a coragem de marilyn monroe

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A coragem de Marilyn Monroe À Marilyn Monroe (in memoriam) Cantora de Jazz Ella Fitzgerald e sua fã no. 1 Marilyn Monroe, Novembro de 1954. O termo raça, embora tenha uma função política (luta pelo reconhecimento), já foi excluído do vocabulário científico por não possuir nenhum conteúdo de verdade verificável cientificamente; assim, a transposição imediata da diferença da cor da pele para o âmbito da diferença social entre seres humanos, isto é, a determinação de que deva haver uma hierarquia e status social baseada na cor da pele é o que se pode chamar de racismo. Quando a Blonde Bombshell (loira bombástica) foi eleita a “menina dos olhos da América” por seu “poder da sedução”, nas décadas de 1950 e 60, a esmagadora maioria dos cidadãos medianos dos EUA acreditava que a coloração da pele das pessoas era não só um determinante social, mas era o meio 1

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A amizade entre Marilyn Monroe e Ella Fitzgerald tem muito a nos ensinar sobre coragem. Na edição de Agosto de 1972 da revista MS Magazine, Ella Fitzgerald conta como conseguiu decolar sua carreira com uma ajudinha da Marilyn Monroe. Nessa época de segregacionismo nos EUA, hotéis, restaurantes e ainda inúmeras casas de jazz impediam que músicos negros tocassem ou mesmo que entrassem nelas. Ella Fitzgerald e Dizzy Gillespie, por exemplo, foram presos em Houston ao tentarem burlar a lei que dividia músicos brancos e negros também no palco.

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A coragem de Marilyn Monroe

À Marilyn Monroe (in memoriam)

Cantora de Jazz Ella Fitzgerald e sua fã no. 1 Marilyn Monroe, Novembro de 1954.

O termo raça, embora tenha uma função política (luta pelo reconhecimento), já foi excluído do vocabulário científico por não possuir nenhum conteúdo de verdade verificável cientificamente; assim, a transposição imediata da diferença da cor da pele para o âmbito da diferença social entre seres humanos, isto é, a determinação de que deva haver uma hierarquia e status social baseada na cor da pele é o que se pode chamar de racismo.

Quando a Blonde Bombshell (loira bombástica) foi eleita a “menina dos olhos da América” por seu “poder da sedução”, nas décadas de 1950 e 60, a esmagadora maioria dos cidadãos medianos dos EUA acreditava que a coloração da pele das pessoas era não só um determinante social, mas era o meio pelo qual se podia (com apoio da lei) discriminar quais seriam os ambientes adequados para quem tinha esta ou aquela cor de pele.

Marilyn Monroe “amante dos negros” – 1.297 pessoas de pele branca (e 3.446 pessoas de pele negra) foram linchadas até a morte no sul dos EUA, entre os anos de 1882 a 19681; umas pelo simples fato de serem negras e/ou acusadas de algum crime e as outras pelo simples fato de serem brancas e/ou apoiar o fim do racismo contra os

1 Tuskegee Institute: "Lynchings: By State and Race, 1882-1968". University of Missouri-Kansas City School of Law. http://www.law.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/shipp/lynchingsstate.html.

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negros. O linchamento é um ato de barbarismo e a forma mais espetacular de assassinato. Mas quando ocorria linchamento de pessoas de pele branca, qual era o “veredito” no qual se baseavam? Como dizia o “dito popular” do sul dos EUA: eles eram chamados de “amantes de negros”, punham em dúvida a supremacia branca, por isso deviam morrer. Na década de 50, na cabecinha infeliz do cidadão médio fascista, sobretudo no sul do país, qualquer cidadão de pele branca que viesse publicamente afirmando-se a favor do fim das leis de segregação racial, ou se tivesse pessoas de pele negra entre seus amigos, ou ainda se se relacionasse amorosamente com alguém de pele negra, poderia ser acusado de ser um “amante de negros”.

