio virá pela evolução que o próprio homem iniciará adotando uma

política construtiva de melhorar o mundo. Assim, o interesse no milênio está atrelado ao

desejo de uma ordem social em que se valorize a liberdade, a honra, a fraternidade

humana, a solidariedade e a justiça social. Creem alguns que esta nova ordem é

responsabilidade do homem pela fé que Deus opera por seu intermédio. Dessa maneira,

o curso da história progride por meio de lutas e evoluções nas quais o homem empenha

habilidade e operosidade (empenho). Segue-se também que as moléstias deverão ser

curadas ou evitadas, os males sociais deverão ser remediados pela educação e pela

legislação, as desgraças internacionais deverão ser impedidas pelo estabelecimento de

novos padrões e novos métodos de tratamento, e nunca por uma aniquilação repentina.

Tempo Atual Milenismo

Apostasia Conflito bem X mal

Segunda vinda ressurreição geral

juízo final

Obs.: o pós-milenarismo não espera pelo arrebatamento como evento distinto.

2.3. Amilenismo

O amilenismo, na verdade, é a negação de um milênio concreto e terreno. Antes

afirma que este é simbólico e diz respeito à era da Igreja. Assim, após a presente

dispensação seguir-se-á imediatamente o Reino de Deus em sua forma consumada e

eterna, uma vez que o Reino de Cristo é eterno e não temporal (cf. Is 9,7; Dn 7,14; Lc

1,33; Hb 1,8; 12,28; 2Pd 1,11; Ap 11,15); e ao se entrar no reino futuro entra-se num

estado eterno de vida e salvação (cf. Mt 21,22; 18,8-9; Mc 10,25-26). Portanto, aqui

também inexiste a crença no arrebatamento da igreja.

Tempo atual = milênio Segunda vinda; ressurreição geral; juízo final

3. O dispensacionalismo

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21

O dispensacionalismo é o sistema doutrinário que dá as bases para a doutrina do

arrebatamento. Embora faça parte de uma corrente teológica considerada ortodoxa por

aqueles que a seguem, é recente em sua forma hegemônica. Os dispensacionalistas

costumam entender que tal sistema incorre num método de interpretação das Escrituras:

em sua essência, a convicção de que as Escrituras devem ser interpretadas literalmente.

Deixam claro que as passagens metafóricas não devem em princípio ser entendidas

literalmente, mas que, �se o significado simples faz sentido, não se deve procurar

outro�9; é o que costumam chamar de literalismo coerente. Entretanto, isso muitas vezes

significa que a profecia é interpretada de modo muito literal e, muitas vezes, com doses

consideráveis de detalhes. Um exemplo patente é o termo Israel, que sempre é

compreendido como uma referência a Israel como nação ou etnia, não como a Igreja.

Assim, as profecias do AT que ainda não se cumpriram não podem necessariamente

cumprir-se na Igreja cristã, uma vez que esta e Israel são entidades distintas. É bom

considerar que o uso do termo dispensacionalismo como sistema interpretativo bíblico

não é novo. Berkhof10, por exemplo, fala da teoria das três dispensações encontrada em

Irineu, a qual falava em três alianças, sendo a primeira, a lei escrita no coração, a

segunda, a lei como mandamento externo dado no Sinai, e a terceira, a lei restabelecida

no coração pela operação do Espírito Santo; assim, portanto, cada aliança regia uma

dispensação. Outrossim, outros pais da Igreja também usaram algum tipo de sistema

dispensacional como recurso interpretativo, embora sejam considerados elementares (ou

não desenvolvidos) pelos próprios dispensacionalistas modernos. Esses, como no caso

de Darby e Scofield11, propagam a existência de sete dispensações, sendo elas: a da

inocência, a da consciência (ou responsabilidade moral), a da promessa, a da lei, a da

graça e a do reino, sendo que �dispensação é um período de tempo durante o qual o

homem é provado quanto à obediência a alguma revelação específica da vontade de

Deus�12. Segundo Frank E. Gaebelein13 se o homem tivesse preenchido todas as

condições necessárias na primeira dispensação, as outras seriam desnecessárias; porém,

o homem falhou e continuou a falhar a cada chance dada nas demais dispensacões, o

que demonstra o fracasso humano e a misericórdia divina.

9 ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. 10 BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p. 270. 11 Bíblia de Referências Scofield. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1986, p. 4. 12 GAEBELEIN, Frank E. In Exploring the Bible, p. 95, apud BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São

Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007 p. 269. 13 Apud BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007. p.269.

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22

Em relação à doutrina do arrebatamento coletivo, é importante a teoria das

dispensações para compreender a ênfase dada na distinção entre Israel e Igreja. Alguns

sustentam que Deus fez uma aliança incondicional com Israel, e suas promessas a este

não dependem do cumprimento de exigências; antes, como povo especial, Israel

receberá sua benção de uma forma ou de outra no fim de tudo. Israel como etnia, nação

e unidade política, jamais deverá, portanto, ser confundido com a Igreja; por isso, não se

deve entender que as promessas feitas a Israel aplicam-se à Igreja sendo nela cumpridas.

Compreendem que Deus interrompeu o tratamento especial dispensado a Israel quando

este rejeitou o Messias (Jesus), mas o retomará em algum ponto no futuro, quando Israel

mudar de atitude. Assim, as profecias não cumpridas acerca de Israel serão cumpridas

na própria nação, e não na Igreja. Inclusive crê-se que a Igreja sequer é mencionada nas

profecias do AT. A Igreja seria um parêntese dentro do plano geral de Deus em seu

relacionamento com Israel. O milênio tem, portanto, um significado todo especial para

os dispensacionalistas, já que é nesse período que Deus retomará seu relacionamento

com Israel; as profecias não cumpridas o serão nesse período, quando a Igreja já não

estará presente na terra, pois já terá sido arrebatada para os céus com Cristo, antes da

grande tribulação. Por isso, existe nessa crença a separação categórica entre o

arrebatamento e a segunda vinda de Cristo, como eventos distintos e cronologicamente

separados: o arrebatamento é para a Igreja, e a segunda vinda é principalmente para

Israel e também para aqueles que ficarem na grande tribulação (e se converterem). Esse

ponto de vista justifica o motivo de Israel passar pela grande tribulação: é por causa de

sua rejeição ao Messias. Nesse aspecto, a grande tribulação é um tempo de preparação

para a restauração e a conversão de Israel (cf. Dt 4,29-30; Jr 30,3-11; Zc 12,10), embora

seja considerado o Dia do Senhor, o dia da ira de Deus. Também por isso, somente após

se conscientizarem desse fato é que Israel adentrará o milênio, que terá um caráter

completamente judaico. Quanto à duração da tribulação, acreditam que será de sete

anos, com um acirramento dos flagelos na metade do período. Tal duração é baseada na

interpretação do livro de Daniel 9,24-27 e também em passagens do Apocalipse.

3.1. A hermenêutica das Setenta Semanas de Daniel

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23

O conceito de grande tribulação e sua duração é um assunto importante para o

ensino escatológico dispensacionalista e é retirado do livro de Dn 8,13, em conexão

com o tema das Setenta Semanas (9,24-27), uma tradição apocalíptica antiga que parece

inclusive ter influenciado a expectativa apocalíptica de Jesus, conforme encontramos

nos sinóticos (cf. Mt 24,15). A Bíblia Scofield14 possui em sua nota explicativa um

breve resumo do ensino escatológico baseado em Dn 9,24-27.

A passagem profética sobre as Setenta Semanas de Daniel é usada como um

quadro cronológico do estabelecimento do reino messiânico sobre a terra, e tem

fornecido juntamente a base cronológica dos eventos do fim. É importante levar em

consideração que, para a leitura fundamentalista, o livro de Daniel é datado da época do

cativeiro babilônico (586 aEC), mencionado em 2Cr 36,17-21, e conforme Jr 25,11, em

que tal cativeiro deveria durar setenta anos. Daniel teria sido levado para a Babilônia no

início do cativeiro e, quando da profecia do capítulo 9, já estaria idoso. Dessa forma,

teria profetizado15 cerca de 500 anos antes da vida do Messias (Jesus).

A partir do v. 24 sublinha-se o endereçamento da profecia ao povo de Daniel (ou

seja, o povo de Israel) e a sua cidade santa (Jerusalém) que terão o tempo de Setenta

Semanas, um tempo após o qual cessariam16 a transgressão, os pecados, a iniquidade e

para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia, para ungir o Santo dos

Santos.

O período de Setenta Semanas (~y[iøb.vi ~y[i�buv') em hebraico significa �sete

setenta� (da direita para a esquerda). Na passagem, tal período é dividido em três

períodos menores: primeiro sete semanas; depois, 62 semanas e, finalmente, uma

semana. Assim, temos: 7 + 62 + 1= 70 semanas.

Segundo Scofield17, as Setenta Semanas da profecia são semanas de anos18, uma

importante medida de tempo sabático do calendário judeu. E foi a transgressão da

14 Bíblia de Referências Scofield. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1986, p. 863-864. 15 A leitura fundamentalista não considera os aspectos de profecia ex eventum, nem a pseudepigrafia,

características comuns nos escritos apocalípticos dos dois séculos anteriores à Era Cristã, época em que a

escola liberal histórico-crítica costuma datar o livro de Daniel. 16 A ideia de cessar a transgressão, o pecado e a iniquidade dificilmente é interpretada de outra maneira que

não no horizonte do sacrifício expiatório de Cristo. 17 Bíblia de Referências Scofield. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1986, p. 864. 18 Na verdade o tema das semanas de anos é encontrado em outros escritos apocalípticos, por exemplo, o

livro de Enoque; segundo P. Grelot, tem a ver com as especulações com os números sete e dez, uma vez

que setenta anos é a transformação de dez periodos sabáticos de sete anos em dez períodos jubilares de 49

anos. Ver GRELOT, P. O Livro de Daniel. São Paulo: Paulus, 1995.

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24

guarda do ano sabático inteiro que trouxe o juízo do cativeiro babilônico e determinou

sua duração em setenta anos (cf. Lv 25,1-22; 26,33-35; 2Cr 36,19-21; Dn 9,2). A

passagem de Gn 29,26-28 é usada para reforçar a ideia de que �semana� indica sete

anos. Portanto, Setenta Semanas equivale a 490 anos. E esses 490 anos �proféticos� têm

cada um 360 dias, uma vez que os meses são de 30 dias (cf. uso no livro de Gênesis)19.

Conforme McClain20, o início do período total de Setenta Semanas é fixado no

v.25: �desde a saída da ordem para restaurar e para edificar a Jerusalém�, e o fim do

período será marcado pela apresentação do Messias, o Príncipe de Israel. Deve-se levar

em conta que dois príncipes diferentes são mencionados: o primeiro se chama Messias,

o príncipe (v. 25), e o segundo é descrito como �príncipe que há de vir� (v. 26). Então,

por essa leitura, o início refere-se ao decreto dado a Neemias para restaurar e para

edificar Jerusalém e seus muros, cuja data é 445 aEC (cf. Ne 2,1), e a partir desta data as

primeiras 69 semanas (o mesmo que 483 anos) chegam até o �Príncipe Ungido� que,

conforme acreditam, refere-se a Jesus, o Messias que será morto. Então, novamente o

santuário e a cidade serão destruídos pelo povo do outro príncipe (�que há de vir�), o

que se refere ao povo romano e seu imperador, que em 70 EC destruiu Jerusalém.

Portanto, esses dois acontecimentos são postos imediatamente antes da septuagésima

semana. Essa última semana, que conforme a contagem refere-se aos últimos sete anos,

é o tempo em que ocorre uma aliança da nação de Israel com o príncipe vindouro. Tal

aliança dura apenas metade da semana, e a violação do tratado faz cessar o sacrifício

judaico e precipita sobre o povo de Israel um tempo de ira e desolação, que durará até o

fim da semana (v. 27). Portanto, assim como os acontecimentos relacionados a essa

última semana não ocorreram ainda, e uma vez que Cristo cita estes acontecimentos

relacionando-os a sua segunda vinda (Mt 24,6.15), esta última semana é aguardada para

o futuro. E o intervalo que fica entre a sexagésima nona até a septuagésima semana é

considerado o período da Igreja, uma lacuna profética que ocorre devido à rejeição do

povo de Israel ao Messias (Jesus) e sua aceitação pelos gentios. Quando o período da

Igreja acabar, então a última semana terá início para selar o cumprimento da profecia.

Essa interpretação, que atribui a última semana ao fim dos tempos, começou com os

pais da Igreja. Scofield lembra que Irineu, por exemplo, coloca o aparecimento do

19 MCCLAIN, Alva J. A profecia das Setenta Semanas de Daniel. São Paulo: Imprensa Batista Regular do

Brasil, 1976, p. 18, procurar comprovar os trinta dias pela passagem sobre o dilúvio de Gn 7,11. 20 Ibid. p. 21.

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25

Anticristo nesta última semana, afirmando que a tirania do Anticristo durará exatamente

meia semana21 (três anos e seis meses).

Portanto, partindo de Dn 9,24-27 é possível perceber de onde provém a base

para a sustentação do período de grande tribulação pelo qual passará o povo de Israel, e

do qual a Igreja estará livre (pelo arrebatamento) de acordo com o dispensacionalismo.

4. A crença no arrebatamento segundo o dispensacionalismo

O arrebatamento coletivo ou secreto abordado nesta dissertação é o translado ou

rapto dos fiéis cristãos aos céus para junto de Cristo antes da tribulação e do milênio,

por isso denominada pré-milenista dispensacionista e pré-tribulacionista. É uma

interpretação bíblica bastante popular, especialmente nos círculos evangélicos

tradicionais, conservadores, pentecostais e independentes; é portanto, em termos de

abrangência numérica a que prevalece. É divulgada principalmente em literaturas,

filmes e sites.

Como vimos, a característica principal para que um sistema doutrinário seja

considerado pré-milenista é o anúncio de um reino terrestre de Cristo que será

estabelecido antes de sua vinda. Entretanto, é importante nessa interpretação levar em

conta que o evento arrebatamento é distinto da segunda vinda de Cristo. E embora a

ideia de milênio provenha principalmente de Apocalipse 20 (em que é descrito o reino

milenar de Cristo, quando haverá perfeita paz, retidão e justiça entre os homens), no AT

profetas como Isaías (11,6,7; 65,25) profetizaram acerca de um período de reinado

messiânico sobre a terra, o que sugere que esta crença cristã possui resquícios de uma

tradição antiga. A maioria dos dispensacionalistas (mas não todos) acredita que tal reino

será literalmente de mil anos. Nesse período Cristo estará presente fisicamente sobre a

terra. A instauração do reino será de modo dramático e cataclísmico, conforme Mt

24,12, e com fenômenos cósmicos, perseguição e grande sofrimento, após o esfriamento

da fé de muitos e a grande tribulação, que há de ressaltar os efeitos do milênio que o

21 Esta meia semana aparece como �tempo, dois tempos e metade dum tempo� (Dn 7,25; Ap 12,14),

�quarenta e dois meses� (Ap 11,2; 13,5) ou �1260 dias� (Ap 12,6), tempo frequentemente identificado

com a tribulação.

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26

sucederá. Entretanto, como o dispensacionalismo não é unívoco, como já dissemos, em

relação à grande tribulação, há quem creia que a Igreja será arrebatada antes; outros, que

ela passará pela metade do período da tribulação; e há ainda os que creem que a Igreja

será arrebatada no fim da tribulação. Contudo, a ênfase desta dissertação recai sobre o

arrebatamento pré-milenista, pré-tribulacionista e dispensacionalista, como já

mencionado, no qual a Igreja é poupada da grande tribulação.

Dessa maneira, a interpretação feita sobre Apocalipse 20 é literal e coerente22,

segundo alegam. Entendem que as duas ressurreições dessa passagem são do mesmo

tipo, mesmo porque o verbo usado é o mesmo (e;zhsan, viveram), e atingem dois grupos

diferentes no intervalo de mil anos, sendo que os participantes da primeira ressurreição

não passarão pela segunda, uma vez que por esta só o restante dos mortos que não

reviveram (antes do milênio) passarão.

Esta interpretação pré-milenista reforça bastante a ideia de que a grande

tribulação � tempo de dificuldades e convulsões sem precedentes, incluindo distúrbios

cósmicos, perseguições e grande sofrimento, precederá o milênio, conforme os sermões

proféticos dos evangelhos sinóticos e também segundo entendem no próprio

Apocalipse23.

4.1. Os textos em que se apoia

Vimos que o modo fundamentalista de interpretar a bíblia é bastante literalista e

dá muita importância às Escrituras como livro histórico e profético. A veracidade da

Bíblia é a veracidade da história � e de tal modo é assim que todo o discurso dessa

corrente está fatalmente caracterizado pelo antigo costume de apoiar cada fala com

quantas citações bíblicas forem possíveis. Com o �rapto coletivo� não é diferente.

Conquanto o termo arpa,zw (rapto) usado nesse sentido seja encontrado apenas

em 1Ts 4,13-1824, os defensores de tal doutrina citam 26 textos bíblicos para apoiar tal

22 Há certa insistência quanto a uma hermenêutica literal e coerente por parte dos dispensacionalistas. Ver

ICE, Thomas. Entendendo o dispensacionalismo. Porto Alegre: Actual Edições, 2004, p. 23-24; A

verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edições, 2001, p. 21-22. 23 Segundo GROMACHI, Robert, apud ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento (p. 61), a ausência

da Igreja em Ap 4-19 é indicação de que ela não estará presente na tribulação. 24 O fato de um termo estar ausente na Bíblia não significa que a realidade por ele apontada não esteja lá;

entretanto, muitas das referências citadas possuem interpretação duvidosa e até forçada.

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ensino. São eles: Mt 24,40-41; Lc 17,34-36; Jo 14,1-3; Rm 8,19; 1Cor 1,7-8; 15,51-53;

16,22; Fl 3,20-21; 4,5; Cl 3,4; 1Ts 1,10; 2,19; 4,13-18; 5,9; 5,23; 2Ts 2,1; 1Tm 6,14;

2Tm 4,1.8; Tt 2,13; Hb 9,28; Tg 5,7-9; 1Pd 1,7.13; 5,4; 1Jo 2,28-3,2; Jd 21; Ap 2,25;

3,1025.

5. Quais as principais implicações da crença

Podemos abordar este tema sob dois pontos de vista: o dos seguidores da

doutrina e o dos que não a seguem.

Segundo os defensores do arrebatamento como doutrina bíblica, tal crença

pretende promover basicamente três atitudes comportamentais na vida dos cristãos:

1) A santidade cristã: uma vez que o arrebatamento é iminente e imprevisto, os

cristãos devem buscar a santidade e a pureza para poder fazer parte dele.

2) O evangelismo: cada dia é visto como uma oportunidade para �ganhar almas�.

Ice cita a seguinte frase de Tim Lahaye26:

Surge uma igreja evangelística constituída de crentes ganhadores de almas,

pois quando cremos que Cristo pode aparecer a qualquer momento,

procuramos falar sobre Ele com nossos amigos, para que estes não fiquem

para trás quando Ele vier.

Afirma ainda que milhares de pessoas chegaram à fé em Cristo como resultado

de esforço evangelístico motivado pela profecia bíblica, e também de livros como A

agonia do grande planeta Terra, de Hal Lindsey.

3) A prática de missões: os adeptos dessa corrente acreditam que a iminência do

arrebatamento desenvolve e incentiva a visão missionária. Em citação a Timothy

Weber27, Ice28 relata que a crença no arrebatamento tem sido um grande incentivo para

as missões nos últimos 150 anos.

25 Esta lista foi baseada no livro de ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual

Edições, 2001, p. 48. 26 LAHAYE, Tim. No Fear of the Storm, p. 18. 27 TIMOTHY, P. Weber. Living in the Shadow of the Second Coming: American Premillennialism, 1875-

1982. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1983, p.81.

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28

Por outro lado, as implicações da crença no arrebatamento coletivo, segundo

seus opositores, são muitas e bastante negativas. O dispensacionalismo pré-milenista é

considerado uma posição interpretativa e também um guia de conduta religiosa; por

isso, sua representação, mesmo que em termos de ficção, tem chamado bastante a

atenção de acadêmicos, sejam eles analistas religiosos, sociais, culturais e mesmo

políticos.

A série de ficção Left Behind tem sido, nos últimos anos, a representação

por excelência dessa crença. Seu conteúdo itera as interpretações anteriores, bem como

atualiza seu mapeamento na sociedade moderna, e tem sido divulgado por todo o

mundo. Sua leitura bíblica apela para ameaças de terrorismo, Armagedon nuclear,

suspeitas nacionalista de organizações internacionais, comércio nacionalista, unificação

da moeda e diferenciação religiosa.

Como a leitura pré-milenista dispensacionalista enfatiza os textos bíblicos que

mencionam profeticamente dramas cósmicos como catástrofes, guerras, fome e

destruição sobre a Terra, tanto a série quanto os adeptos dessa crença são acusados de

promover e disseminar o medo para, por seu intermédio, buscar atingir objetivos

proselitistas. Sua cosmovisão fatalista e determinista com relação ao fim dos tempos

está baseada na ideia de que a Bíblia é a história escrita antecipadamente; isso faz com

que todas as catástrofes, guerras, fome e destruição sejam vistas como necessárias ao

cumprimento de profecias. Semelhante visão demonstra uma postura cínica em relação

ao sofrimento humano. Seus adeptos frequentemente acham inútil lutar contra as

guerras, a fome, a desigualdade, ou mesmo apoiar quem o faça. Tal atitude ignora os

milhares de inocentes envolvidos, e por isso tem sido vista como egoísta e calcada numa

fé individualista, corporativa e etnocentrista, onde a maior preocupação reside no

indivíduo e seus entes queridos em detrimento dos demais. São, muito frequentemente,

apegados a ideologias conservadoras. Também sua forma de polarizar o mundo entre

sagrado x secular, salvo x condenado, crente x incrédulo, tem promovido grandemente o

preconceito em relação ao diferente. Expõe uma postura histórica dualista, moralista e

sectária. Talvez a maior preocupação dos opositores dessa corrente doutrinária

relacione-se ao campo político. Afinal, seu franco apoio à nação de Israel e oposição a

palestinos e árabes tem influenciado grandemente o preconceito contra tais povos. E

como a divulgação dessa doutrina, bem como seu seguimento, provém e campeia nos

28 ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edições, 2001, p.75.

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29

EUA, ela tem servido não só para apoiar e incentivar as guerras no Oriente Médio,

como também para figurá-las como necessárias. Isso decorre da importante posição dos

EUA no cenário internacional. Naturalmente, como esse tipo de crença é bastante

popular nos EUA e também tem sido exportada para o mundo, da mesma forma sua

cosmovisão e conduta religiosa tem influenciado seus adeptos em outros países.

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30

CAPÍTULO II

2. O surgimento da doutrina do arrebatamento da Igreja

2.1. Origens nos EUA

O arrebatamento pregado, crido e atribuído aos moldes paulinos (nas cartas de 1

Tessalonisenses e 1 Coríntios) esteve presente na agenda escatológica da maior parte da

Igreja cristã, principalmente nos últimos séculos (XIX e XX). Nas alas

fundamentalistas, sob influências advindas das inquietações e questionamentos sobre as

proximidades do ano 2000, favoreceram-se as crenças escatológicas e um constante

reforço de doutrinas das quais o arrebatamento é um exemplo. Portanto, não por acaso,

recentemente a série de livros Left Behind (Deixados para trás), de Tim LaHaye e Jerry

B. Jenkins, que narra os últimos dias na Terra após o arrebatamento da Igreja de Cristo,

pretensamente baseada nos eventos descritos no Apocalipse de João, vieram a tornar-se

best-sellers29. Deixados para trás tornou-se uma das séries de ficção (cristã) mais lidas

no mundo. A série de livros, que teve início em 1995, vendeu mais de 70 milhões de

exemplares e foi publicada em 34 idiomas. Três filmes também foram produzidos sobre

a série, como também jogos digitais e outros produtos. Sucesso de vendas30, a série é

também alvo de pesadas críticas, tanto da parte de cristãos quanto de céticos. A história

reúne ficção cristã, ação e suspense, com lances de alta tecnologia. O tema principal é o

final dos tempos.

Para esta dissertação, é interessante notar como são feitas as interpretações e

leituras das principais passagens das Escrituras relacionadas à escatologia. A série, por

exemplo, inicia-se com o arrebatamento da Igreja, seguido pela ascensão do Anticristo,

Tribulação etc. Assim, como afirmam os autores, �procura seguir a ordem de

acontecimento do Apocalipse de João�, embora neste livro inexista a ideia de

29 Os livros da série chegaram a figurar nas listas de best-sellers do New York Times. 30 O faturamento da série já ultrapassou a casa dos 300 milhões de dólares.

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31

arrebatamento coletivo; são feitos, portanto, arranjos interpretativos e ordenados, de

forma que os acontecimentos obedeçam a uma lógica sequencial e bíblica.

Esta suposta lógica sequencial, quando analisada a fundo, expõe as

irreconciliáveis escatologias paulina e joanina, o que para leituras superficiais parece

não levantar grandes problemas.

