a contribuição do cnj para a concretização da dignidade humana

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 ANO 3 VOL.6 SET.-DEZ. / 2013 REVISTA DE DIREITO BRASILEIRA RDB - 315 - 2 A CONTRIBUIÇÃO DO CNJ PARA A CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO CONTEXTO DA ATUAÇÃO DO PODER  JUDICIÁRIO The CNJ contribution to the implementation of human dignity in the context of the  judiciary perform ance DÉBORAH LEITE DA SILVA Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande (2004) e pós-graduação ( lato sensu) em Direito Processual Civil também pela Universi- dade Federal de Campina Grande (2005). É professora efetiva da Universida do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (desde julho de 2006), tendo assumido, também nessa instituição, a Coordenação do Núcleo de Prática Jurídica (desde fe- vereiro de 2009). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Univer- sidade Federal do Rio Grande Norte. E-mail: [email protected]. WALTER  NUNES DA SILVA JÚNIOR Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1987), mestrado em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (1999) e doutorado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Per- nambuco (2006). Exerceu a função de membro do Conselho Nacional de Justiça (2009-2011), após o que retornou ao exercício da Titularidade da 2ª Vara Federal - Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, sendo também, atualmente, Juiz Corre- gedor da Penitenciária Federal em Mossoró. É professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Conselheiro da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam, para o biênio 2013/2014 . Tem expe- riência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual Penal, atuando princi-  palmente nos segu intes t emas: dire ito pro cessual p enal, pro cesso eletrônico e plano de gestão do judiciário. E-mail: [email protected]. R ECEBIDO EM: 01.08.2013 APROVADO EM: 29.08.2013 R ESUMO A atual conjuntura que permeia a criação e manutenção de institutos com vistas à consecução de interesses sociais deve levar em consideração, sobretudo, a viabilização dos interesses mais relevantes inerentes à pessoa humana, dos quais não  poderá o indivíduo ser privado sem que isso impli que em patente violação a tod o um arcabouço principiológico-constitucional que o tutela. Nesse sentido, a dignidade

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CNJ e a resolução sobre casamento civil homoafetivo

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  • ANO 3 VOL.6 SET.-DEZ. / 2013 REVISTA DE DIREITO BRASILEIRA

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    2a COntRiBuiO dO CNJ paRa a COnCRetizaO da diGnidade da pessOa

    huMana nO COntextO da atuaO dO pOdeR JudiCiRiO

    The CNJ contribution to the implementation of human dignity in the context of the judiciary performance

    dBORah Leite da siLvaPossui graduao em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande (2004) e ps-graduao (lato sensu) em Direito Processual Civil tambm pela Universi-dade Federal de Campina Grande (2005). professora efetiva da Universida do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (desde julho de 2006), tendo assumido, tambm nessa instituio, a Coordenao do Ncleo de Prtica Jurdica (desde fe-vereiro de 2009). Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Direito da Univer-sidade Federal do Rio Grande Norte. E-mail: [email protected].

    waLteR nunes da siLva JniORPossui graduao em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1987), mestrado em Direito Pblico pela Universidade Federal de Pernambuco (1999) e doutorado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Per-nambuco (2006). Exerceu a funo de membro do Conselho Nacional de Justia (2009-2011), aps o que retornou ao exerccio da Titularidade da 2 Vara Federal - Seo Judiciria do Rio Grande do Norte, sendo tambm, atualmente, Juiz Corre-gedor da Penitenciria Federal em Mossor. professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Conselheiro da Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados Enfam, para o binio 2013/2014 . Tem expe-rincia na rea de Direito, com nfase em Direito Processual Penal, atuando princi-palmente nos seguintes temas: direito processual penal, processo eletrnico e plano de gesto do judicirio. E-mail: [email protected].

    REcEbIDo Em: 01.08.2013ApRoVADo Em: 29.08.2013

    ResuMO

    A atual conjuntura que permeia a criao e manuteno de institutos com vistas consecuo de interesses sociais deve levar em considerao, sobretudo, a viabilizao dos interesses mais relevantes inerentes pessoa humana, dos quais no poder o indivduo ser privado sem que isso implique em patente violao a todo um arcabouo principiolgico-constitucional que o tutela. Nesse sentido, a dignidade

  • ANO 3 VOL.6 SET.-DEZ. / 2013 REVISTA DE DIREITO BRASILEIRA

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    da pessoa humana foi elevada categoria de princpio-norte em muitos pases, no apenas sob o vis interpretativo, mas tambm em relao imposio de limites e atribuio de responsabilidade aos poderes constitudos. de se ressaltar que a viabilizao do princpio referido se d, em regra, pelo vis dos direitos fundamen-tais, e tem como um de seus desdobramentos a igualdade, sobretudo no seu aspecto substancial. Contudo, nem sempre se vislumbra o respeito ao ser humano quando da atuao estatal, o que tambm se d no contexto do exerccio da funo jurisdicional, quando o prprio acesso justia negado a quem necessita recorrer ao Judicirio, bem como o excesso de formalismo e as prprias dificuldades estruturais acabam retardando a entrega da prestao jurisdicional. Tal ordem se coisas consiste em transgresso flagrante dignidade humana. O presente artigo possui como objeto a discusso da efetivao da dignidade humana e da igualdade material no contexto processual, para tanto analisando as inovaes impulsionadas pela necessidade de dar concretude a to relevantes princpios no contexto da realidade brasileira, dentre as quais se destaca a criao, levada a cabo pela Emenda Constitucional n 45/2004, do Conselho Nacional de Justia, rgo de controle externo do Poder Judicirio e de cunho administrativo-constitucional.

    paLavRas-Chave: DIGnIDADE DA pESSoA humAnA. IGuAlDADE SubSTAncIAl. conSElho nAcIonAl DE juSTIA.

    aBstRaCt

    The present conjuncture that pervades the creation and maintenance of ins-titutions that aim social interests must consider, overall, to make feasible the most relevant interests inherent to human being, which individuals cannot be deprived of or it will imply a violation of constitutional structure that supports them. In such sense, human being dignity has been raised up to a status of key-principle in several countries, not only by an interpretative view, but also as an imposition of boundaries and to the attribution of responsibilities to constituted powers. It must be stressed out that such principle is made feasible by fundamental rights bias, and has as one of its foldings equality, specially in its substantial aspect. However, not always envisions human respect when state action, which also occurs in the context of the exercise of the judicial function, when the proper access to justice is denied to those who need to turn to the courts, as well as excessive formalism and the very end structural difficul-ties delaying the delivery of judicial services. This order consists of things is blatant transgression of human dignity.The present article aims to discuss on how to turn effective human dignity and material equality in the law sue context, both analyzing innovations propelled by the necessity to fulfill such relevant principles in the Brazi-lian reality context, among which we stress the creation of the Conselho Nacional de Justia, made real by the Constitutional amendment n. 45/2004, an Judiciary power external control organism with both administrative and constitutional aims.

