a cor secreta dessas praças

34

Upload: candeeirocafe-editorial

Post on 22-Mar-2016

230 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

uns escritos de matheus pazos, esse livreto publicado pelo selo candeeirocafe em dezembro de 2013

TRANSCRIPT

Page 1: a cor secreta dessas praças
Page 2: a cor secreta dessas praças
Page 3: a cor secreta dessas praças

a cor secreta dessas praças

matheus pazos

Page 4: a cor secreta dessas praças
Page 5: a cor secreta dessas praças

[...]

mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa

e de tempo: mas está comigo está

perdido comigo

teu nome

em alguma gaveta

(Ferreira Gullar, in: Poema sujo)

Page 6: a cor secreta dessas praças
Page 7: a cor secreta dessas praças

anúncio

Page 8: a cor secreta dessas praças
Page 9: a cor secreta dessas praças

negativo do poeta quando jovem

revestir de coisas velhas

secretas amontoadas a servir

desculpas sob farrapos limpos

porém nunca dignos

vida lançada a esmo

azar lançado ao claro

movimento cego de grito

sem deus.

sem rota.

tristeza temperada no frio

setembro anunciando futuros

repetição inútil do mesmo

vitorioso estado de outrem

sempre alheio.

nunca reflexo.

prodigiosamente calado

intempestivo porque pródigo

só.

Page 10: a cor secreta dessas praças

miragens respigam telhados

contas espalhadas na porta

céus no rasante pisoteados

cravando destino inofensivo

necessariamente livre.

particularmente seco.

inundações a obliterar

verbos de cólera

estancar a nódoa

lavar o colarinho

arrumar a cama

aquela cujo ranger

espera

o sono fiel.

Page 11: a cor secreta dessas praças

missiva a um poeta em chamas

a Campo Santo Leituga

gritas num oco do mundo

surdo ao rude apelo em cruz

credo inerte ao idioma pagão.

danças aquela mesma música

avesso da pele que assusta

canto escancarado en la noche

oscura, matilha acuada e alerta.

caminhas entre cinzas, tu

outrora império ou profeta

caos destruindo a falsa beleza

aquela que aprisiona

aquela que diminui

tu: hermes para tempos

esquecidos de tudo

abertos ao nada

iluminas o chão com o dedo

certeiro para os céus.

Page 12: a cor secreta dessas praças

ex nihilo

disse:

do rascunho

relegado ao canto

mata borrão

faço vida.

ignorada por planos

faraônicos babilônios

rasteira chance de beleza

anseia entretanto fazer

do traço um sinal, causa

discreta novidade.

animada embriaguez contra

natureza ou destino de lixo.

disse:

eis o que sou

isso é dado

forma sopro

vida.

Page 13: a cor secreta dessas praças

de beata uita

a Arthur de Bulhões

se pudesse calava

verbum mentis

esquizo diálogo

solilóquio.

nada a dizer além

da imanência precisa

carne, osso, ruga

hora pontuada

verdade descoberta.

recuo prudente

mundo virtuoso

inventado declínio

a priori anunciado

ausência sorridente

do engano sobre si.

Page 14: a cor secreta dessas praças

grito da lápide

Here lies One whose Name was writ in Water Keats’ tombstone

a Affonso Manta

De pedra extraviada

lançada a esmo

fora da rota

castigada para nunca

acontecer.

Imprestável, não usam

como arma ou amuleto

avessa ao polimento

deseduca “per absentiam”

forma, matéria,pudor.

De tropeço, trave

entulha naves

perturbando

apocalíptico estorvo

passadas angelicais.

Objeto não-existente

liricamente corta

ingênuos poderes

de construção.

Page 15: a cor secreta dessas praças

Die Bildung

Page 16: a cor secreta dessas praças
Page 17: a cor secreta dessas praças

maio

Do not go gentle into that good night. Rage, rage against the dying of the light.

Dylan Thomas

frio de maio invade todos os cantos

a dispensar crueldades pintadas

sonhos de Miró, projetos de Dalí

repetição inútil em viagens esquecidas

'do pó vieste, ao pó voltarás'.

inquietação no cruzar de pernas

aquecimento impossível quando se é miserável

forçando rumo àquele sítio em dezembro

musicado em conjunto, melodia destilada

vida açucarada sempre no mesmo domínio

convite de sorrisos em naturezas cinzas.

casa de móveis tristes tudo é solidão

palavra estranha a rimar com saudade

bater de portas nomes invocados

leito vazio clama bagunça proibida às cobertas.

tudo está devidamente reto, tudo está devidamente imóvel

tudo está devidamente seco, tudo está devidamente morto

Assim como eu e tu.

Page 18: a cor secreta dessas praças

I

De costas para o mundo

ela partiu.

Dispensou adereços, posses

cortes e nomes de senhor.

Descumpriu preceitos e

cuspiu nas crendices da vó.

Partiu certa dos rumos que tomava

e usava um vestido que traduzia bem

aquela palavra decorada na escola:

libertas.

Page 19: a cor secreta dessas praças

II

Transeunte convicta

do desejo que incide

da beleza implícita

pele, passos, fuga.