De qualquer forma, o impacto da série e do filme fez com que surgissem várias

discussões e questionamentos ao porquê da bem-sucedida empreitada editorial e

cinematográfica. Para alguns, o gênero literário se assemelha ao de outros escritores

americanos que escrevem sobre espionagem militar, horror, fantasia, ficção científica

etc., e que têm vendido centenas de milhares de exemplares. Portanto, a série seria mais

uma que no ramo de entretenimento ficcional seduz pelo ritmo, ação e suspense. Para

outros, em vez disso, o sucesso provém da forma como trata da interpretação bíblica

literalista: um pré-milenarismo dispensacional, pré-tribulacionista e fundamentalista

conformado à crença sobre o fim dos tempos que predominou nos últimos tempos nos

EUA e, por que não dizer, em grande parte do continente americano. Argumentam

inclusive que na Europa, onde o dispensacionalismo não ganhou força, a série também

não teve muito êxito. Na verdade, como os próprios autores reconhecem, embora seja

ficção, a série foi escrita para refletir a vida e a crença de milhares de cristãos

(fundamentalistas). A realização do filme e as técnicas cinematográficas usadas

acabaram, ao que parece, por tornar uma antiga crença mais verossímil do que nunca.

No interesse desta dissertação, contudo, a doutrina do arrebatamento não pode

ser analisada em separado, visto estar atrelada a ensinos escatológicos extraídos da

Bíblia que, ao longo da história, tiveram e têm várias interpretações e enfoques. Um dos

caminhos a seguir, para que entendamos a origem da crença no arrebatamento da Igreja

nos moldes descritos acima, é analisar o fundamentalismo surgido nos Estados Unidos a

partir do século XIX.

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32

2.2. Fundamentalismo e dispensacionalismo nos EUA

Deve-se, antes de mais nada, salientar que fundamentalismo aqui significa

aquela reação ou contra-ofensiva ao modernismo e ao liberalismo31 que fizeram parte do

protestantismo no início do século XIX. O fundamentalismo surgiu então com o intuito

de renovar o protestantismo. Esse esclarecimento é importante na medida em que a

palavra fundamentalismo tem obtido nos últimos tempos muitos significados, como por

exemplo, todo tipo de opinião conservadora, seja política ou religiosa, ou pessoas que

defendem uma posição com entusiasmo e veemência. No entanto, o fundamentalismo

no que tange à interpretação bíblica é principalmente aquele que se opõe aos métodos

históricos-críticos como ferramentas para se fazer teologia a partir de textos bíblicos.

Tal reação pode ser localizada entre 1909 e 1915, com a publicação nos Estados

Unidos de uma série de textos, numa revista com edição superior a três milhões de

exemplares, sob o título The Fundamentals � a Testimonium to the Truth (Os

fundamentos � um testemunho em favor da verdade). Os fundamentos eram, portanto,

conteúdos de fé, verdades absolutas e intocáveis que deveriam ficar imunes à ciência e à

relativização da verdade bíblica por meio do método histórico-crítico. Os temas

principais eram a inspiração verbal e literal, a divindade e o nascimento virginal de

Jesus, seu sacrifício expiatório e vicário, sua ressurreição corporal, a segunda vinda de

Cristo à Terra com sinais apocalípticos, ou o retorno para um reino milenar e

intermediário etc. O movimento se espalhou para outros países e continentes

combatendo ideias pluralistas positivistas, relativistas, historicistas e antiautoritaristas,

características da modernidade.

Para se entender como a crença no arrebatamento tomou força a partir da reação

fundamentalista, é preciso levar em conta ensinos como o do dispensacionalismo, que se

popularizou também a partir do século XIX.

31 Tanto o pensamento modernista como o liberal começaram a vigorar nas universidades e faculdades de

teologia dos EUA por influência alemã. O modernismo submetia a Bíblia à critica histórica radical

questionando antigos dogmas bíblicos a partir de novos descobrimentos das ciências. O liberalismo

teológico acreditava, entre outras coisas, que haveria progresso da sociedade humana através da ciência

até instaurar-se o Reino de Deus na Terra, portanto, não por meio de intervenção divina. Ver

NOGUEIRA, Paulo A. de Souza. Leitura bíblica fundamentalista no Brasil. In: Revista Caminhando 10, v. 7, 2002, p. 31-49.

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33

O dispensacionalismo é um sistema teológico ou, pode-se dizer, um método de

interpretar a Bíblia atribuído a John Nelson Darby (1800-1882), participante e líder do

movimento dos Irmãos Livres de Plymouth32, movimento este que surgiu na Irlanda e

Inglaterra no início do século XIX. A partir de Darby e, posteriormente, por meio da

Biblia de Referências Scofield e de Conferências Bíblicas de Verão (como as de

Niagara, Northfield e Winona) o dispensacionalismo foi largamente disseminado.

Pode-se definir o dispensacionalismo como um sistema teológico segundo o qual

a segunda vinda de Jesus Cristo será um acontecimento no mundo físico, e envolverá o

arrebatamento da Igreja antes de um período de sete anos de tribulação, após o qual

ocorrerá a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de Deus na Terra. Ele

apresenta duas distinções básicas: 1) uma interpretação �consistentemente literal das

Escrituras�, em particular da profecia bíblica; 2) a distinção entre Israel e a Igreja no

programa de Deus. A teologia dispensacionalista acredita que há dois povos distintos de

Deus: Israel e a Igreja. Acreditam que a salvação foi sempre pela fé (em Deus no Antigo

Testamento; especificamente em Deus Filho no Novo Testamento). Afirmam, ainda,

que a Igreja não substituiu Israel no programa de Deus, e que as promessas do Antigo

Testamento a Israel não foram transferidas para a Igreja. Creem que as promessas feitas

por Deus a Israel no Antigo Testamento serão cumpridas no período de mil anos de que

fala Ap 20. Creem, ainda, que Deus, da mesma forma como concentra sua atenção na

Igreja nesta era, novamente, no futuro, concentrará sua atenção em Israel (Rm 9-11).

Os dispensacionalistas entendem que a Bíblia está organizada em sete

dispensações: Inocência (Gn 1,1�3,7), Consciência (Gn 3,8�8,22), Governo Humano

(Gn 9,1�11,32), Promessa (Gn 12,1 � Ex 19,25), Lei (Ex 20,1 � At 2,4), Graça (At 2,4 �

Ap 20,3) e Reino Milenar (Ap 20,4�20,6). Estas dispensações não são caminhos para a

salvação, e sim maneiras pelas quais Deus interage com o homem num determinado

período de tempo. O dispensacionalismo como sistema resulta em uma interpretação

pré-milenar da segunda vinda de Cristo, e geralmente de uma interpretação pré-

tribulacional do arrebatamento. A palavra dispensação deriva de um termo latino que

significa administração ou gerência, e se refere, portanto, ao método divino de lidar com

a humanidade e de administrar a verdade em diferentes períodos de tempo.

32 O movimento tinha como objetivo voltar aos princípios bíblicos e defendia ideias como a completa

rejeição do clericarismo, o sacerdócio universal dos santos, liberdade para �partir o pão� sem a presença

de um sacerdote devidamente diplomado para oficiar a Ceia do Senhor, igrejas autônomas com liderança

local composta por presbíteros (liderança plural) etc.

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34

Assim, pelo fato de surgimento e ascensão do dispensacionalismo terem

ocorrido de forma paralela ao movimento fundamentalista, aquele passou a ser

virtualmente, em muitos casos, a teologia oficial do fundamentalismo. Na verdade, o

que ocorreu foi que, após Darby ter desenvolvido o pensamento dos Irmãos de

Plymouth e com ele a interpretação dispensacionalista, outros escritores, entre eles

Cyrus Ingerson Scofield, contribuíram para disseminar tal interpretação. É bastante

provável que a popularização mais eficaz do dispensacionalismo tenha emanado da

Bíblia de Referências Scofield, já que os leigos contavam com poucas bíblias de

referências no início do século XX. Contudo, os institutos bíblicos (muitos tornaram-se

faculdades posteriormente) também tiveram sua participação na divulgação do

dispensacionalismo. Conforme Millard33, muitas congregações fundamentalistas que

anteriormente foram parte de grandes denominações, recebiam seus ministros, direta ou

indiretamente, dos seminários daquelas denominações; entretanto, quando apareceram

indicações de desvios doutrinários (influências modernistas e liberalistas) nestes

seminários, as igrejas começaram a receber seus ministros dos institutos bíblicos. E

estes eram, quase sem exceção, dispensacionalistas. Alguns institutos bíblicos

evoluiram para faculdades bíblicas e depois para faculdades cristãs de filosofia e letras;

por exemplo, o Instituto Bíblico de Providence veio a ser a Faculdade Bíblica de

Providence-Barrington, e depois a Universidade de Barrington. O Instituto Bíblico de

Los Angeles veio a ser a Faculdade Biola, mas também deu origem ao Seminário

Teológico Talbot. O Seminário de Dallas34 passou por um processo semelhante, e seu

principal fundador, Lewis Sperry Chafer35, teve um grande peso na disseminação do

dispensacionalismo. Dessa forma, os estudantes para o ministério não tinham de

escolher entre uma educação de seminário e uma educação teológica totalmente

evangélica. Alguns obtinham sua educação pré-graduada num instituto bíblico, e depois

iam para um seminário dispensacionalista tal como Dallas, Talbot, Grace ou Batista

Conservador do Oeste.

É importante considerar, portanto, que, o dispensacionalismo surgiu em meio ao

desenvolvimento da alta crítica e suas pressuposições racionalistas que anulavam os

33 MILLARD, J. Erickson. Opções contemporâneas na escatologia: um estudo do milênio. São Paulo:

Edições Vida Nova, 1991. 34 O seminário de Dallas tornou-se o centro do dispensacionalismo até os dias de hoje, e muitos de seus

professores são conhecidos por literaturas divulgadas em várias línguas; entre eles: Merrill Unger, Dwight

Pentecost, Norman Geisler, Hal Lindsey e Charles Swindoll. 35 Lewis Sperry Chafer (1871-1952), professor presbiteriano e discípulo de Scofield, publicou uma obra

dispensacionalista sistematizada em oito volumes.

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35

eventos sobrenaturais da Bíblia. Disso decorre que o dispensacionalismo acabou por

enfatizar uma interpretação literalista da Bíblia a tal ponto que não-literal tornou-se

sinônimo de liberal. A compreensão da época pode ser assim resumida:

fundamentalismo implica em dispensacionalismo, e dispensacionalismo implica em

ortodoxia; portanto, para se fazer a interpretação correta da Bíblia é preciso abraçar os

métodos dispensacionalistas. Uma literatura que veio a ser útil para tanto foi a

publicação da Bíblia de Referências Scofield, que mencionarei a seguir.

A doutrina do arrebatamento da Igreja, como já foi dito, não está dissociada de

um contexto maior (a escatologia), a qual foi e é assunto importantíssimo para a leitura

fundamentalista-dispensacionalista da Bíblia. É em tal leitura que o arrebatamento é

levado em conta, já que no pós-milenarismo e no amilenarismo ele não tem tanta

importância. O arrebatamento secreto, como alguns preferem dizer, é na verdade o

próximo evento iminente a ter lugar na crença pré-milenarista; portanto, é bastante

enfatizado nesse meio. Sua origem adveio principalmente da distinção feita por Darby

entre o plano de Deus para Israel e o plano de Deus para a Igreja: afinal, se Deus deve

cumprir literalmente suas antigas promessas a Israel, a Igreja tem de ser removida antes

disso, para dar condições a que os dois planos se integrem na plena realização do reino

milenar. É nessa lógica que o arrebatamento da Igreja antes da tribulação (pré-

tribulacionismo) é tanto polêmico quanto enfatizado.

2.3. A Bíblia de Referências Scofield

Essa Bíblia foi publicada com anotações no rodapé de suas páginas feitas por

Cyrus Ingerson Scofield, que sentiu a necessidade de esclarecer passagens difíceis de

entender. Scofield nasceu em Michigan, em 1843, converteu-se em 1879 e foi ordenado

pastor em 1883. Era advogado e não possuía formação teológica; contudo, foi

discipulado por James Hall Brookes36, considerado pai do dispensacionalismo

americano. Após anos (cerca de 30) de dedicação à criação de notas explicativas da

Bíblia, e contando com a ajuda de vários pastores convidados, publicou em 1909 a

Bíblia de Referência Scofield. Tal fato contribuiu grandemente para a propagação do

36 James Hall Brookes escreveu o livro Maranatha, onde fazia uso da perspectiva dispensacionalista da

profecia, nos idos de 1870.

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36

ensino dispensacionalista que, por parte de Scofield, veio da assimilação dos ensinos de

John Newton Darby37. A Bíblia Scofield que usou a versão do texto inglês de King

James, reeditada em 1917 e revisada em 1967, e da língua inglesa foi traduzida para

outras línguas. Em espanhol, foi publicada em 1960, a partir da versão revisada de

Casiodoro de Reina (1569); em português, especificamente no Brasil, foi editada em

1983 a partir de versão de João Ferreira de Almeida, e chegou à quarta edição em

199338. Devido a sua praticidade, tornou-se bastante popular no século XX, inclusive no

meio pentecostal, que provavelmente é também o maior divulgador da corrente

escatológica dispensacionalista atualmente. Os ensinos da Bíblia de Referência Scofield

são bastante criticados atualmente por correntes escatológicas que dela divergem, por

exemplo, a corrente reformada, embora tenha surgido em seu âmbito; por outro lado,

são fortemente divulgados por seus adeptos. Assim, afora a controversa interpretação

dispensacionalista da Bíblia Scofield, esta reforça crenças fundamentalistas cristãs como

a infalibilidade das Escrituras, a divindade, humanidade e ressurreição de Cristo e o

juízo final, além de pressupor a unidade intrínseca das Escrituras como revelação da

história gradual e contínua da redenção humana e a inspiração divina como fonte última

de harmonia revelacional; enfim, vê Cristo como centro da Escritura. Crenças estas que

atraem muitos fundamentalistas.

Outras literaturas podem ser citadas como divulgadoras do dispensacionalismo.

Primeiramente nos EUA, os livros Maranatha (1870) de James Hall Brookes; Jesus is

Coming (1878) de William E. Blackstone39, e A agonia do grande planeta Terra (1970),

de Hal Lindsey. Estes dois se tornaram best-sellers em suas épocas e foram traduzidos

em diversas línguas.

37 Darby foi um destacado aluno do pastor presbiteriano Edward Irwing (1792-1834). Quando de sua morte,

deixou vasta obra escrita, constituída de 40 volumes (quatro exclusivamente sobre profecias). A partir dessa obra o sistema dispensacionalista difundiu-se no mundo de fala inglesa.

38 Em 2009, uma nova edição foi feita no Brasil. 39 Blackstone (1841-1935), um protestante de confissão metodista, foi um magnata americano do ramo

imobiliário. Em 1878, participou da Conferência de Niagara, cujo tema era o retorno dos judeus à

Palestina, na qual decidiu tornar-se um engajado restauracionista motivado pela visão dispensacionalista.

Na Conferência Sionista de 1918, realizada em Filadélfia, Blackstone foi aclamado como o Pai do Sionismo.

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37

2.4. No Brasil

2.4.1. Livros americanos de impacto no Brasil

O Brasil sempre sofreu influência norte-americana direta nas doutrinas cristãs

protestantes e evangélicas fundamentalistas. Em termos de literatura, tanto a Bíblia de

Referência Scofield quanto os dois últimos livros mencionados tiveram ampla aceitação

no Brasil.

O livro A agonia do grande planeta Terra foi, nas décadas de 70 e subsequentes,

muito lido no Brasil; suas especulações escatológicas sobre o fim dos tempos, imbuídas

de interpretações pré-milenaristas, dispensacionalistas e patrióticas (comuns aos

americanos) levou a milhares seu ponto de vista. Outros livros de cunho escatológico

que tiveram bastante repercussão no Brasil foram os do autor Wim Malgo, fundador da

Obra Missionária Chamada da Meia-Noite; entre livros e livretos encontra-se O

arrebatamento: o que é e quando acontecerá, O controle total: 666, O Apocalipse de

Jesus Cristo etc.

2.4.2. Resenha dos livros citados acima

O livro A agonia do grande planeta Terra, de Hal Lindsey, explora o profundo

desejo humano de conhecer o futuro. Entre inúmeros profetas e profecias modernas, o

livro se diz a voz autêntica, pois estaria baseada nos profetas e profecias bíblicas, as

quais têm dado testemunho através do tempo de serem verdadeiras. Escrito nos tempos

da Guerra Fria, o autor interpreta os livros proféticos bíblicos principalmente à luz da

realidade política e econômica da época. A Rússia, por exemplo, é Gog, o inimigo que

vem do Norte em Ezequiel 38. O livro acabou por ficar desatualizado, uma vez que o

cenário mundial mudou completamente e suas profecias não se cumpriram a contento.

O arrebatamento: o que é e quando acontecerá, de Wim Malgo, é na verdade

um livreto vendido na atualidade que procura esclarecer questões ligadas ao

arrebatamento, uma vez que é um assunto misterioso, tratado em poucos trechos da

Bíblia.

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O controle total: 666, de Wim Malgo, procura mostrar de maneira

compreensível o estágio avançado em que o mundo se encontra em relação à era

anticristã sem percebê-lo. Ao mesmo tempo, a Igreja de Jesus é seriamente exortada a se

preparar para o momento do arrebatamento. Além disso, Wim Malgo não somente se

refere ao número da besta, 666 � que aparece com frequência sempre maior, mas

também esclarece o seu significado. Trata-se de um número do homem, e todos os que

adorarem a besta aceitarão esse sinal. Seis é o número do homem, que foi criado no

sexto dia. O sete é o número da perfeição divina. O número seis, um após o outro, fala

de esforço e trabalho para atingir a perfeição, enquanto o sete mostra descanso divino. O

número 666, então, expressa a desesperada tentativa do diabo de ser como Jesus Cristo.

O Apocalipse de Jesus Cristo, também de Wim Malgo, é um comentário que

incentiva o cristão a esperar pela vinda de Cristo.

Essas literaturas descritas acima têm a semelhança de serem de fácil e rápida

leitura, o que naturalmente atrai os leitores.

2.4.3. Autores brasileiros importantes na escatologia

Como vimos, os livros de autores nacionais que versam sobre escatologia sofrem

de dependência doutrinária de livros norte-americanos; os que não são declaradamente

dispensacionalistas apresentam apenas os possíveis pontos de vista escatológicos

existentes. Em 1921, por exemplo, houve a publicação do livro Maranata, de Alfredo

Borges Teixeira (pastor presbiteriano), que defende a posição pré-milenarista. De

qualquer forma, os poucos que existiram eram em número extremamente reduzido, em

sua maioria traduções de obras americanas ou estrangeiras. Hoje encontramos livros de

cunho escatológico mais facilmente. Podemos citar como exemplo o livro de

escatologia de Russell Shedd que apenas explica a doutrina escatológica; embora o

autor seja pré-milenista, não defende categoricamente sua posição. Talvez as literaturas

escatológicas nacionais que maior impacto têm alcançado nos últimos tempos sejam as

da vertente pentecostal, como por exemplo O plano divino através dos séculos, de Nels

Lawrence Olson, publicado pela CPAD, extremamente dispensacionalista; na verdade

foi escrito por um americano em missão há muitos anos no Brasil, e que por isso

publicou em português. Este livro já está na 25ª edição e já teve mais de 100 mil cópias

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vendidas. Como este livro, outros publicados pela CPAD seguem a mesma influência

norte-americana e são muito lidos no meio pentecostal.

2.4.4. Formas de divulgação da doutrina no Brasil

Assim como nos Estados Unidos, no Brasil também divulgações escatológicas

foram e são feitas por meio de instituições para-eclesiásticas, cursos, palestras, panfletos

e atualmente pela internet. Cada denominação promove palestras e cursos pautados em

sua visão escatológica e usa literaturas afins.

Uma instituição que podemos considerar importante na divulgação de literatura

e palestras escatológicas de cunho dispensacionalista é a já mencionada Obra

Missionária Chamada da Meia-Noite, fundada por Wim Malgo (1922-1992) em 195540,

nos EUA, com estes objetivos: chamar as pessoas para Cristo, proclamar a segunda

vinda de Cristo, preparar a Igreja para sua vinda, defender a fé e advertir contra falsas

doutrinas. Esta missão é mantida por ofertas voluntárias e não possui fins lucrativos.

Antes do advento da internet, seu objetivo era alcançado principalmente com a

divulgação de livros publicados no Brasil. Atualmente ela promove cursos e palestras

amplamente divulgados em seu site. Juntamente com a Chamada da Meia-Noite existe a

Associação Beth-Shalom para Estudo Bíblico em Israel, com o objetivo de despertar e

fomentar entre os cristãos o amor pelo Estado de Israel e pelos judeus; também promove

congressos sobre a palavra profética em Jerusalém e viagens com a intenção de levar o

maior número possível de peregrinos cristãos a Israel, onde mantém a Casa de Hóspedes

Beth-Shalom (no monte Carmelo, em Haifa).

Um exemplo recente das palestras promovidas pela Obra Missionária Chamada

da Meia-Noite é o ciclo realizado na Igreja Irmãos Menonitas nos anos de 2004, 2005 e

200641, todas de viés escatológico. A Igreja cedeu o local e a Obra forneceu os

palestrantes e o material a ser usado.

Contudo, atualmente o site da Obra é sem dúvida o maior divulgador de suas

doutrinas, palestras, cursos e literaturas. Em seu conteúdo fica bastante patente a

doutrina dispensacionalista; aliás, no que diz respeito ao interesse por Israel, sua

40 Contudo, somente em 1970 a organização foi legalmente instituída. 41 Ver uma amostra dos boletins informativos, no final do capítulo.

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40

diferenciação da Igreja é explicitamente apontada e enfatizada. Numa leitura

escatológica da História, a nação israelita é considerada o relógio do mundo, marcador

principal dos fatos apocalípticos finais. Uma série de nove livretos, intitulados A

verdade sobre42, uma literatura de fácil acesso e leitura, divulga o ensino aqui abordado,

entre vários outros.

Outros meios que podem ser considerados de divulgação são as revistas de

estudos bíblicos, revistas de escolas bíblicas dominicais e também os folhetos

evangelísticos distribuídos em lugares públicos43. Tais meios eram possivelmente os

principais antes do advento da internet.

42 A verdade sobre: Os sinais dos tempos, Armagedom e o Oriente Médio, O Anticristo e seu reino, A

tribulação, O arrebatamento, O céu e a eternidade, O milênio, Jerusalém na profecia bíblica, O templo

dos últimos dias. Todos da Actual Edições e vendidos pelo site chamada.com.br. 43 Este folheto tem sido distribuído ao longo de 2009.

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41

Folheto usado para evangelização com alusão ao arrebatamento.

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42

Boletim informativo enviado por mala direta para divulgação de palestra promovida pela Obra

Missionária Chamada da Meia-Noite. Na programação, o tema das 7 dispensações.

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43

Revista Chamada da Meia-Noite 11, Ano 35, Novembro de 2004. No destaque, duas matérias baseadas em Apocalipse 13,16-18.

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44

Revista Lições Bíblicas Juvens e Adultos 4º.Trimestre/2006

Título: As verdades centrais da fé cristã CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus)

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45

Capa da revista usada em escolas bíblicas dominicais usadas na Igreja O Brasil para Cristo em 2001, com o tema do arrebatamento. A seguir, página da mesma revista.

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47

Folheto evangelístico com oito páginas, distribuído em 2009, na estação Sé do Metrô (São Paulo).

Descreve a história do mundo através da Bíblia e o arrebatamento da igreja previsto para 21/05/2011. Esta característica de datar o arrebatamento está restrita à comunidade que o distribuiu.

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48

CAPÍTULO III

3. Análise do filme Deixados para trás

3.1. Por que a análise de um filme?44

�Qual préstimo poderia ter para a história o folclore?�. É a pergunta que inicia a

reflexão de Ferro. Ele lembra que, no início do séc. XX, o animatógrafo45 era

considerado pelas pessoas supostamente cultas uma máquina de embrutecimento e de

dissolução, um passatempo de iletrados. Assim o filme, comparado aos documentos

escritos que provinham do ponto de vista daqueles considerados a classe dominante da

sociedade, era de nenhum valor como documento ou material histórico. Mesmo porque

imagens fílmicas, pretensamente representações da realidade, são escolhíveis,

modificáveis, transformáveis, fruto de montagem intencional. Com o passar do tempo, a

história se transforma, com as exigências de um novo espírito científico desembocando

numa nova história46 também influenciada por outras ciências humanas. Porém, ainda

para essa Nova História cabe a pergunta: que préstimo um filme pode ter, uma vez que é

representação do real e manipulação de imagens? Ferro aponta para a prática da

censura, que possibilitou constatar que as imagens podem também ameaçar interesses

dominantes. Um filme pode funcionar como testemunha; pode, em seu lapsos,

desestruturar construções antigas de instituições e grupos que foram forjadas ao longo

dos anos. Por outro lado, um filme pode reforçar e promover visões de mundo

particulares. A antiga ideia de que um gesto corresponde a uma frase, e um olhar a um

44 Esta reflexão está baseada no texto de FERRO, Marc, O filme, uma contra-análise da sociedade?, in

História: novos objetos, dir. Jacques Le Goff e Pierre Nora, 3ª ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988,

p. 202-204. 45 O mesmo que cinematógrafo, um invento do fim do séc. XIX que consta de equipamento de fotografia e

de projeção capaz de colher, em rápida sequência, uma série de instantâneos de objetos que se movem e

de projetá-los numa sucessão igualmente rápida e intermitente, de modo a produzir a ilusão de cenas em movimento.