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    keywORds: DIGnITy of ThE humAn pERSon. SubSTAnTIVE EquAlITy. conSElho nAcIo-nAl DE juSTIA.

    suMRiO: 1. Da dignidade da pessoa humana. 2. Princpio da igualdade. 3. O processo como corolrio dos direitos fundamentais. 3.1. Dos bices ao direito fundamental de acesso justia. 3.2. Das ondas de acesso justia. 3.3 Dos instrumentos viabilizadores da concretizao do acesso justia. 4. O Conselho Nacional de Justia como instrumento viabilizador da dignidade da pessoa humana. 4.1. Da caracterizao do Conselho Na-cional de Justia. 4.2. Dados estatsticos que corroboram a imprescindibi-lidade da atuao do CNJ. Concluso. Referncias.

    intROduO

    inegvel que os direitos inerentes ao ser humano inspiram o estabeleci-mento das relaes jurdicas, tenham estas carter pblico ou privado, fazendo surgir obrigaes de cunho positivo ou negativo.

    H de se destacar que o atual status de que gozam os direitos acima refe-ridos foi possvel a partir de uma reformulao da maneira como o indivduo visto no contexto social onde se encontra inserto, resultando, no perodo ps-guerra, na concepo antropocntrica e evoluindo para uma concepo mais coletiva, onde o ser humano, apesar de respeitado quanto sua individualidade, passou a ser conce-bido como engrenagem de uma grande mquina, a sociedade.

    Nesse contexto, uma srie de direitos que antes lhe eram negados passaram no apenas a ser considerados, mas a inspirar os ordenamentos jurdicos internos de diversos pases, bem como instrumentos normativos de carter internacional, a exemplo dos tratados.

    De fato, por no exigirem o preenchimento de qualquer outro requisito que no a condio de ser humano, a sua titularidade universal, e, embora alguns ordenamentos insistam em neg-los, a sua transgresso deve implicar em severa res-ponsabilizao, inclusive a nvel internacional, o que teria o condo de possibilitar a relativizao da soberania estatal.

    Ressalte-se que um dos principais desdobramentos dos direitos humanos o princpio da igualdade. No entanto, no suficiente que essa igualdade seja meramente formal, ou seja, to somente prevista ou tutelada normativamente pelos ordenamentos jurdicos dos pases. Para que possa instrumentalizar a consecuo da dignidade humana, a igualdade deve ser concebida no seu aspecto substancial, tor-nando possvel o tratamento diferenciado em um contexto em que os sujeitos esto

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    em posies no isonmicas e, desse modo, garantindo paridade de oportunidades.O princpio da isonomia tem aplicabilidade ampla e deve ser invocado

    sempre que a efetivao de regras abstratas e alheias a uma anlise mais aprofundada da realidade que visa tutelar o exija. No se trata, como inicialmente se poderia ima-ginar, de atribuir vantagens desarrazoadas a um dos sujeitos envolvidos na relao, entregando-lhe, por esse meio, o direito que pleiteia, mas de permitir que disponha das mesmas ferramentas atribudas ao seu opositor para lutar pelo que acredita lhe pertencer.

    No mbito processual no h como se afastar a aplicabilidade do princpio da isonomia no seu vis substancial. At porque, por ser o processo instrumento viabilizador do reconhecimento de direitos, e a deciso dele oriunda passvel de exigibilidade coercitiva, a todos deve ser dada igual oportunidade de utilizao do instrumental processual e, desse modo, de convencimento do magistrado.

    Contudo, percebe-se que a dignidade da pessoa humana nem sempre respeitada quando da atuao estatal, inclusive ao exercera funo jurisdicional, o que se torna muito claro no momento em que as partes necessitadas de recorrer ao Judicirio no conseguem efetivamente ter acesso ao mesmo ou, ainda que transpo-nham uma srie de obstculos, dentre eles econmicos, educacionais e burocrticos, no recebem de forma tempestiva a prestao jurisdicional. Tal ordem de coisas, indubitavelmente, viola a sua dignidade, na medida em que as impede de manejar adequadamente o instrumental processual a fim de que os bens dos quais so titulares possam ser resguardados, em um contexto em que elas estaro obrigadas a recorrer a tal Poder estatal quando no conseguiram obter, de forma consensual ou extrajudi-cialmente, aquilo que almejam.

    Nesse sentido, h se destacar que algumas medidas j foram adotadas, a exemplo da iseno de custas para os que se declararem pobres; a implementao das Defensorias Pblicas e dos Juizados Especiais; a instituio de aes coletivas e de regramentos especficos para categorias reconhecidamente vulnerveis, a exem-plo do consumidor e trabalhador.

    Acrescente-se, ainda, as inovaes introduzidas pela Emenda Constitucio-nal n 45/2004, sobretudo ao viabilizar a criao do Conselho Nacional de Justia, rgo de natureza administrativa, vinculado ao Poder Judicirio e que tem contri-budo consideravelmente para o aperfeioamento da prestao jurisdicional estatal, a partir de uma atuao estratgica, que se materializa no estabelecimento de metas, na padronizao de procedimentos, bem como no reforo da responsabilizao dis-ciplinar dos magistrados, na medida em que tem a competncia concorrente com as corregedorias para agir nessa seara.

    Ressalte-se, no entanto, que os mecanismos acima elencados no so con-siderados suficientes para a soluo de to intricada problemtica, at porque a isen-o de custas resta incua diante da falta de conscientizao dos titulares de direitos em relao s ferramentas que podem manejar para viabiliz-los. Outrossim, as De-

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    fensorias Pblicas ainda padecem de efetiva implementao na maioria dos estados brasileiros e a atuao do CNJ, apesar de expressiva,contribuir, mais a longo prazo, para uma reestruturao do Judicirio.

    Diante do contexto acima apresentado, a discusso acerca da concretizao da dignidade da pessoa humana no mbito processual no apenas relevante, mas, sobretudo, atual, razo pela qual objeto do presente artigo.

    1. da diGnidade da pessOa huMana

    A expresso Dignidade da Pessoa Humana, sob o aspecto etimolgico, de-riva do latim dignus, significando aquele que merece estima e honra, aquele que importante (MORAES, 2003, p. 112).

    Apesar da dificuldade de se buscar a definio de dignidade humana, con-siderando-se que, muitas vezes, esse termo est atrelado a aspectos de ordem moral, h de se considerar que as atuais Constituies de muitos pases a elegeram como princpio informativo e elemento viabilizador da concretizao de outros relevants-simos direitos, tais como a igualdade e a liberdade.

    Ressalte-se que a realidade acima narrada se consolidou a partir do ps-guerra, como uma necessidade de superao das consequncias deixadas por um perodo de explcita violao aos direitos mais basilares do ser humano. Posterior-mente, a Declarao Universal dos Direitos Humanos foi elaborada, influenciando os ordenamentos constitucionais de diversos pases, que, a exemplo de Portugal, pas-saram a mencionar, de forma expressa, a necessria proteo Dignidade da Pessoa Humana (NOVAIS, 2011, p. 51).

    Sob o aspecto jurdico, o princpio ora em anlise serve no apenas de parmetro interpretativo dos direitos fundamentais, mas como elemento definidor dos limites de atuao do Estado em relao ao indivduo, o que o obriga a no ape-nas obedec-lo, mas a viabilizar a sua proteo em face de terceiros.

    Nesse contexto, percebe-se a existncia de um movimento de colocao do ser humano, individualmente considerado, como elemento central, viso que pode ser atribuda ao cristianismo (MORAES, 2003, 112), cabendo ao Estado, ente for-mal, assegurar-lhe os direitos. Desse modo, de acordo com Novais, [...] o Estado instrumento que no existe para si, mas que serve as pessoas individuais, assegu-rando e promovendo a dignidade, autonomia, liberdade e bem-estar dessas pessoas concretas (NOVAIS, 2011, p. 52).