A amizade entre Marilyn Monroe e Ella Fitzgerald tem muito a nos ensinar sobre coragem. Na edição de Agosto de 1972 da revista MS Magazine, Ella Fitzgerald conta como conseguiu decolar sua carreira com uma ajudinha da Marilyn Monroe. Nessa época de segregacionismo nos EUA, hotéis, restaurantes e ainda inúmeras casas de jazz impediam que músicos negros tocassem ou mesmo que entrassem nelas. Ella Fitzgerald e Dizzy Gillespie, por exemplo, foram presos em Houston ao tentarem burlar a lei que dividia músicos brancos e negros também no palco. Marilyn Monroe, tomada ao mesmo tempo por sua consciência da questão racial e pela consciência de seu poder de persuasão fez ativismo político anti-racial, à sua maneira, ao saber que sua cantora favorita, vítima de racismo, havia sido recusada de cantar num clube noturno de Los Angeles. Nas palavras da diva do Jazz:

Eu tenho para com a Marilyn Monroe uma dívida real (...) foi por causa dela que eu cantei no ‘Mocambo’, um clube noturno muito popular nos anos 50. Ela ligou pessoalmente para o dono do Mocambo, e lhe disse que me queria na agenda do clube imediatamente, e se ele fizesse isso, ela iria tomar a mesa da frente todas as noites. Ela disse a ele - e isso era verdade, devido ao status de superstar de Marilyn - que a imprensa iria cair matando. O proprietário disse sim e Marilyn estava lá, na mesa da frente, todas as noites. A imprensa apareceu em peso. Depois disso, eu nunca tive que tocar num clube de jazz pequeno novamente. Ela era uma mulher incomum – um pouco à frente de seu tempo e ela sabia disso. (Ella Fitzgerald, 1972)

Pouca gente quis investigar se a musa realmente manteve a promessa diariamente, mas que importa? Curiosamente, aquela que, na cabeça de seus detratores, não deveria passar de uma “loira burra” que usa do seu corpo para atrair o sucesso, abriu um caminho político para o fim da segregação racial. Ella Fitzgerald reconheceu que com a ajuda da fã, ela conseguiu dar um importante avanço na sua carreira como cantora de jazz. Com essa atitude, que poderiam hoje classificar erroneamente como “um simples telefonema de uma fã”, na verdade, foi uma “ação política” e Marilyn Monroe sabia que, ao enfrentar o racismo, estava correndo perigo de morte.

Hoje, em nossa época em que interneteiros ficam fazendo a “revolução” em casa protegidos atrás da tela do computador, armados apenas pelo mouse e pelo teclado, Marilyn Monroe reaparece não mais como uma boneca a serviço do patriarcalismo, mas

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como uma pessoa que teve a coragem de colocar sua “cara a tapa” e desafiar o Establishment racista de sua época. Há que se ressaltar a bravura política de uma Marilyn Monroe contra a pusilanimidade de irritadinhos de plantão que combinam manifestações virtuais contra o racismo pelo Facebook, com o objetivo “glorioso” de que seus “amigos” possam apenas “curtir”.

Ella Fitzgerald e sua secretária Georgiana.HenryPresas durante um show por tentar burlar a lei de segregação nos palcos. Departamento de Polícia de Houston, 1955

Renato Araújo([email protected])

20/08/2012

Referências

KIDDER, Clarck Marilyn Monroe: Cover to Cover. Kp- Krause Publications, an F& W Publications Company., 2003. p.133.

LESSANA, Marie-Magdeleine Marilyn: Retrato de Uma Estrela Trad. André Telles Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2006. p. 66

Página na Internet

http://groovenotes.org/2012/03/22/how-ella-fitzgerald-and-marilyn-monroe-changed-each-others-lives/ http://blog.chron.com/bayoucityhistory/2011/01/on-integration-jazz-and-the-arrest-of-ella-fitzgerald-and-dizzy-gillespie-in-houston/

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