46 Os Annales aparecem em 1929; sua terceira geração é chamada Nova História, e considera toda atividade

humana como história.

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longo discurso, chega a ser insuportável, uma vez que assim sendo, as imagens

constituiriam a matéria de uma história diferente da História, principalmente do ponto

de vista dominante; isto é o que para Ferro significa uma contra-análise da sociedade.

Por isso, ele postula que as imagens � não apenas como ilustração, confirmação ou

desmentido de um outro saber ou da tradição escrita, antes apelando até outros saberes,

afim de melhor captá-las � podem ser consideradas fontes históricas. A associação de

um filme ao mundo que o produz, seja ele imagem da realidade ou não, documento ou

mesmo ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história; sendo assim, seu postulado

é: o que não aconteceu, as crenças, as intenções, o imaginário do homem, é tão história

quanto a História.

Nessa forma de abordagem do filme, pode-se dispensar o ponto de vista

semiológico, ou estético, de história do cinema ou obra de arte, já que tem seu valor por

aquilo que testemunha pode ser visto como um produto, uma imagem-objeto cujas

significações não são unicamente cinematográficas. Neste caso, a análise não incide

necessariamente sobre a obra em sua totalidade, podendo apoiar-se em extratos, planos,

temas etc. conforme a necessidade. Também a crítica não se limitaria ao filme, mas o

integraria no mundo que o rodeia e com ele se comunica. A análise simultânea no filme

(narrativa, cenário, escrita, relações do filme com o que não é filme, autor, produção,

público, crítica, regimes, crenças) pode compreender melhor não só a obra, mas também

a realidade que ela figura, uma vez que tal realidade não se comunica diretamente.

Outrossim, Ferro questiona:

São os próprios escritores plenamente senhores das palavras, ou da língua?

Por que haveriam então os homens da câmera de serem senhores das imagens

que produzem, posto que filmam involuntariamente muitos aspectos da

realidade?

Para ele, portanto, esse traço é evidente nas imagens atuais:

O que é patente para os documentos, para os filmes de atualidades, não é

menos verdadeiro para a ficção. Demais, a parte inesperada, involuntária,

pode também ser grande nesse caso. Esses lapsos de um criador, de uma

ideologia, de uma sociedade constituem reveladores importante. Podem

ocorrer em todos os níveis do filme, como na sua relação com a sociedade.

Seus pontos de ajustamento, os das concordâncias e discordâncias com a

ideologia, ajudam a descobrir o latente por trás do aparente, o não-visível

através do visível. Existe aí matéria para uma outra história, que não pretende

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certamente constituir um belo conjunto ordenado e racional, como a História,

contribuiria antes para a purificar ou para a destruir.

Com essa reflexão em mente, empreenderemos a análise do filme Left Behind

(Deixados para trás), porque também ele efetivará a consolidação da crença no

arrebatamento como uma construção doutrinária. À medida que métodos e ciências nos

favoreçam, delas faremos uso, tendo, contudo, o referencial teórico de Filém Flusser47,

como apoio, nas reflexões sobre texto e imagem.

3.2. Resumo do enredo

O filme inicia com imagens da cidade de Jerusalém atual, com seus principais

símbolos religiosos: igrejas cristãs, a mesquita de Omar, o muro das lamentações e

também o comércio; logo em seguida, mostra uma nuvem de helicópteros e aviões de

guerra, vários tanques de guerra, advindos das fronteiras leste, norte e oeste de Israel.

Na sequência, a cena muda para um repórter, no centro de uma plantação de trigo,

iniciando uma reportagem com um cientista Israelense, Dr. Chaim Rosenzweig, que

começa a falar sobre a paz que ele pretende alcançar com sua descoberta.

Subitamente, surgem os aviões e começam um amplo bombardeio. Eles fogem

atônitos para um abrigo. Lá são informados de que se trata de um ataque maciço contra

Israel, sem se saber de onde parte; afinal, Israel tem muitos inimigos. Os aviões

israelitas não conseguem decolar por falha no sistema de ignição. No radar, eles

observam que os aviões dos inimigos começam a explodir no ar e caem, sem que Israel

esteja fazendo nada; eles não entendem e acham que o sistema de radar está com

defeito. O repórter Buck William pega sua filmadora e sai do abrigo para filmar e

mostrar o que esta acontecendo: aviões explodindo e caindo sem nenhuma explicação.

De repente, surge um homem velho, de barba e bigodes brancos, cabelo longos e

despenteados; sua aparência é supostamente semelhante à dos antigos profetas bíblicos.

47 Vilém Flusser (1920-1991) foi um filósofo Tcheco, naturalizado brasileiro, autodidata, que atuou por

cerca de 20 anos como professor de filosofia, jornalista, conferencista e escritor. Escreveu e ministrou nas áreas da Teoria da Comunicação. Seus trabalhos se concentram no pensamento de Heidegger, sendo

marcados pelo existencialismo e pela fenomenologia.

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Num ar de mistério, fala ao repórter: �A guerra continuará até o fim e alguns firmarão

um pacto de sete anos�.

O cenário muda para Chicago. Aparece uma família americana, o pai (Rayford

Steele), piloto de avião, sua esposa Irene, mulher religiosa e atenciosa, e dois filhos, um

menino de 12 anos e Chloe, uma jovem de temperamento rebelde.

Em Nova York, Buck recebe um telefonema e sai ao encontro de seu amigo

Dirk, que está muito nervoso por descobrir os planos secretos dos banqueiros Cothran e

Stonagal. Ele diz desesperadamente que o mundo está em perigo, dos ataques, da

fórmula do Dr. Rosenzweig, que as moedas dólar, libra e iene vão se transformar em

uma moeda única, que o Dr. Rosenzweig vai ser enganado por Cothran e Stonagal (os

banqueiros). Buck pede para ele se acalmar e explicar o que está acontecendo, mas Dirk

continua falando sobre dez demarcações de terra e informa ao amigo que irá juntar mais

provas. Tira de dentro de seu relógio de pulso uma espécie de mini CD novamente, e diz

a Buck que ali está tudo que havia no computador de Cothran. Guarda o CD no lugar e

diz que vai procurar mais fatos para entregar a Buck, que deverá publicá-los.

No estúdio de reportagem, Buck vê a filmagem que fez em Israel sobre o

bombardeio e fica admirado. Na gravação o ancião que falou com ele em seu idioma

(inglês), está falando em outro idioma, provavelmente em hebraico. No mesmo instante

um colega de trabalho lhe entrega um documento contendo a informação de que a

Europa acabara de unificar o câmbio com a Coreia, e que aquilo seria mais um passo

para a unificação do câmbio. Buck lembra da conversa que teve com Dirk.

Em Londres, surge a figura de Nicolae Carpathia, uma homem alto, de boa

aparência, cabelo loiro, olhos claros, conversando com Stonagal. Este fala sobre a paz

mundial, que é o sonho de todos e que poderia se tornar possível graças aos esforços de

Nicolae e sua natural habilidade para liderar a ONU; mostra-lhe um mapa advertindo-o

de que teria de convencer o Dr. Rosenzweig a aceitar sua proposta.

Pilotando um avião está Rayford, o qual é informado pelo co-piloto que a

aeromoça Hattie Durham (com a qual Rayford tem um caso) vai deixar o serviço de

bordo para trabalhar na ONU. No voo está o repórter Buck William, amigo da aeromoça

Hattie; ela agradece ao rapaz o telefonema que ele deu e graças ao qual ela conseguira o

novo emprego na ONU. Uma senhora começa a se preocupar com o sumiço do marido.

Buck tenta acalmá-la, dizendo que ele poderia estar no banheiro; ela pede para ele

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verificar e levar o cobertor de seu esposo. Buck estranha e diz que não seria necessário

levar o cobertor, mas ela insiste dizendo que, se ele estivesse no banheiro, poderia estar

nu, e lhe mostra o lugar dele no avião, com todas as suas roupas, inclusive os óculos que

usava. Outros passageiros também começam a perceber o sumiço de outras pessoas;

uma mulher procura desesperada pelos seus filhos.

Na cidade o caos começa a tomar conta, com vários acidentes acontecendo. Um

motorista de caminhão desaparece, deixando em seu lugar somente suas roupas; outro

motorista aparece todo ensanguentado, depois de colidir com o carro da frente, do qual

o motorista sumiu; uma mãe chora por causa do bebê que desapareceu.

No avião, Rayford começa a pedir ajuda pelo rádio quando fica sabendo que

várias pessoas estão desaparecendo no mundo todo. Decide voltar para o aeroporto em

Chicago, o qual também encontra-se num verdadeiro caos.

Rayford volta para casa e não encontra seu filho e sua mulher. No quarto

encontra a camisola da esposa, junto com um colar (com pingente de cruz) e a aliança

(nova cena que mostra que somente o corpo sumiu, os bens materiais ficam todos).

Buck necessita ir para Nova York tentar descobrir o que está acontecendo com a

ajuda de seu amigo Dirk; para isso, tenta encontrar um piloto particular.

Num saguão, Ken Ritz (piloto particular) está oferecendo seu serviço para quem

pagar mais, numa espécie de leilão; as pessoas oferecem um valor e fala um nome de

cidade para onde querem ir. Buck chega e oferece 25 mil dólares para Ritz levá-lo a

Nova York. Sua oferta é aceita e os dois partem para Nova York. Ritz diz que o sumiço

das pessoas deve ser causado por alienígenas, e depois conta que ouviu no rádio uma

história bíblica em que havia dois homens no campo: um deles era levado, o outro,

deixado. Buck não dá crédito para a história da Bíblia e pergunta: o que teriam em

comum as pessoas que desapareceram? Será que todas as crianças e adultos teriam o

mesmo tipo de sangue? Ou seriam as ondas cerebrais? Ken Ritz questiona: as pessoas

sumiram para sempre ou vão voltar? Ou: outras pessoas ainda podem desaparecer?

Buck tenta encontra algo comum, e acha que o ponto comum talvez esteja nas

pessoas que foram deixadas para trás.

Em sua casa, Rayford procura por uma resposta; vê a Bíblia de sua esposa,

começa a lê-la e a pensar em que sua esposa acreditava.

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Em Nova York, Buck vai ao apartamento de seu amigo Dirk e o encontra morto.

Pega o conteúdo no relógio e vê que o computador está ligado. Ao se aproximar para

acessar a informação o computador explode, atingido por uma bala. Buck foge

desesperado.

Em Chicago, aparece o pastor Bruce Barnes no templo vazio de sua igreja. Ele

está desiludido porque durante muitos anos pregou naquele púlpito sem acreditar no que

dizia, e agora via que era tudo verdade e ele ficara para trás. Começa a pedir perdão a

Deus orando e chorando. Rayford se aproxima, tendo escutando boa parte de seu

lamento e sugere que ele pode ter ficado para ajudar as pessoas que não foram levadas.

O pastor Bruce Barnes pega uma fita de vídeo e mostra um reverendo falando sobre

pessoas que desaparecerão subitamente, num piscar de olhos, sem que alguém saiba

para onde elas foram.

Buck vai ao apartamento de duas amigas e vê o conteúdo do CD que pegara de

Dirk. Ele contém mapas e siglas: EZ38, DAN7, o templo da cidade de Jerusalém.

Num escritório em Nova York, o Sr. Nicolae Carpathia mostra o mapa para o

Dr. Rosenzweig, que fica impressionado e declara que tudo se encaixa perfeitamente; no

mapa está o templo judaico construído ao lado da mesquita de Omar.

No apartamento de suas amigas, Buck continua vendo o diagrama do templo de

Salomão gravado no CD de Dirk, declara que é preciso juntar as peças do quebra-

cabeça, fazer uma ligação entre o templo, as dez faixas de terras e os aviões destruídos,

e que tudo deveria estar ligado aos banqueiros Stonagal e Cothran.

Rayford procura sua filha e diz que sabe onde estão sua esposa e filho. Chloe

fica surpresa e interessada em saber onde eles poderiam estar. Quando seu pai informa

que eles estão no paraíso com Deus, Chloe se mostra irritada; seu pai tenta acalmá-la e

fala sobre a fita, pedindo que ela assista.

Nicolae fala na TV que a causa dos desaparecimentos fora o acúmulo radioativo

de décadas de testes nucleares. Então, propõe o total desarmamento mundial,

informando que está trabalhando com o Dr. Chaim Rosenzweig para um acordo de paz

da ONU e com um programa para que todas as bocas do mundo possam ser

alimentadas. Buck assiste ao pronunciamento.

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No apartamento, as amigas de Buck descobrem que as terras pertencem à ONU e

são parte do plano de paz e desarmamento, e que em Israel há um centro de pesquisa

arqueológica mantido pelas empresas de Stonagal e Cothran.

Buck encontra-se com Alan Thompkins, agente da CIA, num bar, que o informa

que Stonagal e Cothram têm emprestado bilhões à ONU durante anos, e que vão cobrar

a dívida na Justiça. Buck fica surpreso ao constatar que os banqueiros querem a falência

da ONU para poderem controlar a distribuição mundial de alimentos.

Quando estão saindo do bar, uma mulher detém Buck pedindo-lhe dinheiro.

Alan vai para seu carro; quando da partida o carro explode matando Alan e deixando

Buck um pouco ferido.

Buck chega à casa de Rayford pedindo ajuda. Chloe e Rayford levam-no à

enfermaria da igreja. Começam, então, a falar sobre os desaparecidos e mostram a fita

do reverendo que fora feita há três anos. Buck hesita em acreditar; todavia, o pastor

Bruce abre a Bíblia em Ezequiel 38, dizendo que tudo que está acontecendo já fora

previsto. Israel fora atacado e o próprio Deus o defendeu. Buck pergunta o que a Bíblia

diz sobre as dez faixas de terra. O pastor Bruce responde que está escrito em Dn 7: o

Anticristo controlará dez reinos, ou seja, o mundo. 1Ts 4,17 fala sobre o arrebatamento,

e 2Ts 2,7, do surgimento do Anticristo, que vai se sentar no trono de Deus e se declarar

Deus. Buck se opõe: se o templo de Deus era o templo de Salomão, sua reconstrução

seria impedida pelos árabes, uma vez que a mesquita de Omar está no lugar. Entretanto,

o pastor é categórigo e diz que eles firmarão um acordo de paz por sete anos, conforme

está escrito em Dn 9,27. Buck diz ser incrível, embora tudo esteja se encaixando. Sai

dizendo que é necessário fazer alguma coisa, e vai para a sede da ONU.

Chegando lá, encontra-se com o Dr. Rosenzweig e explica que ele está sendo

enganado, mas o outro argumenta dizendo que sua fórmula irá para uma comissão da

ONU. Buck explica que os banqueiros vão ficar com tudo quando a falência da ONU

for declarada, e ambos saem para falar com Nicolae.

Carpathia se mostra surpreso e diz que vai resolver a questão. Buck vê na mesa o

mapa e pergunta ao Dr. Rosenzweig o que significa aquilo, e ouve que é a planta de

reconstrução do templo, e que o verdadeiro lugar do templo é ao lado da mesquita, a

harmonia perfeita.

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Nicolae volta avisando que vai anunciar a distribuição mundial de alimentos

junto com a construção do templo, dando início aos sete anos de paz. Buck fica

paralisado ao lembrar da conversa que teve com o pastor Bruce.

Buck então começa a acreditar em tudo o que ouviu do pastor. No banheiro,

começa a falar com Deus e a pedir perdão por sua incredulidade, e direção quanto ao

que fazer. Chloe e o pai oram por ele na igreja. Ao sair do banheiro, encontra com

Nicolae, que o convida para participar de uma reunião, antes da entrevista à imprensa.

Na sala de reunião, todos estão em volta de uma grande mesa redonda. Nicolae

fala sobre a comunidade global, as dez faixas de terra que serão controladas pelos

delegados da ONU, o início de sete anos de paz.

Enquanto Nicolae fala, Buck vai lembrando da conversa com o pastor: �Isso será

o começo do surgimento do Anticristo que controlará dez reinos, isto significa o mundo,

o Anticristo se sentará no trono de Deus e se declarará: Deus...�.

Nicolae continua seu discurso e demonstra ter domínio sobre as mentes das

pessoas. Pede a arma do segurança e mata Cothran; logo em seguida, contando uma

versão para o assassinato, mata Stonagal, dizendo que este matara Cothran e se

suicidara, porque Stonagal era um homem atormentado por culpa e medo, e ficara

apavorado quando soube que ia ser denunciado por Buck, sabia que seus planos tinham

sido descobertos e ele iria perder tudo, estaria destruído, arruinado. Na sequência, dois

tiros são ouvidos, do lado de fora da sala de reunião, e dois guardas entram correndo; na

sala as pessoas estão atônitas, chorando e gritando, como numa espécie de hipnose.

Buck não acredita no que está vendo, pois somente ele não fora hipnotizado. Procura o

Dr. Rosenzweig e pergunta o que acontecera, e este conta exatamente a história que

Nicolae simulara, de assassinato e suicídio.

Assim Nicolae, cujo nome significa vitória do povo, é visto como o líder que o

mundo procurava. Buck sai pensativo, crendo na Bíblia, sabendo que os próximos sete

anos serão os piores anos que a humanidade já viu, mas com um ar de esperança. Buck

vai ao encontro de seus novos amigos Rayford, Pastor Bruce e Chloe, sabendo que não

tinha todas as respostas, mais crendo na Bíblia e em Deus. A fé seria o suficiente para

passar pelos próximos sete anos.

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3.3. Análise temática do filme Deixados para trás

A análise será feita sobre o primeiro filme da série, pois neste encontra-se o tema

do arrebatamento. O filme foi baseado na série de romances que levam o mesmo nome:

Left Behind, traduzido para o português como Deixados para trás.

O romance da série em que o filme se baseia se apresenta como �uma ficção dos

últimos dias�. Já a resenha na contra-capa do filme esboça a proposta de levar o

espectador a �uma viagem através de um dos mais misteriosos livros da Bíblia, o livro

do Apocalipse�. A narrativa fílmica construiu seu enredo totalmente firmado sobre a

crença no arrebatamento. Esta, uma doutrina escatológica extraída por sua vez da Bíblia

e de seus vários textos proféticos, dá sustentação ao enredo. Alguns textos são chaves

para a sustentação da doutrina, inclusive na vida real, e por isso são citados

explicitamente no filme; outros textos são apenas evocados no decorrer da narrativa, e

somente quem tem um maior conhecimento bíblico é capaz de perceber. De qualquer

forma, por trabalhar com imagens e necessitar de uma condensação maior, a narrativa

fílmica, em comparação com o livro, torna bastante interessante a exposição do que se

espera acontecer num futuro próximo. Também é interessante a maneira como as

imagens e as falas das personagens são ajustadas no todo da obra para dar sentido à

crença. De um modo geral, mudanças e adaptações são feitas na construção fictícia para

que a narrativa tenha um sentido lógico, envolvente e factível, sempre buscando

verossimilhança e coerência com a expectativa existente na doutrina escatológica do

arrebatamento.

3.3.1. O filme: ficção com status de verdade

O filme tem início com uma fala, antes que qualquer imagem apareça.

Naturalmente um filme é constituído de uma série de imagens, as quais podem

produzir variados significados, por isso, é a junção de fala e imagem que conduz ao

significado da mensagem pretendida pelos autores.

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No filme, a realidade objetiva fictícia corresponde à realidade histórica atual, e

se constitui num código que só é possível decifrar tendo em mãos (ou conhecendo) a

Bíblia, pois ela é apresentada como uma verdade única e universal, exposta muitas

vezes em forma profética, através da qual é possível se situar no tempo e no espaço. Já

mencionamos em capítulos anteriores que os adeptos da crença no arrebatamento são

em sua maioria fundamentalistas, pré-milenistas e dispensacionalistas. Tal corrente vê

nas profecias bíblicas a história escrita antecipadamente. Não sem motivo, esta primeira

fala do filme funciona como uma anchorage48, um forma de conduzir o tipo de leitura

que deve ser feita pelo espectador. Eis a fala:

How do you describe both a beginning and an end?

We should�ve know better but we didn�t.

What does it matter what we think we know?

In the end, there�s no denying the truth.

(Como você descreve o início e o fim?

Devíamos ter sabido melhor, mas não soubemos.

O que importa o que pensamos que sabemos?

No fim, não há como negar a verdade.)

A fala dirige-se diretamente ao espectador; a pergunta retórica é uma primeira

forma de envolver o espectador na história a seguir. De uma forma simples e direta,

procura evocar o tema do início e do fim de todas as coisas, talvez certa alusão à

conhecida dúvida filosófica: de onde viemos, para onde vamos? Uma antiga dúvida

humana a respeito da origem e do fim, tanto do mundo como de si mesmo. Com relação

à interpretação fundamentalista bíblica, o início e o fim de tudo, representados nos

livros bíblicos do Gênesis e do Apocalipse, são extremamente importantes. Afinal, o

começo dá as bases e diretrizes, e o fim a consumação de tudo. Por isso, nessa leitura é

imperativo ao homem conhecer o início e o fim, conforme a frase: �Devíamos ter sabido

melhor�. Entretanto, conhecer tal verdade não modifica sua realização, mesmo porque

tal verdade sobre o futuro já está prevista nos planos divinos, sendo, portanto,

irrevogável e indestrutível. O que resta então fazer? Apenas constatá-la e aceitá-la.

Dessa maneira, a ficção procura se impor como uma antecipação dessa verdade

48 Anchorage é um termo usado por Roland Barthes para designar o texto usado como legenda, geralmente

na propaganda, e que prevê a ligação entre a imagem e o seu contexto; ou seja, o texto direciona a forma

como as imagens devem ser lidas. No caso, tal fala direciona como a ficção deve ser interpretada.Ver em

Barthes, R. Image Music Text. London: Fontana, 1997, apud ROSE, Gillian. Visual Methodologies, A

Introduction to the Interpretation of Visual Materials. California: Sage Publications, 2007.

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indestrutível, inegável e inalterável, que vai sendo descoberta e constatada ao longo da

narrativa por aqueles que antes a ignoravam ou a rejeitavam.

Ao longo da trama é possível perceber como a ficção procura sutilmente

�evangelizar� o espectador, só que não afirmativamente; antes, sublinha o discurso não-

cristão com refutações coerentes e comuns dos que não cultivam a mesma fé. A

personagem Chloe, filha do piloto, é um exemplo do uso desse mecanismo. Sua recusa

em aceitar a fé cristã se dá por argumentos bastante lógicos e taxativos contra o que

parece ser uma fé ultrapassada e dissonante com a realidade da vida. O jornalista Buck

Williams é outro personagem que representa a sensatez científica que não �crê� sem

antes constatar os fatos. A seguir, um trecho do diálogo entre Chloe e seu pai, e uma

fala do jornalista.

Ray descobre que sua esposa e filho foram arrebatados, se converte e comunica a

descoberta (sobre sua esposa e seu filho) a sua filha, que lhe responde:

Chloe: Aren�t you using God as a crutch? (1:00:17)

(Você não está usando Deus como muleta?)

Depois de descobrir que seu pai tinha um caso com uma colega de

trabalho, Chloe sugere que sua aproximação a Deus é por causa da culpa.

Chloe: Are you sure this isn�t just you feeling guilty because of you friend?

(1:05:47)

(Tem certeza que não é apenas por você se sentir culpado por causa da sua

amiga?)

Ray: It�s not about guilt. I can�t� I won�t live without faith anymore, I

won�t.

(Não é sobre culpa. Eu não posso... não quero mais viver sem fé.)

Chloe: Why? Because God will send you to hell? It�s a nice God, he get hell

on earth, and he get hell after.

(Por quê? Porque Deus mandará você para o inferno? É um bom Deus, ele dá

o inferno sobre a terra e depois também.)

O jornalista Buck, antes de receber a explicação do pastor sobre o que a Bíblia

diz sobre as últimas coisas:

Buck: The Scripture are so vague, it can mean anything.(1:13:08)

( As Escrituras são tão vagas, podem significar qualquer coisa.)

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Com estes exemplos é possível constatar que a verdade bíblica proposta pelo

filme é em princípio taxativamente refutada com argumentos comuns, inclusive da vida

real. Entretanto, a seguir estes caem por terra, diante das constatações inegáveis dos

fatos históricos que vão se ajustando perfeitamente às profecias. No filme, portanto, não

há o apelo a uma fé que espera por um futuro melhor, mas sim à que aponta para a dura

realidade que vai se cumprindo. Diante disso, o que se pensa saber já não faz nenhuma

diferença. Por isso, ao fim da trama, Chloe com seu ríspido ceticismo, Buck com seu

racionalismo fatual, e mesmo o piloto Ray, antes tão indiferente à fé, se tornam cristãos,

ao constatarem a verdade bíblica cumprindo-se cabalmente.

3.4. A hermenêutica bíblica do arrebatamento segundo o filme

O principal evento da trama é o arrebatamento da Igreja que dá nome ao filme,

embora o título Deixados para trás enfatize as pessoas que ficam, e não as que são

levadas. Assim, com dois eventos enigmáticos (o ataque a Israel e principalmente o

arrebatamento de milhares de pessoas) instaura-se a busca que as personagens principais

deverão empreender no desenvolvimento da trama. O piloto Rayford Steele e o

jornalista Buck William seguem caminhos diferentes na busca por uma resposta ao

sumiço das pessoas; o primeiro recorre à fé de sua esposa, também desaparecida, e o

segundo procura entre seus contatos levantar dados que possam lhe trazer a resposta.