    O ser humano passa, pois, a assumir uma posio de destinatrio da pro-teo estatal, mas em igualdade de condies com todos os demais seres humanos, independentemente de raa, cor, religio ou qualquer fator vinculado a aspectos mo-rais.

    Outro aspecto a ser considerado em relao Dignidade da Pessoa Huma-na o seu valor imaterial, que, por decorrer da prpria essncia do seu titular, no

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    pode ser mensurado, quantificado; de outro modo, tambm no passvel de renn-cia, alienao (GURGEL, 2010, p. 33). Nesse sentido, segundo Immanuel Kant, apud Ana Celina Bodin (2003, p. 115),

    [...] no mundo social existem duas categorias de valores: o preo (preis) e a dignidade (Wurden). Enquanto o preo representa um valor exterior (de mercado) e manifesta interesses particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e de interesse geral. As coisas tm preo; as pessoas, dignidade.

    H de se considerar que a dignidade da pessoa humana tambm no resulta da criao artificial dos legisladores constituintes. Estes apenas concebem, elabo-ram, mecanismos protetivos dos direitos fundamentais vinculados a tal princpio, sendo que tal decorre do reconhecimento de que a pessoa humana tem direito a ter direitos (MORAES, 2003, p. 116).

    Anote-se que o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana, no contexto atual, instrumento no apenas de interpretao, mas possui inegvel fora norma-tiva, sendo fonte de direitos subjetivos. Ademais, se o ser humano passa a assumir uma posio central, o seu bem-estar deve ser assegurado, sobretudo, por intermdio dos Direitos Fundamentais (GURGEL, 2010, p. 33).

    No contexto brasileiro, a Constituio de 1988, promulgada aps o perodo da ditadura militar, consagrou o princpio da Dignidade da Pessoa Humana no seu art. 1, III, concebendo-o como um dos fundamentos da Repblica. Desse modo, [...] na dignidade da pessoa humana que a ordem jurdica (democrtica) se apia e constitui-se (MORAES, 2003, p. 117).

    A Constituio vigente foi responsvel pela irradiao do multicitado prin-cpio para todo o ordenamento jurdico, o que implicou na desconstruo do conceito privatista dos direitos subjetivos, antes arraigados s normas do Cdigo Civil.

    Segundo Ana Celina Bodin de Morais (2003, p. 119), a dignidade da pes-soa humana, vista sob esse aspecto, tem supedneo em quatro postulados:

    i) o sujeito moral (tico) reconhece a existncia dos outros como sujeitos iguais a ele; ii) merecedores do mesmo respeito integridade psicofsica de que titular; iii) dotado de vontade livre, de autodeterminao; iv) parte do grupo social, em relao ao qual tem a garantia de no vir a ser marginalizado.

    Tais elementos decorrem dos princpios jurdicos da igualdade, integridade fsica e moral psicofsica -, da liberdade e da solidariedade. Nesse sentido, embora possam existir conflitos entre os direitos invocados pelos seus titulares, ao se fazer a ponderao, deve prevalecer aquele que estiver alicerado no princpio da Dignidade da Pessoa Humana.

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    2. pRinCpiO da iGuaLdade

    Conforme explicitado supra, a Dignidade da Pessoa Humana princpio fundante do ordenamento constitucional brasileiro, servindo tanto como parmetro interpretativo quanto como instrumento viabilizador dos direitos subjetivos a ele atrelados. Nesse contexto, h de se afirmar que a sua materializao, sobretudo por intermdio dos direitos fundamentais, dentre os quais se destaca, pela inegvel rele-vncia, o Princpio da Igualdade, possui, como uma de suas vertentes a vedao ao tratamento discriminatrio.

    Na viso de Maria Genia Garcia (2005, p. 19), o Princpio da Igualdade [...] probe tratamentos diferenciados repousando no s sobre razes arbitrrias, porque insuficientes e desrazoveis, mas ainda sobre razes contrrias dignidade humana.

    Historicamente falando, o Princpio da Igualdade foi concebido como uma forma de se afastar privilgios, em um contexto em que as posies sociais eram definidas por questes familiares e patrimoniais. Nesse sentido, Como comando jurdico inserido em uma Constituio formal, o Princpio da Igualdade aparece, ex-pressamente, pela primeira vez nas Constituies americana, de 1787, e francesa, de 1793, dando incio ao constitucionalismo moderno (GURGEL, 2010, p. 37).

    Contudo, a concepo de igualdade de todos perante a lei, reconhecida como igualdade formal ou jurdica (GURGEL, 2010, p. 40), foi-se demonstrando insuficiente, na medida em que desconsiderava as peculiaridades das situaes em concreto, sendo inexeqvel para os excludos socialmente. Desse modo, igualdade formal associou-se a igualdade material ou substancial, cujo corolrio o tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais.

    Nesse cenrio, o Estado assumiu uma postura ativa, garantindo no apenas o tratamento igualitrio entre as pessoas, mas, a partir da interveno nas relaes privadas, assegurando que todas seriam concretamente tratadas de forma isonmica, merecendo destaque, por esta via, a atuao incisiva dos legisladores na medida em que passaram a se preocupar com a materializao da igualdade nos textos legais.

    Outro aspecto a ser ventilado a necessidade de o Estado contemporneo, reconhecido como social e democrtico, j que viabilizador dos direitos socialmen-te reconhecidos como relevantes, garantir a participao do povo na construo da igualdade, permitindo a incluso das minorias nos debates, a possibilidade de todos exercerem o direito ao voto, bem como de assistirem a uma disputa eleitoral partid-ria em igualdade de condies.

    Ressalte-se que a autorizao do tratamento desigual, no sentido de viabi-lizao da igualdade material, necessariamente deve estar pautada na anterior cons-tatao de aspectos diferenciadores, sob pena de subverso do seu sentido e fim. Da a necessidade de que seja exercido um controle em relao ao estabelecimento dos parmetros.

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    Nesse sentido, entende Garcia (2005, p. 17) que:

    [...] o princpio da igualdade, alm de no ser neutro no momento em que se impe ou veda certo tratamento jurdico, porquanto est, em si mesmo, [...], fundado num juzo valorativo o juzo de igualdade to pouco neutro no seu desenvolvimento, uma vez que exige uma justificao com determinados requisitos desde logo de suficincia e de razoabilidade para esse mesmo tratamento jurdico.

    O Princpio da Igualdade deve estar atrelado ao seu aspecto negativo, ou seja, proibio da discriminao, o que torna imprescindvel a realizao da distin-o entre esta e o tratamento diferenciado (elemento basilar da igualdade material). Segundo Calmom de Passos, citado por Yara Gurgel (2010, p. 49): Se trato desi-gualmente os iguais, discrimino. Se trato igualmente os desiguais, discrimino.

    Outrossim, Maria Celina Bodin de Morais (2003, p. 126), buscando em-basamento em Boaventura de Sousa Santos, ao tratar das tenses dos tempos atuais afirma: as pessoas e os grupos sociais tm o direito a ser iguais quando a diferena os inferioriza, e o direito a ser diferente quando a igualdade os descaracteriza.