Pernas cobiçadas

sinal da ressaca

mar, rua, sertão.

Revira olhares

ao entortar esquinas

e fazer dos bares

signos de contemplação.

Page 20: a cor secreta dessas praças

III

Prometeu, pretérita, retornar

dar meio passo volta e meia

foxtrote ou xaxado

Polido sapato na espera

joelhos bambos pés errados

aflição no ritmo do disco.

Não voltou.

Esqueceu talvez os passos

Arrumou descompromisso

Inventou no presente o desdenhar.

Page 21: a cor secreta dessas praças

IV

A thing of beauty is a joy for ever: Its loveliness increases; it will never Pass into nothingness...

Keats

na ventania prevista ponte

suspensa para recém nascida

treva firme antes trêmula.

sempre ela vizinha do lado

avesso do rio profundo

jamais vista no raso olhar.

entidade divina quase

capiroto encarnado pela

fragrância humana presente

ao castigo nunca inalado.

surpresa lança ao sentido

sonho real à procura vã

deste febril espírito.

la belle

Page 22: a cor secreta dessas praças

V

poema para as senhoras deste tempo

aos olhos de Bárbara Jardim

Lançada no breu

violando círculos

em busca do rosto

perdido, guardado

no mesmo canto.

Presa ignorava

pavor [des]coberto

à luz fosca da mais

triste das faculdades

Reconstruía saídas

num bailar assassino

impulsivo, cru

sobre o chão, sua morada.

Page 23: a cor secreta dessas praças

VI Enlouqueci, um girassol nasceu na minha boca

Affonso Manta

instrumento afiado

justo canhoto lado

ouvido oco em dó.

fingimento digno

velórios caducos

enterro de Lázaro

bêbado bisavô.

trotando chinela

raízes na poeira

coice e ferida

encardida memória.

vestido frangalho

sumido no mapa

cismado projeto

lúcido de pedra.

grita entre babas

dança sem ritmo

sangra escondido

tudo para a moça fugida no sul.

Page 24: a cor secreta dessas praças
Page 25: a cor secreta dessas praças

promessa

Page 26: a cor secreta dessas praças
Page 27: a cor secreta dessas praças

fuga poética

desgastada portentosa imagem

oferecida ao grande público

sentimento degustado

percorrido entre bocas mãos

alimento para gerações

críticos amantes exercícios.

outro lado nunca revelado

não há voz e resposta

Beatriz, Laura, Teresa

ventre sedutor da Andaluzia

todas caladas no verso

retidas no olhar poético

aquele que tudo devora

segredos agora sussurrados

ao vento do sucesso impresso.

prova cabal da ilusão vaidosa

caçador perverso de olhares

urge certeiro elevar homenagens

cantos universais ao mundo

rompendo um acordo assaz antigo

provas de amor dispensam anúncio.

Page 28: a cor secreta dessas praças

ponto cego

Un soir, j'ai assis la Beauté sur mes genoux. – Et je l'ai trouvée amère. – Et je l'ai injuriée

Rimbaud

a querino

sintaxe reticente oscila

desconexo visgo demarca

errático método minado

despido falseado ligeiro

riscado alheio cansaço

urgente alvo certeiro

obviedade nunca cozida

equivocada raiz castiga.

Page 29: a cor secreta dessas praças

pesquisa dominical

A verdadeira ternura não se confunde com alguma coisa. É silenciosa

Anna Akhmátova

poeta solitário a galope

trafega em praças

objetivamente evitadas.

drummondiano de corpo

bandeiriano de alma

vislumbra atônito versos

espalhados em bocas

servidos para copos

cupuaçu gelado, açaí

trópicos felizes.

contempla encantamentos

diversão em imagens

gestos naturais aos ouvintes

casal cúmplice decorando

sua voz e ritmo.

sobre si recai

sinais de incômodo

bicho fora do ninho

Page 30: a cor secreta dessas praças

os versos devem trafegar

cruzar afetos, embalar sussurros

o poeta, no entanto, é substrato

forma dat esse

nada mais.

Page 31: a cor secreta dessas praças

charmaine

Eu farei arte, não para, mas sobre você Keaton Henson

sem gagueira o chiste

gritado esforço míope

pela neblina contempla

ridículo dissimula conjuntos

dissonante composto estranho

ao tímido olhar distante

manias de woody allen

por godard

sobre truffaut

excuse me, so sorry

je t'adore

na diferença de nós dois.

Page 32: a cor secreta dessas praças

porto alegre

recôncavo, dirias

seguridade ao maleável

destinou abismo

frenético, ousas

natureza quebradiça

ventura inominável

onde voar é possível

duvidas

rosto voz chão

tudo é muito simples

tudo é muito livre

singular tradução do leve

cais

presságio

feliz repousar.

Page 33: a cor secreta dessas praças
Page 34: a cor secreta dessas praças

Publicado em dezembro de 2013 (1ª edição, ebook)

Capa, fotografia: julia filardi

rubro passo (2011)

candeeirocafe.wordpress.com