Buck, através de seu amigo Dirk Burton � um ex-agente do Pentágono � consegue então

informações a respeito dos últimos acontecimentos, mas sua compreensão dos dados é

insuficiente para que ele encontre também suficiente resposta.

Por estarem em forma de esboço, com abreviações dos livros bíblicos a que

estão relacionadas, apenas quem conhece a Bíblia e a crença respectiva está apto a

decifrá-las.

Por fim, é através de uma fita de vídeo gravada três anos antes do arrebatamento

que ambos (piloto e jornalista) encontram a resposta, não sem antes terem que entender

o que de fato ocorre no cenário político-econômico mundial.

A fita de vídeo contém um discurso explicativo sobre o arrebatamento, em que o

pastor Vernon Billins procura consolar os que foram deixados para trás. A exposição

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dessa fita ocorre em dois momentos no filme: uma para o piloto Rayford, na cena 56:12,

e outra para Buck, na cena 1:12:18, e é nesse momento, com a ajuda do pastor Bruce,

que o enigma do filme é decifrado. O pastor explica ao jornalista o que significam as

informações que ele conseguiu com seu amigo Dirk com base em passagens bíblicas.

Aqui, portanto, nos últimos 30 minutos restantes de filme, é possível perceber como é

feito o uso da Bíblia para apoiar a crença no arrebatamento. Três assuntos principais

figuram na mídia em posse do jornalista: os ataques a Israel, as dez faixas de terra

(pertencentes à ONU) e a futura reconstrução do templo judaico, destruído em 70 EC. A

forma como esses assuntos são extraídos e recortados de diferentes textos bíblicos para

dar formatação a uma nova trama na ficção expõe claramente o funcionamento da

dinâmica interpretativa que ocorre na vida real nesse tipo de crença.

O arrebatamento, então, juntamente com o conteúdo da mídia em poder do

jornalista Buck Williams, dinamizam o filme, sendo as principais pistas do jornalista.

O primeiro elemento dessa busca a ser explicado é o arrebatamento de milhares

de pessoas ao redor do mundo. A gravação deixada por um pastor (também arrebatado)

foi feita três anos antes do evento. Eis seu conteúdo:

Hello, I�m pastor Vernon Billins from the New Hope Village Church. If you

are watching this tape, you�re no doubt confused and let me encourage you.

Your loved ones, your children, your friends, your acquaintances have been

snatched away by some evil force or some invasion from outer space�

(56:12)

(Eu sou o pastor Vernon Billins, da Igreja Nova Esperança. Se você está

assistindo a esta fita, sem dúvida você está confuso; deixe-me encorajá-lo.

Seus amados, suas crianças, seus amigos, seus conhecidos foram levados por

alguma força má ou alguma invasão do espaço exterior.)

You�re watching this tape because millions of people have disappeares,

Babies and Children, still innocent in God�s eyes, have vanished. There is

much to fear but not for those who are missing. They placed their faith in

Christ alone for salvation. They�ve been taken to Heaven by Jesus himself.

First Tessalonians tell us that the Lord himself shall descend from Heaven

with a shout, with the voice of the archangel and with the trump of God and

the dead in Christ, shall rise first! Then, we, who are live and remain, shall be

caught up together with them in the clouds to meet the Lord in the air and so

shall we ever be with the Lord. (1:12:18)

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61

(Vocês estão assistindo a esta fita porque milhões de pessoas desapareceram,

bebês e crianças, ainda inocentes aos olhos de Deus, desapareceram. Há

muito para temer, mas não por aqueles que estão desaparecidos. Eles

colocaram sua fé somente em Cristo para a salvação. Eles foram levados para

os Céus pelo próprio Jesus. Primeira Tessalonicenses nos diz que o Senhor

mesmo descerá do Céu com um grito, com a voz de arcanjo e com trombeta

de Deus, e os mortos em Cristo ressurgirão primeiro! Então, nós que estamos

vivos e ficamos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens a

encontrar o Senhor no ar e assim estaremos sempre com o Senhor.)

O arrebatamento é explicado com base em 1Ts 4,17. Embora algumas ideias

como �foram levados para o céu�, �há muito para temer, para os que ficarem� não

constem no texto, elas são incluídas por causa da crença como um todo. Por outro lado,

o tema da ressurreição dos mortos em Cristo, que se insere no texto de 1

Tessalonicenses, está ausente no desenvolvimento do filme.

Já as outras três imagens enigmáticas: o ataque bélico a Israel, as dez faixas de

terra pertencentes à ONU, a reconstrução do templo Judaico, contidas na mídia, são

explicados pelo pastor Bruce, que também foi deixado pra trás.

O primeiro esboço a aparecer na mídia é o ataque a Israel com um suposto

código (EZ38) à direita inferior. Quando mostrado ao Pastor Bruce, então ele explica

que trata-se da passagem de Ezequiel 38:

God promised to protect Israel against total alienation by her enemies from

the Noth, miraculously. It�s all in there exactly as you witnessed it. (1:13:38)

(Deus prometeu proteger Israel contra a alienação total por seus inimigos do

Norte, milagrosamente. Está tudo lá, exatamente como você testemunhou.)

A explicação do pastor Bruce não cita nenhum versículo bíblico; apenas dá uma

espécie de título para o texto. Na cena fílmica ele aponta o texto de Ezequiel 38 ao

jornalista.

Na realidade, Ezequiel 38 é um oráculo profético contra Gog, um antigo inimigo

do povo de Israel que viria do Norte juntamente com seus aliados. O texto é longo e

continua no capítulo 39. Segundo essa passagem, Deus mesmo suscita esses inimigos

para pôr fim a sua arrogância. O plano mal de Gog terá como propósito despojar e

saquear o povo de Deus, que nessa época já estará reunido novamente, após sua

dispersão no meio dos povos. Esta passagem, portanto, suscita o moderno tema do

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sionismo49, que naturalmente a tem como apoio. Porém, o próprio Deus defenderá Israel

numa forma de engrandecer Seu próprio Nome e se fazer conhecido. O texto de Ez

38,11 dá características a respeito desse povo que será atacado: �E dirás: Subirei contra a

terra das aldeias não muradas, virei contra os que estão em repouso, que habitam seguros; todos

eles habitam sem muro e não têm ferrolho nem portas�. Trata-se, portanto, de um povo

tranquilo e indefeso. Talvez por isso Deus mesmo coloque-se a seu favor de forma

determinante, a ponto do texto usar uma linguagem de destruição apocalíptica no verso

20-22:

De tal sorte que tremerão diante da minha face os peixes do mar, e as aves do

céu, e os animais do campo, e todos os répteis que se arrastam sobre a terra, e

todos os homens que estão sobre a face da terra; e os montes cairão, e os

precipícios se desfarão, e todos os muros desabarão por terra. Porque

chamarei contra Gog a espada, sobre todos os meus montes, diz o Senhor

JEOVÁ; a espada de cada um se voltará contra seu irmão. Contenderei com

ele por meio da peste e do sangue; e uma chuva inundante, e grandes pedras

de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, e sobre as suas tropas, e sobre

os muitos povos que estiverem com ele.

É importante notar que esse texto de Ezequiel possui correlação com Apocalipse

20, uma vez que ambos os textos tratam da batalha do Armagedom, apesar de que no

Apocalipse tal acontecimento se dê após o milênio. Como a ficção diz basear-se no livro

do Apocalipse, a colocação dessa batalha no início do enredo faz crer que esta

dissonância com a profecia bíblica do Apocalipse tem a ver com a construção imagética

que o filme procura formar sobre Israel, bem como tenta sugerir uma maneira pela qual

Deus atrairia a atenção de seu próprio povo para si.

De qualquer forma, ao filme o que realmente interessa nessa passagem é o

ataque contra Israel e o livramento que Deus lhe dá; particularidades do texto e suas

inconveniências à hermenêutica entre o texto e a ficção são preteridas.

Na sequência fílmica o jornalista questiona o pastor Bruce sobre as dez faixas de

terra que aparecem na segunda imagem da mídia. Bruce então responde:

It�s Daniel 7, the rapture: the vanishing. This marks the beginning of the rise

of the Antichrist. He will control ten Kingdoms, which in turn will control

the world.

49 Sionismo é um movimento político internacional judeu que resultou na formação do Estado de Israel, em

maio de 1948, e em sua posterior evolução. Obteve seu nome de Sião (Sion, Zion), um monte nos

arredores de Jerusalém. Fonte: Dicionário Houiass da Língua Portuguesa,http://houaiss.uol.com.br/

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(É Daniel 7, o arrebatamento, o desaparecimento. Isso marca o começo da

ascensão do Anticristo. Ele vai controlar dez reinos, que por sua vez irão

controlar o mundo.)

Nessa resposta o pastor liga as dez faixas de terra, aqui supostamente localizadas

em Daniel 7, com o evento arrebatamento. Tal ligação é completamente arbitrária, uma

vez que inexiste a ideia, termo ou algo semelhante nesta passagem. Diante da

incongruência entre as dez faixas de terra e os dez reinos de Dn.7, Chloe interpela a

conversa:

Yeah, but ten giant tracks of useless real state doesn�t seem like much for

kingdom to me.

(Sim, mas dez enormes faixas imobiliárias inúteis não se parecem muito com

reinos para mim.)

O que realmente relata o capítulo 7 do livro de Daniel é a visão de quatro

animais que simbolizam quatro reinos, os quais se levantariam sobre a terra. O quarto

animal, símbolo do quarto reino, possui dez chifres e, conforme relata a passagem, esses

dez chifres simbolizam dez reis, que também se levantarão sobre a terra. Após esses

reis, surgiria um décimo primeiro rei que �proferirá palavras contra o Altíssimo, e destruirá

os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e eles serão entregues em suas

mãos, por um tempo, e tempos, e metade de um tempo�. Baseada nesse texto50 a ficção criou

a ideia das dez faixas de terra.

Buck então lembra-se da fórmula Éden, que transforma solo improdutivo em

solo fértil, e expõe o plano do banqueiro Justin Stonegal de controlar o suprimento de

alimentação mundial.

Naturalmente, para que a criação fictícia das dez faixas de terra possa fazer

sentido, foi necessário inserir na narrativa a fórmula Éden, porém, não existe alusão ou

menção a ela na Bíblia.

Então, o pastor Bruce continua sua explicação:

Second Tessalonians two, �And the Antichrist will sit in the Temple of God

and he will declare to the whole world that he is God�.

50 É importante lembrar que a leitura fundamentalista da Bíblia data o livro de Daniel na época do império

babilônico e, portanto, interpreta suas visões-proféticas como eventos a serem cumpridos, diferentemente

da leitura liberal, que considera tais profecias como ex-eventum, uma vez que para tal leitura o livro seria do séc. II aEC.

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(Segundo 2 Tessalonicenses, �o Anticristo se sentará no templo de Deus e vai

declarar ao mundo inteiro que é Deus".)

Nesse ponto da explicação, o pastor dá preferência à figura do Anticristo que

aparece em 2Ts 2,4, passagem em que é mencionado como aquele que se assenta no

templo de Deus e quer se passar por Deus. É por esse motivo que o templo deverá ser

reconstruído (para ser profanado), caso contrário, tal profecia não se cumprirá a

contento.

Com a explicação, Buck entende se tratar do templo de Salomão, o terceiro

esboço contido na mídia, e objeta que o Anticristo terá uma grande guerra pela frente

com a reconstrução do templo, uma vez que ele deverá ser construído onde atualmente

encontra-se a mesquita de Omar. O pastor, então, é incisivo:

Listen to what i�m saying to you make no mistake about it. It�s written in the

Scripture. He will rebuild the Temple. I guarantee it.

(Ouça o que eu estou dizendo a você, não se engane sobre isso. Está escrito

nas Escrituras. Ele vai reconstruir o Templo. Eu garanto.)

À insistência de Buck na impossibilidade da reconstrução do templo diante da

oposição dos Árabes, o pastor responde:

Pastor � They�ll make peace with Israel.

(Eles farão paz com Israel.)

Buck � Peace? In the Middle East?

(Paz? No Oriente Médio?)

Pastor � Daniel 9,27: �And he will confirm a covenant with many for seven

years�.

(Daniel 9,27: �E ele confirmará uma aliança com muitos por sete anos�.)

Contudo, em Dn 9 não há menção à reconstrução do templo (há apenas menção

à reconstrução da cidade de Jerusalém), nem tampouco menção a árabes como parceiros

da aliança. Assim, chega ao fim a explicação do pastor Bruce a respeito dos

acontecimentos que, conforme o filme, estão descritos total e previamente na Bíblia.

O jornalista Buck reluta em acreditar e aceitar as explicações, mas concorda que

elas todas estão se ajustando. Sai da reunião disposto a fazer algo a respeito, e a despeito

de todo seu esforço acaba por constatar que realmente a Bíblia está sendo cumprida, e

só lhe resta aceitar a verdade de suas profecias.

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Destarte, o piloto Ray, antes indiferente à fé de sua esposa, Chloe, a jovem de

tendência rebelde e a-religiosa, o jornalista Buck, com sua postura racional, vão sendo

arrastados pela força da verdade que advém da Bíblia, e confirmam o que consta na fala

inicial: �No fim, não há como negar a verdade�.

Com a análise da hermenêutica do arrebatamento, foi possível perceber que não

existe uma �interpretação ortodoxa� do arrebatamento e dos eventos que o seguirão;

antes, toda uma história fictícia é forjada pontuando algumas menções de textos bíblicos

e suas supostas expectações imagéticas. Textos bíblicos de diferentes estilos, épocas e

objetivos são usados para fornecer ideias acerca do enredo do filme, unidos de forma a

fazer sentido. O filme, na verdade, expõe bem claramente como histórias podem ser

forjadas a partir de diferentes textos, usados e manipulados a bel prazer do narrador.

3.5. Conteúdo ideológico: suas ambiguidades e implicações

3.5.1. A centralidade de Israel

As primeiras imagens do filme apresentam a cidade de Jerusalém. Uma

informação textual se une à visual para indicar o Iraque como lugar de onde surgem

inúmeros caças e helicópteros invadindo os céus no que seria um ataque bélico. O

mesmo acontece na fronteira Síria-Israel, só que ali incluindo tanques de guerra, num

combate terrestre. Pelo lado oeste também surgem caças que sobrevoam o mar

Mediterrâneo. Até que os ataques efetivamente atinjam Israel passa-se 3 minutos, o que

a ficção apresenta em tempo real, o que indica sua intenção de ajustar ficção à realidade.

Entretanto, o que nos interessa é a construção imagética que a ficção faz da nação Israel.

Tanto a descoberta científica quanto o ataque surpresa corroboram a imagem de Israel

como uma nação próspera e pacífica, porém alvo do ódio inimigo. Tal imagem está

ligada ao cientista israelense Chaim Rosenzweig, um homem de cabelos brancos que

almeja alcançar a paz para Israel através da descoberta da fórmula Éden, que faz até o

solo desértico florescer. Contudo, vê seus sonhos frustrados pelos repentinos ataques

(que nem ao menos sabe de onde vêm; Israel nem tem tempo de se defender, e somente

por um milagre é que escapa ileso, sem que consiga levantar sequer um avião de

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combate). A ficção impõe, portanto, imagens tais de Israel que não condizem com a

realidade histórica. Na vida real, Israel é uma nação sempre pronta a atacar ou a se

defender; nem sempre suas decisões políticas são pacíficas, mesmo por que há conflitos

políticos em seu próprio interior. Na ficção, há uma construção ideológica do papel e

comportamento de Israel como se fosse sempre positivo. Ele é a nação próspera,

pacífica que possui muitos inimigos (talvez por causa de sua própria prosperidade, que

atrai invejosos), no entanto, Deus está a seu favor e o defende.

Não é sem motivo que o ataque contra Israel buscou inspiração no livro de

Ezequiel 38 � nessa passagem, o próprio Deus intervém em favor de Israel derrotando

seus inimigos e provando seu poder.

Vimos no primeiro capítulo desta dissertação que, na interpretação

dispensacionalista, Israel é claramente distinto da Igreja, o que configura uma

característica marcante desta corrente teológica. Em outras palavras, Israel como etnia,

nação e unidade política jamais deverá ser confundida com a Igreja, e não se deve

entender que as promessas feitas a Israel se apliquem à Igreja e sejam nela cumpridas.

Muito da posição ideológica pró-Israel que aparece no filme, naturalmente, expõe esta

interpretação.

Apesar dessa centralidade, há contudo quem desconfie dessa predileção por

Israel. Rossing51 relata a posição de Gorenberg, um judeu israelita que aponta para o

anti-semitismo dispensacionalista retratado pela série Left Behind quando considera que

apenas judeus que se converterem ao cristianismo serão salvos da tribulação, enquanto

que os restantes passarão por ela, ou mesmo serão dignos de morte. Para Gorenberg, o

perigo maior reside no fato de o valor de Israel estar apenas em seu papel de satisfazer o

cumprimento das profecias, mas caso estas não se realizem conforme as expectativas,

esse valor pode mudar. Da mesma forma, Urban52 identifica anti-semitismo na forma

como a série retrata Israel, como extremamente contumaz em não reconhecer Jesus

como o Messias, enquanto faz dos judeus convertidos ao cristianismo verdadeiros

heróis.

51 ROSSING, Barbara R. The Rapture Exposed: The Message of Hope in the Book of Revelatio. Colorado: Basic Books, 2004, p. 61-62.

52 URBAN, Hugh B. America, Left Behind Bush, the Neoconservatives, and Evangelical Christian Fiction. Journal of Religion & Society 8 (2006), p. 5.

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3.6. A crítica ao capitalismo na ficção

O script do filme faz uma clara crítica ao capitalismo. Por trás de toda

conspiração que dará lugar ao Anticristo está a figura de dois banqueiros. O tema da

unificação se apresenta na trama como um tipo de globalização que facilitará as

atividades futuras do Anticristo. Vejamos as falas.

It´s all about the money, isn´t it? (15:43)

( É tudo sobre dinheiro, não é?)

Dirk Burton, ao relatar sua descoberta sobre os planos dos banqueiros Cothran e

Stonagal, ligados aos ataques a Israel, os centros de pesquisas, os fundos de

investimentos e o câmbio.

Sorry folks, cash only... 25 large! Do I hear 30, anybody? Anybody? Ok, Mr.,

you bought yourself a pilot. (45:60)

(Sinto muito, amigos, apenas dinheiro... 25! Posso ouvir 30, alguém?... Ok,

senhor, você comprou seu próprio piloto)

Ken Ritz, ao oferecer seu trabalho de piloto particular a quem desejasse sair de

Chicago em meio ao caos do arrebatamento. Buck é quem dá a maior oferta e, portanto,

acaba comprando o piloto. A cena expõe a insensibilidade e a ganância humana por

lucro mesmo diante da desgraça alheia.

Follow the money, honey. (59:38)

(Siga o dinheiro, querida.)

Amigas de Buck ao comentar sobre os passos a seguir para decifrar os códigos

nos planos dos banqueiros. Em outras palavras, o dinheiro é um rastro que conduz ao

cerne do problema.

You mean, it´s all about money? (1:09:39)

( Você quer dizer que é tudo sobre dinheiro?)

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Alan Thompkins, ao conversar com Buck sobre o plano dos banqueiros de

cobrar a enorme quantia que haviam emprestado à ONU. Buck então compreende que,

devido à impossibilidade da ONU pagar essa dívida, acabaria por ser decretada a

falência da organização, e os banqueiros se apropriariam das dez faixas de terra

pertencentes a ela.

Assim, a ficção faz uma dura crítica ao poder de controle que o capital exerce

sobre as pessoas. Os banqueiros Cothren e Stonegal representam esse controle no mais

alto grau; seus negócios existem em função da sede de poder que acaba por abrir espaço

para que o Anticristo assuma sua função de controle total sobre os sistemas humanos.

Mesmo pessoas que não pertencem a uma esfera tão alta do sistema, como o piloto Ken

Ritz, procuram tirar o máximo proveito de situações de desgraça e desespero que se

abatem sobre o mundo para auferir lucros. Por outro lado, as roupas e pertences

materiais são deixados para trás no momento do arrebatamento, um claro indicativo de

que os bens materiais não têm mais valor para os que se foram. A crítica ao capitalismo

é uma característica incluída no todo da série Left Behind.

Todavia, essa maneira crítica da série expor o capitalismo tem chamado a

atenção dos pesquisadores na medida em que as críticas e advertências da série estão em

franca dissonância com a postura dos autores e editores da série, na vida real. A série

Left Behind figura entre os inúmeros produtos hoje considerados pertencentes à

chamada indústria do Apocalipse que, segundo pesquisadores como Torin Monahan53,

tem-se desenvolvido para alimentar os temores cristãos de diferentes tipos em relação

ao fim do mundo. Tal multiplicidade de profecias apocalípticas relacionadas com

propagação midiática e fusão com as formas econômicas vigentes têm feito surgir

termos como Capitalismo Milenial54. O termo indica, na verdade, o tipo de prática de

capitalismo neoliberal globalizado, baseado nos princípios da privatização,

responsabilidade individual e direito de consumir (não produzir), e que tem

proporcionado oportunidades para uns sobre a crescente vulnerabilidade de outros. No

campo da divulgação de doutrinas e crenças cristãs, está baseado em profecias bíblicas

atualizadas para o mundo hodierno.

53 MONAHAN, Torin. Marketing the beast: Left Behind and the apocalypse Industry, Media Culture

Society, 2008, p. 813-830. 54 Esse nome provém em parte do fato dessa forma de capitalismo tomar forma na virada do milênio, e em

parte de seu surgimento fazer com que, tanto os que o apoiam quanto os que lhe são contrários, entrem

quase que numa esfera apocalíptica de esperanças e medos. Extraído do site npq.org.

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Segundo o mesmo artigo, parte do mercado de US$ 7 bilhões em produtos

cristãos no EUA advém do vasto comércio de ficção religiosa, como a série de produtos

Left Behind. O sucesso de produtos como este pode ser atribuído, por um lado, à

proximidade com o ano 2000, época sem dúvida propícia a temas escatológicos. Por

outro lado, a distribuição em massa de produtos cristãos tem sido reflexo das mudanças

nas operações e na constituição dos mercados de capitais que efetivamente mudaram

todos os setores de produção e consumo. Garantindo espaço no mercado secular em

grandes cadeias de lojas, o mercado para produtos cristãos aumentou

consideravelmente. Dessa forma, as transformações estruturais na indústria editorial

também foram decisivas para o sucesso dos produtos da série Left Behind. Nos EUA, os

livros da série eram quase que exclusivamente vendidos por comerciantes cristãos, que

foram grandemente prejudicados com a distribuição desses produtos para as grandes

lojas no âmbito secular55. Conforme Fisher56, a editora Tyndale House, da série Left

Behind, aumentou seu faturamento em U$ 135 milhões entre 1998 e 2001 por causa

dessas mudanças. Em seu artigo, Fisher cita a seguinte frase de Kenneth Taylor,

fundador da Editora Tyndale House: �A dificuldade é lembrar que a finalidade do

chamado de Deus para seu editores é promover-lhe a glória, e não fazer dinheiro�57. O

resultado dessas mudanças pode ser comprovado pela variedade de leitores que a série

tem atingido. Frykholm58, em sua pesquisa sobre a cultura do arrebatamento, encontrou

entre seus entrevistados evangélicos e não-evangélicos, crentes no arrebatamento e não

crentes no arrebatamento, mórmons, católicos, batistas, presbiterianos, agnósticos e

outros. Segundo ela, isso é também uma prova de que, quando se trata de

entretenimento, a fé pode ser posta de lado.

Alguns pesquisadores atribuem o sucesso e o lucro de produtos cristãos à

ambiguidade das mensagens religiosas, como ocorre, por exemplo, com a música cristã

que não menciona o nome Jesus em suas letras e, por isso, proporciona um maior

cruzamento dos mercados sagrados e profanos. No caso da música, admite-se que houve

mudanças na mensagem cristã por ela transmitida, bem como a forma como os músicos

veem a música e a si mesmos (como arte); em todo caso, houve uma submissão a

55 No Brasil também é comum a venda desse tipo de produto nas grandes lojas. Adquiri o DVD da série

pelo site das Lojas Americanas. 56 FISHER, A. Five SurprisingYears for Evangelical-Christian Publishing: 1998 to 2002, Publishing

Research Quarterly Summer (2003), p. 20-36. 57 Ibidem, p. 29. 58 FRYKHOLM, A.J. Rapture Culture: Left Behind in Evangelical America. New York: Oxford University Press, 2004. p.7

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70

Mamom pelos cristãos, como afirma Hendershot59. Porém, há pesquisadores que

também atribuem o sucesso da série Left Behind ao padrão polarizado e conservador

(sagrado x secular, salvo x condenado etc.) que as ficções apresentam. Para Drane60,

esse tipo de literatura polarizada e conservadora é reflexo do largo movimento para

homogeneizar e comercializar sistemas de crenças religiosas. Dessa forma, autores e

editores como os de Left Behind seguem a tendência do mercado de massa, explorando-

o para difundir suas crenças e aumentar seus lucros. Por isso tal dissonância entre

consumismo milenial e crítica consumista da série tem sido alvo de forte reprovação.