    Depreende-se do que foi exposto que o Princpio da Igualdade, na sua ver-tente material, exige que o Estado, quer exera a funo Jurisdicional, Legislativa ou Executiva, viabilize o tratamento dos jurisdicionados de forma efetivamente ison-mica, levando em considerao as suas especificidades, pois, apenas assim, poder o mesmo promover a concretizao dos direitos fundamentais e o respeito Dignidade da Pessoa Humana.

    3. O pROCessO COMO COROLRiO dOs diReitOs fundaMentais

    Hodiernamente, impe-se evidente que o processo consiste em instrumen-to concretizador do desiderato jurisdicional do Estado, o qual tem a sua legitimidade condicionada necessria vinculao entre o contedo das decises proferidas e o conjunto de Direitos Fundamentais ungidos na Constituio da Repblica (RAGO-NE, p. 43).

    Vislumbra-se, pois, que a legitimao jurdica do processo e, por conse-guinte, das decises judiciais, decorre da sua capacidade em instrumentalizar os Direitos Fundamentais prometidos pela ordem jurdica, de maneira a conferir-lhes aquela especial medida de efetividade que, por si s, representa a materializao, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximao, to ntima quanto possvel, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO, 2000, p. 85).

    Nesse sentido, constata-se que a adequada instrumentalizao do poder jurisdicional no pode prescindir da prvia consecuo de um processo estritamente

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    sintonizado, dentre outras, com a garantia basilar da ampla participao das partes, bem como de eventuais interessados, na gradual formao do convencimento do julgador.

    Atente-se, neste sentido, que a viabilizao de uma irrestrita acessibilidade a todas as partes na realizao dos atos, potencial ou efetivamente, construtores a posteriori da coisa julgada, no importando quo imensa sejam as diferenas econ-micas entre umas e outras (MIRANDA, 2001, p. 302), revela-se em premissa lgica concretude do prprio direito fundamental obteno da tutela jurisdicional ade-quada (NERY JNIOR, p. 223).

    Refletindo sobre a relevncia da mxima participao dos cidados no pro-cesso decisrio do Estado como garantia de efetivao, inclusive, dos mais primrios direitos de liberdade civil, Jos Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 543) assevera que:

    O cidado, ao desfrutar de instrumentos jurdico-processuais possibilitado-res de uma influncia directa no exerccio das decises dos poderes pbli-cos que afectam ou podem afectar os seus direitos, garante a si mesmo um espao real de liberdade e de efectiva autodeterminao.

    Portanto, observada a necessria imbricao entre o processo e os Direitos Fundamentais, de forma que aquele estar despido de legitimidade se desenvolvido ao arrepio destes, imperioso o reconhecimento de que, no mbito processual, assim como ocorre no contexto do exerccio das demais funes Estatais, a todos dever ser atribudo tratamento isonmico, a fim de que tenham iguais oportunidades de manifestao, produo de provas e, por conseguinte, persuaso do julgador. Nesse sentido, a Constituio Federal de 1988 prev, de forma expressa, os princpios do contraditrio e ampla defesa (art. 5, LV), alm de garantir que nenhuma leso ou ameaa a direito sero afastados da apreciao do Poder Judicirio (art. 5, XXXV).

    Contudo, luz da necessria aplicao do conceito de igualdade material tambm no contexto processual, a simples previso constitucional acerca da ina-fastabilidade do controle jurisdicional e do contraditrio e ampla defesa no so suficientes para a garantia de um tratamento efetivamente isonmico entre as partes. Desse modo, dizer que o acesso Justia um dos componentes do ncleo da digni-dade humana significa dizer que todas as pessoas devem ter acesso a tal autoridade: o Judicirio (BARCELLOS, 2002, p. 293).

    Levando-se em considerao a existncia de aspectos diferenciadores en-tre os sujeitos que invocam o Judicirio para a tutela dos seus direitos, as quais se estendem do seu grau de instruo condio econmica, preciso que mecanismos viabilizadores do equilbrio sejam invocados, o que s pode ser obtido a partir do tratamento diferenciado.

    Nesse sentido, Jorge Reis Novais (2011, p. 109), citando Dworkin, prele-ciona:

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    [...] a clusula de igualdade no garante a cada indivduo o mesmo trata-mento ou benefcio que concedido a outros, mas garante-lhe apenas que no processo de formao da vontade poltica e na concesso de benefcios ou imposio de sacrifcios por parte do Estado ele ser tratado com igual preocupao e respeito, ou seja, o princpio da igualdade no lhe garante o mesmo tratamento, mas antes um tratamento como igual.

    Tal no implica em beneficiar qualquer das partes no que tange ao direito que pleiteia, nem tampouco de relativizar a imparcialidade do julgador, mas de supe-rar as diferenas, a fim de que seja dada a elas uma autntica igualdade de chances.

    3.1. dOs BiCes aO diReitO fundaMentaL de aCessO Justia

    A vigente Constituio Federal assegura o Direito Fundamental de Acesso Justia por meio da norma extravel, em particular, da interpretao combinada entre os incisos XXXV e LXXIV do seu art. 5469, cujo esprito, em resumo, aponta para a evidncia de que no basta haver Judicirio; necessrio haver Judicirio que decida. No basta deciso judicial; necessrio haver deciso judicial justa. No basta haver deciso judicial justa; necessrio que o povo tenha acesso deciso judicial justa (CLEVE, 1993, pp. 50-51).

    Reforando esta teleologia normativo-constitucional, tem-se que o poder-dever do Estado em prover o mais irrestrito auxlio jurdico aos que comprovem in-suficincia de recursos atualmente ostenta o status de direito-garantia fundamental, adquirindo, neste diapaso, eficcia normativa plena470.

    Fixados estes pontos, emerge que o enfocado animus normativo no alcan-a, na esfera da realidade palpvel, o grau de materialidade almejado, considerando-se, em especial, a notria existncia de profundos abismos entre o cidado lesado em seu patrimnio jurdico e a tutela jurisdicional que lhe , em tese, destinada pelo ordenamento ora em vigor.

    Dentre os inmeros bices efetividade do direito de Acesso Justia, encontra-se a questo do consistente custo econmico exigvel a priori para a instru-mentalizao de uma demanda judicial, destacando-se, neste cenrio, os elevados va-

    469 Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Art. 5 (...) XXXV - a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito; [...] LXXIV - o Estado pres-tar assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm .BRASIL. Constituio Federal. Senado Federal, 1988. Acessado em: 07.03.2013.470 Constituio da Repblica Federativa do Brasil.Art. 5, 1 - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata.Disponvel em: http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm.BRASIL. Constituio Federal. Senado Federal, 1988. Acessado em: 01.03.2013.

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    lores que so, costumeiramente, tabelados, atribudos aos honorrios advocatcios471, bem como a potencial onerosidade do Princpio da Sucumbncia Processual472.

    Contextualizando tais circunstncias luz das evocadas causas de menor complexidade, percebe-se um agravamento, ainda maior, dos obstculos em anlise, tendo em mente que, em muitas situaes, o custo, ainda que apenas potencial, do processo poder vir a exceder o quantum do prprio bem jurdico litigado (CAPE-LLETTI, 1988, p. 06), esvaziando, dessa forma, tanto o interesse do cidado em reparar o seu direito violado quanto a utilidade substancial das correlatas tutelas jurdicas.