Mesmo porque seu sucesso, bem como a validação da interpretação dispensacionalista,

têm sido usados para promover a veracidade de suas profecias. Já para seus autores a

série é parte de sua missão, conforme podemos constatar no site da série:

Since the Left Behind series began in 1995, we have personally heard from

over 3,000 people who tell us they have become believers through reading

the series.61

Destarte, nestas poucas linhas são evidenciadas as principais dissonâncias entre a

ficção e a realidade: na primeira, a economia do mundo serve aos interesses do mal,

enquanto na segunda a indústria do Apocalipse está totalmente integrada à economia

capitalista e é prodigamente lucrativa, o que, para Monahan62, valoriza perigosamente a

lógica da economia neoliberal, a ponto de elevá-la ao nível do sagrado.

3.7. A imagem negativa a respeito dos árabes

As cenas iniciais (1:50-5:20) mostram que parte do ataque bélico contra Israel

provém do Iraque, ao leste, e da Síria, fronteira norte de Israel. São países que tanto

atacam quanto cedem seus territórios aos aliados para que estes ataquem. Nesse aspecto,

a ficção corresponde à vida real; tais países são, de fato, opositores de Israel.

59 HENDERSHOT, H. Shaking the World for Jesus: Media and Conservative Evangelical Culture.

Chicago: University of Chicago Press, 2004, p. 52-64. 60 DRANE, J. The McDonaldization of the Church. London: Darton, Longman and Todd, 2000, apud

MONAHAN, Torin. Marketing the beast: Left Behind and the apocalypse industry, Media Culture

Society, 2008, p. 813-830. 61 Extraído do site www.leftbehind.com, no espaço onde os autores colocam seus testemunhos. 62 Ibidem, p. 827.

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71

Na cena 22:00, os banqueiros que lideram e controlam o suprimento mundial de

alimentos retratam em seu diálogo os árabes como os grandes opositores de seu plano

de esforço humanitário para acabar com a fome no mundo.

Cothren � And who will deliver to the Arabs? Their children cried from

hunger and yet, they still chose war.

(Quem entregará aos arabes? Suas crianças choram com fome e, no entanto,

ele escolhem a guerra.)

Stonagal � But I�ve rearranged some shipments. When their children die of

hunger, the Arabs will cry for peace. It´s all coming together perfectly.

(Mas, eu reajustei alguns carregamentos. Quando suas crianças morrerem de

fome, os árabes gritarão por paz. Tudo está acontecendo perfeitamente.)

Destacamos a imagem negativa a respeito dos árabes, porque tais falas, na

verdade, são indiciárias no sentido de que estão inerentemente ligadas à visão

dispensacionalista e sua promoção de ideologias.

Rossing63, por exemplo, considera a maneira cristã fundamentalista

dispensacionalista de compreender as profecias em relação a Israel e Palestina uma

perigosa questão, que precisaria ser mudada urgentemente. Para ela, pessoas reais estão

exposta à destruição, e cada vez mais distantes do cristianismo, porque cristãos

americanos, no afã de seguir o script dispensacionalista para o Oriente Médio,

promovem políticas estrangeiras prejudiciais a palestinos em favor de Israel. Acreditam

que guerra e conflitos estão previstos para o fim do mundo. Tal mentalidade tem

incentivado guerras e violências que claramente devem ter Israel como vencedor e

palestinos como perdedores. Visões triunfalistas para Jerusalém e o povo judeu não

faltam nos livros proféticos. Como é costume do sistema fundamentalista

dispensacionalista colar textos para forjar enredos proféticos, é uma constante ler todo

os acontecimentos no Oriente Médio por esta lente.

Um assunto que expõe claramente esse tipo de problemática é o sionismo. O

movimento foi fundado formalmente em 1897, e sempre teve sua ala cristã64. Contudo,

63 ROSSING, Barbara R. The Rapture Exposed: The Message of Hope in the Book of Revelatio. Colorado:

Basic Books, 2004, p. 47-49. 64 O movimento cristão sionista se estabelece no final do séc. XIX, e um de seus principais ícones é William

Blackstone, um magnata americano de fé metodista conhecido por sua incansável atividade em prol do

restabelecimento da nação judaica em Israel. Blackstone passou a empreender esforços em prol do

restabelecimento do Estado de Israel motivado por sua visão dispensacionalista da profecia bíblica. Foi

colaborador pessoal de líderes pré-milenistas, tais como D. L. Moody, James H. Brookes e Horatio Spafford, este que, por fim, fundou a colônia americana em Jerusalém. Em 1908, Blackstone publicou o

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Rossing alerta para o fato de que o problema não é acerca do sionismo tradicional, que

objetivava o direito dos judeus de ter sua própria pátria, onde pudessem ser livres e

independentes. O problema reside num tipo de sionismo cristão movido por profecias

apocalípticas dramáticas, movidas a guerras e violências, e que funcionam como um

jogo entre Israel e seus inimigos, em que cristãos sionistas investem suas táticas e bens

para que Israel vença. A ideologia cristã sionista é amplamente divulgada por livros

como o de Hal Lindsey, bem como atualmente por livros e produtos evangélicos da

série Left Behind de Lahaye e Jenkins, entre muitos outros. Infelizmente, é interpretando

a Bíblia que eles esperam mais e mais guerras e violência para o Oriente Médio, até

culminar no Armagedom. A origem de tudo isso reside na escolha de textos proféticos e

apocalípticos que retratam guerra e violência para estruturar sua crença. O filme expõe

isso de forma clara: o arrebatamento baseia-se em 1Ts 4,17, uma passagem que não faz

parte de um cenário apocalíptico envolto em guerras e violências; antes, é

principalmente um texto de consolo. Entretanto, tanto a ficção quanto a doutrina real

criam um cenário futuro todo estruturado sobre textos proféticos-apocalípticos65 do

Antigo Testamento com forte conteúdo bélico, como é o caso de Ezequiel 38, e as

dramáticas visões de Daniel 7 e 9.

Outros pesquisadores, como Hugh B. Urban66, veem nesse tipo de crença e

postura, em que um Novo Milênio de governo divino é iniciado com guerra

apocalíptica, um alinhamento muito forte com as políticas de afirmação da hegemonia

americana, em grande parte dominando o Oriente Médio e seus recursos petrolíferos,

adotadas, por exemplo, no governo Bush � principalmente considerando que autores

como Tim Lahaye pertencem à direita conservadora americana. Na mesma linha, Melani

McAlister67

sublinha um recrudescimento do sionismo cristão americano, com forte influência na administração Bush,

principalmente após o ataque terrorista de 11/09/2001, e sua perigosa política contra o terrorismo. Seu artigo sublinha ainda

que a visão fundamentalista de Left Behind faz a Palestina e os palestinos se tornarem literalmente invisíveis, e varrem-nos

do imaginário evangélico, no que são seguidos por grande parte de seus leitores americanos.

livro Jesus is Coming (Jesus está voltando), que se tornou best-seller com a venda de mais de um milhão

de cópias em três edições e foi �traduzido para trinta e seis idiomas�. Blackstone pode ser considerado o Hal Lindsey de seu tempo. Chegou a ter centenas de exemplares do Novo Testamento impressos em hebraico, os quais foram levados para Petra (atual Jordânia) e lá estocados a fim de que os judeus

remanescentes pudessem conhecer o caminho da salvação durante o tempo da grande tribulação. Fonte:

http://www.beth-shalom.com.br/artigos/william_blackstone.html. 65 A característica metafórica dos textos apocalípticos sempre aumenta e dá vivacidade ao cenário que

descrevem. 66 URBAN, Hugh B. America, Left BehindBush, the Neoconservatives, and Evangelical Christian Fiction.

Journal of Religion & Society Vol. 8, 2006, p. 1-15. 67 MCALISTER, Melanie. Prophecy, Politics and the Popular: The Left Behind Series and Christian

Fundamentalism�s New World Order. South Atlantic Quarterly 102, 4, p. 773-98.

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As ideologias e ambiguidades detectadas nas análises da série estão todas

relacionadas à cultura norte-americana, que é o paradigma do sistema fundamentalista

dispensacionalista. Entretanto, em outros países como o Brasil, embora não haja

influências quanto à política externa, há as mesmas ideologias e ambiguidades

características das leituras fundamentalistas da Bíblia. Por exemplo, uma excessiva

valorização da cultura judaica, um profundo desconhecimento do ponto de vista

palestino, uma visão negativista do futuro na terra, a ponto de evitar o engajamento

social, em alguns casos um cinismo em relação ao sofrimento humano etc.

3.8. Fusões em texto-imagem: a consolidação de uma crença

Se signo é tudo o que exprime ideias e provoca na mente daqueles que o

percebem uma atitude interpretativa68, então facilmente pode-se entender porque os

signos são tão importantes no ramo do cinema. Afinal, quanto melhor os signos são

usados, mais informações estes podem gerar, já que é impossível abordar tudo que eles

representam por meio de texto.

A imagem de uma cidade, por exemplo, pode suscitar inúmeras interpretações,

mesmo porque deve-se levar em conta a subjetividade do receptor; contudo, se tal

cidade for Jerusalém, dificilmente poderá ser dissociada da ideia de religião. Sendo

considerada por séculos Terra Santa, sua imagem remete a importantes lugares de

peregrinação para as três principais religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e

islamismo. Impossível ver ou falar de Jerusalém sem lembrar os séculos de história e

conflitos religiosos que ela presenciou e, por que não dizer, que presencia até os dias

atuais. Isso sem mencionar o território em que está localizada (Israel-Palestina), palco

de constantes conflitos (étnicos, ideológicos etc.). Nesta análise, focada na leitura

fundamentalista da Bíblia, qualquer imagem ou menção a Jerusalém69 ou Israel é

importantíssima, pois é para lá que os olhos devem estar voltados se há o desejo de se

conhecer os acontecimentos dos últimos dias. O fundamentalismo considera Israel o

relógio do mundo, isto é, um indicador dos acontecimentos no espaço-tempo da

humanidade. Nesse sentido, os fatos históricos atuais, sejam políticos, econômicos,

68 JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus Editora, 2008, p. 29. 69 Note-se que a existência e localização de Jerusalém é central tanto para o enredo do filme quanto para a

crença dispensacionalista; no entanto, no arrebatamento paulino essa relação é inexistente.

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religiosos etc., que acontecem com Israel refletem antigas expectativas proféticas

bíblicas, tanto para ele mesmo (Israel) quanto para o mundo. Logo, sem compreender o

que se passa com Israel, também não se consegue entender a história do Homem. Por

extensão, a imagem de Israel não é apenas um indicador, mas, devido ao povo que

representa (o �povo de Deus�), passa a ser um símbolo do que muitas vezes acontece

(ou deveria acontecer) com os crentes em geral.

Um símbolo como a cidade de Jerusalém pode evocar mais do texto bíblico do

que se possa exprimir.

3.8.1. Dinâmica texto-imagem e suas consequências para a significação da vida

Pela análise percebe-se uma ampla interação entre texto e imagem. Pode-se até

dizer que, �na medida em que os textos vão explicando as imagens, as imagens, por sua

vez, vão ilustrando os textos�70. Contudo, ao seguirmos a reflexão flusseriana, temos de

admitir num primeiro momento que os textos favorecem a conceituação71, enquanto que

as imagens favorecem a imaginação72. Com isso, à medida que se privilegia a dialética

texto-imagem, a imaginação vai se tornando conceitual, e a conceituação, sempre mais

imaginativa. Parece ser essa a dinâmica que fornece as bases para a construção de

crenças e ensinamentos que já não fazem uso da adequação aos textos e sim da imagem

que deles se pode extrair. Ironicamente, num meio que preza a �fidelidade� ao texto (o

que para Flusser seria textolatria), este é usado como fonte depositária de imagens que

serão aproveitadas conforme dão sentido ao enredo. O perigo maior parece residir ao

lado do observador das imagens técnicas (aqui o filme) que, segundo Flusser73, vê tais

imagens como se fossem janelas, quando deveriam vê-las como símbolos que são, como

o são todas as imagens. Assim, se um filme é visto como uma realidade conceitual e não

em seu caráter de imagem simbólica, é possível que a interpretação que ele favoreça já

não tenha mais nada a ver com o texto que lhe serviu de base. Agora sua função é servir

de referencial interpretativo para a leitura e interpretação desses textos. De fato, se

70 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta, ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de

Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 66. 71 Capacidade de compor e decifrar textos. 72 Capacidade de compor e decifrar imagens. 73 Ibidem, p. 14.

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alguém tentar a partir do filme para escrever um texto, se deparará com uma nova

narrativa, totalmente diferente daquela que se supõe estar em sua base.

3.8.2. O uso de signos como produtores e sustentadores de ideologias

Sintética e superficialmente, pode-se refletir sobre os signos imagéticos como

geradores ou mesmo promotores de ideologias. Para a filosofia flusseriana, a definição

ontológica de imagem técnica é a seguinte: uma abstração de terceiro grau, uma vez

que �são imagens que imaginam textos que concebem imagens que imaginam o

mundo�74; pode-se intuir que a essa fluidez de ideias subjaz um sistema que abrange

interesses, compromissos, convicções de vários aspectos. Sendo assim, a obra final

estará realizada não sem um critério de escolhas que possam atender a convenções

intencionais. Em outras palavras, ela opta por algum tipo de ideologia. Nesse sentido,

imagens nunca refletem puramente a verdade de um texto; elas fatalmente usam do

texto para fabricar e reforçar cosmovisões. De algum modo, o que move ou sustenta as

interpretações são sistemas de ideias, e não simplesmente a �verdade� do texto. Sem

querer emitir juízo de valor a respeito de uma ou outra forma de ideologia, posto que

esta sempre existirá, importa atentar para o perigo de acriticamente não perceber efeitos

paralisantes num tipo de ideologia determinista, por exemplo, que podem ocorrem sobre

o receptor das imagens.

Alguns tipos de ideias têm sido alvo de crítica75 nesse tipo de leitura divulgadas

pela série Deixados para trás. Pode-se, por exemplo, distinguir duas, a partir de suas

teologias de condenação e determinista: a teologia de condenação, por trabalhar muito

com o eixo recompensa-castigo, salvos-perdidos, e a teologia determinista, por

transmitir a ideia de que os eventos da história humana estão rigidamente demarcados

na Bíblia, não havendo nada a fazer para alterá-los, a não ser esperar por sua realização.

Contudo, o aprofundamento dessas questões é possível apenas na consideração geral da

série, o que escapa ao objetivo de nossa dissertação. As poucas cenas analisadas apenas

74 Ibidem, p. 13. 75 Como são encontradas no livro The Rapture Exposed: The Message of Hope in the Book of Revelatio, de

Barbara R. Rossing, e no artigo Marketing the Beast: Left Behind and the Apocalypse Industry, Media

Culture Society, de Torin Monahan.

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evidenciam e exemplificam que existe no conjunto da obra uma seleção e ordenamento

de signos conforme o propósito de seus idealizadores.

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77

Capítulo IV

4. Análise e crítica de textos fundantes

4.1. Exegese de 1 Tessalonicenses 4,13-18

4.1.1. Crítica textual

Uma vez que estamos lidando com um texto antigo, do qual não se dispõe mais

do original (autógrafo), faz-se necessário atentar para as mudanças ou possíveis

alterações ocorridas ao longo do tempo na perícope analisada. A nossa perícope não é a

que contém mais alterações, contudo, possui algumas. Fiz o levantamento para verificar

a possibilidade de alteração na interpretação da mesma, e parti da 27a edição do Novum

Testamentum Graece, de Nestlé-Aland.

Os termos que apresentam alteração em diferentes manuscritos são

respectivamente: qe,lomen, koimwme,nwn, Kuri,ou, prw/ton, avpa,nthsin, su.n. Como

veremos a seguir, existe alteração, substituição, transposição etc. em relação a essas

palavras.

No v.13, a palavra qe,lomen (queremos) é substituída por qe,lw (quero) em

alguns manuscritos minúsculos, em um lecionário, em poucos manuscritos da Vulgata,

nas versões siríacas e em citações textuais de Agostinho. A palavra koimwme,nwn (os que

dormem) é substituída por kekoimhme,nwn (os que adormeceram) no Códice Beza (D),

em dois manuscritos unciais (F e G), no Códice Laurense (ø), no Minúsculo 1881, no

Texto Majoritário, e também numa série de manuscritos que forma um grupo de leituras

variadas.

No v. 14, a expressão kai. o Qeo.j é transposta em pouquíssimos manuscritos.

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No v. 15, a segunda ocorrência de palavra Kuri,ou é substituída pelo substantivo

Ihsou no Códice Vaticano (B).

No v. 16, o termo prw/ton aparece como prw/toi no Códice Beza (D) corrigido,

nos unciais F e G, e em textos de Tertuliano e Eusébio de Cesareia.

No v. 17, a expressão oi perileipo,menoi é omitida nos unciais F e G, em

manuscritos latinos avulsos, em Tertuliano, Ambrosiaster, e Pseudo-Agostinho. A

palavra avpa,nthsin aparece como uvpa,nthsin no Códice Beza primeiro, e nos uniciais F e

G. A preposição su.n é substituída por en no Códice Vaticano.

No v. 18, é adicionado o termo tou pneumatoj no Minúsculo 1739 corrigido,

entre outros poucos.

Nessa breve análise, é possível perceber que as divergências são principal e

provavelmente de dois tipos: erros involuntários ou de distração, como, por exemplo,

nos versos 13 e 16, e erros intencionais para explicar termos, como nos versos 14 e 18.

De uma forma geral, tais alteração não são significativas a ponto de promover

interpretações antagônicas ou anormais, além do que evidencia-se uma vasta quantidade

de testemunhas da perícope, bem como da carta inteira. Outrossim, a carta de 1

Tessalonicenses, conquanto seja considerada o mais antigo escrito do NT, não possui

alterações significativas com passar do tempo.

4.1.2. Delimitação

A delimitação da perícope de 1 Tesssalonicenses 4,13-18 é facilmente

perceptível, já que a mudança de assunto é bastante clara no conjunto da carta.

O verso 13 inicia claramente um outro assunto diferente do anterior. No verso

12, final da perícope anterior, a orientação de Paulo contempla a problemática da vida

cotidiana cristã, que dever ser pautada pelo amor fraternal, pela vida tranquila e

honrada, e que não pese aos outros. É um tipo de orientação recorrente nas cartas

paulinas aos Tessalonicenses.

No verso 13, o primeiro de nossa perícope, inicia-se claramente outro assunto;

uma outra pauta surge como preocupação paulina. O tema aqui passa a ser a morte,

como evento de separação entre vivos e mortos, e a vinda do Senhor, o que inclui a

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ressurreição, tópico também bastante comum no corpus paulino. Paulo muito

provavelmente observou uma atitude de aflição e desespero nas pessoas que perdiam

seus entes queridos, a ponto de se desesperarem diante da possibilidade de nunca mais

tornar a vê-los. Ora, Paulo não quer que os crentes sofram com tal aflição. Assim,

procura consolá-los identificando o destino do cristão com o destino do Cristo, já que o

que aconteceu com Cristo acontecerá com aquele que nele crer, independente da

situação em que se encontrar na época (vivo ou morto). Caso esteja morto, ressuscitará

primeiro; caso esteja vivo, será transformado. A menção da vinda do Senhor não é o

motivo principal da escrita dessa perícope; ela entra como adendo ao assunto da

consolação ante a morte. Por isso, Paulo não se atém a pormenores escatológicos, antes

parece citar um tipo de gênero literário que evoca expectativa. Algo como um topos76

usado quando se mencionava a vinda de Cristo.

O verso 18, último da perícope, finaliza nitidamente o assunto iniciado no verso

13 reforçando o motivo da consolação pelo qual a perícope foi escrita. O restante da

carta, que tem continuidade no capítulo 5, muda o foco até então vigente, sobre a

esperança de rever os mortos, e passa a tratar do caráter repentino dessa vinda, o que

deverá causar ou estimular a vigilância do cristão. Esse aspecto da vinda parece ser mais

um reforço do assunto já falado do que uma resposta a questões da igreja. De qualquer

forma, o motivo que levou Paulo a escrever essa perícope é o esclarecimento acerca da

situação dos mortos quando da vinda do Senhor. Há certo consenso a respeito de uma

preocupação dos tessalonicenses a respeito dos mortos serem prejudicados na vinda de

Cristo. Assim, Paulo cita a morte e ressurreição de Jesus como exemplo do que

acontecerá aos que nele creem. A sugestão de que alguns em Tessalonicenses

cogitassem que apenas os vivos participariam da vinda do Senhor, motivo pelo qual

estavam tristes e sem esperança, leva Paulo a esclarecer que, antes de Cristo vir buscar

os vivos, será necessário a ressurreição dos mortos, de modo semelhante à ressurreição

e ascensão de Cristo. Aí sim todos juntos estariam para sempre com o Senhor.

76 O termo topos no grego significa lugar. Para os teóricos de literatura, designa um conceito geral que serve

para articular um argumento ou história, ou seja, faz parte de uma tradição cultural ou literária que se

torna domínio comum, convencional, e gera vários episódios ou reflexões.

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4.1.3. Contexto maior

A perícope em voga está inserida em uma carta, um dos principais instrumentos

usados por Paulo para a organização de igrejas. O uso da carta como meio de

comunicação era bastante comum no mundo greco-romano, principalmente porque se

podia contar com as várias estradas e a relativa segurança que o império proporcionava.

As cartas de uma forma geral possuíam o seguinte formato: endereço e saudação, corpo

e conclusão. Como nossa intenção aqui é localizar o contexto maior em que se encontra

a perícope, este formato a princípio nos servirá como mapa. Assim, localizamos nossa

perícope inserida no corpo da carta, e ressaltamos sua característica de parênese

(exortação), propriamente dita, aos tessalonicenses.

4.1.4. Tradução formal

13 Não queremos também que ignoreis, irmãos, a respeito dos que dormem,

para que não aflijais como os restantes, os que não têm esperança.

14 Se, pois, cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também

Deus, aos que dormem em Cristo, conduzirá com ele.

15 Isso, de fato, vos dizemos por palavra do Senhor, porque nós, os vivos,

os que restarmos para a vinda do Senhor,

definitivamente não precederemos os que adormeceram.

16 Porque o mesmo Senhor,

em grito de comando, em voz de arcanjo e em trombeta de Deus

descerá do céu e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.

17 Então nós, os vivos, os que restarmos,

juntamente com eles seremos apanhados em nuvens

para o encontro do Senhor no ar, e assim sempre com o Senhor estaremos.

18 Portanto, exortai-vos uns aos outros com estas palavras.

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V. 13: Ouv qe,lomen de. uma/j avgnoei/n( avdelfoi( peri. tw/n koimwme,nwn (não

queremos que vós ignoreis, irmãos, a respeito dos que dormem). A palavra qe,lomen em

conexão com avgnoei/n e avdelfoi ocorre seis vezes nas cartas paulinas (no singular: Rm

1,13; 11,25; 1Cor 10,1; 12,1 e 1Ts 4,13; no plural: 2Cor 1,8). Vejamos:

Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem,

para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. (1Ts

4,13)

Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na

Ásia, pois que fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos

suportar, de modo tal que até da vida desesperamos. (2Cor 1,8)

Não quero, porém, irmãos, que ignoreis que muitas vezes propus ir ter

convosco (mas até agora tenho sido impedido) para também ter entre vós

algum fruto, como também entre os demais gentios. (Rm 1,13)

Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais

de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a

plenitude dos gentios haja entrado. (Rm 11,25)

Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo

da nuvem; e todos passaram pelo mar... (1Cor 10,1)

Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes. (1Cor

12,1) 77

Por isso, a frase é considerada uma fórmula introdutória para exortações e

ensinamentos, o que de fato é confirmado na retórica paulina. Nessa fórmula, o querer

de Paulo, e algumas vezes o de seus companheiros de ministério, se liga ao modo de

trato (avdelfoi), expressando preocupação fraternal com a coletividade. Trata-se,

portanto, da retórica da casa no cristianismo paulino. Não há uma ordem

categoricamente firmada na autoridade apostólica ou coisa do tipo. Antes, prevalece

certa preocupação paternal ou mesmo maternal, conforme ele mesmo fala em 1Ts

2,7.11, de quem quer instruir com amor e afeto seus filhos e, ao mesmo tempo, se

incluir entre os da comunidade ao chamá-los de irmãos.

Optei pela tradução da conjunção de pela conjunção aditiva também, em vez de

porém, como ocorre na Almeida Revisada, uma vez que a conjunção aditiva também

reforça adequadamente a ideia de que esta perícope trata de um tema diferente e

77 Todos estes versículos encontram-se na versão Almeida Revista e Corrigida.

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independente do anterior e, portanto, se iguala em importância aos temas anteriores e

posteriores a ele.

O infinitivo avgnoei/n do verbo avgnoeù, �não saber� ocorre 21 vezes no NT,

sendo que 15 vezes ocorre em Paulo. Segundo o DITNT78, avgnoeù é empregado contra

o pleno pano de fundo do conceito grego de conhecimento (ginoskù), e é mais do que

um lapso mental, visto que pode também significar �cometer um erro ou estar

enganado�. Das seis vezes em que a expressão acima aparece em Paulo, o �não ignorar�

aponta para o sentido de conhecer o sofrimento e tribulação do Apóstolo em seu

ministério, o que deveria consolar a igreja. Nas outras vezes em que aparece, incluindo

1Ts 4,13, Paulo está explicando não necessariamente algo novo, mas ensinando os

ouvintes a interpretar corretamente um fato ou acontecimento que estes não estavam

levando em consideração. Robeck79 diz que o corpus paulino como um todo nos faz

entender que Paulo se referia frequentemente ao conhecimento e ao ato de conhecer no

sentido de �familiaridade� ou �compreensão�. De qualquer forma, o que se nota é que

tal expressão, mais do que simples fórmula, era uma maneira de chamar a atenção para

coisas que, mesmo conhecidas pelos destinatários, estavam sendo mal interpretadas ou

até desconsideradas, e isso os levava a um comportamento não recomendável, ou de

alguma forma gerava prejuízo para a vida cristã.

A expressão peri. tw/n koimwme,nwn (a respeito dos que dormem) complementa a

frase e ao mesmo tempo aponta para o assunto que será tratado, uma vez que é por

causa do que se ignora a respeito dos que dormem que alguns tessalonicenses estão

sendo afligidos. O particípio tw/n koimwme,nwn aborda o familiar eufemismo em relação

à morte, conhecido tanto pela linguagem grega quanto pela hebraica. Tal eufemismo (a

morte como sono) ganha importância na recepção do texto. Em 1Cor 15,18, Paulo faz

uso dessa mesma metáfora. Na perícope, além do termo ocorrem também as formas

koimwme,nwn (duas vezes nos versos 14 e 15), e apenas uma vez o termo nekroi. (mortos),

no verso 16. O uso por parte de Paulo dessa metáfora levou alguns80 a interpretarem

que, entre a morte e a ressurreição, a alma está em uma condição de sono, mas não há

78 COETEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Editora

Vida Nova: São Paulo, 2007. 79 HAWTHORNE, Gerald F. et alii. Dicionário de Paulo e suas cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.

255. 80 Oscar Cullmann procurou defender esta tese em Immortality of the Soul or Resurection of the Dead?

(1958), apud LADD,George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003.

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como sustentar essa tese em nossa perícope, além do que extrair ensino teológico de

linguagem metafórica sempre oferece alto risco de equívoco.

i[na mh. luph/sqe kaqw.j kai. oi loipoi. oi mh. e;contej evlpi,daÅ (para que não vos

aflijais como os restantes, os que não têm esperança). Esta frase encontra-se em

dependência da oração principal e dá a finalidade pela qual a perícope esta sendo

escrita. Por isso, contém em si a tensão entre luph/sqe (aflição, tristeza) e evlpi,da

(esperança). Em Paulo a tristeza e a aflição em si mesmas não eram problemas, visto

serem consideradas parte da existência humana num mundo governado pelo mal. Em

2Cor7,10 ele fala da tristeza (lu,ph) segundo Deus (que pode levar ao arrependimento), e

da tristeza segundo o mundo (que leva à morte). O problema surgia quando essa tristeza

era produzida pela falta de conhecimento ou até por causas não dignas do Evangelho, o

que a tornaria vã e até destruidora. A. I. Moore81 afirma que a atitude de Paulo para com

os aflitos iguala-se à de um pastor no cuidado do rebanho, ansioso por livrá-lo do pesar.

De tal forma é assim que o mesmo pensamento é retomado no verso 18 no imperativo,

para que eles mutuamente se consolassem com suas palavras.

oi mh. e;contej evlpi,da. O vocábulo evlpi,da aparece 3 vezes em 1 Tessalonicenses,

duas vezes na tríade fé, amor e esperança ( uma vez que são disposições ou virtudes que

devem pertencer ao modo de vida cristão), e cerca de 47 vezes no corpus paulino

(incluindo as cartas pastorais e as epístolas de autoria controversa) e se considerarmos

todas as formas gramaticais em que se apresenta. Ser cristão e não ter esperança soa

para Paulo como nonsense. Mesmo porque a esperança está ligada ao passado, presente

e futuro dos fiéis82. Ao passado, porque a esperança cristã se fundamenta na realização

das promessas de Deus a Israel; ao presente, porque os cristãos vivem no tempo entre a

ressurreição de Cristo e a realização definitiva do Reino de Deus, uma vez que este já

começou, mas não se consumou totalmente, e por isso requer resistência contra as

oposições; ao futuro, porque a consumação total das promessas feitas ao povo de Israel,

bem como do Reino pregado e iniciado pelo Messias (Cristo) se realizarão cabalmente

na vinda de Cristo. A esperança da vinda de Jesus em 1 Tessalonicenses ocupa lugar de

destaque, como veremos a seguir:

E esperar dos céus seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber,

Jesus, que nos livra da ira futura. (1Ts 1,10)

81 MOORE, A.L. I and II Thessalonians. The attic Press Inc.:Greenwood, S. C.,1969. p. 68. 82 Conforme o verbete Esperança em COETEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de

Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Vida Nova, 2007, p. 482.

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... para que vos conduzísseis dignamente para com Deus, que vos chama para

o seu reino e glória. (1Ts 2,12)

Porque qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória? Porventura não

o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda? (1Ts

2,19)

... para confortar o vosso coração, para que sejais irrepreensíveis em

santidade diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,

com todos os seus santos. (1Ts 3,13)

Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos

vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. (1Ts 4,15)

... porque vós mesmos sabeis muito bem que o Dia do Senhor virá como o

ladrão de noite. (1Ts 5,2)

Tal destaque em relação à esperança da vinda tem levado pesquisadores como

Dunn83 a considerar o trecho 4,13-5,11 a razão principal de Paulo escrever a epístola.

Contudo, é importante levar em consideração que, quando Paulo escreve sobre a vinda,

não está necessariamente preocupado em responder dúvidas teológicas para uma

comunidade de intelectuais; antes, está preocupado com assuntos contingentes, com

situações reais, práticas e até cruciais de fiéis de todo tipo. Também não podemos

considerar um tema como principal apenas por causa da extensão que ele ocupa, afinal

isto pode ser apenas sinal de que o tema é complexo e necessita de mais espaço para ser

exposto.

De qualquer forma, não se afligir como os que não têm esperança significa que

seria um desatino se afligir por uma realidade inexistente, quando se tem todo motivo

para esperar uma bem-aventurada realidade.

V.14: eiv ga.r pisteu,omen o[ti VIhsou/j avpe,qanen kai. avne,sth (se, pois, cremos que

Jesus morreu e ressuscitou). A frase inicia com uma conjunção condicional que parece

impor a condição necessária, para da mesma forma crer na ação de Deus que será

indicada a seguir (Deus conduzirá com ele), mas também sugere a crença na morte e

ressurreição como um credo entre os cristãos tessalonicenses. Tal condição implica em

crer (pisteu,ein) na morte e ressurreição de Jesus. Paulo emprega 54 vezes o verbo

pisteu,w ,, mas 142 vezes aparece o substantivo pi,stij (fé) e 33 vezes o adjetivo pisto.j

83 DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. Paulus: São Paulo, 2008, p. 351.

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(�fiel�, �digno de confiança�) de modo a ressaltar no vocabulário paulino o valor da fé

para a vida cristã. Em suas cartas, o tema do crer na morte e ressurreição de Jesus

aparece nos contextos de Rm 6,8; 8,34; 14,9; 2Cor 5,15) sugerindo uma profissão de fé

que fornece aos crentes privilégios e benefícios para a vida presente e futura, embora o

termo para ressurreição varie entre avni,sthmi,,, evgei,rw e za,w. De qualquer forma, essa

citação de Paulo sugere uma síntese da fórmula de credo � como podemos constatar em

1Cor 15,3-5: �Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo

morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou

ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e que foi visto por Cefas e depois pelos doze� �

que já existia possivelmente antes de Paulo. Green84 afirma que a morte de Cristo,

mencionada em conjunto com sua ressurreição, ocupa o centro da imagem paulina do

evangelho. De forma semelhante Dunn85 afirma categoricamente que o centro de

gravidade da teologia de Paulo encontra-se na morte e ressurreição de Jesus. Muitos

pesquisadores da mesma forma salientam a importância dessa temática em Paulo. A

maneira como ocorre aqui pode sugerir que já existisse naquela ocasião a ideia

subjacente do batismo ligado à ideia de morte e ressurreição, que irá aparecer em cartas

paulinas posteriores, como por exemplo Rm 6,3-4: �Ou não sabeis que todos quantos

fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos

sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos

mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida�, ou ligado

à ideia de união, como acontece em Gl 3,26,27: �Porque todos sois filhos de Deus pela

fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de

Cristo�. Albert Schweitzer86 atentou para o significado do batismo para Paulo em sua

ligação com a redenção, levada a efeito a partir do morrer e ressuscitar como promotor

de união entre Cristo e o fiel, de maneira que este tem o caminho preparado para

participar da glória de Cristo. Portanto, para ele o morrer e ressuscitar de Cristo deve ser

entendido através do batismo que torna o cristão um �corpo em Cristo� e isso num

sentido literal, uma vez que a abordagem de Schweitzer é a partir de sua compreensão

do misticismo87 paulino como pano de fundo para entender os escritos paulinos.

Todavia, mesmo que não se queira ver a expressão em 1 Tessalonicenses pela

84 GREEN, J. B. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 852. 85 DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2008, p. 251. 86 SCHWEITZER, Albert. O misticismo de Paulo Apóstolo. São Paulo: Editora Novo Século, 2003, p. 319. 87 Para Schweitzer, o misticismo de Paulo é um misticismo em Cristo e não em Deus, como na cultura

helênica.

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contribuição de Schweitzer, há que se levar em conta que nela é bastante possível haver

alusões ligadas a um credo.

ou[twj kai. o qeo.j tou.j koimhqe,ntaj dia. tou/ VIhsou/ a;xei su.n auvtw (assim

também Deus, aos que adormeceram através de Cristo, conduzirá com ele). O advérbio

grego (ou[twj) somado à conjunção aditiva (kai) reforçam a realidade da fé na morte e

ressurreição de Jesus como modelo de crença no destino dos que adormeceram

mediante Cristo (dia. tou/ VIhsou). Tal preposição seguida de genitivo pode ser traduzida

igualmente pelos vocábulos por, através de, por meio de, mediante; de forma que se

entende num primeiro momento que é por intermédio de Jesus que Deus agirá. Contudo,

como registra I. Howard Marshall em sua obra88, esta frase já foi objeto de constantes

discussões, com a maioria dos escritores ligando tal frase ao verbo a;xei (trará), embora

ele mesmo acredite que a estrutura da frase favoreça uma ligação dela como �os que

adormeceram�; porém, opina que morrer mediante Jesus é considerada uma ideia sem

sentido, uma vez que deveria ter o significado de �os que morreram como cristãos�. Por

isso, cita von Dobschütz89 em seu entendimento de que �a frase é um tipo de declaração

acerca das circunstâncias atendentes, equivalente a em Cristo�, ou seja, uma situação

em que os que morreram estavam em relacionamento com Cristo. Já Marxsen90 entende

que através de Jesus significa �por causa da salvação dada em Jesus�, num tipo de

antecipação do pensamento em 1Cor 15,21 (cf. Rm 5,9). De qualquer forma esses tipos

de interpretações levam em conta o ministério salvífico de Jesus. Faz-se necessário,

entretanto, considerar o versículo 16 da mesma passagem, uma vez que a mesma ideia

aparece na forma oi nekroi. evn Cristw/| (os mortos em Cristo) favorecendo ideias

semelhantes à de von Dobschütz ou mesmo do misticismo paulino defendido por

Schweitzer � de Jesus e os cristãos como participantes de um mesmo corpo e que por

isso possuem uma experiência comum, já que em Cristo encontra-se no dativo.

O verbo a;xei pode ser traduzido por conduzir, levar, carregar, trazer; de maneira

que cada pesquisador provavelmente o traduzirá de acordo com sua própria teologia.

Assim, I. Howard Marshall afirma que �Deus trará os mortos para o lugar onde Jesus se

88 MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida

Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 151. 89 DOBSCHÜTZ, E. von. Die Thessalonischerbriefe (Kritisch-Exegetischer Kommentar. Göttingen: 1909,

reimpresso em 1974. 90 Apud MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições

Vida Nova e Mundo Cristão, 1983, p.152.

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encontrará com os crentes vivos na Parusia�. Segundo, o mesmo autor, Ellingworth91 e

Nida sustentam que os mortos são levados para o céu, uma vez que Deus não vem do

céu para a terra, e os mortos ainda não estão no céu92, entendendo-o em conexão com o

v. 16 (�os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro�) da mesma perícope;

entretanto, o motivo pelo qual Marshall se mostra contrário a essa compreensão

(traduzindo a;xei pelo verbo trazer) está relacionada à sua crença de que a vinda de Jesus

do céu para a terra tem a ver com a restauração do mundo que será liberto da corrupção,

conforme Rm 8, 21, onde será o futuro do povo de Deus (numa terra renovada e não no

céu). Willian Hendriksen93, por outro lado, diz que aqui está em vigor o raciocínio

paulino de Rm 8,11: �Se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita

em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo também vivificará o vosso corpo

mortal, pelo seu Espírito que em vós habita�, por isso Deus os compelirá a virem com

Jesus, do céu, ou seja: ele trará do céu suas almas, de modo que possam reunir-se

rapidamente (num piscar de olhos) com seus corpos, e assim partirão para encontrar o

Senhor nos ares, a fim de permanecerem com ele para sempre. A mesma ideia de

Hendriksen se encontra em 1Ts 3,13: �Na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo com

todos os seus santos�. Destarte, são interpretações diversas que encontram sustentação

na múltipla possibilidade de tradução do verbo a;xei. Quanto ao lugar da reunião

permanente dos cristãos com Cristo (se no céu ou na terra), parece não ter sido a maior

preocupação de Paulo na perícope; seu maior objetivo era consolar os aflitos diante da

possibilidade de que os mortos ficassem separados de Cristo e dos cristãos ainda vivos

na parusia.

V. 15: Tou/to ga.r umi/n le,gomen evn lo,gw| kuri,ou (Isto, de fato, vos dizemos na

palavra do Senhor). A frase �na palavra do Senhor�, que encontra-se no dativo e

também pode ser traduzida �por meio da palavra do Senhor�, tem suscitado posições

divergentes no que diz respeito ao seu significado. Basicamente tem sido entendida de

duas principais maneiras:

1) um dito do Jesus histórico94,

91 ELLINGWORTH, P. & NIDA, E. A Translator�s Handbook on Paul�s Letters to the Thessalonians

(Helps for Translators). Stuttgart: 1975. 92 Uma vez que os mortos não estão no céu como podem ser trazidos de lá. 93 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. 1 e 2 Tessalonicenses. São Paulo: Editora

Cultura Cristã, 1998, p. 168. 94 David Wenham, por exemplo, em seu livro Paul: follower of Jesus or founder of christianity? (Grand

Rapids: W. B. Eedmans, 1995, p. 305-328) tenta demonstrar a existência de um discurso escatológico

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2) uma palavra profética.

Caso seja um dito advindo da tradição de Jesus, se assemelharia à alusões de

Paulo ao ensino de Jesus em passagens (consideradas explícitas) como 1Cor 7,10-11;

9,14; 11,23-24; 14,37; 2Cor 12,9; 1Ts 4,15-17 � embora a citação de 2Cor 12,9 seja

considerada palavra do Senhor ressurreto. Em algumas, também aparece o título Senhor

em relação ao Jesus histórico; nota-se, no entanto, que Paulo não cita palavra por

palavra como aparece nas tradições encontradas nos Evangelhos (cf. 1Cor 11,23-25).

Isso tem levado alguns a crer que aqui em 1Ts 4,15 ocorre uma alusão resumida dos

ditos apocalípticos de Jesus encontrados em Mt 24,30-31, por exemplo. Esta posição é

assumida por Rigaux95. Outros, como Frame96, Morris97 e J. Jeremias98 sugerem que

Paulo está citando um �ágrafo� (dito de Jesus não preservado nos evangelhos). Por

outro lado, pesa a posição daqueles que acreditam que a �palavra do Senhor� refere-se a

algum tipo de revelação profética. Nesse caso, seria uma revelação profética dada pelo

Senhor ressurreto, ou mesmo o dito de um profeta cristão primitivo falando em nome de

Jesus como em Atos 21,11, ou ainda, uma profecia inspirada dada a Paulo quando orava

pelos tessalonicenses, como encontramos em James D. G. DUNN99 � embora não

descarte a possibilidade de que Paulo esteja fazendo uso de uma tradição de Jesus, mas

pense que essa última posição não responde convincentemente, já que essa palavra do

Senhor parece ser específica aos tessalonicenses. S. Kim,100 em seu artigo, denomina

�minimalistas� (como F. Neirynck e N. Walter) aqueles que consideram que em Paulo

há apenas duas citações explícitas de ditos de Jesus; portanto, a frase �por palavra do

Senhor� deveria ser entendida como aquela expressão veterotestamentária que os

profetas usavam para indicar de quem receberam licença e autoridade para falar. De

qualquer forma, Paulo neste versículo muito provavelmente faz uso da autoridade

advinda do Senhor, e a maioria dos pesquisadores, conforme afirmação de Marshall,

concorda que �a palavra do Senhor� se refere ao dito escatológico encontrado nos v. 15-

17. pré-sinótico que circulava nas igrejas primitivas e que Paulo poderia ter usado; nas p. 332-333 escreve sobre as sugestões e possibilidades de compreensão acerca desta �palavra do Senhor�.

95 RIGAUX, B., Saint Paul. Lês Épître aux Thessaloniciens (Études Bibliques), Paris/ Gembloux, 1956. Apud Marshall.

96 FRAME, J. E. The Epistles of St Paul to the Thessalonians (International Critical Commentary), Edimburgo: 1912.

97 MORRIS, L. The First and Second Epistles to the Thessalonians (New International Commentary),

Grand Rapids: 1959. 98 JEREMIAS, J. Unknown Saying of Jesus. Londres: 1964. Apud Marshall. 99 DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2008, p. 356. 100 KIM, S. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 716.

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o[ti hmei/j oi zw/ntej oi perileipo,menoi (porque nós, os vivos, os que restarmos).

A expressão �nós, os vivos� naturalmente inclui Paulo e seu companheiros de ministério

entre os vivos na vinda do Senhor, principalmente pela forma como se apresenta no

discurso. Todavia, interpretações �ortodoxamente� zelosas relutam em aceitar que Paulo

tenha se enganado quanto a sua expectativa de estar vivo na Parusia, e acham que a

frase significa �aqueles entre nós que então estiverem com vida�. Mas, levando-se em

conta que Paulo acreditava estar vivendo no fim dos séculos (cf. 1Cor 10,11), é até

natural que esperasse estar vivo na parusia, embora isso não possa ser considerado uma

convicção sua, uma vez que em 5,10 ele aventa tanto a possibilidade de estar acordado

quanto de estar dormindo na parusia.

eivj th.n parousi,an tou/ kuri,ou (para a vinda do Senhor). Acerca do termo

Parousi,an, segundo Kittel101 o significado geral é �presença� ou �aparição�, �vinda�. O

uso técnico no helenismo indica a visita de um governante ou a vinda de um deus. Nos

escritos paulinos podemos encontrar seu uso referindo-se, tanto à vinda de Paulo e seus

companheiros de ministério, como à vinda do Senhor. Nos escritos paulinos, portanto,

não se pode dizer que se trata de um termo técnico usado apenas para a vinda do

Senhor. Contudo, como constatado na obra de Plevnik102, desde 1923 nos estudos de

Deissmann103, depois em Peterson104, Cerfaux105, Hotz106, entre outros, o termo

parousia tem sido ligado ao seu significado na cultura imperial helenística. De maneira

que se tornou corrente interpretar o termo parousi,an em 1Ts 4,15 com o sentido

técnico-político da época. Recentemente duas obras também comentam o uso do termo

parousia nessa mesma corrente: são elas Paulo e o Império107, de Richard A. Horsley, e

Em busca de Paulo, de John D. Crossan e Jonathan L. Reed. Entendem o termo

parousia como a chegada à cidade de generais conquistadores, oficiais importantes,

emissários imperiais ou até mesmo do imperador. Tal visita seria uma boa ou má notícia

101 KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. Vl.I. Grand Rapids: Eerdmans, 1969,

p. 858-868. 100 PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:

Hendrickson Publishers, 1997, p. 89. 101Apud DEISSMANN, A. Light The New Testament Illustrated by recently Discovered Texts of the

Graeco-Roman World, 1927, p. 368-373. 102 Apud PETERSON, E. Die Einholung des Kyrios (1 Thess., IV,17). ZST7 (1929-30), p. 682-702. 103 Apud CERFAUX, L. Christ in the Theology of St. Paul. New York: Herder & Herder, 1959, p. 32-44. 104Apud HOTZ, T. 1 Thessalonicher. Der erste Brief na die Thessalonicher. EKKNT 13. Zurich: Benziger,

1986, p.203.

107 HORSLEY, Richard A. Paulo e o Império. São Paulo: Paulus, 2004.

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de acordo com a relação que esta cidade tivesse com o visitante. Crossan sugere que,

nesse caso, a palavra poderia ser usada no sentido de uma visitação. A visitação do

imperador era um evento único, uma ocasião festiva e, em tempos de guerra, seria algo

um tanto quanto ameaçador. Sob a Pax Romana, seria ocasião festiva e exigiria

preparação para o sacrifício cívico, festividades aristocráticas e celebrações populares,

como também a saudação das elites e do povo com as portas da cidade abertas em forma

de submissão. Com base nesse tipo de compreensão, outro termo também reforça a

ideia, qual seja, parousi,a (encontro), que pertenceria ao mesmo domínio técnico

político, e descreve os aspecto receptivo de festa formal no mesmo acontecimento

relatado acima, em que a comunidade vai ao encontro (avpa,nthsin) do dignatário, une-se

a ele e com ele volta à cidade para festejar. Assim, fundamentando-se nesses dois

termos de âmbito público, têm sido feitas as interpretações acerca da vinda de Cristo

nesta passagem. Afinal pensa-se que, se Paulo então faz uso desses termos conhecidos,

bem como a própria ideia que evoca, é para tornar mais claro o entendimento de seus

destinatários a respeito do evento. Entretanto, tem-se dado um passo além ao se

interpretar que Paulo esperava que, após a reunião entre os fiéis e Cristo, juntos eles

voltariam para o reino de Cristo nesta terra, agora um mundo transformado. Todavia,

Paulo não se preocupa em esclarecer pormenorizadamente o acontecimento aqui, antes

enfatiza a união entre Cristo e os fiéis. Isso para ele é suficiente; ir além disso nesse

texto é entrar por caminho especulativos. Outrossim, ao usarmos as passagens de Fl

3,20 (�Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos ansiosamente

como Salvador o Senhor Jesus Cristo�) e 2Cor 5,1-8, onde Paulo fala de um edifício no

céu em contraste com a morada terrestre (�Sabemos, com efeito, que se a nossa morada

terrestre, esta tenda, for destruída, teremos no céu um edifício, obra de Deus, morada

eterna, não feita por mãos humanas... Sim, estamos cheios de confiança, e preferimos

deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor...) para interpretar esse tipo

de evento, veremos que o reino que Paulo esperava poderia não ser aqui nesta terra.

ouv mh. fqa,swmen tou.j koimhqe,ntaj\ (definitivamente não precederemos aos que

adormeceram). A expressão negativa ouv mh é enfática; pode ter o sentido de jamais, de

modo nenhum. No entanto, há vezes no NT em que ela não aparece numa negativa

enfática, e sim numa afirmação solene. O verbo fqa,nw mais o acusativo contém a ideia

de precedência, antecipação, sugere fazer alguma coisa antes doutra pessoa, mas isso

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não implica necessariamente em vantagem sobre outrem, conforme Turner afirma108.

Marshall109 chama a atenção para uma corrente do judaísmo segundo a qual aqueles que

estivessem com vida no fim do mundo ou na implantação do reino messiânico seriam

mais bem-aventurado que os mortos:

Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias.

(Dn 12,12)

Bem-aventurado são os que nascerem naqueles dias, para ver as

beneficências a Israel, as quais Deus fará entre o ajuntamento das tribos.

(SlSal 17,50)

Compreenda, portanto, que aqueles que são deixados são mais bem-

aventurados do que aqueles que morreram. (4Esd 13,24)

Se for esse o caso dos tessalonicenses, isso explicaria o porquê da tristeza deles e

também da ênfase de Paulo em que os mortos não estariam em desvantagem. Também

apontaria que Paulo era contrário a esse tipo de crença; deste modo, permanece a

possibilidade de que Paulo teria elaborado sua escatologia a partir de sua experiência

pré-cristã no judaísmo rabínico em confronto com as tradições de Jesus.