    Acrescente-se que a rotineira morosidade do funcionamento do aparelho judicirio igualmente se mostra capaz de acentuar o ritmo das despesas e eventuais prejuzos processuais, pressionando os economicamente fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores queles a que teriam direi-to (CAPELLETTI, 1988, p. 06) e, por esta via, fazendo surgir um dficit cada vez maior na credibilidade do ordenamento jurdico como um todo.

    Ao lado disso, tem-se, ainda, que no apenas as condies econmicas desfavorveis, mas, similarmente, a necessidade de esclarecimento hbil ao discer-nimento do valor e da dimenso dos prprios direitos, tambm se configura em grave restrio material consecuo do acesso Justia, impossibilitando-se, sob a tica de tal hipossuficincia jurdico-econmica, a isonomia material, sem a qual o Judi-cirio se converte num instrumento a servio do interesse casustico de uma minoria.

    Aprofundando o panorama dos bices segregadores, de um lado, da socie-dade e, de outro, do Judicirio e, por ltimo, da prpria Justia, consta ainda a neces-sidade da concesso de um tratamento normativo reforado aos direitos difusos, tais como o meio ambiente e os direitos consumeristas, pois, do contrrio, os mesmos restariam carentes de qualquer tutela, interesse ou instrumentos aptos a defend-los.

    Nesse sentido, cumpre anotar que

    [...]como fator complicador dos esforos para atacar as barreiras de acesso, deve-se enfatizar que esses obstculos no podem simplesmente ser elimi-nados um por um. Muitos problemas de acesso so inter-relacionados, e as mudanas tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar barreiras por outro (CAPELLETTI, 1988, p. 11).

    Na concepo de Ana Paula de Barcellos (2002, p. 293), a problemtica relativa efetividade do Acesso Justia impe reflexes relevantes, as quais dizem respeito ao acesso sob o aspecto jurdico, o fsico e relativo pretenso de direito material.

    471 Analise-se, ilustrativamente, a Tabela de Honorrios da OAB SP. Disponvel em http://www.oabsp.org.br/tabela-de-honorarios/. Acessado em: 07.03.2013.472 Cdigo de Processo Civil, arts. 19 e ss. Disponvel em http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/leis/L5869compilada.htm. Acessado em: 06.03.2013.

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    3.2. das Ondas de aCessO Justia

    Adentrando anlise dos mecanismos viabilizadores, no mbito da hodier-na conjuntura jurdico-normativa, da mais ampla e irrestrita acessibilidade, por meio do Poder Judicirio, aos Direitos Fundamentais e, por conseguinte, da Dignidade da Pessoa Humana a eles atrelada, descortina-se, a princpio, a pertinncia do desen-volvimento terico das ondas de acesso Justia, procedida pelo jurista italiano Mauro Cappelletti (1988, pp. 12-27).

    A princpio, consta que a primeira das ondas jurdicas em realce obje-tivou aperfeioar a representatividade judicial dos cidados mais pobres economi-camente, os quais no dispunham dos recursos necessrios ao custeio dos servios advocatcios merecidos por seus direitos carentes de tutela.

    Neste panorama, v-se que os mltiplos sistemas jurdicos do mundo Oci-dental, tais como os de pases como a Alemanha, a Frana e a Inglaterra foram gra-dualmente estabelecendo mtodos de patrocnio pblico assistncia advocatcia buscada por cidados pobres, os quais vm sendo evocados por judicare.

    Contudo, a referida dinmica de financiamento estatal no tem sido sufi-ciente para tutelar a isonomia material to imprescindvel consecuo dos proces-sos judicirios, tendo por alvo, ilustrativamente, a absoluta ausncia de uma maior conscientizao dos direitos titularizados por cada um para, com isso, solucionar-se a hipossuficincia cultural que tanto limita a eficcia da representatividade judicial financiada sob a gide dos sistemas judicare.

    No que toca segunda onda de acessibilidade, observa-se o crescente aprimoramento da tutela direcionada aos direitos difusos ou coletivos, os quais ad-vm da superao da noo de processo como conflito entre interesses meramente privatsticos, alargando, pois, o seu objeto tambm a direitos como a adequada pro-teo ao meio ambiente ecologicamente sustentvel.

    Destaca-se, aqui, a importncia da contnua ampliao do rol de legiti-mados propositura de demandas coletivas em prol dos supracitados direitos, cuja abrangncia no mais se reduz a rgos pblicos, alcanando sempre mais entidades da sociedade civil, como bem exemplifica a Lei dos Contratos-Padro na Repblica Federal da Alemanha e a relator-action adotada em pases como Inglaterra e Aus-trlia.

    Enfim, no que concerne terceira e mais recente das ondas em estudo, tem-se que esta, alm de preservar os instrumentos trazidos por meio das duas ante-riores, voltou-se para encorajar a implementao de reformas que transcenderam a mera representatividade judicial, abrangendo na modificao de procedimentos; na reestruturao do Poder Judicirio, mediante reorganizao dos Tribunais e criao de outros; na profissionalizao dos sujeitos atuantes no processo; bem como na reformulao do prprio direito material e do fomento s formas extrajudiciais de soluo de conflitos (CAPELLETTI, 1988, pp. 12-27).

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    3.3 dOs instRuMentOs viaBiLizadORes da COnCRetizaO dO aCessO Justia

    Conforme j se tratou anteriormente, a discusso acerca do Acesso Jus-tia extremamente pertinente quando se discute a concretizao da Dignidade da Pessoa Humana sob o aspecto da igualdade substancial.

    Nesse panorama, h de se vislumbrar os mecanismos que foram e podero ser adotados para que os sujeitos parciais do processo possam ser tratados de forma efetivamente igualitria.

    Preambularmente, destaque-se que, embora o Direito de Acesso Justia seja uma via concretizadora dos demais direitos, no h, a princpio, um meio que garanta a sua efetiva instrumentalizao substancial (BARCELLOS, 2002, p. 294).

    Outrossim, de se considerar que, alm dos obstculos jurdicos (os quais foram superados, pelo menos em tese, pela previso constitucional), outros dois bi-ces ainda se constituem em gravosos desafios, quais sejam, o custo e a desinforma-o.

    No que tange ao custo, h de se reconhecer que o Constituinte, ao prever a gratuidade da Justia para os que se declararem pobres, instituir as Defensorias Pblicas e criar os Juizados Cveis e Criminais, procurou traspor tal obstculo. Con-tudo, h de se questionar acerca da eficcia das normas constitucionais em comento, considerando-se que, na maioria dos Estados brasileiros, os Juizados Especiais no conseguem atender demanda e as Defensorias Pblicas carecem de uma estrutu-rao adequada, no obstante a Emenda Constitucional n 45/2004 tenha outorgado uma ampla autonomia funcional, administrativa e de iniciativa de proposta oramen-tria a tais rgos de auxlio jurdico (PELEJA JNIOR, 2011, p. 30).

    vlido se destacar tambm que, em havendo omisso legislativa no que diz respeito implementao das Defensorias Pblicas ou dos Juizados Especiais, ser cabvel a utilizao da Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso (art. 103, 2 da CF). Ademais, o Ministrio Pblico, atravs do ajuizamento de Aes Civis Pblicas, igualmente poder contribuir para a estruturao dessas instituies (BARCELLOS, 2002, pp. 298-300).

    J no que concerne gratuidade da justia, percebe-se que houve um ine-quvoco avano, destacando-se, ilustrativamente, a hodierna situao da Justia do Estado do Mato Grosso/BR onde, somente no ano de 2006, houve a concesso dos benefcios da justia gratuita em 75% (setenta e cinco) das demandas julgadas (PE-LEJA JNIOR, 2011, p. 30).

    Relativamente ao obstculo de Acesso Justia pertinente informao, vislumbra-se uma dificuldade maior de superao, a qual pressupe, necessariamen-te, a consecuo de um denso investimento no apenas na educao genericamente considerada, mas tambm no esclarecimento da populao, especificamente, em re-

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    lao ao exerccio dos seus direitos. De acordo com Ana Paula de Barcellos (2002, p. 300),

    A mdio e longo prazo, a generalizao do ensino fundamental por toda a populao brasileira e a incluso em seu contedo curricular de noes sobre o Judicirio e seu papel, o acesso Justia e os mecanismos postos disposio do cidado para o exerccio de seus direitos sero capazes de proporcionar um nvel geral ao menos razovel de informao cvica.

    Ainda com vistas superao dos bices inviabilizadores do Acesso Jus-tia, sobreleva-se o instrumento processual da evocada Ao Popular, prevista no art. 5, LXXIII, da Constituio Federal, in verbis:

    LXXIII - qualquer cidado parte legtima para propor aopopular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou deentidade de que o Esta-do participe, moralidade administrativa, aomeio ambiente e ao patrim-nio histrico e cultural, ficando o autor,salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia.

    Similarmente, a ampliao da utilizao das aes coletivas para alm da Ao Civil Pblica, abrangendo as demandas consumeristas, tambm vem viabili-zando a tutela de direitos que, sem tais instrumentos, estariam despidos de proteo, dada a inrcia dos seus titulares. Tal desiderato se coaduna, em tudo, com a segunda onda renovatria, anteriormente explicitada.

    Saliente-se, ainda, que o regramento contido no Cdigo de Defesa do Con-sumidor (sobretudo no que concerne inverso do nus da prova), como tambm na legislao trabalhista (em especial no que tange ao princpio da proteo, atribui-o de capacidade postulatria ao reclamante e a determinao, de ofcio, do incio dos atos executrios), nada mais so do que o reconhecimento das desigualdades fticas existentes entre os sujeitos que compem essas relaes jurdicas e, desse modo, a viabilizao do Acesso Justia, bem como a concretizao do princpio da igualdade substancial.

    Ressalte-se que a Emenda Constitucional n 45 tambm foi responsvel por uma mudana de paradigmas no mbito da atuao do Poder Judicirio, possibi-litando, por meio da implementao de um catlogo de mecanismos efetivadores da atuao do Poder Judicirio, [...] garantir celeridade na prestao jurisdicional, eli-minando ns e gargalos existentes e, na linha divisria da independncia dos poderes (art. 2, CRB/88) e das clusulas ptreas (art. 60, 4, III, CRB/88), caracterizadoras do nosso sistema presidencialista, criou o polmico Conselho Nacional de Justia (PELEJA JNIOR, 2011, p. 26). Sobre este rgo, bem como acerca da sua singular contribuio para a concretizao da dignidade da pessoa humana e dos seus corol-

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    rios, tal como a igualdade substancial, tratar-se- adiante.

    4. O COnseLhO naCiOnaL de Justia COMO instRuMentO viaBiLizadOR da diGnidade da pessOa huMana

    A Emenda Constitucional n 45 foi antecedida de um amplo debate em relao ao adequado funcionamento do Judicirio Brasileiro, o qual enfocou, com particular nfase, a evidncia de que, at ento, este Poder da Repblica, embora possusse ingerncia em relao s demais esferas do Poder Pblico, no era objeto de qualquer modalidade de controle externo administrativo-funcional.

    Acentue-se, por salutar, que a referida conjuntura institucional terminava por potencializar, sobremaneira, as prerrogativas atribudas aos magistrados no que concerne vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Asso-ciado a isso, ainda se evidenciava o crescente descrdito desse Terceiro Poder em relao aos jurisdicionados, sobretudo em virtude da morosidade processual e, por conseguinte, da falta de efetividade material dos seus julgados.

    Aprofundando este ponto, evidencia-se que a destacada conjuntura decor-ria, em particular, da ausncia de uma efetiva coeso entre os Tribunais no que tange aos procedimentos administrativos, os quais careciam tanto da formulao de um planejamento estratgico quanto da coordenao de um rgo habilitado a execu-t-lo.

    Sublinhe-se, ainda, que tal problemtica refletia de forma direta na instru-mentalizao do prprio direito de acesso justia, visto que, somada aos demais obstculos anteriormente tratados, induzia a descrena de que, embora se pudesse chegar ao Poder Judicirio, este no daria uma resposta a contento, quer em virtude da morosidade, quer em face da falta de compromisso dos magistrados em relao aos seus deveres funcionais.

    Vislumbra-se que a pedra de toque das discusses que, ao final, culmina-ram na promulgao da citada Emenda foi, de fato, a necessidade de criao de um instrumento viabilizador de estratgias que pudessem ser utilizadas para a soluo dos problemas que sempre incomodaram os destinatrios da prestao jurisdicional, notadamente a morosidade e a falta de transparncia. Percebeu-se, pois, que seria imprescindvel a criao de um rgo que, ao atuar nesse sentido, exercesse um au-tntico controle externo em relao ao Poder Judicirio.

    Destaque-se que, no obstante a experincia vivenciada pelo Brasil duran-te o Regime Militar, com a criao de um Conselho de Justia pela Emenda Consti-tucional n 7/77, tal controle at ento no havia se materializado (SAMPAIO, 2007, p. 73).

    Apenas por ocasio das discusses relacionadas Constituio de 1988 que veio tona o debate atinente a esta problemtica, o que dividiu opinies. Nesse sentido, Saraiva apud Sampaio o entendia como (2007, p. 241):

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    [...] um dedo do autoritarismo sobrevivente, alm de ser contrrio se-parao dos poderes, dada a sua composio hbrida ou a inexistncia de controle semelhante ao do Executivo e Legislativo, bem como ao princpio federativo, pois era um s para a magistratura federal e dos Estados, a re-presentar, enfim, um retrocesso de mais de cem anos.

    Contudo, apenas bem mais tarde que a discusso frutificou em uma atua-o do Poder Constituinte Reformador, sendo possvel destacar, dentre outras provi-dncias, a criao do Conselho Nacional de Justia, rgo colegiado e autnomo, de inspirao europeia e natureza administrativo-constitucional (PEDERSOLI, 2011, p. 47).

    4.1. da CaRaCteRizaO dO COnseLhO naCiOnaL de Justia

    A natureza administrativa do mencionado Conselho foi reconhecida, de forma expressa, pela Constituio Federal de 1988, em seu art. 103-B, 4. J o seu respaldo constitucional inegvel, no apenas por ter sido tutelado na Lei Magna, mas pelas atribuies que recebeu para, sobretudo, zelar pela autonomia do Poder Judicirio e exercer o controle dos atos emanados dos magistrados, inclusive de forma concorrente com as Corregedorias, no obstante as discusses suscitadas pela Ao Direta de Inconstitucionalidade n 3367.