V. 16: o[ti auvto.j o ku,rioj evn keleu,smati( evn fwnh/| avrcagge,lou kai. evn sa,lpiggi

qeou/ (porque o mesmo Senhor, em grito de comando, em voz de arcanjo e em trombeta

de Deus). A expressão �em grito de comando, em voz de arcanjo e em trombeta de

Deus� faz parte do imaginário da volta de Cristo e é oriunda de escritos e tradições

apocalípticas judaicas; provavelmente já estava fixada nas mentes dos tessalonicenses,

razão pela qual Paulo a evoca sem maiores explicações. P. Nepper-Chrestensen110

registra a dificuldade que envolve a compreensão de tal cenário:

After the conjuntive o[ti, hoti clarity of the picture disappears: it is not clear

who gives the command, to whom the command is given, or how the

command relates to the other two motifs. Do the last two motifs, the voice of

the archangel and the trumpet of God, explicate the first one? Is the ke,leusma

taken up by the voice of the archangel and by the trumpet of God? It is also

not clear for whom all this is meant.111

108 TURNER, S. The Interim, Earthly Messianic Kingdom in Paul. JSNT 25.3 (2003), p. 327). 109 MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida

Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 155. 110 PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:

Hendrickson Publishers, 1997, p. 45-50. 111 NEPPER-CHRISTENSEN, P. Das verborgene Herrenwort: Eine Untersuchung über 1. Thess. 4,13-18.

ST 19 (1965), p. 136-54, apud Plevnik.

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Plevnik entende que o termo �grito de comando� fundamenta-se em ideias

ligadas à autoridade de Iahweh que aparecem em teofanias no Primeiro Testamento e na

tradição do Dia do Senhor. Nos salmos que falam do comando de Iahweh sobre as águas

do caos percebe-se tal ideia (Sl 18,16; 68,31; 104,7; 106,9 etc.) � usam geralmente o

termo r[;G"( ((ga ar) ou hr'['G> (geara), repreensão. Assim, tem sido entendida como poder de

Deus que derrota o mal e estabelece seu reino. Já outro tipo de interpretação, como é o

caso de Hendriksen112, não vê tanta dificuldade na expressão e entende que esse �grito

de comando� refere-se ao grito do Filho de Deus, gerador de vida, que vivifica aqueles

que estão mortos espiritualmente, mas que no futuro ressuscitará os mortos

corporalmente cf. Jo 5,25.28 (�...em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os

que a ouvirem viverão... porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros

ouvirão a sua voz�).

evn fwnh/| avrcagge,lou. Prevnik113 afirma que essa expressão indica uma outra

circunstância de acompanhamento na vinda de Cristo em que o arcanjo (ser celestial

dotado de poder, com anjos sob sua responsabilidade) pode estar relacionado à palavra

anterior ke,leusma, e envolve a noção de repreensão aos inimigos de Deus. Contudo, o

termo também faz parte do séquito do Senhor, numa semelhança com 1Ts 3,13, em que

Jesus virá �com todos os santos�, referindo-se aos anjos114; em 2Ts 1,7115 o Senhor

Jesus será revelado no céu �com seus anjos poderosos�. Esse tema aparece também nos

relatos sinóticos sobre a vinda do Filho do homem, cf. Lc 9,26, �o Senhor virá na glória

dos santos anjos�, enquanto Mc 8,38 e Mt 16,27 também mencionam a vinda �com os

santos anjos�. E ainda de acordo com Mt 13,41.49, o Filho do homem enviará seus

anjos para reunir os eleitos e separar os maus entre os justos (cf. Ap 10,7; 11,15). Essa

crença também se assemelha à teofania e ao dia do Senhor: este é descrito como vindo

com seus exércitos de anjos em Dt 33,2-3, ou mesmo em escritos pseudepígrafos como

En 1,4-9; 60,1-2. De maneira que Plevnik116 associa e entende que a imagem de �voz de

arcanjo� sobre o pano de fundo da tradição da vinda do Filho do Homem aponta para a

sugestão de juízo divino, embora em 1Ts 4,16 não haja desenvolvimento dessa ideia.

112 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. 1 e 2 Tessalonicenses. São Paulo: Editora

Cultura Cristã, 1998, p.171-172. 113 PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:

Hendrickson Publishers, 1997, p. 50-57. 114 Embora a interpretação aqui seja bastante controversa, cf. expõe Plevnik em nota na p. 51. 115 Plevnik considera 2 Tessalonicenses uma carta paulina. 116 Ibidem, p. 58.

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Diferentemente de Plevnik, Hendriksen117 acredita que a voz de arcanjo, embora seja

algo distinto do �grito de comando�, possui a mesma função-sinal de ressuscitar os

mortos.

evn sa,lpiggi qeou/. O tema da trombeta ocorre também em 1Cor 15,52 (�... ante a

última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós

seremos transformados�), onde Paulo parece enfatizar o toque da trombeta numa

imagem evocativa bastante clara.

Segundo Plevnik118, a LXX traduz sete palavras hebraicas por sa,lpigx, porém a

mais frequente é chifre (rp'Av,, sôpar); tema que aparece na tradição da guerra santa,

associada às vezes à tradição cúltica da arca da aliança, a teofanias, e à tradição do Dia

do Senhor. De acordo com von Rad119, o uso mais comum do tema acontece na

descrição da guerra santa, na qual, ao som da trombeta que indicava a guerra (Jz 3,27;

6,34; 1Sm 13,3); toda a tribo reunia-se no arraial para a batalha. O Dia do Senhor é

frequentemente apresentado como o dia da batalha, e em Zc 9,14 é mencionado com o

toque da trombeta. Em Zc 10,8, o toque da trombeta pode ser tanto sinal de redenção

como de tragédia para Israel. Nos manuscritos do Mar Morto o tema da trombeta é

característico da batalha escatológica entre os filhos da luz contra os filhos das trevas.

No NT o tema da trombeta aparece na descrição da vinda do Senhor (Mt 24,31; 1Ts

4,16; 1Cor 15,52; Ap 11,15); entretanto, em Ap 8,2.6.7.8.10.12; 9,1.13.14; 10,7 o som

da trombeta está ligado a descrições de punição que precedem o final dos tempos, e em

11,15, ao final de todas as coisas. Diante dessas constatações, Plevnik conclui que a

frase �em trombeta de Deus� é parte de uma disposição paratática; carrega, juntamente

com as expressões já mencionadas, a provável indicação de que a intervenção de Deus

no fim dos tempos será em poder. Jesus virá em poder, autoridade e glória de Deus para

reunir os fiéis. E é provavelmente essa a ideia que Paulo quis transmitir à sua

comunidade. Tanto Hendriksen120 quanto Marshall121 chegam a conclusões semelhantes

acerca dessa expressão.

117 Ibidem, p.173. 118 PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:

Hendrickson Publishers, 1997, p. 57-58. 119 Von Rad, G. Der Heilige Krieg im alten Israel. ATANT 20. Zürich: Zwingli, 1951. 3

a ed. Göttingen:

Vandenhoeck & Ruprecht, 1958. ET: Holy War in Ancient Israel. Edited by M. J. Dawn. Grand Rapids: Eerdmans, 1991, apud Plevnik.

120 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. 1 e 2 Tessalonicenses. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 173-174.

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katabh,setai avpV ouvranou/. Trimaille122 chama a atenção para a exclusividade que

essa expressão (�descerá do céu�) possui nas cartas paulinas, ocorrendo apenas aqui.

Tanto nos sinóticos, a respeito do Filho do homem, como em Paulo prevalece a ideia de

que ele �vem�. A palavra ouvrano,j (céu) é usada 21 vezes por Paulo, 12 no singular e

nove no plural. Geralmente emprega a palavra como uma descrição do universo (céus e

terra, cf. 1Cor 8,5); morada dos anjos (cf. Gl 1,8); morada de Cristo (Rm 10,6; 8,34; Fl

3,20; 1Ts 1,10; 4,16); e morada eterna do fiel (cf. 2Cor 5,1,2; Fl 3,20; Gl 4,26). Existem

ainda outras referências nas cartas cuja autoria paulina é posta em dúvida por alguns

pesquisadores, porém esses exemplos são suficientes para perceber o uso que Paulo faz

da palavra céu.

kai. oi nekroi. evn Cristw/| avnasth,sontai prw/ton (e os mortos em Cristo

ressuscitarão primeiro). A expressão oi nekroi expõe nesse ponto o abandono de Paulo

ao eufemismo de tou.j koimhqe,ntaj (aos que adormeceram) em relação aos mortos; ele

faz uso da palavra em seu sentido denotativo. A expressão evn Cristw/| possui um

significado sugestivo e prolífico nos escritos paulinos, contudo aqui aparenta estar

ligado ao sentido da expressão tou.j koimhqe,ntaj dia. tou/ VIhsou (aos que adormeceram

através de Jesus), já mencionada anteriormente, como aqueles que morreram na fé

cristã. De qualquer maneira, a expressão evn Cristw/|, como expõe o texto de M. A.

Seifrid123,

aparece frequentemente nas cartas paulinas e por esse motivo muitos

interpretes a consideram uma fórmula paulina, que se baseia numa concepção

local de Cristo como substância ou pessoa. Todavia, a variedade de formas

como aparece nas frases indica que ela serve de expressão idiomática

flexível, que expressa um meio ou modo de ação e também localidade.

Conquanto Paulo às vezes ligue a expressão �em Cristo� à imagem de Cristo

como figura, corpo ou edificação inclusiva, ela não deriva de uma ideia

�incorporada� nem se limita a ela. Ao contrário, a linguagem paulina

compartilha um uso metafórico comum de �espaço� e é representada por sua

definição ou exclusividade. Sendo assim, tal expressão transmite a crença

paulina de que os propósitos salvíficos de Deus se cumprem decisivamente

por meio de Cristo.

121 MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida

Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 157-158. 122 TRIMAILLE, Michel. A Primeira Epístola aos Tessalonicenses (Cadernos Bíblicos). São Paulo:

Paulinas, 1986, p. 86. 123 SEIFRID, M. A. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 453-457.

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A expressão avnasth,sontai prw/ton (serão ressuscitados primeiro) chama a

atenção para o sentido temporal do acontecimento. Plevnik124 inclui prw/ton (primeiro,

primeiramente) entre os vocábulos que dão um sentido sequencial ao quadro da vinda,

os quais são três: prw/ton, e;peita e a[ma su.n; ou seja, primeiro os mortos ressuscitam,

depois juntos participam do rapto e assim, juntos com Cristo, permanecem pra sempre.

V.17: e;peita hmei/j oi zw/ntej oi perileipo,menoi (então nós, os vivos, os que

restarmos). Novamente aparece a expressão inclusiva de Paulo entre os vivos na parusia

(hmei/j oi zw/ntej). O termo e;peita, como dito anteriormente, sugere a ordem sequencial

dos acontecimentos: os mortos ressuscitam, depois os vivos são unidos aos ressurretos

e, juntos, a[ma su.n (são �apanhados em nuvens�). Marshall125 observa: sempre que

Paulo fala da existência futura com o Senhor, usa a preposição grega menos comum su.n

em vez da sinônima, mais comum, meta (cf. 1Ts 5,10; 2Ts 2,1; 2Cor 5,8; Fl 1,23; Cl

3,4). Na observação de Best126, a mesma preposição é usada por Paulo numa série de

verbos compostos que se referem ao morrer e viver com Cristo nesta vida (Rm 6,3-11;

8,17; Gl 2,20; Cl 2,12-3,4) e conclui que os dois tipos de expressão estão ligados entre

si: morrer e ressuscitar com Cristo leva à plenitude da vida com Ele na sua vinda, sendo

que a vida futura com Cristo é a consumação de um relacionamento que já começou.

Todavia, qualquer que seja a compreensão do uso desses termos, o certo é que a[ma su.n

reforça a ideia do v. 15, de que os vivos não precederam os mortos; ou seja, não há

qualquer desvantagem de um grupo em relação ao outro � todos juntos entram para uma

nova forma de vida. Quanto a oi perileipo,menoi (os que restarmos), que ocorre aqui e

no v.15, não tem o mesmo significado que no AT de um remanescente deixado após um

processo de seleção, nem como nos escritos apocalípticos, do remanescente que escapa

da tentação do final dos tempos. Ao contrário, aqui refere-se àqueles que esperam estar

vivos na vinda do Senhor.

Arpaghso,meqa evn nefe,laij eivj avpa,nthsin tou/ kuri,ou eivj ave,ra (seremos

apanhados em nuvens para o encontro do Senhor nos ares). O termo arpaghso,meqa do

124 PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia, p. 82. 125 MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida

Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 159. 126 BEST, E., A Commentary on the First and Second Epistles to the Thessalonians (Black�s New

Testament Commentaries). Londres: 1972, apud Marshall.

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verbo arpa,zw significa, cf. Kittel127, tomar algo à força (firme e rapidamente), e ainda,

roubar, capturar na guerra, com o sentido de pressa, pegar um homem à força, denotar

um arrebatamento em visões. No NT a palavra é usada em parábolas que falam do

conflito entre o reino de Deus e o de Satã (cf. Jo 10,12, 28,29; Mt 12,29; em Jd 23

aparece �arrebatar para fora do fogo�). Em 1Ts 4,17 o sentido é pegar, agarrar para cima

ou para longe, e como no caso de At 8,39 expressa uma operação poderosa da parte de

Deus. Em 1Ts 4,17, é a única vez que aparece no sentido de �rapto coletivo na vinda de

Cristo�. Marshall liga o arrebatamento nesse versículo à ideia do arrebatamento de

Enoque (cf. LXX), que foi mete,qhken (tomado) para estar com Deus (cf. Gn 5,24 e Sb

4,11, onde aparece a palavra hrpa,gh, também numa alusão ao arrebatamento de

Enoque). Trimaille128 acrescenta ainda à ideia de arrebatamento o episódio do

arrebatamento de Elias (2Rs 2,1-18) e também os apocalipses de Esdras, Baruc, Moisés,

Isaías, sem se preocupar com o termo usado em cada texto. Segundo ele, há também

aproximação do tema do arrebatamento (porém de forma helenizada) no Testamento de

Abraão. Já se referindo ao mesmo termo usado em 1Ts 4,17, menciona a literatura

greco-romana; por exemplo, o arrebatamento de Rômulo, fundador de Roma, de

Hércules e de Apolônio de Tiana, célebre taumaturgo contemporâneo de Jesus. Em

todos estes casos, o arrebatamento é tanto prova do caráter exemplar do personagem

quanto recompensa dada a um ser excepcional, o êxito final de uma vida notável.

Plevnik, que pesquisou sobremodo a questão do imaginário paulino da parousia, chama

a atenção para o uso do termo �em nuvens�, o qual não ocorre no v. 16 (onde ocorre a

maior parte do imaginário apocalíptico na passagem), e sim aqui no v.17; seu uso não

está de acordo com as circunstâncias da vinda do Senhor nos sinóticos, que demonstram

dependência de Dn 7,13 (�eis que vinha nas nuvens do céu um como filho do homem�);

cf. Mc 13,26 (�verão vir o Filho do Homem nas nuvens�); Mt 24,30 (�e verão o Filho

do Homem vindo sobre as nuvens do céu�); Lc 21,27 (�verão vir o Filho do Homem

numa nuvem�); e também Ap 1,7 (�Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá�).

Em 14,14-16 (�eis uma nuvem branca e assentado sobre a nuvem�) as nuvens parecem

ser o trono do Filho do Homem, enquanto que em 10,1 (�vi outro anjo forte, que descia

do céu, vestido de uma nuvem�) parece envolver o anjo poderoso vindo do céu.

Diferentemente, em 1Ts 4,17 são os crentes (tanto ressurretos quanto os que não

127 KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. Vl.I. Grand Rapids: Eerdmans, 1969,

p. 472. 128 TRIMAILLE, Michel. A Primeira Epístola aos Tessalonicenses (Cadernos Bíblicos). São Paulo:

Paulinas, 1986, p. 91.

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passaram pela morte) que serão apanhados �em nuvens� para encontrarem o Senhor nas

alturas. Portanto, esta imagem é única no NT.

Segundo Lohfink129, na antiguidade greco-romana o arrebatamento é de dois

tipos: jornada celestial e assunção. A jornada celestial não é necessariamente associada

à morte; pode ocorrer tanto em transe quanto na morte. Porém, em ambos os casos

envolve apenas o espírito. No transe, o espírito da pessoa viva é transportado para o céu,

enquanto o corpo permanece na terra, e após o transe o espírito retorna ao corpo. Na

morte, contudo, a alma deixa o corpo (que é enterrado) e inicia sozinha a jornada para o

céu. Na assunção, entretanto, um ser mortal é arrebatado de corpo e alma para o paraíso

ou algum outro lugar além, para desfrutar de uma vida melhor para sempre. Isso

pressupõe que a pessoa ainda está viva quando é tomada. É bem diferente de uma

ascensão, em que um ser celestial, após uma aparição na terra, retorna ao céu, para sua

morada. Enquanto que na jornada celestial o foco está na jornada em si, na assunção o

foco está na partida e no destino; o evento é narrado do ponto de vista das testemunhas

terrestres, e a ênfase é no súbito desaparecimento, o qual é interpretado como assunção

e exaltação. No AT e no judaísmo, também conforme Lohfink, aparecem quatro

maneiras de arrebatamento: a) jornada celestial; b) assunção do espírito após a morte; c)

assunção da pessoa toda, corpo e espírito para o céu; e d) ascensão. A assunção da

pessoa toda no AT e no judaísmo corresponde à assunção greco-romana. Tal

arrebatamento ocorre em 4 Esdras e 2 Baruque e é associado a Moisés, Enoque e Elias,

e ao Messias. Assim sendo, Plevnik130 salienta que o modelo de assunção, no qual é

necessário que a pessoa esteja viva para ascender, ocorre também no NT. Em Lc 24 e At

1, Cristo ascende ao céu após sua ressurreição, portando, em corpo e espírito; em Ap

11,12 as duas testemunhas primeiramente são trazidas à vida (depois de serem mortas),

e só então sobem para o céu em uma nuvem. Por isso, esse tipo de compreensão

assemelha-se a 1Ts 4,17, onde os vivos são arrebatados em corpo e espírito para o céu,

tendo as nuvens como veículo e os corpos transformados ao modo de vida dos

ressurretos, não havendo também menção de retorno à terra (cf. Ap 11,3-13), o que para

ele significa que esta vida eterna com o Cristo exaltado não se dá na terra.

129 LOHFINK, G. Die Himmelfahrt Jesu: Untersuchungen zu den Himmelfahrts-und Erhöhungstexten bei

Lukas. Sant 2. Munich: Kösel, 1971, apud Plevnik. 130 PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:

Hendrickson Publishers, 1997, p. 62.

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O termo eivj avpa,nthsin (para o encontro) já foi mencionado no comentário do

v.15 como sendo considerado, por muitos, como termo técnico do âmbito político

imperial helenístico. Plevnik131 nesse caso segue o ponto de vista de Dupont132 e

discorda que este termo seja técnico, mesmo porque, em relação à vinda do Senhor, ele

só ocorre aqui. Ao contrário, acredita que tanto o encontro quanto o arrebatamento em

nuvens são, de alguma forma, elaboração e desenvolvimento paulino inspirados de

alguma forma no imaginário judaico e cristão apocalíptico.

eivj ave,ra (no ar). A. L. Moore133 afirma que o ar na literatura judaica tardia era

considara morada dos espíritos, geralmente antagônicos ao homem (cf. Ef 2,2). Porém,

salienta que Paulo também fez uso da palavra num sentido neutro em 1Cor 9,26; 14,9),

e para ele é duvidoso se aqui significa mais que o espaço apenas. Já R. E. Otto134

entende que aqui o sentido do �encontro nos ares� é questão chave para entender a

passagem e mesmo a angústia dos tessalonicenses, visto que, para ele, os cristãos

estavam preocupados com seus mortos, uma vez que eles não poderiam encontrar com

Cristo no ar, por que os ares eram a morada dos espíritos maus conforme o pensamento

pagão135 e também cristão (Ef 2,2; 6,12), e era região de lugar das batalhas entre Satanás

e Deus (cf. Ap 12,7-12; Martírio de Isaías 7,9). Otto136 declara concordar com Morris137

que o encontro do Senhor nos ares (a morada dos demônios) significa seu domínio

completo sobre o mal. Afirma que, nesse texto, o arrebatamento e o encontro

(avpa,nthsij) não devem ser entendidos literalmente, mas como representação simbólica

da batalha final de Cristo e os poderes das trevas que se opõem a ele e seu povo.

kai. ou[twj pa,ntote su.n kuri,w| evso,meqa (e assim sempre com o senhor

estaremos). Esta expressão encerra a perícope com o objetivo de demover a tristeza e

promover a esperança. É a terceira vez que a preposição su.n (com) aparece. Na

primeira, os mortos ressurretos são conduzidos (por Deus) com Jesus, na segunda vivos

juntamente com ressurretos são apanhados em nuvens, e na terceira todos estarão para

131 Ibidem, p. 89. 132 DUPONT, J. SҮN CRISTWI: L�union avec le Christ suivant saint Paul. Louvain: Nauwelaerts. Paris:

Desclée de Brouwer, 1952, p. 77-79. 133 MOORE, A.L. I and II Thessalonians. Greenwood: The Attic Press Inc., 1969, p. 72. 134 OTTO, R. E. The Meeting in the air (1Thess. 4,17), HBT 19 (1997), p. 192-212). 135 Otto cita Athanasius, Life of Antony 66, onde Antônio tem uma visão na qual as almas em ascensão

tentam evadir-se de um grande monstro (o diabo). O monstro pode pegar apenas aquelas almas que já

pertencem a ele, mas aqueles que fracassaram em vencer enquanto vivos passam a pertencer a ele. 136 OTTO, R. E. The Meeting in the air (1Thess. 4,17), HBT 19 (1997), p. 192-212). 137 MORRIS, L. The First and Second Epistles to the Thessalonians (New International Commentary),

Grand Rapids: 1959, p. 136.

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sempre com o Senhor; de maneira que não há razão para se entristecerem. A ideia de

companhia, de união, é assim bastante fortalecida.

V.18. {Wste parakalei/te avllh,louj evn toi/j lo,goij tou,toij (portanto, consolai-

vos uns aos outros por meio destas palavras). Diante do esclarecimento de Paulo acerca

da situação do mortos em Cristo na parousia, não haveria motivo para a tristeza e a falta

de esperança, e suas palavras também deveriam ser usadas para consolo mútuo sempre

que necessário.

Conclusão da exegese

O arrebatamento coletivo, ou secreto, como alguns preferem, tem sido entendido

como um evento separado e diferente da segunda vinda de Jesus, ainda que esteja

estritamente relacionado com ela na sequência dos eventos. Algo que tem sido feito é

usar as passagens que falam da ressurreição dos mortos em Cristo, e da transformação

dos corpos dos cristãos vivos em corpos incorruptíveis, como escritas apenas com o

objetivo de tratar da vinda de Cristo. Todavia, o que se pode salientar é que em 1Ts

4,13-18 a preocupação de Paulo é primeiramente promover a esperança dos fiéis

desfazendo qualquer mal-entendido acerca de seus entes queridos mortos. De maneira

que ele nem entra em detalhes acerca do evento da vinda, não mencionando, por

exemplo, onde será a vida eterna com Cristo; sua preocupação é consolar os aflitos.

Mesmo no capítulo 5, em que fala da forma repentina como o Dia do Senhor virá,

esclarece que os fiéis (filhos da luz) não serão surpreendidos (v. 4.5) porque, quer na

vigília ou no sono, devem viver em união com Cristo (v. 10). Por isso, não há motivo

para pensar que a passagem seja um compêndio de escatologia paulina e fundamento

para posições doutrinárias. Conquanto uma das principais passagens usadas para

fundamentar o ensino do arrebatamento coletivo seja justamente 1Ts 4,13-18, com 1Cor

15,50-52 e Fl 3,21, entre outras, conforme foi possível perceber, o termo arpaghso,meqa

(seremos arrebatados) comporta um forte sentido de transformação e transfiguração,

para ter o mesmo corpo glorioso de Cristo. Mesmo porque, quando ligada aos textos que

falam do mesmo assunto, o arrebatamento seria apenas uma transformação que ocorre

dentro do evento da vinda de Cristo, não podendo de forma alguma ser considerado um

acontecimento à parte disso � é necessário haver a ressurreição dos mortos em Cristo,

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previamente, para que todos junto possam estar para sempre com o Senhor. Outra

inconsistência na doutrina do arrebatamento coletivo: não é possível perceber a

ressurreição dos cristãos mortos, o que força a crer que a ressurreição dos mortos em

Cristo não é perceptível aos que ficarem. Isso sugere uma ressurreição apenas em

espírito, algo que afronta o ensino paulino, apesar da dificuldade apresentadas pelas

passagens que tratam da ressurreição.

4.2. Exegese de Apocalipse 20,1-6

1 Kai. ei=don a;ggelon katabai,nonta evk tou/ ouvranou/ e;conta th.n klei/n th/j avbu,ssou

Tambem vi (um) anjo descendo do céu tendo a chave do abismo

kai. a[lusin mega,lhn evpi. th.n cei/ra auvtou/Å 2 kai. evkra,thsen to.n dra,konta( o o;fij o

e (uma) corrente grande na mão dele. E agarrou o dragão, a antiga serpente

avrcai/oj( o[j evstin Dia,boloj kai. o Satana/j( kai. e;dhsen auvto.n ci,lia e;th 3 kai. e;balen

que é o Diabo e Satanás, e amarrou a ele mil anos e lançou

auvto.n eivj th.n a;busson kai. e;kleisen kai. evsfra,gisen evpa,nw auvtou/( i[na mh. planh,sh|

a ele para o abismo e fechou e selou sobre ele, para que não enganasse

e;ti ta. e;qnh a;cri telesqh/| ta. ci,lia e;thÅ

mais as nações até que serem completados os mil anos,

meta. tau/ta dei/ luqh/nai auvto.n mikro.n cro,nonÅ

depois destas coisas é necessário ser solto ele pouco tempo.