    Acrescente-se que, desde o momento da sua criao, o CNJ foi alvo de muitas crticas, aliceradas, em particular, na suposta violao ao princpio da sepa-rao de poderes e ao pacto federativo.

    Adentrando-se na anlise do desrespeito ao princpio da Tripartio de Poderes, tem-se que a sua composio heterognea, incluindo membros do Poder Judicirio, do Ministrio Pblico, da Advocacia e cidados de notvel saber jurdico e conduta ilibada (art. 103-B e incisos da Constituio Federal), foi vista como uma agresso autonomia do Poder Judicirio, o que daria sua atuao uma conotao mais poltica do que jurdica. Desse modo, Sampaio (2007, p. 251) aduz que, sob a tica da ministra Ellen, ser salutar democracia que [os Poderes] continuem in-dependentes entre si e complementares na sua atuao convergente realizao da Justia.

    Divergindo da opinio acima, Machado e Cerqueira, citados por Sampaio (2007, p. 251), afirma que (...) O princpio da separao se nutria mais na idia de controle do que de independncia ou autonomia de cada um deles. Assim, a previso de um mecanismo a mais de conteno do poder, ainda que de um poder, no podia ser considerada a ele contrria.

    Enfatize-se que a existncia de membros alheios ao Poder Judicirio no teria o condo de eivar o CNJ de inconstitucionalidade, haja vista ser a maioria dos

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    seus membros proveniente deste mesmo Poder. Outrossim, na esteira de Bermudes (2005, pp. 132-133),

    [...] os demais integrantes ou so originrios das funes essenciais jus-tia ou de membros do povo selecionados pelo Congresso. Conjuga-se as-sim a legitimidade burocrtico-corporativa das duas categorias de imediata interao e cooperao com o Judicirio, diga-se, aferradas ao dever de conselheiro, e no de representantes das duas classes profissionais.

    As atribuies do CNJ tambm suscitaram a discusso acerca da possibili-dade de violao do princpio federativo, ante o controle administrativo, disciplinar e oramentrio que esse rgo, de cunho eminentemente federal, passou a exercer em face dos rgos judicirios estatais. Antes de mais nada preciso atentar para o fato de que o Poder Judicirio, assim como o Legislativo e o Executivo, so fruto da soberania, no comportando, sob esse vis, compartimentaes.

    De outra margem, dadas as peculiaridades do exerccio da funo jurisdi-cional estatal, lastreada, principalmente, na necessidade de se espancar as situaes de instabilidade, mostra-se extremamente necessria a adoo de procedimentos pa-dronizados. Eis o motivo pelo qual a Constituio Federal atribuiu, de forma priva-tiva, Unio a competncia para legislar sobre matria processual (art. 22, I, CF). Desse modo, a peculiaridade atinente ao Judicirio no que concerne relativizao do pacto federativo deve se estender ao CNJ. Nesse sentido, aduz Sampaio (2007, p. 256): Pouco importa de o seu custeio apenas federal. Em nada modifica seu ca-rter nacional. at justificvel que assim tenha disposto o constituinte reformador diante da assimetria fiscal de nosso federalismo.

    de se afirmar que a criao do Conselho Nacional de Justia adveio da necessidade de se proceder a um controle acerca dos atos emanados do Judicirio. Contudo, a funo de controle apenas secundria e instrumental do planejamento de estratgias que saneiem, ou pelo menos minimizem, as mazelas nsitas a este Po-der da Repblica, possibilitando, dentre outros objetivos, a uniformizao das suas prticas institucionais, a transparncia das suas atividades lato sensu e a racionaliza-o dos recursos humanos e materiais colocados sua disposio.

    A providncia referida supra, considerada de forma isolada, no ser sufi-ciente para que a reforma do Judicirio ocorra em sua plenitude. Contudo, mesmo considerando as limitaes impostas constitucionalmente ao CNJ, este tem servido de intermedirio entre o povo e o Judicirio, o que tem contribudo enormemente para o fortalecimento da democracia, bem como para o aperfeioamento da presta-o da tutela jurisdicional.

    Importa frisar que o Supremo Tribunal Federal endossou o carter de essencialidade do CNJ, ao refutar a alegao de inconstitucionalidade do prprio Conselho e de alguns outros dispositivos constitucionais a ele pertinentes, feita pela

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    Associao Brasileira dos Magistrados (AMB), no contexto da Ao Direta de In-constitucionalidade n 3367, de relatoria do Ministro Cesar Peluzo.

    H de se enfocar, ainda, que a atuao do rgo, ao estabelecer metas, emi-tir resolues, recomendaes e traar um perfil do Poder Judicirio, tem contribudo para a durao razovel do processo e a efetividade da prestao jurisdicional, pro-piciando, enfim, uma ambincia adequada garantia do acesso justia, durao razovel do processo, efetivao da igualdade substancial no contexto processual e, por conseguinte, proteo da dignidade humana dos sujeitos nele envolvidos.

    4.2. dadOs estatstiCOs Que CORROBORaM a iMpResCindiBiLidade da atua-O dO CNJ

    Conforme afirmado alhures, o Conselho Nacional de Justia, desde a sua criao, tem sido alvo de questionamentos, que se estendem da sua constitucionali-dade amplitude das suas atribuies.

    No entanto, h de se reconhecer que essas discusses so indicirias de que o rgo tem atuado de forma efetiva, pelo menos no que concerne realizao de um diagnstico do Poder Judicirio e, nesse sentido, na aproximao entre esse Poder e a sociedade.

    Corroborando o afirmado supra, afirme-se que, desde o ano de 2004, o mul-ticitado Conselho tem divulgado dados relativos atuao do Judicirio brasileiro, compilados no Relatrio Anual Justia em Nmeros473, o qual, ao longo dos anos, tem sido aperfeioado, atravs do refino dos dados e da contribuio cada vez mais ampla dos Tribunais Brasileiros, que se responsabilizam pelo envio das informaes.

    Trata-se de uma iniciativa muito relevante, na medida em que no se res-tringe apresentao de dados estatsticos, mas ao diagnstico dos pontos crticos e indicao de medidas que viabilizaro melhorias. Ademais, instrumentalizam a aferio do cumprimento das metas estabelecidas pelo CNJ e, por conseguinte, a evoluo do esforo empreendido pelos Tribunais no sentido de viabilizar a supera-o de problemas como a morosidade e a escassa efetividade processual, os quais, inevitavelmente, implicam em sria limitao do Acesso Justia.

    Ilustrando alguns dos resultados j obtidos por parte do Conselho Nacional de Justia, faz-se imprescindvel observar os dados catalogados na Edio 2012 do Relatrio Justia em Nmeros, o qual se encontra disciplinado pela Resoluo n 76 CNJ e, por sua vez, compe o Sistema de Estatstica do Poder Judicirio (SIESPJ), em cuja abrangncia alcana todo o rol de Tribunais judicirios presentes no territ-rio ptrio.

    Especifique-se, ainda, que o objeto do Relatrio em referncia aborda di-versos e relevantes aspectos da realidade funcional do Poder Judicirio, tais como: insumos, dotaes e graus de utilizao; litigiosidade; acesso justia e perfil das demandas.