4 Kai. ei=don qro,nouj kai. evka,qisan evpV auvtou.j kai. kri,ma evdo,qh auvtoi/j( kai.

E vi tronos e sentaram sobre eles, e autoridade para julgar dada a eles, e

ta.j yuca.j tw/n pepelekisme,nwn dia. th.n marturi,an VIhsou/ kai. dia.

as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e por causa

to.n lo,gon tou/ qeou/ kai. oi[tinej ouv proseku,nhsan to. qhri,on ouvde. th.n eivko,na auvtou

da palavra de Deus e os que não adoraram a besta nem a imagem dela

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kai. ouvk e;labon to. ca,ragma evpi. to. me,twpon kai. evpi. th.n cei/ra auvtw/nÅ

e não receberam a marca sobre a fronte e sobre a mão deles

kai. e;zhsan kai. evbasi,leusan meta. tou/ Cristou/ ci,lia e;thÅ

e viveram e reinaram com o Cristo mil anos.

5 oi loipoi. tw/n nekrw/n ouvk e;zhsan a;cri telesqh/| ta. ci,lia e;thÅ

Os restantes dos mortos não viveram até que fosse completado os mil anos.

Au[th h avna,stasij h prw,thÅ 6 maka,rioj kai. a[gioj o e;cwn me,roj evn th/| avnasta,sei

Esta é a ressurreição, a primeira. Feliz e santo o que tem parte na ressurreição,

th/| prw,th|\ evpi. tou,twn o deu,teroj qa,natoj ouvk e;cei evxousi,an( avllV e;sontai ierei/j

a primeira, sobre estes a segunda morte não tem autoridade, mas serão sacerdotes

tou/ qeou/ kai. tou/ Cristou/ kai. basileu,sousin metV auvtou/ Îta.Ð ci,lia e;thÅ

de Deus e de Cristo e reinarão com ele [os] mil anos.

4.2.1. Tradução formal

1E vi

um (anjo) que desceu do céu tendo a chave do abismo

e (uma) corrente grande na mão dele.

2E agarrou o dragão, a antiga serpente que é o Diabo e Satanás

e amarrou ele mil anos

3e lançou ele para o abismo

e fechou

e selou sobre ele, para que não enganasse

mais as nações até que fosse completado os mil anos,

depois dessas coisas é necessário ser solto ele pouco tempo.

4E vi

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tronos e sentaram-se sobre eles,

e autoridade para julgar dada a eles,

e as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus

e por causa da palavra de Deus

e todos que não adoraram a besta nem a imagem dela

e não receberam a marca sobre a fronte

e sobre a mão deles

e viveram e reinaram com o Cristo mil anos.

5Os restantes dos mortos não viveram até que fosse completado os mil anos.

6Esta é a ressurreição, a primeira.

Feliz e santo o que tem parte na ressurreição, a primeira,

sobre este a segunda morte não tem autoridade,

mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele [os] mil anos.

4.2.2. Análise do conteúdo

Nosso objetivo em analisar Ap 20,1-6 é perceber como uma interpretação de seu

conteúdo pode apoiar a expectativa paulina acerca do arrebatamento e assuntos ligados

a este, como por exemplo a ressurreição. Uma vez que nossa perícope principal

encontra-se em 1Ts 4,13-18, e é o nosso ponto de partida, aqui nosso objetivo será mais

breve e superficial: apenas rastrear os temas ligados à escatologia, da qual o

arrebatamento coletivo também faz parte.

É interessante notar que no Apocalipse, um livro que reserva grande espaço para

relatar �as coisas que brevemente devem acontecer�, não trata do arrebatamento da

Igreja, pelo menos não explicitamente, muito menos nos moldes paulinos; a única vez

em que o verbo arpa,zw, rapto, aparece é em 12,5138, num contexto totalmente diferente

do assunto em voga. Entretanto, no ensino escatológico de que o arrebatamento da

138 �E deu à luz um filho, um varão que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi

arrebatado para Deus e para o seu trono� (Ap 12,5).

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Igreja faz parte, Ap 20,1-6 é extremamente importante, pois também faz parte da

sequência de eventos esperados para o fim. O milênio é um assunto exclusivo do

Apocalipse e não aparece em nenhuma outra parte do NT. O tema do milênio tem

promovido múltiplas expectativas ao longo dos séculos, a despeito da dificuldade de

compreensão que a passagem e o livro de Apocalipse inteiro suscitam, devido à sua

característica simbólica e alegórica. O impasse a respeito da interpretação literal ou

simbólica do livro sempre esteve presente na comunidade de fé.

4.2.3. Delimitação da perícope

Apocalipse 20,1-6 relata a visão de João concernente aos mil anos, durante os

quais os fiéis reinarão com Cristo. Todavia, para que isso ocorra, a visão deixa claro que

é preciso139 que Satanás seja preso, impedido de agir enganando as nações. Por isso

João vê o Anjo descer do céu com a chave do abismo e uma grande corrente para

prender Satanás. Entretanto, este evento não é final. Pois Satanás será solto ainda por

um pouco de tempo para retomar suas atividades. Na sequência da primeira visão,

ocorre a segunda, em que João avista tronos e pessoas que recebem autoridade para

julgar. Vê também as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus

e da palavra de Deus, e de todos que não adoraram a besta nem a imagem dela, nem

receberam marcas sobre a fronte e a mão. Todos viveram e reinaram com Cristo os mil

anos. Os últimos versículos (5-6) tratam de explicações a respeito das visões e narram

acontecimentos paralelos.

4.2.4. Contexto anterior

O contexto anterior à nossa perícope relata a visão de um combate entre o

cavaleiro do cavalo branco e seus exércitos, de um lado, e a Besta, os reis da terra e seus

exércitos, do outro. O cavaleiro sai vencedor contra a Besta e o falso profeta

139 Eugênio CORSINI atenta para o uso do Apocalipse a respeito da necessidade de certos acontecimentos

(cf. 1,1; 4,1, �as coisas que devem acontecer�), os quais na verdade, querem indicar a maneira infalível e

irrefreável como se realizam os desígnios de Deus, especialmente o mais importante deles, ou seja, o

plano da salvação. O Apocalipse de São João. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 352-353.

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mencionados em 14,11-18, e ambos são lançados vivos no lago de fogo. Os que foram

mortos pela espada que saía da boca do cavaleiro serviram de alimento às aves. E assim

a visão termina de relatar esse evento, sem nenhuma menção à prisão do dragão e dos

mil anos que fazem parte da próxima visão. De qualquer forma, esse contexto anterior

imediato possui o mesmo gênero de nossa perícope (relato de visão), mas o tema e as

personagens são diferentes.

4.2.5. Contexto posterior

O contexto posterior dá sequência à nossa perícope em 20,1-6, mas trata de outro

evento, isto é, outro combate que deve ocorrer após os mil anos. Satanás será solto e

novamente enganará as nações reunindo-as dos quatro cantos da terra, com Gog e

Magog, numa referência a Ez 38,2.9.15, para combater o acampamento dos santos e a

cidade amada. Todavia, serão destruídos por um fogo vindo do céu, e finalmente

Satanás será lançado no lago de fogo juntamente com a Besta e o falso profeta. O

gênero continua sendo de relato de visão; o que difere é o tema-acontecimento que se

apresenta como uma continuação do evento anterior, e também dá continuidade a outro

assunto: o juízo final. Tal juízo requer que os que não ressuscitaram no período dos mil

anos ressuscitem; depois, segue-se a menção de que a Morte e o Hades (lugar dos

mortos) serão aniquilados juntamente com aqueles que não tiveram seus nomes escritos

no livro da vida. Surge aí a menção da segunda morte: ser lançado no lago de fogo,

mencionada no v. 6.

4.2.6. Análise exegética

Como dito antes, o livro de Apocalipse sempre trouxe certa problemática em

relação à sua interpretação. Ao mesmo tempo em que ele mesmo dá diretrizes de como

quer ser entendido (cf. Ap.1,1.3), seu caráter profético ligado ao conteúdo visionário

apocalíptico deixa muitas questões em aberto. Sem dúvida o leitor ou intérprete do séc.

XXI será mais privilegiado, conforme tem a possibilidade de acessar as várias

interpretações e aplicações feitas ao longo dos séculos. Por outro lado, não se pode dizer

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que tal privilégio facilite as coisas. A perícope de Ap 20,1-6 e sua menção do reino

milenar (a parte que mais nos interessa por ora) tem sido interpretada basicamente de

duas maneiras, como podemos constatar nos ensino escatológico e também cf. Prigent.

São elas: 1) uma leitura literal: os mil anos se referem a um período futuro, e 2) uma

leitura simbólica (ou alegórica): os mil anos são o período presente da Igreja de Cristo.

Portanto, dentro e a partir destas duas leituras surgem as várias interpretações com seus

diferentes matizes.

4.2.7. Divisão da perícope

1ª Visão: a prisão de Satanás por mil anos (v. 1-3)

2ª Visão: o reino milenar de Cristo (v. 4)

3ª A explicação da segunda visão (v. 5-6)

A perícope é estruturada sobre as visões. O uso constante da conjunção aditiva,

característico do relato de visões, promove uma somatória de ideias constituídas de

verbos de ação dando vivacidade e dinamismo às cenas.

Na primeira visão os elementos de contraste são fortes: anjo-dragão, céu-abismo,

preso-solto, mil anos-pouco tempo. Mas a mensagem importante é que o anjo vindo do

céu aprisiona Satanás por mil anos. Alguns consideram que a prisão de Satanás é o

evento mais importante dessa perícope. Charles140 R. Erdman atenta para o fato de que

muitos focalizam demais os mil anos, sem levar em conta que a prisão de Satanás e sua

impossibilidade de agir é que favorece a ocorrência dos mil anos. A figura do dragão

,que aparece também em vários outros textos de Apocalipse, aqui recebe quatro

nomeações, o que promove categoricamente sua identidade e parece não querer deixar

dúvidas de quem se trata; e cinco verbos141 são usados para relatar a sua prisão, o que

reforça sobremodo o acontecimento de caráter dramático e restritivo. Só então acontece

a segunda visão.

140 ERDMAN, Charles R. Apocalipse de João. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960, p.12. 141 Agarrou, amarrou, lançou, fechou, selou.

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João vê, então, tronos e pessoas que se sentam sobre eles, as quais

recebem autoridade para julgar. Prigent142 chama a atenção aos paralelos que ocorrem

com os termos e imagens do capítulo 20 em relação ao livro todo, bem como com

tradições veterotestamentárias. Quanto aos tronos do v. 4, Prigent143 afirma terem sido

inspirados na tradição de Dn 7,9 do Ancião de Dias e do Filho do homem que julgam e

reinam, e onde os santos recebem a realeza. Vasconcellos144 salienta que, embora não

seja a primeira vez que João veja tronos no Apocalipse, é a única vez que ele vê muitos

tronos, e dessa vez não ao redor do trono de Deus,; um paralelo interessante

encontramos em Mt 19,28145. Contudo, tão importante quanto esses muitos que irão

julgar, é a identificação que o texto faz deles, isto é, eles são �os que foram degolados

por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, não adoraram a besta nem sua

imagem e não receberam a marca na fronte e na mão�. São também �os que viveram e

reinaram com Cristo os mil anos�. Parece estar ligada à tradição dos santos que julgam

o mundo (cf. Mt 19,28; Lc 22,30; 1Cor 6,2). Porém, aqui parecem ser mais do que fiéis;

afinal, são também mártires, pois levaram sua fé às últimas consequências, a ponto de

serem degolados. Segundo Prigent, é importante notar que o verbo peleki,zw, empregado

para especificar os mártires, significa decapitar com machado, suplício usado na Roma

republicana, não porém na Roma imperial (que preferia a espada). Seria por influência

do procedimento antigo que João usou tal termo, ou ele estava pensando nos grandes

mártires do passado? Infelizmente, não há como afirmar peremptoriamente este

particular. Somente está claro que foram mortos por sua fé. Prigent146 ainda suscita a

dúvida de se �as almas dos decapitados (no acusativo) seriam as mesmas dos que não

adoraram a Besta etc.�, visto que está no nominativo, como se tratasse de sujeitos.

Porém, não há necessariamente desarmonia no pensamento de João, e é preciso levar

em conta os erros de construção gramaticais do grego do Apocalipse joanino; por isso,

há que se conviver com essas dificuldades. Além do que, mesmo os que não foram

degolados, mas não adoraram a Besta, nem sua imagem ou não receberam marcas na

fronte e nas mãos (cf. 13,15-17) podem ser considerados dignos de morte pela decisão

que tomaram. Destarte, as questões que surgem são do tipo: somente os mártires

142 PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo: Loyola, 1993, p. 354-355. 143 Ibidem p. 365. 144 VASCONCELLOS, Pedro L. A vitória da vida: milênio e reinado em Apocalipse 20,1-10. Revista de

Interpretação Bíblica Latino-Americana 34. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 86. 145 �Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar

no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel� (Mt

19,28). 146 Ibidem, p. 366.

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viveram e reinaram? E os cristãos que morreram de outras formas? Levando em conta o

forte apelo de João no decorrer da obra à radicalidade da fé em Cristo, a vitória dos

perseverantes e o julgamento parecem indicar que somente os que

foram degolados por causa do testemunho de Jesus e por causa da palavra de

Deus e todos que não adoraram a besta nem a imagem dela e não receberam a

marca sobre a fronte e sobre a mão deles

viveram e julgaram. Todavia, desde Cipriano147, em Ad Fortunatum 12, já se interpreta

que aqueles que, pela fé firme e constante, foram conduzidos a se opor às pretensões

idólatras do império são incluídos na primeira ressurreição. Em outras palavras, a

dificuldade interpretativa continua.

O v. 5 explica a situação dos que permanecem mortos, e no v. 6 o macarismo

privilegia os que participam da primeira ressurreição, pois sobre eles a segunda morte

não tem autoridade. Antes, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele.

Conforme Ap 1,6, o tema do povo de Deus como reino sacerdotal parece seguir a

tradição bíblica (cf. Ex 19,5, 1Pd 2,5.9). Desse modo, a explicação da visão esclarece ao

menos que para João há duas ressurreições. A primeira, dos fiéis para o reino

messiânico temporário, e uma segunda ressurreição, da qual somente participaram os

que não reinaram os mil anos. Ainda juntamente com a ideia de duas ressurreições,

também aparece a ideia de duas mortes148. A questão sobre quem são os mortos que não

ressuscitam também dependerá de como se interpreta a primeira ressurreição. Segundo

Prigent149, os pais da Igreja de forma geral interpretavam que os fiéis que ressuscitaram

eram os justos notáveis, e os que não ressuscitaram, os justos menos notáveis,

juntamente com o restante da humanidade150. Outros acreditam que a primeira

ressurreição é atual, espiritual, enquanto a segunda será corporal e geral; também aqui

dependerá da forma literal ou simbólica que se queira seguir. Outros, cf. Vielhauer151,

acreditam que seja a combinação de duas concepções judaica da ressurreição: uma mais

antiga, sobre a ressurreição dos justos apenas, e outra mais recente, sobre a ressurreição

geral dos mortos.

147 Cf. PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo: Loyola, 1993, p. 366. 148 A primeira morte obviamente seria a morte física, natural. 149 Ibidem, p. 367. 150 Tal interpretação parece estar de acordo com Ap 20,13: �E deu o mar os mortos que nele havia; e a

morte e o inferno deram os mortos que neles havia�, onde os locais de habitação dos mortos são

mencionados. 151 VIELHAUER, Philip. Historia de la literatura cristiana primitiva, p. 522, apud VASCONCELLOS,

Pedro L. A vitória da vida: milênio e reinado em Apocalipse 20,1-10. Revista de Interpretação Bíblica

Latino-Americana 34. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 90.

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A segunda morte (v. 6) tem sua explicação no v. 14: trata-se da condenação

eterna ao lago de fogo, que ocorrerá após a soltura e condenação de Satanás e

principalmente após o julgamento do Grande Trono Branco. A segunda morte aparece

como consequência do que estará escrito nos livros (das obras e da vida); portanto, entre

os mortos estarão alguns que não serão condenados. Tal ideia parece confirmar a

interpretação de que entre os que não ressuscitaram no v. 5 há �cristãos�, �salvos�, e

portanto a primeira ressurreição é apenas e tão somente dos mártires.

4.3. Crítica exegética do arrebatamento: convergências e divergências

interpretativas entre as duas passagens

Em Paulo, os mortos em Cristo ressuscitam e os vivos são transformados para

juntos encontrarem o Senhor nos ares e assim estarem para sempre com ele. Portanto,

não é um reino temporário. Paulo nada diz nessa passagem sobre um reinado do tipo

messiânico, mas as outras passagens nas quais fala sobre a transformação corpórea

juntamente com a ressurreição ajudam a compreender que esse reino é celestial. Em

1Cor 15,50 esclarece: carne e sangue não herdam o reino de Deus; o corpo precisa estar

incorruptível para herdar o reino de Deus, e quando isso acontecer a morte terá sido

vencida (cf. 1Cor 15,54). Então, como a corrupção não pode herdar a corrupção, o reino

que Paulo espera é incorruptível, ou seja, celestial e não terreno. Também, conforme Fl

3,20, a cidade do cristão está nos céus; de lá virá o Salvador e transformará o corpo de

humilhação, em corpo glorioso.

No Apocalipse de João, os mártires vivem (primeira ressurreição) e reinam com

Cristo por mil anos; portanto, o reino é temporário. Esses mártires são imortais, uma vez

que a segunda morte não tem autoridade sobre eles. Quanto ao restante dos mortos, não

são ressuscitados, e se considerarmos que a morte tem autoridade sobre eles, então seu

futuro dependerá do julgamento � supõe-se que alguns serão absolvidos, outros não.

Como fazer convergir Paulo e João, uma vez que não há menção de

arrebatamento coletivo em João? Deve-se partir do momento em que os mortos

ressuscitam e os vivos são transformados, e considerar que a ressurreição dos mártires

equivale à ressurreição de todos os cristãos (os quais morreram em Cristo). O reino em

Paulo deverá ser temporário, o que não se confirma. E os ressurretos que reinam com

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Cristo são imortais152, contudo, convivem com as nações, já que após os mil anos as

nações se voltam contra a cidade santa. A menos que se considere que os cristãos

ressurretos vivam um modo de vida celestial, como anjos, reinem em outra dimensão �

mas então, quem são os santos que vivem na cidade santa, contra quem Gog e Magog

irão se opor?

Assim, percebemos que estamos diante de interpretações e leituras totalmente

inconciliáveis, sobre as quais se tem construído doutrinas que se arrogam verdades

irrefutáveis, inquestionáveis, e com diferentes implicações nos campos político,

econômico e religioso. No entanto, são passíveis de erros, nos quais se incorre quando

se interpreta literalmente textos simbólicos que são, na verdade, linguagens da

experiência religiosa. E tal linguagem lida com a difícil tarefa de expressar o

inexprimível. Ao mesmo tempo que exprime vívida e exageradamente uma realidade

que se projeta para um tempo futuro, responde angústias, dúvidas e temores do presente.

Assim, Apocalipse 20 se presta a destacar a ressurreição dos que morreram

violentamente por sustentarem sua fé em Jesus, mas são recompensados com um reino

onde vivem e reinam por mil anos. Quando se procura explicar o texto em detalhe, isso

é desconsiderado.

A experiência angustiante de injustas tragédias requer uma linguagem também

dramática e marcante para ser explicada a contento. Por isso se nota disparidade e

contraste em termos como mil anos e pouco tempo. Nos mil anos em que reinam os que

participam da primeira ressurreição, o diabo permanece preso, e os restantes dos

mortos assim continuam também pela mesma duração. Por pouco tempo o diabo é solto

para enganar as nações e promover a guerra, mas seu fim é trágico e eterno. A

mensagem, portanto, é categórica: vale a pena ser testemunha de Jesus e de sua Palavra,

afinal suas testemunhas são ressurretas, julgam e reinam, enquanto o diabo permanece

preso. Quando ele é solto, suas ações duram pouco tempo, mas sua punição é perene, a

qual também poderá ser destinado aquele que participar da segunda ressurreição.

Logo evidencia-se que, apesar de 1Ts 4,13-18 e Ap 20,1-6 convergirem no

sentido de honrarem aos fiéis mortos, consolarem e encorajarem os cristãos, ambas não

152 No entanto, cf. 20,9: �E subiram sobre a largura da terra e cercaram o arraial dos santos e a cidade

amada; mas desceu fogo do céu e os devorou�, convivem com as nações que continuam presumivelmente

a viver no modo de vida terrena, uma vez que não passaram pela primeira ressurreição e após serem

seduzidas por Satanás (para a última peleja) serão mortos, consumidos pelo fogo.

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compartilham as mesmas expectativas e tradições, nem o mesmo gênero literário, sendo

portanto constituídas de tradições diferentes do cristianismo primitivo.

Paulo não esboça um reino temporário, pois os fiéis estarão para sempre com o

Senhor, nem tampouco o lugar onde estarão é esclarecido, se na terra ou no céu. Já em

Apocalipse 20 o reino é temporário e terreno. Em Paulo, a primeira ressurreição é dita

em relação aos que estiverem vivos e devem ser transformados; não há menção de

segunda ressurreição. Já em Apocalipse 20, o ressuscitar primeiro, está dito, em relação

à segunda ressurreição para o julgamento, e não aos vivos. A abordagem de ambos os

textos também deve sofrer interferência ligada à forma literária em que se encontram,

uma sendo parte dum sermão exortativo e outra um relato de visão.

Dessa maneira, as divergências expostas acima demonstram a origem traditiva

diversa, o que constitui formas diferentes de crença, muito provavelmente, por grupos

diferentes no tempo e espaço e que experimentaram e produziam uma expectativa

religiosa discordante.

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CONCLUSÃO

A crença no arrebatamento da Igreja como elemento integrante do sistema

dispensacionalista pré-milenista escatológico faz parte do modo fundamentalista de

leitura da Bíblia. Tal leitura enfatiza a inerrância, a infalibilidade e a inspiração das

Escrituras, além de atribuir historicidade científica ao conteúdo bíblico. Assim sendo, a

Bíblia e seus textos proféticos antecipariam acontecimentos a tal ponto que aqueles que

recorrem à Bíblia seriam capazes de prever os rumos da história. Tal visão da Bíblia

acaba por fazer com que a interpretação de certo tema ao longo das Escrituras tenha que

se ajustar de maneira que não haja divergências e incongruências. Nesse horizonte,

ideias e crenças discrepantes provindas de diferentes autores e comunidades de fé, de

lugares e épocas diferentes (como é o caso da composição da Bíblia) são ignoradas.

A crença no arrebatamento da Igreja ganhou força e popularidade com o

movimento fundamentalista do final do século XIX, como vimos no primeiro capítulo,

porém até hoje se constitui maioria nos meios evangélicos de semelhante fé. Seus meios

de divulgação são os mesmos do início, somados aos meios modernos, como é o caso da

internet e do cinema. Por isso, optamos por apresentar, no terceiro capítulo, a análise de

um filme que divulga a crença. Na verdade, nesse capítulo chamamos a atenção para

uma característica de narrativa, a de ser constituída de arranjos selecionados de textos

bíblicos para a formulação da montagem doutrinal. Através das imagens fílmicas como

representação da realidade que faz uso de escolhas, mudanças, transformações, cortes e

recortes para sua montagem, foi possível evidenciar como uma doutrina ou crença

participa do mesmo mecanismo seletivo para representar a realidade ou mesmo o que se

espera dela no futuro. Levamos também em conta as ideologias que fazem parte da

construção dessas crenças doutrinárias. Tais ideologias camuflam posturas dissonantes

que envolvem tanto a crença em si quanto a postura de seus adeptos. Posturas

incompatíveis e incongruentes se evidenciam à medida que tais doutrinas e crenças

envolvem uma porção da sociedade pertencente a grupos dominantes, sejam políticos,

administrativos, econômicos etc. como acontece nos EUA.

Outra característica marcante da linguagem imagética cinematográfica é que ela

aumenta o grau de plausibilidade da doutrina escatológica em si, a ponto de tornar as

imagens fílmicas um quadro de referência para a interpretação dos textos bíblicos.

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As exegeses e o cruzamento do texto paulino de 1Ts 4,13-17 e joanino de Ap

20,1-6, no último capítulo, usados como formadores e construtores da doutrina do

arrebatamento, também expõem a constatação do processo pelo qual é forjada tal

crença, uma vez que existe uma clara divergência entre as teologias de ambas as

passagens. Pelo mesmo processo outras passagens bíblicas são inseridas no corpus

doutrinário para dar-lhe um conteúdo coerente e crível. Dessa forma, textos usados e

manipulados à base de colagens interpretativas passam a funcionar, não apenas como

elemento moldador do construto, mas como elemento promotor do construto. Ou seja,

toda uma construção doutrinária passa a conduzir a leitura de tais textos, de maneira que

as incongruências existentes em seu corpus tornam-se invisíveis.

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