    473 Disponvel em http://www.cnj.jus.br/cidadao/publicacoes. Acessado em: 04.03. 2013.

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    Frise-se tambm que, contrariamente aos demais dados, os quais somente so repassados anualmente ao longo do perodo compreendido entre 10 de janeiro e 28 de fevereiro do ano subsequente, as informaes atinentes litigiosidade so sempre colhidas em ritmo semestral, mais especificamente, no perodo entre 10 de julho a 31 de agosto (dados do primeiro semestre) do ano-base e no perodo de 10 de janeiro a 28 de fevereiro do ano seguinte ao ano-base (dados do segundo semestre).

    Fixados estes pontos, cumpre ressaltar que, por fora dos limites nsitos ao seu prprio objeto, a presente reflexo se restringir, exclusivamente, a perquirir acerca dos dados relativos aos Tribunais de Justia dos Estados, os quais dizem res-peito ao diagnstico identificado luz do regramento supramencionado ao longo do ano de 2011.

    Partindo-se dessas premissas, constata-se que, durante o supracitado pero-do, a quantidade de processos baixados foi a maior verificada nos ltimos trs anos. Outrossim, a taxa de congestionamento, que a relativa aos processos acumulados, cujo andamento est lento ou simplesmente obstado, foi alvo de uma suave reduo (0,52%), a qual foi acompanhada de outro ponto positivo, consistente no aumento da quantidade de processos julgados por magistrado, que aumentou em 6,3% em relao a 2010.

    De outro lado, verifica-se, como aspectos negativos, que, desde o ano de 2009, o estoque dos processos vem aumentando. Ademais, a comparao entre a quantidade de processos baixados e novos indica uma curva decrescente, o que re-vela um potencial de congestionamento. Por fim, desde 2009, constata-se uma dimi-nuio da quantidade de processos julgados.

    Das estatsticas acima se extrai que ainda h muito o que avanar no que concerne eficaz administrao das demandas processuais. No entanto, no se pode negar que um grande passo foi dado, sobretudo no que diz respeito transparncia em relao atuao do Poder Judicirio, o que, sem sombra de dvida, contribui para o aprimoramento da prestao jurisdicional, do prprio Direito Fundamental de Acesso Justia e, por conseguinte, da dignidade da pessoa humana no mbito da atuao jurisdicional estatal.

    COnCLusO

    O princpio da Dignidade da Pessoa Humana corolrio do Estado Consti-tucional de Direito, sendo reconhecido hodiernamente como tal pelas Constituies de vrios pases do mundo. Como decorrncia disso, tem-se que a interpretao das normas constitucionais e infraconstitucionais dever pautar-se na garantia desses direitos arraigados condio humana.

    H de se ponderar, contudo, que o status adquirido pelo princpio acima mencionado no se restringe ao plano terico, formal ou interpretativo, devendo viabilizar a efetiva concretizao dos direitos inerentes ao homem na sua dimenso

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    mais profunda, o que se d, comumente, por intermdio da efetivao dos direitos fundamentais, dentre os quais o direito/princpio da Igualdade.

    Insta relevar que o princpio da Igualdade, concebido na sua dimenso po-sitiva, determina que todos devero ser tratados de forma isonmica. J no seu as-pecto negativo, veda a discriminao. Contudo, a fim de que possa instrumentalizar o tratamento paritrio entre os sujeitos de direitos, seja no mbito pblico ou priva-do, a Igualdade concebida de maneira formal ou perante a lei no suficiente, na medida em que desconsidera os elementos individualizantes dos seus titulares, o que impulsiona a invocao da Igualdade no sentido substancial ou material, por meio da qual os iguais so tratados igualmente e os desiguais desigualmente.

    No mbito processual, a fim de que as partes tenham as mesmas oportuni-dades, imprescindvel que o conceito de igualdade substancial seja aplicado. Neste cenrio, alm de se viabilizar o acesso justia, transpondo todos os obstculos (jurdicos, econmicos ou sociais) que a inviabilizam, imprescindvel que outros mecanismos sejam vislumbrados e efetivados, tudo em prol do espancamento das diferenas e da consolidao do equilbrio.

    A prpria Constituio Federal tratou de regulamentar meios viabilizado-res da igualdade substancial no mbito processual, em um claro reconhecimento de que a mera previso da inafastabilidade do controle jurisdicional e do contraditrio e ampla defesa no so suficientes para a garantia efetiva do acesso justia. Desse modo, estabeleceu a gratuidade da Justia para os que se declararem pobres na forma da lei; previu a criao das Defensorias Pblicas e dos Juizados Especiais.

    Outrossim, a Ao Popular, a Ao Civil Pblica, as aes coletivas no mbito do Direito do Consumidor, alm do regramento especfico deste catlogo de direitos consubstanciado no Cdigo de Defesa do Consumidor, bem assim dos princpios e regras pertinentes ao Direito do Trabalho, constituem elementos viabi-lizadores no apenas do Acesso Justia, mas da Igualdade substancial no mbito processual.

    Contudo, h de se destacar que, no obstante os avanos j consolidados, resta um longo caminho a ser percorrido, visto que, a exemplo das Defensorias P-blicas, as quais ainda no foram efetivamente instaladas em muitos estados do Bra-sil, h um grande distanciamento entre a previso normativa e a sua concretizao ftica. Eis o que justifica as inovaes introduzidas pela Emenda Constitucional n 45, que promoveu uma verdadeira reforma no mbito do Poder Judicirio, sobretudo em relao criao do Conselho Nacional de Justia, cujo precpuo fim a viabili-zao de uma atuao mais efetiva e justa do Poder Judicirio Brasileiro, desiderato este que, em ltima instncia, revela-se em sustentculo do prprio princpio da Dignidade da Pessoa Humana.

    H de se destacar que o rgo acima referido, desde a sua criao, tem sido alvo de muitas crticas, o que ensejou, a princpio, a discusso em relao sua constitucionalidade e, posteriormente, no que tange aos poderes e limites destes

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    conferidos constitucionalmente. Tal ordem de coisas deve-se, sobretudo, resistn-cia que os membros do Poder Judicirio tm em relao realizao de um controle externo sobre a sua atuao.

    No entanto, os dados estatsticos explorados no presente artigo demons-tram que, no mnimo, a atuao do CNJ contribui sobremaneira para que sejam diagnosticados os principais problemas que permeiam a atuao do Poder Judicirio Brasileiro, o que poder servir de parmetro para a busca de instrumentos concretos de superao. Outrossim, o estabelecimento de metas e a fiscalizao do seu cum-primento atravs de relatrios,potencialmente viabilizar a constatao das regies mais crticas em termos de congestionamento, tornado possvel a adoo de medidas especficas em relao destinao de juzes, servidores e demais recursos que via-bilizem o suprimento das demandas locais.

    Ressalte-se, por fim, que o rgo acima mencionado, ao agir no sentido de traar diagnsticos e determinar o cumprimento de metas, no solucionar por com-pleto toda a problemtica que envolve o Poder Judicirio no Brasil. No entanto, inegvel que, a partir da sua contribuio para que tal poder se torne mais transparen-te e preocupado com a sua misso constitucional, aproximando-se dos destinatrios do servio que presta e que, de forma indireta, legitima a sua existncia, sem dvida contribui para a consecuo do Princpio da Dignidade da Pessoa Humana a partir do seu acesso a um instrumental viabilizador da proteo aos bens jurdicos dos quais titular, o que, por si s, arrefece as reservas que, de certo modo, tentam diminuir a relevncia e fora do Conselho Nacional de Justia.

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